analise osmundo

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Introduc ¸˜ ao ` a Aalise Real Aldo B. Maciel e Osmundo A. Lima 1 a Edic ¸˜ ao

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Introducao a Analise Real

Aldo B. Maciele

Osmundo A. Lima

1a Edicao

Prefacios

A nossa motivacao para escrever este texto nasceu nosegundo semestre do ano letivo de 2003 quando ministramos,pela terceira vez, a disciplina Introducao a Analise no Cursode Licenciatura em Matematica da Universidade Estadual daParaıba. Essa disciplina e oferecida para os alunos do ultimoano do curso, quando estes ja estao praticamente prontospara o exercıcio da profissao de professor, tendo adquirido umsenso bastante crıtico para a leitura de textos de Matematicae, por conseguinte, passam a, aparentemente, apresentar al-guma dificuldade no aprendizado do asunto a partir dos textoscomumente utilizados. Nos ja tınhamos uma longa experienciano ensino de Analise Real para cursos de Bacharelado emMatematica em outras universidades e sempre adotavamos ostextos conhecidos na literatura sobre o assunto publicados noBrasil.

Quando passamos a ensinar no Curso de Licenciatura emMatematica da Universidade Estadual da Paraıba, cujo projetopedagogico prioriza fortemente a formacao do professor, sem,contudo, negligenciar o rigor na apresentacao e desenvolvi-mento dos conteudos especıficos de Matematica, passamos aobservar que os textos usuais da literatura nao contemplavamesta perspectiva e residia aı a aparente dificuldade no apren-dizado encontrada pelos estudantes. Sentimos, entao, a ausenciana literatura de um texto introdutorio de Analise Real que, aomesmo tempo em que apresentasse o assunto com o rigornescessario para a transmissao das ideias, utilizasse uma lin-guagem leve e dialogada de tal modo a estimular o estudantedo ultimo ano do Curso de Licenciatura a aprender para en-sinar Analise Real. Este e, portanto, o objetivo deste texto oqual cobre todo o material de um primeiro curso de AnaliseReal a ser ministrado no ultimo ano da graduacao.

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Gostarıamos de expressar nossos agradecimentos: aoscolegas do Departamento de Matematica e Estatıstica da Uni-versidade Estadual da Paraıba por utilizarem nossas notas deaulas e pelo incentivo a publicacao das mesmas; aos nossosex-alunos de Introducao a Analise, particularmente a AnselmoRibeiro Lopes, pelo trabalho na elaboracao e resolucao departe das listas de exercıcios; aos professores Luiz AdautoMedeiros e Manoel Milla Miranda da Universidade Federal doRio de Janeiro pela leitura crıtica e valiosas sugestoes ao textoe, finalmente, agradecer a Editora da Universidade Estadualda Paraıba (eduep) pela oportunidade de publicacao do texto.

Campina Grande-PB, dezembro de 2005

Os Autores

A primeira edicao deste livro alcancou um relativo sucesso,tendo sido usado como texto basico ou como texto de referenciaem disciplinas introdutorias de Analise Real tanto em cursosde licenciatura como em cusos de bacharelado em Matematicae, tambem, em cursos de nivelamento para ingresso em Mestra-dos em Matematica de diversas universidades brasileiras. Atodos os colegas que adotaram o texto os autores agrade-cem, nao so pelas mensagens de estımulo a uma segundaedicao, mas, principalmente pelas varias sugestoes encamin-hadas, tendo sido acolhidas e incorporadas neste nesta se-gunda edicao todas aquelas que, na opiniao dos autores, con-tribuiram para o aperfeicoamento da apresentacao dos assun-tos, dentro da filosofia do texto destacada no prefacio da primeiraedicao.

diversos cursos de Matematica nossa motivacao para es-crever este texto nasceu no segundo semestre do ano letivode 2003 quando ministramos, pela terceira vez, a disciplinaIntroducao a Analise no Curso de Licenciatura em Matematicada Universidade Estadual da Paraıba. Essa disciplina e ofer-ecida para os alunos do ultimo ano do curso, quando estes jaestao praticamente prontos para o exercıcio da profissao deprofessor, tendo adquirido um senso bastante crıtico para aleitura de textos de Matematica e, por conseguinte, passama, aparentemente, apresentar alguma dificuldade no apren-dizado do asunto a partir dos textos comumente utilizados.Nos ja tınhamos uma longa experiencia no ensino de AnaliseReal para cursos de Bacharelado em Matematica em outrasuniversidades e sempre adotavamos os textos conhecidos naliteratura sobre o assunto publicados no Brasil.

Quando passamos a ensinar no Curso de Licenciatura emMatematica da Universidade Estadual da Paraıba, cujo projetopedagogico prioriza fortemente a formacao do professor, sem,contudo, negligenciar o rigor na apresentacao e desenvolvi-

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mento dos conteudos especıficos de Matematica, passamos aobservar que os textos usuais da literatura nao contemplavamesta perspectiva e residia aı a aparente dificuldade no apren-dizado encontrada pelos estudantes. Sentimos, entao, a ausenciana literatura de um texto introdutorio de Analise Real que, aomesmo tempo em que apresentasse o assunto com o rigornescessario para a transmissao das ideias, utilizasse uma lin-guagem leve e dialogada de tal modo a estimular o estudantedo ultimo ano do Curso de Licenciatura a aprender para en-sinar Analise Real. Este e, portanto, o objetivo deste texto oqual cobre todo o material de um primeiro curso de AnaliseReal a ser ministrado no ultimo ano da graduacao.

Gostarıamos de expressar nossos agradecimentos: aoscolegas do Departamento de Matematica e Estatıstica da Uni-versidade Estadual da Paraıba por utilizarem nossas notas deaulas e pelo incentivo a publicacao das mesmas; aos nossosex-alunos de Introducao a Analise, particularmente a AnselmoRibeiro Lopes, pelo trabalho na elaboracao e resolucao departe das listas de exercıcios; aos professores Luiz AdautoMedeiros e Manoel Milla Miranda da Universidade Federal doRio de Janeiro pela leitura crıtica e valiosas sugestoes ao textoe, finalmente, agradecer a Editora da Universidade Estadualda Paraıba (eduep) pela oportunidade de publicacao do texto.

Campina Grande-PB, dezembro de 2005

Os Autores

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Conteudo

Prefacio da Primeira Edicao 2

Prefacio da Segunda Edicao 4

1 Sistemas de Numeros 111.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.2 Conjuntos e Funcoes . . . . . . . . . . . . . . . 121.3 Numeros Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . 141.4 Numeros Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . 181.5 Numeros Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . 191.6 Numeros Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

1.6.1 Valor Absoluto e Intervalos . . . . . . . . 301.6.2 Propriedade Arquimediana de R . . . . . 31

1.7 Conjuntos Contaveis . . . . . . . . . . . . . . . 331.8 Exercıcios do Capıtulo 1 . . . . . . . . . . . . . 38

2 Sequencias Numericas 472.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 472.2 Sequencias de Numeros Reais . . . . . . . . . . 472.3 Limite de Uma Sequencia . . . . . . . . . . . . . 512.4 Sequencias de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . 612.5 Exercıcios do Capıtulo 2 . . . . . . . . . . . . . 64

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8 CONTEUDO

3 Series Numericas 693.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693.2 Series . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

3.2.1 Series de Termos nao Negativos . . . . . 743.2.2 Series Alternadas . . . . . . . . . . . . . 78

3.3 Convergencia Absoluta . . . . . . . . . . . . . . 793.4 Outros Testes de Convergencia . . . . . . . . . 813.5 Exercıcios do Capıtulo 3 . . . . . . . . . . . . . 87

4 Nocoes de Topologia da Reta 934.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 934.2 Limite Superior e Limite Inferior . . . . . . . . . . 944.3 Nocoes de Topologia da Reta . . . . . . . . . . 99

4.3.1 Conjuntos Abertos . . . . . . . . . . . . . 1014.3.2 Conjuntos Fechados . . . . . . . . . . . 1024.3.3 Conjuntos Compactos . . . . . . . . . . . 1044.3.4 Conjuntos Completos . . . . . . . . . . . 106

4.4 Exercıcios do Capıtulo 4 . . . . . . . . . . . . . 109

5 Limites de Funcoes 1135.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1135.2 Funcoes Limitadas . . . . . . . . . . . . . . . . 1135.3 Limites de Funcoes Reais . . . . . . . . . . . . 1165.4 Limites Laterais, Infinitos e no Infinito . . . . . . 122

5.4.1 Limites Laterais . . . . . . . . . . . . . . 1235.4.2 Limites Infinitos . . . . . . . . . . . . . . 1245.4.3 Limites no Infinito . . . . . . . . . . . . . 125

5.5 Funcoes Monotonas . . . . . . . . . . . . . . . . 1265.6 Exercıcios do Capıtulo 5 . . . . . . . . . . . . . 132

6 Funcoes Contınuas 1356.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1356.2 Funcoes Contınuas . . . . . . . . . . . . . . . . 135

6.2.1 Funcoes Contınuas em Intervalos . . . . 145

CONTEUDO 9

6.2.2 Funcoes Uniformemente Contınuas . . . 1496.3 Exercıcios do Capıtulo 6 . . . . . . . . . . . . . 153

7 Funcoes Derivaveis 1597.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1597.2 A Derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1597.3 O Teorema do Valor Medio . . . . . . . . . . . . 1657.4 A Formula de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . 1717.5 A Regra de L’Hopital . . . . . . . . . . . . . . . . 1747.6 Exercıcios do Capıtulo 7 . . . . . . . . . . . . . 181

8 Funcoes Integraveis 1878.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1878.2 Integral Superior e Integral Inferior . . . . . . . . 1888.3 A Integral de Riemann . . . . . . . . . . . . . . 195

8.3.1 A Integral Como Limite de Somas deRiemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200

8.3.2 Propriedades da Integral de Riemann . . 2048.3.3 O Teorema Fundamental do Calculo . . . 211

8.4 Exercıcios do Capıtulo 8 . . . . . . . . . . . . . 220

9 Sequencias e Series de Funcoes 2279.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2279.2 Sequencias de Funcoes . . . . . . . . . . . . . 2289.3 A Convergencia Pontual . . . . . . . . . . . . . 2299.4 A Convergencia Uniforme . . . . . . . . . . . . . 232

9.4.1 Propriedades da Convergencia Uniforme 2359.5 Series de Funcoes . . . . . . . . . . . . . . . . 238

9.5.1 Criterios de Convergencia para Series deFuncoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240

9.6 Series de Potencias . . . . . . . . . . . . . . . . 2499.6.1 A Serie de Taylor . . . . . . . . . . . . . 2549.6.2 A Serie Binomial . . . . . . . . . . . . . . 261

9.7 Exercıcios do Capıtulo 9 . . . . . . . . . . . . . 264

10 CONTEUDO

Bibliografia 269

Capıtulo 1

Sistemas de Numeros

1.1 Introducao

A Analise Real trabalha conceitos que, de um jeito ou deoutro, conforme o proprio nome indica, estao relacionados comnumeros reais. Sendo assim, entendemos ser importante fazeruma apresentacao desse sistema numerico, bem como co-mentar suas principais propriedades. Esse e o principal obje-tivo deste capıtulo. Contudo, nao faremos aqui uma construcaodetalhada do sistema dos numeros reais, tarefa esta mais per-tinente a um curso de Fundamentos da Matematica. Aquinos limitaremos a fazer uma breve apresentacao de um dosmetodos, dentre os varios conhecidos na literatura matematica,de introducao dos numeros reais a partir do sistema mais prim-itivo dos numeros naturais. Antes, porem, a fim de facilitar acomunicacao com o leitor, achamos conveniente dedicar umasecao do texto para apresentar a notacao e a terminologiamınima necessarias para tratar conjuntos e funcoes.

11

12 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

1.2 Conjuntos e Funcoes

Se A e um conjunto, a notacao x ∈ A (le-se: x pertencea A) significa que x e um elemento de A. Escrevemos x <A (le-se: x nao pertence a A) para indicar que x nao e umelemento de A. Um conjunto B denomina-se subconjunto doconjunto A quando cada elemento de B e tambem elementode A, e denotamos tal fato por B ⊂ A (le-se: B esta contidoem A). Quando ocorrer de B ⊂ A e existir a ∈ A com a < Bdizemos que B e um suconjunto proprio de A. Dizemos quedois conjuntos A e B sao iguais, e escrevemos A = B, quandoocorre simultanemente que A ⊂ B e B ⊂ A. Indicamos por∅, e chamamos de conjunto vazio, o conjunto que nao possuielementos. Temos, naturalmente, que ∅ ⊂ A, qualquer queseja o conjunto A.

Dados os conjuntos A e B podemos formar o conjunto A∪B(le-se: A uniao B) obtido juntando-se os elementos de A aoselementos de B, ou seja, o conjunto formado pelos elementosque estao em A ou em B. Em sımbolos temos

A ∪ B = {x; x ∈ A ou x ∈ B}.

Tambem podemos formar o conjunto A∩B (le-se: A intersecaoB) como sendo o conjunto dos elementos que pertencem si-multaneamente a A e a B. Em sımbolos temos

A ∩ B = {x; x ∈ A e x ∈ B}.

Podemos considerar ainda a diferenca entre A e B, denotadopor A − B (le-se: A menos B), e formado pelos elementos queestao em A e nao estao em B. Em sımbolos temos

A − B = {x; x ∈ A e x < B}.

Observemos que, para considerarmos a diferenca entre A e B,nao exigimos que B seja necessariamente subconjunto de A.

1.2. CONJUNTOS E FUNCOES 13

No entanto, quando isso ocorre a diferenca A − B e chamadade complementar de B com respeito a A.

Para simplificar alguns argumentos utilizamos os sımbolos∀ (quantificador universal) e ∃ (quantificador existencial) parasignificar para todo e existe, respectivamente.

Dados dois conjuntos nao vazios A e B, uma funcao f deA em B e uma regra ou associacao que a cada x ∈ A corre-sponde um unico elemento y ∈ B. O conjunto A e denominadodomınio e o B de contradomınio da funcao f .

Usamos a notacao

f : A −→ Bx 7−→ f (x)

para denotar uma funcao f de A em B.Dados dois conjuntos A e B construimos um novo conjunto,

denominado produto cartesiano de A por B, e denotado porA × B (le-se: A cartesiano B), cujos elementos sao os paresordenados (a, b), onde a ∈ A e b ∈ B, isto e

A × B = {(a, b); a ∈ A e b ∈ B}.

Um conjunto importante associado a uma funcao f : A→ Be o seu grafico, denotado por G( f ), que e o subconjunto deA × B dado por

G( f ) = {(x, y) ∈ A × B; y = f (x)}.

Dadas uma funcao f : A → B e S um subconjunto de A,denominamos de imagem de S por f , e denotamos por f (S ),o subconjunto de B definido por

f (S ) = {y ∈ B; y = f (x) para algum x ∈ S }.

Analogamente, se C e um subconjunto de B, denominamos deimagem inversa de C por f e denotamos por f −1(C) o subcon-junto de A definido por

f −1(C) = {x ∈ A; f (x) ∈ C}.

14 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Seja f : A→ B uma funcao:

• Dizemos que f e injetiva quando f (x1) , f (x2) sempreque x1 , x2, ou equivalentemente, f (x1) = f (x2) acarretax1 = x2.

• Dizemos que f e sobrejetiva quando para cada y ∈ Bexiste x ∈ A tal que f (x) = y.

• Quando f e simultaneamente injetiva e sobrejetiva dize-mos que e uma bijecao.

Quando f : A → B e uma bijecao, fica bem definida afuncao inversa de f , denotada por f −1, cujo domınio e B econtradomınio e A, como sendo a funcao que a cada y ∈ Bassocia o unico x ∈ A tal que f (x) = y.

Dadas f : A → B e g: B → C definimos a funcao compostag ◦ f : A→ C por (g ◦ f )(x) = g( f (x)), ∀x ∈ A.

Por enquanto o material ate aqui exposto e suficiente parao trabalho nas proximas secoes, e a medida que formos ne-cessitando iremos introduzindo a linguagem adicional necessariapara trabalharmos com conjuntos e funcoes.

1.3 Numeros Naturais

A partir desta secao vamos apresentar os sistemas denumeros com os quais trabalharemos neste texto. Admitire-mos a existencia de um conjunto nao vazio N, chamado deNumeros Naturais, para o qual vale os seguintes axiomas,conhecidos como Axiomas de Peano1,2 :

1Giuseppe Peano (1858-1932).2Os Axiomas de Peano aparecem na sua obra Princıpios de Aritmetica,

publicada em 1889.

1.3. NUMEROS NATURAIS 15

Axioma 1.1 : 1 e um numero natural (isto e, 1 ∈ N).

Axioma 1.2 : Cada numero natural n possui um unico suces-sor, o qual e denotado por n′.

Axioma 1.3 : O numero natural 1 nao e sucessor de nenhumoutro numero natural (ou seja, n′ , 1,∀n ∈ N).

Axioma 1.4 : Se m e n sao numeros naturais tais que m′ = n′,entao m = n.

Axioma 1.5 : Se M ⊂ N tem as propriedades

a) 1 ∈ M;

b) n′ ∈ M sempre que n ∈ M,

entao M = N.

A partir dos Axiomas de Peano e possıvel definir em N umaoperacao de adicao, denotada por +, de tal maneira que 1′, osucessor de 1, e 1 + 1, o qual e denotado por 2; o sucessor de2 e 2 + 1, o qual e denotado por 3 e, em geral, n′ = n + 1. Demodo que temos

N = {1, 2, 3, . . . }.

A partir deste ponto abandonaremos a notacao n′ para denotaro sucessor de n e escreveremos sempre n+1 como o sucessorde n. Define-se tambem em N, utilizando-se a operacao deadicao ja definida e dos Axiomas de Peano, uma operacao demultiplicacao3, denotada por · e as duas operacoes definidasgozam das seguintes propriedades :

• Associatividade: m+ (n+ p) = (m+n)+ p e m · (n · p) =(m · n) · p para quaisquer m, n, p ∈ N.

3Para os detalhes recomendamos a leitura de [9].

16 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

• Comutatividade: m + n = n + m e m · n = n · m paraquaisquer m, n ∈ N.

• Leis do Cancelamento: Se m + p = n + p, entao m = ne se m · p = n · p, entao m = n para quaisquer m, n, p ∈ N.

• Distributividade: m · (n+ p) = m ·n+m · p para quaisquerm, n, p ∈ N.

Observacao: Na pratica, quando nao ha risco de ambiguidade,omitimos a notacao · para indicar a operacao de multiplicao.

O Axioma 1.5 e conhecido na literatura matematica comoPrimeiro Princıpio de Inducao e se constitui numa ferramentamuito utilizada para demonstrar afirmacoes sobre numeros nat-urais. O procedimento e feito da seguinte forma: suponhamosque uma determinada afirmativa A(n) sobre n ∈ N cumpre asseguintes condicoes:

a) A(1) e verdadeira, isto e, a afirmativa e valida para n = 1.

b) A(k) verdadeira ⇒ A(k + 1) verdadeira4, isto e, admitindoa veracidade da afirmativa para um natural k abitrario, epossıvel demonstrar a veracidade da mesma para k + 1.

Nestas condicoes A(n) e verdadeira para todo n ∈ N.

Exemplo 1.1 Considere a seguinte afirmativa: Para n ∈ N

2 + 4 + 6 + · · · + 2n = n(n + 1). (1.1)

Vamos mostrar que a formula (1.1) e valida para todo n ∈ Nusando o primeiro princıpio de inducao. Se n = 1 temos que

2 = 1(1 + 1)4O sımbolo⇒ significa implica.

1.3. NUMEROS NATURAIS 17

ou seja, a formula vale para n = 1. Admitindo agora a veraci-dade da formula para um k arbitrario de N, tentemos demon-strar a veracidade da mesma para k + 1. Temos, entao, que

2 + 4 + 6 + · · · + 2k + 2(k + 1) = k(k + 1) + 2(k + 1) =

(k + 2)(k + 1) = (k + 1)[(k + 1) + 1],

de modo que a afirmativa vale para k+1. Pelo primeiro princıpiode inducao, segue que a afirmativa (1.1) e verdadeira paratodo n ∈ N.

No conjunto N esta definida a relacao “ < ” do seguintemodo: dados m, n ∈ N dizemos que m e menor que n, e es-crevemos m < n, quando existe k ∈ N tal que m + k = n.Quando m < n dizemos tambem que n e maior que m e es-crevemos n > m. As principais propriedades da relacao “ < ”sao:

• Tricotomia: Para cada par de numeros naturais m en, uma, e somente uma, das sentencas abaixo e ver-dadeira:

i) m = n ou ii) n < m ou iii) m < n.

• Monotonicidade: Se m, n ∈ N e m < n, entao, para todok ∈ N,

i) m + k < n + k e ii) km < kn.

As demonstracoes das propriedades acima decorrem doprimeiro princıpio de inducao e podem sem encontradas em[9].

Escrevemos m ≤ n (le-se: m e menor ou igual a n) paraindicar que m < n ou m = n. Escrevemos tambem n ≥ m (le-se:n e maior ou igual a m) quando m ≤ n.

A relacao “ ≤ ” goza das seguintes propriedades:

18 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

• Reflexividade: ∀ x ∈ N, x ≤ x.

• Transitividade: Para x, y e z ∈ N, se x ≤ y e y ≤ z entaox ≤ z.

• Anti-Simetria: Para x, y ∈ N se x ≤ y e y ≤ x entaox = y.

Observacao: Uma relacao entre elementos de um conjuntonao vazio A que goza das propriedades acima e chamada derelacao de ordem.

1.4 Numeros Inteiros

O sistema dos numeros naturais apresenta uma deficienciaobvia, qual seja, a de que a equacao m + x = n nem sempreadmite uma solucao para m e n dados arbitrariamente em N.Por exemplo, 5 + x = 7 admite a solucao x = 2, enquantoque 5 + x = 2 nao admite solucao em N. Essa dificuldade eresolvida construindo-se5 o conjunto dos Numeros Inteiros Z,contendo N como um subconjunto proprio, e no qual estaodefinidas operacoes de adicao e multiplicacao que general-izam as operacoes correspondentes de N. Alem do mais:

a) Z possui um elemento chamado zero, e denotado por 0,que e neutro em relacao a adicao, isto e m+0 = m, ∀m ∈Z.

b) O elemento 1 ∈ N ⊂ Z e neutro em relacao a multiplicacao,ou seja 1m = m, ∀ m ∈ Z.

c) Em Z a equacao m+ x = n admite solucao unica, quaisquerque sejam m, n ∈ Z.

5Nao faremos os detalhes aqui. Recomendamos ao estudante a referencia[9].

1.5. NUMEROS RACIONAIS 19

A relacao de ordem de N se estende para Z, de modo queZ fica sendo formado pelos inteiros maiores que zero, chama-dos de inteiros positivos, o proprio zero e os inteiros menoresque zero, que sao os inteiros negativos. Assim, podemos es-crever a lista usual dos numeros inteiros

· · · ,−3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, · · ·

e a sua representacao como pontos de uma reta separadospor uma distancia fixa de tal modo que “a < b” indica que aesta a esquerda de b.

1.5 Numeros Racionais

O sistema dos numeros inteiros apresenta, por sua vez,a deficiencia de que nem sempre uma equacao do tipo mx =n pode ser resolvida em Z. Por exemplo, a equacao 4x = 8possui a solucao x = 2 enquanto que a equacao 6x = 7 naoadmite solucao em Z. Essa deficiencia e suprida construindo-se o conjunto dos numeros racionais Q, isto e:

Q =

{pq

; p, q ∈ Z e q , 0}.

Os elementos de Q sao tambem chamados de fracoes.Em Q definimos a Igualdade a Adicao e a Multiplicacao

do seguinte modo:

Igualdade:pq=

mn

⇔ pn = qm, q , 0 e n , 0.

Adicao:pq+

mn=

np + mqqn

, q , 0 e n , 0.

Multiplicacao:pq·

mn=

pmqn

, q , 0 e n , 0.

20 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Uma fracao do tipo p/1 e identificada com o inteiro p. Comesta identificacao temos que Q contem Z como um subcon-junto proprio.

As operacoes de adicao e de multiplicacao definidas emQ generalizam as correspondentes operacoes de Z e, alemde satisfazerem as propriedades associativa, comutativa, ex-istencia dos elementos neutros (o 0 da adicao e o 1 da multiplicacao),a existencia dos simetricos aditivos e a distributividade, sat-ifaz tambem a propriedade da existencia dos inversos multi-plicativos. Dizemos, entao, que Q, munido das operacoes deadicao e multiplicacao e gozando das propriedades acima de-scritas, constitui um corpo.

Diferentemente do que ocorre em Z, o corpo Q e um sis-tema numerico no qual resolve-se qualquer equacao do tipoax = b, com a e b em Q, e a , 0. No entanto, o sistema dosnumeros racionais apresenta ainda a deficiencia de que deter-minadas equacoes algebricas, como por exemplo x2 = 2, naoadmite solucao em Q. De fato, se existissem numeros inteirosp e q tais que p2/q2 = 2, com p e q primos entre si, entaop2 = 2q2. Assim, p2 seria um inteiro par e, portanto, p tambemseria par (o quadrado de um inteiro e par se, e somente se, ointeiro e par). Terıamos, entao, que p = 2m, para algum inteirom. Neste caso 4m2 = 2q2, donde q2 = 2m2, logo q2 seria pare, consequentemente, q tambem seria par, o que contradiria ahipotese de que p e q sao primos entre si. Outros exemplosde equacoes algebricas que nao admitem solucoes em Q saoapresentadas nos exercıcios deste capıtulo. Essa deficienciaapresentada pelos racionais e seria. Um exemplo desta difi-culdade e que, para uma figura plana quadrada com lado demedida igual a 1, nao existe numero racional que representea medida da sua diagonal, pois, se a fosse um tal numeroentao, pelo famoso Teorema de Pitagoras, deverıamos ter quea2 = 12 + 12 = 2. No entanto, como acabamos de ver, nao

1.5. NUMEROS RACIONAIS 21

existe em Q um numero cujo quadrado seja igual a 2. Comeste exemplo vemos a real necessidade de dispormos de umsistema numerico mais amplo que o dos racionais. Este fatofoi, provavelmente, constatado pelos pitagoricos no perıodo de450 a 400 a. C. quando observaram que a diagonal de umquadrado e o seu lado sao grandezas incomensuraveis. Con-vidamos o estudante a ler a referencia [2] onde ha uma boaexposicao sobre o assunto.

Passamos agora a desenvolver algumas etapas que em-basam o processo teorico de ampliacao do corpo dos numerosracionais para um corpo no qual podemos resolver a questaoobservada no paragrafo anterior.

No corpo Q dizemos que uma fracao p/q e positiva se pq ∈N. Isso, na verdade, significa dizer que p e q ou sao ambosinteiros positivos ou ambos inteiros negativos. O subconjuntodas fracoes positivas de Q e denotado por Q+.

E simples verificar (faca-o como exercıcio) que o subcon-junto Q+ goza das seguintes propriedades:

i) Q+ e fechado com respeito as operacoes de Q, isto e, sex, y ∈ Q+, entao x + y e xy pertencem a Q+.

ii) Dado x ∈ Q, uma, e somente uma, das alternativas a seguire verdadeira: ou x = 0, ou x ∈ Q+, ou −x ∈ Q+.

Dados dois racionais x e y, dizemos que x e menor que ye escrevemos x < y (ou que y e maior que x e escrevemosy > x) se y − x ∈ Q+.

A relacao “ < ” introduzida em Q generaliza a relacao“ < ” de Z (que, por sua vez, e uma generalizacao da relacao“ < ” introduzida em N). Observe que em Q, o subconjunto Q+dos racionais positivos, e exatamente o conjunto dos racionaisx de Q tais que x > 0.

As principais propriedades da relacao “ < ” de Q sao:

22 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

a) Dados x e y em Q, uma, e somente uma, das alternativas everdadeira: ou x < y, ou x = y ou y < x.

b) Dados x, y e z em Q, se x < y e y < z entao x < z.

c) Se x < y entao x + z < y + z, ∀ z ∈ Q.

d) Se x < y e z > 0 entao zx < zy.

e) Se 0 < x < y entao1y<

1x.

Convidamos o estudante a demonstrar, como um exercıcio,cada uma das propriedades acima.

Analogamente ao que fizemos em Z, escrevemos x ≤ ypara indicar que x < y ou x = y. Quando x ≤ y escrevemostambem y ≥ x. A relacao “ ≤ ” goza das propriedades Re-flexiva, Transitiva e Anti-Simetrica, portanto e uma relacao deordem em Q.

O conjuntoQ,munido das operacoes de adicao e multiplicacaoe da relacao de ordem, constitui uma estrutura algebrica quechamamos de corpo ordenado.

Duas propriedades importantes deQ sao dadas nas proposicoesa seguir.

Proposicao 1.1 Se x e y sao numeros racionais tais que x <y, entao existe um numero racional z tal que x < z < y.

Prova: Sendo x < y, entao 2x = x + x < x + y < y + y = 2y.Assim, 2x < x + y < 2y e, multiplicando por 1/2, obtemosx < x+y

2 < y. Tomemos z = x+y2 e temos o resultado.

Proposicao 1.2 Se x e y sao dois numeros racionais posi-tivos, existe um inteiro positivo m tal que mx > y.

1.5. NUMEROS RACIONAIS 23

Prova: Sendo x e y racionais entao x =pq

e y =rs, com p, q, r

e s inteiros, os quais podemos supor que sao todos maiores ouiguais a 1 pois x e y sao positivos. Assim, ps ≥ 1 e, portanto,2ps ≥ 2 > 1, o que acarreta 2qrps > qr. Considerando o inteirom = 2qr obtemos m

pq>

rs, como querıamos.

A propriedade de Q dada pela Proposicao 1.2 e conhecidacomo Propriedade Arquimediana de Q.

O corpoQ dos numeros racionais, alem da deficiencia algebricaanteriormente explicitada, apresenta outra deficiencia, a qualapresentaremos a seguir, apos a introducao de alguns con-ceitos necessarios.

Definicao 1.1 Um subconjunto S de Q denomina-se limitadosuperiormente quando existe t ∈ Q tal que x ≤ t para todox ∈ S .

Um numero t nas condicoes da Definicao 1.1 denomina-secota superior par S . E claro que se t e uma cota superior paraS entao qualquer numero maior que t tambem e uma cota su-perior para S . Analogamente, define-se subconjunto limitadoinferiormente de Q e cota inferior.

Quando um subconjunto deQ e, simultaneamente, limitadoinferiormente e superiormente dizemos que e limitado.

Definicao 1.2 Um numero racional u denomina-se supremode um subconjunto limitado superiormente S ⊂ Q, se:

i) u e uma cota superior para S e

ii) se t e qualquer cota superior para S entao u ≤ t.

Quando o supremo de S ⊂ Q existe nos o denotamos porsup S . E imediata a verificacao de que o supremo de um sub-conjunto limitado superiormente de Q, quando existe, e unico.

24 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Analogamnete define-se ınfimo de um subconjunto limitado in-feriormente S ⊂ Q e quando tal numero existe o denotamospor inf S . Quando S ⊂ Q possui supremo e sup S ∈ S , dizemosque S possui um elemento maximo. Observacao analoga paraınfimo e elemento mınimo.

Uma caracterizacao importante para o supremo de um sub-conjunto limitado superiormente S deQ e apresentada na proposicaoa seguir.

Proposicao 1.3 Seja S um subconjunto limitado superiormentede Q. Entao u ∈ Q e o supremo de S se, e somente se:

a) u e cota superior de S , isto e, x ≤ u, ∀x ∈ S ;

b) Dado qualquer racional r > 0, existe x ∈ S tal que u−r < x.

Prova: Suponhamos que u e o supremo de S . Entao u e umacota superior de S , portanto, satisfaz a). Se existisse r0 > 0tal que u − r0 ≥ x, ∀x ∈ S , entao u − r0, que e estritamentemenor que u, seria cota superior de S , o que contradiria a min-imalidade de u. Portanto, para cada r > 0 existe x ∈ S tal queu−r < x. Reciprocamente, suponhamos que u satisfaz a) e b) eseja t uma outra cota superior de S . Se fosse t < u tomarıamosr = u − t > 0 e, por b) existiria x ∈ S com u − (u − t) < x. Isto e,t < x, o que contradiria a hipotese de t ser cota superior de S .Portanto u ≤ t, donde sup S = u.

O exemplo a seguir e importante e explicita, conforme prom-etemos exibir, uma outra deficiencia dos racionais. Trata-sede um exemplo de um subconjunto de Q que e limitado su-periormente mas que nao possui nem elemento maximo nemsupremo.

Exemplo 1.2 Consideremos os subconjuntos S e T de Q da-dos por

S = {x ∈ Q; x > 0 e x2 < 2}

1.5. NUMEROS RACIONAIS 25

eT = {y ∈ Q; y > 0 e y2 > 2}.

Observe que se x ∈ S e y ∈ T, como ambos, x e y, sao pos-itivos e x2 < y2, segue que x < y. Em outras palavras, oselementos de T sao cotas superiores para S e os elementosde S sao cotas inferiores para T. Mostremos agora que o con-junto S nao possui elemento maximo. De fato, se x ∈ S , sendox > 0 e x2 < 2 entao 2 − x2 > 0 e 2x + 1 > 0. Pela PropriedadeArquimediana de Q (Proposicao 1.2) podemos ecolher n ∈ Ntal que n(2 − x2) > 2x + 1, donde 2x+1

n < 2 − x2. Alem disso,sendo n ≥ 1, segue que 1

n2 ≤1n . Assim,(

x +1n

)2

= x2 +2xn+

1n2 ≤ x2 +

2xn+

1n=

x2 +2x + 1

n< x2 + 2 − x2 = 2.

Portanto, x + 1n ∈ S . Mas, x + 1

n > x e, assim, deduzimos que Snao possui elemento maximo. Por sua vez, o conjunto T naopossui elemento mınimo pois, se y ∈ T entao y > 0 e y2 > 2,logo, pela Propriedade Arquimediana de Q, podemos escolherm ∈ N tal que m(y2 − 2) > 2y donde − 2y

m > 2 − y2. Logo(y −

1m

)2

= y2 −2ym+

1m2 > y2 −

2ym> y2 + 2 − y2 = 2.

Note que o fato de ser y > 1 e m ≥ 1 acarreta ym > 1, dondey − 1

m > 0, ou seja, y − 1m ∈ T e, portanto, T nao possui ele-

mento mınimo. Podemos finalmente concluir que S nao pos-sui supremo. De fato, se existisse u = sup S , nao poderia seru2 < 2 pois neste caso u ∈ S e, assim, u seria o elementomaximo de S , que nao existe. Tambem nao pode ser u2 > 2pois, neste caso, como u > 0, terıamos u ∈ T. Mas, T nao tem

26 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

mınimo, e, assim, existiria v ∈ T com v < u. Ora, como todosos elementos de T sao cotas superiores para S , terıamos umacontradicao para o fato de u ser o supremo de S . Muito bem!Se nao pode ser u2 < 2 nem u2 > 2, so pode ser u2 = 2. No en-tanto, em Q nao existe elemento cujo quadrado seja igual a 2.Portanto, so podemos concluir pela nao existencia do supremode S em Q.

1.6 Numeros Reais

Na secao anterior exibimos duas dificuldades apresentadaspelo corpo dos numeros racionais Q, quais sejam: a nao ex-istencia de um numero racional cujo quadrado seja igual a 2 eum exemplo de um subconjunto limitado superiormente quenao possui supremo. Observando mais atentamente o Ex-emplo 1.2 vemos que os subconjuntos S e T sao disjuntos,todos os elementos de S sao menores que todos os elemen-tos de T, mas nao existe em Q um elemento “separador” dosconjuntos. Isto nos conduz a seguinte interpretacao: imagi-nando os racionais como pontos de uma reta, como fizemoscom os inteiros, mesmo sabendo que dados quaisquer doisracionais, tao proximos quanto queiramos um do outro, sem-pre podemos exibir um terceiro racional entre eles, ainda as-sim alguns pontos (na realidade muitos pontos) nao estao as-sociados a numeros racionais. Em outras palavras, Q nao“preenche” toda a reta.

Por todos os motivos anteriormente apresentados, torna-se necessaria a ampliacao do corpo dos numeros racionaispara um corpo “maior” que venha a sanar as deficienciasapresentados por Q. Isto e feito construindo-se o corpo dosnumeros reais R a partir do corpo dos numeros racionaisQ. Hadiversos metodos para fazer tal construcao. Dois bem famosos

1.6. NUMEROS REAIS 27

e que podem sem encontrados na literatura listada na bibli-ografia recomendada neste texto sao o Metodo dos Cortes deDedekind6 e o Metodo das Sequencias de Cauchy7. Adianta-mos, contudo, que, por quaisquer dos metodos utilizados, oscorpos finalmente construıdos gozarao exatamente das mes-mas propriedades.

Deixamos de apresentar aqui os detalhes da construcaodo corpo dos numeros reais pelos seguintes motivos:

• Uma tal construcao demanda um tempo extra, normal-mente nao disponıvel em um curso como o aqui pro-posto.

• Em geral, os estudantes de um curso introdudutorio deAnalise Real nao adquiriram, ainda, maturidade suficiente(do ponto de vista de conhecimentos matematicos acu-mulados) para acompanharem os detalhes da construcao.

• Entendemos que, neste momento, e mais importante parao estudante conhecer as propriedades satisfeitas pelonumeros reais R do que mesmo conhecer qual seja anatureza desses numeros.

A partir de agora vamos aceitar o fato de que existe umcorpo ordenado, contendo Q como um subconjunto proprio,chamado corpo dos numeros reais e denotado por R, para oqual vale o seguinte Teorema.

Teorema 1.1 (Teorema de Dedekind) Suponha que R se es-creve como uma uniao disjunta de dois subconjuntos nao vaziosA e B tais que para todo a ∈ A e para todo b ∈ B vale que a < b.Entao existe um unico c ∈ R satisfazendo a ≤ c para todo a ∈ Ae c ≤ b para todo b ∈ B.

6Richard Dedekind (1831-1916)7Augustin-Louis Cauchy (1789-1857)

28 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Convidamos o estudante a consultar a referencia [10] ondee apresentada a construcao de R usando cortes de Dedekinde e dada uma demontracao do Teorema de Dedekind. Re-comendamos tambem a leitura da referencia [9] onde e feitauma construcao de R, com bastante detalhes, utilizando ometodo das sequencias de Cauchy.

No corpo R vale o seguinte resultado, o qual, conforme jaconstatamos por meio do Exemplo 1.2, nao e verdadeiro emQ.

Teorema 1.2 Todo subconjunto S ⊂ R, nao vazio e limitadosuperiormente, possui supremo.

Prova: Vamos construir dois subconjuntos A e B de R queestao nas condicoes do Teorema de Dedekind. Para tantoconsideremos

A = {a ∈ R; a < x para algum x ∈ S }

e B o subconjunto de todos os outros numeros reais, isto e

B = {b ∈ R; b ≥ x para todo x ∈ S }.

O subconjunto B e o conjunto das cotas superiores de S , logoe nao vazio pois S e limitado superiormente. O subconjuntoA e nao vazio pois S e nao vazio. Dado t ∈ R, ou t ≥ x paratodo x ∈ S , neste caso t ∈ B, ou existe x ∈ S tal que t < x eneste caso t ∈ A. Portanto R = A ∪ B. Alem disso, para todoa ∈ A e para todo b ∈ B temos que a < b. Com efeito, se a ∈ Ae b ∈ B entao existe x ∈ S tal que a < x ≤ b, donde a < b.Pelo Teorema de Dedekind existe m0 ∈ R tal que a ≤ m0 ≤ b,para todo a ∈ A e para todo b ∈ B. Desde que m0 ∈ R entaoou m0 ∈ A ou m0 ∈ B. Se fosse m0 ∈ A entao existiria x0 ∈ S

1.6. NUMEROS REAIS 29

com m0 < x0. Consideremos δ =x0 − m0

2> 0 e tomemos

a0 = m0 + δ > m0. Temos que

a0 =x0 − m0

2+ m0 =

x0 + m0

2< x0

e, portanto, a0 ∈ A, o que seria uma contadicao. Logo m0 ∈ B,que e o conjunto das cotas superiores de S . Como m0 ≤ b paratodo b ∈ B, segue que m0 e a menor das cotas superiores deS , isto e, m0 = sup S .

Um corpo ordenado no qual vale o Teorema 1.2 e denom-inado corpo ordenado completo. Assim, R e um corpo or-denado completo para o qual temos as seguintes inclusoesproprias

N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R.

Em R podemos agora resolver aquela equacao x2 = 2, quenao foi possıvel resolver em Q. Isto e, existe em R um ele-mento r > 0 tal que r2 = 2. De fato, como Q ⊂ R entao S , osubconjunto limitado superiormente deQ dado no Exemplo 1.2e, obviamente, um subconjunto limitado superiormente de R.Logo existe r ∈ R tal que r = sup S . Mas, do mesmo modocomo foi feito no Exemplo 1.2, r2 nao pode ser nem menorque 2 nem maior que 2. Portanto tera que ser igual a 2. Estenumero real e denotado por

√2 e e chamado de raiz quadrada

(positiva) de 2. Trata-se de um numero real que, conforme javimos, nao e racional.

Os numeros reais que nao sao racionais sao chamadosde numeros irracionais. Ha muitos outros numeros irracionais,alguns bem famosos, como a razao entre o comprimento e odiametro de uma circunferencia, denotado por π, e a base doslogaritmos neperianos, denotado por e. Mais ainda, veremosna secao 1.7 deste capıtulo que, num certo sentido, ha bemmais irracionais que racionais em R.

30 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

1.6.1 Valor Absoluto e Intervalos

Dado x ∈ R definimos o valor absoluto, ou modulo de x, edenotamos por |x|, como sendo

|x| =

x, se x ≥ 0,

−x, se x < 0.

Ou, equivalentemente, |x| = max{x,−x} ou ainda |x| =√

x2. Asprincipais propriedades do valor absoluto sao:

i) |x| ≥ 0 ∀ x ∈ R e |x| = 0⇔ x = 0.

ii) |xy| = |x||y| e∣∣∣∣∣ xy

∣∣∣∣∣ = |x||y| se y , 0.

iii) |x| ≤ a⇔ −a ≤ x ≤ a e |x| ≥ a⇔ x ≥ a ou x ≤ −a.

iv) |x + y| ≤ |x| + |y| ∀ x ∈ R e ∀ y ∈ R.

v) ||x| − |y|| ≤ |x − y| ∀ x ∈ R e ∀y ∈ R.

Uma classe importante de subconjuntos de R e a dos in-tervalos, para os quais ha uma notacao especial, do seguintemodo: dados a e b ∈ R com a < b

[a, b] = {x ∈ R; a ≤ x ≤ b}, (a, b] = {x ∈ R; a < x ≤ b},

[a, b) = {x ∈ R; a ≤ x < b}, (a, b) = {x ∈ R; a < x < b},

[b, +∞) = {x ∈ R; b ≤ x}, (b, +∞) = {x ∈ R; b < x},

(−∞ , a] = {x ∈ R; x ≤ a} e (−∞ , a) = {x ∈ R; x < a}.

O proprio corpo dos reais R e considerado um intervalo eescrevemos R = (−∞, +∞).

1.6. NUMEROS REAIS 31

Os intervalos do tipo (a, b), (−∞, a), (b, +∞) e (−∞, +∞)sao chamados de intervalos abertos e os do tipo [a, b], (−∞, a]e [b, +∞) sao chamados de intervalos fechados.

1.6.2 Propriedade Arquimediana de R

O corpo dos reais goza da Propriedade Arquimediana, con-forme vemos na proposicao a seguir.

Proposicao 1.4 Dados a, b ∈ R com a > 0, existe n ∈ N talque na > b.

Prova: Consideremos o subconjunto S de R dado por

S = {ma; m ∈ N}.

Negar a existencia de n ∈ N tal que na > b significa dizer quema ≤ b para todo m ∈ N. Ou seja, S seria limitado superior-mente. Pelo Teorema 1.2 existe u = sup S . Como a > 0, peloitem b) da Proposicao 1.3 existe m0 ∈ N tal que u − a < m0a,donde u < (m0 + 1)a. Ora, como m0 + 1 ∈ N entao o numero(m0 + 1)a ∈ S , por definicao de S , o que e uma contradicao.Logo existe sim n ∈ N tal que na > b.

Uma propriedade importante de R e estabelecidada pelaproxima proposicao.

Proposicao 1.5 Sejam a e b numeros reais com a < b. Entaoexiste r ∈ Q tal que a < r < b.

Prova: Vamos separar a demonstracao em 3 casos:[Caso 1. 0 < a < b] - Pela Proposicao 1.4 (PropriedadeArquimediana) existe k ∈ N tal que k(b − a) > 1, de modo que

temos,1k+ a < b. Seja A = {m ∈ N; m > ka}. Novamente pela

32 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Proposicao 1.4 segue que A , ∅. Usando o Princıpio da BoaOrdenacao8 de N temos que o conjunto A possui um menorelemento, digamos n0. Entao

n0

k> a e

n0 − 1k≤ a.

Portanto,

a <n0

k≤

1k+ a < b.

Assim r =n0

k∈ Q e a < r < b.

[Caso 2. a ≤ 0 < b] - Outra vez pela Proposicao 1.4 existe

k ∈ N tal que kb > 1. Neste caso 0 < r =1k< b e, portanto,

a < r < b.[Caso 3. a < b ≤ 0] - Neste caso temos 0 ≤ −b < −a quese enquadra nos caso anteriores, logo existe r ∈ Q tal que−b < r < −a ou seja, a < −r < b.

Corolario: Sejam a e b numeros reais com a < b. Entao existet ∈ R − Q tal que a < t < b.

Prova: Sendo a < b entaoa√

2<

b√

2. Portanto existe um

racional r tal quea√

2< r <

b√

2. Assim t = r

√2 ∈ R − Q e tal

que a < t < b, como querıamos.

Definicao 1.3 Seja D ⊂ R. Dizemos que D e denso em R separa todo intervalo aberto (a, b) de R temos D ∩ (a, b) , ∅.

A Proposicao 1.5, juntamente com seu Corolario, afirmamexatamente que Q e R−Q sao ambos densos em R. O fato de

8O Princıpio da Boa Ordenacao afirma que todo subconjunto nao vazio deN possui um menor elemento.

1.7. CONJUNTOS CONTAVEIS 33

Q ser denso em R, juntamente com o fato de ser enumeravel,conforme veremos na proxima secao, conferem a R uma “es-trutura topologica” importante chamada de Espaco TopologicoSeparavel.

1.7 Conjuntos Contaveis

Definicao 1.4 Dizemos que um conjunto A e equipotente aum conjunto B, ou que A e B tem a mesma cardinalidade, eescrevemos A ' B, quando existe uma bijecao f de A em B.

Desde que inversas de bijecoes sao bijecoes, entao, seA ' B segue que B ' A.Como tambem compostas de bijecoessao bijecoes temos que se A ' B e B ' C entao A ' C. Alemdisso, e obvio que qualquer que seja o conjunto A temos sem-pre A ' A. Portanto a propriedade “ser equipotente a” estab-elece uma relacao de equivalencia na classe dos conjuntos.

Um conjunto A e dito finito quando ou e vazio ou qundoexiste n ∈ N tal que A e equipotente a {1, 2, . . . , n}. E claro quese A e equipotente a {1, 2, . . . , n} e a {1, 2, . . . ,m} entao n = m.Dizemos, assim, que n e o numero de elementos de A, ou quea cardinalidade de A e n, e escremos #A = n. Portanto, doisconjuntos finitos sao equipotentes se, e somente se, tem omesmo numero de elementos. Um conjunto que nao e finito edito infinito.

Um conjunto infinito A e dito enumeravel se A ' N. Em out-ras palavras, os elementos de A podem ser arranjados comoos termos de uma sequencia9. Neste caso dizemos que A temcardinalidade ℵ0 (le-se: alefe zero).

Os conjunto finitos e os enumeraveis sao classificados gener-icamente como conjuntos contaveis.

9Uma sequencia e uma funcao cujo domınio e N. Veja mais detalhes noCapıtulo 2.

34 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Exemplo 1.3 O conjunto dos numeros racionais do intervalo[0, 1], isto e, Q∩ [0, 1], e enumeravel. De fato, se agruparmosesses numeros utilizando seus denominadores comuns temosa sequencia:

0, 1,12,

13,

23,

14,

34,

15,

25,

35,

45, . . .

Proposicao 1.6 Se f : A → B e injetiva e B e contavel entaoA e contavel.

Prova: Se A for finito, nada temos a demonstrar. Se A forinfinito, como f : A → f (A) e uma bijecao, segue que A 'f (A), onde f (A) denota a imagem de A por f . Portanto f (A) einfinito, e como f (A) ⊂ B, com mais razao, B tambem e infinito.Como, por hipotese, B e contavel, segue que e enumeravel.Logo existe uma bijecao g : N → B. Denotemos por bn =

g(n), para n ∈ N. Assim B = {b1, b2, b3, . . . }. Seja k1 o primeironumero natural tal que bk1 ∈ f (A). Chamemos de k2 o primeironumero natural maior do que k1 tal que bk2 ∈ f (A). Tomemos,em seguida, o primeiro numero natural k3 maior que k2 tal quebk3 ∈ f (A). Continuando com este processo obtemos que

f (A) = {bk1 , bk2 , bk3 , . . . }.

Definamos, agora, h : f (A) → N pondo h(bk j) = j, j =1, 2, 3, . . . . E claro que h e uma bijecao. Como f : A→ f (A) euma bijecao, segue que h ◦ f : A → N e uma bijecao, dondeA ' N, ou seja, A e enumeravel.

Corolario Todo subconjunto de um conjunto contavel e contavel.Prova: Seja B contavel e S ⊂ B. Considere iS : S → B a in-clusao de S em B dada por iS (x) = x. Claramente iS e injetiva.

1.7. CONJUNTOS CONTAVEIS 35

Exemplo 1.4 Vimos no Exemplo 1.3 que Q ∩ [0, 1] e enu-meravel. Usando adequadamente a Proposicao 1.6 (faca-ocomo exercıcio) podemos mostrar que os conjuntos

A j =

Q ∩

[j+12 − 1, j+1

2

], se j e ımpar,

Q ∩[−

j2 , 1 − j

2

], se j e par.

sao todos enumeraveis. Observe que

A1 = Q ∩ [0, 1], A2 = Q ∩ [−1, 0], A3 = Q ∩ [1, 2],

e assim por diante.

Proposicao 1.7 A uniao enumeravel de conjuntos enumeraveise enumeravel.

Prova: Sejam A1, A2, A3, . . . An, . . . conjuntos enumeraveis e

A =∞⋃

i=1

Ai. Sendo cada Ai enumeravel entao podemos escr-

everA1 = {a11, a12, a13, a14, a15, . . . , a1n, . . . }A2 = {a21, a22, a23, a24, a25, . . . , a2n, . . . }A3 = {a31, a32, a33, a34, a35, . . . , a3n, . . . }A4 = {a41, a42, a43, a44, a45, . . . , a4n, . . . }

......

An = {an1, an2, an3, an4, an5, . . . , ann, . . . }...

...

Consideremos o esquema grafico a seguir indicado:

36 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

a11 // a12

||zzzz

zzzz

a13 // a14

||zzzz

zzzz

a15 // · · ·

}}zzzzzzzz

a21

��

a22

<<zzzzzzzza23

||zzzz

zzzz

a24

<<zzzzzzzza25

||zzzz

zzzz

· · ·

a31

<<zzzzzzzza32

||zzzz

zzzz

a33

<<zzzzzzzza34

||zzzz

zzzz

a35

==zzzzzzzz· · ·

}}zzzzzzzz

a41

��

a42

<<zzzzzzzza43

~~}}}}

}}}}

}}a44

<<zzzzzzzza45

~~}}}}

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}}· · ·

...

>>}}}}}}}}}} ......

>>}}}}}}}}}} ......

. . .

Seguindo a indicacao das setas concluimos que os termos dasequencia

(a11, a12, a21, a31, a22, a13, a14, a23, a32, a41, . . . )

enumera todos os elementos de A. Logo, A e enumeravel.

Teorema 1.3 O conjuntoQ dos numeros racionais e enumeravel.

Prova: Para demonstrar este teorema e suficiente considerara colecao de conjuntos

A1 = Q ∩ [0, 1], A2 = Q ∩ [−1, 0], A3 = Q ∩ [1, 2], . . .

do Exemplo 1.4, a qual e uma colecao enumeravel de conjun-tos enumeraveis. Observando agora que o conjunto Q pode

ser escrito como Q =∞⋃

i=1

Ai segue que e enumeravel.

A primeira grande diferenca ate agora observada entre Q eR e que R e completo e Q nao e. Vamos agora mostrar outradiferenca significativa entre Q e R, qual seja a de que R nao eenumeravel. Este e o conteudo do teorema a seguir.

1.7. CONJUNTOS CONTAVEIS 37

Teorema 1.4 O conjunto dos numeros reais R nao e enumeravel.

Prova: Vamos mostrar que o intervalo aberto (0, 1) nao e enu-meravel, usando um processo construtivo chamado de ProcessoDiagonal de Cantor. Raciocinemos por contradicao. Supon-hamos que existe uma enumeracao de (0, 1), ou seja

(0, 1) = {x1, x2, x3, . . . , xn, . . . }.

Usando a expansao decimal10 de cada xn temos

x1 = 0, a11a12a13 . . . a1m . . .x2 = 0, a21a22a23 . . . a2m . . .x3 = 0, a31a32a33 . . . a3m . . .x4 = 0, a41a42a43 . . . a4m . . .

......

xn = 0, an1an2an3 . . . anm . . ....

...

(1.2)

onde os ai j sao algarismos de 0 a 9. Vamos exibir um ele-mento de (0, 1) que nao se encontra na lista acima. Facamoso seguinte: para cada n ∈ N, escolhamos bn tal que bn = 1se ann , 1 e bn = 2 se ann = 1. Tomemos agora o numerox ∈ (0, 1) cuja expansao decimal e x = 0, b1b2b3 . . . O numerox nao se encontra na lista (1.2) pois, por construcao, difere decada xn exatamente no n−esimo termo de sua representacaodecimal. Assim, nao existe enumeracao de (0, 1). Segue queR nao e enumeravel, pois do contrario, todos os seus subcon-juntos seriam enumeraveis, o que nao e verdade para (0, 1),conforme acabamos de ver.

O conjunto dos numeros irracionais, R − Q, e nao enu-meravel, pois se nao fosse assim terıamos que R seria enu-meravel uma vez que R = Q∪ (R−Q) estaria sendo represen-tado pela uniao de dois conjuntos enumeraveis.

10Para detalhes sobre expansao decimal ver [1].

38 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

1.8 Exercıcios do Capıtulo 1

1.1- Demonstre as propriedades abaixo sobre numeros reais:

a) Se x ∈ Q e y ∈ R − Q entao x + y ∈ R − Q.

b) Se x ∈ Q, y ∈ R − Q e x , 0 entao xy ∈ R − Q.

c) Se x ∈ R, x , 0 e xy = 0 entao y=0.

d) Se x ≥ 0 e y ≥ 0 entao√

xy ≤ x+y2 .

e) |a − b| ≤ |a| + |b|, ∀ a, b ∈ R.

f)∣∣∣|a| − |b|∣∣∣ ≤ |a − b|, ∀ a, b ∈ R.

g) |a + b| ≥ |a| − |b|, ∀ a, b ∈ R.

h)|a + b|

1 + |a + b|≤|a|

1 + |a|+|b|

1 + |b|, ∀ a, b ∈ R.

1.2- Mostre que:

a)12{a + b + |a − b|} = max{a, b}.

b)12{a + b − |a − b|} = min{a, b}.

1.3- Mostre que se a1, a2, . . . , an ∈ R entao

|a1 + a2 + · · · + an| ≤ |a1| + |a2| + · · · + |an|.

1.4- Demonstre a desigualdade de Bernoulli11

(1 + x)n ≥ 1 + nx, ∀ n ∈ N e ∀ x ≥ −1.

1.5- Mostre que, se x ≥ 0, entao

(1 + x)n≥ 1 + nx +

n(n − 1)2

x2, ∀ n ∈ N.

11James Bernoulli (1654-1705).

1.8. EXERCICIOS DO CAPITULO 1 39

1.6- Mostre que dado ε > 0 existe N ∈ N tal1N< ε.

1.7- Mostre que se S ⊂ R e limitado inferiormente e m0 = inf Sentao, para cada y > m0, existe x ∈ S tal que y > x ≥ m0.

1.8- Mostre que as equacoes ax = b, a , 0 e a + x = bpossuem solucoes unicas em R.

1.9- Mostre que, ∀ n ∈ N,

xn − yn = (x − y)(xn−1 + xn−2y + · · · + xyn−2 + yn−1).

1.10- Para n e k em Z com n ≥ 1 e 0 ≤ k ≤ n considere osnumeros binomiais(

nk

)=

n!k!(n − k)!

=n(n − 1)(n − 2) · · · (n − k + 1)

1.2 · · · k·

Demonstre a chamada Relacao de Stifel12(nk

)+

(n

k + 1

)=

(n + 1k + 1

).

1.11- Use inducao e a Relacao de Stifel para mostrar que

(x + y)n =

n∑k=0

(nk

)xn−kyk ∀ x, y ∈ R e ∀ n ∈ N.

1.12- Demonstre a Desigualdade de Cauchy-Schwarz13: da-dos numeros reais arbitrarios x1, x2, · · · xn e y1, y2, · · · yn,entao n∑

i=1

xiyi

2

n∑i=1

x2i

n∑i=1

y2i

.12Michael Stifel (1486-1567).13Hermann Amandus Schwarz (1843-1920).

40 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

1.13- Mostre que para cada a > 0 existe um unico x > 0 talque x2 = a.

1.14- Mostre que os numeros reais a seguir sao todos irra-cionais:

a) log10 5, b)√

3, c) 2 +√

3, d)√

2 +√

3.

1.15- Seja S ⊂ R nao vazio e limitado inferiormente. Mostreque m = inf S se, e somente se, satisfaz as seguintescondicoes

a) m e cota inferior de S e

b) ∀ε > 0 ∃ x ∈ S tal que x < m + ε.

1.16- Mostre que todo subconjunto nao vazio e limitado inferi-ormente S ⊂ R possui ınfimo.

1.17- Dados x, y ∈ R defina a distancia de x a y por d(x, y) =|x − y|. Mostre que d goza das propriedades

a) d(x, y) ≥ 0, ∀ x, y ∈ R e d(x, y) = 0⇔ x = y.

b) d(x, y) = d(y, x), ∀ x, y ∈ R.

c) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(y, z), ∀ x, y, z ∈ R.

1.18- Seja A ={

1n

; n ∈ N}. Mostre que inf A = 0.

1.19- Mostre que se p e um numero primo positivo entao√

pe irracional.

1.20- Mostre que se p , q sao ambos primos positivos entao√

pq e irracional.

1.21- Mostre que se 0 ≤ a <1n, ∀n ∈ N, entao a = 0.

1.8. EXERCICIOS DO CAPITULO 1 41

1.22- Seja S um subconjunto nao vazio e limitado de R. Dadoa ∈ R considere os conjuntos aS = {ax; x ∈ S } ea + S = {a + x; x ∈ S }

a) Mostre que aS e a + S sao nao vazios e limitados.

b) Se a ≥ 0 mostre que sup(aS ) = a. sup S e inf(aS ) =a. inf S .

c) Se a < 0 mostre que sup(aS ) = a. inf S e inf(aS ) =a. sup S .

d) Mostre que sup(a + S ) = a + sup S e inf(a + S ) =a + inf S .

1.23- Sejam S e T subconjuntos nao vazios e limitados supe-riormente de R. Demonstre que o conjunto

S + T = {x + y; x ∈ S e y ∈ T }

e nao vazio, limitado superiormente e sup(S+T ) = sup S+sup T.

1.24- Mostre que se f : A→ B e sobrejetiva entao existe umafuncao g : B → A tal que f ◦ g = IB, onde IB denota afuncao identidade de B em B. Em particular, g e injetiva.

1.25- Mostre que se f : A → B e injetiva entao existe umafuncao h : B → A tal que h ◦ f = IA, onde IA denota afuncao identidade de A em A.

1.26- Mostre que a composta de duas funcoes bijetivas e umafuncao bijetiva.

1.27- Sejam a e b numeros reais tais que a < b + 1n , para todo

n ∈ N. Mostre que a ≤ b.

1.28- Prove que 2n−1 ≤ n!, para todo n ∈ N.

42 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

1.29- Prove que o Primeiro Princıpio de Inducao e o Princıpioda Boa Ordenacao sao equivalentes em N..

1.30- Prove que se f : A → B e uma funcao sobrejetiva e A eenumeravel entao B e tambem enumeravel.

1.31- Sejam S e T subconjuntos de R nao vazios e limitadosinferiormente. Demonstre que o conjunto

S + T = {x + y : x ∈ S e y ∈ T }

e nao vazio, limitado inferiormente e inf(S + T ) = inf S +inf T.

1.32- Mostre que se C e um conjunto enumeravel e A e qual-quer conjunto infinito entao A ∪ C ' A, e que se B equalquer conjunto nao enumeravel entao B −C ' B.

1.33- Mostre que:

i) Todos os intervalos abertos limitados de R sao equipo-tentes.

ii) Todos os intervalos abertos de R sao equipotentes.

iii) Todos os intervalos de R sao equipotentes.

1.34- Prove que para qualquer colecao C de subconjuntos deum conjunto X tem-se:

X −⋃A∈C

A =⋂A∈C

(X − A) e X −⋂A∈C

A =⋃A∈C

(X − A).

Em palavras temos “O complementar da uniao e a intersecaodos complementares” e “O complementar da intersecaoe a uniao dos complementares”.

1.8. EXERCICIOS DO CAPITULO 1 43

1.35- Dado X um conjunto finito qualquer, denote por #(X) onumero de elementos de X. Mostre que se A e B saoconjuntos finitos entao

#A + #B = #(A ∪ B) + #(A ∩ B)

1.36- Seja C uma colecao de subconjuntos de um conjunto X.Prove que, para qualquer funcao f : X → Y tem-se:

a) f (⋃A∈C

A) =⋃A∈C

f (A).

b) f (⋂A∈C

A) ⊂⋂A∈C

f (A).

c) f (A − B) ⊃ f (A) − f (B) para todo A e B de C.

d) f e injetiva se, e somente se, f (A − B) = f (A) − f (B)para todo A e B de C.

e) Se f e injetiva entao f (⋂A∈C

A) =⋃A∈C

f (A).

f) Se f (A∩ B) = f (A)∩ f (B) para todo A e B de C entaof e injetiva.

1.37- Seja C uma colecao de subconjuntos de um conjunto Y.Prove que, para qualquer funcao f : X → Y tem-se que:

a) f −1(⋃B∈C

B) =⋃B∈C

f −1(B).

b) f −1(⋂B∈C

B) =⋂B∈C

f −1(B).

c) f −1(C − D) = f −1(C) − f −1(D) para todo C e D de C.

d) f −1( f (A)) ⊃ A para todo A ⊂ X.

e) f −1( f (A)) = A para todo A ⊂ X se, e somente se, f einjetiva.

44 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

f) f ( f −1(B) ⊂ B para todo B ⊂ Y.

e) f ( f −1(B) = B para todo B ⊂ Y se, e somente se, f esobrejetiva.

1.38- Prove que todo conjunto infinito contem um subconjuntoenumeravel.

1.39- Prove que todo conjunto infinito contem um subconjuntoproprio ao qual e equipotente.

1.40- Seja C uma colecao enumeravel de conjuntos dois adois disjuntos tal que, para todo A ∈ C, A ' R. Mostreque ⋃

A∈C

A ' R.

1.41- Mostre que se A e B sao contaveis entao A×B e contavel.

1.42- Mostre que se A1, A2, · · · , An sao contaveis entao A1 ×

A2 × · · · × An e contavel. Conclua que Qn e enumeravel.

1.43- Dado um conjunto A denote por PA a colecao de todosos subconjuntos de A. Mostre que:

a) Se A possui n elementos entao PA possui 2n elemen-tos.

b) Se A e enumeravel entaoPA ' R. Em particularPN 'R.

c) Se A e qualquer conjunto entao PA nao e equipotentea A.

1.44- Mostre que qualquer colecao de intervalos abertos doisa dois disjuntos de R e contavel.

1.8. EXERCICIOS DO CAPITULO 1 45

1.45- Prove que o conjunto dos polinomios

a0 + a1x + a2x2 + · · · + anxn

com coeficientes inteiros e enumeravel.

1.46- Um numero real e dito algebrico14 se e raiz de um polinomiocom coeficientes inteiros. Mostre que o conjunto dosnumeros algebricos e enumeravel.

14Um numero real que nao e algebrico e chamado de transcendente.

46 CAPITULO 1. SISTEMAS DE NUMEROS

Capıtulo 2

Sequencias Numericas

2.1 Introducao

A nocao de limite tem uma posicao destacada em AnaliseMatematica. Os principais conceitos ou resultados desse ramoda Matematica geralmente estao relacionados a algum tipo delimite.

A maneira mais simples, do ponto de vista pedagogico, dese introduzir o conceito de limite e por meio de sequencias denumeros reais. Nosso objetivo geral aqui e analisar tal con-ceito, estudando suas propriedades e demonstrando os prin-cipais resultados que serao de interesse para este e para osproximos capıtulos.

2.2 Sequencias de Numeros Reais

Uma sequencia ou sucessao de numeros reais e uma funcao

a : N −→ Rn 7−→ a(n) = an

47

48 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

que a cada n ∈ N associa um numero an ∈ R, chamado determo geral ou de n-esimo termo da sequencia. Representa-mos uma sequencia por (an)n∈N, ou (a1, a2, . . . , an, . . . ) ou sim-plesmente por (an).

Exemplo 2.1 Estao dados abaixo alguns exemplos de sequencias.

a)(

1n

)n∈N

ou(1, 1

2 ,13 ,

14 ,

15 , . . .

)b) (n)n∈N ou (1, 2, 3, 4, 5, . . . )

c)(√

2)

n∈Nou (

√2,√

2,√

2,√

2,√

2, . . . )

d) ((−1)n)n∈N ou (−1, 1, −1, 1, −1, . . . )

E importante aqui fazer a distincao entre entre a notacao(a1, a2, . . . , an, . . . ), para a sequencia, e {an; n ∈ N}, para asua imagem. Na notacao (a1, a2, . . . , an, . . . ) entende-se alistagem de um numero infinito de termos, enquanto que suaimagem tanto pode ser infinita, como finita e ate mesmo serum conjunto unitario, como ocorre com qualquer sequenciaconstante, como, por exemplo, a sequencia do item c) do Ex-emplo 2.1.

Uma subsequencia de uma sequencia (an) e a restricao damesma a um subconjunto infinito N′ = {n1 < n2 < · · · < nk <. . . } ⊂ N. Escrevemos (ank)k∈N, ou (an1 , an2 , . . . , ank , . . . ) ou (ank)para denotar uma subsequencia.

Exemplo 2.2 Considere a sequencia

((−1)n)n∈N = (−1, 1, −1, 1, −1, 1, . . . )

e sejam P = {2, 4, 6, 8, 10, . . . } o subconjunto de N for-mado pelos naturais pares e I = {1, 3, 5, 7, 9, . . . } o for-mado pelos naturais ımpares. Temos que P e I sao infinitos.

2.2. SEQUENCIAS DE NUMEROS REAIS 49

Para estes subconjuntos temos as seguintes subsequenciasda sequencia original:

((−1)n)n∈P = (1, 1, 1, 1, 1, 1, . . . )

e((−1)n)n∈I = (−1, −1, −1, −1, −1, −1, . . . ).

Observemos que se N′ e um subconjunto proprio e infinitode N e se a : N → R e uma sequencia, entao, a rigor, a sub-sequencia a|N′ : N′ → R nao seria uma sequencia uma vezque seu domınio e N′ , N. No entanto, conforme o estudantepodera verificar nos exercıcios deste capıtulo, podemos sem-pre considerar uma subsequencia como uma funcao real cujodomınio e N.

Dizemos que uma sequencia e limitada superiormente (re-spec. limitada inferiormente) quando existe M ∈ R tal quean ≤ M, ∀n ∈ N (respec. an ≥ M, ∀n ∈ N). Quando (an) esimultaneamente limitada superiormente e inferiormente dize-mos que e limitada, o que e equivalente a dizer que existeM > 0 tal que |an| ≤ M, ∀n ∈ N. Evidentemente, toda sub-sequencia de uma sequencia limitada (superiormente, inferi-ormente ou os dois) e tambem limitada (superiormente, inferi-ormente ou os dois).

Uma sequencia (an) e denominada nao decrescente quandoan ≤ an+1 para todo n ∈ N. Quando vale a desiguldade es-trita dizemos que a sequencia e crescente. Analogamentedefine-se sequencias nao crescentes e sequencias decres-centes. Classificamos tais tipos de sequencias como sequenciasmonotonas.

A seguir damos exemplos de algumas sequencias de inter-esse em Calculo e em Analise Matematica.

Exemplo 2.3 Fixado q ∈ R, consideremos a sequencia (an)cujo termo geral e an = qn, ∀n ∈ N. Quando q = 0 ou q =

50 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

1 temos as sequencias (0, 0, 0, . . . ) e (1, 1, 1, . . . ), respectiva-mente. Se 0 < q < 1, entao, para todo n ∈ N temos 0 < qn < 1e qn+1 < qn, logo (an) e limitada e decrescente. Se q > 1 entaoqn+1 > qn para todo n ∈ N, portanto a sequencia e crescente.Alem disso, sendo q > 1, tem-se q = 1 + d para algum d > 0 e,da desigualdade de Bernoulli (vide Exercıcio 1.4 do Capıtulo1), qn = (1 + d)n ≥ 1 + nd, ∀n ∈ N, isto e, (an) e nao limitadasuperiormente. Se −1 < q < 0 a sequencia nao e monotona(seus termos sao, alternadamente, positivos e negativos) mase ainda limitada pois |qn| = |q|n < 1, ∀n ∈ N. Se q = −1 asequencia e (−1, 1,−1, 1, . . . ) que nao e monotona mas e lim-itada. Finalmente se q < −1 a sequencia nao e monotona(seus termos se alternam de sinal) e e nao limitada, uma vezque as suas subsequencias (a2n−1) e (a2n) sao ilimitadas, re-spectivamente, inferiormente e superiormente.

Exemplo 2.4 Seja 0 < q < 1 e consideremos a sequencia

que tem como termo geral bn =

n∑j=0

q j. A sequencia (bn) e

claramente crescente e, da formula da soma dos n primeirostermos de uma progressao geometrica de razao q, temos

bn =1 − qn+1

1 − q=

11 − q

−qn+1

1 − q<

11 − q

·

Portanto 1 < bn <1

1 − q, ∀n ∈ N, logo limitada.

Exemplo 2.5 Consideremos a sequencia (cn) cujo termo geral

e cn =

n∑j=0

1j!. Tal sequencia e, evidentemente, crescente. Temos

tambem que1n!≤

12n−1 , ∀n ≥ 1,

2.3. LIMITE DE UMA SEQUENCIA 51

conforme se comprova no Exercıcio 1.28 do Capıtulo 1. Logo,para todo n ≥ 1, temos

2 ≤ cn < 1 +n−1∑j=0

12 j = 1 +

1 − (12 )n

1 − 12

< 3,

usando q = 12 no exemplo anterior. Observe que obtivemos,

para n ≥ 2, 2 < cn < 3.

Exemplo 2.6 Seja a sequencia (zn) cujo termo geral e dado

por zn =

(1 +

1n

)n

. Usando o desenvolvimento binomial de

Newton1 obtemos(1 +

1n

)n

= 1 +nn+

n(n − 1)2!n2 + · · · +

n(n − 1)(n − 2) · · · 1n!nn =

2 +

(1 − 1

n

)2!

+ · · · +

(1 − 1

n

) (1 − 2

n

)· · ·

(1 − n−1

n

)n!

<

2 +12!+ · · · +

1n!= cn,

onde cn e o termo geral da sequencia do exemplo anterior.Portanto a sequencia (zn), a qual e claramente crescente, etambem limitada e, alem disso, 2 < zn < cn < 3 para todon ≥ 2.

2.3 Limite de Uma Sequencia

Definicao 2.1 Dizemos que um numero L e o limite de umasequencia (an) se, para cada ε > 0, existir N(ε) ∈ N tal que|an − L| < ε para todo n ≥ N(ε).

1Isaac Newton (1642-1727).

52 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

Quando uma sequencia (an) possui limite L dizemos que(an) converge para L, ou e convergente para L, e denotamostal fato simbolicamente por lim

n→∞an = L, ou lim an = L ou ainda

por an −→ L.Quando uma sequencia nao e convergente dizemos que e

divergente.Observacao: Na Definicao 2.1 escrevemos N(ε) para explic-itar a dependencia do natural N ao numero ε > 0 dado. Noentanto, para nao sobrecarregar a notacao e sempre que naohouver risco de ambiguidade, escreveremos simplesmente N.

Proposicao 2.1 O limite de uma sequencia convergente e unico.

Prova: Seja (an) convergente. Suponhamos, por contradicao,que an −→ L e an −→ L′ com L , L′. Vamos supor, sem perdada generalidade, que L > L′. Sendo assim, podemos tomar

ε =L − L′

2> 0. Neste caso existiriam N1 e N2 em N tais que

|an − L| < ε, ∀n ≥ N1 e |an − L′| < ε, ∀n ≥ N2. Agora, sen > max{N1, N2} terıamos

an ∈

(3L′ − L

2,

L + L′

2

)∩

(L + L′

2,

3L − L′

2

)= ∅,

o que e um absurdo.

O significado intuitivo do fato de (an) possuir limite L e que,estabelecendo-se uma margem de erro mediante um numeropositivo ε, podemos aproximar todos os termos da sequencia,a partir de N(ε), por L e o erro cometido com esta aproximacaoe menor que ε.

Exemplo 2.7 Considere a sequencia (an) cujo termo geral e

an =1n. Entao lim

n→∞an = 0. De fato, dado ε > 0, a propriedade

2.3. LIMITE DE UMA SEQUENCIA 53

arquimediana dos reais garante que existe N ∈ N tal que Nε >

1, isto e1N< ε. Logo, para qualquer n ≥ N∣∣∣∣∣1n − 0

∣∣∣∣∣ = 1n≤

1N< ε.

Exemplo 2.8 Considere a sequencia (an) cujo termo geral e

an = 1 −12n . Entao lim

n→∞an = 1. De fato, observe que

|an − 1| =∣∣∣∣∣− 1

2n

∣∣∣∣∣ = 12n

e pela desigualdade de Bernoulli temos

2n = (1 + 1)n ≥ 1 + n > n, ∀n ∈ N

logo12n <

1n, ∀n ∈ N. Ou seja,

|an − 1| =12n <

1n, ∀n ∈ N.

Assim, dado ε > 0 considere N ∈ N tal que1N< ε. Logo, para

qualquer n ≥ N

|an − 1| =1n≤

1N< ε.

Exemplo 2.9 A sequencia ((−1)n)n∈N e divergente. Com efeito,

se existisse L ∈ R tal que (−1)n −→ L entao, para ε =12,

existiria N ∈ N tal que ∀n ≥ N terıamos |(−1)n − L| <12, isto

e |L + 1| <12

e |L − 1| <12. Em outras palavras, terıamos

L ∈(−

32, −

12

)∩

(12,

32

)= ∅, o que e um absurdo.

54 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

A sequencia do exemplo anterior e um exemplo de umasequencia limitada que nao e convergente. A recıproca destefato, no entanto, e verdadeira, como mostra a proposicao aseguir.

Proposicao 2.2 Toda sequencia convergente e limitada.

Prova: Seja (an) uma sequencia convergente para L. Con-siderando ε = 1 temos que existe N ∈ N tal que |an − L| < 1,para todo n ≥ N. Como

|an| = |an − L + L| ≤ |an − L| + |L|

entao, para todo n ≥ N temos |an| < 1 + |L|. Tomemos agora

M = max{|a1 |, |a2 |, . . . , |aN−1 |, 1 + |L|}

e obtemos |an| ≤ M, ∀n ∈ N, demonstrando que (an) e limi-tada.

As sequencias convergentes apresentam um comportamentoplenamente compatıvel com as operacoes algebricas de R,conforme explicitado na proposicao a seguir.

Proposicao 2.3 Sejam (an) e (bn) com an −→ a e bn −→ b.Entao:

i) (an + bn) e convergente e an + bn −→ a + b;

ii (anbn) e convergente e anbn −→ ab;

iii) Se ∀n ∈ N bn , 0 e tambem b , 0 entao1bn−→

1b

iii) Se b , 0 e bn , 0 ∀n ∈ N entaoan

bn−→

ab

2.3. LIMITE DE UMA SEQUENCIA 55

Prova: Para provar i) seja ε > 0 dado. Entao existem N1 e N2

em N tais que n ≥ N1 acarreta |an − a| <ε

2e n ≥ N2 acarreta

|bn − b| <ε

2. Agora, se n ≥ max{N1, N2} temos

|(an + bn) − (a + b)| ≤ |an − a| + |bn − b| <ε

2+ε

2= ε.

Para a prova de ii) sabemos, em primeiro lugar, que, de acordocom a Proposicao 2.1, existe M > 0 tal |an| ≤ M, ∀n ∈ N. Sejaagora ε > 0. Entao existem N1 ∈ N tal que

n ≥ N1 ⇒ |an − a| <ε

2(1 + |b|)

e N2 ∈ N tal que|bn − b| <

ε

2M.

Portanto, se n ≥ max{N1, N2} temos

|anbn − ab| = |an(bn − b) + b(an − a)| ≤

|an(bn − b)| + |b(an − a)| = |an||bn − b| + |b||an − a| <

2M+ |b|

ε

2(1 + |b|)≤ε

2+ε

2= ε.

Para provar iii) seja ε > 0 dado. Temos que existe N1 ∈ N tal

n ≥ N1 ⇒ |bn − b| <|b|2.

Mas, |bn − b| = |b − bn| ≥ |b| − |bn| e, portanto,

n ≥ N1 ⇒ |bn| >|b|2.

Tambem existe N2 ∈ N tal que

n ≥ N2 ⇒ |bn − b| <ε|b|2

2.

56 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

Agora, se n ≥ max{N1, N2} temos∣∣∣∣∣ 1bn−

1b

∣∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∣b − bn

bbn

∣∣∣∣∣ = |bn − b||b||bn|

<

ε|b|2

2|b|2 |b|= ε.

Para a prova de iv) use iii) e ii).

A seguir apresentamos algumas proposicoes que estab-elecem propriedades importantes que as sequencias conver-gentes satisfazem e que sao bastante uteis no calculo de lim-ites e em demonstracoes de outros resultados de analise.

Proposicao 2.4 Se (an) converge e limn→∞

an = a entao (|an|)converge e lim

n→∞|an| = |a|.

Prova: Dado ε > 0 existe N ∈ N tal que |an − a| < ε se n ≥ N.Mas

| |an| − |a| | ≤ |an − a|

donde | |an| − |a| | < ε se n ≥ N.

E importante observar que a recıproca da proposicao an-terior nao e verdadeira, a menos que a = 0 (vide Exercıcio 2.7deste Capıtulo), como podemos constatar com o exemplo dasequencia divergente ((−1)n) cuja sequencia obtida tomando-se o valor absoluto de cada termo e a sequencia constante eigual a 1, portanto, convergente.

Proposicao 2.5 Sejam (an), (bn) e (cn) sequencias tais quean ≤ bn ≤ cn para todo n ∈ N. Se lim

n→∞an = lim

n→∞cn = a entao

limn→∞

bn = a.

Prova: Dado ε > 0 existem naturais N1 e N2 tais que

n ≥ N1 ⇒ |an − a| < ε

2.3. LIMITE DE UMA SEQUENCIA 57

en ≥ N2 ⇒ |cn − a| < ε.

Tome N = max{N1,N2}. Entao

n ≥ N ⇒ |an − a| < ε e |cn − a| < ε.

Mas an ≤ bn ≤ cn para todo n. Logo an − a ≤ bn − a ≤ cn − apara todo n. Se n ≥ N temos tambem

−ε < an − a ≤ bn − a ≤ cn − a < ε

isto e |bn − a| < ε, como querıamos.

Corolario: Sejam (bn) e (cn) sequencias de numeros reaistais que 0 ≤ |bn| ≤ cn para todo n ∈ R e lim

n→∞cn = 0. Entao

limn→∞

bn = 0.

Exemplo 2.10 Considere a sequencia (an), com a um numeroreal fixo. Suponhamos que 0 < |a| < 1. Vamos verificar que

limn→∞

an = 0. De fato, sendo 0 < |a| < 1 entao1|a|

> 1. Seja

x =1|a|− 1. Temos que x > 0 e |a| = 1

1+x . Pela Desigualdade

de Bernoulli temos (1 + x)n ≥ 1 + nx. Assim, para todo n ∈ Ntemos

|a|n =1

(1 + x)n ≤1

1 + nx.

Mas, |a|n = |an| donde

0 ≤ |an| ≤1

1 + nx<

1nx, para todo n ∈ N.

Usando o Corolario anterior temos que limn→∞

an = 0.

Proposicao 2.6 Seja (an) uma sequencia convergente e talque an ≥ 0 para todo n ∈ N. Entao lim

n→∞an ≥ 0.

58 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

Prova: Suponhamos, por contradicao, que limn→∞

an = a < 0.Entao, existe N ∈ N tal que |an − a| < − a

2 se n ≥ N. Portantoan − a < − a

2 donde an <a2 < 0, para todo n ≥ N, o que e uma

contradicao.

Corolario: Sejam (an) e (bn) sequencias convergentes denumeros reais tais que an ≥ bn para todo n ∈ N. Entao lim

n→∞an ≥

limn→∞

bn.

Prova: E suficiente considerar cn = an − bn ≥ 0.

Exemplo 2.11 Considere uma sequencia (an) com an ≥ 0 paratodo n ∈ N e lim

n→∞an = a. Entao lim

n→∞

√an =

√a. Com efeito, se

for a > 0 temos∣∣∣√an −√

a∣∣∣ = (∣∣∣√an −

√a∣∣∣) (∣∣∣√an +

√a∣∣∣)∣∣∣√an +

√a∣∣∣ =

|an − a|∣∣∣√an +√

a∣∣∣ .

Agora ∣∣∣√an +√

a∣∣∣ ≥ √a ⇒

1√

an +√

a≤

1√

adonde obtemos ∣∣∣√an −

√a∣∣∣ ≤ |an − a|

√a

.

Dado ε > 0 existe N ∈ N tal que

n ≥ N ⇒ |an − a| < ε√

a.

Logo, para n ≥ N∣∣∣√an −√

a∣∣∣ ≤ |an − a|

√a

<ε√

a√

a= ε,

ou seja, limn→∞

√an =

√a. Se tivermos a = 0, dado ε > 0 existe

N ∈ N tal que an < ε2 para todo n ≥ N. Logo,√

an < ε o quesignifica lim

n→∞

√an = 0.

2.3. LIMITE DE UMA SEQUENCIA 59

A seguir estabeleceremos algumas proposicoes importantesa respeito de sequencias (e subsequencias) que conduzem aum dos resultados principais deste capıtulo que e o Teoremade Bolzano-Weierstrass.2,3

Proposicao 2.7 Seja (an) uma sequencia convergente para L.Entao toda subsequencia de (an) converge para L.

Prova: Seja (ank) uma subsequencia de (an). Em primeiro lugarobservemos que, sendo n1 < n2 < n3 < · · · < nk . . . , temosn1 ≥ 1, n2 ≥ 2, n3 ≥ 3 e, em geral, nk ≥ k para todo k ∈ N.Considere agora ε > 0 dado. Entao existe N ∈ N tal quen ≥ N acarreta |an − L| < ε. Em particular, para nk ≥ N temos|ank − L| < ε. Mas, nk ≥ k para todo k ∈ N e, portanto,

k ≥ N ⇒ nk ≥ N ⇒ |ank − L| < ε.

Em outras palavras limk→∞

ank = L.

Proposicao 2.8 Seja (an) uma sequencia nao decrescente elimitada superiormente. Entao (an) e convergente.

Prova: Sendo (an) uma sequencia limitada superiormente entaoexiste M = sup{an; n ∈ N}. Mostremos que M e o limite de (an).De fato, dado ε > 0 existe N ∈ N tal que M − ε < aN . Sendo(an) nao decrescente temos que n ≥ N acarreta an ≥ aN . ComoM = sup{an; n ∈ N} entao

n ≥ N ⇒ M − ε < aN ≤ an ≤ M < M + ε,

ou seja |an − M| < ε, para todo n ≥ N.

2Bernard Bolzano (1871-1848).3Karl Wierstrass (1815-1897).

60 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

Um resultado analogo ocorre para sequencias nao cres-centes e limitadas inferiormente (faca-o como exercıcio). Com-binando estes dois ultimos resultados temos o seguinte:Corolario: Toda sequencia monotona e limitada e conver-gente.

Voltando agora aos Exemplos 2.4, 2.5 e 2.6 podemos con-cluir que todas as sequencias ali exibidas sao convergentes.

Conforme anunciamos, apresentamos agora um resultadofundamental a respeito de sequencias numericas. Trata-se do

Teorema 2.1 (Bolzano-Weierstrass) Toda sequencia limitadapossui uma subsequencia convergente.

Prova: E suficiente mostrar que toda sequencia (limitada ounao) possui uma subsequencia monotona. Em seguida, us-ando a hipotese de a sequencia ser limitada segue, do Corolarioda Proposicao 2.8, o resultado. Para justificar que toda sequenciapossui uma subsequencia monotona considere (an) uma sequenciaqualquer. Dizemos que um seu termo an e um termo desta-cado se am ≤ an, para todo m > n. Por exemplo, uma sequenciamonotona nao decrescente nao possui termos destacados,enquanto que para uma sequencia monotona nao crescentetodos os seus termos sao destacados. Denotemos por D oconjunto dos ındices n tais que an e um termo destacado de(an). As possibilidades para D sao:

D e infinito. Isto e, D = {n1 < n2 < · · · < nk < . . . }. Neste caso,sendo an1 destacado, am ≤ an1 , para todo m > n1. Emparticular an2 ≤ an1 . Do mesmo modo am ≤ an2 , para todom > n2, em particular an3 ≤ an2 . Assim, a subsequencia(an1 , an2 , . . . , ank , . . . ) e monotona nao crescente.

D e finito. Sendo assim, seja n1 ∈ N maior que todos os ele-mentos de D. Entao an1 nao e destacado, logo podemosencontrar an2 com n2 > n1, e an2 > an1 . Do mesmo modo

2.4. SEQUENCIAS DE CAUCHY 61

an2 nao e destacado e podemos prosseguir construindouma subsequencia de (an) que e monotona crescente.

D e vazio. Neste caso, como ja observamos anteriormente, apropria sequencia (an) e monotona nao decrescente.

Muito bem! Sabendo-se agora que toda sequencia possui umasubsequencia monotona, e as subsequencias de um sequencialimitada sao tambem limitadas, segue o resultado.

2.4 Sequencias de Cauchy

Definicao 2.2 Uma sequencia (an) e denominada sequenciade Cauchy se, para cada ε > 0 existe um N(ε) tal que

m, n ≥ N(ε) ⇒ |am − an| < ε.

Em outras palavras, significa dizer que quando uma sequenciae de Cauchy os seus termos ficam arbitrariamente proximosuns dos outros a partir de um determinado ındice.

Exemplo 2.12 A sequencia(1n

)e de Cauchy pois, se ε > 0

e dado, considere N ∈ N tal que Nε > 2, cuja existencia egarantida pela Propriedade Arquimediana de R. Entao

m, n ≥ N ⇒∣∣∣∣∣1n − 1

m

∣∣∣∣∣ ≤ 1n+

1m≤

1N+

1N<ε

2+ε

2= ε.

Proposicao 2.9 Toda sequencia corvergente e de Cauchy.

Prova: Seja (an) uma sequencia convergente para o limite L.Dado ε > 0 existe N ∈ N tal que

n ≥ N ⇒ |an − L| <ε

2.

62 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

Portanto, para m, n ≥ N,

|am − an| ≤ |am − L| + |an − L| <ε

2+ε

2= ε.

Proposicao 2.10 Toda sequencia de Cauchy e limitada.

Prova: Seja (an) uma sequencia de Cauchy. Para ε = 1 existeN ∈ N tal que

m, n ≥ N ⇒ |am − an| < 1.

Pela desigualdade triangular temos que, para todo n ≥ N,

|an| = |an − aN + aN | ≤ |an − aN | + |aN | < 1 + |aN |.

Seja M = max{|a1|, |a2|, . . . , |aN−1|, 1 + |aN |} e temos que |an| ≤

M para todo n ∈ N.

Proposicao 2.11 Toda sequencia de Cauchy de R e conver-gente.

Prova: Seja (an) uma sequencia de Cauchy. Temos que (an) elimitada, pela proposicao anterior. Pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass (an) possui uma subsequencia (ain) convergentepara o limite L. Dado ε > 0 existe N1 ∈ N tal que

in ≥ N1 ⇒ |ain − L| <ε

2.

Por outro lado, sendo (an) de Cauchy, existe N2 ∈ N tal que

n,m ≥ N2 ⇒ |an − am| <ε

2.

2.4. SEQUENCIAS DE CAUCHY 63

Tomemos N3 = max{N1,N2}. Como in ≥ n para todo n ∈ N,teremos n ≥ N3 acarretando in ≥ N3, donde

|an − L| ≤ |an − ain + ain − L| ≤ |an − ain | + |ain − L| <ε

2+ε

2= ε

isto e, limn→∞

an = L.

A Propopsicao 2.11 nao e verdadeira em Q pois qualquersequencia de racionais convergindo para um irracional (por ex-emplo a sequencia das aproximacoes decimais de

√2) e uma

sequencia de Cauchy em R e, em particular em Q, que naoconverge em Q. Na secao 4.3.4 do Capıtulo 4 voltaremos atratar dessa questao.

64 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

2.5 Exercıcios do Capıtulo 2

2.1- Calcule os limites abaixo:

a) limn→∞

3n2 + 4n − 22n2 + 1

b) limn→∞

(√

n + 3 −√

n)

c) limn→∞

n

√1 +1n− 1

d) lim

n→∞

(1n2 +

2n2 + · · · +

nn2

)e) lim

n→∞

sen (n)n

2.2- Calcule limn→∞

an onde an =1

1.2+

12.3+ · · · +

1n(n + 1)

.

2.3- Mostre que limn→∞

12n = 0.

2.4- Seja S ⊂ R nao vazio e limitado superiormente, e sejaM = sup S . Mostre que existe uma sequencia (xn) deelementos de S tal que lim

n→∞xn = M.

2.5- A sequencia (xn) tal que xn =(−1)nsen(n)

3possui alguma

subsequencia convergente? Justifique sua resposta.

2.6- Sejam (an) e (bn) sequencias convergentes para a e b, re-spectivamente. Mostre que max{an, bn} converge max{a, b}e min{an, bn} converge para min{a, b}.

2.7- Mostre que se limn→∞|an| = 0 entao lim

n→∞an = 0.

2.5. EXERCICIOS DO CAPITULO 2 65

2.8- Mostre que se limn→∞

an = 0 e (bn) e uma sequencia limitada

entao limn→∞

anbn = 0.

2.9- Mostre que a sequencia√

2,√

2√

2,

√2√

2√

2 · · · con-verge para 2.

2.10- Mostre que limn→∞

n√a = 1 se a > 0.

2.11- Mostre que limn→∞

n√n = 1.

2.12- Mostre que:

i) Se xn > 0, ∀n ∈ N, e limn→∞

xn+1

xn= a < 1 entao vale que

limn→∞

xn = 0.

ii) Use o item anterior para mostrar que

limn→∞

nk

αn = limn→∞

αn

n!= 0,

onde k ∈ N e α > 1.

2.13- Use a parte i) do problema anterior e o fato de que

limn→∞

(1 +

1n

)n

= e

para mostrar que limn→∞

n!nn = 0.

2.14- Dadas (xn) e (yn) defina (zn) pondo z2n−1 = yn e z2n = xn.Prove que lim

n→∞xn = lim

n→∞yn = a se, e somente se, lim

n→∞zn =

a.

2.15- Suponha que existe ε > 0 tal que ε ≤ xn ≤ n2 para todon suficientemente grande. Prove que lim

n→∞n√

xn = 1.

66 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

2.16- Se limn→∞

xn = a prove que limn→∞

x1 + x2 + · · · + xn

n= a. A

recıproca e verdadeira? Justifique sua resposta.

2.17- Seja (xn) uma sequencia com a seguinte propriedade:existe um numero p ∈ N tal que xn+p = xn ∀n ∈ N. Proveque se (xn) e convergente entao (xn) e constante.

2.18- Prove que se uma sequencia monotona tem uma sub-sequencia convergente entao ela propria e convergente.

2.19- Dados a, b ∈ R+ defina as sequencias (xn) e (yn) pondox1 =

√ab, y1 =

a+b2 e xn+1 =

√xnyn, yn+1 =

xn+yn2 . Prove

que (xn) e (yn) convergem para o mesmo limite.

2.20- Se 0 < r < 1 e uma sequencia (xn) satisfaz a desigual-dade |xn+1 − xn| < rn, ∀ n ∈ N, mostre que (xn) e deCauchy.

2.21- Sejam a > 0 e b > 0. Mostre que limn→∞

(an + bn)1n =

max{a, b}.

2.22- Mostre que a sequencia (xn) tal que

xn = 1 +12+

13+ · · · +

1n

e divergente.

2.23- Mostre que a sequencia (an) definida recursivamente pora1 = 1 e an =

√1 + an, n ≥ 2, converge e calcule seu

limite.

2.24- Mostre que se (an) e nao crescente e limitada inferior-mente entao (an) converge e seu limite e o inf{an; n ∈ N}.

2.5. EXERCICIOS DO CAPITULO 2 67

2.25- Mostre que limn→∞

an = a se, e somente se, toda sub-

sequencia (ank) de (an) possui subsequencias (ank j) tal

que limj→∞

ank j= a.

2.26- Mostre que se uma sequencia de Cauchy (an) tem umasubsequencia que converge para a, entao lim

n→∞an = a.

2.27- Seja (xn) tal que xn = (1 + a)(1 + a2) · · · (1 + an). Mostreque lim

n→∞xn existe se 0 ≤ a ≤ 1.

2.28- Seja x1 > 0 dado. Para n > 1 defina xn =1

1+xn−1. Mostre

que limn→∞

xn existe e determine-o.

2.29- Seja (xn) tal que xn = 1 + 1 +12!+

13!+ · · · +

1n!. Use o

criterio de Cauchy para mostrar que limn→∞

xn existe.

2.30- Seja (xn) uma sequencia tal que |xn+1−xn| ≤ cn e suponha

que a sequencia (sn) =n∑

k=1

ck converge. Entao (xn) con-

verge.

2.31- Prove que se (xn) converge entao, para cada p ≥ 1,

limn→∞

(an+p − an) = 0.

2.32- Seja x1 = 1 e defina xn+1 = 2 − 1xn. Mostre que (xn) e

monotona e limitada. Calcule limn→∞

xn.

2.33- A sequencia (an) definida como sendo a1 = 1, a2 = 1e an+2 = an+1 + an para n = 1, 2, 3 . . . , conhecida comosequencia de Fibonacci4, e claramente divergente mas,

4Fibonacci, tambem conhecido como Leonardo de Pisa (1175-1250).

68 CAPITULO 2. SEQUENCIAS NUMERICAS

a sequencia (rn) dada por rn =an+1

anconverge. Prove a

ultima afirmacao e calcule limn→∞

rn. Sugestao: Prove que

(r2k) e nao crescente e limitada inferiormente e (r2k−1) enao decrescente e limitada superiormente.

Capıtulo 3

Series Numericas

3.1 Introducao

A ideia de “serie infinita” surge quando imaginamos a operacaode somar sucessivamente sem que essa operacao termineapos um numero finito de parcelas. Um exemplo motivadorpara essa questao pode ser visto ao considerarmos o seguinteproblema geometrico simples. Dado um quadrado de areaigual a 2, ao tracarmos uma das suas diagonais dividimo-loem dois triangulos retangulos cada um com area igual a 1. Emseguida dividamos um dos triangulos ao meio tracando a bis-setriz do seu angulo reto para obter dois triagulos retangulos,cada um com area igual a 1/2. Dividamos novamente umdos triangulos de area 1/2 pela bissetriz de seu angulo retopara obter dois triangulos de areas iguais a 1/4. Prosseguindocom essas divisoes indefinidamente, obtemos uma infinidadede triangulos, cada um com area igual a metade da area doanterior, e tais que a soma das areas vale a area do quadradooriginal. Em outras palavras, podemos dizer que a area doquadrado original se exprime como a “soma infinita” das areasdos triangulos.

69

70 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

Assim, podemos dizer que

1 +12+

14+

18+

116+

132+ . . . (3.1)

“possui” o valor 2 e escrevemos,

1 +12+

14+

18+

116+

132+ · · · = 2.

Vemos, deste modo, que o conceito de serie infinita ex-tende o conceito aritmetico de soma de uma quantidade finitade parcelas para soma de uma quantidade infinita de parcelas.Evidentemente que faz-se necessario estabelecer as condicoesmatematicas para dar sentido a tal conceito. O objetivo destecapıtulo e, portanto, introduzir o conceito matematico de seriede numeros reais, quando tambem apresentaremos diversosexemplos e daremos os principais criterios e testes de con-vergencia.

3.2 Series

Dada uma sequencia de numeros reais (an), podemos for-mar uma nova sequencia (sn) da seguinte forma:

s1 = a1,s2 = a1 + a2,s3 = a1 + a2 + a3,

...sn = a1 + a2 + · · · + an,

...

O termo geral da sequencia (sn) e chamado de n−esimasoma parcial, ou de reduzida de ordem de n de (an). A sequencia

3.2. SERIES 71

(sn) assim obtida e chamada de serie infinita, ou simplesmente

de serie e e denotada por∞∑

n=1

an.

Quando (sn) converge para um limite S dizemos que a

serie∞∑

n=1

an e convergente, e escrevemos∞∑

n=1

an = S . Quando

uma serie nao e convergente dizemos que e divergente. Ob-serve que, no caso de series convergentes, estamos usando o

mesmo sımbolo∞∑

n=1

an para denotar tanto a propria serie como

o seu limite S .E evidente que, na pratica, deduzir se uma dada serie con-

verge ou nao, usando como argumento para tal deducao so-mente a definicao, pode ser um trabalho muito difıcil. Nestesentido, e importante termos criterios para podermos garantirse uma dada serie e convergente ou nao.

Uma condicao necessaria para a convergencia de uma serie

e que seu termo geral tenha limite zero. De fato, se∞∑

n=1

an e

convergente para S , ou seja, se limn→∞

sn = S , entao

limn→∞

an = limn→∞

(sn − sn−1) = limn→∞

sn − limn→∞

sn−1 = S − S = 0.

Esta condicao, no entanto, nao e suficiente para a convergenciade uma serie, como mostra o importante exemplo a seguir.

Exemplo 3.1 (A Serie Harmonica) Consideremos a serie∞∑

n=1

1n,

chamada de Serie Harmonica. Seu termo geral an =1n

tem

limite zero, no entanto a serie diverge. De fato, consideremosa sua reduzida s2n de ordem 2n

72 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

s2n = 1 + 12 +

(13 +

14

)+ · · · +

2n−1 parcelas︷ ︸︸ ︷(1

2n−1 + 1+ · · · +

12n

)>

1 + 12 +

(14 +

14

)+ · · · +

(12n + · · · +

12n

)︸ ︷︷ ︸

2n−1parcelas iguais a 12n

=

1 +12+

24+ · · · +

2n−1

2n︸ ︷︷ ︸n parcelas iguais a 1

2

= 1 + n12 ·

Observe que para obtencao da desigualdade acima substitu-imos em cada parentesis todas as parcelas pela menor delas.Vemos, assim, que a subsequencia (s2n ) de (sn) cresce arbi-trariamente, e, consequentemente, a sequencia (sn) tambemcresce.

A Serie Harmonica se constitui num exemplo de uma seriedivergente. Vamos agora apresentar um exemplo importantede uma serie convergente e que inclui como caso particular oexemplo usado como motivacao na Introducao deste capıtulo.

Exemplo 3.2 (A Serie Geometrica) Dado q ∈ R considere-

mos a serie∞∑

n=1

qn. Se |q| < 1 temos que limn→∞

qn = 0. Temos

tambem (vide Exemplo 2.4 do Capıtulo 2) que

sn =q

1 − q−

qn+1

1 − q=

q1 − q

(1 − qn)

e, portanto,

limn→∞

sn =q

1 − q

(1 − lim

n→∞qn

)=

q1 − q

·

3.2. SERIES 73

Em muitos casos e mais pratico considerar uma serie como somatorio iniciando em n = 0. Este e o caso da serie geometrica

e temos∞∑

n=0

qn =1

1 − q.

Para o caso particular da serie geometrica com q =12

obte-mos a serie (3.1) da introducao deste Capıtulo, ou seja

∞∑n=0

12n = 2.

Um criterio de convergencia para series, muito importantedo ponto de vista teorico, e o chamado Criterio de Cauchy paraseries dado pela proposicao seguir.

Proposicao 3.1 (Criterio de Cauchy para series) Uma serie∞∑

n=1

an e convergente se, e somente se, para cada ε > 0 existe

N ∈ N tal que, para todo p ∈ N

n ≥ N ⇒ |an+1 + an+2 + · · · + an+p | < ε.

Prova: Uma serie∞∑

n=1

an e convergente se, e somente se, a

sequencia das somas parciais (sn) e convergente. Uma vezque em R uma sequencia e convergente se, e somente se, e

uma sequencia de Cauchy, resulta que∞∑

n=1

an ser convergente

e equivalente a (sn) ser de Cauchy, isto e, para cada ε > 0existe N ∈ N tal que

n,m ≥ N ⇒ |sm − sn| < ε.

74 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

Assim, se n ≥ N entao, como qualquer que seja p ∈ N temosn + p > N, logo

|sn+p − sn | = |an+1 + an+2 + · · · + an+p | < ε,

como querıamos.

As series convergentes se comportam compativelmente comas oprecoes algebricas de R, conforme estabelece a proposicaoa seguir.

Proposicao 3.2 Se∞∑

n=1

an e∞∑

n=1

bn sao series convergentes e

α e β sao constantes reais, entao a serie∞∑

n=1

(αan + βbn) e

convergente. Alem disso, se∞∑

n=1

an = a e∞∑

n=1

bn = b, entao

∞∑n=1

(αan + βbn) = αa + βb. Simbolicamente escrevemos

∞∑n=1

(αan + βbn) = α∞∑

n=1

an + β

∞∑n=1

bn.

Prova: A prova segue do resultado correspondente aplicadoas sequencias das reduzidas.

3.2.1 Series de Termos nao Negativos

Apresentaremos aqui o principal criterio de convergenciapara series de termos nao negativos. Trata-se do Criterio deComparacao dado pela proxima Proposicao.

3.2. SERIES 75

Proposicao 3.3 (Criterio de Comparacao) Dadas as series

de de termos nao negativos∞∑

n=1

an e∞∑

n=1

bn, se existir uma con-

stante C > 0 tal que an ≤ Cbn, ∀n ∈ N, entao a convergencia

de∞∑

n=1

bn implica a de∞∑

n=1

an e a divergencia de∞∑

n=1

an implica a

de∞∑

n=1

bn.

Prova: Desde que an ≥ 0 e bn ≥ 0 para todo n ∈ N entao

as reduzidas (sn) e (tn) de∞∑

n=1

an e∞∑

n=1

bn, respectivamente,

sao sequencias monotonas nao decrescentes e, alem disso,sn ≤ Ctn, para todo n ∈ N. Se (tn) for convergente entao, emparticular, e limitada e, assim, (sn) e limitada e monotona naodecrescente, portanto, convergente. Por outro lado, se (sn) naofor convergente, sendo monotona nao decrescente, e neces-sariamente nao limitada, o que implica na nao limitacao de (tn)

e, portanto na nao convergencia de∞∑

n=1

bn.

Exemplo 3.3 A serie∞∑

n=0

1(n + 1)2n e convergente uma vez

que1

(n + 1)2n ≤12n

para todo n ∈ N e a serie∞∑

n=0

12n e convergente, como vimos

anteriormente.

Observacao: Na demonstracao da Proposicao 3.3 o argu-mento utilizado foi, em outras palavras, o seguinte: uma serie

76 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

de termos nao negativos∞∑

n=1

an e convergente se, e somente

se, a sequencia (sn) das suas reduzidas e limitada. Vamosutilizar essa observacao no exemplo a seguir.

Exemplo 3.4 (p−series) Considere a serie∞∑

n=1

1np , p ∈ R.

Vamos usar a Observacao acima para mostrar que se p > 1

entao∞∑

n=1

1np e convergente. De fato, para n = 2m − 1 temos

1 +(

12p +

13p

)+ · · · +

(1

(2m−1)p + · · · +1

(2m−1)p

)<

1 +(

12p +

12p

)+ · · · +

(1

2p(m−1) + · · · +1

2p(m−1)

)︸ ︷︷ ︸

2m−1 parcelas

=

1 + 22p + · · · +

2m−1

2(m−1)p = 1 + 12p−1 +

(1

2p−1

)2+ · · · +

(1

2p−1

)m−1,

onde, para a obtencao da desigualdade acima, substituimosem cada parentesis todos os termos pelo maior deles. Desde

que p − 1 > 0, entao1

2p−1 < 1. Logo a serie geometrica∞∑

n=0

(1

2p−1

)n

converge. Em particular a sequencia das suas so-

mas parciais e limitada. Segue que a sequencia das somas

parciais (sn) da serie∞∑

n=1

1np , a qual e monotona nao decre-

cente, e convergente. Assim,∞∑

n=1

1np e convergente. Observe

que, para o caso p ≤ 1 temos que np ≤ n e, assim,1n≤

1np .

3.2. SERIES 77

Como a serie∞∑

n=1

1n

e divergente, segue da Proposicao 3.3 que

∞∑n=1

1np e divergente.

As series convergentes de termos nao negativos tem aindauma propriedade interessante, qual seja a de que o valor desua soma e independente da ordem em que os termos sao so-

mados. Para formalizar esse resultado seja∞∑

n=1

an uma serie

de termos nao negativos e convergente para o limite S 1. Seσ : N→ N e uma bijecao de N e bn = aσ(n), vamos mostrar que∞∑

n=1

bn, obtida de∞∑

n=1

an por uma reindexacao, e convergente e

∞∑n=1

bn = S 1. De fato, se tm e a m−esima soma parcial de∞∑

n=1

bn,

consideremos j = max{σ(i); i = 1, 2, · · · ,m} e s j a j−esima

soma parcial de∞∑

n=1

an. Entao, claramente, tm ≤ s j ≤ S 1. Logo

a sequencia das somas parciais de∞∑

n=1

bn e limitada e, conse-

quentemente, e convergente (pois e nao decrescente). Por-tanto, existe S 2 ∈ R tal que lim

m→∞tm = S 2 e, alem disso, S 2 ≤ S 1.

Do mesmo modo, podemos pensar em∞∑

n=1

an como obtida de

∞∑n=1

bn por uma reindexacao e deduzimos que S 1 ≤ S 2. Logo,

S 1 = S 2.

78 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

3.2.2 Series Alternadas

Quando os termos de uma serie se alternam de sinal dize-mos que e uma serie alternada. Uma serie alternada e, por-

tanto, uma serie de um dos tipos∞∑

n=1

(−1)n+1an ou∞∑

n=1

(−1)nan,

onde an > 0 para todo n ∈ N.Vimos que para uma serie qualquer ser convergente e necess-

rio que o seu termo geral tenha limite zero. No caso das seriealternadas vale uma “quase recıproca”, que e um resultadoconhecido como Criterio de Leibniz1 para series alternadas, eesta dado na proposicao a seguir.

Proposicao 3.4 (Criterio de Leibniz) Seja (an) uma sequenciadecrescente de termos positivos tal que lim

n→∞an = 0. Entao

∞∑n=1

(−1)n+1an e convergente.

Prova: Vamos analizar as reduzidas de ordem par, (s2n) e as

de ordem ımpar, (s2n−1) de∞∑

n=1

(−1)n+1an. Temos que

s2n = (a1 − a2) + (a3 − a4) + · · · + (a2n−1 − a2n),

sendo cada parcela entre parentesis um numero positivo. Logo(s2n) e uma sequencia crescente de termos positivos. Tambempodemos escrever

s2n = a1 − (a2 − a3) − · · · − (a2n − a2n−1),

e sendo cada parcela entre parentesis um numero positivo de-duzimos que 0 < s2n < a1 para todo n ∈ N. Portanto (s2n) e con-vergente para um limite S . Agora, observe que s2n−1 = s2n + a2n .

1Gottfrid Wilhelm Leibniz (1646-1716)

3.3. CONVERGENCIA ABSOLUTA 79

Logo,limn→∞

s2n−1 = limn→∞

s2n + limn→∞

a2n = S + 0 = S .

Segue que limn→∞

sn = S (ver Exercıcio 2.14).

O resultado expresso na Proposicao 3.4 obviamente vale

tambem para series alternadas do tipo∞∑

n=1

(−1)nan.

Exemplo 3.5 A serie harmonica alternada

∞∑n=1

(−1)n+1 1n= 1 −

12+

13−

14+ · · ·

e convergente pois(1n

)e decrescente e lim

n→∞

1n= 0.

3.3 Convergencia Absoluta

A serie harmonica alternada dada no Exemplo 3.5, a quale convergente, e tal que a serie obtida tomando-se os valoresabsolutos dos seus termos, que e a serie harmonica, nao econvergente. Esse fato e destacado e sugere a definicao aseguir.

Definicao 3.1 Dizemos que uma serie∞∑

n=1

an e absolutamente

convergente se∞∑

n=1

|an| converge. Quando∞∑

n=1

an converge mas

∞∑n=1

|an| nao converge dizemos que∞∑

n=1

an e condicionalmente

convergente.

80 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

A serie harmonica alternada, como vimos anteriormente, eum exemplo de uma serie condicionalmente convergente.

Exemplo 3.6 As series do tipo∞∑

n=1

(−1)n+1 1np , com p > 1, sao

absolutamente convergentes pois, como sabemos, as series∞∑

n=1

1np , com p > 1, sao convergentes.

Na verdade a propria serie∞∑

n=1

(−1)n+1 1np , com p > 1, e

convergente (trata-se de uma serie alternada com an =1np a

qual, para p > 1, forma uma sequencia decrescente com limitezero). Esse fato e verdadeiro em geral, series absolutamenteconvergentes tambem sao convergentes, como bem expressaa proposicao a seguir.

Proposicao 3.5 Toda serie absolutamente convergente e con-vergente.

Prova: Consideremos∞∑

n=1

an uma serie absolutamente conver-

gente. Desde que −|an| ≤ an ≤ |an|, segue que 0 ≤ an + |an| ≤

2|an| para todo n ∈ N. Como, por hipotese,∞∑

n=1

|an| e con-

vergente, segue, do criterio de comparacao para series de

temos nao negativos, que∞∑

n=1

(an + |an|) e convergente. Por

outro lado, a serie∞∑

n=1

−|an| e convergente, portanto∞∑

n=1

an =

∞∑n=1

(an + |an| − |an|) e convergente.

3.4. OUTROS TESTES DE CONVERGENCIA 81

3.4 Outros Testes de Convergencia

Ao tratarmos com uma serie numerica, as questoes que seapresentam sao, em primeiro lugar investigar se a dada seriee convergente ou nao e, uma vez garantida a convergencia damesma, calcular (ou pelo menos estimar) o valor da sua soma.Para a investigacao da convergencia ou nao de determinadasseries sao conhecidos alguns criterios.

Apresentamos nesta secao tres criterios de convergencia.Os dois primeiros ja familiares para os estudantes desde oscursos elementares de Calculo Diferencial e Integral, quais se-jam, o Criterio de d’Alembert2 (ou Teste da Razao) e o Criteriode Cauchy (ou Teste da Raiz) e o terceiro e o Criterio de Dirich-let3. Ha muitos testes de convergencia, alguns deixados comoexercıcios, como o Teste da Integral, o Teste de Comparacaono Limite e o Teste de Abel4, e outros, de demonstracao e deaplicacao um pouco mais elaborados, que o estudante inter-essado podera consultar a bibliografia recomendada ao finaldeste texto.

Proposicao 3.6 (Teste da Razao) Seja∞∑

n=1

an uma serie de ter-

mos nao nulos e suponhamos que limn→∞

|an+1|

|an|= L. Entao

a) Se L < 1 a serie e absolutamente convergente.

b) Se L > 1 a serie e divergente.

c) Se L = 1 o teste e inconclusivo.

2Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783).3Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859).4Neils Henrik Abel (1802-1828).

82 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

Prova: Para a prova de a) ecolhamos b ∈ R tal que L < b < 1.

Como limn→∞

|an+1|

|an|= L entao existe N ∈ N tal que

|an+1|

|an|≤ b para

todo n ≥ N. Portanto,

|aN+1| ≤ b|aN |

|aN+2| ≤ b|aN+1| ≤ b2|aN |

|aN+3| ≤ b|aN+2| ≤ b3|aN |

e podemos deduzir, usando o Primeiro Princıpio de Inducao,que

|aN+ j| ≤ b j|aN |, para todo j ∈ N.

Sendo 0 ≤ b < 1 entao∞∑j=1

|aN |b j = |aN |

∞∑j=1

b j e convergente

e segue do criterio de comparacao que∞∑

n=1

|an| e convergente.

Logo∞∑

n=1

an e absolutamente convergente. Para a prova de b)

temos que existe N ∈ N tal que|an+1|

|an|> 1, para todo n ≥ N.

Assim, para todo j ∈ N temos que

|aN+ j| > |aN+ j−1| > |aN+ j−2| > · · · |aN | > 0,

isto e, a sequencia (an) nao tem limite zero, portanto∞∑

n=1

an nao

converge. Para justificar a inconclusibilidade do teste no caso

L = 1 consideremos as series∞∑

n=1

1n

e∞∑

n=1

1n2 . Em ambos os

casos limn→∞

|an+1|

|an|= 1 sendo que a primeira serie e divergente e

a segunda e convergente.

3.4. OUTROS TESTES DE CONVERGENCIA 83

Exemplo 3.7 A serie∞∑

n=1

(−1)n 1n!

e absolutamente convergente

pois

|an+1|

|an|=

∣∣∣∣(−1)n+1 1(n+1)!

∣∣∣∣∣∣∣(−1)n 1n!

∣∣∣ =n!

(n + 1)!=

1n + 1

,

donde limn→∞

|an+1|

|an|= 0 < 1.

Proposicao 3.7 (Teste da Raiz) Seja∞∑

n=1

an uma serie e supon-

hamos que limn→∞

n√|an| = L. Entao

a) Se L < 1 a serie e absolutamente convergente.

b) Se L > 1 a serie e divergente.

c) Se L = 1 o teste e inconclusivo.

Prova: Para a prova de a) ecolhamos b ∈ R tal que L < b < 1.Como lim

n→∞

n√|an| = L entao existe N ∈ N tal que n

√|an| ≤ b

para todo n ≥ N. Portanto, |an| ≤ bn para todo n ≥ N. Sendo

0 ≤ b < 1 entao∞∑

n=1

bn e convergente e segue do criterio de

comparacao que∞∑

n=1

|an| e convergente. Logo∞∑

n=1

an e abso-

lutamente convergente. Para a prova de b) temos que existeN ∈ N tal que n

√|an| > 1, para todo n ≥ N. Assim, a sequencia

(an) nao tem limite zero, portanto∞∑

n=1

an diverge. Para ver que o

teste e inconclusivo no caso L = 1 consideremos, novamente,

as series∞∑

n=1

1n

e∞∑

n=1

1n2 . Em ambos os casos lim

n→∞

n√|an| = 1

84 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

e, como sabemos, a primeira serie diverge enquanto que asegunda converge.

Exemplo 3.8 A serie∞∑

n=1

(−1)n rn

nn e absolutamente convergente

qualquer que seja r ∈ R pois

n

√∣∣∣∣∣(−1)n rn

nn

∣∣∣∣∣ = n

√|r|n

nn =|r|n,

donde limn→∞

√|an| = 0 < 1, onde an = (−1)n rn

nn .

Proposicao 3.8 (Criterio de Dirichlet) Sejam (an) e (bn) se-quencias de numeros reais tais que

i) A sequencia (sn) das somas parciais de (an) e limitada.

ii) A sequencia (bn) e monotona e limn→∞

bn = 0.

Entao a serie∞∑

n=1

anbn e convergente.

Para a prova da Proposicao 3.8 estabeleceremos inicial-mente dois lemas tecnicos.

Lema 3.1 Sejam a1, a2, · · · , ap e b1, b2, · · · , bp numeros reais

e consideremos sk =

k∑j=1

a j, k = 1, 2, · · · , p. Entao

a1b1 + a2b2 + · · · + apbp =

s1(b1 − b2) + s2(b2 − b3) + · · · + sp−1(bp−1 − bp) + spbp.

3.4. OUTROS TESTES DE CONVERGENCIA 85

Prova: Observe que a1 = s1, a2 = s2− s1, a3 = s3− s2 e, de ummodo geral, a j+1 = s j+1 − s j, para j = 1, 2, · · · , p − 1. Portanto

a1b1 + a2b2 + a3b3 + · · · + apbp =

s1b1 + (s2 − s1)b2 + (s3 − s2)b3 + · · · + (sp − sp−1)bp =

s1b1 + s2b2 − s1b2 + s3b3 − s2b3 + · · · + spbp − sp−1bp =

s1(b1 − b2) + s2(b2 − b3) + · · · + sp−1(bp−1 − bp) + spbp,

como querıamos.

Lema 3.2 Sejam b1, b2, b3, · · · , bp numeros reais satisfazendoa hipotese b1 ≥ b2 ≥ b3 ≥ · · · ≥ bp ≥ 0 e a1, a2, a3, · · · , ap

numeros reais quaisquer. Consideremos sk =

k∑j=1

a j e supon-

hamos que existem numeros reais µ e M tais que

µ ≤ sk ≤ M, ∀k = 1, 2, · · · , p.

Entao

µb1 ≤ a1b1 + a2b2 + a3b3 + · · · + apbp ≤ Mb1.

Prova: Desde que µ ≤ sk ≤ M, para k = 1, 2, · · · , p e b1 ≥

b2 ≥ b3 ≥ · · · ≥ bp ≥ 0, entao

µ(b1 − b2) ≤ s1(b1 − b2) ≤ M(b1 − b2)

µ(b2 − b3) ≤ s2(b2 − b3) ≤ M(b2 − b3)...

µ(bp−1 − bp) ≤ sp−1(bp−1 − bp) ≤ M(bp−1 − bp)

µbp ≤ spbp ≤ Mbp

86 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

Somando membro a membro essas desigualdades obtemos

µb1 ≤ s1(b1−b2)+ s2(b2−b3)+ · · ·+ sp−1(bp−1−bp)+ spbp ≤ Mb1.

Assim, pelo Lema 3.1

µb1 ≤ a1b1 + a2b2 + a3b3 + · · · + apbp ≤ Mb1

como querıamos.

Prova da Proposicao 3.8 Podemos supor, sem perda da gen-eralidade, que a sequencia (bn) e nao crescente e bn ≥ 0 paratodo n ∈ N. Como (sn) e limitada existe H > 0 tal que |sn| ≤ Hpara todo n ∈ N. Logo

|an+1 + an+2 + · · · + an+k| = |sn+k − sn| ≤ |sn+k| + |sn| ≤ 2H,

ou seja−2H ≤ an+1 + an+2 + · · · + an+k ≤ 2H.

Pelo Lema 3.2 temos

−2Hbn+1 ≤ an+1bn+1 + an+2bn+2 + · · · + an+kbn+k ≤ 2Hbn+1

ou|an+1bn+1 + an+2bn+2 + · · · + an+kbn+k| ≤ 2Hbn+1.

Desde quer limn→∞

bn = 0 entao, para cada ε > 0 existe N ∈ N talque

n ≥ N ⇒ bn <ε

2H.

Logo

|an+1bn+1 + an+2bn+2 + · · · + an+kbn+k| = |

n+k∑j=n+1

a jb j| < ε,

o que acarreta a convergencia da serie∞∑

n=1

anbn, pelo pelo

Criterio de Cauchy.

3.5. EXERCICIOS DO CAPITULO 3 87

3.5 Exercıcios do Capıtulo 3

3.1- Considere as series∞∑

n=1

an e∞∑

n=1

bn, onde,

an =√

n + 1 −√

n e bn = ln(1 +

1n

).

Mostre que limn→∞

an = limn→∞

bn = 0. Calcule explicitamente

as n−esimas somas parciais sn e tn dessas series e mostreque lim

n→∞sn = lim

n→∞tn = ∞. Conclua que as series dadas

sao divergentes.

3.2- Use o teste da raiz para mostrar que as series abaixoconvergem:

a)∞∑

n=1

n5

5n , b)∞∑

n=1

(n√n − 1

), c)

∞∑n=1

(−n

3n + 1

)n

3.3- Verifique se as seguintes series convergem ou divergem:

a)∞∑

n=1

(2n

)n

n!, b)∞∑

n=1

(−1)n2n

n!, c)

∞∑n=1

(−1)n

n(n + 2)

3.4- Se∞∑

n=1

an, an ≥ 0 ∀n ∈ N, e convergente, entao as series

∞∑n=1

anxn, x ∈ [0, 1] e∞∑

n=1

ansen(nx), x ∈ R

sao absolutamente convergentes.

88 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

3.5- Mostre que se∞∑

n=1

an converge absolutamente, entao∞∑

n=1

a2n

converge.

3.6- Prove que se∞∑

n=1

a2n e

∞∑n=1

b2n convergem, entao

∞∑n=1

anbn

converge absolutamente.

3.7- Prove que se∞∑

n=1

a2n e

∞∑n=1

b2n convergem, entao

∞∑n=1

(an + bn)2

tambem converge.

3.8- Prove que se∞∑

n=1

a2n e

∞∑n=1

b2n convergem, entao

∞∑n=1

anbn

2

∞∑n=1

a2n

∞∑n=1

b2n

.3.9- Mostre que se

∞∑n=1

an e∞∑

n=1

bn convergem absolutamente,

entao∞∑

n=1

(an cos(nx) + bnsen(nx)) tambem converge.

3.10- Suponha que a sequencia de termos nao negativos (an)

e decrecente e a serie∞∑

n=1

an converge. Mostre que

limn→∞

nan = 0.

3.5. EXERCICIOS DO CAPITULO 3 89

3.11- Mostre que uma serie de numeros reais e absolutamenteconvergente se, e somente se, ela pode ser expressacomo a diferenca de series convergentes de termos naonegativos.

3.12- Prove que a serie∞∑

n=1

an, an ≥ 0, e convergente se,

e somente se, a sequencia (sn) das somas parciais elimitada.

3.13- Determine para quais valores de x as series∞∑

n=1

xn

n2 e

∞∑n=1

xn

nn sao convergentes.

3.14- De exemplos de uma serie convergente∞∑

n=1

an e de uma

sequencia limitada (xn) tais que∞∑

n=1

anxn seja divergente.

3.15- Prove que se an ≥ 0 para todo n ∈ N e∞∑

n=1

an converge,

entao∞∑

n=1

√an

ntambem converge.

3.16- Seja (an) e uma sequencia decrescente de termos posi-tivos como limite nulo e f uma funcao decrescente, definidaem [1,+∞) e tal que f (n) = an, para todo n ∈ N. Mostre

que a serie∞∑

n=1

an converge se, e somente se,∫ ∞

1f (x)dx

converge.

90 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

3.17- Se an ≥ 0 e bn > 0 para todo n ∈ N e se limn→∞

an

bn= 0

entao∞∑

n=1

an converge se∞∑

n=1

bn converge.

3.18- [Criterio de Abel] Sejam (an) e (bn) sequencias de numerosreais tais que

a)∞∑

n=1

an e convergente;

b) (bn) e monotona e limitada.

Entao∞∑

n=1

anbn e convergente.

3.19- Mostre que∞∑

n=2

1n ln n

e diverente.

3.20- Mostre que a serie∞∑

n=2

1n(ln n)r converge se r > 1 e di-

verge se r ≤ 1.

3.21- Sejam∞∑

n=1

an e∞∑

n=1

bn duas series de termos positivos

tais que0 < lim

n→∞

an

bn< ∞.

Mostre que ou ambas as series convergem ou ambasdivergem.

3.22- A serie∞∑

n=1

1√

n(n + 1)converge ou diverge? Justifique

sua resposta.

3.5. EXERCICIOS DO CAPITULO 3 91

3.23- Mostre que se∞∑

n=1

an converge e se (sn) e tal que sn =

a1+a2+ · · ·+an entao a sequencias1 + s2 + · · · + sn

ncon-

verge, e seu limite e∞∑

n=1

an.

3.24- Mostre que se∞∑

n=1

an converge e∞∑

n=1

bn diverge, entao a

serie∞∑

n=1

(an + bn) diverge.

3.25- A serie∞∑

n=1

(−1)n nn + 1

converge ou diverge? Justifique

sua resposta.

3.26- Determine os valores de x para os quais a serie∞∑

n=1

xn

nx

seja convergente.

3.27- Seja (an) e uma sequencia decrescente de termos nao

negativos. Mostre que a serie∞∑

n=1

an converge se, e so-

mente se,∞∑

k=0

2ka2k converge.

3.28- Suponhamos que∞∑

n=0

an = A,∞∑

n=0

bn = B e a convergencia

de∞∑

n=0

an e absoluta. Seja cn =

n∑k=0

akbn−k, para n =

0, 1, 2 · · · Mostre que∞∑

n=0

cn = A.B.

92 CAPITULO 3. SERIES NUMERICAS

3.29- Mostre que, se∞∑

n=1

an e absolutamente convergente, entao

∞∑n=1

an =

∞∑n=1

aσ(n) para toda bijecao σ : N→ N.

Capıtulo 4

Nocoes de Topologia da Reta

4.1 Introducao

Topologia e o campo da Matematica que objetiva basica-mente descrever como estao “colocadas” determinadas classesde subconjuntos de um conjunto maior, chamado de espacotopologico, e no qual alguma nocao de proximidade esta definida.A linguagem introduzida pela Topologia e fundamental para ageneralizacao do conceito de continuidade de funcoes. Trata-se, portanto, de um importante campo de estudo. Contudo,uma vez que nao faz parte dos objetivos deste texto o aprofun-damento desse tema, nos limitaremos a apresentar as nocoestopologicas necessarias para trabalhar, nos proximos capıtulos,com limite e continuidade de funcoes reais. Usaremos forte-mente a interpretacao geometrica de R como pontos de umareta, daı a denominacao “Topologia da Reta”. Antes, porem,retornaremos as questoes de limites de sequencias para intro-duzir alguns conceitos basicos para um melhor entendimentoda linguagem da topologia da reta. E o que faremos na proximasecao.

93

94 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

4.2 Limite Superior e Limite Inferior

Um numero real x chama-se ponto aderente de uma sequenciade numeros reais (an) quando esta possui uma subsequencia(an j) tal que lim

n j→∞an j = x. Portanto, o conjunto dos pontos ader-

entes de uma sequencia e o conjunto dos limites de suas sub-sequencias convergentes.

O Teorema 2.1 garante que o conjunto dos pontos ader-entes de uma sequencia limitada e sempre nao vazio e a Proposicao 2.1afirma que uma sequencia convergente possui um unico pontoaderente que e exatamente o seu limite.

A sequencia (n)n∈N, por ser estritamente crescente e naolimitada, nao possui ponto aderente algum. Por outro lado,a sequencia (1, 1, 2, 1, 2, 3, 1, 2, 3, 4, · · · ) admite cada numeronatural como um ponto aderente. Vemos entao, com estesdois ultimos exemplos e os comentarios do paragrafo anterior,que o conjunto dos pontos aderentes de uma sequencia tantopode ser infinito como finito e ate mesmo vazio.

Quando uma sequencia (an) e limitada entao o conjunto Cde seus pontos aderentes, que e nao vazio, e tambem limitado.Podemos, assim, para uma sequencia limitada, definir o limitesuperior de (an), denotado por lim sup an, e o limite inferior de(an), denotado por lim inf an, como sendo

lim sup an = sup C e lim inf an = inf C.

Quando a sequencia (an) nao e limitada superiormente es-crevemos lim sup an = ∞ e quando nao e limitada inferior-mente escrevemos lim inf an = −∞. E claro que lim sup an ∈ Rse, e somente se, (an) e limitada superiormente. Analoga-mente, lim inf an ∈ R se, e somente se, (an) e limitada infe-riormente.

4.2. LIMITE SUPERIOR E LIMITE INFERIOR 95

Proposicao 4.1 Se L = lim sup an e ` = lim inf an entao, dadoε > 0 existe N ∈ N tal que

n ≥ N ⇒ ` − ε < an < L + ε.

Prova: Desde que L e ` sao numeros reais entao (an) e lim-itada. Se para algum ε0 > 0 tivessemos an ≥ L + ε0 paraum numero infinito de ındices n entao poderıamos escolhern1 < n2 < · · · < nk < · · · em N de tal modo que ank ≥ L + ε0.Sendo (an) limitada entao (ank) e tambem limitada e, pelo Teo-rema de Bolzano-Weierstrass, (ank) possui uma subsequencia(ank j

) convergente para um limite x ∈ R que seria, assim, umponto aderente de (an). Como ank j

≥ L+ε0 entao x ≥ L+ε0 > L,o que e uma contradicao pois L e o supremo do conjunto dospontos aderentes de (an). Logo, para cada ε > 0, so podehaver um numero finito de ındices n com an ≥ L + ε. Isto e,existe N1 ∈ N tal que

n ≥ N1 ⇒ an < L + ε.

Por meio de um raciocınio semelhante podemos garantir queexiste N2 ∈ N tal que

n ≥ N2 ⇒ ` − ε < an.

Tomando agora N = max{N1,N2} obtemos

n ≥ N ⇒ ` − ε < an < L + ε,

como querıamos demonstrar.

Corolario: Uma sequencia (an) e convergente se, e somentese,

lim sup an = lim inf an·

96 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

Exemplo 4.1 Considere a sequencia (an) cujo termo geral edado por

an =

(1 −

1n

)sen

nπ2.

Temos que

a4n+1 =

(1 −

14n + 1

)sen

(4n + 1)π2

=

(1 −

14n + 1

).1

e, assim, limn→∞

a4n+1 = 1. Temos tambem que

a4n−1 =

(1 −

14n − 1

)sen

(4n − 1)π2

=

(1 −

14n − 1

).(−1)

e, portanto, limn→∞

a4n−1 = −1. Como

|an| =

∣∣∣∣∣∣(1 −

1n

)sen

nπ2

∣∣∣∣∣∣ ≤ 1

para todo n ∈ N, segue que lim inf an = −1 e lim sup an = 1.Podemos tambem concluir, usando o Corolario da Proposicao 4.1,que (an) e divergente.

Ha outra forma de se introduzir o limite superior e o limiteinferior de uma sequencia (an), equivalente a acima apresen-tada, formulacao esta que, em determinadas situacoes, facilitao trabalho com o limite superior e o limite inferior. Trata-se daseguinte formulacao: para cada n ∈ N consideremos o con-junto

An = {an, an+1, an+2, · · · }. (4.1)

Uma vez que (an) e limitada entao An e um conjunto limitado e,portanto, existem αn = inf An e βn = sup An. Como An+1 ⊂ An,temos tambem que αn ≤ αn+1 e βn+1 ≤ βn, ou seja, (αn) e(βn) sao sequencias monotonas, e sendo limitadas (pois (an) e

4.2. LIMITE SUPERIOR E LIMITE INFERIOR 97

limitada), sao ambas convergentes (vide Proposicao 2.8 e seucomentario logo a seguir). Sejam

L = limn→∞

αn e L = limn→∞

βn.

Mostremos, na proposicao a seguir, que

L = lim inf an e L = lim sup an.

Proposicao 4.2 Seja (an) uma sequencia limitada. Entao

lim inf an = L = limn→∞

inf An

elim sup an = L = lim

n→∞sup An,

onde An esta definido em (4.1).

Prova: Vamos demonstrar que L = lim sup an e deixamoscomo um exercıcio a demonstracao de que L = lim inf an. Sejax um ponto aderente de (an), isto e, x e o limite de uma sub-sequencia (ank) de (an). Como nk ≥ k entao ank ∈ Ak, logo,ank ≤ βk. Assim,

x = limk→∞

ank ≤ limk→∞

βk = L.

Donde segue quelim sup an ≤ L. (4.2)

Vamos agora construir uma subsequencia de (an) que con-verge para L. Para k = 1, como β1 = sup A1, existe n1 ∈ Ntal que

β1 − 1 < an1 ≤ β1.

Para k = 2, como βn1+1 = sup An1+1, podemos determinar n2 >n1 tal que

βn1+1 −12< an2 ≤ βn1+1.

98 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

Para k = 3, como βn2+1 = sup An2+1, existe n3 > n2 tal que

βn2+1 −13< an3 ≤ βn2+1.

Prosseguindo com essa construcao, para cada k ∈ N determi-namos ank tal que

βnk+1 −1

k + 1< ank+1 ≤ βnk+1. (4.3)

Passando ao limite em (4.3) quando k → ∞ obtemos limk→∞

ank =

L. Assim, L e um ponto aderente de (an) e, consequentemente,

L ≤ lim sup an. (4.4)

De (4.2) e (4.4) segue que L = lim sup an, como querıamosdemonstrar.

Com o auxılio da Proposicao 4.2 vamos dar uma caracterizacaopara o limite superior e o limite inferior de uma sequencia limi-tada.

Proposicao 4.3 Seja (an) uma sequencia limitada. Entao

i) L e o limite superior de (an) se, e somente se, dado ε > 0,

a) existe N ∈ N tal que an < L + ε para todo n ≥ N e

b) an > L − ε para uma infinidade de ındices n.

ii) ` e o limite inferior de (an) se, e somente se, dado ε > 0,

c) existe N ∈ N tal que an > ` − ε para todo n ≥ N e

d) an < ` + ε para uma infinidade de ındices n.

4.3. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA 99

Prova: Vamos demonstrar o item i) e deixamos como ex-ercıcio o item ii). Suponhamos que L = lim sup an. Pela Proposicao 4.2temos que L = lim

n→∞βn, onde βn = sup{an, an+1, · · · }. Logo existe

N ∈ N tal que βN < L + ε e, portanto an < L + ε para todon ≥ N, o que prova a). Outra vez pela Proposicao 4.2 sabe-mos que existe uma subsequencia de (an) que converge paraL. Logo exite uma infinidade de ındices n tais que an > L − ε,o que prova b). Reciprocamente, suponhamos que vale a) eb). Por a) temos que βn = sup An ≤ L + ε para n ≥ N, e comopor b) an > L − ε para uma infinidade de ındices n, sendo (βn)uma sequencia nao crescente, segue que βn ≥ L− ε para todon ∈ N. Donde obtemos L = lim

n→∞βn.

4.3 Nocoes de Topologia da Reta

Definicao 4.1 Dado um subconjunto S ⊂ R, dizemos que umponto x0 ∈ R e um ponto de acumulacao de S se para cadaε > 0 existe x ∈ S tal que 0 < |x − x0| < ε. O conjunto dospontos de acumulacao de S e chamado de derivado de S e edenotado por S ′.

Exemplo 4.2 Para o intervalo I = (0, 1) os pontos 0 e 1 saopontos de acumulacao. Na realidade qualquer x ∈ R tal que0 ≤ x ≤ 1 e ponto de acumulacao de (0, 1), ou seja, I′ = [0, 1].

Exemplo 4.3 O subconjunto

S ={

12,

23,

34, · · · ,

nn + 1

, · · ·

}de R tem exatamente um ponto de acumulacao, a saber, x0 =

1.

100 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

Se S ⊂ R e finito entao S nao possui pontos de acumulacao.O conjunto N dos numeros naturais tambem nao possui pon-tos de acumulacao. No entanto, vale a seguinte versao doTeorema de Bolzano-Weierstrass para conjuntos.

Teorema 4.1 Todo subconjunto infinito e limitado de numerosreais possui pelo menos um ponto de acumulacao.

Prova: Seja S ⊂ R infinito e limitado. Podemos selecionar umasequencia (an) de pontos dois a dois distintos de S . Sendo Slimitado entao (an) e limitada e, pelo Teorema 2.1 (Teorema deBolzano-Weirestrass), esta possui uma subsequencia conver-gente (an j). Seja x0 = lim

n j→∞an j . Mostremos que x0 e um ponto

de acumulacao de S . De fato, dado ε > 0 existe N ∈ N tal que

n j ≥ N ⇒ |an j − x0| < ε.

Escolhamos n j0 > N tal que an j0, x0. Tal escolha e possıvel

tendo em vista que a sequencia (an) e constituida de pontosdois a dois distintos. Logo, para cada ε > 0 existe an j0

∈ Stal que 0 < |an j0

− x0| < ε o que prova que x0 e um ponto deacumulacao de S .

Proposicao 4.4 Se x0 e um ponto de acumulacao de S ⊂ Rentao existe uma sequencia (xn) de pontos de S , com xn , x0

para todo n ∈ N, satisfazendo limn→∞

xn = x0.

Prova: Como x0 e um ponto de acumulacao de S entao, paracada ε > 0 existe x ∈ S tal que 0 < |x − x0| < ε. Em particular,para cada n ∈ N existe xn ∈ S tal que 0 < |xn− x0| <

1n . Portanto

limn→∞

xn = x0.

4.3. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA 101

4.3.1 Conjuntos Abertos

Dados x e ε > 0 em R chamamos o intervalo (x−ε, x+ε) devizinhanca de centro x e raio ε e o representamos por Vε(x).O conjunto Vε(x) − {x}, isto e, a vizinhanca de centro x e raio εsuprimida de x, e denotada por V∗ε (x). Nesta terminologia, umponto x e um ponto de acumulacao de S ⊂ R se para todavizinhanca V∗ε (x) temos V∗ε (x) ∩ S , ∅.

Definicao 4.2 Um subconjunto A de R denomina-se aberto separa cada x ∈ A existe ε > 0 tal que Vε(x) ⊂ A.

Exemplo 4.4 Para a e b em R, com a < b, o intervalo aberto(a, b) e um subconjunto aberto. De fato, para cada x ∈ (a, b)podemos escolher ε = min{x− a, b− x} e temos Vε(x) ⊂ (a, b).Os intervalos do tipo (−∞, a) e (b, +∞), assim como o proprioR, sao tambem subconjuntos abertos (justifique).

Observe que o conjunto vazio ∅ nao contradiz a Definicao 4.2simplesmente porque nao possui ponto algum, logo e um sub-conjunto aberto.

A classe dos subconjuntos abertos goza das propriedadesdadas pela proposicao a seguir, cuja demonstracao e deixadapara os exercıcios.

Proposicao 4.5 A uniao de uma colecao qualquer de sub-conjuntos abertos e um subconjunto aberto e a intersecao deuma colecao finita de subconjuntos abertos e um subconjuntoaberto.

Se A ⊂ R e um subconjunto aberto nao vazio entao, paracada x ∈ A existe εx > 0 tal que Vεx(x) ⊂ A. Assim

A =⋃x∈A

Vεx(x).

102 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

Isto e, todo subconjunto aberto nao vazio de R pode ser rep-resentado como uma uniao de intervalos abertos. Pode-semostrar (vide [8]) um resultado mais refinado o qual afirma que“todo subconjunto aberto pode ser representado como umauniao enumeravel de intervalos abertos dois a dois disjuntos”.

4.3.2 Conjuntos Fechados

Definicao 4.3 Um subconjunto F de R e denominado fechadose seu complementar R − Fe aberto.

Exemplo 4.5 Para a e b em R, com a < b, o intervalo fechado[a, b] e um subconjunto fechado de R. Para ver isto e bastanteobeservar que

R − [a, b] = (−∞, a) ∪ (b, +∞)

e usar o Exemplo 4.4 e a Proposicao 4.5.

Exemplo 4.6 Desde que R = R − ∅ e R e aberto, segue que ∅e fechado. Como tambem ∅ = R − R e ∅ e aberto, segue queR e fechado.

Um fato importante a respeito de R e que os seus unicossubconjuntos que sao simultaneamente abertos e fechadossao o vazio e o proprio R. A demonstracao deste fato extrapolaos objetivos deste texto e pode ser vista em [8].

Decorre da Proposicao 4.5, e das propriedades da operacaode tomar complementares, que a colecao dos subconjuntosfechados de R goza das seguintes propriedades: a intersecaode uma colecao qualquer de fechados e um fechado e a uniaode uma colecao finita de fechados e um fechado.

Proposicao 4.6 Um subconjunto F ⊂ R e fechado se, e so-mente se, F contem todos os seus pontos de acumulacao.

4.3. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA 103

Prova: Suponhamos que F e fechado. Mostremos que nen-hum ponto de R − F pode ser ponto de acumulacao de F.Seja x0 ∈ R − F. Sendo R − F aberto, existe εx0 > 0 tal queVεx0

(x0) ⊂ (R − F). Neste caso Vεx0(x0) ∩ F = ∅. Em outras

palavras, nao existe x ∈ F tal que 0 < |x − x0| < εx0 . Portantox0 nao e ponto de acumulacao de F. Reciprocamente, supon-hamos que F contem todos os seus pontos de acumulacao.Seja x0 um ponto arbtrario de R − F. Temos, por hipotese,que x0 nao e ponto de acumulacao de F. Sendo assim, ex-iste εx0 > 0 tal que para todo x ∈ F vale Vεx0

∩ F = ∅. Emoutras palavras, Vεx0

(x0) ⊂ (R − F), o que mostra que R − F eaberto e, consequentemente, F e fechado.

Os conjuntos fechados podem tambem ser caracterizadosem termos de limites de sequencias de seus pontos, conformeestabelece a proposicao seguinte.

Proposicao 4.7 Uma condicao necessaria e suficiente paraque um conjunto F ⊂ R seja fechado e que, para qualquersequencia convergente (xn) de pontos de F tem-se lim

n→∞xn ∈ F.

Prova: Sponhamos que F ⊂ R e um subconjunto fechado eseja (xn) uma sequencia convergente para x ∈ R, com xn ∈ Fpara todo n ∈ N. Somente duas situacoes pode ocorrer: ouexiste n0 ∈ N tal que xn0 = x, e neste caso ja temos que x ∈ F,ou entao x , xn para todo n ∈ N e, neste caso, para cadaε > 0 existe N ∈ N tal que 0 < |xn − x| < ε para todo n ≥ N.Em outras palavras, x e um ponto de acumulacao de F, e pelaProposicao 4.6 segue que x ∈ F. Suponhamos agora que Fcontem os limites de todas as suas sequencias convergentes.Mostremos que F′, o conjunto dos pontos de acumulacao deF, esta contido em F. Se F′ = ∅, entao F′ ⊂ F. Se F′ , ∅,seja x ∈ F′. Pela Proposicao 4.4 existe uma sequencia (xn) de

104 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

pontos de F tal que limn→∞

xn = x e, portanto, x ∈ F. Assim, em

qualquer caso tem-se F′ ⊂ F, ou seja, F e fechado.

4.3.3 Conjuntos Compactos

Definicao 4.4 Um subconjunto K ⊂ R e denominado com-pacto quando e limitado e fechado.

Exemplo 4.7 Todo intervalo [a, b] de R e compacto pois elimitado e fechado. Intervalos do tipo (a, b] ou [a, b) nao saocompactos pois sao limitados mas nao sao fechados e inter-valos do tipo [a, +∞) ou (−∞, a] nao sao compactos pois saofechados mas nao sao limitados.

Uma caracterizacao dos subconjuntos compactos de R emtermos de sequencias e dada pela proposicao a seguir.

Proposicao 4.8 Um subconjunto K ⊂ R e compacto se, e so-mente se, toda sequencia (xn) de pontos de K possui umasubsequencia (xn j) convergente para um ponto de K.

Prova: Suponhamos K compacto, isto e, limitado e fechado,e seja (xn) uma sequencia de pontos de K. Temos que (xn)e limitada e, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass, (xn) pos-sui uma subsequencia (xn j) convergente para um limite x ∈ R.Sendo K fechado segue, da Proposicao 4.7, que x ∈ K. Recip-rocamente, suponhamos que toda sequencia (xn) de pontos deK possui uma subsequencia (xn j) convergente para um pontox ∈ K. Se K nao fosse limitado para cada n ∈ N existiria xn ∈ Kcom |xn| ≥ n. Neste caso terıamos uma sequencia (xn) de pon-tos de K que nao admitiria nenhuma subsequencia conver-gente, contradizendo a hipotese sobre K. Tambem se K naofosse fechado existiria x ∈ K′ com x < K e, pela Proposicao 4.4,

4.3. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA 105

existiria uma sequuencia (xn) de pontos de K convergente parax, o que novamente contradiria a hipotese sobre K.

Ha uma outra caracterizacao dos subconjuntos compactosde R cuja formulacao matematica e a que se usa em TopologiaGeral para definir compactos. Para darmos essa caracterizacaonecessitamos da definicao seguinte.

Definicao 4.5 Uma colecao de conjuntos abertosA = {Aλ; λ ∈Γ}, onde Γ e um conjunto de ındices qualquer, e denominadacobertura aberta de um subconjunto S ⊂ R se S ⊂

⋃λ∈Γ

Aλ.

Na Definicao 4.5, qualquer subcolecao de A cuja uniaocontem S e chamada de subcobertura de S .

De posse da Definicao 4.5 podemos enunciar, sem dar-mos a demonstracao, do Teorema de Borel Lebesgue1,2 quese constitui muma caracterizacao dos compactos de R.

Teorema 4.2 (Teorema de Borel-Lebesgue) Um subconjuntoK ⊂ R e compacto se, e somente se, toda cobertura aberta deK possui uma subcobertura finita.

Para a prova do Teorema 4.2 recomendamos a leitura de[10].

Exemplo 4.8 O subconjunto (0, 1] de R nao e compacto poisa colecao de abertos A = {( 1

n , 2); n ∈ N} e uma coberturaaberta de (0, 1] que nao possui nenhuma subcobertura finita.Do mesmo modo o subconjunto [0, +∞) de R nao e compactopois a colecao de abertosA = {(n−2, n); n ∈ N} e uma cober-tura aberta de [0, +∞] que nao possui nenhuma subcoberturafinita.

1Emile Borel (1871-1938).2Henri Lebesgue (1875-1941).

106 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

4.3.4 Conjuntos Completos

No Capıtulo 1 nos dissemos que um corpo ordenado era“completo” quando valia o Teorema 1.2, isto e, quando todosubconjunto nao vazio e limitado superiormente possuia supremo,e, naquele capıtulo, vimos que R era um corpo completo. Anal-isando bem a demonstracao do Teorema 1.2 vemos que apropriedade de R ser um corpo completo nao depende dofato de R ser corpo, ou seja, nao depende das propriedadesalgebricas e sim da nocao de ordem entre pontos de R e, nat-uralmente, da validade do Teorema de Dedekind. Aqui nestaseccao, usando sequencias de Cauchy, vamos introduzir oconceito de “conjunto completo” como sendo aquele em quetoda sequencia de Cauchy e convergente, e veremos, por meiodo Exemplo 4.9, que o proprio R e um conjunto completo. Ev-identemente que, para a introducao do conceito de sequenciade Cauchy, e em particular o conceito de conjunto completo,e fundamental a funcao valor absoluto, ou seja, a ferramentamatematica usada em R para “medir” distancias. Veremosnesta secao que, em R, os conceitos de ser “completo”, nosentido de que todo subcunjunto limitado superiormente pos-sui supremo, e ser um “conjunto completo”, no sentido de quetoda sequencia de Cauchy e convergente estao fortementerelacionados.

Definicao 4.6 Um subconjunto S ⊂ R e dito completo se todasequencia de Cauchy de pontos de S e convergente para umponto de S .

Exemplo 4.9 O proprio R e completo uma vez qu toda sequenciade Cauchy de numeros reais e convergente, conforme estab-elece a Proposicao 2.11.

Uma outra demonstracao de que R e um conjunto com-pleto, usando o lim inf e lim sup, e a seguinte. Dada (xn) uma

4.3. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA 107

sequencia de Cauchy em R e ε > 0, existe N ∈ N tal que

|xn − xm| < ε para todo m, n ≥ N.

Consequentemente, para todo n ≥ N, temos que xN − ε < xn <xN + ε e, assim,

xN − ε ≤ αN ≤ limn→∞

αn ≤ limn→∞

βn ≤ βN ≤ xN + ε, (4.5)

onde

αn = inf{xn, xn+1, · · · } e βn = sup{xn, xn+1, · · · }.

Da Proposicao 4.2 segue que lim inf xn = limn→∞

αn e lim sup xn =

limn→∞

βn, segue de (4.5) que lim inf xn e lim sup xn sao finitos e

0 ≤ lim sup xn − lim inf xn ≤ 2ε.

Sendo ε > 0 arbitrario temos lim sup xn = lim inf xn e, peloCorolario da Proposicao 4.1 segue que (xn) e convergente.

Exemplo 4.10 O subconjunto (0, 1] de R nao e completo pois(1

n ) e uma sequencia de pontos de (0, 1] que e de Cauchy masnao converge em (0, 1].

Exemplo 4.11 O subconjunto Q dos numeros racionais nao ecompleto pois a sequencia

(1, 1, 4, 1, 41, 1, 414, 1, 4142, · · · ),

das aproximacoes decimais de√

2, converge para√

2 e, por-tanto, e uma sequencia de Cauchy que nao e convergente emQ uma vez que

√2 e irracional.

Proposicao 4.9 Admitamos que em R toda sequencia de Cauchye convergente. Entao todo subconjunto de R, nao vazio e limi-tado superiormente, possui supremo.

108 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

Prova: Seja S ⊂ R nao vazio e limitado superiormente. Sejax1 ∈ S e M1 ∈ R com x1 < M1. Se nao existir nenhum pontode S , diferente de x1, no intervalo [x1, M1] entao x ≤ x1, paratodo x ∈ S . Neste caso x1 e o supremo de S . Caso contrario,isto e, se existe pelo menos um ponto de S diferente de x1 nointervalo [x1, M1], consideremos os dois subintervalos[

x1,M1 − x1

2

]e

[M1 − x1

2, M1

].

Pode ocorrer de existir um ponto de S no intervalo[

M1−x12 , M1

]e pode ocorrer de nao existir ponto algum de S no intervalo[

M1−x12 , M1

]. Neste ultimo caso M1−x1

2 e uma cota superior deS . Assim, em qualquer caso podemos considerar um intervalo[x2, M2] com x2 ∈ S e M2 uma cota superior de S e, alemdisso, x2 − x1 < M1 − x1. Raciocinando do mesmo modo como intervalo [x2, M2] podemos determinar um intervalo [x3, M3]com x3 ∈ S , M3 uma cota superior de S e x3 − x2 < M1−x1

2 .Prosseguindo com essa construcao obtemos uma sequenciamonotona nao decrescente (xn) de pontos de S e uma sequenciamonotona nao crescente (Mn) de cotas superiores de S de talmaneira que

xn+1 − xn <M1 − x1

2n−1 (4.6)

eMn − xn ≤

M1 − x1

2n−1 (4.7)

para n = 1, 2, 3, · · · De (4.6) segue (faca-o como um exercıcio)que (xn) e uma sequencia de Cauchy, logo existe u ∈ R talque lim

n→∞xn = u. De (4.7) temos que lim

n→∞(Mn − xn) = 0. Logo

limn→∞

Mn = u. Como x ≤ Mn para todo x ∈ S , entao x ≤ u,para todo x ∈ S , ou seja, u e uma cota superior de S . Agora,dado qualquer ε > 0 existe N ∈ N tal que se n ≥ N tem-sexn ∈ (u − ε, u] o que demonstra que u e o supremo de S .

4.4. EXERCICIOS DO CAPITULO 4 109

4.4 Exercıcios do Capıtulo 4

4.1- Determine os pontos aderentes de cada sequencia dadaabaixo

a)(sen nπ

2 + (−1)n), b)

(cos nπ

2 + (−1)n),

c) (n!), d)(

1n!

),

e)(

n−n2

1+2n2

), f )

(2+(−1)n

2 − 1n

).

4.2- Sejam (xn) e (yn) sequencias limitadas de R satisfazendoa condicao xn ≤ yn, para todo n ∈ N. Mostre que

lim inf xn ≤ lim inf yn e lim sup xn ≤ lim sup yn.

4.3- Seja (xn) uma sequencia limitada de R. Mostre que:

a) Se c ≥ 0 entao

lim inf(cxn) = c lim inf xn

elim sup(cxn) = c lim sup xn.

b) Se c < 0 entao

lim inf(cxn) = c lim sup xn

elim sup(cxn) = c lim inf xn.

4.4- Sejam (xn) e (yn) sequencias limitadas de R. Mostre que:

a) lim inf(xn + yn) ≥ lim inf xn + lim inf yn;

110 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

b) lim sup(xn + yn) ≤ lim sup xn + lim sup yn.

4.5- De exemplos para mostrar as desigualdades no Exercıcio4.4 podem ser desigualdades estritas.

4.6- Mostre que todo subconjunto finito de R e fechado.

4.7- Prove que a uniao de uma colecao finita e a intersecao deuma colecao qualquer de subconjuntos compactos de Re um subconjunto compacto.

4.8- Dado um subconjunto S de R, dizemos um ponto x ∈ R eum ponto fronteira de S se toda vizinhanca de x contempontos de S e de R − S . Denotamos por ∂S o conjuntodos pontos fronteira de S . Prove que A ⊂ R e aberto se,e somente se, A ∩ ∂A = ∅.

4.9- Seja S um subconjunto de R. Dizemos que x e um pontoaderente de S se x e o limite de alguma sequencia (xn)de pontos de S . Chamamos de fecho de S , e denotamospor S , o conjunto dos pontos aderentes de S . Prove que,para todo S ⊂ R, tem-se S = S ∪∂S . Deduza, entao, queS e fechado se, e somente se, ∂S ⊂ S .

4.10- Mostre que para quaisquer dois subconjuntos A e B de Rtem-se que A ∪ B = A∪ B e A ∩ B ⊂ A∩ B. De exemplosde subconjuntos de R para os quais vale que A ∩ B e umsubconjunto proprio de A ∩ B.

4.11- Prove que, para todo S ⊂ R, tem-se que S ′, o conjuntodos pontos de acumulacao de S , e um conjunto fechado.

4.12- Seja Fn = [an, bn], n ∈ N, uma famılia de intervalosfechados, limitados e tais que [an+1, bn+1] ⊂ [an, bn].Mostre que existe pelo menos um ponto x0 pertencente

4.4. EXERCICIOS DO CAPITULO 4 111

a todo os Fn, em outras palavras,⋂n∈N

Fn , ∅. Mostre

ainda que se limn→∞

(bn − an) = 0 entao existe exatamenteum ponto x0 que pertence a todos os intervalos Fn.

4.13- Neste exercıcio vemos que a condicao de ser fechado elimitado do Exercıcio 4.12 e essencial.

a) Seja In =(0, 1

n

). Mostre que

⋂n∈N

In = ∅.

b) Seja Jn = [n, +∞). Mostre que⋂n∈N

Jn = ∅.

4.14- Seja E um subconjunto de R. Um subconjunto D ⊂ R edito denso em E se D ⊂ E ⊂ D. Prove que se C e densoem D e D e denso em E, entao C e denso em E.

4.15- Prove que se S ⊂ R e finito entao S ′, o seu derivado, evazio.

4.16- Prove que x0 e um ponto de acumulacao de S se, e so-mente se, toda vizinhanca de x0 contem infinitos pontosde S .

4.17- Demonstre a Proposicao 4.5.

4.18- Demonstre que:

a) A intersecao de uma famılia qualquer de conjuntosfechados e um conjunto fechado.

b) A uniao de uma colecao finita de conjuntos fechadose um conjunto fechado.

4.19- De exemplo de uma famılia de conjuntos fechados cujauniao nao e um fechado.

112 CAPITULO 4. NOCOES DE TOPOLOGIA DA RETA

4.20- De exemplo de uma famılia de conjuntos abertos cujaintersecao nao e um aberto.

4.21- Dizemos que um conjunto D ⊂ R e denso em R se D ∩(a, b) , ∅ para todo intervalo aberto (a, b) ⊂ R. Proveque D e denso em R se, e somente se, todo numero realx0 e ponto de acumulacao de D.

4.22- Se A e B sao conjuntos nao vazios, define-se a distanciaentre A e B por

d(A, B) = inf{|a − b|; a ∈ A e b ∈ B}.

a) Prove que se d(A, B) = 0, com A fechado e B com-pacto, entao A ∩ B , ∅.

b) De exemplos de dois conjuntos fechados A e B taisque d(A, B) = 0 e A ∩ B = ∅.

4.23- Mostre que toda colecao de abertos nao vazios e dois adois disjuntos de R e enumeravel.

Capıtulo 5

Limites de Funcoes

5.1 Introducao

O nosso principal objetivo nesse Capıtulo e ampliar o con-ceito de limite, ja introduzido no Capıtulo 2 para o caso desequencias numericas, para a situacao mais geral de funcoesreais definidas em subconjuntos de R. A nossa estrategia, levandoem consideracao o publico alvo deste texto, e apresentar oconceito na forma mais ampla possıvel, de modo a dar condicoesmınimas aos interessados em leituras mais avancadas, masprocurando estabelecer as equivalencias em termos de limitesde sequencias numericas, de tal modo a aproveitar bem o ma-terial ate agora estudado.

5.2 Funcoes Limitadas

Definicao 5.1 Dados um subconjunto S de R e f :S → R umafuncao real, dizemos que f e limitada inferiormente quandoexiste m ∈ R tal que

m ≤ f (x) para todo x ∈ S .

113

114 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Analogamente, dizemos que f e limitada superiormente quandoexiste M ∈ R tal que

f (x) ≤ M para todo x ∈ S .

Quando f e ao mesmo tempo limitada inferiormente e su-periormente dizemos que e limitada. Ou seja, quando existemm e M em R tais que

m ≤ f (x) ≤ M para todo x ∈ S

ou, equivalentemente, existe C > 0 tal que

| f (x)| ≤ C para todo x ∈ S .

Vemos, deste modo, que f : S → R e uma funcao limitadase, e somente se, a sua imagem f (S ) = { f (x); x ∈ S } eum subconjunto limitado de R e, portanto, existem inf

x∈Sf (x) e

supx∈S

f (x).

Exemplo 5.1 A funcao f :R→ R dada por f (x) = x2 e limitadainferiormente pois 0 ≤ f (x) para todo x ∈ R mas nao e limitadasuperiormente pois para cada M > 0, tomando x0 =

√M + 1

obtemos,

f (x0) = f (√

M + 1) = (√

M + 1)2 = M + 1 > M.

Exemplo 5.2 A funcao f : (0, +∞)→ R definida por por f (x) =1x

nao e limitada superiormente pois dado M > 0 podemos

encontrar x > 0 de tal modo que x <1M

e, consequentemente,

f (x) =1x> M. Mas f e limitada inferiormente pois 0 < f (x)

para todo x ∈ (0, +∞). Alem disso temos que infx>0

f (x) = 0 pois,

5.2. FUNCOES LIMITADAS 115

dado ε > 0, existe x ∈ R tal que x >1ε

e, assim, 0 < f (x) =1x< ε. Agora, para a > 0, f restrita a [a, +∞) e limitada, pois

se x ≥ a > 0 temos 0 <1x≤

1a.

Proposicao 5.1 Sejam f :S → R e g :S → R funcoes reais.

i) Se f e g sao limitadas entao f + g e f .g sao limitadas.

ii) Se f e limitada e existe α > 0 tal que |g(x)| ≥ α ∀x ∈ S

entaofg

e limitada.

Prova:i) Existem M1 > 0 e M2 > 0 tais que

| f (x)| ≤ M1 e |g(x)| ≤ M2, ∀x ∈ S .

Entao

|( f + g)(x)| = | f (x) + g(x)| ≤ | f (x)| + |g(x)| ≤ M1 + M2

e|( f .g)(x)| = | f (x).g(x)| = | f (x)|.|g(x)| ≤ M1.M2.

ii) Existe M > 0 tal que | f (x)| ≤ M para todo x ∈ S . Logo∣∣∣∣∣∣(

fg

)(x)

∣∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣ f (x)g(x)

∣∣∣∣∣ = | f (x)||g(x)|

≤Mα,

para todo x ∈ S .

116 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

5.3 Limites de Funcoes Reais

Sejam S um subconjunto de R, a um ponto de acumulacaode S e f : S → R uma funcao real. Dizemos que L ∈ R eo limite de f em a, e escrevemos lim

x→af (x) = L, quando para

cada ε > 0 existe δ > 0 tal que x ∈ S e 0 < |x− a| < δ acarreta| f (x) − L| < ε. Equivalentemente, lim

x→af (x) = L quando dada

qualquer vizinhanca Vε(L) existe V∗δ (a) tal que se x ∈ S ∩V∗δ (a)entao f (x) ∈ Vε(L).

E claro que o numero δ, cuja existencia e assegurada peladefinicao de limite, nao e unico pois para qualquer δ′ > 0 sat-isfazendo δ′ < δ tambem te-se que que x ∈ S e 0 < |x − a| < δ′

acarreta | f (x) − L| < ε.

Exemplo 5.3 Considere f :R → R definida por f (x) = 3x − 1.Entao lim

x→3f (x) = 8. De fato, dado ε > 0 tome δ =

ε

3e temos

que se 0 < |x − 3| < δ

| f (x) − 8| = |3x − 1 − 8| = |3x − 9| = 3|x − 3| < 3δ = ε.

Exemplo 5.4 Considere f :R→ R definida por:

f (x) =

x2 − 4x − 2

, se x , 2

−1, se x = 2

Entao limx→2

f (x) = 4. Com efeito, dado ε > 0 tome δ = ε e temos

que se 0 < |x − 2| < δ∣∣∣∣∣∣ x2 − 4x − 2

− 4

∣∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣ (x − 2)(x + 2)

x − 2− 4

∣∣∣∣∣ = |x − 2| < δ = ε.

5.3. LIMITES DE FUNCOES REAIS 117

Exemplo 5.5 Seja f : R → R definida por f (x) = x2. Entaolimx→3

f (x) = 9. De fato, dado ε > 0 devemos determinar δ > 0tal que 0 < |x − 3| < δ implique em | f (x) − 9| < ε. Comoqueremos estimar f nas proximidades do ponto 3 podemosnos restringir aos pontos x tais que |x − 3| < 1. Neste casotemos |x| = |x− 3+ 3| ≤ |x− 3|+ 3 < 4 e, assim |x+ 3| < 7. Logo

| f (x) − 9| = |x2 − 9| = |(x + 3)(x − 3)| = |x + 3||x − 3| < 7|x − 3|.

Vemos, entao, que se escolhemos δ = min{1,ε

7} temos

0 < |x − 3| < δ ⇒ |x2 − 9| < 7δ = ε.

Exemplo 5.6 A funcao f : (0, +∞) → R dada por f (x) =√

xe tal que lim

x→af (x) =

√a, para a > 0. De fato, dado ε > 0

devemos determinar δ > 0 tal que 0 < |x − a| < δ implique em|√

x −√

a| < ε. Observemos inicialmente que, para todo x > 0,temos

|√

x −√

a| =

∣∣∣∣∣∣ (√

x −√

a)(√

x +√

a)√

x +√

a

∣∣∣∣∣∣ = |x − a|√

x +√

a.

Como para todo x > 0 temos sempre que√

x +√

a >√

a,entao

1√

x +√

a<

1√

a.

Logo

|√

x −√

a| <1√

a|x − a|

e, portanto, dado ε > 0 podemos escolher δ = ε√

a para ter-mos |

√x −√

a| < ε.

A proposicao a seguir estabelece uma equivalencia entrea definicao de limite formulada em termos de epsilons e deltascom uma formulacao em termos de sequencias convergentes.

118 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Proposicao 5.2 Sejam f : S → R uma funcao real e a umponto de acumulacao de S . Entao lim

x→af (x) = L se, e somente

se, para toda sequencia (xn) de pontos de S com xn , a paratodo n ∈ N e lim

x→∞xn = a tem-se lim

x→af (xn) = L.

Prova: Suponhamos que limx→a

f (x) = L. Se (xn) e uma sequencia

de pontos de S com xn , a para todo n ∈ N e limx→∞

xn = a, entaodado ε > 0 existe δ > 0 tal que

x ∈ S e 0 < |x − a| < δ ⇒ | f (x) − L| < ε.

Por outro lado, para o δ > 0 acima determinado existe N ∈ Ntal que

n ≥ N ⇒ |xn − a| < δ.

Assim, para n ≥ N temos 0 < |xn − a| < δ e, portanto, | f (xn) −L| < ε, ou seja, lim

n→∞f (xn) = L. Reciprocamente, suponhamos

que para qualquer sequencia (xn) de pontos de S , com xn , apara todo n ∈ N e lim

x→∞xn = a, tem-se lim

x→af (xn) = L. Mostremos

que limx→a

f (x) = L. Negar essa hipotese significa dizer que ex-

iste um numero ε0 > 0 tal que para cada n ∈ N e possıvel

encontrar xn ∈ S com 0 < |xn − a| <1n, mas | f (xn) − L| ≥ ε0.

Neste caso terıamos xn , a para todo n ∈ N com limn→∞

xn = asem que lim

n→∞f (xn) = L, o que e uma contradicao.

Corolario 1: Se limx→a

f (x) = L e limx→a

f (x) = M entao L = M.

Prova: Considere uma sequencia (xn) com xn , a para todon ∈ N e lim

n→∞xn = a. Temos entao que lim

n→∞f (xn) = L e lim

x→∞f (xn) =

M o que implica (vide Proposicao 2.1) em L = M.

Corolario 2: Sejam f : S → R e g: S → R com limx→a

f (x) = L e

limx→a

g(x) = M entao:

5.3. LIMITES DE FUNCOES REAIS 119

i) limx→a

( f (x) ± g(x)) = L ± M.

ii) limx→a

f (x).g(x) = L.M.

iii) Se g(x) , 0 e M , 0 entao limx→a

f (x)g(x)

=LM.

Prova: Seja (xn) tal que xn , a para todo n ∈ N e limn→∞

xn =

a. Entao limn→∞

f (xn) = L e limn→∞

g(xn) = M. Segue agora da

Proposicao 2.3 que

a) limn→∞

( f (xn) ± g(xn)) = L ± M

b) limn→∞

f (xn).g(xn) = L.M

c) limn→∞

f (xn)g(xn)

=LM

o que demonstra o corolario.

Corolario 3: Sejam f e g funcoes reais tais que f (x) ≤ g(x)para todo x , a. Se lim

x→af (x) = L e lim

x→ag(x) = M entao L ≤ M.

Prova: Seja (xn) tal que xn , a para todo n ∈ N e limn→∞

xn = a.Entao lim

n→∞f (xn) = L e lim

x→∞g(xn) = M. Como f (xn) ≤ g(xn) para

todo n ∈ N, segue da Proposicao 2.4 que L ≤ M.

Corolario 4: Sejam f , g e h funcoes reais tais que f (x) ≤g(x) ≤ h(x) para todo x , a. Se lim

x→af (x) = lim

x→ah(x) = L entao

limx→a

g(x) = L.

Prova: Seja (xn) tal que xn , a para todo n ∈ N e limn→∞

xn = a.Entao lim

n→∞f (xn) = lim

n→∞h(xn) = L. Como f (xn) ≤ g(xn) ≤ h(xn)

para todo n ∈ N, segue da Proposicao 2.5 que limn→∞

g(xn) = L e,

portanto, limx→a

g(x) = L.

120 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Corolario 5: Se limx→a

f (x) = L entao limx→a| f (x)| = |L|.

Prova: Seja (xn) tal que xn , a para todo n ∈ N e limn→∞

xn =

a. Temos que limn→∞

f (xn) = L e, portanto, da Proposicao 2.4,

segue que limn→∞| f (xn)| = |L|. Logo lim

x→a| f (x)| = |L|.

Proposicao 5.3 Sejam f :S → R e g:S → R funcoes reais e aum ponto de acumulacao de S . Suponhamos que lim

x→af (x) = 0

e g e limitada em uma vizinhanca de a. Entao limx→a

f (x)g(x) = 0.

Prova: Sendo g limitada em uma vizinhaca de a entao existemnumeros reais C e h positivos tais que |g(x)| ≤ C para todox ∈ S com 0 < |x − a| < h. Logo

0 ≤ | f (x)g(x)| = | f (x)||g(x)| ≤ C| f (x)|.

Como limx→a| f (x)| = | lim

x→af (x)| = |0| = 0, temos, pelo Corolario

4 da Proposicao 5.2, que limx→a| f (x)g(x)| = 0, o que acarreta

limx→a

f (x)g(x) = 0.

Exemplo 5.7 Sejam f , g:R → R dadas por f (x) = c, c con-stante, e g(x) = x. Entao, para todo a ∈ R temos lim

x→af (x) = c

e limx→a

g(x) = a pois se (xn) e tal que xn , a para todo n ∈ Ne lim

n→∞xn = a temos f (xn) = c e g(xn) = xn para todo n ∈ N e,

portanto, limn→∞

f (xn) = c e limn→∞

g(xn) = a.

Exemplo 5.8 Seja p : R → R um polinomio, isto e, existemnumeros reais a0, a1, · · · , an tais que p(x) = a0+a1x+ · · ·+anxn

para todo x ∈ R. Usando o Exemplo 5.7 e fazendo aplicacoessucessivas do Corolario 2 da Proposicao 5.2 segue que lim

x→ap(x) =

p(a). Temos tambem que se q e um polinomio com q(a) , 0

5.3. LIMITES DE FUNCOES REAIS 121

entao existe uma vizinhanca de a na qual q(x) , 0 e, portanto,em tal vizinhanca a funcao f (x) = p(x)

q(x) esta bem definida e vale

que limx→ap(x)q(x) =

p(a)q(a) ·

Exemplo 5.9 Considere f : R − {0} → R dada por f (x) =sen

(1x

). Verifiquemos que f nao possui limite em x0 = 0. Para

tanto consideremos a sequencia (xn) dada por xn =2

(2n+1)π .Temos que xn , 0 para todo n ∈ N, limn→∞ xn = 0 e

f (xn) = sen(

1xn

)= sen

((2n + 1)π

2

)= sen

(nπ +

π

2

).

Assim, f (xn) = 1 se n e par e f (xn) = −1 se n e ımpar, ouseja, a sequencia ( f (xn)) nao possui limite. Veja um esboco dografico de f abaixo.

122 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Exemplo 5.10 Considere a funcao f :R− {0} → R definida porf (x) = xsen

(1x

). Temos que lim

x→0x = 0 e

∣∣∣∣sen(

1x

)∣∣∣∣ ≤ 1 para todo

x , 0. Pela Proposicao 5.3 segue que limx→0

f (x) = 0. Veja um

esboco do grafico de f abaixo.

Exemplo 5.11 A funcao1 f :R→ R dada por

f (x) =

1, se x ∈ Q,

0, se x ∈ R − Q.

nao tem limite em ponto algum de R.De fato, se a ∈ R, podemosescolher uma sequencia de racionais (xn) e uma sequencia deirracionais (yn), com xn , a e yn , a para todo n ∈ N e tais quexn → a e yn → a. Neste caso temos f (xn) = 1 e f (yn) = 0 paratodo n ∈ N e, portanto, lim

n→∞f (xn) = 0 e lim

n→∞f (yn) = 1 ou seja, f

nao possui limite em a.

5.4 Limites Laterais, Infinitos e no Infinito

No estudo de algumas funcoes reais particulares, certassituacoes merecem destaque tais como: nas vizinhancas deum determinado ponto o comportamento dos valores da funcaopode ser diferente quando a variavel independente se aprox-ima do ponto em questao pela esquerda ou pela direita; afuncao pode estar definida para valores muito grandes (em val-ores absolutos) e e importante analisar o que ocorre com osvalores da funcao. O nosso objetivo nesta secao e introduzir alinguagem matematica adequada para tratar tais situacoes.

1A funcao f do Exemplo 5.11 e conhecida como Funcao de Dirichlet

5.4. LIMITES LATERAIS, INFINITOS E NO INFINITO 123

5.4.1 Limites Laterais

Definicao 5.2 Seja f uma funcao real definida no intervalo(a, a + η), para algum η > 0. Dizemos que um numero L eo limite lateral a direita de f em a, e escrevemos lim

x→a+f (x) = L,

se, para cada ε > 0 existe δ > 0 (δ < η) tal que a < x < a + δacarreta | f (x) − L| < ε. Analogamente, se f esta definida emum intervalo (a − η, a), para algum η > 0, dizemos que umnumero L e o limite lateral a esquerda de f em a, e escreve-mos lim

x→a−f (x) = L, quando para cada ε > 0 existe δ > 0 (δ < η)

tal que a − δ < x < a acarreta | f (x) − L| < ε.

Exemplo 5.12 Consideremos f :R→ R dada por

f (x) =

x + 1, se x ≤ 2,

2x − 3, se x > 2.

Temos limx→2+

f (x) = 1 e limx→2−

f (x) = 3. De fato, dado ε > 0

tomemos δ =ε

2e obtemos, para 2 < x < 2 + δ, isto e,

0 < x − 2 < δ,

| f (x) − 1| = |2x − 3 − 1| = |2x − 4| = 2|x − 2| = 2(x − 2) < 2δ = ε.

Para o calculo do limite a esquerda no ponto 2, tome agoraδ = ε e temos, para 2 − δ < x < 2, isto e −(x − 2) < δ,

| f (x) − 3| = |(x + 1) − 3| = |x − 2| = −(x − 2) < δ = ε.

Vide esboco do grafico de f abaixo.

Proposicao 5.4 Seja f : (a − η, a) ∪ (a, a + η) → R. Entaolimx→a

f (x) = L se, e somente se,

limx→a−

f (x) = limx→a+

f (x) = L.

124 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Prova: Suponhamos que limx→a

f (x) = L. Assim, dado ε > 0,existe δ > 0 tal que se 0 < |x − a| < δ entao | f (x) − L| < ε.Portanto, a < x < a + δ implica | f (x) − L| < ε e a − δ < x < aimplica | f (x) − L| < ε. Assim, lim

x→a+f (x) = L e lim

x→a−f (x) = L.

Reciprocamente, suponhamos que limx→a−

f (x) = limx→a+

f (x) = L.Dado ε > 0 existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que, se a < x < a + δ1

tem-se | f (x) − L| < ε e se a − δ2 < x < a tem-se | f (x) − L| < ε.Seja δ = min{δ1, δ2}. Entao, para 0 < |x − a| < δ, ou seja,x ∈ (a − δ, a) ⊂ (a − δ2, a) ou x ∈ (a, a + δ) ⊂ (a, a + δ1) temos| f (x) − L| < ε. Logo lim

x→af (x) = L.

Exemplo 5.13 : Seja f :R→ R definida por

f (x) =

x2, se x ≥ 0,

−x, se x < 0.

Dado ε > 0 escolhamos δ =√ε. Se consideramos 0 < x < δ

entao | f (x) − 0| = |x2| = x2 < δ2 = ε. Assim, limx→0+

f (x) = 0. Por

outro lado, dado ε > 0 podemos escolher δ = ε e temos, para−δ < x < 0, | f (x)− 0| = | − x| = −x < δ = ε, isto e, lim

x→0−f (x) = 0.

Logo, pela Proposicao 5.4, limx→0

f (x) = 0.

5.4.2 Limites Infinitos

Definicao 5.3 Seja f : S → R e a um ponto de acumulacaode S . Dizemos que o limite de f em a e +∞, e escrevemoslimx→a

f (x) = +∞, quando para cada M > 0 existe δ > 0 tal que

0 < |x − a| < δ entao f (x) > M. Analogamente, dizemos que olimite de f em a e −∞, e escrevemos lim

x→af (x) = −∞, quando

para cada M > 0 existe δ > 0 tal que 0 < |x − a| < δ entaof (x) < −M.

5.4. LIMITES LATERAIS, INFINITOS E NO INFINITO 125

Exemplo 5.14 Consideremos f : R − {0} → R definida por

f (x) =1|x|· Dado M > 0 escolhamos δ =

1M· Entao para

0 < |x − 0| < δ, ou seja, 0 < |x| <1M, obtemos

1|x|

> M.

Portanto, limx→0

f (x) = +∞.

Exemplo 5.15 Seja f : R − {0} → R definida por f (x) = ln |x|.Dado M > 0 tomemos δ = e−M. Se 0 < |x − 0| < δ, ou seja,0 < |x| < e−M, entao ln |x| < −M. Logo, lim

x→0f (x) = −∞.

5.4.3 Limites no Infinito

Definicao 5.4 Seja f : (a, +∞)→ R. Dizemos que um numeroL e o limite de f em +∞, e escrevemos lim

x→+∞f (x) = L, quando,

para cada ε > 0 existe K > 0 tal que, se x > K acarreta| f (x) − L| < ε. Analogamente, se f : (−∞, a) → R, dizemosque L e o limite de f em −∞, e escrevemos limx→−∞ f (x) = L,quando para cada ε > 0 existe K > 0 tal que x < −K entao| f (x) − L| < ε.

Exemplo 5.16 Seja f : (0, +∞) → R dada por f (x) = −11+x .

Dado ε > 0 tomemos K = 1ε

e obteremos, para x > K,

| f (x) − 0| =∣∣∣∣∣− 1

1 + x

∣∣∣∣∣ = 11 + x

<1x<

1K= ε.

Portanto limx→+∞

f (x) = 0.

Exemplo 5.17 Considere f : (−∞, −1)→ R definida por f (x) =−11+x . Dado ε > 0 tomemos K = 1 + 1

εpara obter, para x <

−(1 + 1

ε

),

| f (x) − 0| =∣∣∣∣∣− 1

1 + x

∣∣∣∣∣ = − 11 + x

< ε.

Portanto limx→−∞

f (x) = 0.

126 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Exemplo 5.18 A funcao do exemplo anterior possui limite lat-eral a esquerda igual a +∞ no ponto −1. Para ver isto, se K > 0

e dado, tomemos δ =1M

e temos, para −1 − δ < x < −1, istoe, 0 < −(1 + x) < δ,

f (x) = −1

1 + x>

1δ= K.

Portanto limx→−1−

f (x) = +∞.

Definicao 5.5 Seja f : (a, +∞)→ R. Dizemos que f tem limite+∞ quando x tende a +∞, e escrevemos lim

x→+∞f (x) = +∞,

quando para cada M > 0 existe K > 0 tal que, se x > K entaof (x) > M. Analogamente, se f : (−∞, a) → R, dizemos que ftem limite +∞ quando x tende a −∞, e escrevemos lim

x→−∞f (x) =

+∞, quando para cada M > 0 existe K > 0 tal que, se x < −Kimplica f (x) > M.

Ha ainda os casos limx→+∞

f (x) = −∞ e limx→−∞

f (x) = −∞, os

quais recomendamos ao leitor formaliza-los como exercıcios.

Exemplo 5.19 Seja f : (0, +∞)→ R dada por f (x) =√

x. Paracada M > 0 escolhamos K = M2 e obtemos, para x > K,

f (x) =√

x >√

K =√

M2 = M,

ou seja, limx→+∞

f (x) = +∞.

5.5 Funcoes Monotonas

Uma funcao f :S → R, definida em um subconjunto S de R,e dita nao decrecente se, para todo par de pontos x1 e x2 em

5.5. FUNCOES MONOTONAS 127

S , com x1 < x2, tem-se f (x1) ≤ f (x2). Quando vale a desigual-dade estrita dizemos que f e crescente. Analogamente define-se funcao nao crescente e funcao decrescente. Classificamostais tipos de funcoes como funcoes monotonas. Notemos queuma funcao constante e simultaneamente nao crescente e naodecrescente. Observe que pode ocorrer de f : S → R nao sermonotona, mas sua restricao a algum subconjunto de S ser.Este e o caso, por exemplo, da funcao f : R → R dada porf (x) = |x| que e decrescente no intervalo (−∞, 0] e crescenteno intervalo [0, +∞).

Exemplo 5.20 Seja f :R → R, tal que f (x) = x3. Temos que fe crecente pois se x < y entao

f (x) − f (y) = x3 − y3 = (x − y)(x2 + xy + y2).

Mas, quaisquer que sejam x e y tem-se

x2 + xy + y2 = x2 + 2xy2+

y2

4+ 3

y2

4= (x +

y2

)2 + 3y2

4≥ 0,

e assim f (x)− f (y) = (x−y)(x2+xy+y2) < 0 ou seja, f (x) < f (y),se x < y. Vide esboco do grafico de f abaixo.

128 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Exemplo 5.21 Consideremos a funcao f : [1, +∞) → R dada

por f (x) =1

[x], onde [x] denota a funcao “chao de x”, isto e,

[x] = “o maior inteiro que e menor ou igual a x”. Mostremosque f e nao crescente. Para tanto sejam x1 e x2 em [1, +∞)com x1 < x2. Temos que existem unicos numeros naturais n1 en2 tais que x1 ∈ [n1, n1 + 1) e x2 ∈ [n2, n2 + 1) e, alem disso,n1 ≤ n2 uma vez que x1 < x2. Portanto

f (x1) =1

[x1]=

1n1≥

1n2=

1[x2]= f (x2),

ou seja, f e nao crescente.

Observemos que, quando f : S → R e crescente (ou de-crescente) segue da definicao que f e injetiva, isto e, x1 , x2

acarreta que f (x1) , f (x2). Portanto, existe a funcao inversaf −1: f (S )→ S dada por f −1(y) = x se, e somente se, f (x) = y.

Proposicao 5.5 Se f : (a, b) → R e monotona, entao existemos limites laterais de f em cada ponto x0 ∈ (a, b).

Prova: Suponhamos que f e nao decrescente (o caso f naocrecente e analogo e deixado como exercıcio). Se x0 ∈ (a, b),para todo x ∈ (a, x0) temos f (x) ≤ f (x0). Ou seja, f restritaa (a, x0) e limitada superiormente. Seja α o supremo do con-junto { f (x); x ∈ (a, x0)}. Mostremos que lim

x→x−0f (x) = α. Para

tanto, dado ε > 0, sendo α o supremo de f em (a, x0), ex-iste x1 ∈ (a, x0) satisfazendo α − ε < f (x1) ≤ α. Tomemosδ = x0 − x1 > 0 e obtemos, para x0 − δ < x < x0,

| f (x) − α| = α − f (x) ≤ α − f (x1) < ε,

ou seja, limx→x−0

f (x) = α. Por outro lado f e limitada inferiormente

em (x0, b) pois aı f (x0) ≤ f (x). Tomemos agora β o ınfimo do

5.5. FUNCOES MONOTONAS 129

conjunto { f (x); x ∈ (x0, b)} e mostremos que limx→x+0

f (x) = β.

Dado ε > 0, sendo β o ınfimo de f em (x0, b), existe x2 ∈ (x0, b)tal que β ≤ f (x2) < β + ε. Tomemos δ = x2 − x0 > 0 e entao,para todo x tal que x0 < x < x0 + δ, temos

| f (x) − β| = f (x) − β ≤ f (x2) − β < ε,

isto e, limx→x+0

f (x) = β.

Corolario 1: Se f e nao decrescente em (a, b) entao paracada x0 ∈ (a, b) temos

limx→x−0

f (x) = supx∈(a,x0)

f (x) ≤ f (x0) ≤ infx∈(x0,b)

f (x) = limx→x+0

f (x)

e se f e nao crescente em (a, b) entao para cada x0 ∈ (a, b)temos

limx→x+0

f (x) = infx∈(a,x0)

f (x) ≤ f (x0) ≤ supx∈(x0,b)

f (x) = limx→x−0

f (x).

Segue do Corolario 1 da Proposicao 5.5 que quando f emonotona em (a, b) entao o valor de f em x0 e finito umavez que existem e sao finitos os limites laterais em cada pontox0 ∈ (a, b).Corolario 2: Se f e nao decrescente em (a, b) e se a < x1 <x2 < b entao

limx→x+1

f (x) ≤ limx→x−2

f (x).

Prova: Escolha x ∈ (x1, x2). Desde que x ∈ (x1, b) temos

infx∈(x1,b)

f (x) ≤ f (x).

Analogamente, desde que x ∈ (a, x2) entao

f (x) ≤ supx∈(a,x2)

f (x).

130 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

Agora, pelo Corolario 1 da Proposicao 5.5 temos

limx→x+1

f (x) = infx∈(x1,b)

f (x) ≤ f (x) ≤ supx∈(a,x2)

f (x) = limx→x−2

f (x),

o que demonstra o Corolario.

Uma propriedade de destaque das funcoes monotonas definidasem intervalos e que em cada ponto do intervalo o limite existee este coincide com o valor da funcao no ponto, exceto, even-tualmente, em um subconjunto contavel. Este resultado e oque estabelece a proposicao a seguir.

Proposicao 5.6 Se f : (a, b) → R e monotona entao existelimx→x0

f (x) e e igual a f (x0), exceto, eventualmente, em uma

quantidade contavel de pontos de (a, b).

Prova: Suponhamos que f e nao decrescente (o caso naocrescente e feito de maneira semelhante) em (a, b). Sabemos,pelo Corolario 1 da Proposicao 5.5, que para todo ponto x0 de(a, b) temos

limx→x−0

f (x) ≤ f (x0) ≤ limx→x+0

f (x).

Chamemos de N o subconjunto de (a, b) dado por

N = {x0 ∈ (a, b); limx→x−0

f (x) < limx→x+0

f (x)}.

Dizer que x0 < N significa que limx→x−0

f (x) = f (x0) = limx→x+0

f (x),

ou seja, o limite de f em x0 existe e e igual a f (x0). Assim,e suficiente provarmos que N e contavel. Para cada x0 ∈ N

escolhamos rx0 ∈ Q tal que

limx→x−0

f (x) < rx0 < limx→x+0

f (x).

5.5. FUNCOES MONOTONAS 131

Um tal rx0 sempre existe em virtude da densidade de Q em R.Seja Ψ : N → Q a funcao que a cada x0 ∈ N associa o rx0

acima escolhido. Afirmamos que Ψ e injetiva. De fato, se x1 ex2 pertencem a N com x1 < x2 entao

limx→x−1

f (x) < limx→x+1

f (x) e limx→x−2

f (x) < limx→x+2

f (x)

e pelo Corolario 2 da Proposicao 5.5 temos

limx→x+1

f (x) ≤ limx→x−2

f (x).

Logo

Ψ(x1) = rx1 < limx→x+1

f (x) ≤ limx→x−2

f (x) < rx2 = Ψ(x2).

Isto e, Ψ(x1) , Ψ(x2) e, portanto, Ψ e injetiva. Segue daProposicao 1.6 que N e contavel, como querıamos.

132 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

5.6 Exercıcios do Capıtulo 5

5.1- Prove que:

i) limx→1

x3 = 1

ii) limx→1

x2 − 1x − 1

= 2

iii) limx→2

(2x − 1) = 3

iv) limx→a

cos(x) = cos(a)

5.2- Prove que se limx→a

f (x) = L entao existe uma vizinhanca

de a na qual f e limitada.

5.3- Prove que se f (x) ≥ 0, ∀x , a e limx→a

f (x) = L entao

limx→a

√f (x) =

√L

5.4- Prove que cada uma das seguintes funcoes e limitada nointervalo indicado:

a) f (x) =sen(x)1 + x2 em (−∞, ∞)

b) f (x) =sen(x)√

xem (0, +∞)

c) f (x) =cos(x)

x2 − 2x + 2em (−∞, ∞)

d) f (x) =1 − x2

1 + x3 em (−1, 1)

5.5- Encontre o supremo e o ınfimo das seguintes funcoes:

a) f (x) = 3 + 2x − x2 em (0, 4)

b) f (x) = 2 − |x − 1| em (−2, 2)

5.6. EXERCICIOS DO CAPITULO 5 133

c) f (x) = −e−|x| em (−∞, ∞)

5.6- Suponha que f e limitada em A e g e ilimitada em A.Prove que f + g deixa de ser limitada em A.

5.7- Encontre funcoes f e g nenhuma das quais e limitada emA, mas que o produto e limitada em A.

5.8- Prove que se limx→a| f (x)| = 0 entao: lim

x→af (x) = 0

5.9- Calcule os seguintes limites

a) limx→0

√x + 1 − 1

x

b) limx→∞

(√

x + 1 −√

x)

5.10- Sejam f , g : S ⊂ R→ R funcoes limitadas. Prove que:

a) sup( f + g) ≤ sup f + sup g

b) inf( f + g) ≥ inf f + inf g

c) sup(c f ) = c sup f e inf(c f ) = c inf f se c ≥ 0

d) Se c < 0 tem-se: sup(c f ) = c inf f e inf(c f ) = c sup f

5.11- Prove que:

i) Para todo a, b ∈ R, a2 + ab + b2 ≥ 0.

ii) A funcao f : R → R tal que f (x) = x3 e extritamentecrescente em R.

5.12- Prove que se limx→a

f (x) = ∞ e f (x) ≤ g(x) em alguma

vizinhanca suprimida de x = a entao: limx→a

g(x) = ∞

5.13- Prove que:

134 CAPITULO 5. LIMITES DE FUNCOES

a) Se limx→a

f (x) = ∞ entao: limx→a

1f (x)= 0

b) Se limx→a

f (x) = 0 e f (x) , 0 ∀x ∈ V∗δ (a) entao:

limx→a

1f (x)= +∞

5.14- Prove que se limx→∞

f (x) = L entao: existe a ∈ R tal que fe limitada em [a,+∞).

5.15- Prove que se f e monotona decrescente em (a, b) entao,para cada x0 ∈ (a, b), lim

x→x+0f (x) e lim

x→x−0f (x) ambos exis-

tem e vale:

limx→x−0

f (x) = infx∈(a,x0)

f (x) ≥ f (x0)

ef (x0) ≥ sup

x∈(x0,b)f (x) = lim

x→x+0f (x)

5.16- Prove que se f e monotona decrescente em (a, b), entaopara a < x1 < x2 < b temos

limx→x−1

f (x) ≥ limx→x+2

f (x).

5.17- Se f (x) < g(x) ∀x ∈ S , de um contra-exemplo paramostrar que, em geral, nao se tem lim

x→af (x) < lim

x→ag(x).

5.18- Seja f : Q → R definida por f(

pq

)=

1q

onde, p e q sao

primos entre si e q ≥ 1. Mostre que ∀a ∈ R limx→a

f (x) = 0.

Capıtulo 6

Funcoes Contınuas

6.1 Introducao

Apresentamos neste capıtulo o conceito de continuidadede funcoes reais. Tal conceito e, sem duvida, um dos maisbasicos em Calculo e Analise Real, muito importante em aplicacoes,dada a sua utilidade em problemas de aproximacoes, e funda-mental em outras areas como Geometria e Topologia. Intuitiva-mente falando, a propriedade de continuidade de uma funcaosignifica que “pequenas variacoes” na variavel independenteproduz “pequenas variacoes” nos valores da funcao.

6.2 Funcoes Contınuas

Definicao 6.1 Sejam f : S → R uma funcao definida em umsubconjunto nao vazio de R e x0 um ponto de acumulacaode S . Dizemos que f e contınua em x0 se lim

x→x0f (x) = f (x0),

isto e, se para cada ε > 0 existe δ > 0 (que pode depender de

135

136 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

ε e de x0) tal que

x ∈ S e |x − x0| < δ ⇒ | f (x) − f (x0)| < ε.

Uma observacao necessaria a ser feita neste instante eque, quando definimos limite de uma funcao f : S → R em umponto x0 (vide secao 5.3), nao exigimos que tal ponto fossenecessariamente um ponto de S , mas sim, que fosse ponto deacumulacao de S . A exigencia dessa hipotese e que, ao in-vestigarmos a existencia do limite de uma funcao em um pontox0 ∈ R, nao importa se a funcao esta definida em x0 e sim queesteja definida em pontos proximos de x0. Por outro lado, naDefinicao 6.1 acima, o ponto x0 pertence a S , o domınio de f ,podendo ser ou nao um ponto de acumulacao de S . Ocorre,no entanto, que se x0 nao for ponto de acumulacao de S , istoe, se existe δ0 > 0 tal que (x0 − δ0, x0 + δ0) ∩ S = {x0}, entao fe necessariamente contınua em x0 pois, dado ε > 0 podemostomar δ = δ0 e teremos que se x ∈ S e |x − x0| < δ0 entaox = x0, logo | f (x) − f (x0)| = 0 < ε.

Quando x0 ∈ S nao e ponto de acumulacao de S dizemosque e um ponto isolado de S . O que acabamos de mostrar noparagrafo anterior foi que toda funcao e contınua em pontosisolados do seu domınio de definicao.

Uma outra observacao importante a ser feita e que a pro-priedade de f ser contınua em x0 e uma propriedade “local”,isto e, o que importa sao os valores de f para x em umavizinhanca de x0. E com base nessa observacao que, ao in-vestigarmos a existencia do limite de uma determinada funcaof em um ponto x0 e, em particular, ao verificarmos se f econtınua em x0, podemos restringir os valores de x a umavizinhanca especıfica (e conveniente) de x0. Usamos esse pro-cedimento no Exemplo 6.4.

6.2. FUNCOES CONTINUAS 137

Exemplo 6.1 Seja f : R → R definida por f (x) = k, k umaconstante. Se x0 e um ponto arbitrario de R entao f e contınuaem x0 pois para qualquer ε > 0 podemos tomar δ como sendoqualquer valor positivo e temos

|x − x0| < δ ⇒ | f (x) − f (x0)| = |k − k| = 0 < ε.

Exemplo 6.2 Considere f : R → R definida por f (x) = x eseja x0 um ponto arbitrario de R. Se ε > 0 e dado tomemosδ = ε e obtemos

|x − x0| < δ ⇒ | f (x) − f (x0)| = |x − x0| < δ = ε.

Portanto f e contınua em x0.

Exemplo 6.3 Seja f : R → R definida por f (x) = ax + b, ae b constantes. Considere x0 um ponto arbitrario de R. Sea = 0 entao f e constante e ja vimos no Exemplo 6.1 que f econtınua em x0. Se agora a , 0, dado ε > 0 tomemos δ =

ε

|a|e temos

| f (x) − f (x0)| = |ax + b − ax0 − b| = |a||x − x0| < ε

se |x − x0| < δ. Portanto, em qualquer caso, f e contınua emx0.

Exemplo 6.4 Considere f : R → R definida por f (x) = x2 eseja x0 um ponto arbitrario de R. Mostremos que f e contınuaem x0. Em primeiro lugar vamos considerar x ∈ (x0−1, x0+1),ou seja |x − x0| < 1. Neste caso |x| < 1 + |x0|. Assim,

| f (x) − f (x0)| = |x2 − x20| = |x + x0||x − x0| ≤

(|x| + |x0|)|x − x0| < (1 + 2|x0|)|x − x0|.

Portanto, dado ε > 0, tomando δ = min{1,ε

1 + 2|x0|}, teremos

|x − x0| < δ ⇒ | f (x) − f (x0)| < ε.

138 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

No Exemplo 6.4 fica evidente a dependencia do δ ao ε dadoe ao x0 considerado.

Exemplo 6.5 Seja f : R → R dada por f (x) = |x|. Sabemosque, quaisquer que sejam x e x0 em R,

∣∣∣ |x| − |x0|∣∣∣ ≤ |x − x0|.

Portanto, dado ε > 0 arbitrario, podemos tomar δ = ε paraconcluirmos que

∣∣∣ f (x) − f (x0)∣∣∣ = ∣∣∣ |x| − |x0|

∣∣∣ ≤ |x − x0| < ε se|x − x0| < δ.

Quando f : S → R nao e contınua em x0 ∈ S dizemos quee descontınua em x0, ou que x0 e uma descontinuidade def . Assim, como costumamos proceder nos cursos de Calculo,para f ser contınua em x0 devemos observar tres itens:

1) f esta definida em x0;

2) Existe o limite de f em x0;

3) limx→x0

f (x) = f (x0).

Se pelo menos um dos itens acima nao for verdadeiro entaof e descontınua em x0.

Exemplo 6.6 Consideremos f : R − {1} → R definida por

f (x) =x2 − 1x − 1

. Temos que

limx→1

f (x) = limx→1

x2 − 1x − 1

= limx→1

(x + 1)(x − 1)x − 1

= limx→1

(x + 1) = 2.

Como f nao esta definida em x0 = 1 nao cabe arguir sobrecontinuidade ou descontinuidade neste ponto. No entanto,temos uma boa alternativa para estender f a toda a reta demodo a termos uma funcao contınua, basta definir f (1) = 2.

6.2. FUNCOES CONTINUAS 139

Exemplo 6.7 Seja f : R→ R definida por

f (x) =

x, se x , 0,

1, se x = 0.

Temos que

limx→0−

f (x) = 0 e limx→0+

f (x) = 0.

Portanto limx→0

f (x) = 0 , f (0) = 1, ou seja, f e descontınua em

x0 = 0.

No Exemplo 6.7 acima poderıamos redefinir f no ponto0 como sendo f (0) = 0 e, assim, a nova funcao f seriacontınua no ponto. Uma descontinuidade como a deste ex-emplo e chamada de descontinuidade removıvel.

Observe que o que fizemos nos Exemplos 6.6 e 6.7 paraobter uma funcao contınua foi (re)definir o valor da funcao noponto como sendo o valor do limite de f . O que estava ocor-rendo era que o limite de f no ponto existia mas, ou f naoestava definida naquele ponto ou, quando estava definida, ovalor de f no ponto era diferente do valor do limite. O quefizemos foi “consertar as coisas”, isto e, removemos a descon-tinuidade. Daı a denominacao “descontinuidade removıvel”.

Exemplo 6.8 Consideremos f : R − {0} → R definida por

f (x) =|x|x. Temos que

limx→0−

f (x) = −1 e limx→0+

f (x) = 1.

Assim, f nao possui limite em x0 = 0 sendo, portanto, de-scontınua neste ponto.

140 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

No Exemplo 6.8 acima, uma vez que os limites lateraisde f existem mas sao distintos, e impossıvel (re)definir f noponto x0 = 0 de modo a ter uma funcao f contınua. Uma de-scontinuidade como a deste exemplo e chamada de descon-tinuidade de salto.

As descontinuidades removıveis e as de salto sao classi-ficadas como descontinuidades de 1a especie. Todos os out-ros tipos de descontinuidades sao classificadas como descon-tinuidades de 2a especie.

Exemplo 6.9 Seja f : R→ R definida por

f (x) =

1, se x ∈ Q,

0, se x ∈ R − Q.

Ja vimos no Exemplo 5.11 que f nao possui limite em pontoalgum de R. Na verdade uma reformulacao simples do argu-mento utilizado naquele Exemplo mostra que, em qualquerponto de R, os limites laterais nao existem. Ou seja f e de-scontınua em todos os pontos e todas as descontinuidadessao de 2a especie.

A seguir estabelecemos a equivalencia entre a definicaode continuidade em termos de epsilons e deltas e em termosde sequencias convergentes.

Proposicao 6.1 Seja f : S → R uma funcao real. Entao f econtınua em x0 ∈ S se, e somente se, para qualquer sequencia(xn) de pontos de S com lim

n→∞xn = x0 tem-se que ( f (xn)) e

convergente e limn→∞

f (xn) = f (x0).

Prova: Demonstracao analoga a da Proposicao 5.2.

6.2. FUNCOES CONTINUAS 141

Proposicao 6.2 Sejam f e g de S ⊂ R em R contınuas emx0 ∈ S . Entao:

a) f + g e contınua em x0;

b) f g e contınua em x0;

c) Se g(x0) , 0 entao existe uma vizinhanca Vη(x0) tal que

a funcaofg

esta bem em definida em Vη(x0) ∩ S e e

contınua em x0.

Prova: A prova dos itens a) e b) segue diretamente do Corolario 2da Proposicao 5.2. Para a prova do item c), como g(x0) , 0,

consideremos ε0 =|g(x0)|

2e, desde que g e contınua em x0, ex-

iste η > 0 tal que se x ∈ S e |x− x0| < η entao |g(x)−g(x0)| < ε0,isto e

g(x0) −|g(x0)|

2< g(x) < g(x0) +

|g(x0)|2

.

Se for g(x0) > 0 segue que

0 <g(x0)

2< g(x),

e se for g(x0) < 0 segue que

g(x) <g(x0)

2< 0.

Em qualquer caso temos g(x) , 0 em Vη(x0)∩ S e, portanto,fg

esta aı bem definida. A continuidade defg

em x0 decorre do

Corolario 2 da Proposicao 5.2.

142 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

Exemplo 6.10 Vimos, nos Exemplos 6.1 e 6.2, que toda funcaoconstante e a funcao identidade sao contınuas em todo pontox0 ∈ R. Logo, por aplicacoes sucessivas dos itens a) e b) daProposicao 6.2, deduzimos que as funcoes polinomiais saocontınuas em todo ponto x0 ∈ R. Segue agora, deste ultimofato e do item c) da Proposicao 6.2 que as funcoes racionais,isto e, definidas como quociente de dois polinomios, sao contınuasem todos os pontos onde o denominador nao se anule.

Observe que usando a Proposicao 6.2 reobtemos a con-tinuidade das funcoes dadas nos Exemplos 6.3 e 6.4.

Proposicao 6.3 Sejam f : S → R e g : T → R com f (S ) ⊂ T,f contınua em x0 ∈ S e g contınua em f (x0) ∈ T. Entao g ◦ f :S → R e contınua em x0.

Prova: Seja (xn) uma sequencia de pontos de S tal que limn→∞

xn =

x0. Sendo f contınua em x0 entao limn→∞

f (xn) = f (x0) e sendo gcontınua em f (x0) segue que lim

n→∞g( f (xn)) = g( f (x0)). Ou seja

limn→∞

(g ◦ f )(xn) = (g ◦ f )(x0), o que significa a continuidade deg ◦ f em x0.

Usando a Proposicao 6.3 e o Exemplo 6.5 deduzimos quese f : S → R e contınua em x0 ∈ S entao | f | : S → R dada por| f |(x) = | f (x)| e contınua em x0.

Quando uma funcao f e contınua em todos os pontos doseu domınio de definicao S , dizemos que e contınua em S .

6.2. FUNCOES CONTINUAS 143

Exemplo 6.11 Considere f : S → R uma funcao com a seguintepropriedade1: existe k > 0 tal que | f (x)− f (y)| ≤ k|x − y|. Entaof e contınua em S pois dados um ponto qualquer x0 de S eε > 0 tomemos δ =

ε

ke temos que, se x ∈ S e |x − x0| < δ,

| f (x) − f (x0)| ≤ k|x − x0| < kε

k= ε.

Exemplo 6.12 Vamos mostrar que a funcao seno e contınuaem todo R. Em primeiro lugar temos que para todo x ∈ R|senx| ≤ |x| e em segundo lugar temos que

senx−seny = 2sen( x−y2 ) cos( x+y

2 ).

Logo, como a funcao cosseno e limitada por 1, vem que

|senx−seny| ≤ |x − y|,

para todo x, y ∈ R, isto e, a funcao seno e lipschitziana. Seguedo Exemplo 6.11 que seno e contınua.

Exemplo 6.13 Seja f : R→ R definida por

f (x) =

sen

(1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

Temos que f e contınua em R−{0} uma vez que e a composta

da funcao seno com a funcao racional1x

em R − {0}. Observe

que, conforme podemos deduzir do Exemplo 5.9, f nao possuilimites laterais em x0 = 0 sendo este ponto, portanto, umadescontinuidade de 2a especie.

1Uma funcao com tal propriedade e dita funcao lipschitziana em honra aomatematico Rudolph Lipschitz (1831-1904).

144 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

Exemplo 6.14 Considere g : R→ R definida por

g(x) ={

xsen(

1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

Entao g e contınua em todo R. De fato, se x0 = 0 temos

limx→0

g(x) = limx→0

xsen(1x

)= 0 = g(0).

Logo g e contınua em x0. Agora, se x , 0 temos, pelo Exem-

plo 6.13, que a funcao f dada por f (x) = sen(1x

)e contınua

em R − {0} e, pelo Exemplo 6.2, a funcao h dada por h(x) = xe contınua em R. Portanto, pelo item b) da Proposicao 6.2,segue que g e contınua em R. Observe que para x , 0

|g(x)| =

∣∣∣∣∣∣xsen(1x

)∣∣∣∣∣∣ = |x|∣∣∣∣∣∣sen

(1x

)∣∣∣∣∣∣ ≤ |x|.Como g(0) = 0, concluimos que para todo x ∈ R, −|x| ≤ g(x) ≤|x|. Assim, o grafico de g esta compreendido entre as retasy = x e y = −x.

Exemplo 6.15 Utilizando um racicınio totalmente analogo aodo exemplo anterior podemos mostrar que a funcao g : R→ Rdefinida por

g(x) ={

x2sen(

1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

e contınua em todo R. Neste exemplo temos que para x , 0

|g(x)| =

∣∣∣∣∣∣x2sen(1x

)∣∣∣∣∣∣ = x2

∣∣∣∣∣∣sen(1x

)∣∣∣∣∣∣ ≤ x2.

Como g(0) = 0, concluimos que para todo x ∈ R, −x2 ≤ g(x) ≤x2. Assim, o grafico de g fica compreendido entre as parabolasy = x2 e y = −x2.

6.2. FUNCOES CONTINUAS 145

6.2.1 Funcoes Contınuas em Intervalos

Conforme ja comentamos anteriormente, a propriedade decontinuidade e uma propriedade “local”. No entanto, quandoas funcoes contınuas estao definidas em intervalos, estas pos-suem otimas propriedades “globais”. Algumas destas propriedadesserao exploradas nessa secao. Antes, porem, a fim de garantira clareza dos enunciados, faz-se necessario introduzir o con-ceito de continuidade a direita e a esquerda de um ponto.

Definicao 6.2 Diz-se que uma funcao f : S → R e contınua adireita no ponto x0 ∈ S se lim

x→x+0f (x) = f (x0). Analogamente f e

contınua a esquerda em x0 se limx→x−0

f (x) = f (x0).

Exemplo 6.16 Consideremos f : R → R dada por f (x) = [x],onde [x] indica o maior inteiro que e menor ou igual a x. Dadok ∈ Z temos f (x) = k, para k ≤ x < k + 1 e f (x) = k − 1 parak − 1 ≤ x < k. Portanto lim

x→k−f (x) = k − 1 , f (k) e lim

x→k+f (x) =

k = f (k). Logo, em x0 = k temos que f e contınua a direita edescontınua a esquerda.

Dada uma funcao real f definida em um intervalo fechado[a, b] quando dissermos que f e contınua em [a, b] fica suben-tendido que nas extremidades do intervalo estamos considerandoa continuidade lateral correspondente.

Teorema 6.1 Consideremos [a, b] um intervalo fechado e lim-itado de R. Entao toda funcao contınua f : [a, b] → R e limi-tada.

Prova: Suponhamos, por absurdo, que f nao fosse limitada.Entao, para cada n ∈ N existiria um ponto xn em [a, b] talque | f (xn)| > n. Sendo [a, b] um limitado entao (xn) seria uma

146 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

sequencia limitada e, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass,possuiria uma subsequencia (xn j) convergente para um pontoα ∈ R. Sendo [a, b] um fechado de R segue, da Proposicao 4.7,que α ∈ [a, b]. Pela continuidade de f terıamos que ( f (xn j))seria convergente (exatamente para f (α)) e, em particular, se-ria limitada. Mas isso nao poderia ocorrer pois | f (xn j)| > n j.Logo f tera que ser limitada.

Observacao: Na demonstracao do Teorema 6.1 acima naousamos o fato de [a, b] ser um intervalo, mas somente o fatode ser um fechado e limitado, isto e, um compacto de R. Assim,o que demonstramos foi que funcoes reais contınuas definidasem compactos sao limitadas.

Teorema 6.2 (Teorema do Maximo e do Mınimo) Sejam [a, b]um intervalo fechado e limitado e f : [a, b] → R uma funcaocontınua. Entao existem α e β em [a, b] tais que

f (α) ≤ f (x) ≤ f (β)

para todo x ∈ [a, b].

Prova: Pelo Teorema 6.1 temos que f ([a, b]) e um subcon-junto limitado de R. Logo existem

m = infx∈[a, b]

f (x) e M = supx∈[a, b]

f (x).

Mostremos que existem α e β em [a, b] tais que f (α) = me f (β) = M, isto e, o maximo e o mınimo sao atingidos empontos de [a, b]. Suponhamos, por contradicao, que o maximoM nao e atingido, ou seja, f (x) < M para todo x ∈ [a, b]. Seja

g : [a, b] → R dada por g(x) =1

M − f (x). Temos que g e

contınua e g(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]. Pelo Teorema 6.1existe K > 0 tal que 0 < g(x) ≤ K, para todo x ∈ [a, b]. Ou

6.2. FUNCOES CONTINUAS 147

seja,1

M − f (x)≤ K, para todo x ∈ [a, b]. Ou ainda, f (x) ≤

M −1K, para todo x ∈ [a, b]. Mas isso e uma contradicao pois

M −1K< M e M e supremo de f em [a, b]. A demostracao

para o caso do ınfimo e feita de maneira analoga.

Teorema 6.3 (Teorema do Valor Intermediario) Suponha quef : [a, b]→ R e contınua e f (a) , f (b). Entao, para cada c ∈ Rentre f (a) e f (b), existe x0 ∈ [a, b] tal que f (x0) = c.

Prova: Se for c = f (a) temos x0 = a e se for c = f (b) temosx0 = b. Suponhamos, sem perda da generalidade, que f (a) >f (b) e seja c com f (a) > c > f (b). Consideremos g : [a, b]→ Rdefinida por g(x) = f (x) − c e seja

S = {x ∈ [a, b]; g(x) > 0}.

Notemos que S e limitado e nao vazio, uma vez que g(a) =f (a) − c > 0. Logo existe x0 = sup S . Vamos provar que x0 ∈

(a, b) e f (x0) = c. De fato, como g e contınua a direita em a,entao existe δ1 > 0 tal que se x ∈ [a, a + δ1) entao g(x) > 0.Ou seja, [a, a + δ1) ⊂ S . De modo que a < x0 ≤ b. Por outrolado g(b) = f (b) − c < 0 e como g e contınua a esquerdaem b existe δ2 > 0 tal que se x ∈ (b − δ2, b] entao g(x) < 0.Consequentemente a < x0 < b. Sendo x0 = sup S , para cada

n ∈ N, existe xn ∈ S tal que x0−1n< xn ≤ x0. Assim, lim

n→∞xn = x0.

Sendo g contınua em x0 entao limn→∞

g(xn) = g(x0). Como g(xn) >0 para todo n ∈ N entao lim

n→∞g(xn) ≥ 0. Isto e, g(x0) ≥ 0. Agora,

para todo x ∈ [a, b] e x > x0 temos g(x) ≤ 0. Isso acarreta quelimx→x+0

g(x) ≤ 0. Ora, como g e contınua em x0 temos

g(x0) = limx→x0

g(x) = limx→x+0

g(x) ≤ 0.

148 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

Concluimos que g(x0) = 0, ou seja, que f (x0) = c, comoquerıamos provar.

Corolario 1 Se f esta nas condicoes do Teorema do ValorIntermediario e e nao constante entao a imagem de f e o in-tervalo fechado [m, M], onde

m = infx∈[a, b]

f (x) e M = supx∈[a, b]

f (x).

Prova: Os numeros m e M existem pois f ([a, b]) e um sub-conjunto nao vazio e limitado de R. Pelo Teorema do Maximoe do Mınimo (Teorema 6.2) existem x1 e x2 em [a, b] tais quef (x1) = m e f (x2) = M. Temos tambem que m < M pois fe nao constante. Pelo Teorema do Valor Intermediario, paratodo y ∈ (m, M) existe x ∈ [a, b] tal que f (x) = y. Logof ([a, b]) = [m, M].

Corolario 2 Se f esta nas condicoes do Teorema do ValorIntermediario e e crescente (respec. decrescente) entao existeexatamente um x0 em [a, b] tal que f (x0) = c.Prova: Suponhamos f crescente. Se existissem x0 e x0 em[a, b] com x0 < x0 e f (x0) = f (x0) = c terıamos uma contradicaopois

c = f (x0) < f (x0) = c.

A proposicao a seguir e uma otima aplicacao do Teoremado Valor Intermediario.

Proposicao 6.4 Se f : [a, b]→ [a, b] e contınua entao existex0 ∈ [a, b] tal que f (x0) = x0.

Prova: Considere g : [a, b] → R dada por g(x) = x − f (x).Temos que g e contınua em [a, b], g(a) = a − f (a) ≤ 0 eg(b) = b− f (b) ≥ 0. Logo, pelo Teorema do Valor Intermediario,existe x0 ∈ [a, b] tal que g(x0) = 0. Isto e, f (x0) = x0.

6.2. FUNCOES CONTINUAS 149

Proposicao 6.5 Seja f : [a, b]→ R contınua e injetiva. Entaoa funcao inversa f −1 : [m, M]→ [a, b] e contınua, onde

m = infx∈[a, b]

f (x) e M = supx∈[a, b]

f (x).

Prova: Sejam y0 ∈ [m, M] e (yn) uma sequencia de pontos de[m, M] com lim

n→∞yn = y0. Devemos mostrar que xn = f −1(yn)

converge para x0 = f −1(y0). Suponhamos, por contradicao,que isso nao ocorre. Entao existe ε0 > 0 tal que |xn − x0| ≥

ε0 para uma infinidade de ındices, isto e, existe uma sub-sequencia (xn j) de (xn) tal que

|xn j − x0| ≥ ε0. (6.1)

Como (xn j) e limitada, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrasse pelo fato de [a, b] ser um fechado de R, a sequencia (xn j)possui uma subsequencia (xn jk

) convergente para um pontox ∈ [a, b]. Em virtude de (6.1) temos que, necessariamente,x0 , x. Sendo f contınua entao ( f (xn jk

)) converge para f (x).Mas ( f (xn jk

)) e uma subsequencia de (yn) e, portanto, con-verge para y0 = f (x0). Logo, pela unicidade do limite, temosf (x0) = f (x). Mas isso e uma contradicao uma vez que x0 , xe f e injetiva.

6.2.2 Funcoes Uniformemente Contınuas

Na definicao de continuidade de uma funcao f em um pontox0, o delta que intervem depende, em geral, tanto de epsiloncomo do proprio ponto x0. No entanto, determinadas funcoescontınuas tem um comportamento mais uniforme no seu domıniode definicao e o delta depende somente do epsilon positivodado. Estas sao as funcoes uniformemente contınuas. For-malmente temos

150 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

Definicao 6.3 Uma funcao f : S → R e denominada unifor-mente contınua em S se, para cada ε > 0, existe δ(ε) > 0 talque

∀ x, x′ ∈ S ; |x − x′| < δ ⇒ | f (x) − f (x′)| < ε.

Exemplo 6.17 A funcao f : R → R tal que f (x) = |x| e uni-formemente contınua pois dado ε > 0 basta escolher δ = ε etemos que se |x − y| < δ

| f (x) − f (y)| = ||x| − |y|| ≤ |x − y| < ε.

Exemplo 6.18 A funcao f : R → R dada por f (x) = senx euniformemente contınua pois

|senx − seny| ≤ |x − y|

e, portanto, dado ε > 0 tomemos δ = ε para obtermos |x−y| < δacarretando | f (x) − f (y)| < ε.

Exemplo 6.19 A funcao f : (0, 1) → R dada por f (x) =1x

e contınua em (0, 1) mas nao e uniformemente contınua. Defato, para ε = 1

2 , dado δ > 0 qualquer, seja n ∈ N tal que 1n < δ,

e tomemos x1 =1n e x2 =

1n+1 . Temos que x1 e x2 pertencem a

(0, 1) e |x1 − x2| =∣∣∣1n −

1n+1

∣∣∣ < 1n < δ, mas

| f (x1) − f (x2)| =∣∣∣∣∣ 1x1−

1x2

∣∣∣∣∣ = |n − (n + 1)| = 1 > ε.

O que mostra que f nao e uniformemente contınua em (0, 1).

Proposicao 6.6 Seja f : [a, b] → R contınua. Entao f euniformemente contınua.

6.2. FUNCOES CONTINUAS 151

Prova: Suponhamos, por absurdo, que f nao seja uniforme-mente contınua. Entao existe ε0 > 0 tal que para todo δ > 0podemos encontrar pontos x e y em [a, b] com |x − y| < δ masque | f (x)− f (y)| ≥ ε0. Em particular, para cada n ∈ N, podemosescolher δ = 1

n e obtemos sequencias (xn) e (yn) em [a, b] taisque |xn − yn| <

1n , mas | f (xn) − f (yn)| ≥ ε0. Como (xn) e (yn) sao

limitadas entao, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass e pelofato de [a, b] ser fechado, elas possuem subsequencias (xn j) e(yn j), respectivamente, que convergem para pontos de [a, b].Sejam entao

r = limj→∞

xn j e s = limj→∞

yn j .

Temos entao que

0 ≤ limj→∞|xn j − yn j | ≤ | limj→∞

(xn j − yn j)| ≤ limj→∞

1n j= 0,

isto e, 0 ≤ |r − s| ≤ 0, donde r = s. Pela continuidade de ftemos

limj→∞

f (xn j) = limj→∞

f (yn j) = f (r),

logolimj→∞

[ f (xn j) − f (yn j)] = 0.

Mas isto e uma contradicao pois | f (xn j)− f (yn j)| ≥ ε0 para todon j.

Voltando ao Exemplo 6.19, se considerarmos f definidaem [x0,+∞), para qualquer x0 > 0, teremos que f e uniforme-mente contınua como uma decorrencia da proposicao a seguir.

Proposicao 6.7 Consideremos f : [a, +∞) → R uma funcaocontınua e suponhamos que lim

x→+∞f (x) = L ∈ R. Entao f e

uniformemente contınua em [a, +∞).

152 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

Prova: Seja ε > 0 dado. Entao existe b > 0 de tal modo que| f (x) − L| <

ε

2, para todo x ≥ b. Assim, se x1 ≥ b e x2 ≥ b,

entao | f (x1) − f (x2)| < ε. Pela Proposicao 6.6 segue que f euniformemente contınua em [a, b+ 1], logo existe δ > 0, o qualpodemos considera-lo menor que 1, tal que se x1, x2 ∈ [a, b+1]e |x1 − x2| < δ entao | f (x1) − f (x2)| < ε. Agora, dados x1 e x2

em [a,+∞) com |x1 − x2| < δ, ou ocorre de x1 e x2 pertencerema [a, b + 1] e neste caso | f (x1) − f (x2)| < ε, ou ocorre de x1

e x2 pertencerem a [b, +∞), e neste caso tambem aconteceque | f (x1) − f (x2)| < ε, ou, em ultimo caso, estao ambos naintersecao [b, b + 1] e, novamente, temos | f (x1) − f (x2)| < ε.

Corolario 1 Se f e contınua em (−∞, b] e limx→−∞

f (x) = ` ∈ Rentao f e uniformemente contınua em (−∞, b].Prova: A prova e deixada para os exercıcios.

Proposicao 6.8 Seja f : R → R contınua e tal que exis-tem lim

x→−∞f (x) = ` e lim

x→+∞f (x) = L. Entao f e uniformemente

contınua em R.

Prova: Deixamos para os exercıcios.

6.3. EXERCICIOS DO CAPITULO 6 153

6.3 Exercıcios do Capıtulo 6

6.1- Mostre que a funcao

f (x) =

x, se x ∈ Q,

0, se x ∈ R − Q.

tem descontinuidade de 2a especie em cada x0 , 0 e econtınua em x0 = 0.

6.2- Prove que se f e contınua em x0 e f (x) ≥ 0,∀x ∈ R entaoh(x) =

√f (x) e contınua em x0.

6.3- Mostre que se f e contınua em R e f (x) = 0 para todox ∈ Q entao f (x) = 0 para todo x ∈ R.

6.4- Seja f : R→ R contınua em x0 = 0 e satisfaz a condicao

f (x + y) = f (x) + f (y), ∀x ∈ R.

Mostre que f e contınua em R.

6.5- Prove que se g e contınua em x0 = 0, g(0) = 0 e existeδ > 0 tal que

| f (x)| ≤ |g(x)|,∀x ∈ Vδ(0)

entao f e contınua em x0 = 0.

6.6- Seja f contınua em (a, b) e tal que ambos limx→a+

f (x), limx→b−

f (x)existem. Mostre que f e limitada em (a, b).

6.7- Mostre que se f e contınua e injetiva em [a, b] entao f emonotona crescente ou decrescente.

154 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

6.8- Prove que o polinomio p(x) = a0 + a1x + · · · + anxn, ondean , 0 e n e ımpar, possui pelo menos uma raiz x0 ∈ R.

6.9- Mostre, mediante um exemplo, que se f e g sao uniforme-mente contınuas em I, entao o produto f g pode falhar deser uniformemente contınua em I.

6.10- Seja f contınua em (a, b). Mostre que f e uniforme-mente contınua em (a, b) se, e somente se, existemlimx→a+

f (x) e limx→b−

f (x).

6.11- Prove que se f e contınua em R entao f e uniforme-mente contınua em todo intervalo limitado I.

6.12 - Verifique se as funcoes abaixo sao contınuas em seusdomınios:

a) f (x) =√

x2 + 1, x ∈ R.

b) g(x) ={

e−1x , se x > 0,0, se x ≤ 0.

c) u(x) ={

x2sen(

1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

d) v(x) =

senx

x, se x , 0,

1, se x = 0.

6.13- Sejam f , g : I → R contınuas. Mostre que:

h(x) = max { f (x), g(x)} e k(x) = min { f (x), g(x)}

sao contınuas em R.

6.14- Mostre que toda funcao lipschitziana f : I → R e contınua.

6.15- Seja f : R → R tal que f (x) = x3. Mostre que f restritaao intervalo [−α, α], α > 0, e lipschitziana.

6.3. EXERCICIOS DO CAPITULO 6 155

6.16- Seja f : R→ R tal que f (λx) = λ f (x) para todo x e todoλ ∈ R. Mostre que f e contınua em R.

6.17- Seja f : R→ R definida como0, se x ∈ R − Q,1, se x = 0,

1/q, se x = p/q, q > 0 e mdc(p, q) = 1,

Prove que ∀ a ∈ R, limx→a

f (x) = 0 e conclua que f e

contınua apenas em R − Q.

6.18- Seja f : R→ R uma funcao contınua tal que

f (x + y) = f (x) + f (y),∀x, y ∈ R

Prove que f e da forma αx, para algum α ∈ R.

6.19- Mostre que a equacao

5x − 1

+7

x − 2+

16x − 3

= 0

admite uma solucao entre 1 e 2 e outra entre 2 e 3.

6.20- Mostre que se f e contınua em [a, b] entao existe umafuncao contınua g em R tal que g(x) = f (x) para todo x ∈[a, b]. Uma tal funcao e chamada de extensao contınuade f a R.

6.21- Seja f : R→ R uma funcao contınua tal que

limx→−∞

f (x) = limx→∞

f (x) = 0.

Mostre que f e limitada em R.

156 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

6.22- Seja I ⊂ R um intervalo e f : I → R uma funcao. Defina

D =

{f (x) − f (y)

x − y; x, y ∈ I e x , y

}.

Prove que se D e limitado entao f e uniformementecontınua em I.

6.23- Prove que se f e g sao uniformemente contınuas em umintervalo limitado (a, b) entao o produto f g e uma funcaouniformemente contınua em (a, b).

6.24- Seja f : [a, b]→ [a, b] satisfazendo a seguinte condicao:existe 0 ≤ λ < 1 tal que | f (x)− f (y)| ≤ λ|x− y| para todo xe todo y em [a, b].Mostre que existe um unico x0 ∈ [a, b]tal que f (x0) = x0.

6.25- Seja f : R→ R uma funcao tal que | f (x)− f (y)| ≤ λ|x−y|para todo x e todo y de R e para algum 0 < λ < 1. Mostreque existe um unico x ∈ R tal que f (x) = x. (Sugestao:Dado x0 ∈ R defina a sequencia (xn) por xn = f (xn−1),para n = 1, 2, 3, · · · e mostre que (xn) e de Cauchy emR.)

6.26- Seja f : [a, b]→ R dada por f (x) =√

x. Mostre que f euniformemente contınua porem, nao e lipschitziana.

6.27- Dizemos que uma funcao f : R → R e periodica deperıodo p > 0 se f (x + p) = f (x) para todo x ∈ R. Proveque toda funcao f : R → R contınua e periodica e limi-tada e existem pontos x1, x2 ∈ R satisfazendo a condicaof (x1) ≤ f (x) ≤ f (x2) para todo x ∈ R.

6.28- Prove que f : R → R e contınua se, e somente se, paratodo S ⊂ R tem-se f (S ) ⊂ f (S ).

6.3. EXERCICIOS DO CAPITULO 6 157

6.29- Mostre que se f e uniformemente contınua em R entao,dadas quaisquer duas sequencias, (xn) e (yn) tais quelimn→∞|xn − yn| = 0 tem-se que lim

n→∞| f (xn) − f (yn)| = 0.

6.30- Sejam f , g, h e k funcoes de [0, +∞) em R definidas por,

f (x) = x2, g(x) = cos x, h(x) =1

1 + xcos(x2) e k(x) =

√x.

Quais delas sao uniformemente contınuas em [0, +∞)?

6.31- Uma funcao real definida em um intervalo [a, b] e ditalinear por partes quando existem pontos x0, x1, · · · xn sat-isfazendo a = x0 < x1 < · · · < xn = b, e f restrita acada subintervalo [xi−1, xi], i = 0, 1, · · · n, e linear. Mostreque dada qualquer funcao f contınua em [a, b] e dadoε > 0 existe uma funcao g contınua e linear por partesem [a, b] tal que | f (x) − g(x)| < ε

158 CAPITULO 6. FUNCOES CONTINUAS

Capıtulo 7

Funcoes Derivaveis

7.1 Introducao

Didicamos este capıtulo ao estudo das funcoes derivaveise, uma vez que estamos supondo o leitor familiarizado com ainterpretacao gemetrica da derivada como coeficiente angularda reta tangente ao grafico da funcao, ou com a interpretacaofısica como a velocidade de um ponto material, concentraremosnossa argumentacao nos aspectos matematicos do conceito,objetivando estudar as propriedades basicas da nocao de derivadae enfatizar os resultados que conduzam a informacoes sobrea funcao a partir de informacoes sobre a sua derivada.

7.2 A Derivada

Definicao 7.1 Sejam I ⊂ R um intervalo aberto e f : I → Ruma funcao. Dizemos que f e derivavel em x0 ∈ I se existe olimite

limx→x0x,x0

f (x) − f (x0)x − x0

. (7.1)

159

160 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

O limite (7.1) quando existe e denotado por f ′(x0) e de-nominado derivada da funcao f no ponto x0.

Fazendo em (7.1) h = x − x0, ou seja x = x0 + h, teremosque x → x0 se, e somente se, h → 0. Assim, quando o limiteexiste, escrevemos

f ′(x0) = limh→0

f (x0 + h) − f (x0)h

. (7.2)

Outras notacoes para a derivada de uma funcao em umponto sao

D f (x0),d fdx

(x0) oud fdx

∣∣∣∣∣∣x=x0

.

Quando em (7.2) nos restringimos a valores positivos de h,o limite, quando existe, e denominado derivada lateral a direitade f em x0 e denotado por f ′d(x0) e quando nos restringimos avalores negativos de h, o limite, quando existe, e denominadoderivada lateral a esquerda de f em x0 e e denotado por f ′e (x0).Assim,

f ′d(x0) = limh→0+

f (x0 + h) − f (x0)h

ef ′e (x0) = lim

h→0−

f (x0 + h) − f (x0)h

.

Evidentemente que f e derivavel em x0 se, e somente se, ex-istem as derivadas laterais em x0 e f ′d(x0) = f ′e (x0) = f ′(x0).

Quando f ′(x) exsite em todo x ∈ I dizemos que f e de-rivavel em I.

Exemplo 7.1 Seja f : R → R definida por f (x) = k, k umaconstante. Se x0 e um ponto qualquer de R entao f e derivavelem x0 e f ′(x0) = 0 pois

limh→0

f (x0 + h) − f (x0)h

= limh→0

k − kh= lim

h→0

0h= lim

h→00 = 0.

7.2. A DERIVADA 161

Exemplo 7.2 Considere f : R → R definida por f (x) = x eseja x0 um ponto de R. Temos que

limh→0

f (x0 + h) − f (x0)h

= limh→0

x0 + h − x0

h= lim

h→0

hh= lim

h→01 = 1.

Portanto f e derivavel em x0 e f ′(x0) = 1.

Exemplo 7.3 A funcao f : R→ R definida por f (x) = |x| nao ederivavel em x0 = 0 pois

limh→0−

f (h) − f (0)h

= limh→0−

−hh= lim

h→0−(−1) = −1

elim

h→0+

f (h) − f (0)h

= limh→0+

hh= lim

h→0+1 = 1.

Portanto, nao existe limh→0

f (h) − f (0)h

.

A primeira informacao que deduzimos de uma funcao quee derivavel em um ponto e que esta e contınua no ponto. E oque estabelece a proposicao a seguir.

Proposicao 7.1 Seja f : I → R uma funcao derivavel em umponto x0 ∈ I, onde I e um intervalo aberto. Entao f e contınuaem x0.

Prova: Considere a igualdade

f (x) = f (x0) +f (x) − f (x0)

x − x0(x − x0), x , x0.

Entao

limx→x0

f (x) = f (x0) + limx→x0

f (x) − f (x0)x − x0

limx→x0

(x − x0) =

f (x0) + f ′(x0).0 = f (x0),

162 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

isto e, limx→x0

f (x) = f (x0), o que significa dizer que f contınuaem x0.

A recıproca da Proposicao 7.1 e falsa conforme constata-mos mediante o Exemplo 7.3.

As propriedades algebricas da derivada estao apresentadasna proposicao a seguir.

Proposicao 7.2 Sejam f e g funcoes definidas em um inter-valo aberto I e derivaveis em x0 ∈ I. Entao

i) f + g e derivavel em x0 e ( f + g)′(x0) = f ′(x0) + g′(x0),

ii) f g e deivavel em x0 e ( f g)′(x0) = f (x0)g′(x0) + f ′(x0)g(x0),

iii) Se g , 0 entao fg e derivavel em x0 e(

fg

)′(x0) =

f ′(x0)g(x0) − f (x0)g′(x0)[g(x0)]2

Prova: Para a prova de i) temos que

( f + g)(x0 + h) − ( f + g)(x0)h

=

f (x0 + h) − f (x0)h

+g(x0 + h) − g(x0)

h.

O resultado segue das propriedades de limite de funcoes. Paraa verificacao de ii) e bastante observar que

f (x0 + h)g(x0 + h) − f (x0)g(x0)h

=

f (x0 + h)g(x0 + h) − g(x0)

h+

f (x0 + h) − f (x0)h

g(x0),

usar a Proposicao 7.1 e as propriedades do limite de funcoes.Finalmente para provar iii) temos que

f (x0+h)g(x0+h) −

f (x0)g(x0)

h=

f (x0+h)− f (x0)h g(x0) − f (x0) g(x0+h)−g(x0)

h

g(x0)g(x0 + h)

7.2. A DERIVADA 163

e, da Proposicao 7.1 e das propriedades do limite de funcoes,temos o resultado.

Segue agora, por aplicacoes sucessivas da Proposicao 7.2,que os polinomios sao funcoes derivaveis em todos os pontosde R, como tambem as funcoes racionais nos pontos onde odenominador e nao nulo.

Proposicao 7.3 (Regra da Cadeia) Sejam f : I → R e g : J →R funcoes definidas, respectivamente, nos intervalos abertosI e J com f (I) ⊂ J. Suponha que f e derivavel em x0 ∈ I e gderivavel em f (x0) ∈ J. Entao g ◦ f e derivavel em x0 e

(g ◦ f )′(x0) = g′( f (x0)) f ′(x0).

Prova: Suponhamos inicialmente que f ′(x0) , 0. Neste casotemos que f (x) , f (x0) para todo x suficientemente proximode x0. Logo

g( f (x)) − g( f (x0))x − x0

=g( f (x)) − g( f (x0))

f (x) − f (x0)f (x) − f (x0)

x − x0·

Passando ao limite quando x→ x0 obtemos

(g ◦ f )′(x0) = g′( f (x0)) f ′(x0).

Por outro lado, se for f ′(x0) = 0 entao, para x proximo de x0,ou ocorre que f (x) = f (x0), e neste caso g( f (x)) = g( f (x0)),donde

limx→x0

g( f (x)) − g( f (x0))x − x0

= 0 = g′( f (x0).0 = g′( f (x0)) f ′(x0),

ou ocorre f (x) , f (x0), portanto, vale

g( f (x)) − g( f (x0))x − x0

=g( f (x)) − g( f (x0))

f (x) − f (x0)f (x) − f (x0)

x − x0

164 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

e teremos

limx→x0

g( f (x)) − g( f (x0))x − x0

=

limx→x0

g( f (x)) − g( f (x0))f (x) − f (x0)

f (x) − f (x0)x − x0

= 0.

Assim, em qualquer situacao temos a validade da formula

(g ◦ f )′(x0) = g′( f (x0)) f ′(x0).

E importante observar que na passagem ao limite usamos ofato de que, quando x → x0, temos que f (x) → f (x0), pelacontinuidade de f em x0.

Exemplo 7.4 Considere f : R→ R definida por

f (x) =

xsen

(1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

Temos, para x , 0 e pelas Proposicoes 7.1 e 7.2,

f ′(x) = sen(1x

) + x cos(1x

)(−1x2 ) = sen(

1x

) −1x

cos(1x

).

Agora, para x0 = 0 temos

f (x) − f (x0)x − x0

=xsen(1

x )x

= sen(1x

)

que nao tem limite quando x→ 0. Isto e, f nao e derivavel emx0 = 0.

Exemplo 7.5 Considere f : R→ R definida por

f (x) =

x2sen

(1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

7.3. O TEOREMA DO VALOR MEDIO 165

Temos, para x , 0 e pela Regra da Cadeia,

f ′(x) = 2xsen(1x

)− cos

(1x

).

E para x0 = 0 temos

f (x) − f (x0)x − x0

=x2sen

(1x

)x

= xsen(1x

).

Como

limx→0

xsen(1x

)= 0,

segue que f e derivavel em x0 = 0 e f ′(0) = 0. Assim

f ′(x) =

2xsen

(1x

)− cos

(1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

Mas f ′ nao e uma funcao contınua pois cos(1x

)nao tem limite

quando x→ 0.

7.3 O Teorema do Valor Medio

Seja I ⊂ R um intervalo e f : I → R uma funcao. Dizemosque f assume um maximo absoluto em x0 ∈ I se f (x0) ≥ f (x)para todo x ∈ I. Se a desigualdade f (x0) ≥ f (x) ocorre apenasem uma vizinhanca de Vδ(x0) ⊂ I dizemos que f assume ummaximo local em x0. Quando temos f (x0) ≤ f (x) para todox ∈ I dizemos que f assume um mınimo absoluto em emx0 e quando for f (x0) ≤ f (x) apenas para x restrito a umavizinhanca de Vδ(x0) ⊂ I dizemos que f assume um mınimo

166 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

local em x0. Os pontos onde f assume um maximo (local ouabsoluto) ou um mınimo (local ou absoluto) sao chamados deextremos de f . E evidente que se x0 e um ponto interior de Ie se x0 for um extremo absoluto de f entao x0 e um extremolocal de f .

Proposicao 7.4 Sejam I um intervalo aberto de R, f : I → Ruma funcao e x0 um extremo local de f . Se f for derivavel emx0 entao f ′(x0) = 0.

Prova: Vamos admitir que f assume um maximo local em x0

(o caso de mınimo local e analogo). Entao existe δ > 0 tal quef (x) ≤ f (x0) para todo x ∈ (x0 − δ, x0 + δ). Portanto,

f (x) − f (x0)x − x0

=

{≤ 0, se x0 < x < x0 + δ,≥ 0, se x0 − δ < x < x0.

(7.3)

Agora, como existe f ′(x0), necessariamente temos

limx→x−0

f (x) − f (x0)x − x0

= f ′(x0) = limx→x+0

f (x) − f (x0)x − x0

.

Mas, por (7.3) temos

limx→x−0

f (x) − f (x0)x − x0

≥ 0 e limx→x+0

f (x) − f (x0)x − x0

≤ 0.

Donde se conclui que f ′(x0) = 0.

Teorema 7.1 (Teorema de Rolle) 1 Seja f contınua em [a, b]e derivavel em (a, b) com f (a) = f (b). Entao existe x0 ∈ (a, b)tal que f ′(x0) = 0.

1Michel Rolle (1652-1719).

7.3. O TEOREMA DO VALOR MEDIO 167

Prova: Se for f (x) = f (a) para todo x ∈ (a, b), como f (a) =f (b), entao f e constante em [a, b] e, portanto, f ′(x) = 0 paratodo x ∈ (a, b). Assim, podemos supor que existe x ∈ (a, b) talque f (x) , f (a). Sendo f contınua em [a, b], pelo Teorema doMaximo e do Mınimo (Teorema 6.2), f possui extremos abso-lutos em [a, b]. Como estamos supondo que f nao e constanteem (a, b) e pelo fato de que f (a) = f (b), entao pelo menos umdos pontos de extremo absoluto de f pertence a (a, b). Sejax0 tal ponto. Segue da Proposicao 7.4 que f ′(x0) = 0.

Teorema 7.2 (do Valor Medio de Cauchy) Sejam f e g fun-coes reais contınuas em [a, b] e derivaveis em (a, b). Entaoexiste x0 ∈ (a, b) tal que

( f (b) − f (a))g′(x0) = (g(b) − g(a)) f ′(x0). (7.4)

Prova: Consideremos a funcao ϕ definida em [a, b] por

ϕ(x) = ( f (b) − f (a))g(x) − (g(b) − g(a)) f (x). (7.5)

Temos que ϕ e contınua em [a, b], diferenciavel em (a, b)e ϕ(a) = ϕ(b). Portanto, a funcao ϕ esta nas condicoes doTeorema de Rolle. Logo existe x0 ∈ (a, b) tal que ϕ′(x0) = 0.Mas, para todo x ∈ (a, b) temos

ϕ′(x) = ( f (b) − f (a))g′(x) − (g(b) − g(a)) f ′(x).

Logo, para x = x0 temos

( f (b) − f (a))g′(x0) = (g(b) − g(a)) f ′(x0),

como querıamos demonstrar.

A versao do Teorema do Valor Medio mais amplamente ap-resentada nos cursos de Calculo Diferencial e um caso partic-ular do Teorema 7.2 e e a seguinte:

168 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

Teorema 7.3 (do Valor Medio de Lagrange) 2 Seja f : [a, b]→R uma funcao que e contınua em [a, b] e e diferenciavel em(a, b). Entao existe x0 ∈ (a, b) tal que

f ′(x0) =f (b) − f (a)

b − a. (7.6)

Prova: Para a prova e suficiente considerar no Teorema 7.2g(x) = x.

Proposicao 7.5 Seja f : (a, b)→ R uma funcao derivavel.

i) Se f ′(x) > 0, ∀ x ∈ (a, b), entao f e crescente em (a, b).

ii) Se f ′(x) < 0, ∀ x ∈ (a, b), entao f e decrescente em (a, b).

iii) Se f ′(x) = 0, ∀ x ∈ (a, b), entao f e constante em (a, b).

Prova: Dados x1 e x2 em (a, b), com x1 , x2, podemos su-por, sem perder a generalidade da demonstracao, que x1 <x2. Assim, a funcao f restrita ao intervalo [x1, x2] atende ashipoteses do Teorema 7.5 e, portanto, existe t ∈ (x1, x2) talque

f (x2) − f (x1) = f ′(t)(x2 − x1). (7.7)

Logo, i), ii) e iii) seguem diretamente de (7.7).

Proposicao 7.6 Sejam f e g funcoes derivaveis em (a, b),com f ′(x) = g′(x) para todo x ∈ (a, b). Entao existe uma con-stante c tal que f (x) = g(x) + c para todo x ∈ (a, b).

Prova: Consideremos ϕ(x) = f (x) − g(x) em (a, b). Temosque ϕ′(x) = f ′(x) − g′(x) = 0, para todo x ∈ (a, b). Portanto,por iii) da Proposicao 7.5, existe c tal que ϕ(x) = c, isto e,f (x) = g(x) + c.

2Joseph Louis Lagrange (1736-1813).

7.3. O TEOREMA DO VALOR MEDIO 169

Proposicao 7.7 Seja f : I → R um funcao derivavel em umintervalo aberto I ⊂ R e suponhamos que existe M > 0 tal que| f ′(x)| ≤ M para todo x ∈ I. Entao

| f (x) − f (y)| ≤ M|x − y|

para todo x e todo y de I, ou seja, f e uma funcao lipschitziana(vide Exercıcio 6.14).

Prova: Sejam x e y quaisquer em I. Podemos supor, semperda da generalidade, que y < x. Pelo Teorema do ValorMedio existe ξ ∈ (y, x) tal que f (x) − f (y) = f ′(ξ)(x − y). Por-tanto,

| f (x) − f (y)| = | f ′(ξ)(x − y)| = | f ′(ξ)|x − y| ≤ M|x − y|,

e temos demonstrada a proposicao.

Exemplo 7.6 Consideremos f : R→ R dada por f (x) = senx.Temos que f ′(x) = cos x. Como | cos x| ≤ 1, entao |senx −seny| ≤ |x − y|. Mais particularmente temos |senx| ≤ |x|, paratodo x ∈ R.

Proposicao 7.8 Se f e derivavel em um intervalo aberto I ⊂R e existe M > 0 tal que | f (x) − f (y)| ≤ M|x − y|, para todo x etodo y de I, entao | f ′(x)| ≤ M, para todo x ∈ I.

Prova: Para cada x ∈ I temos que

f ′(x) = limy→x

f (y) − f (x)y − x

.

Desde que ∣∣∣∣∣ f (x) − f (y)y − x

∣∣∣∣∣ ≤ M, se y , x,

170 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

segue que | f ′(x)| ≤ M, como querıamos.

Quando uma funcao f e derivavel em um intervalo abertoI, o valor de sua derivada em cada ponto e univocamente de-terminado, uma vez que e dado por um limite, e o limite, comosabemos, e unico. Neste caso temos a funcao f ′ : I → R, quea cada x ∈ I associa f ′(x). Podemos agora indagar se, dadox0 ∈ I, existe a derivada de f ′ em x0. Quando tal derivada ex-iste dizemos que f possui uma derivada segunda em x0 e adenotamos por f ′′(x0). Do mesmo modo, quando f ′′(x) existepara todo x ∈ I, podemos indagar se existe a derivada de f ′′

em um ponto x0 ∈ I, e quando tal derivada existe, dizemosser f e tres vezes derivavel em x0 e denotamo-la por f ′′′(x0).E assim por diante, podemos indagar sobre a existencia daderivada de ordem n de f em um ponto x0 ∈ I, quando fpossui derivada de ordem n − 1 em todos os pontos de I,e, quando e este o caso, denotamos tal derivada por f (n)(x0).Usa-se tambem

dn fdxn (x0), ou

dn fdxn

∣∣∣∣∣∣x=x0

para denotar a derivada de ordem n de f em x0. A partir daquifaremos a convencao de que, para n = 0, entenderemos f (0)(x0)como sendo o valor de f em x0.

Definicao 7.2 Se f : I → R possui derivadas ate a ordem ncontınuas em I, dizemos que f e de classe Cn e escrevemosf ∈ Cn(I).

Na definicao 7.2 se I = [a, b], estaremos considerando nasextremidades do intervalo a derivada lateral correspondente.

Quando f : I → R possui derivadas de qualquer ordemcontınuas, dizemos que f e de classe C∞ e escrevemos f ∈C∞(I).

7.4. A FORMULA DE TAYLOR 171

As funcoes polinomiais, as trigonometricas cos e sen, definidasem R, a funcao logarıtmica, definida em R+ e a funcao expo-nencial, definida em R sao de classe C∞ nos seus respectivosdomınios. Tambem as funcoes racionais sao de classe C∞ nosseus domınios de definicao.

7.4 A Formula de Taylor

Para funcoes f de classe Cn[a, b] ha uma excelente aproximacaopolinomial para f , como mostra a proposicao a seguir.

Proposicao 7.9 (Formula de Taylor) 3Seja f : [a, b] → Ruma funcao de classe Cn[a, b] e tal que f (n+1) existe em (a, b).Se c e um ponto qualquer de [a, b] entao, para cada x ∈[a, b], x , c, existe ξ entre c e x tal que

f (x) = f (c) + f ′(c)(x − c)

1!+ f ′′(c)

(x − c)2

2!+ · · ·

· · · +f (n)(c)

n!(x − c)n +

f (n+1)(ξ)(n + 1)!

(x − c)n+1. (7.8)

Prova: Consideremos c < x. O caso c > x e tratado demaneira analoga. Definamos F : [c, x]→ R pondo

F(t) = f (x) − f (t) − f ′(t)(x − t)

1!− f ′′(t)

(x − t)2

2!− · · ·

· · · −1n!

f (n)(t)(x − t)n − K(x, c)(x − t)n+1

(n + 1)!,

onde K(x, c) e escolhida satisfazendo

K(x, c)(x − c)n+1

(n + 1)!= f (x) − f (c) − f ′(c)

(x − c)1!

− · · ·

· · · −1n!

f (n)(c)(x − c)n,

3Brook Taylor (1685-1731).

172 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

de tal modo que F(c) = 0 = F(x) = 0. Alem disso, temos que Fe contınua em [c, x], derivavel em (c, x) e F(x) = 0.De maneiraque podemos aplicar o Teorema de Rolle (Teorema 7.1) paragarantir a existencia de ξ ∈ (c, x) tal que F′(ξ) = 0. Mas

F′(t) = − f ′(t) − f ′(t)(−1)− f ′′(t)(x − t) − 1

2! f ′′(t)2(x − t)(−1)− 1

2! f ′′′(t)(x − t)2 − 13! f ′′′(t)3(x − t)2(−1)

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .− 1

(n−1)! f (n)(t)(x − t)n−1 − 1n! f (n)(t)n(x − t)n−1(−1)

− 1n! f (n+1)(t)(x − t)n − K(x, c)(n + 1) (x−t)n

(n+1)! (−1),

isto e,

F′(t) = − f ′(t) + f ′(t)− f ′′(t)(x − t) + f ′′(t)(x − t)− 1

2! f ′′′(t)(x − t)2 + 12! f ′′′(t)(x − t)2

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .− 1

(n−1)! f (n)(t)(x − t)n−1 + 1(n−1)! f (n)(t)(x − t)n−1

− 1n! f (n+1)(t)(x − t)n + K(x, c) (x−t)n

n! .

Portanto

F′(t) = −1n!

f (n+1)(t)(x − t)n + K(x, c)(x − t)n

n!.

Como temos F′(ξ) = 0 entao K = f (n+1)(ξ), e temos demon-strada a proposicao.

O termo

Rn+1 =f (n+1)(ξ)(n + 1)!

(x − c)n+1 (7.9)

da Formula (7.8) e chamado de Resto de Lagrange, e a propriaformula (7.8), e chamada de Formula de Taylor com Resto deLagrange. Observe que se n = 0 temos exatamente o Teorema

7.4. A FORMULA DE TAYLOR 173

do Valor Medio de Lagrange (Teorema 7.5). Observe tambemque

limx→c

Rn+1

(x − c)n = 0

e isto significa dizer que quando f satizfaz as condicoes daProposicao 7.9 entao, para x proximo de c, podemos aproxi-mar f (x) pelo polinomio

Pn(x) = f (c) + f ′(c)(x − c) + · · · +f (n)(c)

n!(x − c)n

e o erro cometido com esta aproximacao e menor que C|x−c|n,onde C e uma constante positiva.

Exemplo 7.7 Consideremos f (x) = ex no intervalo [−1, 1] ec = 0. Neste caso temos f (0) = f ′(0) = · · · = f (n)(0) = 1.Portanto

ex = 1 + x +x2

2!· · · +

xn

n!+ Rn+1,

onde

Rn+1 =eξxn+1

(n + 1)!.

Chamando

Pn(x) = 1 + x + · · · +xn

n!temos

|ex − Pn(x)| =eξ |x|n+1

(n + 1)!≤

e(n + 1)!

.

Esta ultima desigualdade informa que o erro cometido ao aprox-imarmos ex pelo polinomio Pn(x) no intervalo [−1, 1] e menorou igual a

e(n + 1)!

.

174 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

7.5 A Regra de L’Hopital

Uma boa utilizacao do Teorema do Valor Medio de Cauchy(Teorema 7.2) aparece no calculo de determinados limites dequocientes do tipo “zero sobre zero” ou “infinito sobre infinito”,os quais sao comumente chamados de “indeterminacoes”. Asproposicoes 7.10 e 7.12 deste capıtulo estabelecem em quecondicoes tais “indeterminacoes” podem ser contornadas eas regras de procedimento sao conhecidas em Calculo comoRegras de L’Hopital 4.

Proposicao 7.10 Sejam f e g funcoes reais definidadas emum intervalo I ⊂ R e a um ponto de I. Suponhamos que

i) f ′ e g′ existem em V∗δ (a) (uma vizinhanca de a desprovidado centro ) na qual g′(x) , 0;

ii) limx→a

f (x) = limx→a

g(x) = 0;

iii) limx→a

f ′(x)g′(x)

existe.

Entaolimx→a

f (x)g(x)

existe e limx→a

f (x)g(x)

= limx→a

f ′(x)g′(x)

·

Prova: Vamos redefinir f e g no ponto a como sendo f (a) =g(a) = 0. Deste modo temos que f e g sao contınuas em umavizinhanca Vδ(a), para algum δ > 0. Naturalmente que naosabemos se f ′(a) e g′(a) existem. Se a < x < a + δ entaof e g sao contınuas em [a, x] e derivaveis em (a, x). Logo,pelo Teorema do Valor Medio de Cauchy (Teorema 7.2) existetx ∈ (a, x) tal que

[ f (x) − f (a)]g′(tx) = [g(x) − g(a)] f ′(tx),4Guillaume Francois Antoine de L’Hopital (1661-1704).

7.5. A REGRA DE L’HOPITAL 175

ou seja, f (x)g′(tx) = g(x) f ′(tx). Nos temos tambem que g(x) ,0. De fato, desde que g(a) = 0, se fosse g(x) = 0 entao, peloTeorema de Rolle (Teorema 7.1), existiria c ∈ (a, x) tal queg′(c) = 0, o que contradiria o hipotese de ser g′(x) , 0 emV∗δ (a). Consequentemente temos

f (x)g(x)

=f ′(tx)g′(tx)

.

Uma argumentacao semelhante para a− δ < x < a mostra queexiste tx ∈ (x, a) tal que

f (x)g(x)

=f ′(tx)g′(tx)

.

Agora, quando x→ a temos que tx → a e, portanto,

limx→a

f (x)g(x)

= limtx→a

f ′(tx)g′(tx)

= limx→a

f ′(x)g′(x)

uma vez que, por hipotese, este ultimo limite existe.

Exemplo 7.8 Considere o problema de calcular

limx→0

1 − cos xsen2x

·

Para isso consideremos as funcoes f (x) = 1 − cos x e g(x) =sen2x Temos que lim

x→0f (x) = lim

x→0g(x) = 0. Alem disso, f ′(x) =

sen x e g′(x) = 2sen x cos x. Logo

limx→0

f ′(x)g′(x)

= limx→0

sen x2sen x cos x

= limx→0

12 cos x

=12.

Proposicao 7.11 Sejam f uma funcao real definida em umintervalo I ⊂ R e a um ponto de I. Suponhamos que

176 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

i) f e contınua em a;

ii) f e derivavel em V∗δ (a) para algum δ > 0;

iii) limx→a

f ′(x) existe.

Entao f e derivavel em a e f ′(a) = limx→a

f ′(x).

Prova: Consideremos F(x) = f (x)− f (a) e G(x) = x−a. Temosque lim

x→aF(x) = lim

x→aG(x) = 0. Temos tambem que

limx→a

F′(x)G′(x)

= limx→a

f ′(x)1= lim

x→af ′(x),

isto e, existe limx→a

F′(x)G′(x)

· Pela Proposicao 7.10, existe limx→a

F(x)G(x)

e

limx→a

F(x)G(x)

= limx→a

F′(x)G′(x)

= limx→a

f ′(x)·

Portanto,

limx→a

f (x) − f (a)x − a

= limx→a

f ′(x).

Em outras palavras, f e derivavel em a e f ′ e contınua em a.

Proposicao 7.12 Sejam f e g funcoes reais definidadas emum intervalo (b, +∞) e suponhamos que

i) f ′(x) e g′(x) existem e g′(x) , 0 para todo x ∈ (b,+∞);

ii) limx→+∞

f (x) = limx→+∞

g(x) = +∞;

iii) limx→+∞

f ′(x)g′(x)

existe.

7.5. A REGRA DE L’HOPITAL 177

Entao limx→+∞

f (x)g(x)

existe e

limx→+∞

f (x)g(x)

= limx→+∞

f ′(x)g′(x)

·

Prova: Seja L = limx→+∞

f ′(x)g′(x)

· Entao, dado ε > 0, existe um

numero a tal que∣∣∣∣∣ f ′(x)g′(x)

− L∣∣∣∣∣ < ε

2para todo x > a. (7.10)

Observemos que, necessariamente, g(x) > g(a) para todo x >a, pois se existisse x1 > a tal que g(x1) ≤ g(a) entao, sendolimx+∞

g(x) = +∞, podemos encontrar x2 > x1 tal que g(x2) ≥ g(a),e, pelo Teorema do Valor Intermediario (Teorema 6.3), existiriac ∈ R com a < x1 ≤ c ≤ x2 e g(c) = g(a). Mas, neste caso, peloTeorema de Rolle (Teorema 7.1), existiria d ∈ R, com a < d < c,tal que g′(d) = 0, o que contradiria a hipotese de que g′(x) , 0para todo x ∈ (b,+∞). Usando o Teorema do Valor Medio deCauchy (Teorema 7.2) para f e g no intervalo [a, x] temos queexiste ξ ∈ (a, x) tal que

f (x) − f (a)g(x) − g(a)

=f ′(ξ)g′(ξ)

· (7.11)

Por (7.10) temos ∣∣∣∣∣ f ′(ξ)g′(ξ)

− L∣∣∣∣∣ < ε

2. (7.12)

Logo tambem temos∣∣∣∣∣ f (x) − f (a)g(x) − g(a)

− L∣∣∣∣∣ < ε

2∀ x > a. (7.13)

178 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

Escolhamos x > a suficientemente grande tal que f (x) > f (a)e g(a) > 0. Como lim

x→+∞f (x) = lim

x→+∞g(x) = +∞ entao

limx→+∞

f (x)f (x) − f (a)

= 1 = limx→+∞

g(x) − g(a)g(x)

·

Logo

limx→+∞

f (x)f (x) − f (a)

·g(x) − g(a)

g(x)= 1.

Assim, se x > a,∣∣∣∣∣ f (x)f (x) − f (a)

·g(x) − g(a)

g(x)− 1

∣∣∣∣∣ < ε

2|L| + ε

se x > a. Entao∣∣∣∣ f (x)g(x) −

f (x)− f (a)g(x)−g(a)

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ f (x)− f (a)g(x)−g(a) ·

f (x)f (x)− f (a) ·

g(x)−g(a)g(x) −

f (x)− f (a)g(x)−g(a)

∣∣∣∣ =∣∣∣∣ f (x)− f (a)g(x)−g(a)

∣∣∣∣ · ∣∣∣∣ f (x)f (x)− f (a) ·

g(x)−g(a)g(x) − 1

∣∣∣∣ < (|L| + ε

2

)·(

ε2|L|+ε

)< ε

2

pois de (7.13) temos∣∣∣∣ f (x)− f (a)

g(x)−g(a)

∣∣∣∣ < |L| + ε2 · Consequentemente,

temos∣∣∣∣ f (x)g(x) − L

∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣ f (x)g(x) −

f (x)− f (a)g(x)−g(a)

∣∣∣∣ + ∣∣∣∣ f (x)− f (a)g(x)−g(a) − L

∣∣∣∣ < ε2 +

ε2 = ε

se x > a.Portanto, lim

x→+∞

f (x)g(x)

= L = limx→+∞

f ′(x)g′(x)

·

Exemplo 7.9 Considere o problema de calcular limx→+∞

xex . Para

resolver este problema facamos f (x) = x e g(x) = ex. Entao

limx→+∞

f (x) = limx→+∞

g(x) = +∞ e limx→+∞

f ′(x)g′(x)

= limx→+∞

1ex = 0.

Portanto, limx→+∞

xex = 0.

7.5. A REGRA DE L’HOPITAL 179

Proposicao 7.13 Sejam f e g funcoes reais definidadas emum intervalo I e a um ponto de I. Suponhamos que

i) f ′(x) e g′(x) existem e g′(x) , 0 em a < x < a+δ para algumδ > 0;

ii) limx→a+

f (x) = +∞ e limx→a+

g(x) = +∞;

iii) limx→a+

f ′(x)g′(x)

= L.

Entao limx→a+

f (x)g(x)

= L.

Prova: Seja x = a +1u

ou, equivalentemente, u =1

x − a· Entao

x→ a+ se, e somente se, u→ +∞. Agora,

limu→+∞

f(a +

1u

)= lim

x→a+f (x) = +∞

e

limu→+∞

g(a +

1u

)= lim

x→a+g(x) = +∞.

Pela Proposicao 7.9 e usando a Regra da Cadeia, temos

limx→a+

f (x)g(x)

= limu→+∞

f(a + 1

u

)g(a + 1

u

) = limu→+∞

f ′(a + 1

u

) (− 1

u2

)g′

(a + 1

u

) (− 1

u2

) = limu→+∞

f ′(a + 1

u

)g′

(a + 1

u

) =limx→a+

f ′(x)g′(x)

= L·

Exemplo 7.10 Considere o problema de determinar

limx→0+

x ln x.

180 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

Para soluciona-lo escrevamos, para x > 0, x ln x =− ln 1

x1x

=

−ln 1

x1x

· Sejam f (x) = ln1x

e g(x) =1x. Temos que f ′(x) e g′(x)

existem, g′(x) , 0,

limx→0+

f (x) = limx→0+

g(x) = +∞

ef ′(x)g′(x)

=− 1

x

− 1x2

= x.

Donde limx→0+

f ′(x)g′(x)

= 0 e, portanto, limx→0+

f (x)g(x)

= 0.

Proposicao 7.14 Sejam f e g funcoes reais definidadas emum intervalo I e a um ponto de I. Suponhamos que

i) f ′(x) e g′(x) existem e g′(x) , 0 em a−δ < x < a para algumδ > 0;

ii) limx→a−

f (x) = +∞ e limx→a−

g(x) = +∞;

iii) limx→a−

f ′(x)g′(x)

= L.

Entao limx→a−

f (x)g(x)

= L.

Prova: O argumento da prova e semelhante ao da Proposicao 7.13e e deixada para os exercıcios.

7.6. EXERCICIOS DO CAPITULO 7 181

7.6 Exercıcios do Capıtulo 7

7.1- Seja f : R −→ R definida por f (x) = |x|3. Calcule f ′(x) ef ′′(x) para todo x ∈ R e mostre que f ′′ nao e derivavelem x = 0.

7.2- Seja f : R→ R dada por:

f (x) ={

x3, se x < 1,ax + b, se x ≥ 1,

onde a e b sao constantes. Determine os valores de a eb para os quais f e dirivavel em x0 = 1.

7.3- Seja f : R→ R dada por :

f (x) ={

x2sen(

1x2

), se x , 0,

0, se x = 0.

Mostre que f e derivavel em R mas f ′ nao e limitada emvizinhanca alguma da origem.

7.4- Explique porque a funcao f : [0, 2] → R definida porf (x) = 1 − |1 − x| nao satisfaz o Teorema de Rolle.

7.5- Demonstre que, para qualquer numero real b, o polinomiop(x) = x3 + x + b possui exatamente uma raiz real.

7.6- Prove que se f e derivavel em x = a entao

f ′(a) = limh→0

f(a + h

2

)− f

(a − h

2

)h

·

7.7- Prove que se f e duas vezes derivavel em x = a entao

f ′′(a) = limh→0

f (a + h) − 2 f (a) + f (a − h)h

·

182 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

7.8- Seja f : R −→ R tal que

| f (x) − f (y)| ≤ (x − y)2

para todo x, y ∈ R. Prove que f e constante.

7.9- Sejam c0, c1, . . . , cn constantes reais tais que

c0 +c1

2+ · · · +

cn−1

n+

cn

n + 1= 0.

Prove que a equacao

c0 + c1x + · · · + cn−1xn−1 + cnxn = 0

tem pelo menos uma raiz real entre 0 e 1.

7.10- Seja f : (0,+∞) −→ R derivavel e suponha que

limx→+∞

f ′(x) = 0.

Seja g(x) = f (x + 1) − f (x). Prove que limx→+∞

g(x) = 0.

7.11- Seja f : [0,+∞)→ R e suponha que:

i) f e contınua para em [0,+∞);

ii) f ′(x) existe para todo x > 0;

iii) f (0) = 0;

iv) f ′ e monotona crescente.

Se g(x) = f (x)x para x > 0, prove que g e monotona cres-

cente.

7.12- Seja f contınua em [x0, b) e derivavel em (x0, b) esuponha que existe lim

x→x+0f ′(x). Mostre que f ′d(x0) existe

ef ′d(x0) = lim

x→x+0f ′(x).

7.6. EXERCICIOS DO CAPITULO 7 183

7.13- Seja f derivavel em [a, b] e k ∈ R tal que k esta entref ′d(a) e f ′e (b). Prove que existe c ∈ (a, b) com f ′(c) = k.

7.14- Prove que se limx→−∞

f (x) = +∞, limx→−∞

g(x) = +∞ e

limx→−∞

f ′(x)g′(x)

= L ∈ R

entao limx→−∞

f (x)g(x)

= L.

7.15- Seja f : R→ R dada por:

f (x) ={|x|αsen

(1x

), se x , 0,

0, se x = 0.

Para que valores de α f e derivavel em x = 0?

7.16- Seja f uma funcao monotona em um intervalo I tal quef ′(x) > 0 para todo x ∈ I. Seja ϕ a inversa de f . Mostreque se f ′′(x0) existe em um ponto x0 ∈ I entao, paray0 = f (x0) ϕ′′(y0), existe e

ϕ′′(y0) = −f ′′(x0)

[ f ′(x0)]3 .

7.17- Seja f : R→ R uma funcao tal que:

i) f e contınua em R e f (0) , 0;

ii) f e derivavel em x = 0;

iii) f (x + y) = f (x) f (y) para todo x e todo y em R.

Mostre que f (x) = ecx, onde c = f ′(0).

7.18- Sejam f e g funcoes derivaveis em [a, b] satisfazendof (a) ≤ g(a) e f ′(x) ≤ g′(x), ∀ x ∈ [a, b]. Mostre quef (x) ≤ g(x), ∀ x ∈ [a, b].

184 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

7.19- Demonstre que xn − 1 ≥ n(x − 1), ∀ x ≥ 1 e ∀ n ∈ N.

7.20- Mostre que:

a) x ≤ tan x, se 0 ≤ x ≤ π2 .

b) log(1 + x) < x, se x > 0

c) x ≤ arcsenx ≤ x√

1−x2, se 0 ≤ x < 1.

7.21- Suponha que f e derivavel em x > x0 e limx→+∞

f ′(x) = L.

Mostre que limx→+∞

f (x)x= L.

7.22- Mostre que:

limx→+∞

(1 +

1x

)x

= e e limx→+∞

(1 +

ax

)x= ea.

7.23- Mostre que se f e positiva e derivavel em um intervalo Ientao

ddx

log( f (x)) =f ′(x)f (x)

, ∀ x ∈ I.

7.24- Suponha que f ′(x0) e g′(x0) existam, g′(x0) , 0 e quef (x0) = g(x0) = 0. Prove que

limx→x0

f (x)g(x)

=f ′(x0)g′(x0)

·

7.25- Seja g : R −→ R derivavel e suponha que existe M > 0tal que

|g′(x)| ≤ M para todo x ∈ R.

Fixe ε > 0 e defina f (x) = x + εg(x). Prove que, para ε esuficientemente pequeno, f e biunıvoca.

7.6. EXERCICIOS DO CAPITULO 7 185

7.26- Seja f : [0, 1] −→ R derivavel. Suponha que f (0) = 0 e

| f ′(x)| ≤ | f (x)|, ∀ x ∈ [0, 1].

Mostre que f (x) = 0 para todo x ∈ [0, 1].

7.27- Suponha que f ′(x) , 0 em (a, b).

a) Prove que f e estritamente monotona em (a, b).

b) Seja g inversa de f . Prove que g e derivavel e que

g′( f (x)) =1

f ′(x)em (a, b).

7.28- Seja f : R→ R uma funcao real. Um ponto x0 ∈ R e ditoponto fixo de f se f (x0) = x0. Suponha que existe umaconstante 0 < λ < 1 tal que | f ′(x)| ≤ λ para todo xR.

a) Prove que f possui um unico ponto fixo x0.

b) Prove ainda que x0 = limn→∞

xn, sendo x1 um numero

real arbitrario de R e xn+1 = f (xn) para n = 1, 2, 3, . . .

7.29- Seja f : I → R uma funcao. Mostre que se f e derivavelem x ∈ I entao existe uma funcao contınua u : I → R talque

f (y) − f (x) = (y − x)[f ′(x) + u(y)

]e lim

y→xu(y) = 0.

7.30- Seja L uma funcao real definida em (0, +∞) satisfazendoL(x.y) = L(x) + L(y) e

limx→0

L(1 + x)x

= 1.

Mostre que L(x) = log x, para todo x ∈ (0, +∞).

186 CAPITULO 7. FUNCOES DERIVAVEIS

Capıtulo 8

Funcoes Integraveis

8.1 Introducao

Apresentamos neste capıtulo o conceito de integral de umafuncao real definida e limitada em um intervalo fechado I =[a, b] de R.

Historicamente a origem do calculo integral e bem ante-rior a do calculo diferencial e, rudemente falando, surgiu naantiguidade nos trabalhos de Arquimedes (285-212 a.C.) liga-dos ao calculo de areas de figuras planas e volumes de solidospelo metodo da exaustao. Ve-se, assim, o forte apelo geometricoinerente ao conceito de integral desde a sua origem mais re-mota. O desenvolvimento que faremos aqui e bem mais re-cente e segue as ideias de Riemann1 com os aperfeicoamentositroduzidos por Darboux (1842-1917)2.

1Georg Friedrich Bernard Riemann (1826-1866)2Gaston Darboux (1824-1917)

187

188 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

8.2 Integral Superior e Integral Inferior

Uma particao de um intervalo fechado e limitado [a, b] de Re um subconjunto finito P = {x0, x1, · · · , xn} de pontos de [a, b]satisfazendo a condicao a = x0 < x1 < · · · < xn−1 < xn = b.Cada subintervalo [xi−1, xi], com i variando de 1 ate n, temcomprimento xi − xi−1 e e chamado de i−esimo intervalo daparticao P.

Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada e seja P ={x0, x1, · · · , xn} uma particao de [a, b]. Temos que f e limitadaem cada subintervalo [xi−1, xi] de P e, portanto, existem mi eMi, respectivamente o ınfimo e o supremo de f em [xi−1, xi].Assim

mi = inf{ f (x); x ∈ [xi−1, xi]} e Mi = sup{ f (x); x ∈ [xi−1, xi]}.

Definimos a soma inferior de f relativamente a particao P comosendo

s( f ; P) =n∑

i=1

mi(xi − xi−1) (8.1)

e, analogamente, definimos a soma superior de f relativa-mente a particao P como sendo

S ( f ; P) =n∑

i=1

Mi(xi − xi−1). (8.2)

Os numeros s( f ; P) e S ( f ; P) sao denominados, respectiva-mente, de somas de Riemann-Darboux inferior e superior def , relativas a particao P.

A seguir apresentamos tres resultados tecnicos a respeitode somas inferiores e superiores a fim de podermos definir aintegral inferior e a integral superior de uma funcao limitada f .

8.2. INTEGRAL SUPERIOR E INTEGRAL INFERIOR 189

Lema 8.1 Se f : [a, b] → R e limitada entao, para qualquerparticao P de [a, b], tem-se

m(b − a) ≤ s( f ; P) ≤ S ( f ; P) ≤ M(b − a)

onde

m = inf{ f (x); x ∈ [a, b]} e M = sup{ f (x); x ∈ [a, b]}.

Prova: A prova segue diretamente do fato de que, para cadai = 1, 2, · · · , n tem-se que m ≤ mi ≤ Mi ≤ M e que

n∑i=1

(xi − xi−1) = b − a.

Denotemos por P([a, b]) a colecao de todas as particoesde [a, b]. Se P e Q pertencem a P([a, b]), dizemos que Q eum refinamento de P se P ⊂ Q.

Lema 8.2 Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada e sejamP e Q duas particoes de [a, b]. Se Q e um refinamento de Pentao

i) s( f ; P) ≤ s( f ; Q) e

ii) S ( f ; Q) ≤ S ( f ; P).

Prova: Seja P = {x0, x1, . . . , xn} e suponhamos, inicialmente,que a particao Q resulta de P pelo acrescimo de um ponto,ou seja, Q = P ∪ {r}, com x j−1 < r < x j para algum j entre1, 2, . . . , n. Sejam m′ e m′′, respectivamente, os ınfimos de fnos subintervalos [x j−1, r] e [r, x j] de Q. Eevidentemente quem j ≤ m′, m j ≤ m′′ e x j − x j−1 = (x j − r) + (r − x j−1). Portanto,

s( f ; Q) − s( f ; P) = m′(r − x j−1) + m′′(x j − r) − m j(x j − x j−1)= m′(r − x j−1) + m′′(x j − r) − m j(x j − r) − m j(r − x j−1)

= (m′ − m j)(r − x j−1) + (m′′ − m j)(x j − r) ≥ 0.

190 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Donde s( f ; P) ≤ s( f ; Q). A passagem para o caso geral e feitarepetindo-se o argumento anterior um numero finito de vezes.Analogamente prova-se que S ( f ; Q) ≤ S ( f ; P).

O Lema 8.2 nos informa que os refinamentos de uma particaotendem a aumentar as somas inferiores e a dinimuir as supe-riores.

Lema 8.3 Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada e sejamP e Q duas particoes quaisquer de [a, b]. Entao s( f ; P) ≤S ( f ; Q).

Prova: A particao P∪Q e um refinamento comum a P e Q. Demodo que, pelos dois lemas anteriores,

s( f ; P) ≤ s( f ; P ∪ Q) ≤ S ( f ; P ∪ Q) ≤ S ( f ; Q).

Concluimos do Lema 8.3 que para uma funcao limitada em[a, b] as somas inferiores sao cotas inferiores para a somassuperiores e que as somas superiores sao cotas superiorespara a somas inferiores. De maneira que podemos estabele-cer a seguinte definicao.

Definicao 8.1 Seja f : [a, b]→ R uma funcao limitada. Defin-imos a integral inferior de f como∫ b

af (x)dx = sup

P∈P{s( f ; P)}

e a integral superior de f por∫ b

af (x)dx = inf

P∈P{S ( f ; P)}

8.2. INTEGRAL SUPERIOR E INTEGRAL INFERIOR 191

Proposicao 8.1 Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada esejam m e M tais que m ≤ f (x) ≤ M para todo x ∈ [a, b].Entao

m(b − a) ≤∫ b

af (x)dx ≤

∫ b

af (x)dx ≤ M(b − a).

Prova: Pelo Lema 8.1 temos

m(b − a) ≤ s( f ; P) ≤ S ( f ; P) ≤ M(b − a)

para qualquer P ∈ P. Portanto

m(b − a) ≤ supP∈P{s( f ; P)} ≤ inf

P∈P{S ( f ; P)} ≤ M(b − a).

Logo

m(b − a) ≤∫ b

af (x)dx ≤

∫ b

af (x)dx ≤ M(b − a),

como querıamos.

Proposicao 8.2 Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada.Entao, para qualquer c ∈ R, temos

i)∫ b

a[ f (x) + c]dx =

∫ b

af (x)dx + c(b − a)

ii)∫ b

a[ f (x) + c]dx =

∫ b

af (x)dx + c(b − a)

Prova: Seja P uma particao qualquer de [a, b]. Vamos domon-strar o item ii) e deixamos o item i) como um exercıcio. De-notemos por µi = sup{ f (x) + c, x ∈ [xi−1, xi]} e por Mi =

192 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

sup{ f (x), x ∈ [xi−1, xi]}. Temos que µi = Mi + c. Logo,n∑

i=1

µi(xi − xi−1) =n∑

i=1

(Mi + c)(xi − xi−1) =

n∑i=1

Mi(xi − xi−1) + c(b − a).

Ou seja, S ( f + c; P) = S ( f ; P) + c(b − a), donde

infP∈P{S ( f + c; P)} =

∫ b

a[ f (x) + c]dx =

infP∈P{S ( f ; P)} + c(b − a) =

∫ b

af (x)dx + c(b − a).

Proposicao 8.3 Seja f : [a, b] → R limitada. Dado qualquerc ∈ (a, b) tem-se que

i)∫ b

af (x)dx =

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx.

ii)∫ b

af (x)dx =

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx.

Prova: Denotemos por S ba, S c

a e S bc as somas superiores de

f relativamente as particoes de [a, b], [a, c] e [c, b], re-spectivamente. Seja P uma particao qualquer de [a, b]. Oponto c pode pertencer ou nao a P. Se c < P consideremosP′ = P ∪ {c}. Entao P′ e uma particao de [a, b] que induz asparticoes P1 = P′ ∩ [a, c] e P2 = P′ ∩ [c, b] de [a, c] e [c, b],respectivamente. Assim,

S ba( f ; P) ≥ S b

a( f ; P′) = S ca( f ; P′) + S b

c( f ; P′) ≥∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx. (8.3)

8.2. INTEGRAL SUPERIOR E INTEGRAL INFERIOR 193

Portanto ∫ b

af (x)dx ≥

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx. (8.4)

Seja agora ε > 0 dado arbitrariamente. Existem particoes P1 eP2 de [a, c] e [c, b], respectivamente, tais que

S ca( f ; P1) <

∫ c

af (x)dx +

ε

2e S b

c( f ; P2) <∫ b

cf (x)dx +

ε

2.

Observemos que o conjunto P = P1 ∪ P2 e uma particao de[a, b] tal que S b

a( f ; P) = S ca( f ; P1) + S b

c( f ; P2). Logo∫ b

af (x)dx ≤ S c

a( f ; P1) + S bc( f ; P2) <

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx + ε

qualquer que seja ε > 0 dado. Assim∫ b

af (x)dx ≤

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx. (8.5)

De (8.4) e (8.5) segue∫ b

af (x)dx =

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx

como querıamos demonstrar.

Nos definimos a integral inferior e a integral superior parafuncoes limitadas definidas em [a, b], com a < b. No entanto,para simplificar a escrita e estender alguns resultados sobreintegrais, e importante incluir os caso a = b e a > b e, assim,definimos:Para a = b, ∫ a

af (x)dx =

∫ a

af (x)dx = 0.

194 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Para a > b,∫ b

af (x)dx = −

∫ a

bf (x)dx e

∫ b

af (x)dx = −

∫ a

bf (x)dx.

Considerando a definicao acima podemos agora ampliar aaplicabilidade da Proposicao 8.3 tambem para os casos emque c < a ou c > b, com a hipotese adicional de f estardefinida em [c, a] ou [b, c].

Proposicao 8.4 Seja f : [a, b] → R limitada. Definamos asfuncoes F e G em [a, b] do seguinte modo: F(a) = G(a) = 0 epara x ∈ (a, b]

F(x) =∫ x

af (t)dt e G(x) =

∫ x

af (t)dt.

Entao em cada ponto x0 ∈ [a, b] onde f e contınua temosF′(x0) = G′(x0) = f (x0).

Prova: Vamos demonstrar que F′(x0) = f (x0) se x0 for umponto de continuidade de f e deixamos para os exercıcios ademonstracao de que G′(x0) = f (x0). Seja x0 ∈ (a, b) e h ∈ Rtal que x0 + h ∈ (a, b). Usando a Proposicao 8.3, com a devidaadaptacao para o caso de ser h < 0, obtemos

F(x0 + h) − F(x0) =∫ x0+h

af (t)dt −

∫ x0

af (t)dt =∫ x0

af (t)dt +

∫ x0+h

x0

f (t)dt −∫ x0

af (t)dt =

∫ x0+h

x0

f (t)dt.

De maneira que

F(x0 + h) − F(x0)h

=1h

∫ x0+h

x0

f (t)dt.

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 195

Usando agora a Proposicao 8.2 temos,

∣∣∣∣∣F(x0 + h) − F(x0)h

− f (x0)∣∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0[ f (t) − f (x0)]dt

∣∣∣∣∣|h|

·

Pela Proposicao 8.1 temos que

|h| inf|t−x0 |≤|h|

[ f (t) − f (x0)] ≤∫ x0+h

x0

[ f (t) − f (x0)]dt ≤

|h| sup|t−x0 |≤|h|

[ f (t) − f (x0)].

Logo

inf|t−x0 |≤|h|

[ f (t) − f (x0)] ≤∣∣∣∣∣F(x0 + h) − F(x0)

h− f (x0)

∣∣∣∣∣ ≤sup|t−x0 |≤|h|

[ f (t) − f (x0)].

Se x0 e um ponto de continuidade de f entao

inf|t−x0 |≤|h|

[ f (t) − f (x0)] e sup|t−x0 |≤|h|

[ f (t) − f (x0)]

tendem a zero quando h tende a zero. Concluimos, portanto,que F′(x0) = f (x0).

8.3 A Integral de Riemann

Tendo sido apresentados os conceitos de integral superior eintegral inferior de uma funcao f , definida e limitada em um in-tervalo [a, b], passemos agora a definir a integral de Riemannde f .

196 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Definicao 8.2 Seja f : [a, b]→ R uma funcao limitada. Dize-mos que f e integravel a Riemann em [a, b] quando∫ b

af (t)dt =

∫ b

af (t)dt

e o valor comum denotamos por∫ b

af (t)dt.

Exemplo 8.1 Seja f : [a, b]→ R dada por f (x) = c, para todox ∈ [a, b]. Entao f e integravel em [a, b] e∫ b

af (t)dt = c(b − a).

De fato, qualquer que seja a particao P de [a, b] temos quemi = Mi = c em todos os subintervalos e, por conseguinte,s( f ; P) = S ( f ; P) = c(b − a). Logo,∫ b

af (t)dt =

∫ b

af (t)dt = c(b − a).

Exemplo 8.2 Seja f : [a, b]→ R definida por

f (x) ={

1, se x ∈ Q ∩ [a, b],0, se x ∈ [a, b] − Q.

Entao f nao e integravel em [a, b] pois, qualquer que seja aparticao P = {a = x0 < x1, . . . < xn = b} de [a, b], em cadade seus subintervalos [xi−1, xi] existem numeros racionais eirracionais, portanto mi = 0 e Mi = 1. Logo s( f ; P) = 0 e S ( f :P) = b − a, o que acarreta∫ b

af (t)dt = 0 e

∫ b

af (t)dt = b − a.

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 197

Definicao 8.3 Dada uma particao P = {a = x0 < x1 < . . . <xn = b} de [a, b], define-se a norma de P, e denota-se por ‖P‖o numero

‖P‖ = max{xi − xi−1, i = 1, 2, . . . n}.

Proposicao 8.5 Se f : [a, b] → R e monotona entao e in-tegravel.

Prova: Suponhamos que f e nao decrescente. Para qualquerparticao P de [a, b], temos∫ b

af (t)dt −

∫ b

af (t)dt ≤ S ( f ; P) − s( f ; P) =∑

P∈P([a,b])

(Mi − mi)(xi − xi−1) ≤ ‖P‖∑

P∈P([a,b])

(Mi − mi)

Desde que f e, por hipotese, nao decrescente, em cada subin-tervalo [xi−1, xi], temos Mi = f (xi) e mi = f (xi−1). De modo que∑

P∈P([a,b])

(Mi − mi) =∑

P∈P([a,b])

( f (xi) − f (xi−1) = f (b) − f (a).

Logo temos

0 ≤∫ b

af (t)dt −

∫ b

af (t)dt ≤ ‖P‖( f (b) − f (a)).

i) Se f (b) = f (a) entao f e constante e, portanto, integravel.

ii) Se f (b) , f (a) entao, para ε > 0 seja δ =ε

f (b) − f (a)·

Se ‖P‖ < δ temos ∫ b

af (t)dt −

∫ b

af (t)dt < ε

198 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

o que acarreta ∫ b

af (t)dt =

∫ b

af (t)dt

ou seja, f e integravel em [a, b].

Proposicao 8.6 Seja f : [a, b] → R contınua. Entao f eintegravel.

Prova: Consideremos F e G como na Proposicao 8.4. Temosque

F′(x) = G′(x) = f (x), ∀ x ∈ [a, b].

Logo, F(x) = G(x) + c, para todo x ∈ [a, b] e para algumaconstante c. Como F(a) = G(a) = 0, segue que c = 0. Ou seja,F(x) = G(x) para todo x ∈ [a, b]. Em particular, para x = b,temos ∫ b

af (t)dt = F(b) = G(b) =

∫ b

af (t)dt,

portanto, f e integravel em [a, b].

Proposicao 8.7 Seja f : [a, b] → R limitada. Entao f e in-tegravel se, e somente se, para cada ε > 0 existe uma particaoP de [a, b] tal que S ( f ; P) − s( f ; P) < ε.

Prova: Suponhamos que f e integravel em [a, b]. Entao∫ b

af (t)dt =

∫ b

af (t)dt =

∫ b

af (t)dt.

Logo, dado ε > 0 existem particoes P1 e P2 de [a, b] tais que

S ( f ; P1) −∫ b

af (t)dt <

ε

2e

∫ b

af (t)dt − s( f ; P2) <

ε

2.

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 199

Assim, temos S ( f ; P1) − s( f ; P2) < ε. Tomemos P = P1 ∪ P2 eentao,

S ( f ; P1) ≥ S ( f ; P) ≥ s( f ; P) ≥ s( f ; P2)

e, portanto,

S ( f ; P) − s( f ; P) ≤ S ( f ; P1) − s( f ; P2) < ε.

Reciprocamente, suponhamos que para cada ε > 0 existe umaparticao P de [a, b] tal que S ( f ; P) − s( f ; P) < ε. Desde queque

S ( f ; P) ≥∫ b

af (t)dt ≥

∫ b

af (t)dt ≥ s( f ; P),

entao

0 ≤∫ b

af (t)dt −

∫ b

af (t)dt < ε.

Sendo ε > 0 arbitrario segue que∫ b

af (t)dt =

∫ b

af (t)dt.

Logo, f e integravel em [a, b].

Exemplo 8.3 Considere dois numeros reais c e d e definamosf : [a, b]→ R por

f (x) ={

c, se a < x ≤ bd, se x = a.

Entao f e integravel em [a, b] e∫ b

af (t)dt = c(b − a).

200 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Com efeito, suponhamos, sem perda da generalidade, que c <d. Entao, qualquer que seja particao P = {a = x0 < x1 < · · · <xn = b} de [a, b], temos m1 = c, M1 = d e mi = Mi = c parai = 2, · · · , n. Portanto, S ( f ; P) − s( f ; P) = (d − c)(x1 − x0). Seja,agora, ε > 0 dado e tomemos uma particao P0 de [a, b] tal quex1− x0 <

ε

d − ce teremos que S ( f ; P0)− s( f ; P0) < ε. Logo, f e

integravel em [a, b]. Alem disso, como para qualquer particao

P de [a, b] temos s( f , P) = c(b−a), entao∫ b

af (t)dt = c(b−a).

8.3.1 A Integral Como Limite de Somas de Rie-mann

Apresentamos nesta secao uma caracterizacao importanteda integral de Riemann como limite de somas, conhecidascomo somas de Riemann. Tal caracterizacao e muito util, es-pecialmente na demonstracao de algumas propriedades da in-tegral. Antes, porem, vamos demonstrar a proxima proposicaoa qual sera util na demonstracao do Teorema 8.1.

Proposicao 8.8 Seja f : [a, b] → R limitada. Entao, paracada ε > 0 existe δ > 0 tal que

S ( f : P) <∫ b

af (t)dt + ε e s( f ; P) >

∫ b

af (t)dt − ε

para qualquer particao P de [a, b] tal que ‖P‖ < δ.

Prova: Suponhamos que f (x) ≥ 0 em [a, b]. Dado ε > 0existe uma particao P0 = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} de

[a, b] tal que S ( f ; P0) <∫ b

af (x)dx +

ε

2. Seja M = sup

x∈[a, b]f (x)

e tomemos 0 < δ <ε

2Mn. Se P e qualquer particao de [a, b]

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 201

com ‖P‖ < δ, indiquemos com [y j−1, y j] os subintervalos deP que estao contidos em algum subintervalo [xi−1, xi] de P0

e com [yk−1, yk] os intervalos restantes de P. Cada um dosintervalos [yk−1, yk] contem pelo menos um ponto xi. Assim, hano maximo n intervalos do tipo [yk−1, yk]. Quando [y j−1, y j] ⊂[xi−1, xi] temos M j ≤ Mi e y j − y j−1 ≤ xi − xi−1. Logo, M j(y j −

y j−1) ≤ Mi(xi − xi−1) uma vez que tratam-se de numeros naonegativos. Alem disso Mk(yk − yk−1) ≤ Mδ. Portanto

S ( f ; P) =∑

j

M j(y j − y j−1) +∑

k

Mk(yk − yk−1) ≤

n∑i=1

Mi(xi − xi−1) + Mnδ < S ( f ; P0) +ε

2<

∫ b

af (x)dx + ε.

Para o caso geral, como f e limitada, existe uma constantec > 0 tal que f (x)+ c ≥ 0, para todo x ∈ [a, b]. Tomando g(x) =

f (x) + c temos, pelo que ja provamos, S (g; P) <∫ b

ag(x)dx + ε,

qualquer que seja a particao P do intervalo [a, b] tal que ‖P‖ <δ. Ocorre que S (g; P) = S ( f ; P) + c(b − a) e, portanto,∫ b

ag(x)dx =

∫ b

af (x)dx + c(b − a),

o que acarreta

S ( f ; P) + c(b − a) <∫ b

af (x)dx + c(b − a) + ε

e, por fim, S ( f ; P) <∫ b

af (x)dx+ε. Com um raciocınio analogo

prova-se a outra desigualdade s( f ; P) >∫ b

af (x)dx − ε e fica

demonstrada a proposicao.

202 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Dada uma particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} de[a, b], escolhamos um ponto ξi em cada subintervalo [xi−1, xi]e denotemos por ξ a n−upla (ξ1, ξ2, · · · , ξn). Se f e uma funcaoreal definida em [a, b], a expressao

S ( f ; P; ξ) =n∑

i=1

f (ξi)(xi − xi−1)

e chamada de soma de Riemann de f .

Definicao 8.4 Escrevemos lim‖P‖→0

S ( f ; P; ξ) = γ ∈ R quando,

para cada ε > 0 existe δ > 0 tal que |S ( f ; P; ξ)−γ| < ε, qualquerque seja a particao P de [a, b] com ‖P‖ < δ e qualquer queseja a escolha de ξ associada a P.

Teorema 8.1 Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada. Entaof e integravel a Riemann se, e somente se3,

lim‖P‖→0

S ( f ; P; ξ) =∫ b

af (x)dx.

Prova: Suponhamos que f e integravel a Riemann. Dadauma particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} de [a, b],qualquer que seja ξ = (ξ1, ξ2, · · · , ξn) com ξi ∈ [xi−1, xi], temosclaramente que

s( f ; P) ≤ S ( f ; P; ξ) ≤ S ( f ; P).

Como f e integravel a Riemann em [a, b], entao, pela Proposicao 8.8,

lim‖P‖→0

s( f ; P) =∫ b

af (x)dx = lim

‖p‖→0S ( f ; P).

3A construcao da integral como no Teorema 8.1 e conhecida como Integralde Cauchy.

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 203

Logo

lim‖p‖→0

S ( f ; P; ξ) =∫ b

af (x)dx.

Reciprocamente, suponhamos que lim‖P‖→0

S ( f ; P; ξ) = γ ∈ R.

Mostremos que f e integravel a Riemann em [a, b] e, alemdisso,

∫ b

af (x)dx = γ. Para tanto seja ε > 0 dado e considere-

mos uma particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} de [a, b].Para cada i = 1, 2, · · · n escolhamos ξi e ηi em [xi, xi−1] taisque

f (ξi) > Mi − ε e f (ηi) < mi + ε.

Tais escolhas sao possıveis tendo em vista que Mi e o supremode f em [xi−1, xi] e mi e o ınfimo de f em [xi−1, xi]. Entao

S ( f ; P; ξ) > S ( f ; P) − ε(b − a) e S ( f ; P; η) < s( f ; P) + ε(b − a)

e, portanto,

S ( f ; P; η) − ε(b − a) < s( f ; P) ≤∫ b

af (x)dx ≤ (8.6)

∫ b

af (x)dx ≤ S ( f ; P) < S ( f ; P; ξ) + ε(b − a).

Passando ao limite em (8.6) quando ‖P‖ → 0 obtemos

γ − ε(b − a) ≤∫ b

af (x)dx ≤

∫ b

af (x)dx ≤ γ + ε(b − a).

Desde que ε > 0 e arbitrario, concluimos que f e integravelem [a, b] e que

∫ b

af (x)dx = γ.

Exemplo 8.4 Seja f : [a, b]→ R dada por f (x) = x. Sabemosque f e integravel em [a, b] uma vez que e aı contınua. Vamos

204 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

usar o Teorema 8.1 para determinar o valor de∫ b

af (x)dx. Para

tanto consideremos uma particao qualquer P = {a = x0 < x1 <· · · < xn = b} do intervalo [a, b] e, para cada i = 1, 2, · · · nescolhamos ξi =

xi + xi−1

2. Temos que ξi ∈ [xi−1, xi] e

S ( f ; P; ξ) =n∑

i=1

f (ξi)(xi − xi−1) =n∑

i=1

12

(xi + xi−1)(xi − xi−1) =

12

n∑i=1

(x2i − x2

i−1) =12

(x2n − x2

0) =12

(b2 − a2).

Assim,∫ b

af (x)dx = lim

‖P‖→0S ( f ; P; ξ) =

12

(b2 − a2).

8.3.2 Propriedades da Integral de Riemann

Proposicao 8.9 Sejam f : [a, b] → R e g : [a, b] → R in-tegraveis e c ∈ R uma constante. Entao

i) f + g e integravel em [a, b] e∫ b

a( f (x) + g(x))dx =

∫ b

af (x)dx +

∫ b

ag(x)dx.

ii) c f e integravel em [a, b] e∫ b

a(c f )(x)dx = c

∫ b

af (x)dx.

Prova: Para provar i) seja ε > 0 dado. Sendo f e g integraveisem [a, b] existem numeros reais δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que∣∣∣∣∣∣S ( f ; P; ξ) −

∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ < ε

2, sempre que ‖P‖ < δ1

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 205

e ∣∣∣∣∣∣S (g; P; ξ) −∫ b

ag(x)dx

∣∣∣∣∣∣ < ε

2, sempre que ‖P‖ < δ2,

onde P e uma particao de [a, b]. Seja δ = min{δ1, δ2} etomemos uma particao P de [a, b] com ‖P‖ < δ. Temos, entao∣∣∣∣∣∣S ( f + g; P; ξ) −

(∫ b

af (x)dx +

∫ b

ag(x)dx

)∣∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣∣S ( f ; P; ξ) + S (g; P; ξ) −∫ b

af (x)dx −

∫ b

ag(x)dx

∣∣∣∣∣∣ ≤∣∣∣∣∣∣S ( f ; P; ξ) −∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ +∣∣∣∣∣∣S (g; P; ξ) −

∫ b

ag(x)

∣∣∣∣∣∣ < ε

2+ε

2= ε.

Isto e,

lim‖P‖→0

S ( f + g; P; ξ) =∫ b

af (x)dx +

∫ b

ag(x)dx =∫ b

a( f (x) + g(x))dx.

Para provar ii) observamos inicialmente que se c = 0 o resul-tado e imediato. Podemos, entao, supor que c , 0. Dado ε > 0,sendo f integravel em [a, b], existe δ > 0 tal que∣∣∣∣∣∣S ( f ; P; ξ) −

∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ < ε

|c|, sempre que ‖P‖ < δ.

Logo, se ‖P‖ < δ, temos∣∣∣∣∣∣S (c f ; P; ξ) − c∫ b

af (x)

∣∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣∣cS ( f ; P; ξ) − c

∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ =|c|

∣∣∣∣∣∣S ( f ; P; ξ) −∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ < |c| ε|c| = ε.

206 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Isto e

lim‖P‖→0

S (c f ; P; ξ) =∫ b

a(c f )(x)dx = c

∫ b

af (x)dx.

Proposicao 8.10 Se f : [a, b] → R e integravel e [c, d] ⊂[a, b] entao f e integravel em [c, d].

Prova: Dado ε > 0, sendo f integravel em [a, b], existe umaparticao P de [a, b] tal que S ( f ; P)−s( f ; P) < ε. ConsideremosP∗ = P ∪ {c, d}. Temos que P∗ e um refinamento de P. Logo

s( f ; P) ≤ s( f ; P∗) ≤ S ( f ; P∗) ≤ S ( f ; P),

o que acarreta

S ( f ; P∗) − s( f ; P∗) ≤ S ( f ; P) − s( f ; P) < ε.

Seja, agora, P = P∗ ∩ [c, d]. Entao

S dc ( f ; P) − sd

c( f ; P) ≤ S ( f ; P∗) − s( f : P∗) < ε

o que significa que f e integravel em [c, d].

Proposicao 8.11 Se f e integravel em [a, b] e c ∈ (a, b) entao∫ b

af (x)dx =

∫ c

af (x)dx +

∫ b

cf (x)dx.

Prova: Pela Proposicao 8.10 f e integravel em [a, c] e em[c, b]. O resultado segue da Proposicao 8.3.

Proposicao 8.12 Se f : [a, b] → R e integravel e f (x) ≥ 0para todo x ∈ [a, b] entao

∫ b

af (x)dx ≥ 0.

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 207

Prova: Para cada particao P de [a, b] temos que S ( f ; P; ξ) ≥0. Logo, ∫ b

af (x)dx = lim

‖P‖→0S ( f ; P; ξ) ≥ 0.

Corolario: Sejam f : [a, b] → R e g : [a, b] → R funcoesintegraveis tais que f (x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b]. Entao∫ b

af (x)dx ≤

∫ b

ag(x)dx.

Prova: Sendo f e g funcoes integraveis, segue da Proposicao 8.9,que g − f e integravel e∫ b

a(g(x) − f (x))dx =

∫ b

ag(x)dx −

∫ b

af (x)dx.

Por hipotese g(x) − f (x) ≥ 0, para todo x ∈ [a, b]. Logo, pela

Proposicao 8.12,∫ b

a(g(x) − f (x))dx ≥ 0. Combinando os re-

sultados fica demonstrado o Corolario.

Dada uma funcao real qualquer f : [a, b] → R vamosdefinir f + : [a, b]→ R e f − : [a, b]→ R respectivamente por

f +(x) ={

f (x), se f (x) ≥ 0,0, se f (x) < 0.

e

f −(x) ={− f (x), se f (x) ≤ 0,

0 se f (x) > 0.

Quando f : [a, b] → R e limitada, entao f + e f − saofuncoes4 limitadas nao negativas satisfazendo | f | = f + + f −

e f = f + − f − como se comprova facilmente.4As funcoes f + e f − sao chamadas de parte positiva e parte negativa, re-

spectivamente, de f .

208 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Se f : [a, b] → R e limitada e P e uma particao qualquerde [a, b], entao, para cada i = 1, 2, · · · , n denotamos por M+i em+i respectivamente o supremo e o ınfimo de f + em [xi−1, xi],ou seja

M+i = sup{ f +(x); x ∈ [xi−1, xi]}

em+i = inf{ f +(x); x ∈ [xi−1, xi]}.

Lema 8.4 Se f : [a, b]→ R e limitada entao Mi−mi ≥ M+i −m+ipara i = 1, 2, · · · , n.

Prova: Se tivermos mi ≥ 0 entao f (x) ≥ 0 em [xi−1, xi] e,neste caso, f +(x) = f (x) em [xi−1, xi], logo M+i = Mi e m+i =mi. Se for Mi ≤ 0 entao f (x) ≤ 0 em [xi−1, xi]. Neste casof +(x) = 0 em [xi−1, xi] e, portanto M+i = m+i = 0. Finalmentese for mi < 0 < Mi entao, como f +(x) ≥ 0, m+i ≥ 0 e, portanto,m+i > mi. Donde −mi > −m+i e como neste caso M+i = Mi

temos Mi − mi > M+i − m+i .

Proposicao 8.13 Se f : [a, b] → R e integravel, entao f + ef − tambem sao integraveis em [a, b].

Prova: Dado ε > 0 existe uma particao P = {a = x0 < x1 <· · · < xn = b} de [a, b] tal que S ( f ; P) − s( f ; P) < ε. Agora

S ( f +; P) − s( f +; P) =n∑

i=1

(M+i − m+i )(xi − xi−1 ≤

n∑i=1

(Mi − mi)(xi − xi−1) = S ( f ; P) − s( f ; P) < ε.

Portanto, f + e integravel em [a, b]. Por outro lado, da igual-dade f − = f + − f e da Proposicao 8.9 segue que f − e in-etgravel em [a, b].

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 209

Proposicao 8.14 Se f : [a, b] → R e integravel, entao | f | eintegravel em [a, b] e∣∣∣∣∣∣

∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a| f |(x)dx.

Prova: Da Proposicao 8.13 temos que f + e f − sao integraveisem [a, b]. Como | f | = f + + f − segue, da Proposicao 8.9, que| f | e integravel em [a, b]. Agora, usando a desigualdade

−| f (x)| ≤ f (x) ≤ | f (x)|,

valida para todo x ∈ [a, b], e o Corolario da Proposicao 8.12temos

∫ b

a| f (x)|dx ≤

∫ b

af (x)dx ≤

∫ b

a| f (x)|dx,

isto e ∣∣∣∣∣∣∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a| f |(x)dx.

Proposicao 8.15 Sejam f : [a, b] → R e g : [a, b] → Rfuncoes integraveis. Entao f g : [a, b]→ R dada por ( f g)(x) =f (x)g(x) e integravel.

Prova: Suponhamos inicialmente que ambas as funcoes saonao negativas em [a, b]. Seja P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}uma particao de [a, b]. Vamos escrever

M f g = sup{ f (x)g(x); x ∈ [xi−1, xi]},

m f g = inf{ f (x)g(x); x ∈ [xi−1, xi]},

M f = sup{ f (x); x ∈ [xi−1, xi]},

210 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

m f = inf{ f (x); x ∈ [xi−1, xi]},

Mg = sup{g(x); x ∈ [xi−1, xi]},

mg = inf{g(x); x ∈ [xi−1, xi]},

M1 = sup{ f (x); x ∈ [a, b]}

e

M2 = sup{g(x); x ∈ [a, b]}.

EntaoM f g ≤ M f Mg e m f g ≥ m f mg

em [xi−1, xi]. Assim

M f g − m f g ≤ M f Mg − m f mg =

M f Mg − M f mg + M f mg − m f mg =

M f [Mg − mg] + mg[M f − m f ] ≤ (8.7)M1[Mg − mg] + M2[M f − m f ].

Multiplicando (8.7) por xi−xi−1 e somando desde i = 1 ate i = nobtemos

S ( f g; P) − s( f g; P) ≤M1[S (g; P) − s(g; P)] + M2[S ( f ; P) − s( f ; P)]. (8.8)

Sabemos que para cada ε > 0 existe uma particao P de [a, b]tal que

S (g; P) − s(g; P) <ε

2(1 + M1)e

S ( f ; P) − s( f ; P) <ε

2(1 + M2). (8.9)

Substituindo (8.9) em (8.8) obtemos S ( f g; P) − s( f g; P) < ε, oque implica na integrabilidade de f g em [a, b]. Para tratar o

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 211

caso geral em que f e g nao sao necessariamente nao nega-tivas em [a, b] e suficiente escrever

f g = ( f + − f −)(g+ − g−) = f +g+ − f +g− − f −g+ + f −g−

e usar o que acabamos de demonstrar.

8.3.3 O Teorema Fundamental do Calculo

Historicamente o Calculo nasceu da necessidade que osmatematicos da antiguidade tiveram para resolver dois tiposde problemas: calcular areas de figuras planas (ou volumesde solidos) e tracar tangentes em pontos de uma dada curvado plano. O primeiro tipo de problema carrega o “germe” doCalculo Integral e o segundo o do Calculo Diferencial.

Na segunda metade do seculo XVII os trabalhos desen-volvidos pelos grandes matematicos Isaac Newton (1642-1727)e Gottfried Leibniz (1646-1716) foram fundamentais para asistematizacao e a unificacao das duas teorias matematicas,ao ponto de, na atualidade, se creditar a esses dois matematicosa invencao do Calculo Diferencial e Integral.

O nosso objetivo principal nesta secao e demonstrar o “OTeorema Fundamental do Calculo”, o qual se constitui no re-sultado que estabelece a conexao entre o Calculo Diferenciale o Calculo Integral.

Suponhamos que f : [a, b] → R e limitada. Segue-se daProposicao 8.4 que vale a formula

ddx

∫ x

af (t)dt = f (x) (8.10)

em cada ponto x ∈ [a, b] no qual f e contınua. Em particular,se f e contınua em [a, b], a equacao (8.10) e satisfeita paratodo x ∈ [a, b].

212 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Uma funcao G com a propriedade de que G′(x) = f (x) paratodo x ∈ [a, b] e chamada de primitiva, ou integral indefinida,de f . Assim, para as funcoes contınuas em [a, b], a equacao(8.10) informa que a funcao F : [a, b]→ R definida por

F(x) =∫ x

af (t)dt

e uma primitiva de f .Notemos que se c ∈ R e uma constante entao F + c e

tambem uma primitiva de f .Na verdade, como uma consequenciado Teorema do Valor Medio de Lagrange (Teorema 7.3), qual-quer primitiva de f e do tipo F+c para alguma constante c. Va-mos usar este resultado para estabelecer o teorema a seguir.

Teorema 8.2 Se f : [a, b]→ R e contınua e G e uma primitivade f , entao ∫ b

af (x)dx = G(b) −G(a). (8.11)

Prova: Seja F : [a, b]→ R dada por

F(x) =∫ x

af (t)dt.

Temos que F′(x) = G′(x), logo, G(x) = F(x) + c, para algumaconstante c. Como F(a) = 0 entao c = G(a). Isto e F(x) =G(x) −G(a). Em particular, F(b) = G(b) −G(a), ou seja∫ b

af (x)dx = G(b) −G(a).

E comum nos livros de Calculo usar-se a notacao

G(x)∣∣∣∣ba= G(b) −G(a).

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 213

Uma aplicacao importante do Teorema 8.2 consiste em:para calcularmos a integral de uma funcao contınua f em [a, b]tudo que precisamos e ter “em maos” uma primitiva qualquerG de f e teremos

∫ b

af (x)dx = G(b) −G(a). Assim, o problema

de calcular a integral de uma funcao contınua f em [a, b] setransfere para o problema, aparentemente mais simples, de sedeterminar uma primitiva de f . Daı a justificativa para o esforcoque e desenvolvido nos cursos introdutorios de Calculo Difer-encial e Integral, especialmente os mais dirigidos para aplicacoes,em se construir extensas tabelas de primitivas. Neste sentidoe importante o estabelecimento das chamadas “tecnicas deintegracao”. Nao e nosso objetivo tratar aqui desta questaocom profundidade e recomendamos ao leitor a referencia [1].

A equacao (8.10) sugere a indagacao de se toda derivadapode ser integrada para retornarmos a funcao original. A re-sposta para essa questao e negativa, conforme vemos no ex-emplo a seguir.

Exemplo 8.5 Considere a funcao f : R→ R definida por

f (x) ={

x2sen(

1x2

), se x , 0,

0 se x = 0.

Como se comprova facilmente temos

f ′(x) ={

2xsen(

1x2

)− 2

x cos(

1x2

), se x , 0,

0 se x = 0.

Observamos que f ′ nao e limitada em nenhuma vizinhancada orıgem e, portanto, nao e integravel em qualquer intervalocontendo a orıgem.

A resposta a questao acima levantada e positiva se a derivadafor limitada e integravel, como mostra a proposicao a seguir.

214 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Proposicao 8.16 Seja f : [a, b] → R uma funcao derivaveltal que f ′ e limitada e integravel em [a, b]. Entao∫ b

af ′(x)dx = f (b) − f (a).

Prova: Dada uma particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}qualquer de [a, b] temos

f (b) − f (a) =n∑

i=1

[ f (xi) − f (xi−1)]. (8.12)

O Teorema do Valor Medio de Lagrange aplicado em cadasubintervalo [xi−1, xi] garante que que existe ξi ∈ (xi−1, xi) talque f (xi) − f (xi−1) = f ′(ξi)(xi − xi−1). Assim, (8.12) se escrevecomo

f (b) − f (a) =n∑

i=1

f ′(ξi)(xi − xi−1). (8.13)

Sendo f ′ limitada, consideremos, para cada i = 1, 2, · · · , n

M′i = sup{ f ′(x); x ∈ [xi−1, xi]}

em′i = inf{ f ′(x); x ∈ [xi−1, xi]}.

Portanto, para cada i = 1, 2, · · · , n

m′i(xi − xi−1) ≤ f ′(ξi)(xi − xi−1) ≤ M′i (xi − xi−1). (8.14)

Adicionando desde i = 1 ate i = n e usando (8.13) obtemosn∑

i=1

m′i(xi − xi−1) ≤ f (b) − f (a) ≤n∑

i=1

M′i (xi − xi−1). (8.15)

Isto significa que, qualquer que seja a particao P de [a, b],temos

s( f ′; P) ≤ f (b) − f (a) ≤ S ( f ′ : P).

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 215

Assim,∫ b

af ′(x)dx ≤ f (b) − f (a) ≤

∫ b

af ′(x)dx. Como f ′ e in-

tegravel em [a, b], segue que∫ b

af ′(x)dx = f (b) − f (a).

Proposicao 8.17 (Integracao por Substituicao) Sejamf : [a, b] → R contınua e v : [c, d] → [a, b] com derivadacontınua. Suponhamos que v(c) = a e v(d) = b. Entao∫ b

af (y)dy =

∫ d

cf (v(x))v′(x)dx.

Prova: Seja F : [a, b] → R definida por F(y) =∫ y

af (t)dt.

Temos que F′(y) = f (y), F(a) = 0 e F(b) =∫ b

af (y)dy. Mas,

pela Regra da Cadeia, obtemos

[F(v(x))]′ = F′(v(x))v′(x) = f (v(x))v′(x).

Agora, pelo Teorema Fundamental do Calculo, temos∫ d

cf (v(x))v′(x)dx = F(v(x))

∣∣∣∣dc= F(v(d)) − F(v(c)) =

F(b) − F(a) =∫ b

af (y)dy.

Proposicao 8.18 (Integracao por Partes) Consideremos u :[a, b] → R e v : [a, b] → R funcoes derivaveis com derivadasu′ e v′ integraveis em [a, b]. Entao∫ b

au(x)v′(x)dx = u(x)v(x)

∣∣∣∣ba−

∫ b

av(x)u′(x)dx.

216 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Prova: Sabemos, da regra de derivacao de um produto, que(uv)′ = uv′ + u′v. Portanto (uv)′ e integravel em [a, b]. PelaProposicao 8.16 temos∫ b

a[u(x)v(x)]′dx = u(x)v(x)

∣∣∣∣ba,

donde segue o resultado.

Dada f : [a, b]→ R limitada e integravel, sejam

m = inf{ f (x); x ∈ [a, b]} e M = sup{ f (x); x ∈ [a, b]}.

Sabemos, da Proposicao 8.1, que

m ≤1

b − a

∫ b

af (x)dx ≤ M.

A quantidade1

b − a

∫ b

af (x)dx pode ser interpretada como a

media de f em [a, b].

Teorema 8.3 (Primeiro Teorema da Media) Consideremos f :[a, b]→ R contınua. Entao existe c ∈ (a, b) tal que∫ b

af (x)dx = f (c)(b − a).

Prova: Seja F(x) =∫ x

af (t)dt. Sabemos que F e contınua em

[a, b] e diferenciavel em (a, b). Pelo Teorema do Valor Mediode Lagrange (Teorema 7.3) temos que existe c ∈ (a, b) tal queF(b) − F(a) = F′(c)(b − a). Ou seja,∫ b

af (x)dx = F′(c)(b − a) = f (c)(b − a),

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 217

como querıamos.

Quando f e uma funcao nao negativa, o Primeiro Teoremada Media admite uma interpretacao geometrica simples. Comefeito, desde que a integral de f corresponde a area da regiaodo plano compreendida entre o eixo das abcissas, as retasx = a e x = b e o grafico de f , o resultado afirma, em primeirolugar, que esta area e um numero compreendido entre a areado retangulo de base b − a e altura m e a do retangulo demesma base e altura M, e, em segundo lugar, que quando fe contınua esta area e igual a area de um retangulo de baseb − a e altura f (c), para algum c ∈ [a, b].

Quando f e g sao funcoes integraveis em [a, b] com fcontınua, g ≥ 0 e

∫ b

ag(x)dx > 0, o numero real

µ =

∫ b

af (x)g(x)dx∫ b

ag(x)dx

(8.16)

e chamado de media ponderada de f em [a, b] com respeito afuncao peso g. Podemos agora generelizar o Teorema 8.3 doseguinte modo:

Teorema 8.4 Sejam f e g sao funcoes integraveis em [a, b].Suponhamos f contınua, g nao negativa e

∫ b

ag(x)dx > 0. Entao

existe ξ ∈ [a, b] tal que µ = f (ξ), onde µ e o numero realdefinido por (8.16).

Prova: Sendo f e g integraveis em [a, b] entao f g tambem eintegravel em [a, b]. Sendo f contınua no intervalo fechado elimitado [a, b], existem m e M tais que

m ≤ f (x) ≤ M

para todo x ∈ [a, b]. Como g(x) ≥ 0 em [a, b] entao

mg(x) ≤ f (x)g(x) ≤ Mg(x),

218 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

para todo x ∈ [a, b]. Logo

m∫ b

ag(x)dx ≤

∫ b

af (x)g(x)dx ≤ M

∫ b

ag(x)dx,

donde, dividindo-se por∫ b

ag(x)dx > 0, obtemos

m ≤ µ ≤ M.

Pelo Teorema do Valor Intermediario (Teorema 6.3) temos queexiste ξ ∈ [a, b] tal que µ = f (ξ).

O resultado obtido no Teorema 8.4 informa que existe ξ em[a, b] tal que ∫ b

af (x)g(x)dx = f (ξ)

∫ b

ag(x)dx,

o que generaliza o Teorema 8.3 tomando-se g(x) = 1 em [a, b].

Teorema 8.5 (Segundo Teorema da Media) Suponhamos quef e monotona, f ′ e integravel e g e contınua em [a, b]. Entaoexiste ξ ∈ [a, b] tal que∫ b

af (x)g(x)dx = f (a)

∫ ξ

ag(x)dx + f (b)

∫ b

ξ

g(x)dx.

Prova: Seja G(x) =∫ x

ag(t)dt. Sabemos que G′(x) = g(x) e,

portanto, ∫ b

af (x)g(x)dx =

∫ b

af (x)G′(x)dx. (8.17)

Usando integracao por partes na ultima integral em (8.17) obte-mos ∫ b

af (x)g(x)dx = f (x)G(x)

∣∣∣∣ba−

∫ b

aG(x) f ′(x)dx. (8.18)

8.3. A INTEGRAL DE RIEMANN 219

Podemos agora usar o Teorema 8.4 e garantir a existencia deξ ∈ [a, b] tal que∫ b

aG(x) f ′(x)dx = G(ξ)

∫ b

af ′(x)dx

e do Teorema Fundamental da Calculo segue que∫ b

aG(x) f ′(x)dx = G(ξ)( f (b) − f (a)). (8.19)

Substituindo (8.19) em (8.18) temos∫ b

af (x)g(x)dx = f (a)G(ξ) + f (b)(G(b) −G(ξ))

isto e ∫ b

af (x)g(x)dx = f (a)

∫ ξ

ag(x)dx + f (b)

∫ b

ξ

g(x)dx,

como querıamos.

220 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

8.4 Exercıcios do Capıtulo 8

8.1- Prove que

12 + 22 + 32 + · · · + n2 =16

n(n + 1)(2n + 1), ∀n ∈ N.

Use agora a particao

P = {0 <1n<

2n< · · · <

n − 1n

< 1}

do intervalo [0, 1] para mostrar que f (x) = x2 e in-tegravel em [0, 1] e ∫ 1

0x2dx =

13.

8.2- Prove que

13 + 23 + 33 + · · · + n3 =

[12

n(n + 1)]3

, ∀n ∈ N.

Usando a particao do exercıcio anterior prove que f (x) =x3 e integravel em [0, 1] e∫ 1

0x3dx =

14.

8.3- Seja f : [0, 1] −→ R tal que

f (x) ={

0, se x ∈ R − Qx, se x ∈ Q

Mostre que f nao e integravel em [0, 1].

8.4. EXERCICIOS DO CAPITULO 8 221

8.4- Seja f : [a, b] −→ R contınua e tal que f (x) ≥ 0 paratodo x ∈ [a, b]. Prove que se∫ b

af (x)dx = 0

entao f (x) = 0 ∀x ∈ [a, b].

8.5- De um exemplo de uma funcao f : [0, 1] −→ R limitadaque nao e integravel em [0, 1], mas | f | e aı integravel.

8.6- Seja f integravel em [a, b] e tal que 0 ≤ m ≤ f (x) ≤ M,para todo x ∈ [a, b]. Mostre que

m ≤[

1b − a

∫ b

af 2(x)dx

] 12

≤ M

8.7- Seja f : [a, b] −→ R contınua e suponha que f (x) ≥ 0para todo x ∈ [a, b]. Mostre que existe c ∈ [a, b] tal que

f (c) =[

1b − a

∫ b

af 2(x)dx

] 12

8.8- Sejam f , g : [a, b] −→ R funcoes integraveis. Mostre queas funcoes ϕ(x) = max

[f (x), g(x)

]e ψ(x) = min

[f (x), g(x)

]sao tambem integraveis em [a, b].

8.9- Seja f : [a, b] −→ R uma funcao contınua e defina:

ϕ(x) =∫ b

xf (t)dt

Calcule ϕ′(x).

222 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

8.10- Sejam I = [a, b], J = [c, d], e f : I −→ R umafuncao contınua, e v : J −→ R uma funcao diferenciavel.Suponha que v(J) ⊂ I e mostre que a funcao G : J −→ Rdefinida por

G(x) =∫ v(x)

af (t)dt

e diferenciavel com G′(x) = f (v(x)v′(x).

8.11- Calcule F′(x), sendo:

a) F(x) =∫ x2

0sen(t2)dt,

b) F(x) =∫ senx

0cos(t)dt.

8.12- Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao contınua e I um inter-valo de R. Se α, β : I −→ [a, b] sao funcoes derivaveis,defina ϕ : I −→ R pondo

ϕ(x) =∫ β(x)

α(x)f (t)dt, ∀ x ∈ I.

Prove que ϕ e derivavel em I e

ϕ′(x) = f (β(x))β′(x) − f (α(x))α′(x), ∀ x ∈ I

8.13- Use o exercıcio anterior para calcular F′(x) se F e dadapor

F(x) =∫ 2x

x2

√1 + t2dt.

8.14- Uma funcao f : R −→ R e dita periodica de perıodoT > 0 se f (x + T ) = f (x), para todo x ∈ R. Mostre quese f e integravel e periodica de perıodo T entao:∫ b+T

a+Tf (t)dt =

∫ b

af (t)dt, ∀ a, b ∈ R.

8.4. EXERCICIOS DO CAPITULO 8 223

8.15- Mostre que, se f e limitada em [a, b] e∫ b

a+εf (x)dx existe

para todo 0 < ε < b − a entao:∫ b

af (x)dx existe.

8.16- Mostre que se f : [a, b] −→ R e limitada com umnumero finito de descontinuidades, entao f e integravelem [a, b].

8.17- Seja f : [a, b] −→ R limitada tal que f (x) = 0, excetonos pontos c1, c2, · · · , cn de [a, b]. Mostre que∫ b

af (x)dx = 0.

8.18- Prove que se f : [a, b] −→ R e contınua e∫ b

af (x)g(x)dx =

0 para toda funcao contınua g : [a, b] −→ R entaof (x) = 0 ,∀ x ∈ [a, b].

8.19- Prove que se f , g : [a, b] −→ R sao contınuas entao:[∫ b

af (x)g(x)dx

]2

∫ b

af (x)2dx

∫ b

ag(x)2dx

8.20- Seja f : [a, b] −→ R contınua e nao negativa. Mostreque, se M = max

[a, b]f (x), entao

limn→∞

(∫ b

af n(x)dx

) 1n

= M.

8.21- Considere o polinomio P(x) = a0 + a1x + a2x2 · · · + anxn

cujos coeficientes satisfazem a relacaon∑

i=1

a2i = 1

224 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Prove que: ∫ 1

0|P(x)|dx ≤

π

2.

8.22- Um conjunto E ⊂ R tem conteudo nulo se dado ε > 0existe uma colecao finita de intervalos abertos (an, bn)tais que

E ⊂k⋃

n=1

(an, bn) ek∑

n=1

(bn − an) < ε.

Mostre que todo conjunto finito tem conteudo nulo.

8.23- Mostre que todo conjunto infinito limitado com um numerofinito de pontos de acumulacao tem conteudo nulo.

8.24- Um conjunto E ⊂ R tem medida nula se dado ε > 0 ex-iste uma colecao enumeravel de intervalos abertos (an, bn)tais que

E ⊂∞⋃

n=1

(an, bn) e∞∑

n=1

(bn − an) < ε.

Mostre que todo conjunto que tem conteudo nulo temmedida nula. A recıproca e verdadeira? Justifique.

8.25- Mostre que todo conjunto enumeravel tem medida nula.

8.26- Mostre que se f e limitada em [a, b] e o conjunto Edos pontos de descontinuidade de f tem conteudo nuloentao f e integravel em [a, b].

8.27- Seja f : [a, b] → R limitada e seja E o conjunto dospontos de descontinuidade de f . Mostre que se E temmedida nula entao f e integravel em [a, b].

8.4. EXERCICIOS DO CAPITULO 8 225

8.28- Seja f : [a, b]→ R definida por f (x) = 0 se x e irracional

e f (x) =1q

se x =pq, onde p e q sao inteiros primos entre

si e q > 0. Defina f (0) = 1 se 0 ∈ [a, b]. Prove que f e

integravel em [a, b] e∫ b

af (x)dx = 0.

8.29- Mostre que se K e compacto e tem medida nula entaoK tem conteudo nulo.

8.30- Suponha que f e g satisfazeem as seguintes condicoes:

i) g′ existe e e integravel em [a, b]

ii) f e contınua em [c, d],

onde c e d sao respectivamente o ınfimo e o supremo deg em [a, b]. Mostre que se g(a) = α e g(b) = β entao∫ β

α

f (y)dy =∫ b

af (g(x))g′(x)dx.

8.31- Sejam f , g : [a, +∞)→ R tais que

i)∫ x

af (z)dz existe e e limitada para todo x ≥ a,

ii) g e monotona em [a, +∞) e limx→∞

g(x) = 0.

Prove que∫ +∞

af (x)g(x)dx existe.

8.32- Sejam f , g : [a, +∞) → R tais que f e monotona e

limitada em [a, +∞) e∫ +∞

ag(x)dx existe. Prove que

∫ +∞

af (x)g(x)dx existe.

226 CAPITULO 8. FUNCOES INTEGRAVEIS

Capıtulo 9

Sequencias e Series deFuncoes

9.1 Introducao

Tratamos neste capıtulo de sequencias ( fn) cujos termossao funcoes reais definidas em um mesmo subconjunto S ⊂ R.Para cada x ∈ S podemos considerar a sequencia numerica( fn(x)), a qual podem ser aplicados os conceitos de limitacao,monotonicidade, convergencia, etc, conforme estudados noCapıtulo 2. Nesse Capıtulo avaliaremos ate que ponto taispropriedades se estendem para sequencias de funcoes e es-tudaremos outras propriedades mais especıficas.

Dentre as varias justificativas para a importancia de se es-tudar sequencias e series de funcoes destacamos a seguinte:no tratamento de determinados problemas de equacoes fun-cionais, isto e, equacoes onde a incognita e uma funcao, umatecnica utilizada consiste em pesquisar solucoes aproximadasdo problema original sob condicoes mais regulares e, por pas-sagem ao limite da sequencia de funcoes resultante do processode aproximacao, determinar a solucao exata do problema.

227

228 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Para sequencias de funcoes, diferentemente das sequenciasnumericas estudadas no Capıtulo 2, ha diversos conceitos delimite. Estudaremos aqui os dois principais deles, o limite pon-tual e o limite uniforme, e dirigiremos nosso interesse em re-sponder a seguinte questao: se cada uma das funcoes dasequencia ( fn) possui uma propriedade comum a todas elas,tal como continuidade, diferenciabilidade ou integrabilidade,sob que condicoes essa propriedade continua valida para afuncao limite da sequencia?

9.2 Sequencias de Funcoes

Seja S um subconjunto de R. Uma sequencia de funcoes euma funcao que a cada n ∈ N associa uma funcao fn definidaem S e tomando valores em R.Usamos a notacao( fn(x))n∈N, x ∈S , ou simplesmente ( fn), quando esta suficientemente es-clarecido no contexto qual seja o domınio S , para denotar umasequencia de funcoes.

Exemplo 9.1 Alguns exemplos de sequencias de funcoes sao:

1.(

1nx

)n∈N

, x ∈ (0,+∞).

2.( xn

)n∈N

, x ∈ R.

3. (xn)n∈N , x ∈ [0, 1].

4.(sen(nx)√

x

)n∈N

, x ∈ (0,+∞).

9.3. A CONVERGENCIA PONTUAL 229

9.3 A Convergencia Pontual

Definicao 9.1 Dizemos que uma sequencia de funcoes ( fn)n∈N,fn : S → R, converge pontualmente (ou converge simples-mente) para uma funcao f de S em R quando, para cada x ∈ S ,a sequencia numerica ( fn(x))n∈N e convergente para f (x), istoe, dado ε > 0, existe N(ε, x) ∈ N tal que

n > N(ε, x)⇒ | fn(x) − f (x)| < ε.

Na Definicao 9.1 escrevemos N(ε, x) para enfatizar que onumero natural N pode depender tanto do ε > dado como dox ∈ S em questao. No entanto, na pratica, na maioria dassituacoes escreveremos apenas N para nao sobrecarregar anotacao.

Exemplo 9.2 A sequencia ( fn) dada por fn(x) =1nx, x em

(0,+∞), e pontualmente convergente para f : (0,+∞) → Rtal que f (x) = 0 para todo x ∈ (0,+∞). De fato, dado ε > 0, se

x > 0 e fixado, consideremos N(ε, x) =1εx

e teremos que para

n > N(ε, x), isto e nx > 1ε,∣∣∣∣∣ 1

nx− 0

∣∣∣∣∣ = 1nx

< ε.

Exemplo 9.3 A sequencia ( fn) dada por fn(x) =xn, x ∈ R, e

pontualmente convergente para a funcao f : R → R tal quef (x) = 0 para todo x ∈ R. De fato, dado ε > 0, se x ∈ R e

fixado, tomemos N(ε, x) =|x|ε

e teremos que para n > N(ε, x),

isto e n >|x|ε, ∣∣∣∣∣ xn − 0

∣∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∣ xn∣∣∣∣∣ = |x|n < ε.

230 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Passaremos agora, nos proximos exemplos, a analizar quetipo de resposta a convergencia pontual fornece para a questaolevantada na introducao deste capıtulo.

Exemplo 9.4 Consideremos a sequencia ( fn) onde fn(x) = xn,x ∈ [0, 1]. Observemos que todas as funcoes sao contınuasem [0, 1]. Observemos ainda que, se 0 ≤ x < 1 entao asequencia numerica (xn) e tal que lim

n→∞xn = 0 e se x = 1

a sequencia numerica (xn) e tal que limn→∞

xn = limn→∞

1n = 1.De maneira que a sequencia ( fn) e pontualmente convergentepara a funcao descontınua f : [0, 1]→ R dada por

f (x) ={

0, se 0 ≤ x < 1,1, se x = 1.

Exemplo 9.5 Seja a sequencia ( fn) onde fn(x) =sen(nx)√

n, x ∈

R. Temos que

∣∣∣∣∣∣sen(nx)√

n

∣∣∣∣∣∣ ≤ 1√

n, para todo x ∈ R. Portanto

limn→∞

fn(x) = 0 para cada x ∈ R. Isto e, ( fn) e pontualmente

convergente para a funcao identicamente nula em R. Temosainda que todas as fn sao derivaveis em R e a derivada de

cada uma delas e dada por f ′n(x) =(sen(nx)√

n

)′=√

n cos(nx),

formando uma sequencia que nao tem limite em ponto algumde R.

Exemplo 9.6 Consideremos a sequencia de funcoes ( fn), to-das definidas em [0, 1] da seguinte forma

fn(x) ={

(n + 1)xn, se 0 ≤ x < 1,0, se x = 1.

9.3. A CONVERGENCIA PONTUAL 231

Aplicando o teste da razao a serie∞∑

n=1

(n+1)xn concluimos pela

convergencia da mesma para todo 0 ≤ x < 1, portanto, o seutermo geral (n + 1)xn tem limite zero. Assim a sequencia ( fn)converge pontualmente para a funcao f identicamente nulaem [0, 1]. Observe agora que todas as funcoes fn sao in-tegraveis em [0, 1] e

∫ 1

0fn(x)dx = 1. No entanto

∫ 1

0f (x)dx =∫ 1

00dx = 0.

A analise que fazemos dos ultimos tres exemplos e a seguinte.No Exemplo 9.4 temos uma sequencia de funcoes contınuasque converge pontualmente para uma funcao descontınua, istoe, a convergencia pontual nao e suficientemente forte para“transferir” para a funcao limite f a propriedade de continuidadegozada por todas as fn. No Exemplo 9.5 temos uma sequenciade funcoes derivaveis ( fn) que converge pontualmente parauma funcao f (que inclusive e derivavel em toda a reta) e,no entanto, a sequencia ( f ′n) formada pelas derivadas de fn

diverge em todos os pontos de R, ou seja, a sequencia dasderivadas de fn nao converge para a derivada de f uma vezque nem sequer converge. Finalmente, no Exemplo 9.6 temosuma sequencia de funcoes ( fn), todas integraveis, que con-verge pontualmente para uma funcao f que tambem e integravel,mas as integrais das fn formam uma sequencia numerica queconverge para um valor diferente da integral do limite.

Voltando a analizar o Exemplo 9.4 podemos observar queo que ocorreu foi o seguinte: Cada funcao fn e contınua a es-querda no ponto x0 = 1 e, portanto, lim

x→1−fn(x) = fn(1). Alem

disso, como ( fn) converge pontualmente em x0 = 1 entaolimn→∞

fn(1) = f (1) = 1. Ocorre que f nao e contınua a es-

querda em x0 = 1 pois limx→1−

f (x) = 0 e f (1) = 1. Mas ( fn(x))converge para f (x) em todos os pontos de [0, 1], ou seja,

232 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

limn→∞

fn(x) = f (x). Assim, temos, por um lado, que

limx→1−

( limn→∞

fn(x)) = 0

e, por outro lado,limn→∞

( limx→1−

fn(x)) = 1.

Em outras palavras, a convergencia pontual nao foi suficiente-mente forte para permitir, neste caso, a intercambialidade doslimites.

Nos Exemplos 9.5 e 9.6, uma vez que tanto a operacaode derivacao como a de integracao sao definidas atraves delimites, procedendo-se como acima, fazendo-se as devidasadptacoes, obeserva-se que tambem nao e valida a intercam-bialidade dos limites. Esse e, digamos, o principal “defeito” dolimite pontual. Na proxima secao apresentaremos um outroconceito de limite de sequencia de funcoes que e bem mais“comportado” com relacao as propriedades de continuidade,diferenciabilidade e integrabilidade dos termos da sequencia ede seu limite.

9.4 A Convergencia Uniforme

Na Definicao 9.1 de convergencia pontual o numero nat-ural N, inerente a definicao, pode depender do ε > 0 dado edo particular ponto x considerado. Quando ocorre de o N de-pender somente do ε e for independente do particular pontox, diremos qua a convergencia e uniforme. Mais precisamentetemos a seguinte definicao:

Definicao 9.2 Diz-se que uma sequencia de funcoes ( fn)n∈N,fn : S → R converge uniformemente para f : S → R quandopara cada ε > 0 existe N(ε) ∈ N tal que

n > N(ε)⇒ | fn(x) − f (x)| < ε, ∀ x ∈ S .

9.4. A CONVERGENCIA UNIFORME 233

Observemos, da definicao acima, que

supx∈S| fn(x) − f (x)| ≤ ε se n > N(ε),

portanto

supx∈S| fn(x) − f (x)| −→ 0 quando n −→ ∞.

E evidente que se ( fn) converge uniformente para f entaotambem converge pontualmente, ou seja, a convergencia uni-forme implica na convergencia pontual. A recıproca, no en-tanto, nao vale, conforme comprovamos com os exemplos aseguir.

Exemplo 9.7 Nos Exemplos 9.2 e 9.3 obtivemos, respectiva-

mente, N(ε, x) =1εx

e N(ε, x) =|x|ε, os quais dependem

explicitamente do particular ponto x. Vemos, assim, que emcada daqueles casos a convergencia nao e uniforme.

Exemplo 9.8 A sequencia do Exemplo 9.4 converge pontual-mente, no intervalo [0, 1), para a funcao identicamente nula,mas a convergencia nao e uniforme (veja Exercıcio 9.5). En-tretanto se 0 < α < 1 entao a convergencia e uniformeme emS = [0, α] pois

supx∈S|xn − 0| = αn −→ 0 quando n −→ ∞.

Um criterio importante para a convergencia uniforme e ocriterio de Cauchy estabelecido no Teorema 9.1 a seguir. Porem,antes de demonstrar o teorema necessitamos da seguinte definicao.

Definicao 9.3 Dizemos que uma sequencia ( fn) de funcoesde S e uma sequencia de Cauchy quando, para cada ε > 0existe N ∈ N tal que

m, n > N ⇒ | fn(x) − fm(x)| < ε, ∀x ∈ S .

234 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Proposicao 9.1 Uma sequencia ( fn) de funcoes de S con-verge uniformemente se, e somente se, e uma sequencia deCauchy.

Prova: Suponhamos que ( fn) converge uniformemente paraf : S → R. Entao, dado ε > 0 existe N ∈ N tal que

n > N ⇒ | fn(x) − f (x)| <ε

2, ∀x ∈ S .

Logo, se m, n > N temos

| fm(x) − fn(x)| ≤ | fm(x) − f (x)| + | fn(x) − f (x)| <ε

2+ε

2= ε,

para todo x ∈ S . Ou seja ( fn) e uma sequencia de Cauchy.Reciprocamente, suponhamos que ( fn) e uma sequencia deCauchy. Entao, para cada x ∈ S , a sequencia numerica ( fn(x))e uma sequencia de Cauchy e, sendo R completo, tal sequenciaconverge para um numero real lim

n→∞fn(x) (univocamente deter-

minado, tendo em vista a unicidade do limite em R). Fica,assim, bem definida uma funcao f : S → R tal que f (x) =limn→∞

fn(x). Seja agora ε > 0 dado e tomemos ε′ > 0 com ε′ < ε.

Temos que existe N ∈ N tal que, para todo x ∈ S ,

n > N ⇒ | fn(x) − fn+m(x)| < ε′, ∀ m ∈ N.

Logo, fixando n > N, temos que

limm→∞| fn(x) − fn+m(x)| = | fn(x) − f (x)| ≤ ε′ < ε.

Ou seja, se n > N, entao | fn(x) − f (x)| < ε para todo x ∈ S , oque demonstra a convergencia uniforme de ( fn) para a funcaof .

9.4. A CONVERGENCIA UNIFORME 235

9.4.1 Propriedades da Convergencia Uniforme

Veremos nessa secao como a convergencia uniforme “secomporta” relativamente as propriedades de continuidade, difer-enciabilidade e integrabilidade dos termos da sequencia.

Teorema 9.1 Seja ( fn) uma sequencia de funcoes de S em Rque converge uniformemente para uma funcao f : S → R esuponhamos que todas as funcoes fn sao contınuas em umponto x0 ∈ S . Entao f e contınua em x0.

Prova: Temos que dado ε > 0 existe N ∈ N tal que

n > N ⇒ | fn(x) − f (x)| <ε

3, ∀ x ∈ S .

Fixemos um natural n0 > N. Como fn0 e contınua em x0, existeδ > 0 tal que

x ∈ S e |x − x0| < δ ⇒ | fn0(x) − fn0(x0)| <ε

3.

Logo,

| f (x) − f (x0)| = | f (x) − fn0(x)| + | fn0(x) − fn0(x0)| +

| fn0(x0) − f (x0)| < 3ε

3= ε,

se |x − x0| < δ, o que demonstra a continuidade de f em x0.

Teorema 9.2 Seja ( fn) uma sequencia de funcoes de [a, b]em R que converge uniformemente para uma funcao f : [a, b]→R e suponhamos que todas as funcoes fn sao integraveis.Entao

i) f e integravel em [a, b] e

236 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

ii) limn→∞

∫ b

af (x)dx = lim

n→∞fn(x)dx.

Prova: Para a prova de i) consideremos ε > 0 e seja N ∈ N talque

n ≥ N ⇒ | fn(x) − f (x)| < ε, ∀ x ∈ [a, b]. (9.1)

Seja agora P uma particao de [a, b]. De (9.1) temos, para todox ∈ [a, b],

fN(x) − ε < f (x) < fN(x) + ε,

entao

s( fN , P) − ε(b − a) ≤ s( f , P) ≤ S ( f , P) ≤ S ( fN , P) + ε(b − a).

Logo

S ( f , P) − s( f , P) ≤ S ( fN , P) − s( fN , P) + 2ε(b − a).

Mas, desde que fN e integravel em [a, b], existe uma particaoP0 de [a, b], tal que

S ( fN , P0) − s( fN , P0) < ε.

Para a particao P0 temos

S ( f , P0) − s( f , P0) < ε[1 + 2(b − a)].

Donde segue que f e integravel em [a, b]. Para a prova de ii)observemos que, para todo n ≥ N∣∣∣∣∣∣

∫ b

afn(x)dx −

∫ b

af (x)dx

∣∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a| fn(x) − f (x)| dx < ε(b − a).

Portanto,

limn→∞

∫ b

afn(x)dx =

∫ b

af (x)dx.

No teorema anterior se cada fn for contınua em [a, b] entao,pelo Teorema 9.1, f e contınua e, portanto, integravel em [a, b].

9.4. A CONVERGENCIA UNIFORME 237

Teorema 9.3 Seja ( fn) uma sequencia de funcoes de classeC1 em [a, b]. Se para algum c ∈ [a, b] a sequencia numericafn(c) converge e, alem disso, a sequencia das derivadas ( f ′n)converge uniformemente em [a, b] para uma funcao g, entao( fn) converge uniformemente para uma funcao de classe C1 ftal que f ′ = g.

Prova: Pelo Teorema Fundamental do Calculo, para cada n ∈N e para cada x ∈ [a, b], temos

fn(x) = fn(c) +∫ x

cf ′n(t)dt. (9.2)

Passando ao limite, quando n → ∞, em (9.2) e usando o Teo-rema 9.2, segue que existe f (x) = lim

n→∞fn(x) e vale a igualdade

f (x) = f (c) +∫ x

cg(t)dt. (9.3)

Alem disso, pelo Teorema 9.1, g e contınua em [a, b], logo, no-vamente pelo Teorema Fundamental do Calculo, f e derivavele f ′(x) = g(x). Segue que f e de classe C1. Agora, de (9.2) e(9.3), temos

| fn(x) − f (x)| ≤ | fn(c) − f (c)| +∫ x

c| f ′n(t) − g(t)|dt. (9.4)

Por outro lado, sabemos que para todo ε > 0 existe N ∈ N talque, para n > N

| fn(c) − f (c)| < ε e | f ′n(t) − g(t)| < ε ∀ t ∈ [a, b]. (9.5)

Usando (9.5) em (9.4) resulta que

n > N ⇒ | fn(x) − f (x)| < ε[1 + (b − a)], ∀ x ∈ [a, b].

Ou seja, ( fn) converge para f uniformemente em [a, b].

238 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

9.5 Series de Funcoes

Dada uma sequencia de funcoes ( fn), fn : S → R, podemosconsiderar formalmente a serie

∞∑n=1

fn = f1 + f2 + · · · + fn + · · · (9.6)

O subconjunto dos pontos x de S tais que a serie∞∑

n=1

fn(x)

converge e chamado de domınio de convergencia de (9.6).

Exemplo 9.9 A serie∞∑

n=1

xn tem como domınio de convergencia

o conjunto S = {x ∈ R; |x| < 1}.

Exemplo 9.10 A serie∞∑

n=1

1nx possui como domınio de con-

vergencia o conjunto S = (1,+∞).

Exemplo 9.11 A serie∞∑

n=1

(x − 1)n

n2n converge pontualmente no

intervalo −1 ≤ x < 3.De fato, usando o teste da razao podemoscomprovar que a dada serie converge absolutamente no in-tervalo −1 < x < 3 e diverge se x < −1 ou x > 3. Para

x = −1 obtemos a serie∞∑

n=1

(−2)n

n2n =

∞∑n=1

(−1)n

n, a qual con-

verge, pelo criterio de Leibniz, e para x = 3 obtemos a serie∞∑

n=1

2n

n2n =

∞∑n=1

1n, a serie harmonica, a qual e divergente. As-

sim, a serie de funcoes dada converge pontualmente no inter-valo −1 ≤ x < 3.

9.5. SERIES DE FUNCOES 239

Dada uma serie de funcoes com domınio de convergencia

S , podemos definir a funcao φ : S → R por φ(x) =∞∑

n=1

fn(x).

A serie∞∑

n=1

fn(x) converge pontualmente (ou uniformemente)

conforme a sequencia das somas parciais (Φn) dadas por

Φn(x) = f1(x) + f2(x) + · · · + fn(x)

seja convergente pontualmente (ou uniformente) em S .Como consequencias dos Teoremas 9.1, 9.2 e 9.3 temos

as seguintes propriedades para series de funcoes:

• Se a serie∞∑

n=1

fn(x) converge uniformemente para f em

S e cada fn e contınua em c ∈ S segue do Teorema 9.1que f e contınua em c.

• Se a serie∞∑

n=1

fn(x) converge uniformemente para f em

[a, b] e cada fn e integravel em [a, b] segue do Teo-rema 9.2 que f e integravel em [a, b] e vale a igualdade∫ b

a

∞∑n=1

fn(x)dx =∞∑

n=1

∫ b

afn(x)dx.

• Se a serie∞∑

n=1

fn(x) convergente em um ponto c ∈ S ,

cada f ′n e contınua em S e∞∑

n=1

f ′n(x) converge uniforme-

mente em S entao, pelo Teorema 9.3,∞∑

n=1

fn(x) converge

240 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

uniformemente em S e vale a igualdade ∞∑n=1

fn(x)

′ = ∞∑n=1

f ′n(x), ∀ x ∈ S .

9.5.1 Criterios de Convergencia para Series de Funcoes

Apresentamos a seguir alguns criterios de convergenciapara series de funcoes.

Teorema 9.4 (Criterio de Weierstrass) Seja∞∑

n=1

fn(x) uma serie

de funcoes em S tais que | fn(x)| ≤ bn e∞∑

n=1

bn e convergente.

Entao∞∑

n=1

fn(x) converge uniformemente (e absolutamente) em

S .

Prova: Seja (Φn) a sequencia das somas parciais da serie∞∑

n=1

fn(x). Desde que a serie∞∑

n=1

bn e convergente, dado ε > 0

existe N ∈ N tal que

m > n > N ⇒ bn+1 + bn+2 · · · + bn+m < ε.

Portanto, para m > n > N temos

supx∈S|Φm(x) − Φn(x)| ≤ bn+1 + bn+2 · · · + bn+m < ε

e pelo Teorema 9.1 temos que∞∑

n=1

fn(x) converge uniforme-

mente em S .

9.5. SERIES DE FUNCOES 241

Exemplo 9.12 A serie∞∑

n=1

cos(nx)n2 converge uniformemente em

R uma vez que∣∣∣∣∣cos(nx)

n2

∣∣∣∣∣ ≤ 1n2 e

∞∑n=1

1n2 e uma serie numerica

de termos nao negativos que e convergente e, portanto, podemosaplicar o Criterio de Weierstrass para concluir a convergenciauniforme da serie dada.

Definicao 9.4 Dizemos que uma sequencia de funcoesfn : S → R converge monotonicamente f : S → R quandopara todo x de S a sequencia ( fn(x)) e monotona e convergepara f (x).

Os proximos dois teoremas sao criterios uteis para deduzira convergencia uniformee de series de funcoes.

Teorema 9.5 (Criterio de Dirichlet) 1 Sejam (an) e (bn) duassequencias de funcoes de S ⊂ R em R satisfazendo as seguintespropriedades:

i) a sequencia Φk(x) =k∑

j=1

ak(x) das reduzidas de (an) e uni-

formemente limitada em S , isto e, existe H > 0 tal que|Φk(x)| ≤ H para todo x em S e para todo k em N;

ii) para cada x ∈ S , (bn(x)) e uma sequencia monotona;

iii) limn→∞

bn(x) = 0 uniformemente em S .

Entao∞∑

n=1

an(x)bn(x) converge uniformemente em S .

1Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859)

242 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Prova: Por i), para n, k ∈ N e ∀ x ∈ S temos que

|an+1(x) + · · · + an+k(x)| = |Φn+k(x) − Φn(x)| ≤ 2H.

Sejam

S 1 = {x ∈ S ; (bn(x)) e monotona decrescente} e

S 2 = {x ∈ S ; (bn(x)) e monotona crescente}.

Temos que S = S 1 ∪ S 2. Pelo Lema 3.2, para n, p ∈ N, temos

|an+1(x)bn+1(x) + · · · + an+k(x)bn+k(x)| ≤ 2Hbn+1(x),

para todo x ∈ S 1. Desde que limn→∞

bn(x) = 0 uniformemente em

S 1, segue do Teorema 9.1 que a serie∞∑

n=1

an(x)bn(x) converge

uniformemente em S 1. Semelhantemente, a serie convergeuniformemente em S 2. Portanto, converge uniformemente emS .

Teorema 9.6 (Criterio de Abel) Sejam (an) e (bn) duas sequen-cias de funcoes de S ⊂ R em R satisfazendo as seguintespropriedades:

i) a serie∞∑

n=1

an(x) e uniformemente convergente em S ;

ii) para cada x ∈ S , (bn(x)) e uma sequencia monotona;

iii) (bn(x)) e uniformemente limitada em S .

Entao∞∑

n=1

an(x)bn(x) converge uniformemente em S .

9.5. SERIES DE FUNCOES 243

Prova: Seja M > 0 tal que |bn(x)| ≤ M para todo x em S epara todo n em N. Considere S 1 e S 2 como na demonstracaodo Teorema 9.5. Podemos admitir que bn(x) ≥ 0 (para tantoe sufuciente considerar bn(x) + M). Por i), dado ε > 0 existeN ∈ N tal que para n > N

|an+1(x) + · · · + an+k| < ε, ∀ x ∈ S ∀ k ∈ N.

Entao, pelo Lema 3.2, temos

|an+1(x)bn+1(x) + · · · + an+k(x)bn+k(x)| < εbn+1 ≤ εM

para todo n > N, para todo k ∈ N e para todo x ∈ S 1. Portanto,

pelo Teorema 9.1, a serie∞∑

n=1

an(x)bn(x) converge uniformente

em S 1. A convergencia uniforme em S 2 e obtida semelhante-mente e, consequentemente, a convergencia em S .

Teorema 9.7 (Teorema de Dini) 2 Seja ( fn) uma sequencia defuncoes reais definidas em um subconjunto compacto K de Re pontualmente convergente para uma funcao f : K → R. Se,para todo x de K a sequencia numerica ( fn(x)) e monotona etanto f como todas as fn sao contınuas em K, entao a con-vergencia e uniforme.

Prova: Consideremos ε > 0 dado arbitrariamente. Para cadac ∈ K existe nc ∈ N tal que | fn(c) − f (c)| < ε, para todon ≥ nc. Como fnc − f e contınua existe uma vizinhanca abertaVc de centro c tal que | fnc(x) − f (x)| < ε para todo x ∈ Vc. Porhipotese | fnc(x)− f (x)| e decrescente e, portanto, | fnc(x)− f (x)| <ε para todo n ≥ nc e para todo x ∈ Vc. Observemos queK ⊂

⋃c∈K

Vc e, sendo K compacto, pelo Teorema de Borel-

Lebesgue (Teorema 4.2), existe um numero finito de pontos2Dini-Ulisse (1845-1918)

244 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

c1, c2, · · · , cr de K tais que K ⊂r⋃

j=1

Vc j . Assim, se tomamos

N = max{nc1 , nc2 , · · · , ncr} entao | fn(x) − f (x)| < ε para todon ≥ N e para todo x ∈ K, o que demonstra a convergenciauniforme de ( fn) para f .

Apresentamos a seguir um importante resultado que, numcerto sentido, generaliza o Teorema de Bolzano-Weierstrass(Teorema 4.3) e, como tal, encontra muitas aplicacoes emteoremas de existencia. Antes, porem, para facilitar a com-preensao, e util estabelecer a seguintes definicoes:

Definicao 9.5 Dizemos que uma sequencia ( fn) de funcoesde S ⊂ R e equicontınua em S quando para cada ε > 0 existeδ > 0 tal que

x, y ∈ S e |x − y| < δ ⇒ | fn(x) − fn(y)| < ε, ∀ n ∈ N.

Definicao 9.6 Dizemos que uma sequencia ( fn), fn : S → R,e uniformemente limitada quando existe uma constante realpositiva M tal que | fn(x) ≤ M para todo n ∈ N e para todox ∈ S .

Teorema 9.8 (Teorema de Arzela-Ascoli) 3, 4 Seja ( fn) umasequencia de funcoes reais contınuas e definidas em um inter-valo [a, b]. Suponhamos que ( fn) e equicontınua e uniforme-mente limitada em [a, b]. Entao ( fn) possui uma subsequenciauniformemente convergente em [a, b].

Prova: Sendo Q enumeravel, seja (rn) uma enumeracao dosracionais de [a, b].Consideremos a sequencia numerica ( fn(r1)).Temos que | fn(r1)| ≤ M para todo n ∈ N e, pelo Teorema

3Cesare Arzela (1847-1912)4Giulio Ascoli (1843-1896)

9.5. SERIES DE FUNCOES 245

de Bolzano-Weierstrass (Teorema 4.3), ( fn(r1)) possui umasubsequencia convergente ( f1n(r1)). Ou seja, a sequencia defuncoes ( f1n) converge para x = r1. Consideremos agora asequencia numerica ( f1n(r2)). Temos novamente que | f1n(r2)| ≤M e, portanto, podemos extrair uma subsequencia ( f2n) de( f1n) que converge para x = r2, de modo que ( f2n) e conver-gente em x = r1 e em x = r2. Continuando com este procedi-mento, obteremos sequencias ( fkn)n∈N, k = 1, 2, 3, · · · com asseguintes proriedades

i) ( fkn)n∈N e uma subsequencia de ( f jn)n∈N se j < k;

ii) ( fkn)n∈N e convergente em x = r j j = 1, 2, · · · , k.

Consideremos agora a sequencia de funcoes ( fnn)n∈N. Excetopara um numero finito de termos, tal sequencia e uma sub-sequencia de ( fkn)n∈N, k = 1, 2, 3, · · · Portanto, ( fnn)n∈N con-verge em x = r j, j = 1, 2, 3, · · · Em outras palavras, a sequenciaconverge nos pontos racionais de [a, b].Mostremos que ( fnn)n∈N

converge uniformemente em [a, b]. Seja, entao, ε > 0 dado.Usando a hipotese de equicontinuidade de ( fn)n∈N e, em par-ticular, a continuidade (uniforme) de ( fnn)n∈N, existe um numeroreal δ > 0 tal que

| fnn(x) − fnn(y)| <ε

3, (9.7)

se |x − y| < δ e para todo n ∈ N. Seja, agora, uma particao P ={a = x0 < x1 < · · · < xp = b} de [a, b] tal que max{xq− xq−1, q =1, 2, · · · p} < δ. Usando a densidade de Q em R podemos suporque todos os pontos xq, 1 ≤ q < p, sao racionais. Claramente,pela escolha da particao P, para qualquer x ∈ [a, b] existe pelomenos um ponto xq, 1 ≤ q < p, tal que |x − xq| < δ. Portanto,para cada x ∈ [a, b], podemos em (9.7) fazer y = xq para umcerto xq e temos

| fnn(x) − fnn(xq)| <ε

3, ∀ n ∈ N. (9.8)

246 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Por outro lado, as sequencias ( fnn(xq))n∈N, 1 ≤ q < p, saoconvergentes. De modo que existe N(ε) ∈ N tal que

| fnn(xq) − fmm(xq)| <ε

3, (9.9)

se m, n ≥ N(ε) e para todo 1 ≤ q < p. De (9.8) e (9.9) temosque

| fnn(x) − fmm(x)| ≤ | fnn(x) − fnn(xq)| + | fnn(xq) − fmm(xq)|+

| fmm(xq) − fmm(x)| <ε

3+ε

3+ε

3= ε,

∀ x ∈ [a, b] e ∀ m, n ≥ N(ε). Logo, ( fnn)n∈N converge uniforme-mente em [a, b].

Vamos encerrar essa secao apresentando um teorema im-portante sobre aproximacao de funcoes contınuas por polinomios.Trata-se do Teorema de Aproximacao de Weierstrass a seguirenunciado e demonstrado.

Teorema 9.9 (Aproximacao de Weirstrass) Dada uma funcaof : [a, b]→ R contınua, existe uma sequencia (pn) de polinomiosem [a, b] tal que lim

n→∞pn(x) = f (x) uniformemente em [a, b.]

Prova: Primeiramente vamos demonstrar o teorema para ocaso em que [a, b] = [0, 1] e f (0) = f (1) = 0. Desde que[0, 1] e fechado e limitado entao f e uniformemente contınuaem [0, 1] (Proposicao 6.6). Neste caso podemos considerara extensao de f a R como sendo nula fora de [0, 1], a qualcontinuaremos a denotar por f , que, assim, e uniformementecontınua em R. Para cada n ∈ N seja

cn =

(∫ 1

−1(1 − x2)ndx

)−1

.

9.5. SERIES DE FUNCOES 247

Temos que cn > 0 para todo n ∈ N. Consideremos, agora, paracada n ∈ N o polinomio qn(x) = cn(1 − x2)n. Obeservemos que,tendo em vista a escolha de cn,∫ 1

−1qn(x)dx = 1, para todo n ∈ N. (9.10)

Observemos tambem que∫ 1

−1(1 − x2)ndx = 2

∫ 1

0(1 − x2)ndx ≥

∫ 1√n

0(1 − x2)ndx

∫ 1√n

0(1 − nx2)dx =

43√

n>

1√

n.

Donde segue que cn <√

n. Considerando que para cada δ talque 0 < δ ≤ 1 temos, para 0 < δ ≤ |x| ≤ 1,

qn ≤√

n(1 − δ2)n (9.11)

e considerando que a serie∞∑

n=1

√n(1−δ2)n e convergente (pelo

Teste da Razao), segue, usando o Criterio de Weierstrass (Teo-rema 9.4), que lim

n→∞qn(x) = 0 uniformemente. Definamos agora,

para cada n ∈ N, a funcao de [0, 1] em R dada por

pn(x) =∫ 1

−1f (x + t)qn(t)dt. (9.12)

Como f e nula fora de [0, 1] entao

pn(x) =∫ 1−x

−xf (x + t)qn(t)dt. (9.13)

Fazendo a mudanca de varavel s = x + t em (9.13) obtemos

pn(x) =∫ 1

0f (s)qn(s − x)ds. (9.14)

248 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Desde que qn e um polinomio, segue que pn e um polinomio.Dado ε > 0, escolhamos δ > 0 tal que |y − x| < δ acarrete

| f (y) − f (x)| <ε

2e escolhamos N ∈ N tal que

√n(1 − δ2)n <

ε

8Mpara todo n > N, (9.15)

onde M = sup{| f (x)|; −1 ≤ x ≤ 1}. Usando (9.10), (9.12),(9.15) e o fato de que qn(x) ≥ 0, vemos que

|pn(x) − f (x)| =

∣∣∣∣∣∣∫ 1

−1[ f (x + t) − f (x)]qn(t)dt

∣∣∣∣∣∣ ≤∫ 1

−1| f (x + t) − f (x)|qn(t)dt ≤ 2M

∫ −δ

−1qn(t)dt + (9.16)

ε

2

∫ δ

−δ

qn(t)dt + 2M∫ 1

δ

qn(t)dt ≤

4M√

n(1 − δ2)n +ε

2<ε

2+ε

2= ε,

para todo n > N e para todo x ∈ [0, 1]. Se f : [0, 1] → Re contınua e nao necessariamente satisfaz a condicao f (0) =f (1) = 0, podemos considerar a funcao g : [0, 1]→ R definidapor g(x) = f (x) − f (0) − x( f (1) − f (0)), que e contınua e,agora, satisfaz a condicao g(0) = g(1) = 0. Pelo que ja demon-stramos, g pode ser uniformemente aproximada por polinomiose, portanto, vale o mesmo para f . Finalmente se f : [a, b]→R e contınua, consideremos g : [0, 1] → R dada por g(t) =f (a+t(b−a)). Pelo que je demonstramos existe uma sequencia(qn) de polinomios tal que lim

n→∞qn(t) = g(t) uniformemete em

[0, 1]. Dado x ∈ [a, b] seja t =x − ab − a

∈ [0, 1]. Portanto

limn→∞

qn(t) = g(t) = f(a +

x − ab − a

(b − a))= f (x)

9.6. SERIES DE POTENCIAS 249

uniformemente em [a, b], ficando, assim, demonstrado o teo-rema.

9.6 Series de Potencias

Um tipo particular de serie de funcoes, e que aparece comdestaque em Analise Real, tanto do ponto de vista teoricocomo do ponta de vista das aplicacoes, sao as series de potencias,que sao series da forma

∞∑n=0

an(x − c)n = a0 + a1(x − c) + a2(x − c)2 + · · · (9.17)

O numero c e chamado de centro da serie e dizemos que(9.17) e uma serie de centro c. Quando c = 0 temos a serie

∞∑n=0

anxn = a0 + a1x + a2x2 + a3x3 + · · · (9.18)

a qual e uma serie de centro zero.

Proposicao 9.2 O domınio de convergencia de∞∑

n=0

an(x − c)n

e intervalo cujo centro e o centro da serie.

Prova: Suponhamos que a serie converge em x0 , c. Entaoela converge absolutamente no conjunto dos x tais que |x−c| <|x0−c|. De fato, como lim

n→∞an(x0−c)n = 0. Portanto, existe b > 0

tal que |an(x0 − c)|n ≤ b para n = 0, 1, 2, · · · Mas,

|an(x − c)n| = |an||x0 − c|n|x − c|n

|x0 − c|n≤ b|x − c|n

|x0 − c|n

250 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

para n − 0, 1, 2, · · · Logo, se |x − c| < |x0 − c| entao

∞∑n=0

|an(x − c)n|

converge, pelo criterio de comparacao com a serie geometrica∞∑

n=0

|bqn| cuja razao e|x − c||x0 − x|

< 1.

Exemplo 9.13 Alguns exemplos de series de potencias sao:

a)∞∑

n=0

xn, b)∞∑

n=0

n!xn, c)∞∑

n=0

xn

n!,

d)∞∑

n=1

xn

n, e)

∞∑n=1

(x − 1)n

n2n , f )∞∑

n=1

xn

n2 .

E obvio que para x = c a serie (9.17) e convergente e seuvalor e a0 (aqui e importante convencionarmos que 00 = 1).O conjunto dos pontos x ∈ R para os quais (9.17) converge echamado de domınio de convergencia da serie.

Exemplo 9.14 Consideremos a serie∞∑

n=1

(x − 1)n

n2n . Entao o seu

domınio de convergencia e −1 ≤ x < 3. De fato,

limn→∞

n

√|x − 1|n

n2n =|x − 1|

21

limn→∞

n√n=|x − 1|

2

pois limn→∞

n√n = 1. Consequentemente, pelo Teste da Raiz, a

serie converge se|x − 1|

2< 1, isto e, −1 < x < 3. Para x =

9.6. SERIES DE POTENCIAS 251

−1 obtemos∞∑

n=1

(−2)n

n2n =

∞∑n=1

(−1)n

n, a qual e convergente, pelo

Criterio de Leibniz. Finalmente, para x = 3 obtemos a serie∞∑

n=1

2n

n2n =

∞∑n=1

1n, a qual e divergente. Portanto o domınio de

convergencia e −1 ≤ x < 3.

Exemplo 9.15 Consideremos a serie∞∑

n=0

xn. Temos que para

|x| < 1 a serie e convergente. Para x = 1 obtemos a serie∞∑

n=0

1,

a qual e divergente e se x = −1 obtemos a serie∞∑

n=0

(−1)n, a

qual tambem nao converge. Vemos, assim, que o domınio deconvergencia e {x ∈ R; −1 < x < 1}.

O intervalo de convergencia de uma serie de potencias eo intervalo aberto que resulta do domınio de convergencia aosuprimir-se os eventuais extemos onde a serie converge.

A serie de potencias do Exemplo 9.15 e uma serie geometrica,a qual, como sabemos, converge absolutamente, se |x| < 1, e

o valor da soma e1

1 − x, ou seja,

11 − x

=

∞∑n=0

xn, para − 1 < x < 1.

Dizemos que uma funcao real f e desenvolvıvel em seriede potencias no intervalo (x − r, x + r) se existem constantesreais a0, a1, a2, · · · tais que

f (x) =∞∑

n=0

an(x − c)n.

252 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Assim, pelo Exemplo 9.15, a funcao1

1 − x, e desenvolvıvel em

serie de potencias no intervalo −1 < x < 1.

Proposicao 9.3 Seja∞∑

n=0

an(x − c)n uma serie de potencias

com intervalo de convergencia (c − r, c + r). Entao, para cadas ∈ R com 0 < s < r, a serie converge uniformemente nointervalo [c − s, c + s].

Prova: Para cada x = c + s ∈ [c − s, c + s] temos que a

serie numerica∞∑

n=0

an(x−c)n converge absolutamente. Ou seja

∞∑n=0

ansn e absolutamente convergente. Como para todo x ∈

[c− s, c+ s] temos que |an(x− c)n| ≤ |an||s|n segue, pelo Criterio

de Weierstrass (Teorema 9.4), que a serie∞∑

n=0

an(x − c)n e uni-

formemente convergente no intervalo [c − s, c + s].

Corolario 1 Se∞∑

n=0

an(x−c)n converge no intervalo (c− r, c+ r),

seja f : (c − r, c + r)→ R a funcao dada por

f (x) =∞∑

n=0

an(x − c)n.

Entao

i) f e contınua;

ii) f e derivavel e

f ′(x) =∞∑

n=1

nan(x − c)n−1;

9.6. SERIES DE POTENCIAS 253

iii) Para cada x ∈ (c − r, c + r) existe∫ x

cf (t)dt e

∫ x

cf (t)dt =

∞∑n=0

an(x − c)n+1

n + 1.

Prova: Dado x ∈ (c − r, c + r) seja 0 < s < r tal que x ∈

[c − s, c + s]. A sequencia das somas parciais de∞∑

n=0

an(x − c)n

sao polinomios, portanto contınuas, derivaveis e integraveisem no intervalo [c− s, c+ s]. Como a convergencia e uniforme,pela Proposicao 9.3, podemos usar os Teoremas 9.1, 9.2 e 9.3e obter i), ii) e iii).

Podemos usar as propriedades das series de potenciasdemonstradas no Corolario 1 da Proposicao 9.3 para obternovos desenvolvimentos em series de potencias a partir dedesenvolvimentos ja conhecidos. Por exemplo, vimos no Ex-emplo 9.15, e comentarios logo a seguir, que se |x| < 1,

11 − x

=

∞∑n=0

xn = 1 + x + x2 + x3 + · · · (9.19)

Substituindo x por −x em (9.19) (na verdade estamos tomandocompostas de funcoes contınuas) obtemos, para |x| < 1, odesenvolvimento

11 + x

=

∞∑n=0

(−1)nxn = 1 − x + x2 − x3 + · · · (9.20)

Integrando (9.20) de 0 a x e usando que∫ x

0

11 + t

dt = ln(1+ x)

obtemos, para |x| < 1,

ln(1 + x) =∞∑

n=0

(−1)nxn+1

n + 1= x −

x2

2+

x3

3−

x4

4+ · · · (9.21)

254 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Substituindo agora x por x2 em (9.20) obtemos, para |x| < 1, odesenvolvimento

11 + x2 =

∞∑n=0

(−1)nx2n = 1 − x2 + x4 − x6 + · · · (9.22)

Agora integrando (9.21) desde t = 0 ate t = x e usando o

fato de que∫ x

0

11 + t2 dt = arctg(x) obtemos, para |x| < 1,

arctg(x) =∞∑

n=0

(−1)nx2n+1

2n + 1= x −

x3

3+

x5

5−

x6

6+ · · · (9.23)

Sabemos, do criterio de Leibniz, que a serie numerica∞∑

n=0

(−1)n

n + 1e convergente. Assim, obtemos, tomando x = 1 em (9.21), que

ln 2 = 1 −12+

13−

14+

15−

16+ · · ·

Do mesmo modo, podemos tomar x = 1 em (9.23) e usando ofato de que arctg(1) =

π

4obtemos

π

4= 1 −

13+

15−

17+

19−

111+ · · ·

9.6.1 A Serie de Taylor

Quando uma funcao real f e desenvolvıvel em serie depotencias, ou seja,

f (x) =∞∑

n=0

an(x − c)n, x ∈ (c − r, c + r),

entao, do item ii) do Corolario da Proposicao 9.3, temos

9.6. SERIES DE POTENCIAS 255

f ′(x) =∞∑

n=1

nan(x − c)n−1, x ∈ (c − r, c + r),

f ′′(x) =∞∑

n=2

n(n − 1)an(x − c)n−2, x ∈ (c − r, c + r),

f ′′′(x) =∞∑

n=3

n(n − 1(n − 2)an(x − c)n−3, x ∈ (c − r, c + r)

e, por inducao,

f (k)(x) =∞∑

n=k

n(n− 1) · · · (n− k+ 1)an(x− c)n−k, x ∈ (c− r, c+ r),

para todo k ∈ N, de tal modo que f (c) = a0, f ′(c) = 1.a1,f ′′(c) = 2.1a2, f ′′′(c) = 3.2.1a3 e, por inducao, f (k)(c) = k!ak.Logo

an =f (n)(c)

n!, ∀ n ∈ N. (9.24)

Concluimos entao que, quando f e desenvolvıvel em serie depotencias em um intervalo (c − r, c + r), f e infinitamente de-rivavel em (c − r, c + r) e

f (x) =∞∑

n=0

f (n)(c)n!

(x − c)n, x ∈ (c − r, c + r). (9.25)

O serie do segundo membro de (9.25) e chamada Serie deTaylor de f em torno de c no intervalo (c−r, c+r). Em particular,se c = 0 obtemos

f (x) =∞∑

n=0

f (n)(0)n!

xn, x ∈ (−r,+r) (9.26)

que e chamado de desenvolvimento de Maclaurin5 de f .5Colin Maclaurin (1698-1746)

256 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

No Capıtulo 7 vimos que, para uma funcao f que pos-sui derivadas contınuas ate a ordem n − 1 em um intervalo[c, x] e possui a derivada de ordem n, podemos escrever asua Formula de Taylor com resto de Lagrange, isto e,

f (x) = f (c) + f ′(c)(x − c) +f ′′(c)

2!(x − c)2 + · · · +

f n−1(c)(n − 1)!

(x − c)n−1 + Rn (9.27)

onde Rn =f n(ξ)n!

(x − c)n para um certo ξ ∈ (c, x).

Quando f e uma funcao de classe C∞ em um intervalo[a, b] e se c ∈ [a, b] entao para cada x ∈ [a, b] e para todo n ∈N podemos escrever (9.27). Portanto uma funcao de classeC∞ e desenvolvıvel em sua serie de Taylor em torno de umponto de seu intervalo de definicao se, e somente se, lim

n→∞Rn =

0.Apliquemos o que acabamos de ver acima para a funcao

f (x) = sen x em torno de c = 0. Temos, para cada n ∈ N,

sen x = x −x3

3!+

x5

5!+ · · · + (−1)n x2n−1

(2n − 1)!+ R2n.

Como as funcoes seno e cosseno tem valor absoluto menorou igual a 1 em toda a reta real entao

|R2n| ≤|x|2n

(2n)!.

Por outro lado, sabemos que, qualquer que seja x ∈ R, a

serie∞∑

n=0

|x|n

n!e convergente, logo o limite do seu termo geral

e zero. Assim obtemos o desenvolvimento de Maclaurin da

9.6. SERIES DE POTENCIAS 257

funcao seno

sen x = x −x3

3!+

x5

5!−

x7

7!+ · · · =

∞∑n=0

(−1)n x2n+1

(2n + 1)!. (9.28)

Para obtermos o desenvolvimento de Maclaurin da funcaocosseno e suficiente derivarmos (9.26) termo a termo e, assim,

cos x = 1 −x2

2!+

x4

4!−

x6

6!+ · · · =

∞∑n=0

(−1)n x2n

(2n)!. (9.29)

Consideremos agora a funcao exponencial f (x) = ex. Us-ando a formula de Taylor com resto de Lagrange temos, paratodo n ∈ N,

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+ · · · +

xn−1

(n − 1)!+ Rn, (9.30)

onde

|Rn| ≤|x|n

n!, se x < 0 e |Rn| ≤ eb |x|

n

n!, se x ≥ 0,

para algum b > 0. Em ambos os casos limn→∞

Rn = 0. Assim, o

desenvolvimento de Maclaurin da funcao exponencial e

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+ · · · =

∞∑n=0

xn

n!. (9.31)

Quando uma funcao f de classe C∞ e desenvolvıvel emsua sua serie de Taylor em torno de um ponto c dizemos que euma funcao analıtica numa vizinhanca de c. As funcoes seno,cosseno e exponencial sao funcoes analıticas em uma vizinhancada origem, como acabamos de verificar. Na realidade taisfuncoes sao analıticas em uma vizinhanca de qualquer ponto

258 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

da reta real. De um modo geral as funcoes elementares docalculo sao funcoes analıticas, como o estudante pode veri-ficar com facilidade. Nao faz parte dos propositos deste textoexibir listas de funcoes analıticas, o que pode ser suprido porum bom livro de Calculo Diferencial e Integral.

Evidentemente que toda funcao analıtica e de classe C∞

mas, a recıproca nao e verdadeira como podemos observar noclassico exemplo, a seguir exibido, de uma funcao de classeC∞ que nao e analıtica em vizinhanca alguma da origem.

Consideremos f : R→ R dada por

f (x) =

e−

1t , se t > 0,

0, se t ≤ 0

Mostremos que f e de classe C∞(R). Para tanto, mostremosinicialmente que

limt→0+

(1t

)k

e−

1t = 0, para todo inteiro k ≥ 0. (9.32)

De fato

(1t

)k

e−

1t =

(1t

)k

e1t

=

(1t

)k

∞∑n=0

1n!

(1t

)n <

(1t

)k

1(k + 1)!

(1t

)k+1 = (k + 1)!t → 0

9.6. SERIES DE POTENCIAS 259

quando t → 0+. Como consequencia de (9.32) temos que qual-quer que seja o polinomio p entao

limt→0+

p(1t

)e−

1t = 0. (9.33)

Mostremos agora que f (n) existe para todo inteiro n ≥ 0 eesta definida para todo t ∈ R. Primeiramente mostremos, porinducao sobre n, que, para t > 0

f (n)(t) = p(1t

)e−

1t , para algum polinomio p. (9.34)

Para n = 0 temos f (0)(t) = f (t) = e−1t , para t > 0, por definicao

de f , e, neste caso, p e o polinomio identicamente igual a1. Suponhamos que (9.34) e valida para n. Entao, derivando(9.34) com respeito a t temos

f (n+1)(t) =1t2

[p(1t

)− p′

(1t

)]e−

1t = q

(1t

)e−

1t , (9.35)

onde q e o polinomio dado por q(x) = x(p(x) − p′(x)). Observeque f (n)

e (t) = 0 para t ≤ 0 pois, por definicao f (t) = 0 para t ≤ 0.Vamos agora mostrar que existe f (n)

d (0), para todo n ∈ N.Temos que

limt→0+

f (t) − f (0)t

= limt→0+

1te−

1t = 0,

ou seja f ′d(0) = 0. Vamos supor que f (k)d (0) = 0 e provemos

260 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

que f (k+1)d (0) = 0. Temos que

f (k+1)d (0) = lim

t→0+

f (k)(t) − f (k)d (0)

t= lim

t→0+

1t

p(1t

)e−

1t =

limt→0+

g(1t

)e−

1t = 0.

Sendo p um polinomio entao g(x) = xp(x) tambem e um polinomio,e podemos usar (9.33). Logo f (k+1)

d (0). Portanto, f (n)d (0) = 0

para todo n inteiro com n ≥ 0. Como f (n)e (0) = f (n)

d (0) = 0 paratodo n ≥ 0 inteiro, concluimos que f se anula, juntamente comtodas as suas derivadas, em x = 0. Logo, sua serie de Maclau-rin e identicamente nula em qualquer vizinhanca. origem, o queevidentemente nao ocorre com f pois f (t) > 0 para t > 0. Emoutras palavras, f e de classe C∞ mas nao e analıtica em nen-huma vizinhanca da origem.

Na secao 7.4 apresentamos a Formula de Taylor com Restode Lagrange. No entanto, ha uma expressao alternativa paraa Formula de Taylor na qual o resto aparece envolvendo umaintegral. E o que apresentamos na proposicao a seguir.

Proposicao 9.4 Suponhamos que f : (a, b) → R possuiderivada contınua ate a ordem n + 1 em um ponto c ∈ (a, b) edefinamos Rn(x), para x ∈ (a, b), como sendo

f (x) =n∑

k=0

f (k)(c)k!

(x − c)n + Rn(x). (9.36)

Entao

Rn(x) =1n!

∫ x

c(x − c)n f (n+1)(s)ds. (9.37)

Prova: Para a prova recomendamos a leitura de [1].

9.6. SERIES DE POTENCIAS 261

9.6.2 A Serie Binomial

Dedicamos esta secao para mostrar que a funcao real fαdefinida em (−1, 1) por fα(x) = (1+ x)α, α uma numero real, edesenvolvivel em serie de Maclaurin no intervalo (−1, 1). Trata-se de um exemplo interessante onde aparece a chamada SerieBinomial, a qual se constitui numa generalizacao para o con-hecido Binomio de Newton.

Temos que fα e de classe C∞ em (−1, 1) e

f ′α(x) = α(1 + x)α−1

f ′′α (x) = α(α − 1)(1 + x)α−2

f ′′′α (x) = α(α − 1)(α − 2)(1 + x)α−3

......

f (n)α (x) = α(α − 1)(α − 2) · · · (α − n + 1)(1 + x)α−n

......

Portanto, fα(0) = 1, f ′α(0) = α, f ′′α (0) = α(α − 1), f ′′′α (0) =α(α − 1)(α − 2) e, de uma forma geral,

f (n)α (0) = α(α − 1)(α − 2) · · · (α − n + 1),

para todo n ∈ Z, n ≥ 0. Assim, a Formula de Maclaurin para fαse escreve

fα(x) = 1 + αx +α(α − 1)

2!x2 +

α(α − 1)(α − 2)3!

x3 + · · · +

α(α − 1) · · · + (α − n + 1)n!

xn + Rn(x).

Passaremos a mostrar que limn→∞

Rn(x) = 0. Utlizaremos aqui a

expressao do resto Rn(x) na sua forma integral (Proposicao 9.4),ou seja

Rn(x) =1n!

∫ x

0f (n+1)α (t)(x − t)ndt. (9.38)

262 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

Consideremos inicialmente 0 ≤ x < 1. Substituindo f (n+1)α (t) em

(9.38) e tomando valor absoluto obtemos

|Rn(x)| ≤|α||α − 1| · · · |α − n|

n!

∫ x

0(1 + t)α−n−1(x − t)ndt. (9.39)

Observe que, sendo 0 < t < 1, entao

limn→∞

(1 + t)α−n−1 = limn→∞

(1 + t)α

(1 + t)n+1 = 0.

Logo (1 + t)α−n−1 < 1 para todo n suficientemente grande. Us-ando esta informacao em (9.39) e realizando a integracao in-dicada obtemos

|Rn(x)| ≤|α||α − 1| · · · |α − n|

(n + 1)!xn+1· (9.40)

Aplicando o Teste da Razao a Serie

∞∑n=0

|α||α − 1| · · · |α − n|(n + 1)!

xn+1

podemos constatar a convergencia da mesma. Logo seu termogeral tem limite zero, donde segue que lim

n→∞Rn(x) = 0.

Consideremos agora o caso −1 < x ≤ 0. Neste caso temos

Rn(x) =1n!

∫ 0

xf (n+1)α (t)(t − x)ndt. (9.41)

Substituindo o valor de f (n+1)α (t) em (9.41) tomando o valor ab-

soluto obtemos

|Rn(x)| ≤|α||α − 1| · · · |α − n|

n!

∫ 0

x(1 + t)α−n−1(t − x)ndt,

9.6. SERIES DE POTENCIAS 263

isto e

|Rn(x)| ≤|α||α − 1| · · · |α − n|

n!

∫ 0

x(1 + t)α−1

( t − x1 + t

)ndt. (9.42)

A funcao (1 + t)α−1, para x ≤ t ≤ 0, e contınua, logo limitada.Alem do mais, vale a seguinte desiguladade

t − x1 + t

≤ −x se − 1 < x ≤ t ≤ 0.

De fato, multipliquemos a desigualdade −1 < x por −t > 0 eadicionemos −x a ambos os lados para obter t− x ≤ −x(1+ t).Portanto( t − x

1 + t

)n≤ (−x)n e (1 + t)α−1 ≤ M, se − 1 < x ≤ t ≤ 0,

para um certo M > 0. Levando estas informacoes em (9.42) erealizando a integracao indicada vem que

|Rn(x)| ≤|α||α − 1| · · · |α − n|M

n!(−x)n+1. (9.43)

Usando o Teste da Razao deduzimos que limn→∞

Rn(x) = 0. Por-tanto

(1 + x)α = 1 + αx +α(α − 1)

2!x2 +

α(α − 1)(α − 2)3!

x3 +

· · · +α(α − 1) · · · (α − n + 1)

n!xn + · · ·

Denotando por( α

n

)o numero

α(α − 1) · · · (α − n + 1)n!

temos

entao que

(1 + x)α = 1 +∞∑

n=1

( αn

)xn, para |x| < 1. (9.44)

A serie em (9.44) e chamada de Serie Binomial e quando α eum inteiro positivo m se reduz a uma soma finita que coincidecom o Binomio de Newton para (1 + x)m e que, neste caso, evalido para todo x ∈ R.

264 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

9.7 Exercıcios do Capıtulo 9

9.1- Mostre que se fn(x) =xn

1 + xn , n ∈ N, entao

limn→∞

fn(x) =

0, se |x| < 1,1, se |x| > 1,12 , se x = 1,

pontualmente.

9.2- Mostre que se fn(x) = n2x(1−x)n, n ∈ N, entao limn→∞

fn(x) =0 pontualmente em [0, 1].

9.3- Mostre que se fn(x) = nxe−nx2, n ∈ N, entao lim

n→∞fn(x) = 0

pontualmente em R.

9.4- Mostre que se fn(x) = nx(1− x)n, n ∈ N, entao limn→∞

fn(x) =0 pontualmente no intervalo [0, 1], mas nao uniforme-mente.

9.5- Faca um exame quanto a convergencia uniforme em [0, 1)para a sequencia ( fn), onde fn(x) = xn.

9.6- Examine a convergencia uniforme em [0, 1] para as sequencias( fn) e (gn) definidas por

fn(x) = xn(1 − xn) e gn(x) = nxe−nx2.

9.7- As sequencias ( fn) em [0, 1], (gn) em (0, 1) e (hn) em[0, 100] sao dadas por

fn(x) = xn(1 − x), gn(x) =sen(nx)

nxe hn(x) =

nx3

1 + nx.

Mostre que ( fn), (gn) e (hn) convergem pontualmentenos seus respectivos domınios de definicao. Qual dela(s)converge(em) uniformemente?

9.7. EXERCICIOS DO CAPITULO 9 265

9.8- As funcoes fn e f definidas em A∪B sao tais que fn

∣∣∣A

con-verge uniformemente para f

∣∣∣A

e fn

∣∣∣B

converge uniforme-mente para f

∣∣∣B. Mostre que fn converge uniformemente

para f em A ∪ B.

9.10- Seja ( fn) e (gn) sequencias de funcoes que convergemuniformemente para f e g, respectivamente, em um in-tervalo I de R. Prove que

α fn + βgn −→ α f + βg

uniformemente em I, para todo α e todo β reais. O quese pode dizer com respeito ao produto fngn?

9.11- Mostre que a serie∞∑

n=1

(1 − x)xn converge pontualmente

em (−1, 1] e sua soma e a funcao

f (x) ={

1, se |x| < 1,0, se x = 1.

A convergencia e uniforme?

9.12- Para n ∈ N as sequencias ( fn) e (gn) sao definidas em[0, 1] por

fn(x) = (1 − x)2xn e gn(x) = (−1)nxn(1 − x).

Prove que∞∑

n=1

fn(x) e∞∑

n=1

gn(x) convergem uniformemente

em [0, 1].

9.13- Prove que as series de funcoes∞∑

n=1

sen(nx)n2 e

∞∑n=1

cos(nx)n3

convergem uniformemente em R.

266 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

9.14- Mostre que, quando α ≥ 0, a serie

1 +∞∑

n=1

( αn

)xn

converge uniformemente para (1+x)α no intervalo [−1, 1].

9.15- Mostre que a serie∞∑

n=1

xnsen(nx)np , p > 1, converge uni-

formemente em [−1, 1].

9.16- Prove que a serie∞∑

n=1

(−1)n+1

n + xconverge uniformemente

em [0, +∞), mas nao converge absolutamente para todox ∈ R.

9.17- Suponha que cada fn e monotona no intervalo [a, b] eque a sequencia ( fn) converge pontualmente em [a, b]para uma funcao contınua. Prove que a convergencia euniforme.

9.18- Mostre que a serie∞∑

n=1

xn(1 + nx2)

converge uniforme-

mente em R.

9.19- Prove que a serie∞∑

n=1

(−1)n

nx ln(n + 1)converge uniforme-

mente em [0, +∞).

9.20- Considere a sequencia de funcoes ( fn) em [0, 2] dadapor

fn(x) = (1 + xn)1n .

Prove que a sequencia de funcoes fn, todas derivaveisem [0, 2], converge uniformemente para uma funcao lim-ite f , a qual nao e derivavel no ponto x = 1.

9.7. EXERCICIOS DO CAPITULO 9 267

9.21- Considere a sequencia ( fn) de funcoes em [0, 1] dadapor

fn(x) =nx

1 + n2xp , p > 0.

Encontre os valores de p para os quais ( fn) convergeuniformemente para uma funcao limite f . Examine se∫ 1

0fn(x)dx −→

∫ 1

0f (x)dx

para p = 2 e p = 4.

9.22- Mostre que limx→0

1xp e−

1x2 = 0, para todo p = 1, 2, 3, · · ·

9.23- Seja f : R→ R definida por

f (x) ={

e−1x2 , se x , 0,

0, se x = 0.

Prove que f e de classe C∞, porem nao e analıtica naorigem.

9.24- Mostre que existe uma sequencia de polinomios queconverge uniformemente para |x| no intervalo −1 ≤ x ≤ 1.

9.25- Seja g a funcao definida por

g(x) ={

0, se x < 0,x, se x ≥ 0.

Entao, para todo intervalo [α, β] existe uma sequenciade polinomios que converge uniformemente para g em[α, β].

9.26- Seja f : [a, b] → R uma funcao contınua. Mostre queexiste uma sequencia de polinomios que converge uni-formemente para f em [a, b].

268 CAPITULO 9. SEQUENCIAS E SERIES DE FUNCOES

9.27- Seja f : [a, b] → R uma funcao contınua satisfazendo∫ b

af (x)xndx = 0, ∀ n ∈ N. Mostre que

i)∫ b

af 2(x)dx = 0.

ii) Deduza que f (x) = 0 para todo x ∈ [a, b].

Bibliografia

[1] APOSTOL, T. M.: Calculus. Volumenes 1 y 2, EditorialReverte, Barcelona, 1976.

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269

270 BIBLIOGRAFIA

[10] RUDIN, W.: Principles of Mathematical Analysis.McGraw-Hill Book Co., New York, 1964.

[11] SIMMONS, G. F.: Introduction to Topology and ModernAnalysis. McGraw-Hill Book Company, New York, 1963.

Indice

Adicaode numeros naturais, 15de numeros racionais, 19

Associatividade, 15Axiomas de Peano, 14

Cardinalidade, 33Cobertura aberta, 105Comutatividade, 15Conjunto, 12

aberto, 101compacto, 104completo, 106denso, 32enumeravel, 33fechado, 102finito, 33infinito, 33limitado, 23

inferiormente, 23superiormente, 23

vazio, 12Conjuntos

contaveis, 33equipotentes, 33

Convergencia

pontual, 229uniforme, 232

Corpo, 20ordenado, 22

completo, 29Cota, 23

inferior, 23ınfimo, 24

superior, 23supremo, 23

Criteriode Dirichlet, 241de Weirstrass, 240

Densidade de Q em R, 32Derivado, 99Diagonal de Cantor, 37Distribitividade, 15

Expansao decimal, 37

Formula de Taylor, 171Funcao, 13

bijetiva, 14composta, 14contınua, 135

271

272 INDICE

derivavel, 159imagem de uma, 13imagem inversa de uma, 13injetiva, 14inversa, 14limitada, 113

inferiormente, 113limitada

superiormente, 114sobrejetiva, 14uniformemente contınua, 150

Grafico de uma funcao, 13

Integracaopor partes, 215por substituicao, 215

Integralde Riemann, 195inferior, 190superior, 190

Intervalo, 30aberto, 31fechado, 31

Leis do Cancelamento, 15Limite

de uma funcao, 116de uma sequencia, 51inferior, 94superior, 94

Limiteslaterais, 123

Numero

algebrico, 45transcendente, 45

NumerosInteiros, 18Irracionais, 29Naturais, 14Racionais, 19Reais, 26

Normade uma particao, 197

Operacoes com conjuntos, 12

Particao, 188refinamanto, 189

Ponto aderente, 94Ponto de acumulacao, 99Princıpio

da Boa Ordenacao, 32de Inducao, 16

Produto cartesiano, 13Propriedade Arquimediana deQ,

23

Raiz quadrada, 29Regra

da Cadeia, 163de L’Hopital, 174

Relacaode equivalencia, 33de ordem, 18

Serie, 70Binomial, 263convergente, 71

INDICE 273

de Maclaurin, 255de Potencias, 249de Taylor, 255geometrica, 72harmonica, 71

Sequenciaconvergente, 52de Cauchy, 61de numeros reais, 47divergente, 52limitada, 49

inferiormente, 49superiormente, 49

Somade Riemann, 202de Riemann-Darboux, 188inferior, 188superior, 188

Squenciade funcoes, 227

Subconjunto, 12proprio, 12

Subsequencia, 48Sucessor, 15

Teoremada media

primeiro, 217segundo, 218

de Bolzano-Weierstrass, 60de Dedekind, 27de Dini, 243de Pitagoras, 20de Rolle, 166

do maximo e do mınimo, 146do valor intermediario, 147do valor medio

de Cauchy, 167de Lagrange, 168

Fundamental do Calculo, 211Topologia, 93

Valor absoluto, 30Vizinhanca, 101