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AUTORES Wim Veen. Diretor da área de Educação e Tecnologia da Universidade de Tecnologia de Delft, Holanda, onde pesquisa novos conceitos de aprendizagem e a mudança na pedagogia decorrentes do uso da tecnologia da informação e da tecnologia da comuni- cação na educação. Veen é consultor de instituições educacionais e também de empre- sas privadas e de autoridades governamentais. Ben Vrakking. Aluno e pesquisador de pós-graduação em engenharia de sistemas, análises de políticas e gerenciamento na Universidade de Tecnologia de Delft. Suas principais áreas são os processos de mudança (estratégica) e, mais recentemente, a aprendizagem, que é um dos mais básicos e fundamentais mecanismos para lidar com a mudança. V418h Veen, Wim. Homo Zappiens : educando na era digital / Wim Veen, Ben Vrakking ; tradução Vinícius Figueira. - Porto Alegre : Arrmed, 2009. 141 p. ; 23 cm. ISBN 978-85-363-1686-4 1. Psicologia educacional - Tecnologia. I. Vrakking, Ben. II. Título. CDU 37.015.3:6 Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/Prov-021/08

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  • A U T O R E S

    W i m Veen. Diretor da r e a de E d u c a o e Tecnologia da Universidade de Tecnologia de Delft, Holanda, onde pesquisa novos conceitos de aprendizagem e a m u d a n a na pedagogia decorrentes do uso da tecnologia da i n f o r m a o e da tecnologia da comuni-c a o na e d u c a o . Veen consultor de ins t i tu ies educacionais e t a m b m de empre-

    sas privadas e de autoridades governamentais.

    Ben Vrakking . A luno e pesquisador de p s - g r a d u a o em engenharia de sistemas, an l i s e s de pol t icas e gerenciamento na Universidade de Tecnologia de Delft. Suas

    principais r e a s s o os processos de m u d a n a ( e s t r a t g i ca ) e, mais recentemente, a

    aprendizagem, que um dos mais bs icos e fundamentais mecanismos para l idar com

    a m u d a n a .

    V418h Veen, Wim. Homo Zappiens : educando na era digital / Wim Veen,

    Ben Vrakking ; traduo Vincius Figueira. - Porto Alegre : Arrmed, 2009.

    141 p. ; 23 cm.

    ISBN 978-85-363-1686-4

    1. Psicologia educacional - Tecnologia. I . Vrakking, Ben.

    I I . Ttulo.

    CDU 37.015.3:6

    Catalogao na publicao: Renata de Souza Borges CRB-10/Prov-021/08

  • homo zappiens educando na era digital

    WIM VEEN BEN VRAKKING

    T r a d u o :

    V i n c i u s F i g u e i r a

    C o n s u l t o r i a , s u p e r v i s o e r e v i s o t c n i c a d e s t a e d i o :

    R g i s T r a c t e n b e r g

    M.Sc. em Telemtica Aplicada Educao e Treinamento pela Universidade de Twente na Holanda.

    Direlor da Livre Docncia Tecnologia Educacional.

    2009

  • Obra originalmente publicada sob o ' t t u lo Homo Zappiens: Learning in a Digital Age , ISBN 978-1-85539-220-8 1

    W i n Veen and Bern Vrakking, 2006 2006, Cont inuum, The Tower Bui ld ing, 11 York Road, London SE1 7NX and 15 East 26th Street, New York, NY 10010

    T r a d u o publicada com a u t o r i z a o da editora The Cont inuum International Publishing

    Group.

    Capa

    Tatiana Sperhacke - TAT studio

    Imagem da capa iStockphoto.com/Andrey Prokhorov

    P r e p a r a o do or ig inal

    Maria Rita Quintella

    Leitura f inal

    Lara Frichenbruder Kengeriski

    S u p e r v i s o edi tor ia l

    Mnica Ballejo Canto

    Projeto grf ico e e d i t o r a o e l e t r n i c a

    Armazm Digital Editorao Eletrnica - Roberto Vieira

    Reservados todos os direitos de p u b l i c a o , em l ngua portuguesa,

    A R T M E D ' EDITORAS.A. Av. J e r n i m o de Orneias, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS

    Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070

    SO PAULO Av. Ang l ica , 1091 - H ig ienpo l i s

    01227-100 So Paulo SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333

    E pro ib ida a d u p l i c a o ou r e p r o d u o deste volume, no todo ou em parte,

    sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (e le t rn ico , m e c n i c o , g r avao ,

    fotocpia, d i s t r ibu io na Web e outros), sem p e r m i s s o expressa da Editora.

    SAC 0800 703-3444

    IMPRESSO N O BRASIL PRINTED IN BRAZIL

    http://iStockphoto.com/Andrey
  • A G R A D E C I M E N T O S

    Nas ltimas dcadas, os sistemas de educao foram amplamente avaliados, reconsiderados, mudados e revisados. Muitos educadores, soci-logos, engenheiros, economistas e outros profissionais envolveram-se em discusses acerca de como deveriam ser nossos sistemas de educao no futuro mais imediato. Os currculos foram adaptados e novos paradigmas de aprendizagem lanados. Mas, em meio a essa confuso de discusses, iniciativas e experimentos cresceu toda uma nova gerao, a qual no pro-testou nem iniciou manifestaes revolucionrias em grandes cidades, como acontecera nos anos de 1960. Silenciosamente, essa gerao adotou a tecnologia e desenvolveu novas estratgias de aprendizagem e de vida. E essas estratgias diferem tanto das geraes anteriores que um novo ator est adentrando o palco da mudana educacional.

    Quando pela primeira vez apresentei o fenmeno do Homo zappiens como grande fator de mudana, ele j havia, em grande parte, entrado na educao infantil e no ensino fundamental. Mas foi preciso algum tempo para que percebssemos todas as consequncias dessa nova gera-o para a aprendizagem e para os nossos sistemas educacionais como um todo. O Homo zappiens no apenas representa uma gerao que faz as coisas de maneira diferente - um expoente das mudanas sociais relacionadas globalizao, individualizao e ao uso cada vez maior da tecnologia em nossa vida. Neste sentido, considero os valores e o com-portamento do Homo zappiens uma oportunidade para nos ajudar a dar nova forma educao do futuro. Em vez de consider-los uma ameaa e de negligenciar suas prticas, sugiro que olhemos para os valores dessa gerao como uma fonte de inspirao e orientao para ajustarmos nos-sos sistemas educacionais ao melhor atendimento das necessidades de nossa sociedade futura.

  • V I Agradecimentos

    Estou bastante feliz por poder dizer essas frases depois de muitos colegas e amigos terem me incentivado a escrever este livro. Michelle Selinger (Reino Unido), Christina Aderklou (Sucia), Rita Minelli (Itlia) e Stellan Ranebo (Sucia) deram todo o apoio possvel ideia de que um livro como este valeria a pena. Meus colegas tambm com frequncia pe-dem que eu coloque meus pensamentos no papel. Peter van der Zanden em geral me lembrava de fazer as coisas de fato importantes a longo pra-zo, em vez de simplesmente fazer no dia-a-dia as coisas rotineiras. Aprendi muito com meus alunos ao longo dos anos, e dois deles, especialmente importantes para levar este livro ao mercado, foram Willem van Valkenburg e Jan-Paul van Staalduinen. Vrias conversas com eles, via MSN, comea-vam por: "Como que est o livro?". Finalmente, houve o auxlio de Ben Vrakking, outro aluno excepcional, que se tornou co-autor do trabalho, pois gostava de pr no papel as variadas conversas que tnhamos sobre o assunto. O aluno que mais me ajudou, contudo, foi meu filho mais novo, Armand, que compartilha comigo uma lgica que tambm encontrei em outros estudos sobre o Homo zappiens. Jim Houghton, que teve um jeito todo especial de fazer com que o autor entregasse seu manuscrito - um ano depois do prazo! E Sarah Nunn, grande gerente de editorao, que fez com que o livro fosse logo para o prelo. Obrigado a todos pelo esforo e pelo apoio!

  • S U M R I O

    Prefcio 9

    1 . Tempos de mudana 17

    2 . Conhecendo o Homo zappiens 27

    3 . Entendendo o caos 51

    4 . Aprendendo de maneira divertida 73

    5 . Parando a montanha-russa 89

    6 . O que as escolas poderiam fazer 99

    Glossrio 125

    Referncias 133

    ndice 137

  • [

  • P R E F A C I O

    " D i z e m que as coisas mudam com o tempo, mas voc que, na

    verdade, tem de m u d - l a s . "

    Andy Warhol

    Bem-vindo, leitor! Voc pode ter comeado a ler este livro por vrias razes: por recomendao; talvez tenha achado os autores interessantes ou, ainda algum tenha usado uma atitude um pouco impositiva e disse-lhe para ler este livro por uma razo que voc talvez nem queira saber. Caso alguma dessas opes seja verdadeira, esperamos sinceramente inspir-lo a se interessar pelo contedo de nossa histria, pois em tal contedo que esto outras possveis razes. Talvez voc esteja procurando um livro sobre aprendizagem, educao, tecnologia ou esteja interessado em seres huma-nos e simplesmente tenha digitado mal a palavra "sapiens": Qualquer que tenha sido a razo, prometemos que a leitura ser interessante e que lhe daremos bastante material para pensar, se voc permitir que sua mente absorva a amplitude das implicaes e aplicaes das palavras contidas aqui. Primeiro, satisfaremos sua necessidade de orientao. Neste Pref-cio, ofereceremos uma breve viso geral do que voc encontrar. Primeiro, contudo, diremos o que (no) esperar deste livro.

    1 Este s mbo lo estranho, r e c m - a c r e s c e n t a d o nossa p o n t u a o , conhecido como

    "smiley". Se voc inclinar a cabea para a esquerda, ve r dois olhos, um nariz e um sorriso. Caso voc encontre qualquer palavra ou s m b o l o que lhe sejam desconhecidos,

    consulte o g lossr io .

  • I O Veen & Vrakking

    P O R Q U E E S C R E V E R U M L I V R O ?

    H muito tempo, as pessoas costumavam se reunir ao redor do fogo ao cair da noite para ouvir e fazer valer as tradies da tribo e, assim, compartilhar experincias e preservar o conhecimento. Poetas praticavam sua arte e contavam histrias em anfiteatros para grandes quantidades de pessoas. Mesmo hoje, sendo possvel baixar filmes pela internet, e muitas vezes antes de eles chegarem aos cinemas, as pessoas ainda vo ao cine-ma. Fica claro que h algo mais nas histrias do que simplesmente transfe-rir informaes e do que ter capacidade de interpretar.

    Este livro foi escrito para um pblico determinado. Se voc gosta de ler em silncio em sua casa, se gosta de ter tempo para refletir sobre o que l ou se procura pela verso completa e sem intermedirios daquilo que temos a dizer (ou de parte do que temos a dizer), este o meio certo. Este livro como uma fotografia daquilo que queremos lhe dizer.

    Contudo, se voc pegou este livro porque precisava da informao nele contida, ou se sentiu que essa a nica maneira de saber o que temos a dizer, ento, teremos de indicar outras possibilidades. Uma das razes pelas quais o escrevemos que sentimos que o tempo para mudar os parmetros est diante de ns, e isso, por sua vez, cria um potencial. Com a ajuda da tecnologia, a comunicao no mais se restringe ao texto. As imagens e o som podem ser adicionados com a mesma facilidade e, sem dvida, acrescentam tanto quanto, ou mais, nossa experincia. Escrever sobre mudana e sobre o potencial de que dispomos hoje sem darmos exem-plos seria um desperdcio.

    Atualmente, estamos criando um site, www.homozappiens.nl, no qual tentaremos disponibilizar uma experincia viva, compartilhando algo des-ta histria em companhia de uma comunidade de pessoas interessadas. Tentaremos oferecer-lhe uma verso mais ilustrada dessa histria on-line e, por meio de um frum para discusses e links para informaes adicio-nais, queremos criar uma comunidade em que todos os participantes pos-sam, pela riqueza das interaes, descobrir e compartilhar o que essa his-tria pode acrescentar s suas vidas, profissionais ou no. Se voc est buscando uma alternativa para este livro, por favor visite o nosso site, onde encontrar um caminho mais rico e diversificado. Outra possibilidade ler este livro e depois comentar sobre o que achou interessante ou sobre o que est faltando nele. Nossa inteno oferecer aos leitores a possibilidade de adquirir uma experincia prtica acerca dos temas discutidos. De certa for-ma, o site pode ser uma soluo para manter nossa histria viva e orgnica.

    http://www.homozappiens.nl
  • Homo Zappiens

    P O R Q U E V O C D E V E L E R E S T E L I V R O ?

    Este livro traz uma viso sobre a gerao que nasceu com um mouse nas mos. O livro fala de crianas que descobriram o mundo por meio de uma grande variedade de canais de televiso, jogos de computador, iPods, sites, blogs e telefones celulares, e explora as implicaes do comporta-mento delas para a aprendizagem. Em certo sentido, o livro oferece uma viso sobre como a sociedade est mudando o modo pelo qual se aprende, no pretendendo, de forma alguma, excluir as geraes mais velhas do potencial da nova educao. Estamos contando uma histria, a histria do Homo zappiens, para mostrar o potencial que h para mudana se reconsi-derarmos as prticas com que estamos acostumados.

    Este trabalho tem uma viso positiva sobre o que uma nova gerao de aprendizes pode trazer para nossas escolas e sobre como os professores podem lidar com esses alunos que cresceram com a tecnologia ao seu lado. O livro reflete sobre como as coisas so e tm sido, esboando o que pode-riam ser. Tambm d sugestes sobre como adaptar nossas prticas de en-sino em uma sociedade em que lidar com o conhecimento uma questo de negociao e de criatividade e em que aprender uma atividade para a vida toda. Para os professores, uma viagem empolgante participar dessas mudanas, que vo alm das adaptaes das prticas tradicionais, nas quais o papel das novas tecnologias ser proeminente. Contudo, nem todos os hbitos estabelecidos so maus e, embora descrevamos um futuro utpico para a aprendizagem e pintemos um caminho que leve at ele, foram ne-cessrios milhares de anos para chegar onde chegamos, e no devemos deixar de reconhecer o pequenssimo nmero de mudanas que de fato ocorrem quando damos uma nova cara educao.

    Qualquer pessoa interessada em aprendizagem e em educao, seja por razes profissionais ou pessoais, bem como os leitores interessados nas influncias da tecnologia sobre a sociedade, gostaro muito de ler este livro. Dependendo de seus interesses, conhecimento e envolvimento com os avanos tecnolgicos da era digital, boa parte dele poder fazer com que reconheam ou confirmem o que j sabiam h algum tempo. De qualquer forma, o livro poder fazer com que entendam ou encontrem solues para o mundo. No esquea de visitar nos'so site (www. homozappiens.nl), especialmente se este livro produzir mais perguntas do que respostas.

    Os professores e todas as pessoas que trabalham com educao- en-contraro no livro trs questes inter-relacionadas:

    http://homozappiens.nl
  • 1 2 Veen & Vrakking

    Q U E HOMO ZAPPIENS E C O M O E L E S E C O M P O R T A ?

    A nova gerao, que aprendeu a lidar com novas tecnologias, est ingressando em nosso sistema educacional. Essa gerao, que chamamos gerao Homo zappiens, cresceu usando mltiplos recursos tecnolgicos desde a infncia: o controle remoto da televiso, o mouse do computador, o minidisc e, mais recentemente, o telefone celular, o iPod e o aparelho de mp3. Esses recursos permitiram s crianas de hoje ter controle sobre o fluxo de informaes, lidar com informaes descontinuadas e com a so-brecarga de informaes, mesclar comunidades virtuais e reais, comunica-rem-se e colaborarem em rede, de acordo com suas necessidades.

    O Homo zappiens um processador ativo de informao, resolve pro-blemas de maneira muito hbil, usando estratgias de jogo, e sabe se co-municar muito bem. Sua relao com a escola mudou profundamente, j que as crianas e os adolescentes Homo zappiens consideram a escola ape-nas um dos pontos de interesse em suas vidas. Muito mais importante para elas so suas redes de amigos, seus trabalhos de meio-turno e os encontros de final de semana. O Homo zappiens parece considerar as escolas institui-es que no esto conectadas ao seu mundo, como algo mais ou menos irrelevante no que diz respeito sua vida cotidiana. Dentro das escolas, o Homo zappiens demonstra um comportamento hiperativo e ateno limi-tada a pequenos intervalos de tempo, o que preocupa tanto pais quanto professores. Mas o Homo zappiens quer estar no controle daquilo com que se envolve e no tem pacincia para ouvir um professor explicar o mundo de acordo com suas prprias convices. Na verdade, o Homo zappiens digital e a escola analgica.

    A S A T I V I D A D E S [ B R I N C A D E I R A S ] D O HOMO ZAPPIENS R E L A C I O N A M - S E A P R E N D I Z A G E M ?

    O Homo zappiens aprende por meio do brincar e das atividades de investigao e descoberta relacionadas ao brincar. Sua aprendizagem co-mea to logo ele jogue no computador e a aprendizagem logo se torna

    juma atividade coletiva, j que os problemas sero resolvidos de maneira colaborativa e criativa, em uma comunidade global. Os jogos de computa-dor desafiam o Homo zappiens a encontrar estratgias adequadas para resolver problemas, a definir e categorizar problemas e uma variedade de outras habilidades metacognitivas na aprendizagem.

  • Homo Zappiens 1 3

    Na educao tradicional, a aprendizagem estava fortemente relacio-t nada ao contedo disciplinar. O contedo ensinado derivava das discipli-

    I nas e era considerado um conhecimento objetivo que podia ser transferido laos alunos.

    Hoje, consideramos o conhecimento como algo que se negocia e sem-pre em um contexto de mudana dentro de um domnio especfico. De um ponto de vista psicolgico, atualmente acreditamos que a aprendizagem o processo mental pelo qual os indivduos tentam construir o conhecimen-to a partir das informaes, outorgando significado a elas. No so os me-ros dados que nos do a compreenso dos processos ou fenmenos; a interpretao dos dados e das informaes que leva ao conhecimento. O significado que atribumos informao , em geral, comunicado e nego-ciado em nossa comunidade ou sociedade. Poderemos chegar concluso

    I que as crianas de hoje de fato possuem estratgias e habilidades de apren-dizagem que so cruciais para dar significado s informaes, e que essas habilidades e estratgias so vitais para a aprendizagem futura em uma economia intensamente baseada no conhecimento. Podemos questionar se tais habilidades so suficientemente reconhecidas ou valorizadas pelas escolas. O problema que as escolas ainda tentam transferir o conheci-mento como se fazia h 100 anos. Isso no seria um problema se toda a estrutura econmica de nossa sociedade ainda fosse a mesma, mas esse no o caso.

    Q U E A S E S C O L A S P O D E R I A M F A Z E R ?

    Ao reconhecer as habilidades e as estratgias de aprendizagem que o Homo zappiens est desenvolvendo principalmente fora da escola, as insti-tuies de ensino poderiam responder de acordo com as necessidades des-ses novos clientes. Respostas revolucionrias aparecem em pases como a Holanda, em que um nmero pequeno, mas crescente, de pais no mais considera as escolas tradicionais uma escolha adequada para seus filhos. Alm disso, vrias direes de escola tambm responderam necessidade de novos mtodos de aprendizagem por meio da criao de escolas experi-mentais, nas quais foram introduzidas grandes mudanas na organizao, nos mtodos de ensino e nas abordagens do contedo.

    Todas essas iniciativas so similares em cinco grandes aspectos:

    Os alunos trabalham em intervalos de quatro horas, e no de 50

    minutos.

  • 1 4 Veen & Vrakking

    Os alunos trabalham em grupos de 90 a 150, mas atuam em um grupo menor, de 12 alunos.

    A aprendizagem se baseia na pesquisa, que autntica e relevante para as crianas.

    O contedo comunicado por meio de temas interdisciplinares. A tecnologia de rede tem um papel importante no processo de

    aprendizagem.

    Talvez muitos de ns j tenham passado por experincias com o Homo zappiens e pensamos que ensinar agora ficou mais difcil por causa deles. Concordamos que ensinar se tornou algo mais desafiador, que os alunos mudaram consideravelmente em sua aprendizagem e seu comportamento social ao longo das ltimas dcadas. Tambm pensamos que houve uma espcie de ruptura com a chegada do Homo zappiens nas escolas, um rom-pimento com a tradio que pode representar uma sria ameaa ao siste-ma educacional em si e t ambm um desafio, pelo fato de o ensino se tornar algo mais empolgante. Essa nova gerao oferece oportunidades nunca vistas para tornar o ensino uma profisso apaixonante e motivadora, que faa a diferena para a sociedade futura.

    Tais oportunidades relacionam-se a novos papis, novos contedos e novos mtodos de ensino e aprendizagem. Os professores tornam-se orientadores que oferecem um apoio especializado s crianas, que, por sua vez, aprendem de maneira mais independente sobre questes e pro-blemas da vida real. A sociedade do futuro exige que seus cidados sejam capazes de lidar com a complexidade, tanto na vida particular quanto na profissional. As redes sociais dos indivduos cresceram e ficaram mais com-plexas, da mesma forma que as redes econmicas, que passaram a uma escala global, resultando em economias multinacionais ou globais.

    Pelo fato de esses avanos socioeconmicos tenderem continuida-de, a sociedade do futuro precisar de pessoas que saibam lidar com pro-blemas complexos e no muito claros a partir de ngulos diferentes, apre-sentando solues inesperadas. Adquirir contedo deixar de ser a meta principal da educao, que dar maior nfase ao que significativo e rele-vante. Como consequncia, as escolas no mais sero instituies que trei-nam as crianas para a certeza; em vez disso, as escolas facilitaro a apren-dizagem para uma gerao que sabe viver e trabalhar em organizaes e instituies nas quais o conhecimento intenso e onde tal gerao ter de depender da flexibilidade e da adaptabilidade para lidar com condies e situaes que esto em constante mudana. Esses avanos econmicos e isociais implicam mudanas no s em nosso sistema educacional, mas, [mais do que isso, em nossas convices, atitudes e habilidades profissio-

  • Homo Zappiens 1 5

    nais. Estamos convencidos de que o esforo por atender as necessidades da nova gerao de alunos vale a pena e que os resultados se ro compensadores para professores e alunos.

    Algumas pessoas talvez faam uma lista de argumentos que demons-tram que as mudanas na educao so de difcil implementao em uma escola comum, sobretudo no que diz respeito aos cinco pontos j indica-dos. A legislao, as restries no oramento, as condies fsicas do pr-dio em que se trabalha e os fatores humanos so grandes obstculos, dif-ceis de suplantar. O Currculo Nacional inibe grandes mudanas no que diz respeito ao contedo, os prdios das escolas no esto prontos para grupos de 90 alunos e os professores talvez tenham de ser novamente capacitados de maneira intensa para que a prtica de ensino e os papis mudem.

    Podemos dizer que tais mudanas somente so possveis para uma minoria de escolas, ricas. Tambm podemos pensar que no valem a pena, pois os resultados dos exames tm sido bons o suficiente nas ltimas dca-das: ento por que mudar?* Podemos tambm dizer que os pais no ficariam satisfeitos com tais mudanas. Eles querem que seus filhos tenham os me-lhores certificados e relutam em aceitar diplomas que no sabem ainda avaliar adequadamente. So boas questes! Ningum mudaria nada em um sistema que funciona bem. Este livro no um apelo pela mudana educacional em si. Buscamos observar o mundo das crianas que esto

    . crescendo digitalmente e deixar claro o que esse fato significa para a apren-dizagem, para as escolas e para os professores. Para aqueles que buscam novas abordagens para a educao, este livro poder ser inspirador.

    Discutiremos as caractersticas do Homo zappiens e exploraremos as consequncias de sua cibercultura para a aprendizagem e para as escolas. Pensamos que essa gerao de Homo zappiens oferece uma oportunidade para a mudana educacional e um apoio fundamental para a profisso de professor. Este livro visa entender o comportamento das crianas, a relacio-nar esse comportamento aprendizagem e a mostrar a oportunidade que os professores e as escolas tm de evoluir de acordo com as habilidaces, atitudes e convices das crianas, no esforo de dar a elas o apoio neces-srio preparao para a vida, a cidadania e o trabalho do futuro.

    ' N . dc R.T. O texto se refere ao sistema educacional na Holanda.

  • 1 T E M P O S D E M U D A N A

    " E m tempos de m u d a n a , aqueles que aprenderem h e r d a r o a

    Terra, enquanto aqueles que j aprenderam e n c o n t r a r - s e - o es-

    plendidamente equipados para l idar com um mundo que n o

    mais existe."

    Eric Hoffer

    H alguns anos ficamos assombrados com a mdia, quando, com o i final do sculo, deparamo-nos repentinamente com o que passou a ser

    chamado de o "bug do milnio": os chips dos computadores haviam sido programados para ter uma data de seis dgitos e, com a passagem de 1999 para 2000, havia o risco de que esses chips passassem a informar que est-vamos vivendo no ano de 1900, e no 2000. Havia o medo de que nossa vida e a sociedade que construmos com tanto cuidado - com nossos go-vernos, nossos registros de transaes, nossos equipamentos eletrnicos, entre muitas outras coisas - fossem seriamente prejudicadas. Para piorar o problema, muitos dos programadores daqueles antigos chips, feitos em lin-guagem FORTRAN ou COBOL, estavam aposentados, levando seu conheci-mento embora com eles. O quadro apresentado era de desastre.

    Todos sabemos que a passagem de 1999 para 2000 foi muito tranquila, e que bug nenhum fez com que voltssemos Idade da Pedra. Contudo, o exemplo ilustra que ficamos to acostumados com a tecnologia que no mais podemos imaginar o que faramos sem ela.

    Neste captulo, discutiremos algumas das tendncias visveis na tecnologia e na sociedade de hoje. Tambm, pelo fato de a histria que contaremos nos prximos quatro captulos estimular o pensamento sobre como se pode mudar a maneira pela qual vemos e fazemos as coisas para chegar a um melhor resultado, pensamos que talvez seja til refletir sobre

  • 1 8 Veen & Vrakking

    outros momentos do passado em que enfrentamos transies similares. Este cap tu lo pode talvez parecer a histria inteira da humanidade condensada em algumas pginas, mas esperamos oferecer tantos cami-nhos para reflexo quanto o editor nos permitir publicar. Nossa inteno oferecer uma segunda opinio sobre o mundo que o cerca, de maneira que voc possa considerar este mundo sob um novo prisma e entender onde a histria do Homo zappiens se encaixa.

    Tentaremos gradualmente fazer com que voc acompanhe um dia na vida de um ser humano mdio do sexo masculino. Chamaremos esse ho-mem de Jack. Jack trabalha no departamento de vendas e marketing de uma grande multinacional. E responsvel por produtos enlatados. No final da noite de ontem, em casa, antes de dormir, Jack ajustou o despertador de seu rdio-relgio, colocado junto ao abajur da mesa de cabeceira, e leu duas pginas de um livro antes de pegar no sono. Agora so 7h30 e o despertador disparou, sintonizado na estao de rdio favorita de Jack, que tocava uma cano alegre de Frank Sinatra. Jack est bastante pensa-tivo hoje e, enquanto percorre o caminho entre sua cama e a pia do ba-nheiro, coa sua barba e pensa: "E se eu estivesse vivendo h 3 mil anos? De quais coisas deste mundo de hoje eu realmente sentiria falta?"

    A primeira coisa que lhe vem mente o programa de rdio que est tocando ao fundo. H 3 mil anos no havia rdio... no havia eletricidade para alimentar o rdio nem transmissores para as ondas de rdio. No havia a profisso de disc-jockey ou o conceito de uma gravadora que ofere-cesse sociedade msica comercial. Talvez, naquela poca, no houvesse nem mesmo msicos especializados. Provavelmente havia msica. Jack comea a murmurar uma cano. Pensa, ento, em que trabalharia se t i -vesse vivido h 3 mil anos. Em vez de correr para o trabalho s 7h55, a fim de no pegar muito trfego, talvez acordasse, com o primeiro raio de sol, para caar gansos. Ele no ficaria sentado em sua mesa de trabalho o dia inteiro, ligando para representantes de grandes distribuidoras para per-guntar-lhes se queriam comprar grandes quantidades das mercadorias que vende. Em vez disso, ele estaria voltando para sua mulher e filhos e para sua pequena loja com 12 aves gordas atadas pelas patas - prontas para serem preparadas para atender fregueses famintos que logo chegariam. Os clientes sempre sabem onde encontrar comida fresca. No, pensava Jack, certamente no havia grandes criadouros de galinhas, porcos, vacas ou gansos, alimentados de acordo com a melhor dieta para acelerar seu cres-cimento, para depois serem abatidos. No havia muitos recursos naquela poca, e o homem estava em maior contato com a natureza. Alm disso, todo homem sabia como cultivar ou caar sua prpria comida. Jack, obvia-mente, era melhor do que os outros, e por isso tinha uma rede de clientes

  • Homo Zappiens 1 9

    fiis. No que diz respeito pia do banheiro, que agora estava cheia de gua morna e agradvel, provavelmente haveria um caldeiro de bronze com gua quente, recm-retirado do fogo. "Isso algo de que eu no gos-taria", pensou Jack, imaginando-se queimando as mos ao tocar a gua quente do caldeiro.

    Vamos acelerar o ritmo da histria e refletir sobre algumas das mu-danas que criamos para ns mesmos h alguns milhares de anos. O que a histria de Jack ilustrou at aqui o modo pelo qual criamos ferramentas e condies para tornar nossa vida o que hoje. A maior parte da popula-o do mundo no precisa mais caar ou cultivar seus alimentos, pois dis-pomos de fazendeiros que produzem aquilo que a comunidade precisa. Pelo fato de o transporte ter passado do cavalo e da carroa para navios, trens, caminhes e avies, entramos em contato com muitas culturas dife-rentes e com temperos que eram desconhecidos, mas que hoje esto pron-tamente disponveis no mercado da esquina. A pimenta valia quase tanto quanto o ouro, sendo usada apenas por homens muito ricos em banquetes, mas hoje est disponvel a todos, o mesmo tendo acontecido a muitas coi-sas. Toda vez que algum dispunha de algo exclusivo, achamos um jeito de ter um acesso mais fcil a tal bem, tornando-o mais barato a fim de que a demanda aumentasse. Repentinamente, o que era privilgio de reis passou a ser comum a populaes inteiras. O engraado que, em vez se precisar de mais homens para satisfazer essas demandas cada vez mais crescentes, tambm encontramos maneiras de fornecer as mesmas quantidades com menos homens.

    Um dos exemplos mais recentes o de como o surgimento da socie-dade industrial trouxe consigo mquinas a vapor e fbricas. Grandes m-quinas de tecer podiam ento produzir o dobro da quantidade de tecido com apenas a metade da fora de trabalho. Ao longo da histria, adquiri-mos mais luxo, mais diversidade e mais riqueza, ao mesmo tempo liberan-do os integrantes da sociedade para que buscassem novos empreendimen-tos, profisses e ideias. Espera-se, hoje, que cada vez mais as pessoas se especializem, de modo que confiram um novo valor nossa sociedade. Isso inclui fazendeiros, barbeiros, aougueiros e artistas, e tambm cientis-tas (espaciais), conferencistas, gerentes e consultores. Embora as socieda-des humanas tenham crescido, seus mecanismos bsicos ainda so muito parecidos. O que mudou como valorizamos os diferentes aspectos de nossas vidas. J que no temos mais de nos preocupar com alimentao, vesturio e abrigo, passamos a valorizar o entretenimento, a criatividade e o status como algo mais importante. Se, contudo, observarmos vrias na-es da Africa, ainda poderemos ver comunidades inteiras cuja preocupa-o diria a busca do alimento.

  • S O Veen & Vrakking

    Jack atrasou-se nessa manh. Estamos no meio do inverno e seu car-ro no pegou, fazendo com que perdesse aqueles minutos preciosos para escapar do trfego^Agora so 8h30 e ele est preso no trnsito, falando ao telefone com sua secretria. Ela est passando a ele os telefones de seus compromissos das 9 e 10h e informando-o sobre as novidades do escrit-rio. Enquanto a secretria lhe falava sobre uma mensagem que recebera da gerncia, Jack pensa com carinho em sua aposentadoria, que logo che-gar. As vezes, ao pensar na vida corrida, sempre tendo de agir de acordo com os padres, indo ao encontro de metas e de ganhar dinheiro, Jack sente a necessidade urgente de se livrar de tudo: "Fizemos com que muitas coisas se tornassem to simples e fceis que o nico diferencial em nossas vidas o tempo que temos para viv-la. E, aos poucos, acabamos venden-do isso tambm".

    Alguns minutos depois, Jack est ao telefone com seu primeiro clien-te do dia. Ainda est preso no trfego, que est especialmente insuportvel hoje, o que indica que far a maior parte das ligaes da manh ali mesmo. Seu cliente no percebe o fato, e Jack o convence aos poucos, em um tom de voz doce, tpico do mundo dos negcios, que melhor reduzir os custos de transporte comprando todo o estoque de produtos enlatados da empre-sa do prprio Jack. Depois de fechar seu primeiro negcio do dia, Jack no consegue deixar de sorrir. Ele teve sorte, pois seu cliente, cuja empresa fica muito distante, em outro pas, ainda no descobrira que um dos maiores competidores de Jack havia acabado de se estabelecer l.

    Um dos aspectos mais impressionantes de nossa espcie o de que usamos ferramentas para quase tudo, inclusive para a comunicao. Os livros surgiram porque queramos transferir conhecimento mais rapida-mente e para uma audincia mais ampla, sem a necessidade de desloca-mento. Precisamos de mdias para sustentar nosso estoque crescente de informao, da mesma forma que a fala e a escrita foram desenvolvidas para transferir nossas descobertas aos outros e para proteg-las da passa-gem do tempo. Desde ento, desenvolvemos o telefone, o rdio, a televi-so e a internet e, por causa dessas tecnologias, nosso crculo de amigos tem agora um dimetro geogrfico maior. No s as pessoas que conhece-mos, mas tambm as comunidades em que vivemos cresceram. No incomum, na verdade bastante comum, comprar artigos "made in ndia", embora ainda os consideremos britnicos. Quando voc estiver sendo aten-dido, ao telefone, por equipes de suporte tcnico, pense nas inmeras empresas que j estabeleceram suas equipes no exterior.

    Toda nova tecnologia , em geral, recebida com desconfiana. As pes-soas que j conhecem o que existe consideraro com cuidado os possveis benefcios e os pontos fracos de algo novo antes de adot-lo. Com o passar

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    do tempo, contudo, a tecnologia comea a ser parte do dia-a-dia, de modo que no conseguimos viver sem ela. Imagine viver sem telefone. Repenti-namente, perderamos contato com nossa famlia e amigos, conhecidos e parceiros de negcios. Seria impossvel verificar se uma determinada quantia de dinheiro foi ou no depositada no banco. Seria, novamente, normal esperar vrios dias at receber uma resposta de nosso cliente na Sucia. As aes no seriam mais negociadas de minuto a minuto, mas em um dia. A velocidade da informao seria diminuda, assim como, tambm, a rique-za da informao. Voc no teria mais tanta intimidade com um amigo da Austrlia se no pudesse ligar para l uma vez por semana ou se tivesse de escrever cartas, que demoram mais para serem escritas do que para serem lidas.

    Vemos este mundo que criamos, cuja interao global rpida, por meio da mdia e da tecnologia da comunicao, e reconhecemos que no poderamos sequer chegar perto de tal velocidade ou ter tanta informao se no dispusssemos do que dispomos. De certa forma, o mundo de hoje no seria possvel sem a tecnologia da comunicao disponvel para a maior parte das pessoas. Consideramos qualquer pessoa que n o use essa tecnologia como algum que ficou para trs. As empresas que no ofere-cem suporte tcnico tero um valor mais baixo, pois sabemos que h em-presas que podem oferec-lo. Os canais de televiso obtm a maior parte de sua renda dos anncios, pois as empresas sabem que as pessoas assis-tem televiso. A densidade da informao nos programas televisivos de notcias aumentou para que gerassem novos espectadores e, assim, crias-sem um valor maior do que o do jornal impresso. Os empregados que no sabem usar telefones celulares sero, em alguns setores, menos valoriza-dos por seus empregadores.

    E apenas porque confiamos na tecnologia que baseamos grande parte de nossas interaes nela. Imagine se 60% de suas cartas no chegassem ou no fossem respondidas. Voc pararia de escrever cartas e tentaria visi-tar a pessoa com quem estivesse tentando se corresponder. Se metade das vezes que voc fosse usar o telefone ele no funcionasse, voc o usaria muito menos. Se algum lhe passa um nmero de celular, sua expectativa a de que o nmero esteja funcionando. Quando no conhecamos a tele-viso as pessoas restringiam seu interesse comunidade local e t nhamos o reprter tradicional que voltava do exterior para contar uma histria interessante. Tnhamos de confiar na informao dos jornais, e pouqussimas pessoas podiam ver o que acontecia no mundo por conta prpria. Ainda temos algumas situaes hoje em que as pessoas preferem encontrar-se ao vivo, pois no confiam no telefone como meio para passar a mensagem de maneira adequada.

  • 2 2 Veen & Vrakking

    Depois do almoo, Jack foi abordado por Pete, colega que ficar com seu emprego e com suas contas quando Jack se aposentar, em um ms. Seu aprendiz no est surpreso com o fato de Jack ter chegado atrasado, pois j havia enviado um e-mail secretria de Jack e sabia que ele estava preso no trnsito. Foi Pete que contou a Jack na semana passada sobre o fato de o concorrente ter se estabelecido perto do cliente a quem Jack ligara. Ago-ra o momento da reunio entre Pete e Jack: nada de ligaes telefnicas, nada de computadores, somente conversas sobre clientes, situaes e estra-tgias. A empresa pediu que fizessem amanh uma grande apresentao das metas anuais, e Pete, o aprendiz, nunca teve a oportunidade de faz-lo. Jack pensou, ento, que seria uma boa oportunidade para comear.

    Enquanto verificam os nmeros que Pete apresentou, Jack fica im-pressionado com a quantidade de informaes que foram colhidas sobre o mercado e os competidores. Ficou claro que, com as regras segundo as quais as empresas tm de publicar relatrios anuais, entre outras regras, o mercado tornou-se muito mais transparente: "E tudo culpa dos investido-res. Se eles no tivessem tanta informao disponvel, no estariam exigin-do tanto". Jack com frequncia se pergunta se ainda tem alguma coisa a ensinar a Pete, mas toda vez que o faz descobre que sim, pois Pete ainda tem algo a vivenciar.

    Durante sculos, nossa economia foi conduzida pelas mercadorias. As pessoas forneciam alimentos, roupas, temperos, livros e animais a ou-tras pessoas, em troca de outras mercadorias. Pelo fato de se tornar impra-ticvel pedir a algum que lhe pague um vestido com meia vaca, o concei-to de dinheiro entrou em cena. Da mesma forma, medida que os bens de que necessitvamos tornaram-se mais complexos, e pelo fato de termos de trabalhar em conjunto com os outros para produzi-los, organizamo-nos em empresas. No comeo, tratava-se apenas de um chefe e alguns empre-gados trabalhando mais para produzir o que se demandava, mas, gradual-mente, cada trabalhador passou a desenvolver uma tarefa especfica, o que levou as pessoas a valorizai' e comercializar partes do processo de produo. Passamos a entender melhor os fatores de produo, tais como as matrias-primas, o trabalho e o capital. O dinheiro em si tornou-se algo distante dos bens que representava.

    Atualmente, a maior parte das nossas necessidades materiais, pelo menos no mundo ocidental, foi atendida. Todos gostaramos de ter o lti-mo, o maior e o mais luxuoso dos carros ou casa, mas so poucos os que no tm uma casa ou acesso a meios de transporte. Nossas economias ento passaram a se voltar aos servios. No era mais importante apenas oferecer um produto, ento passamos a negociar os conceitos que estavam por trs dele. Um smoking algo que faz com que voc se sinta bem-vesti-

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    do. Seu computador no apenas uma mquina que consome energia; uma ferramenta que to logo seja instalada deve oferecer-lhe um progra-ma de edio de textos e acesso internet. Assim, nas economias moder-nas, temos empresas que organizam eventos e solenidades e outras que instalam sistemas de informtica. Tambm dispomos de aluguis de lti-ma hora, para o caso de algum acidentalmente derramar vinho em seu smoking, e servios de apoio para o caso de seu computador parar de fun-cionar.

    Com os servios, tornou-se cada vez mais importante no apenas en-tender como fazer um produto, mas tambm entender como ele ser colo-cado em uso. Pensar nas muitas maneiras pelas quais um produto pode ser usado e nas possibilidades de funcionamento inadequado permite que as empresas aumentem a gama de servios oferecidos. Isso leva as empresas a exigir conhecimento e criatividade de sua fora de trabalho. Todos de-vem saber tudo sobre seu trabalho ou serem capazes de aprender as lti-mas novidades rapidamente e depois aplic-las a novas ideias para a cria-o de valor.

    Enquanto muitas empresas buscavam o valor e a riqueza por meio do dinheiro (palavras que em geral so confundidas), os clientes passaram a conhecer melhor o que os cerca e as empresas repentinamente tiveram de zelar por sua prpria reputao e se interessar pela opinio pblica. No s as comunidades humanas e as sociedades cresceram, o mesmo ocorreu com seus subcomponentes. Se aceitarmos as organizaes, empresas e go-vernos como componentes das comunidades a que servem, tambm faria sentido sustentar que seus mecanismos talvez tenham mudado de aparn-cia, mas permanecem basicamente os mesmos.

    O dia de Jack foi longo no escritrio. As 17h, ele ligou para casa para dizer esposa que chegaria tarde e que ficaria feliz se transferissem a reserva do restaurante para sbado. A tarde no escritrio havia sido longa, pois Pete fizera muitas perguntas sobre como Jack lidava com algumas de suas contas. Pete havia lido em algum lugar que havia cinco passos para fazei' com que um cliente valorizasse uma empresa em relao s concor-rentes, e Jack, sem dvida, estava indo contra dois desses passos. A tarde terminou bem depois das 18h, com Pete e Jack frustrados pelo fato de a empresa valorizar ganhos econmicos de curto prazo em detrimento de um seivio e de uma clientela sustentveis. Ambos no se sentiam em condies de mudar o quadro apresentado. Em um momento da conversa, Pete disse, enfaticamente: "Pelo amor de Deus, nosso negcio vender alimentos. Daqui a cinquenta anos as pessoas ainda precisaro comer. Ser que ningum aqui percebe o quanto idiota adotar essa ttica de ganhos imediatos?". Jack no pde deixar de valorizar o que ele dissera, mas tam-

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    bm teve de admitir que j no se importava tanto... Ele havia dedicado boa parte de sua vida empresa e estava prestes a gozar da aposentadoria. Ao voltar para casa, enquanto dirigia seu carro, Jack s conseguia pensar em uma coisa: "Finalmente, terei algum tempo para viver minha vida".

    Boa parte da sociedade trabalha para alguma empresa, e apenas uma pequena parte das pessoas so verdadeiros empreendedores. Se conside-rarmos que ainda h hoje o mesmo percentual de empreendedores que havia um sculo atrs, devemos concluir que h muito provavelmente empreendedores que trabalham para as empresas hoje em vez de administr-las. Com o fato de as empresas se tornarem cada vez maiores, passando a ser multinacionais, esta concluso seria lgica: medida que nossas comunidades crescem e criam mais espaos para subcomunidades,

    ( o lgico que essas comunidades passaro, por sua vez, a refletir ou a serem refletidas pelo todo. -- -.

    Criar, correr riscos!: aproveitar oportunidades sempre foram as carac-' tersticas humanas mais valorizadas, e quem as possui, pode criar mais LyaLor.e,obterjnais riqueza/Pelo tato de a mudana ser cada vez mais bvia

    e pelo fato de a incerteza ser algo que se tem de aceitar mais do que evitar, as organizaes esto procurando pessoas que sejam mais flexveis, criativas e empreendedoras-^As empresas querem que seus empregados sintam-se mais^mgojiejadj^Vque maximizem seus potenciais, que sejam criativos e ousados e que aproveitenioportunidades^Uma sigla que parece estar em

    bdos os lugares agora ^pDP^-Plano de Desenvolvimento Pessoal y, pelo [uai os empregados declaram como e, maisTmportante, que ' se~cfesenvolve-o. O desenvolvimento do capital humano, que consiste em trabalho, co-

    I nhecimento, mas tambm em cultura, valores, relaes e criatividade, est I se tornando o principal fator de produo para os empreendedores. Lidar I com o tempo e com a incerteza, com a mudana e o desenvolvimento est 5 se tornando a atividade mais valorizada: essa atividade a aprendizagem.

    Depois de pensar sobre a histria de Jack, em que falamos de tendn-cias como as da globalizao, comunicao, imerso tecnolgica e a uni-versalidade de tais conceitos, mas tambm da necessidade de experincia, tempo, co-operao e estabilidade, ainda temos de discutir o conceito de tempo livre. Embora quase todos tenhamos condensado nosso horrio de trabalho de segundas a sextas-feiras entre 9 e 17h, tambm escolhemos o mesmo perodo para transaes de valor. Ainda bem que h os finais de semana, quando todos parecem ir aos shoppings para trocar seu dinheiro pelos bens de valor que julgam merecer. Por que que, descontando um tero de seu tempo, que usado para dormir, e um oitavo, que usado para comer, voc considerado til por apenas 44% de seu tempo? E por que todos fazemos uso do mesmo intervalo de tempo para trabalhar? Quem

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    elaborou os padres de tempo livre, horas de trabalho e das atividades de uma determinada funo ou emprego? O tempo livre implica cativeiro ou escravido? As horas de trabalho implicam que voc esteja ocioso, impro-dutivo ou funcione mal durante as outras horas do dia? As descries de atividades inerentes a uma determinada funo ou emprego so feitas para restringir ou empoderar voc?

    Com tantas coisas a mudar de maneira rpida ao nosso redor, cada vez mais importante encontrar as coisas que possam atuar como uma es-pcie de farol em uma tempestade. O tempo um recurso cada vez mais precioso, havendo muita informao e muitas experincias que apenas es-peram por consumi-lo, que a ltima coisa que se quer (e que consequen-temente se tenta evitar em primeiro lugar) ser confrontado com a mu-dana constante exatamente no momento em que voc finalmente encon-tra seu lugar na sociedade. Ao mesmo tempo, somos incentivados a mudar e a crescer no lugar que conquistamos, e do modo mais rpido possvel. A pior experincia a daqueles que no encontraram esse lugar, mas que, | ainda assim, se sentem satisfeitos com o que j obtiveram.

    Quando comearmos a procurar coisas para mudar e quando a mu-dana vem at ns, precisaremos lembrar o que de fato valorizamos, como indivduos, comunidades e organizaes, como sociedade e como espcie. H, em geral, pouca mudana em nossas convices e valores principais, mesmo quando nos confrontamos com circunstncias, experincias e ins-trumentos totalmente novos. Em um sistema econmico que valoriza a produo, um mdico, cujo objetivo o de ajudar as pessoas, pode se tor-nar um cirurgio. Com a mudana dos tempos, com o surgimento da tecnologia e com a criatividade e o empreendedorismo tornando-se valo-res econmicos, um engenheiro, cujo objetivo fazer com que a tecnologia evolua para ajudar os seres humanos, pode tambm se tornar um cirur-gio. Devemos aprender a encontrar objetivos naquilo que valorizamos e saber como atingi-los. A medida que vemos a tecnologia, o conhecimento e as sociedades expandirem-se rapidamente, devemos passar a perceber que sempre haver estruturas, uma histria e limites para o que fazemos; a lio que temos de aprender a de sermos criativos e ignorarmos obst-culos.

  • 2 C O N H E C E N D O O

    HOMO ZAPRIENS

    " A curto prazo, sempre superestimamos os efeitos das novas

    tecnologias, mas, a longo prazo, sempre os subestimamos."

    Richard Thieme

    "Repentinamente, as crianas que chegavam nossa escola demons-travam um comportamento bastante diferente: direto, ativo, impaciente, incontrolvel e, de certa forma, indisciplinado; parecia-me que algo havia acontecido no vero. Isso me assustava e empolgava ao mesmo tempo." Foi assim que uma professora sueca descreveu o que sentiu quando come-ou o novo ano letivo em um bairro de Estocolmo na metade da dcada de 1990, quando crianas de 6 anos voltaram escola depois das frias de vero. A professora teve a sensao de que de um ano para o outro uma nova gerao surgira e que ela tinha de lidar com elas, ainda no sabendo, mas percebendo, que precisaria empregar estratgias e abordagens dife-rentes.

    Desde que essa professora teve tal impresso sobre seus alunos, mui-tos colegas na Europa inteira experimentaram o fato de que os alunos de hoje demandam novas abordagens e mtodos de ensino para que se consi-ga manter a ateno e a motivao na escola. Ouvimos muitos deles dize-rem que os alunos dedicam ateno s coisas.por um perodo curto de tempo, que no conseguem ouvir algum falar por mais de cinco minutos. Os professores afirmam que as crianas no conseguem se concentrar em uma tarefa s, fazendo vrias coisas paralelamente, e que esperam obter respostas instantaneamente quando fazem uma pergunta. Alm disso, muitos professores pensam que os alunos parecem agir e pensar de manei-

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    ra superficial, zapeando de uma fonte de informao para outra quando assistem televiso, navegam pela internet ou conversam com algum no

    :' MSN. As crianas de hoje parecem no criticar e muito menos refletir so-\ bre o que digerem por meio da televiso e da internet.

    No so os professores apenas que se preocupam com as crianas que crescem em um mundo digital. Os pais tambm esto preocupados, pois observam seus filhos passar o tempo em casa entre o computador e a tele-viso. Os pais pedem que seus filhos saiam e brinquem na rua, que encon-trem seus amigos e pratiquem esportes. Pensam que o uso da tecnologia traz limitaes fsicas e um empobrecimento do convvio social. Alm dis-

    TS, observam que osl vros no mais parecem ser do interesse de seus fi-llhos, que preferem jogos de computador, inclusive aqueles violentos, em que parece no haver limites para os padres morais.

    Todas essas preocupaes devem ser abordadas quando consideramos as consequncias das mudanas socioeconmicas que chegaram com a pre-sena da tecnologia digital em nossa sociedade. Na verdade, fazemos aqui uma conexo entre o comportamento das crianas e o contexto social. O comportamento social nunca se desenvolve no vcuo, e boa parte de nosso comportamento influenciada pelo contexto social no qual crescemos. O que as crianas fazem e o que pensam o resultado da interao com o que est a seu redor, o mundo externo. E desde muito cedo - j que o mundo lhes chega por meio da televiso, do telefone e da internet - a influncia impor-tante. Mais importante ainda porque o mundo est mudando rapidamente por meio dos efeitos revolucionrios das novas tecnologias.

    Uma das mudanas mais impressionantes a da globalizao. A globalizao econmica est levando a novas formas de desenvolvimento de mercados de trabalho, forando nossas economias a se adaptarem a novos negcios e iniciativas. De um ponto de vista social, contudo, a globalizao implica que os seres humanos estejam mais conectados, que estejam ligados em rede. As crianas se comunicam com o mundo inteiro, pois a internet no tem limites ou fronteiras. Se elas jogam no computa-dor, podem se comunicar com qualquer pessoa que esteja, como elas, dis-posta a resolver um problema ou responder a uma determinada questo. Tendo essas mudanas sociais como pano-de-fundo da ao e do pensa-mento de nossos alunos, vejamos o que exatamente as crianas esto fa-zendo e o que as torna to diferentes de seus pais e avs.

    A gerao que nasceu do final da dcada de 1980 em diante tem ' muitos apelidos, tais como "gerao da rede", "gerao digital", "gerao ! instantnea" e "gerao ciber". Todas essas denominaes se referem a i caractersticas especficas de seu ambiente ou comportamento. "Gerao da rede" uma expresso que se refere internet; "gerao digital" refere-

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    se ao fato de as crianas atuarem em mundos digitais on-line ou a lidarem com informaes digitais. "Gerao instantnea" faz referncia ao fato de suas expectativas serem as de que as respostas devem ser sempre imedia-tas. Muitas geraes tm apelidos, ento por que esta deveria ser diferen-te? Ser que as diferenas para com as geraes anteriores so mesmo importantes ou se trata somente de outra gerao, posterior gerao X e gerao do ps-guerra? A resposta que a gerao da rede difere de qualquer outra do passado porque cresceu em uma era digital.

    Sendo os primeiros seres digitais, cresceram em um mundo onde a informao e a comunicao esto disponveis a quase todas as pessoas e podem ser usadas de maneira ativa. As crianas hoje passam horas de seu dia assistindo televiso, jogando no computador e conversando nas salas de bate-papo. Ao faz-lo, elas processam quantidades enormes de informa-o por meio de uma grande variedade de tecnologias e meios. Elas se co-municam com amigos e outras pessoas de maneira muito mais intensa do que as geraes anteriores, usando a televiso, o MSN, os telefones celula-res, os iPods, os blogs, os Wikis, as salas de bate-papo na internet, os jogos e outras plataformas de comunicao. Usam esses recursos e essas platafor-mas em redes tcnicas globais, tendo o mundo como quadro de referncia.

    Trs aparelhos tiveram grande importncia: o controle-remoto da te-leviso, o mouse do computador e o telefone celular. Com o controle-remo-to da televiso, as crianas cresceram habituadas a escolher assistir a uma variedade de canais nacionais e estrangeiros. O nmero de canais de tele-viso disponveis est sempre crescendo; via cabo e satlite, as crianas podem escolher qualquer um dos 2.200 canais ou 1.500 estaes de rdio do mundo inteiro que esto disponveis. Ao assistir televiso, aprende-ram a interpretar as imagens antes mesmo de aprender a ler, e a interagir, ainda que de maneira bastante restrita, com um meio de comunicao de massa. Um estudo feito nos Estados Unidos demonstrou que, em mdia, os alunos de 21 anos que se formavam nas universidades j haviam assistido a 20 mil horas de televiso, jogado mais de 10 mil horas no computador e lido livros por mais do que 5 mil horas (Prensky, 2001). O nmero de horas destinado a jogar no computador est aumentando e, em pesquisas recentes, o computador parece estar chegando ao topo da lista. Usando o mouse, os alunos navegam pela internet e clicam at que achem o que querem, buscando cones, sons e movimentos mais do que propriamente letras. O telefone celular ajudou-os a se comunicarem com a me ou com os amigos com maior facilidade, pois a distncia fsica no representa qual-quer restrio comunicao.

    Os usos dessas tecnologias influenciaram o modo de pensar e o com-portamento do Homo zappiens. Para ele, a maior parte da informao que

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    procura est apenas a um clique de distncia, assim como est qualquer pessoa que queiram contatar. Ele tem uma viso positiva sobre as possibi-lidades de obter a informao certa no momento certo, de qualquer pessoa ou de qualquer lugar. O Homo zappiens aprende muito cedo que h muitas fontes de informao e que. essas fontes podem defender verdades diferen-tes. Filtra as informaes e aprende Tz r seus conceitos em redes de amigos/parceiros com que se comunica com frequncia. A escola no pa-rece ter muita influncia em suas atitudes e valores. Chamaremos essa gerao de Homo zappiens, aparentemente uma nova espcie que atua em uma cultura ciberntica global com base na multimdia. Como que essa gerao age e como ela desenvolve seu comportamento? Vejamos trs situa-es tpicas que a maior parte dos pais encontrar.

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    A. primeira a de um dia escolar comum em que os alunos renem-se ao redor dos portes da escola esperando pelo nibus ou pegando suas bicicletas para ir para casa. Em casa, eles ligam seu computador e come-am uma conversa, no MSN, com os mesmos colegas com que acabaram de falar na escola. Jogam on-line com eles, enquanto comeam outra con-versa com outros amigos que aceitaram na lista de contatos do MSN. Sua lista de contatos contm 150 nomes, j que este o limite do MSN 1 . Uma pesquisa nacional da MSN demonstrou que o nmero mdio de conversas

    i que as crianas tm ao mesmo tempo de cerca de 10, e elas conseguem , conversar abrindo e fechando telas, enquanto uma barra de ferramentas { colorida alerta que h uma resposta esperando por eles.

    Alguns dos contatos so bloqueados: s vezes o usurio no quer fa-lar com algum por um tempo ou mesmo para sempre. As regras so rgi-das. Se voc se passa por outra pessoa no MSN, ser bloqueado ou exclu-do da conversa. A ideia que o usurio deve saber com quem est conver-sando, sobre o que est falando e quando. As conversas podem ser fcil: mente terminadas a qualquer momento. Basta escrever algo corno^"T+." ;

    (at mais) ou mesmo no dizer nada e clicar no smbolo X no canto direito superior da tela, j que no h formalidades como antes. O MSN atual-mente uma das plataformas de comunicao mais utilizadas. Somente na Holanda, h quatro milhes de usurios (quase um quarto da populao do pas), enviando 22 milhes de mensagens por dia. 2 O MSN est quase

    [sempre ligado - o Homo zappiens est ligado em rede com amigos fsicos e 'virtuais.

    A segunda situaoque muitos pais enfrentaro a de comprar um jogo de computador para seu filho. Quando chega em casa, a criana quer -logo comear a jogar e coloca o CD no computador. Voc comea a ler o manual de instrues, enquanto a criana comea a jogar. Quando o pai est na pgina 11, a criana provavelmente j est no meio do jogo. E, quando ela no consegue ir adiante, simplesmente liga para um amigo e pede ajuda, entra em um site sobre o jogo ou pergunta a algum na escola. Ela sequer cogita ler as instrues.

    A diferena entre o Homo zappiens e voc que voc funciona, linear-mente, lendo primeiro as instrues - usando o papel - e depois comea a jogar, descobrindo as coisas por conta prpria quando h problemas. O

    ( Homo zappiens no usa a linearidade, ele primeiro comea a jogar e, de-

    1 Com o MSN 7.0, a capacidade de contatos subiu para 300. 2 Nielsen/Netratings: MSN populairste I M Europa, 18 march 2004. www.emerce .n l /

    nieuws.jsp?id = 254476

    http://www.emerce.nl/
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    pois, caso encontre problemas, liga para um amigo, busca informao na internet ou envia uma mensagem para um frum. Em vez de trabalhar sozinho, eles usam re.des humanas e tcnicas quando precisam de respos-tas instantneas. Por isso o Homo zappiens tem sido chamado "Gerao instantnea". Eles querem respostas quase instantneas para suas pergun-tas, e isso uma realidade para a maior parte deles. O Homo zappiens j sabe como obter respostas instantneas, simplesmente enviando pergun-tas pessoa certa, frum, sala de bate-papo ou sala de discusso.

    A terceira situao)que a maior parte dos pais encontrar a do Homo zappiens assistindo televiso. Zapear canais algo comum, j que as crianas assistem a seis ou mais canais ao mesmo tempo. Todas elas o fazem, e raro uma criana assistir ao mesmo canal por mais de uma hora. Os canais de msica, tais como a MTV, so populares entre elas, mas so assistidos de maneira simultnea com outros canais. Os pais talvez se preocupem com tal comportamento, j que zapear algo comum, que ocorre aleatoriamente ou quando as crianas esto entediadas. Alm dis-so, difcil assistir televiso quando algum est com o controle na mo e fica zapeando a seu belprazer. A consequncia que as crianas tm seu prprio aparelho de TV no quarto, os quais em geral esto ligados ao mes-mo tempo em que jogam no computador. A diferena aqui entre voc e o Homo zappiens que voc foi treinado para assistir a um canal por vez, e, quando era jovem, no tinha sequer a chance de trocar de canal com faci-lidade., cultura do zapear incomoda os pais, porque eles acham que as crianas no pegam as mensagens de vrios programas ao mesmo tempo e, como resultado, seu conhecimento se torna muito raso.

    Quando faz sua tarefa de casa, o Homo zappiens tambm realiza ou-tras coisas ao mesmo tempo. Enquanto fazem sua tarefa, as crianas ou-vem sua msica favorita no mp3 ou em CD, respondendo a mensagens no MSN e, caso tenham uma TV no quarto, ela provavelmente estar ligada.|A velha regra de fazer uma coisa de cada vez para fazer a coisa certa no se aplica a esta gerao.vEles dividem sua ateno entre os diferentes sinais de entrada e decidem process-los quando adequado, variando seu nvel de ateno de acordo com seu interesse. Se na TV estiver passando um videoclipe de que gostem, as crianas "ligam-se" no que est passando; depois que o clipe acaba, a ateno destinada televiso diminui.

    Fazer a tarefa escolar uma questo de ltima hora. Enquanto voc aprendeu a fazer sua tarefa de maneira planejada, o Homo zappiens come-a a trabalhar no ltimo momento possvel. A escola apenas uma parte de sua vida: no a principal atividade. As crianas sabem que tm de ir escola e fazer testes, mas a escola parece mais um lugar de encontro de amigos, um espao social, do que um lugar para aprender. E um lugar

  • Homo Zappiens 3 3

    rativo e conhecimento.

    WlKIPEDlA English

    The Free Encyclopedia 1 183 0 0 0 + ar t i c les

    Franais L'encyclopdie libre

    3 0 3 0 0 0 + ar t i c les

    2 2 1 0 0 0 + E H *

    Svenska Den fria encyklopedin

    18 0 0 0 + j f f l k l j r

    Deutsch Die freie Enzyklopdie

    4 1 3 0 0 0 + A r t * e l

    Polski Wolna Encyclopedia

    2 4 1 0 0 0 + h u e t

    Neder lands De vrije encyclopdie

    2 0 5 0 0 0 + J!t*ln

    Italiano L'encklopedia libera

    1 0 5 0 0 0 + v o e i

    Portugus A enciclopdia livre

    1 4 8 0 0 0 + J r t i j o i

    Espar io l La enciclopdia libre

    1 2 5 0 0 0 + jrlculos

    search suche rechercher szuka) flt JS zoeken sok ricerca busca buscar

    E n g l i s h i m

    A W i d p d i a ' u m a e n c i c l o p d i a qri-line. Trata-se de u m a a p l i c a o e r h exemplo d u m software social: a p l a t a fo rma oferece urri m e i o de processa-men to de tex to colaborai ivo , neste caso a c r i a o da m a i o r e n c i c l o p d i a d o

    m u n d o . 0 nome. t em como base a e x p r e s s o "wfci wiki", que, c m havaiano , quer .d izer , v ' r p i d " . Vm'siwiki p e r m i t e q e . s u s v is i tan tes .acrescentem o u e d i t e m seu c o n t e d o c o m rapidez . A tecno log ia p d e ser usada para c r i a r

    t e x t o s / v e r b t s o n - a n e - q v S p 1 c o n s t a n t e m e n t e a t u a l i z a d o s po r qua lque r

    pessoa q e sinta, a necessidade ;de f a z - l o . :.: v/..--: . ' - .

    A V y i k i p d i ' f e f c u m a grande variedade" d ' r g s e n c i c l o p d i c o s , que

    abo rdam u m a ampla gama de assuntos. C o m o qua lquer e n c i c l o p d i a , eia

    nunca s e r . e nunca p o d e r ser "completa" , mas uma desafe maiores van ta -

    gens que pdde ser a tual izada constantemente p o r mais de seis b i l h e s de .

    potenciais u s u r i o s da in te rne t . Se fa l tar a l g u m ar t igo ,na e n c i c l o p d i a , v o c .

    mesmo pode e s c r e v - l o .

    (continua)

  • 3 4 Veen & Vrakking

    (continuao)

    ir-Assim como em outros trabalhos c o m u n i t r i o s , a Wikipyl ia .aposta na con f i ana .

    Se a l g u m decidi r escrever u m art igo segundo 'o qual , por exemplo, o Holo -

    causto n o aconteceu, t a l a r t igo p o d e r estar na W i k i p d i a , f icando a cargo da

    comunidade cr r ig i i o erro', Isso. poi si .s, garante que o c o n t e d o da enciclo-

    p d i a re f l i t a o que a ma io r i a dos - . u su r io s ativos' c o n s i d r a a verdade. PS f i *

    . ed i ta r u m ar t igo , v o c t e m de c r i a i u m a ident idade, o que faci l i ta que as m u -

    d a n a s p o s s a m ser acompanhadas,-embora t a m b m seja 'permit ido, env ia r . ln -

    f o r m a e s de : mane i ra a n n i m a . Os artigos que a comunidade considera de

    a l to va lor podem ser qualificados como "art igo e m destaque", o que equiva- i .

    lente , por exemplo , a u m al to n d i c e de buscarem unia pesquisa no Google.

    'Em vez de apon ta r especialistas m d f e r e n t e s i r e a s da c i n c i a , das c i n c i a

    sociais, da l i n g u a g e m , etc,, que depois se cons t i tuem em..autoridades,

    fornecem i n f o r m a e s a COIIIUIIHI.KIC, a W i k i p d i a oferece uma abordagem

    a l te rna t iva que pode ser m u i t o niais r p i d a no supr imen to de i h i o i m o .

    Em vez de buscar as pessoas cenas p r a obter i n f o r m a e s , : v o o p o d o ' p d i r

    a toda comun idade que d iga o que sabe s o b r e u m d e t e r m i r i ^ d t i ^ P ^ S w S ^ 1

    Interessante , ; a re spos t a s e r dada em pouco t e m p o e n m i t s m d K d d u s po-

    d e m acrescentar pequenas p a r t c u l a s de i n f o r m a o .que, j u n t a s , ' p o d e m fo r .

    : m a r a resposta que v o c p rocurava ou indicar, u m a resposta.que v o e . s e q u e r .

    h a v i a considerado.

    Suponha que em sua o p i n i o ;, v ida e a mor r e .de u m velho . l d e r - p o l i t i c o

    se jam t o i n t r e s s m e s que_ qua lquer pesso

    acesso a e.ssa i n f o r m a o p o r meio de umag

    esperar pela a p r o v a o do ed i to r da Enciclopdia Britnica sc.

    pode publ icar a i n f o r m a o a esperar que as pessoas 'quo do fato t e i i l

    interesse pela i n f o r m a o dec idam se ela o u n o relevante? Se t i v s s e m o s

    ' d e c i d i d d - q a e x p r e s s o , t t u l o deste l i v r o , Homo zappicns, merecesse ut

    a r t igo na W i k i p d i a , p o d e r a m o s e s c i e v - l o e . p u b l i c - l o . '

    onde voc fala fisicamente com seus amigos, um lugar em que voc entra em contato com eles, criando sua rede. As crianas fazem suas tarefas com o auxlio dessa rede e as finalizam bem na hora de entreg-las. Se voc frequentou a faculdade, lembrar de um comportamento similar; contu-do, na escola fundamental ou mdia, planejar como fazer sua tarefa e coisas semelhantes era como um hbito, algo mais comum entre os alunos.

    O Homo zappiens vive em um mundo cujos recursos de informao so muito ricos. Lindstrm e Seybold (2003) declararam que uma criana hoje absorve cerca de 8 mil imagens de marcas ou logos por dia. Tal carga de informao pode parecer excessiva para os pais ou para quem nasceu

  • Homo Zappiens 3 5

    antes da dcada de 1980, mas o Homo zappiens no considera o fato de ter i de processar grandes quantidades de informao um problema. Ele ado-I tou o computador e a tecnologia da mesma forma que as antigas geraes 1 fizeram com a eletricidade; a informao e a tecnologia da informao

    tornaram-se parte integrante de sua vida. O Homo zappiens lida com extre-"ma facilidade com os computadores e sem a necessidade de fazer cursos; ele manipula seus telefones celulares, enviando mensagens com os dois polegares ou com apenas um deles se a outra mo no estiver livre, e tem amplo conhecimento sobre como baixar e modificar arquivos de msica, utilitrios para compactao de arquivos e ferramentas para programao.

    Contudo, ter essas habilidades no quer dizer que eles sejam especia-listas em tecnologia - apenas alguns deles se interessam por programao ou informtica. A maior parte deles no se interessa pela tecnologia em si, eles apenas a usam. Quando precisam usar alguma ferramenta, como LimeWire ou WinRar, sabem como baix-la, instal-la e us-la para enviar arquivos de msica. Se, contudo, os procedimentos padres de instalao apresentarem problemas tcnicos, a maior parte deles culpar a tecnologia. Se seus amigos no sabem como resolver o problema, eles provavelmente" desinstalaro o programa e tentaro instalar outroJ A^e^nolggiaexiste para servi-los; quando isso no. acontece, o problema da tecnologia.

    As geraes anteriores tendiam a considerar a tecnologia algo difcil < de dominar, considerando cmeras de vdeo aparelhos de difcil manuseio.

    Enviar mensagens SMS (Short Message Services - seivio de mensagens) ainda um problema para boa parte dos pais, e claro que os computado-res ainda no so bem-utilizados por grande parcela de populao, embo-ra no se queira aqui desprestigiar aqueles que lutaram e conseguiram encontrar seu caminho na era digital. O Homo zappiens, porm, trata a

    , tecnologia como um amigo e, quando um novo aparelho surge no merca-do, pergunta por seu funcionamento e quer entender como tal aparelho poderia ajud-lo em seu cotidiano. Para eles, o critrio principal para ado-tar a tecnologia no o fato de o software ou programa ter boa usabilidade, mas o fato de dar conta ou no de suas exigncias e necessidades.

    Na verdade, o Homo zappiens nasceu com um mouse na mo, j sabia como manipular o controle-remoto da televiso com 3 anos e, com 8, j tinha seu prprio telefone celular. E os usos da tecnologia no param aqui: walkmans, iPods, aparelhos de mp3, cmeras digitais, Xboxes, GameCubes e PlayStations 2 e 3 fazem com que ele tenha ainda mais habilidade com os produtos tecnolgicos.

    O que h de to importante em saber usar tais recursos? Ser que estamos falando apenas das habilidades que as crianas desenvolvem por saber manuse-los? Ou ser que a influncia do uso da tecnologia vai alm

  • 3 6 Veen & Vrakking

    das habilidades operacionais? A resposta pode ser afirmativa. Todos os recursos mencionados tm algo crucial em comum: eles do ao usurio o controle de uma ampla variedade de fluxos de informao e comunicao. Qualquer usurio pode, a qualquer momento, ativar, mudar ou interrom-per esses recursos apertando um simples boto. Eles colocam o usurio em uma posio de controle para decidir qual informao processar ou com qual comunicao se envolver ou no. Eles no s capacitam o usurio a controlar o fluxo de informao, mas tambm o ajudam a lidar com a sobrecarga de informao e a selecionar a informao de modo eficiente, adequadamente, prontamente e de acordo com suas necessidades. A velo-cidade com que o Homo zappiens usa a internet para buscar informao alta e, para os pais, pode parecer apenas uma questo de puro acaso que os

    , filhos encontrem o que querem. Apenas buscando informao juntamente ' com uma criana que voc perceber o contrrio. E uma questo de habi-lidade, e no de acaso. A capacidade de busca das crianas muito maior

    do que a nossa e improvvel que voc consiga alcanar a mesma veloci-j dade delas, mesmo tendo praticado por muito tempo.

    O Homo zappiens desenvolveu habilidades para separar as informa-es verdadeiras das falsas na internet. impressionante ver que como ele reconhece websites e, em especial, blogs, nos quais aparentemente meni-nos e meninas apresentam seu dia-a-dia e atividades, mas que, na verda-de, so apenas anncios para uma empresa. Por meio de sinais ocultos, tais como produtos especficos que so representados nas pginas da web, as crianas distinguem sites de propaganda e aprendem a detectar as fina-lidades da informao. Pela prpria sobrecarga de informao com que tm de lidar, as crianas desenvolvem um bom conhecimento relativo valorizao da informao, tornando-se menos vulnerveis ao doutrina-mento ou a mensagens enganadoras.

    As novas tecnologias so predominantes em suas vidas, em especial em determinados aplicativos multimdia, como o caso dos jogos para computadores. A maior parte dos jovens comea a jogar aos 3 anos. H muitos jogos simples nas lojas hoje, e, antes de entrar na pr-escola, a criana j ter aprendido os princpios fundamentais da matemtica, sabe-r reconhecer formas e figuras retangulares, circulares e piramidais e como pagar por mercadorias ao fazer compras, como classificar ou montar obje-jtos e como usar o computador ou manipular o teclado. Para o Homo zappiens, a aprendizagem comea com uma brincadeira e se trata de uma brincadeira exploratria por meio dos jogos de computador.

    Os jogos simples feitos para crianas pequenas so tanto para meni-nos quanto para meninas. Nesse estgio, a questo do gnero no rele-vante. medida que crescem, os meninos demonstram mais interesse por

  • Homo Zappiens 3 7

    jogos violentos e de guerra. Jogos de artilharia no so os ambientes pre-feridos pelas meninas. Elas, em geral, preferem mais aqueles de aventura e quebra-cabeas, assim como gostam mais de aplicaes relacionadas comunicao. Mas as diferenas de gnero esto aos poucos diminuindo, pois a participao das garotas em jogos que requerem a presena de vrios participantes na internet est crescendo de maneira estvel. Nesses jogos da internet, tanto a violncia quanto o pensamento estratgico esto inti-mamente relacionados e, assim, criam ambientes em que no s a "fora e a destruio" parecem reinar. Devemos dizer que em jogos como Counter Strike ou Grand Theft Auto pode parecer que a violncia chama a ateno dos meninos, mas, na verdade, algo diferente que os atrai a esses jogos. Para os meninos, a violncia no a meta principal; o que de fato os atrai a capacidade e agilidade de reagir ou responder a situaes inesperadas.- O

    "qu os pais yeem ss filhos jogar a chamada camada declarativa do jogo, \ o que se v na tela. Contudo, sob essa tela de computador est o que move o jogo. Da mesma forma que o Banco Imobilirio ficou famoso como jogo que trata de ganhar dinheiro, a mesma motivao subjacente foi utilizada em outras camadas declarativas e, assim, em muitos outros jogos.

    Da mesma forma que as garotas tendem a jogar jogos mais violentos hoje, os meninos tendem a usar mais ferramentas de comunicao. Essas ferramentas comearam nas salas de bate-papo, no MSN, no ICQ e em outros programas, mas recentemente novas ferramentas ficaram dispon-veis, tais como sites em que se pode divulgar seu perfil, servios como o You Tube, Hives, Google Vdeo Blog e outros ambientes gratuitos da internet em que voc pode apresentar e compartilhar no s informaes escritas, mas tambm audiovisuais, por meio de cmeras digitais, agora disponveis

    ,a custo muito baixo. Embora a questo de gnero tenha se manifestado durante a fase de decolagem dos jogos, esperamos que o Homo zappiens use a tecnologia independentemente de seu gnero. Alm disso, se obser-varmos os princpios subjacentes dos jogos e dos ambientes de comunica-o, esses princpios no parecero ter sido voltados a um gnero ou ou-tro. E essa a razo pela qual a questo de gnero na tecnologia provavel-mente ser temporria.

    H algum tempo, um professor em formao, trabalhando em meu grupo de pesquisa realizou um experimento prtico, pedindo a crianas de 5 anos que criassem uma histria. Uma das garotas fez dois desenhos, e depois perguntou professora se poderia usar sua cmera digital. Ela tirou fotos de seus desenhos e depois comeou a fazer um lbum, fotografando seu ursinho de pelcia, que seria seu coadjuvante na preparao de ovos, que comeriam antes de dormir. A menina colocou ento todas as fotos em uma apresentao do PowerPoint, acrescentado dilogos s imagens para

  • 3 8 Veen & Vrakking

    ; fazer com que a histria ficasse melhor. Ela pediu professora que ajudas-se a escrever as legendas para a histria. Uma hora depois, a menina apre-sentou a histria para a turma e muitos de seus colegas gostaram tanto da apresentao que pediram para repeti-la inmeras vezes. Essa criana de 5 anos no era superdotada e nem tinha nenhum talento excepcional; era uma criana comum em uma escola comum, que cresceu tendo a tecnologia ao seu lado.

    O Homo zappiens passa muito tempo jogando no computador. Se os pais no fixarem um nmero dirio de horas para uso do computador e para assistir televiso, as crianas no tero limites. Brincar ao ar livre no algo muito interessante para elas, embora os pais tentem for-las a sair tanto quanto possvel. As crianas jogam uma imensa variedade de jogos para computador: jogos de artilharia, de aventura, role-playing, etc. Elas jogam em consoles, no computador ou em aparelhos portteis, e tm suas prprias preferncias por determinados jogos ou aparelhos. Falam muito sobre os jogos com seus colegas, sendo aparentemente o assunto preferido das conversas, juntamente com vdeos musicais e filmes, tais como Harry Potter, Sin City, Matrix e Senhor dos Anis.

    Desde os anos de 1980, os jogos de computador ficaram mais difceis. H problemas complexos a resolver e os papis que voc pode interpretar so muito mais elaborados do que h uma dcada. No obstante, as crian-as continuam a jogar e a sentir o desafio de faz-lo. Por qu? Por que as crianas passam horas e horas para chegar no nvel 35 no jogo World of Warcraft? Por que elas querem ser aquele ogro ou paladino e at pagar mensalmente por isso? O jogo World of Warcraft comporta muitos jogado-res e foi desenvolvido a partir de um simples CD-ROM lanado h 10 anos, tornando-se um jogo que hoje tem aceitao global na internet, onde mais de trs milhes de pessoas pagam para jog-lo.

    Vrias questes podem explicar aperseverana das crianas em jogar jogos difceis. Primeiramente, qualquer que seja o tipo de jogo, as crianas t m de estar 'ativas desde o comeo . Os jogos no t m explicaes introdutrias sobre como voc deve jog-los ou sobre como come-los, embora possa haver um mdulo de exerccios em alguns deles. Em segun-do lugar, os jogos exigem e desafiam os jogadores a tomar as rdeas e a estar no controle, a descobrir caminhos e solues sozinhos. A consequncia que o Homo zappiensaprende muito rapidamente a descobrir o que fazer.-Somente quando so muito jovens perguntam a seus pais como comear a jogar. Mas os pais logo so superados pelos filhos e, a partir dos 7 ou 8 anos, as crianas no mais precisam de ajuda. Em terceiro lugar; as crian-as imergem nos jogos de computador - adotando a personalidade do pa-pel que esto interpretando e agindo de acordo com suas caracterstica. Os

  • / Homo Zappiens 3 3

    jogadores so absorvidos Dor um mundo virtual, que se torna um mundo real no momento em^ue / e s t ^ jog^nda .Rssa s J r s caractersticas desper-tadas pelos jogos f^tivTdade, controle e imerso \ so cruciais para que as crianas s in tam-se^o vadas a jogaTT^og^^stante complicados.

    Jogar pode se tornar uma atividade socialmente intensa quando as crianas decidem organizar uma festa IAN* (Local Area Network). Os ami-gos renem-se, cada um trazendo seu computador ou laptop.

    A maior parte das pessoas que participa de uma festa LAN composta por meninos que tm entre 14 e 22 anos, ou at mesmo 26, de origem variada e vindos de escolas tambm variadas, que se conhecem de outros encontros semelhantes. Um dos sistemas configurado como servidor e todos os computadores so organizados em uma rede local na qual podem jogar juntos. Formam grupos, colaborando ou competindo contra outro participante ou, ento, todos jogam contra o computador. Se estiverem em

    F i g u r a 2 . 2 C r i a n a s em uma L A N .

    ' N . de R.T. Local Area Network: rede de computadores local util izada para obter velo-

    cidades de i n t e r a o maiores que nas redes pela internet.

  • 4 0 Veen & Vrakking

    um jogo multiusurio pela web, jogadores virtuais podem participar. A atmosfera semelhante de uma partida simultnea de xadrez, mas mui-to mais informal e mais cooperativa. Os jogadores falam sobre estratgias que consideram eficazes; h longos perodos de silncio em que todos es-to altamente concentrados. Tais encontros duram, pelo menos,-dev36 a

    ^ 8 rtras7\lsem dormir j J assisti a vrios jogos em uma(festa LAN\e os coTmdero exaustivos. Mas quando voc est cansado, pode se deitar por

    U m a hora ou duas em um sof. Recomendo que os pais e os adultos em geral visitem a uma festa LAN pelo menos uma vez; garanto que aprende-

    i ro muito! Ser convidado a participar e a assistir aos meninos jogarem |j um prazer, e nos d a oportunidade de comunicao com eles, melhor I entendendo seus comportamentos, atitudes e crenas.

    A necessidade de ter controle fica tambm clara quando o Homo zappiens joga no ptio da escola. Em vez de participar de jogos com regras fixas, as crianas gostam de inventar seus prprios jogos e regras. Muitos desses jogos no tm ganhadores ou perdedores. As regras do jogo podem ser mudadas, e a est a graa. Assim, o jogo passa a .ser um evento social em evoluo, dirigido pelos prprios jogadores. A

    O Homo zappiens faz uso da tecnologia "24/7" (vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana). O MSN est sempre ligado; falar com os amigos algo que se pode fazer facilmente com um clique do mouse. H pouco tempo, um professor me contou sua experincia durante um acam-pamento escolar no comeo do ano letivo. Antes do advento dos telefones celulares, os alunos vinham at ele para discutir os problemas com que se deparavam no acampamento. Hoje, ningum vem at o professor para resolver o problema; os alunos ligam para seus pais. O Homo zappiens vive em um mundo interligado e este mundo no se restringe aos limites tradi-cionais da cidade ou do pas em que vivem. As redes so humanas e tecnolgicas. As redes humanas so aquelas usadas para a comunicao interpessoal, seja ela fsica ou virtual.

    As redes tcnicas consistem em infraestruturas tcnicas (principal-mente a internet), computadores, aparelhos e softwares que so usados para armazenar e obter informaes. As redes humanas incluem aquelas pessoas com quem falam por meio do MSN, salas de bate-papo, e-mails, escolas ou no clube. Uma caracterstica do Homo zappiens que ele se ntegra com facilidade com amigos virtuais ou vizinhos fsicos. Estar pre-sente fisicamente no parece fazer muita diferena. Eles podem jogar com vrias pessoas ao mesmo tempo na internet e colaborar em uma equipe formada de indivduos que nunca encontrou, e nunca encontrar, fisica-inente. No necessrio conhecer algum fisicamente para trabalhar em onjunto. Nos jogos com mltiplos participantes que h na internet, como

  • Homo Zappiens 4 1

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  • 4 2 Veen & Vrakking

    joga o World of Warcraft com frequncia cria comunidades: grupos de jogadores mais experientes que atuam em conjunto para resolver desafios maiores. Os jogadores se comunicam por meio de ferramentas como o Ventrillo ou o Teamspeak, ferramentas de udio e vdeo que permitem a comunicao verbal e escrita pela internet.

    As crianas aplicam abordagens similares na busca e no envio de in-formaes na internet. No colocam somente palavras na internet, pois a cibercultura est centrada na multimdia. Cotriunicar-se por imagens a abordagem preferida do Homo zappiens. Diz-se o que s quer por "meio de uma imagem. Coloca-se uma imagem n internet e todos as pessoas tm acesso a ela. O Flickr.com um exemplo do assim chamado software social e servio on-line pelo qual as pessoas de todo o mundo enviam suas fotos digitais, compartilhando-as. Cabe ao usurio dar ou no acesso a suas fo-tos e permitir que outras pessoas acrescentem tags a elas. Tags so palavras que voc acrescenta a uma imagem para que as pessoas busquem e encon-trem suas fotos com mais facilidade.

    H um grande nmero de ferramentas disponveis aos usurios, que variam do simples upload e download para a criao de blogs at ferramen-

    R g u r a 2 . S U m blog sobre as imagens mais fofas encontradas na in te rne t .

    http://Flickr.com
  • Homo Zappiens 4 3

    tas para manipulao de imagens. Depois de ir ao casamento de um amigo ou familiar, possvel enviar fotos para uma rea privativa e compartilh-las com todas as pessoas que estiveram na cerimnia, que podem, por sua vez, fazer o mesmo no mesmo espao. A caracterstica mais atraente do Flickr.com que qualquer pessoa pode acrescentar tags com comentrios sobre qualquer foto. Pelo fato de todas as fotos serem digitais, voc pode us-las em conjunto com muitas ferramentas que permitem a manipula-o de imagens...

    A internet to real quanto a sala de estar de sua casa ou quanto a escola. um local de encontro, um ciberespao social. E por isso que os blogs tornaram-se' populres entre os jovens. Os blogs so dirios digitais que todos podem acessar. possvel escrever sobre qualquer coisa: histri-as, convices, experincias, fotos, jogos, qualquer coisa que voc deseje compartilhar com o mundo. A diferena em relao a um site comum que os blogs oferecem facilidades para a comunicao com os leitores, amigos, colegas ou qualquer pessoa que sinta necessidade de contat-lo. O blog mudou a viso acerca do conceito de privacidade. Aquilo que se pode com-partilhar com os outros parece acompanhar o ritmo da tecnologia. Embora possa se dizer que a tecnologia, acima de tudo, faz com que as coisas acon-team com maior facilidade, devemos tambm reconhecer que ela de fato influencia a abertura e a franqueza em nossa sociedade e, como consequn-cia, o modo como tendemos a pensar sobre conceitos como privacidade.

    Um bom exemplo da mudana de conceitos sobre privacidade est no site "43 Things" Cwww.43things.com). Nele, crianas e adultos descrevem seus desejos e ambies a curto ou longo prazo. Ao visitar o site, voc ver os diferentes desejos listados em uma "nuvem de tags", estando os mais populares em letras maiores e os menos populares em letras menores. Clicando nos tags correspondentes, voc tem acesso aos desejos das pessoas que compartilham deste mesmo tag. Voc pode participar imediatamente da comunidade, basta fazer perguntas ou comentrios. Os indivduos com-partilham informaes bastante privadas no site, tais como suas ansiedades, problemas de sade e modo de vida. Um dos tags que visitei era sobre "parar-de se cortar", no qual encontrei pessoas que mostravam os resultados de cortes feitos por elas mesmas em seus corpos. Elas formaram uma comuni-dade em que discutem seus problemas de maneira bastante aberta e franca, algo muito mais difcil de fazer quando se est cara a cara com algum.

    Pesquisando esses ambientes da internet, descobre-se que pessoas de todas as classes sociais participam das comunidades virtuais. A internet no mais um ambiente de excluso social. Ao contrrio, une as pessoas de todas as origens socioeconmicas. Embora no passado de fato tenha havido o problema de as famlias de baixa renda no disporem do dinheiro

    http://Flickr.comhttp://Cwww.43things.com
  • 4 4 Veen & Vrakking

    para ter um computador ou conexo internet em casa, o nmero de casas que hoje tem acesso a computadores e internet est sempre cres-cendo. Os ambientes,da internet, tais como o site "43 Things", demons-tram que a internet um lugar para todos, e no apenas para a classe mdia. claro que ainda h o fato de nem todas as pessoas poderem comprar o hardware necessrio, mas a questo no mais a de poder comprar um computador, e sim a de ter acesso tecnologia. As escolas, bibliotecas, cafs com internet e outros espaos pblicos atualmente ofe-recem acesso internet e, portanto, participao em comunidades virtu-ais. A diviso digital entre o primeiro e o segundo mundos no mais uma,

    'questo de classes socioeconmicas, mas uma questo de geraes. As pessoas mais velhas no esto conectadas s realidades virtuais, pensando-que a tecnologia apenas para quem entende do assunto, e a consequncia que no veem as oportunidades e as grandes mudanas socioeconmicas, como a globalizao, a individualizao e as novas tecnologias, que esto ocorrendo em nossas sociedades.

    Em mbito global, contudo, ainda existe uma excluso digital em sen-tido tradicional, em que a pobreza impede o acesso ao conhecimento e comunicao por meio da tecnologia. Essa uma questo que no est isolada de outras: est inclusa no desafio mais importante que temos de abordar neste sculo. A diviso equnime da riqueza entre as naes o que se deve alcanar, sob pena de haver revolues ou guerras. No se deve culpar a tecnologia por isso; ao contrrio, a tecnologia oferece muitas oportunidades para equilibrar essa diviso de mundos. J h grandes inicia-tivas: a Wikipdia, a enciclopdia livre, que visa servir o mundo em desen-volvimento; e "o computador de 75 euros", um computador barato, desen-volvido para atender pases menos ricos em que haja restries no setor de eletricidade. Esse computador est atualmente sendo produzido e estar amplamente disponvel em um futuro prximo. Mas voltemos ao compor-tamento do Homo zappiens.

    Usando a internet as crianas aprenderam a buscar e a encontrar as informaes de que precisam; jogando no computador jogos como Civilization I I I , Grand Theft Auto ou World of Warcraft, aprendem por meio da descoberta e da experimentao':Elas podem testar o que fazem de ma-neira livre; o computador d-lhes a oportunidade de comear e recomear indefinidamente. O computador jamais pune ou condescendente. Quan-do voc no consegue atingir o nvel que quer e perde sua ltima vida, o jogo informa "game over" e voc pode recomear. Caso as crianas no queiram comear de novo desde o incio, podero "enganar" o computa-dor por meio de alguma artimanha, em geral usando alguma senha que se encontra na internet. Na maior parte dos jogos de computador, voc pode

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    Flickr, a maneira comunitria