crime do padre amaro, 1 vol primo basílio, 1 vol. mandarim ......lad y flor ence de pois de jantar,...
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m m m ! ZSHRDROD , de
lid o Irmão PORGO
( CAS A FUND AD A am
Pre m iada nas Exo o siçõe s d e Par is d e1 878
,1 889 e 1 900
,co m 2 GRAND !
PR IX na E
walçao do R io de Ia
ne i ro d e 1 8 e co m grand e o d i
p lom a d e hon ra na E xpo s ição da
Im p re nsa e m“Lisboa.
Ed i t o r . dn o bus de
Eça d e Que i rós, Cam i l o Ca ste loB ranco
,Co e lho Ne to
,Te ófi lo Braga,
S i lv io R om e r o , GU e r r a J unque i ro , Basl l io Te l e s
,Euc l id e s da Cunha , Ab e l
Bo te lho , José Sam paio (B runo), Joaodo R io
,Joao Grave . José Ca ldas
,
Jú l io B randao,Gar c ia R e dondo ,
Tom ás Lºpe s,
Luis Murat, Be nto Car
iue ja ,
Pinto da R ocha , A lc id e s Maiante ro d e Que n ta l , Te ix e ira Bas l o a
,
R ocha Pe ixoto ,Tom as R ib e iro , Padr s
Antón io V i e i ra , Ca r m e n D o lore s,AJ
fre do Pim e nta , Padr e Manu e l B e rnar d e e , F laube rt, Shak e sp e a re ,
R e
nan,S tr auo s, H ae ck e l . B o chn e r . D ar
w in, e tc .
, e tc.
Gm vl r ludo do « l ado d e gue r ra, to do s e dlqõo s
co lum n aum e nto p r o vlco r lo do p r e ço .
EÇ A D E QUE IR OZ
Cr i m e d o Pad r e Am ar o , 1 vo l
Pr i m o B así l i o , 1 vo l .
M anda r im ,1 vo l .
O s M ai as . 2 vo l .
d e s . 1 vo l .
A O !d o d e e as S e r r as , 1
A I lustr e Casa d e R am i r e s, 1 vo l .
P r o sas B á r ba r as , 1vo l .
Co n to s ,
“
1 vo l .
Ca r tas d e Ing lat e r r a, 1 v e l
E cós d e Pa r i s , 1 vo l .
Ca r ta: fam i l iar e s e bi l he te s p o s
ta“d e P a r i s , 1
As M i nas d e S a l o m ã o ( t'
r adução l ,
J O Ã O G R AVE
Fa m in to s ,e p i só d i o s da v i da p o
pula r .i' o l .
A E te r n a M e n ti r a , r o m an ce ,1 vo l
” U l ti m o F aun o , n o ve l a ,1 v o l
O Passad o . 1 v o l .
G e n te p o r
r al i . 1 vo
J o rn ada r o m an tica, vo l .
R e fl o r w,1
R e i nad o . tr áaíç o , 1 vo l .
A In i m i g o , r o m ance . 1 vo l .
4 M o r te ve nc e , 1 vo l
0
IÚL IO D ANTAS
1 02 3 ( E p i sód i o e m ve r so ) . 1 vo l .
F i gur as d o o n te m e . d e h o j e , 1 vo l .
A o o uv i d o d e Madam e X,1 vo l .
S ór o r M ar iana (F aça e m acto ) ,
“
1 vo l .
a m o r e m Po r tuga l n o sécul o
XVII I , 1 vo l .
Mulhe r e s . 1'
v e l
m as 6 E la s
sr o
$b"
J ÚL I O D ANT A S
S óc io e fe ctivo da Acad e m ia das S oãênc ias d e L isbo aD a Acad e m ia B ras i l e ira
NA V I D A — NA AR TE— NA H I S TÓ R IA
S EGUND A E D IÇ Ã O
PO R TO
L I V R A R I A C H A R D R O N
D E L É L O I R M Ã O, E D I TO R E S
R UA D A S O A B M E L I T A S , 1 44
1 9 1 8
LADY FLORENCE
D e po i s d e jan tar , o m euam igo C i s n e i ro s e eu
fomos to mar café para o sal ão . Conh e ce m ,d e
c e rto,o grand e sal ã o do Ave n i da Pal ac e
,cosmo
po l i ta e grave , com os s e u s Map l e s so no l e n'tos ,
os s e u s tapete s p ro f u n dos , as s uas ho rríve i s co r
re n te s d e ar . N e s sa no ite e stava po u ca ge n te . A
u m can to,um ve l h o d e fi s io n om ia i n q u i e tante e
angu l o sa—ê soub e d e po i s que e r a um j u d e u ho
landês e m bu sca d e . br i c—à-brac — fo l h e ava o
S k e tch. A o pé d uma jan e la, u m o fi c ial da m i ssão
f ranc e sa e sc re v ia. No te i vagam e n te que um i n
g l es magro , ru ivo , d e sm ok in g , passe ava p e la
sa la as s uas p e rnas d e antílºp e e o se ue sp l ên d i do
i so lam e n to . Mas as m inhas ate n çõ e s fi xaram -se
d e p r e fe r ênc ia sob re do i s i ng l e s e s , um ve l ho e
um a ve l ha— e l e,s e te n ta anos , ca l vo , m usc u l oso ,
i rr e p re e n s íve l na sua casaca,e la, seca, v iva, r i d i
c u la,p e q u e n i na, v e sti da d e seda az u l
, co m u m
LAD Y FLOR ENCE
D e po i s d e jan tar , o m euam igo C i s n e i ros e eu
fomos tomar café para o sal ão . Conh e c e m ,d e
c e rto,o grand e salão do Ave n i da. Pal ac e
,cosmo
po l i ta e g rave , com os s e u s Map l e s so no l e n'tos ,
os s eus tape te s p ro fu n dos , as s uas h o rr ív e i s co r
r e n te s d e ar . Ne ssa no i te e stava po u ca ge n te . A
u m canto,um ve l h o d e fi s io n om ia i n q u i e tante e
angu l osa— soub e d e po i s que e r a um j u d e u ho
landes e m bu sca d e br i c-à-br ac — fo l h e ava 0
S k e tch. Ao pé d uma jan e la,u m ofi c ial da m i ssão
f ranc e sa e sc re v ia. No te i vagam e n te que u m i n
g lês magro , r u ivo , d e . smok ing , pass e ava p e la
sa la as s uas p e rnas d e an tí l op e e o se ue sp l ên d i do
i so lam e n to . Mas as m i nhas ate nçõe s fi xaram -se
d e p re fe rên c ia sobr e do i s i ng l e s e s , u m ve l h o e
um a ve l ha— ê l e,s e te n ta anos , ca l vo , mu sc u l oso ,
i rre p re e n s íve l na sua casaca,e la, seca, v iva, r i d i
c u la,p e qu e n ina, ve sti da d e seda azu l , co m u m
8 NA VIDA
g rand e co lar d e topáz io s e um m e i o -d e cote e squ e
l é ti c o que e stavam r e cos tado s n um sala,ao lado
u m do ou tro , de m ãos dadas,o l hando-se e mb e
ve c idam e nte naqu e l e amoroso si lênc io que é a
al ma d e tôda te rn u ra i ng l e sa, e a que j á Car l y l e
chamara « o con tacto com o m i s té r i o » . E'
b e m
c e rto que as paixõ e s não te e m idad e ; m as eucon
fe sso que não p u d e d e ix ar d e so rr i r d e êx tas e .
conj ugal d ess e s do i s v e l ho s, que , j á andado o
ou to n o da e x i s tenc ia,ainda s e n tiam tao v i va m e n te
os p e rtu rbador e s e n l e vo s do amo r . Obs e rv e i-os
com cu r io s idad e ,quas i co m car i nh o . T inham
d ian te d e s i um a p e qu e na m e sa d e chá e um nú
m e ro d o Tim e s, que e l e d e ix ara d e lêr para o lhar
para e la. A l u z batia e m ch e i o nas d uas cab e ças ,e sco rr ia como o i ro o l e oso p e la cal va do ve l h o
i ng les,to rnava mai s azui s o s p e qu e n i n o s o lh o s
rugusõ s d e Lady F l o re nc e sou b e d e po i s que se
chamava ass im u n s o l hos d e bon e ca d e c rcp i ta,a que a e xp re ssão d o so nho r e a l i zad o e da v e n tu ra
abso l u ta par e c iam e mp r e s tar ai n da o i nq u i e to
br i l h o da moc idad e . Nada os d istr aia da sua m ú
tua con te mp lação . Passaram c riados ; e n tro u um a
rapar iga b e lga, que se ati ro u para um a po l tro na,
c ru zou a p e rna e fu mou ; o o ttc ia l f ran cês fo i
bu scar, p e rto d e l e s , o bº l l t'
ã e o stick : os d o i své l l i o s, i n d i fe re n te s a tu do
, e mb e v e c id o s u m n o
o u tro,e ul e vad o s
,iun
'
ive is, os o l ho s nos o l h e s , a
m ão de l e e n laçuda na d e la,co n ti n uaram a ti
tar -se,
amo rosam e n te,com a e moção d e d o i s
LADY FLOR ENCE 9
namo rados d e s l u mb rados d e moc i dad e e d e be l e za.
—Sab e s'
qu e m são,aq u e l e s i ng l e s e s —
p e r
gunte i eu ao m eu am igo C i sn e i ro s,e m quanto o
c r iado no s s e rv ia o café .
— S ão do i s no i vo s .
Naq u e la i dad e
Casaram—se há do z e d ias,e m Lo nd re s . E s tão
aq u i passando a lua d e m e l . Um casam e nto d e
amo r . E l e e si r Joe C r o tto n , al to func io nár io da
I n d ia i n g l e sa, e te m s e te n ta e do i s anos ; e la e
Lady F l ore nc e S e alby , v i úva d um l o rd d o A l
m i r antad o,e te m s e s s e n ta e c i n co o u s e ss e n ta e
s e i s . Soub e o nte m qu e n t e ram , p o r aqu e l e i n
g l es mag ro que aqu i e ste ve a pass e ar n o salão .
A v i da de l e s c on ta-se e m d uas palav ras e é u m
romanc e e n te rn e c e do r . J o e C ro fto n e stava n o ivo
da p r i m e i ra m u lh e r q uando co nh e c e u F l o re n c e ,
que ti nha e ntão d e zo no anos , todo o e ncanto das
sp inste rs, com os s e u s cab e l o s l o i ro s, o s s eus
o l hos azui s , a sua b e l e za do d iabo , e que e r a
a no rva p rom e ti da d um moço o fi c ia l da mar i nha
i ng l e sa . Apaix o naram -se l o u cam e n te um p e l o
o u tro . Mas j á ambos ti nham con traído comp ro
m i ss e s ; n e nh u m de l e s pod ia d i s po r d e s i , po r
que n e nh um d e l e s e ra l ivre . F iéis mai s i ng l e sa
d e tódas as pa ixõ e s paix ão do d e v e r ap e r
taram as mãos , ch oraram , so r r i ram , s e pararam—se , e , na do l o rosa s e re n idad e dos grand e s se n
tim e n tos , cada um s e gu i u o seu d e sti n o . E l e e a
so u , e fo i o m e l h o r do s mar i do s . E la caso u tam
1 0 NA V IDA
be m , e fo i a mai s car i n hosa das e spõsas . Mas
do i s i ng l e se s que uma ve z s e n ti ram e e ncan ta
m e nto do ve rdad e i ro am o r, pod e a v i da e mbo ra
s e para-l o s, que nunca mai s se e squ e c e m . Um d ia,
quare n ta e s e i s an os passados , J o e , j á v i úvo ,so u be e m Bombai m que F l o re nc e ti nha e n v i u vado
também . Pe d i u um a l ice nça, e s im p l e sm e nte ,
natu ral m e n te, co m a c e rte za de que e la e stava
e sp e rando po r e l e , v e i o a Eu ropa bu sca—la. Ca
saram e m W e stm i nste r , e,como ves
,e stão pas
sando a lua d e m e l e m L i sboa. No s,l ati n os ,
não pod e mos compr e e nd e r b e m a i n comparáv e l
fe l ic i dad e d e stas d uas c r iatu ras . F.” p re c i so se r -se
nig hts pa ra s e n ti r a te rça d om i nado ra d u m amo r
como es te,i nal te ráv e l e e te rn o
, que sob re v iv e :“
i
ni o e id i id e e . i i b e l e za, e que , quando j á tud o pas
so u,
s e d u ção , g raça,co n ti nua
a i nda na v e l h i c e,com to do o e n tu s iasm o
,to das
as i l u sõ e s,todo o ardo r
,tod o o doc e i d e al i smo da
juVe i i lud e . ti”
- l h e s i n d i f e re n te que o te mpo ve e ,
po rq u e , a sua p r i mave ra e e te rna. I tao -d e ve r
S e mpre um no ou tro , até i i morte , não a re al i dad e
d o que são,m as a image m I
'
GLIÍ O S G do que e ram
l m d ia e m que p r i i i c ip i i i rai i i : i amar-se . Aqu e l e
i ng l e s re a l i zou na v ida o m i lagre da fe l i c i dad e .
l 'i t l 'ít e l e,Il ad y F lo r e nc e e s e mp re l o i ra e te m
e te r nzi i i i c nte d e zo i to
A l u z d o sa lão ba i xo u . Quando nos l e van tamos
I'ª l'
fl sa i r , « 3 do i s ve l hos , d e mãos dadas , ti ta
vam -s» a inda,amo rosam e n te .
A JAN ELA D U S LILASES
D ian te d e m im , na rua on d e m o ro , há um a
an tiga casa do Bai r ro-A l to p o m bal ina, co m o seu
an dar n ob re d e sacadas e,po r c i ma
,a sua l i n ha
d e quatro j an e las d e p e i tos aco nc'
h e gadas ao b e i
r al do te l hado . Te m um a c e rta n ob re za nos tar
g o s c u nhai s de s i lhar ia ; m as tod o o re sto e po
b r e , m al c u i dado e ve l h o . Du rante mu i to te mpo ,
o s e gu nd o andar e s te v e co m e sc r i tos Um b e l o
d ia os e sc r i to s ar rancaram -se,ab ri ram -se as
-v i
d raco s : o u v i u -se can tar, e na jan e la da e sq u i na,
f ro n te i ra ao m e u quarto , apare c e u um grand e
tabo l e i ro fl o r id o d e l i las e s b rancos . Qu e m s e r iam
os m e u s n ovos v i z i n hos ? Qu e m v i r ia m o rar al i
Passaram -se o i to d ias se m que e u v i sse v iv'
al ma
jan e la . Umas co rti nas d e cassa v e laram d i s e r e
tam e n te o s v i d ros ; e se não fo sse , a n o i te , a l u z
que só m u i to tard e se apagava, e o p e rfu m e doc e
d o s l i las e s que e n ch ia rua 'tôda,te r—m e—ia d e
12 N A V IDA
c e rto e squ e c i do d e que naqu e la casa hab i tava al
gu em . Qu i s , po rem , o acaso , que e uti v e ss e um a
c e rta man hã— e que d e l i c i osa manhã d e p r ima
ve ra l— a fan tas ia d e aco rdar mai s c e do . Ab r i
as v i d raças de par e m par . Mal sab ia e u a s u r
p resa que m e e s lava guardada . Na jan e la fron
te i ra, t
'
aiscan te d e so l,um a grac i o sa fi gu r i nha
cô r d e rosa d e b ru çava-se , com um re gado r na
mão , s ôb re o tabo l e i ro d e l l o re s . E ra a m inha
nova v iz i nha. Não m e re co rdo d e te r s e n ti d o
n u n ca um a tão v iva im p re s são d e i n ocên c ia, d e
f re sc u ra,d e f r ag i l i dad e
,d e graça. F i q u e i a o l har
para e la, a s e gu i r—lhe os mov im e ntos , e i nbe ve c id o ,e ncan tado . D e v ta l e r d e zo i to o u v i n te anos . A
não se r os cab e l o s,d um n e gro quas i r ôx o d e
m iné r io,e o s o l h os m u i to p r e tos , mu ito e xp re s
s i vas,nm i lo p ro fu nd os , tud o n e la e r a cô r d e rosa,
a p e l e da face , d o co l o , das mãos , o ro upão l i
g e i ro que a v e stia,o p ro p r i o e fl úv i o que pare c ia
d e sp re nd e r-se d e la e m r e fl e xos rós e os, transpa
re n te s , vo e jan te s , como a atmos fe ra rosada que
e nvo lve , nas g r and e s manhãs d e p r i mav e ra, a
al e gr ia pag ã « tas am e nd o e inas e m fl o r . D i r-se -ia
que a F e m m e r n. d e Mane t,su rg i ra
, c o m o
um c larão , naq u e la jan e la pob re d o Ba i r ro -A l to .
l nvo l nn lãr iam e n lc,so r r i -lhe . E la Il ton -m e
,bai
x o uo s o l ho s o nd e um a nu v e m d e m e lan co l ia pui
rava,acar i c i o u os g rand e s cachos d e l i lase s b ran
c o s que m e pare c e ram cô r d e ro sa sob car i c iadas s uas mãos , se inti lo u u m mom e n to ai n da na
A JANELA D O S L ILAS ES 1 3
g ran d e man cha d e o i ro d o so l , como um a n évoa
rosada d e ante -manhã , e , l e ntam e n te ,d e l i cada
m e n te , d e sapar e c e u po r de tr ás das v i d raças fe
chadas . D af po r d ian te , não houv e um ún i c o d ia
e m que eunão m e l e vantasse c e do . A m e sma h o ra,
e la v i nha re g ar as fl o re s — e eu ab ria a m i n ha
jan e la . As m u l h e r e s conh e c e m s e mp re,m u ito
an te s d e . no s, a natu re za do s e nti m e n to que e m
n ós d e sp e rtam . E '
e v i d e n te que o que eu s e n tia
p e la m in ha v iz i nha não e r a amo r ; m as não d e i
x ava d e se r aqu e la cu r i o s i dad e vo l u p tu osa, aqu e la
insati s fe i ta adm i ração , aqu e la s e n sual i dad e i nte
l i g an te do si l ênc io e d o m i sté r i o . que é quas i se m
p r e po r o nd e o amor com e ça. Cum pr im e ntava-a'
e la so r r ia-m e ; e ,cada d ia que passava, e u p e rc e
b ia que as fl o re s iam l e van do mai s te mpo a re g ar .
l—l av ia n o so rr i so d e ssa e ncan tado ra c r iatu ra
um so rr i so cô r d e rosa como toda e la a vag a
d e l íc ia, e fe m i n i n o p raz e r d e se s e nti r adm i rada :m as não se i que n évoa. d e tr i ste za pas sava d e po i s
nas s uas pá l p e b ras s e m i - c e r radas . como se e ssa
p ró p r ia adm i ração acabass e po r se to rnar para
e la um mo ti vo d e so f r im e n to . Só ma i s tard e sou b e
a razão po rq u e se e nne vo ava d u ma tão co n tra
d i tó r ia m e lan co l ia o so r r i so da m i nha v iz i nha,
e con fe sso que fo i be m do l o roso para m im
conh e ce-la . A s p e qu e nas tragéd ias da e x i sten c ia
são às ve z e s as mai s co n frang e do ras . U m a tard e ,
quan do eu sata, v i n ha s ub i n do a rua um a rapa
r iga v e stida d e pr e to , s e gui da d e um a se nho ra
1 4 NA VID A
d e i dad e . T inha um pé al e i jado d e nasce n ça e
cox e ava. O lh e i-a. E r a a m i nha v iz i nha, que r e
co lh ia a casa. Qu ando passo u j u nto d e m im ,
l e vava o s o l h os ba ix os,o s l áb i o s tre m iam -lhe
,
as l ágr i mas co rr iam - lhe p e las fac e s . D aí p o r
d iante , a jan e la n u nca mai s se ab r i u , e os l i las e s
b rancos , i mag e m d e ma i s um a i l u são p e rd i da,fl
caram a s e car tr iste m e n te ao so l .
1 0 NA V IDA
e um mar r oa e af ron ta para o n om e dos s e nh o re s
Marq u e s e s s e u s pa i s . o s trabal h o s d e um parto
c land e s ti n o . Não e scon do a Vossa Ilustr lssim a
que o ze l o que s e mpre m e m e re c e u a hon ra d este
moste i ro m e fe z re c e b e r com te mo r d e ân i mo e
e sc rú pu l os d e co nsc iênc ia aque la pob re ove l ha
do S e nh o r . Che e n e i a re c e ar a lgum al vo ro ço das
re l ig i osas que ,po r m u i to m e nos , ai n da não há
u m ano , saí ram d e . c ru z al çada ; m as o al vará d e
e l -R e i e a p rov i são d e Vossa I l u str íss ima v i nham
e m o rd e m , e e u não pod ia,se m d e sob e d iênc ia e
qu e b ra d o re sp e i to fi l ial que a Vossa Ilustr lssim a
d e ve . opo r qu al q u e r e sto rvo o u d i fi c u l dad e as o r
d e ns re c e b idas . Log o n e ssa n o ite Sóro r M i cae la
so f re u tão re p e ti d o s ac id e nte s , s e gu ido s d e um
lo ngo e morta l l e targo, que e u, mad re vigár ia
e a m e stra d e nov i ças , que lhe as s i sti mos se mp re ,c u i damos que D e us
'Ie r ia p i e dad e d e la e cha
mar ia a m e l h o r v ida. Mas aqu e l e s a qu e m D e u s ,
p o r sua i n fi n i ta m i s e r i có rd ia,co n c e d e na te r ra a
g l ó r ia d o so f r i m e n to,não d e scan sam na mo rte
se m a l e r he m m e re c i d o . Até re c e b e r a e stam e nha
da ap rovação , a d e sgraç ada m e n i na não l e ve um a
ho ra que não foss e . d e l ág r imas , d e gr i to s e d e
º ftl'
l tlm l r s do mu nd o , com m a i s com pu nção d o que
bo m e xe mp l o para as re l i g i osas des te moste i ro .
SHIP Vossa l lustr fsim a,m e l h o r tal ve z d o que eu,
o que se pas so u na v i da d e Só ro r M icae la ante s
de a traze re m para e s ta casa, e D eus sab e m e l h o rdo que nos ambos , s e nho r Arc e b i spo , co m que
sont in M [ CAR LA 1 7
d u re za d e a l ma ar rancaram ao s e i o d e ssa pob re
pe cado ra, que po r d i v i na vo n tad e fo i m ãe , 0 f i l h o
que ne m po r se r do se u op ro b i o e r a m e nos do
se u c o ração . Ne m a i dad e , s e nh or A rc e b i s po ,
n e m a d ign idad e do háb ito que há c inco e n la an os
m e . v e ste , p u d e ram e x ti ngu i r d e tod o e m m im a
voz da p i e dad e h umana . Vi,co m o s o l h o s razos
d e águ a,p r i n c i p iar o nov i c iad o d e S ó r o r M i cae la .
Ad iv i nh e i tu do qu anto mai s tard e hav ia d e acon
te c e r,e os j u s tos mo ti vos que te r ia. para a l v o ro
çar-se o ze l o d e Vossa Ilus-tr íssim a . S ou te stim u
nha d e que a pob re m e n i na,p e l o fe rvo r da o ração ,
p e l o s r igo re s da p e n i tênc ia,p e la mo rti fi cação das
d i sc i p l i nas e dos j e j u n s,fe z q uanto cab ia nas fô r
ças du ma f raca mu l h e r para l i b e rtar a sua al ma
d e tódas as paix õ e s da natu re za e d e tod os o s
afe c tos m u n danos . Não qu i s D e u s que o co n s e
gu i s s e , po r seum al e p o r m al d e sta com un idad e .
Pod e s e car-se , n u m co ração d e mu l h e r , a se lva
d e todos os amor e s ; n u n ca, s e nh o r A rc e b i spo , se
e x ti ngu i rá a do amo r mate rn o . Con tam -se as
no i te s e m que o s so l u ços e os gr i tos d e Sóro r
M icae la não aco rdam o moste i ro , como u i vo s d elóba que e ncontrass e mo rta a cr ia. Du rante o s
o fíc io s d iv i n o s , o nd e vai amparada às ou tras n o
v igas , cai e m êx tas e s e e m l e targ o s, chama a altas
voz e s p e l o fi l h o , e scabuj a no chão , rasga o háb iton o pe i to
,e não há au to r i dad e d e p r e lada que a
d om e,n e m s úp l icas d e i rmãs , n e m am e aças d e
cá rc e re e d e cop o , po rq u e , n e ss e s i n stan te s , Só ro r
l 8 NA V IDA
M i cae la não ou v e . ne m Vá. Tu do quan to nas im a
ge n s e n o s pa i n e i s d o co nv e nto re co rda a obra
d iv i na da Mate rn i dad e , e , para a tr i ste p e cadora,
mo ti vo d e m o r ti fl e ação e . d e l ág r i mas . A i n da
on te m a mad r e e scr i vã mandou cob r i r d e pan os
o pai n e l da Vi rge m que e stá n o côr o d e c i ma,
so b re o cad e i r ado da ban da do Evange l h o , po rq u e ,d ian te d e l e . So ro r M i cae la ca ia com ac i d e n te s .
Po r ma i o r que s e ja n o moste i ro a com paix ão , não
s e pod e , s e nh o r A rc e b i spo , n e m calar as m ur m u
tacõ e s . n e m i m p e d i r o e scânda l o . Há tr ês n o ite s ,fue in da r e ta, d e sc e u as e scadas até a i g re ja
,e
fo ram as d o na las e nco n tra- la an te s da ho ra d e
p r ima , d e sp ida e m cam i sa. ca i da como m o r ta
nas lag e s d o chão , a e mbala r e a aco nch e gar ao s
p e i tos um a i mage m do M e n i no . S e não te e m a
. .i r idad e d e a l e var d e sta casa, ou mo r re , ou e n
ln l tq l te f'
c . Qu e re m que Só ro r M i cae la s e ja f re i ra :
o que e la e.. s e nho r A rc e b i spo , é m ãe . Faça Vossa
Ilustrlss im a, p e l o m u i to que pod e a sua v i rtu d e ,
que o m e smo côch e que a tro u xe a v e nha bu scar
o u tra ve z . I te n s e n s i n o u -n os a su p re ma doçu ra
do pe rdão . S e a s úp l i ca que os m e u s s e te nta
anos faz e m ao s s e nh o re s Marq u e s e s e a Vossa
Ilustr lss im a não m e re c e r a graça d e se r e sc u
l ada .
—ao m e nos,s e nh o r A rc e b i spo
, que o m e s
te i r o possa adoptar e s sa c r iança,e que Sóro r M i
c ae la, re co l h i da como s imp l e s dona n e sta casa
d S . B e n to ,te nha a i n da a c on so lação d e s e n ti r ,
no bá l samo p i e doso das l ág r imas , que D e u s p e r
só no n M ICAE LA 10
doa e so r r i a tôdas as mã e s . Braga, R ial M o s
te i r o d o Sa l vado r, e m mai o d e 1 782 . M i
n i ma se r va d e Vossa I l u s tr í s s i ma, Madr e Ana
d e S an ta R o sa,abad e ssa. »
m e o D E GONDIM
lªl n e o n l r c i e s tas pág i nas nas ft'fe m ó r ius i n ti mas
do nob re ma rq u ês d e v i eu7 '
que fo i um a
das mai s int -re ssaute s fi gu ras da L i sboa român ti ca
d e IM O :
« M e u fi l h o casava na cap e la d o Paço d e Gon
d im,so lar da s e nh o ra sua sogra,
e l i nh a-se c o n
e e r tad o que la pas sar ia a lua d e m e l . M e ti n u m
ma l o te a casaca az u l d e Lo nd re s , o m e u chapeu
Nlur i lto ,
u ns e scar p i n s d e . bai l e , u m l e nç o d e cam
hr a ia para o p e scoço , compu s ao e sp e l h o o m a i s
hc l i e vo l o so r r i so d e pai , C l ll b l'
l l lhe t—l l'
l f—J na m i nh a
e apa Lo rd ltvr o n , e no p róp r i o d ia do casam e nto ,
d e mad ru g ada,aba l e i para Gond im .
Iªl r a um a ve l ha casa n ob re d o séc u l o XV I I , com
o s e u c n nhat d e . armas , o se u e i rad o d e a l p e nd r e ,
a sua to rre s i n e i ra,o se u vasto páti o so l ei l
( d l'tl l tl U S t) e so athe i r o como um c lau stro e apucho ,
PAÇO D r. GOND IM 2 1
para o nd e se d e b ruçava, e n fe i tada d e rosas , a ja
n e la d o quarto d os no ivos . Logo que ch e gu e i ao
so lar cam inh e i d e s u rp resa e m s u rp resa. E u e o
nhe c ia, d e trad ição , a casa i l u s tre d os No r o nhas,morgado s d e Vi la-Ve rd e , com e ndado re s d e Gon
d im e de Bo rba, m u ito ch e gado s ao Paço d os re i s ;
sab ia p o r m eu fi l h o que , mo rto o s e nho r da casa
e m Mad r i d , c i n co anos an te s,toda a famí l ia se
re d u z ia a morgada v i úva,a fi l ha,
m i nha f u tu ra
no ra, e a u m pob re e gre sso da p rov í nc ia da So l e
dad e,ve l h i nh o d e o i te n ta an os , que al i ti nha
s id o re co l h i do po r car i dad e c r i s-l ã : m as e stava
l o ng e d e s u po r que naqu e l e s paço s m o ravam as
tres a l mas ange l i cas que l á e nco n tre i . H s p r i
m e tros b raços e m que ca i fo ram os d e F re i A o
tón io d e Mar ia San tí s s ima . pob re f rad e, que
n u nca m e v i ra,cho r ava, be i java-m e as mãos , p e
d ia-m e,l e vado e m l ág r i mas , que não lhe l e vass e
dah'
o s s e u s r i co s m e n i n os . l ) e po i s , fo i o m e u
f i l ho que assom o u ao e i rado . R ian i - the os o lh os d e
f e l i c i dad e, ati ro u u n s ar re i o s d e e star d io ta que
traz ia,d e sc e u d e e scan l i lhão a
'
e scada pa r a m e
ab raçar . Que não m e d e mo rass e , que v i e s s e d e
p re ssa, que as s e nho ras e s tavam e m c ima, na
sa la,i m pac i e n te s po r conh e c e r-m e
,
— e lá f u i,
nos b raç os d e l e . e do e g re sso , e m q nan to a s i n e i ra
da cap e la re p ic ava, até a p e q u e na sa la d e e sp e l h o s
d o so la r,e m c u j o s te to s V i e i ra Lu s i tano p in lar a
um a re voada d e Amor e s,e o nd e m e e sp e ravam
as d uas mai s g rac i osas , as duas ma i s d oc e s fi gu ras
NA V IDA
d e mu l h e r que a i n fi n i ta bondad e d e D e u s te m
posto al gu m d ia d ian te d os m e u s o l h os . Pare c iam
i rmãs . So rr iam ambas como d uas c r ianças . A
ma i s nova, que m eu fi l h o to m oup e l o mão
,mu i to
l o i ra, co m uns grand e s o l ho s azui s e um v e sti
d i nho cu rto d e mu sso l i na bran ca,e r a a m i nha
f u tu ra fl lha. Tanto q u i s e mos b e i jar as mãos u m
ao o u tro , que a aco nch e gu e i ao m e u p e i to e a
b e i j e i l o ngam e n te na te s ta.
— « E' s e nho ra sua
i rmã,m i nha m e n i na ? » —p e rgu nte i , o lhan do a
s e gu nda,a i n da mai s b e la
, que f i cara ass e n tada
no sofá , n uma mancha d e v e l u d o co r d e v i o l e ta,
um l e q u e p e qu e n i n o nas mãos , um a c ru z d e Mal ta,d e di amante s
,sôb r e o p e scoço do i rad o p e la l u z .
A m ão que b r i ncava com o l e qu e avanço u l e n ta
m e n te para m nn,s e n ti-m e e nvo lv i d o na doç u ra
d u m grand e so rr i so,e um a voz d e anj o , um a voz
i n comparáv e l c h i l re o u, tr i ton , can to u n um g o r
ge i o : — « S oua Não se i qua l fo i mai o r , se
o m e u e spanto , se o m e u e ncan tam e n to . M e u ti
lho r ia, a no iva r ia tambem,e e m quan to e uo scu
lava o s d e dos b rancos que se o fe r e c iam ao m e u
b e i j o,fªre i A n to n i o d e Mar ia S antíssim a, i nun
dado d e j úb i l o , apo n tava-m e r i nd o a mo rgada :
« Ve ja Vossa I'lx c c le n e ia que tambem S ua S e n ho
r ia par e c e i rmão do s e nh o r se u
[ 1 0 8 0 que o s fidalg o s d e M e r zo ve l o s ch e garamc o m as fl lhas, nas d uas l l tttl l 'íl s ve l has da casa
,
mu ito aj o u jados d e p r e s e n te s d e p ratas para os
no i vos, o casam e n to fe z-se a cap u cha na cap e la
24 NA V IDA
va- lhe m ãe ; l l lha d e la chamava-mc pai ;— e, e n
tre tau to,não hav ia pare n te sco e ntre nos ambos .
U sangu e do n osso sangue , a a lm a da nossa a l ma
e o ul'
ul n l ia-se ,naqu e l e i n stan te
,n o b e i j o s u p re mo
dos nossos Í l l ho s ; e nós c o ntin i túva luo s, m e ras
somb ras d e acaso,a se r d o i s e s tranh os u m para
o ou tr o . N e nh um d e nos ti nha d i re i to a doç u ra
daqu e la inti m idad o , ao êx tas e daqu e l e . e ncan
tam e n to,ao m is té r i o daqu e la so l i dão . E ramos .
para os nossos fi l h o s — os sog ros . Eramos,u m
pa r a o o u tro n i ngu em .t t amor que r e sp lan
« Ic e ia can tava na a l ma d e ssas c r ianças,nada
tinha j á d e c om um com as c i nzas d a nossa d u p la
v i úvo , . Não . Aqu e l e . lar nao e r a o m e u. Aqu e l a
fe l i c i dad e não e r a m inha. E u não pod ia, não
d e v ia passa r a l i aqu e la n o i te . Le van te i-m e para
o d iz e r a e ssa doc e mu l h e r d uma tao p e rtu rbado ra
be l e za, para m e d e sp e d i r d e la,para s e n ti r
,a i n da
um a ve z,a CQ PÍ t' Í H p e rfu mada das s uas maos ,
q uando , d e r e p e n te , a jan e l a dºs no i vos se i l u
m i no u . lª ir zi l no s o l ha- lu, u m j u n to d o o u tro ,iuu
'
m ' is .e ncan tados
, num scu'
r is'o d o in e x p r iutívo l to ruul u. Em to d o o nosso passado
,Iôda a
Nossa l l l t l t' l t l íl t lv , a. nossa v ida i n te i ra a r o l l o r i r
un tu'tju d os Il t l S S t l s .Í i lho s . Que , l l l l l tl'
l' l i l t d que
tud o n o s se aqu e la p e q u e n i na l u zno s u n ia pa ra s e mpre
, n o m e smo e n làvl i,n o
m e s mo e ncan to,na m e sma b eul itud o ? l nse us i
ve l l n e uto,
as nossas mãos e n lm gar am -se ; s e n ti
mos , nos ambos,o que hav ia d e sagrado naqu e l e
PAÇO D E c ono w 25
i n s tan te ; e , até que a l u z da jan e la se e x ti ngu i u,
como se fôs se mos um a só al ma,u m so co
ração,cho ramos abraçad os , e m Qu an
d o ac o rdámos do n osso so nh o,o ve l h o e gre s
so , d ian te d e nos, d i z ia-n os , e nx u gand o as l á
g r imas : - « ivtcus f i l h o s,e se e u os casass e tam
bém ? »
I l oj e,m e i o ano andado , to da a ge n te chama
ao Paço d e Go n d im a « Casa d os q u atro n o i vos »,
o san to F re i An to n io d e Mar ia San tís s ima, se
De u s lhe d e r a i nda u ns m e s e s d e v i da, vai te r
do i s bap ti zados na sua cap e la» .
0 ES PELHO
U n te m , na q uarta-re i ra d e br idg e d e M r s .
l lutchinso n,al gu em fa lo uda l o u c u ra do d r . Sou to
e da e n trada do pob re med i co n uma casa d e
saúd e d e L i sboa .
Conh e c ia-0 p e rgu n te i e uao i l u stre advo
gado Z . , que acabava d e at'
undar num a po l tr ona
o se usm ok in g e a sua i nal te ráv e l s e re n idad e .
Pe rfe i tam e n te . Fo ram os m e u s c r iados que
o e n tre garam a po l íc ia .
C o m o ass im ?
advogado Z . ati r o u pa r a c ima da m e sa. o
n úm e ro do Er cc l s i o r , que e s tava te ndo,c ru zo u
t'
:un i l iar nte nte a p e rna, e tambo r i lando sôb r e. o
j o e l ho com os s e u s d e dos ttno s,ch e i o s d e ané i s
d e mu l h e r,co n to u-nos :
—E tt conh e c ia ap e nas d e nom e o d r . So u to ,q uando , há ta lve z v i n te d ias , re c e b i a sua v i s i ta
no m e ue sc r itó r io . E ra u m c l i e n te como qua l q u e r
o E S PELH O 27
o u tro : mand e i-o e n trar . Apare c e u -m e u m h om e m
al to , m agro , u m pou co c u rvado , v e s ti d o d e p re to ,com os om b ro s largo s e d e scarnados das c r iatu
r as h e rcú l e as qu'
e a d o e nça d e vasto u , um a bar
b icha ru i va e rala, u n s óc u l os d e m íop e , um a
c e rta d i sti n ção tím i da d e man e i ras . Du rante os
p r im e i ro s mom e n tos da nossa conv e rsa, não
ho u v e u m ge sto,u m o l har, um a palav ra que
p u d e s s e m j u sti fi car a mai s l e v e d úv i da sob re o
seu e stado m e nta l . Fa l o u da sua c l í n ica,dos s e u s
m e i o s d e fo rtu n a, da p e rf e i ta hono rab i l i dad e d e
todo s o s s e u s actos , da sua v i da inal te r ave lm cnte
e sc ru p u l osa,e,c omo se al o ngas s e e m d ivagaçõ e s
que m e par e c e ram d e m e d ío c re i n te res s e, p e r
gun-te i - lhe a que d e v ia o p raz e r da sua v i s i ta.
V inha co n s u l tar-m e,po rq u e ti n ha n e c e ss i dad e
do s co n s e l h o s d e u m advogad o ace rca d e fac to s
que co n s i d e rava e xtre mam e n te grave s . A sua
re p utação e os s e u s hav e r e s e nco n travam -se e m
p e r igo,porq u e d e te rm inada p e s soa,
cu ja idcn ti
dad e d e sconh e c ia a i n da, abu sava da sua s e m e
lhança f í s i ca co m e i e para p rati car ac tos e co n
trai r com p rom i sso s que o ar r u i navam e o d e so n
r avam . O l h e i—o , ja com c e rta e s tranh e za. A fac e
con traí ra-se -Ihe . Tr e m iam - lhe as mãos . Pe r gun
te i- the se se tratava d e fac tos av e r i guados , ou d e
s im p l e s s u sp e i tas . R e sp on d e u—m e que v i ra, e l e
p r óp r io , na rua d o Our o , ao vo l tar um a e squ i na
o hom e m que e s tava com e te ndo o rou bo da sua
p e rso nal i dad e , e que com e çara d e sd e e ntão a r e
28 NA V IDA
co nh e ce r,com um a e v id ên c ia i n qu i e tan te , i n
fl nnc ia d ess e d e sco nh e c i do e m todos o s aco n
te c im e n to s da sua v 1da.
— « O m eu sós ia— con ti
u n ou e l e re a l i za man i fe s tam e nte acto s que m e
comp rom e te m,e e u j á s i n to , e m vo lta d e m im
,
a d e sco ns i de r ação e o d e sp rezo d e tôda a ge n te
D e se j o sab e r qu' m e i o s m e facul ta l e i para
ass e gu r ar a poss e e xc l u s iva da m i n ha fi s i o n om ia» .
Pe rc e b i d e s te l ogo -e e r a, d e re sto , fac i l — que
ti nha na m i nha p re s e nça u m i nd iv íd u o ano rmal .
Na nossa c l i e n te la d e advogados,são m e n os raro s
do que se s u põ e es te s ti pos d e D e r se cutó r io s e
d e que r e Ian-tcs, que p re te n d e m re so l v e r nos tr i
bu na i s o s i n c i d e n te s im ag inár i o s c r iados p e la
sua l o ucur a. P roc u r e i aca l ma- l o,e , ao m e smo
te mpo . e sc lare c e r,para tranqui l i dad e da m i nha
c o nsc iênc ia p ro f i ss i o na l , o que po rve n tu ra p u
d e ss e hav e r d e re a l e d e co n c re to nas ap r e e n
sõ e s d o m e u novo c l i e nte . Não fo rn e ce u u m
e l e m e n to,não p re c i so u u m fac to . L im i to u -se
re i v i nd i c ar,n uma e x c i tação c re sc e nte , que s
trad u z ia j á po r um a c e rta] an s i e dad e d e e xp re ssao ,
aq u i l o a que e l e chamava « o d i re ito d e p o s
sn i r um a fts io no m ia p ro p r ia» . T ratava—se , e v id e n
te m e n te , d e um lo uco . Par a pôr te rmo a um a
s i tuaçao que não pod ia se r -m e agradáv e l,l e van
te i-m e,d e sp e d i -o
, e d i s s e—lhe que não hav ia nos
cód igo s d i s pos i ção a l g uma que p ro i b i ss e d e te r
m i nado ind ivíduo d e se pare c e r f i s i cam e n te . com
ou tro . E le l e van tou—se também,c ump r im e n to u
o ESPELH O 20
-m e , e co n c lui u , já. n o l i m iar da po rta, com po ndo ,com o s d e dos d e scarnad os e tr ém ul o sf o s s e u s
g ran d e s óc u l o s d e «d ro p — « T e re i e ntão,m e u caro
s e nho r, d e faz e r j u s ti ça p o r m i nhas mãos » . Logo
que v i sai r o d r . Sou to,av i s e i im e d iatam e n te o s
e mp re gados do e sc r i tó r i o d e que não to rnar ia a
r e c e be-l o se e l e vo l tass e . T r ês d ias d e po i s , vo l
tou. Como m e n e garam,d e ix o u d uas palav ras
e sc r i tas num cartão d e v i s ita. E stava re so l v i d o a
m e te r um a bala na cab e ça do d e sconh e c i d o que
« u s u rp ara sua p e rso na l i dad e »,e p e rgu ntava-m e
se pod e r iam sc r-lhe e x i g idas r e spo n sab i l i dad e s
c r i m i nai s p o r êss e acto i n e v i táv e l . Não l he r e s
pon d i . Passaram -se ta l v e z d uas s e manas . Um a
b e l a manhã , quan do e u saía do m eu quarto, o
c r iado an u n c io u -n te a v i s i ta d o d r . So u to . Co n
fe sso que não ti nh a p r e v i s to a e v e n tu al i dad e d e
e l e m e p rocu rar e m m i nh a casa.
— « Man do u -o
s ub i r ? n — « E s ta na sa la» , re s pon d e u -m e o
c r iado . Ia tran sm i ti r ao m eu s in i stro c l i e n te que
não pod ia re c e be- Io naqu e la ho ra qu an do o u v i o
ruíd o seco d u m a d e h-
m ação . D e po i s o u tra, e
o u tra. Co r r i . Na m e ia obsc u r i dad e da sala, d e s
fi gu rado,ar que jan te , u m r e vó l v e r e m pu nh o , o
pob r e d r . Sou to c r ivava d e balas sua p róp r ia
i mage m re fl e c ti da no e sp e l h o do i rado du ma cr e
d e nc ia . C i nco m i n u tos d e po i s . o s c r iado s d e sar
m avam —n o e e n tre gavam -no a po l íc ia.
AN D R OMACA
Pa r a ch e g ar a ( laste l o -c ttiso , e m c u j o co u
ve utinho m e e sp e rava a mai s fi dal go ho S p ital i
dad e , e ra p re c i so atrav e s sar q uas i um a l égua d e
mon tados . A char r e tte d e i xoua e s trada e co rtou
t m ão d i re i ta po r um car re te i ro e s tre ito,roçado
d e fre sco n u ma e ncosta r óx a d e mato que ir ó .
Naqu e la tard e ard e n te d e j u nho,o so l e scal dava
e o m o um a labare da. Zumb iam m o scõcs, sc i n'ti
tan do . U tl l ch e i ro ac re d e u rz e ard i da, d e r e
s i nas qu e i madas , i m p re gnava o ar . Estávam os e m
p l e no montado,e m p l e na éc l oga al e n te jana. Lo n
ue. sob re umas te r ras ad u stas d e .ccn te i0 , p u tv e
rutc ntas como um a fo rm idáv e l toa l ha d e c i nza,
o i r o e spesso da atmosfe ra pare c ia re fe rve r ,o l e oso , baço , i r re sp i ráv e l . Pe rto
,com e çavam a
p e stic tt ld l' os sob r e i ro s , to rc i dos , d ob rados d o va
re j o d o v e n to,i mob i l i zados e m grand e s atitu d e s
h umanas . Fu i o l hando , quas i u m a um, o s tron
32 NA v
e rgu e n do -se n o mosai c o do i rado d o céu . A son o
l euc ia da ses ta e a mono ton ia da pai sage m . e n tre
pastadas d e l u z e . comas d e sob r e i ro s , com e çavam
a i n vad i r-m e d um vago to rpo r . C e rre i o s o l h os .
Pass e i p e l o so n o . E n tão , uns lati d os l ongí nq uo s
d e sp e rtaram -m e ,v i ndos d e bai xo , da e ncosta
mansa d e az inho s que iam o s d e sc e ndo .
'
A so l i
dão , o há l i to ard e nte e d io n i s iac o da te rra, a p ró
p r ia s e re n idad e v i rg i l iana da natu re za to rnavam ,
não se i po rq u e , mai s co n f rang e do ra. ai n da e s sa
vo z d e an ima l d o l o ro so . E ra u m lad r i d o agu do ,s e g u ido d u m l ongo u i vo quas i h u man o , que to
mava,a m e d i da que no s ap rox im ávamos , um a
e xp r e ssão ma i s im p re ss i o nan te e mai s afl i ti va .
.l a íamos p e rto , d e re p e n te , um ch e i r o
nau s e abu ndo,u m ch e i ro adoc i cado d e cadáv e r se
m i s tu rou, no ar i mov e l , ao aroma b rav i o da char
n e ca. O l h e i,para u m e ou tro lado
,as mo i tas d e
e ste va a lapadas , as chas d e sargaço que f um e-ga
vam como e stru m e ao so l , a ve r dond e v i r iam
aq u e l e s u ivos d e tõba e aqu e l e bafo d e pod r i dão .
Não ti v e d e p rocu rar mu i to . N um côncavo d e
rocha i r rup ta ond e os grão s d e m ica fai s cavam ,
um cão mo rto , abati d o na vésp e ra a cajado , jaz ia
sob r e um a pe ça d e sangu e . T i nha a p e lage m
ru iva dos cãe s d e pasto r,a cab e ça ab e rta, as
patas h i rtas . Ao pé d ete , e n latn'
fcada, h i rsu ta ,
c o m as te las p e nd e n te s , o s o l h os v i d rados d e la
g r nnas, um a cad e la n e g ra u ivava c gan ia .
“,o n
s i d e re i , um i nstan te , a g rand e za daqu e la tragéd ia
AND R ÓMACA 33
h um i l d e . O so l p r i n c i p iava d e c l i nar . R e voadas
tran qui las d e c e gonhas , pa i ravam . O car ro se
gu i u . Quando ch e gu e i a Cas te l o-V e nto so , — na
q u e b rada d i s tante,os lati do s d o pob re an imal
ouv iam -se ai n da .
ANA PEREGRINA
A ú l tima g e ração que te v e,e m Po rtugal , o
cu l to da ati tu d e , o d e sd e m do p r e co nc e ito e o
e sp i r i to da an e cdo ta, fo i a moc idad e do i rada d e
t860 .
Um ve l ho am igo m e u co n to u -m e o n te m a se
g u in te h i stó r ia dos | ) t) l l S te mpos da sa ia d e bal ão
Um dos f re que nta do re s do Mar rare « d e po l i
m e n to » e r a,e m 1 862
,o moço D . José gran d e
tocado r d e gu i tarra,m u i to fi da l go e mu i to boêm i o ,
que b l asonava da c ruz d o b r o dos Me l o s e das se is
arru e las d e az u l d os Castros,e e m c u ja b e l e za
l o i ra, i n do l e nte ,f rág i l , q uas i fe m i n i na como a d e
ce rtos r e tratos d e Van D ic k , hav ia o s e sti gmas
d uma raça p re d e s ti nada a e x ti n gu i r-se p e la tub e r
culo se . Um a no i te ,es te rapaz
, que ch e go u a te
n e n te d e caval ar ia,e que v iv ia, a i n da e stu dan te ,
n um quarto a l u gado d o A rc o d o Mar quês d e Al e
g re te , co nhe ceunum bai le de m áscarasum aMim i
A NA PER R G R INA 35
do Bai rro A l to , e n cantado ra rapar ig a d e 1 8 an os
chamada Ana P e re gr i na, que se to rn ou cé l e b re
mai s tard e p e la do l o ro sa e xp r e ssão com que can
tava o fado . apaixonou -se po r e la. e na p ro p ri a
no ite do ba i l e c on ve nc i d o d e que aqu e l e am our
san s l e nde m aín. d u rar ia a e te rn i dad e d e a l gun s
m e s e s . p rop o s-the a v i da e m com um e l e vou
ai n da ve sti da d e p asto r inha Ln fs xv , para o seu
pob re quarto d e so l te i rão . Quan do o s do i s , no
d ia s e g u i nte . aco rdaram para a co nsci ênc ia das
re al i dad e s d o mu ndo . e la l e mb rou -se d e que ti nha
e mp e nhado o seu ú n i c o v e sti d o e as s uas ú n i cas
botas d e duraque para pod e r v e sti r-se e cal çar-se
d e se tim côr d e ros a para o bai l e d e S . Car l o s e ,
e l e v i u -se ob r i gad o a co n fe s sar . d e po i s d e te r vo t
tado d o avesso to das as al e ib e i r as, que o d i nh e i ro
que possu ía não lhe ch e gava para o luxo i ncal
e uláve l d e d e s e mp e nhar fôs s e o que fôss e . Mas a
moc i dad e ,quan do am a.
não te m e x igênc ias que
não se jam as d o p ro p r i o amor . Passo u o Car
nava l , e aqu e la lua d e m e l co nti n u ou , e ntre r i sos
e b e i j o s , fado s e g u itarras . co m tão e mb e v e c i da
paix ão, que Ana Pe re g r i na te r ia ch e gado c o ns i
d e r ar -se fe l i z no seu« paraí so se m cad e i ras » , c om o
e la r iso nham e nte chamava ao quarto e m que v iv ia.
se a fal ta d e v e sti d o não lhe e sti ve sse tran s fo r
mando ess e parai so n uma p r i são . E la não pod ia
sai r mascarada; ê l e não lhe dava d i nh e i ro para
man dar bu scar a ro u pa . E a pobre rapar ig a, farta
de passar o s,d ias na cama e de i r ab r ir a po rta
36 NA V IDA
ao pad e i ro ve sti da a Luís xv, com e çou a s e n ti r
e ssa vac a n osta l g ia cla l i b e rdad e , que p r i n c i p ia
q uando o amo r acaba . e que é quás i s e mpre ,
n e stas l igaço e s e rr-m e ras, a e x p l i cação fác i l d o s
b ru sco s romp im e n tos e das i nte rm i náv e i s sac i e
dad e s . Passou -so um mês . Urna o e as ião,os am i
g o s d e D . Jose . e e r to s todas as n o ite s n o s e g u ndo
i ndar d o A rco d o Marq u ês d e A l e gre te para ou v i r
can tar a Ana, c o m pad e e e r am-se d e la e coti za
ra in -se para d e s e mp e nhar-lhe o v e sti d o e. as botas
d e dur aque . A rapar i ga, só com a p rom e ssa.
'te ve
um a al e gr ia tão g rand e . que r i u , ch o rou . can to u.
dan ço u . b e i j ou—os a todos . e n ch e u aqu e l e quarto
d e e studan te d e ta n ta v i v e za e d e tanta g raça, que
o m e u vélho am i g o . ao contar-m e e sta an e cdotada sua moc i dad e
,l i nha a i n da d iante dos o l h o s a
hº n ra d e l g ada e quas i i n fanti l da Ana P e re gr i na,
s e n tada e m c ima da m e sa, ab raçada a gu i tarra
como a Fin e t'
te d e Watte au , e mostran do a m e ia
d úz ia d e rapaz e s . a. l u z d u m cand e e i ro d e latão,
os bu racos das s uas m e ias d e seda cô r d e
N e ssa n o i te,a saída,
D . José , ap re e n s ivo .e m b ru
l had o nu m gabão , ae o m panho u os am igos,d e s
( : l' l l (
'um e l e s até ao p r im e i ro patamar da e scada,
e. e m s e g red o , para que Ana Pe re gr i na não ou
v i ss e . p r e v e n i u -os :
Vocês d ê e m p e qu e na os v e sti do s que qu i
s e re m . m as não lhe d ê e m botas .
Po rqu ê
Po rque se e la se apanha co m botas , safa—se .
ANA PEREGR INA 37
M e u ( l i lo,m eu f e i to . No d ia s e gu i n te ,
d e m a
nhã,Ana r e c e b ia o seuv e s ti d o d e p e k i n v e rd e co m
r i scas cô r d e c e re ja, e se u e no rm e ba l ão , e se u
chapéu d e pa l h a d e I tá l ia com r o s inhas d e tou car ,
e —0h,f e l i c i dad e l — as s uas s u sp i radas bo tas d e
dur aque c i n z e n to , p e sp o n laf las d e b ranco , ab o
loadas ao lado , p e qu e n i nas como ca i xas d e j ó ias .
N e ss e m e smo d ia,
— t'
ug i u d e casa e n i ngu ém
ma i s a v i u . Q uan do a n o i te os am igos ch e garam ,
José,m ui to pá l i d o
,a arr e p e lar-se e
'
a ch o rar
como um a c r iança, g rito u - l h e s :
E u b e m l h e s d i z ia a vocês que não se pod e m
dar botas um a mu l h e r !
A MULHER DE BR ANCO
Q uand o d e sc i o Ch iado com o m e u co l e ga d r .
e ram 1 1 ho ras . Vínhamos d e as s i sti r a o p e
r ação d u m nosso ve l h o am igo,u m hé rc u l e s que
caí r a ,as p r im e i ras go tas d e c l o ro fó rm io , r e c i tand o
ve rsos d e H o rac io . Estava um a manhã adm i ra
ve l d e p r iu'
i ave r a. Quan do passávamos d ian te da
R e na rd , um a s e nho ra,d e . d e n tro d um auto nu
'
ive l
parad o chamou o m e u co l ega. Eul r e l ive -m e a
o lha- lo s, e m quanto Co nv e rsavam : ê l e , r i so nho .
bru sco,fam i l iar
,a g o la du casacão l e van tada, as
mãos nas a l " ib e i r as, a vo l ta do guarda-ch u va pas
sada no b raç o ; a1a, n o va,l o i ra
,v i n te e o i to an os
ta l ve z,u m pou co masc u l i na, u m tr oue ur b ranco
u m as l u vas lar g as ( l e camu rça b ran ca,u m p e ti t
m arq u is b ranco pos to a banda na cab e ça, c omo se
a « Mu lh e r d e branco » d e J oh n Op i e , com os s e u s
cabe l o s d e fogo e o s s e u s o l h o s d e laiança, s u r
40 NA V ID A
s e u s grand e s o l h os pardo s, que pare c iam azui s
v i vo s na sombra d o chap éumo l e d e v e l u d o .
Não se i .- Po i s eu lhe co n to . I n fe l i zm e nte posso-o fa
ze r,po rqu e e l e mo rre u -m e n os b raços . Fo i um a
tragéd ia ob scu ra,m eu am igo
,m as fo i um a
g rand e tragéd ia
q uan to d e sc iam o s a rua do Carmo , o d r .
S .
,co m 0 m e sm o ar b ru sco e sacu d id o d os se n
g e stos e das s uas passadas , con to u—m e , comov id o
a i n da,a mo rte do n osso p ob re co l e ga. Du ran te
todo o te mpo que e l e fa l o u , n e m u m só m om e n to
a grac i o sa fi gu ra da mu l h e r d e b ranco , com o
seu p e l i t-m arr quis à. banda sôb r e a grand e m an
cha f u l va dos cab e l o s , d e ix o u d e passar d ian te
dos m e u s o l h o s,so rr i n do
,como um a obs e ssão .
-V0cê tal ve z sai ba que o R e nd u fe , qu ando
ti nha v i n te e tres , v i n te e quatro an os , e ste v e
parap l eg i co . Tal ve z um a co i sa e sp e c í fi ca,po rq u e
o rapaz trato u -se e m e l h o ro u . F icaram umas i n
co o r d e nacõe s d e mov im e n tos , u mas d e so rd e n s d e
s e n s i b i l i dad e,aqu e la marcha l ig e i r anu
-n te e spas
m o d i ca que vo cê lhe co n h e c e u , j á um po u co m e
d ificada,um pou co co rr ig i da nos i
'
i l tim o s anos .
( lomo no s,méd ico s
,não p e r c e lnn no s nada d e
do e nças,d i s s e -lhe que car re gass e no iod e to e que
fôss e v ive ndo . Um b e l o d ia, tal v e z u m an o an te s
d e mor re r, o R e n du fe p roc u ro u—m e e m casa .
Vi nha ma i s pá l i d o d o que d e costum e,e m b ru
thado n um grand e casacão e scocês , um a b roch u ra
A MU LH ER D E BR ANCO
amare la d e bai xo do b r aç o . F e chárno -no s no e s
c r i te r i o . O s u o r borbu l hava-Ihe da te sta, as
mãos tre m iam -lhe s ôb re a vo l ta d e o i to da be n
gala . V i nha p e rgu n tar-m e,so b o mai s abso l u to
s i g i l o , se e u e n te nd ia que e l e pod ia"
casar-se .
Eramos do i s méd ico s — d iz ia e l e d e v íamos fa
lar com f ranqu e za um ao o u tro . Exp o s -m e,com a
mai o r l u c i d e z, o seu cas o c l í n i co ; fe z , d e sd e os
v i nte e três an os , a. h i s tó r ia da sua anti ga paral i
sia ; co ntou -m e a s i tuação e m que se e nco n trava,
no i vo d uma m e n ina d e sd e a i n fân c ia d e ambos ;i nvocou comp rom i s so s d e fam í l ia
,razõ e s d e i n
te r e sse e d e s e ntim e nto ; mos trou -m e, co m o s o l h os
e mbac iados d e l ág r imas,o re trato da s e nh o ra que
você acabo u d e co nh e c e r —e como e u lhe d i s
s e ss e , com tôda l ialdad e, que m e par e c ia m e
l h o r d e s i sti r d o seu casam e n to , ab raçou -m e,c on
co rdo u c om igo,fa l o u vagam e nte d e tube s do rsal ,
p e d i u -m e u mas fl o re s que e u ti n ha sôb re a se
c re tar ia, e saí u . D aí po r d iante n u n ca mai s ta
lamos e m s e m e l han te ass u n to,ne m no laborato
r io, ne m n o hosp ita l . Pas saram -se d e z ou o nz e
m e s e s,
—e um dom i ngo , po r acaso , n uma e xpo
s i ção d e aguare las,e ncon tre i -o com um a rapar i ga
l e tr a p e l o b raço e um a s e nho ra d e i dad e a tras .
E ra a n o iva. Ap re s e nto u—mc . « Sab e Casamos
ainanhã» .
—F i q u e i e span tado , a o l har para e l e .
No d ia im e d iato , não apar e c eu. . No outro d ia,l i
a n otíc ia d o casam e n to e m todo s o s j o rnai s . Três
d ias d e po i s,a e n fe rm e i ra d i s s e -m e que e l e ti n ha
42 NA V IDA
e n trado no labo rató r io , d e s figu rado , pá l i do , ques e ti n ha fe chado po r d e n tro
,e que saíra passadas
duas ho ras , a camba l e ar . Quan do ch e gu e i,na ta rd e
s e gu i n te , d i ss e ram -m e que e l e j á e stava . F u i ba
te r - lhe . a po rta : não re spond e u . Bati d e novo : s i
lênc io . Cham e i -o : um ti r o soo u,seco
,ráp i d o ;
d e po i s , o baqu e d um co rpo ; e m s e gu ida, u m ti
l intar d e v id ros . Os c r iados co r re ram,m e ti e m
bro s a po rta .H m e n pob re am igo e stava caí do
« l e -b ru ços,como u m far rapo , j u n to a m e sa d e m i
c r o sc o p ia ond e sc inti lava a armad u ra d o se u m a
g n ífic o R e i ch e rt. A b l u sa, chamu scada no p e i to ,ard ia . A v i tr i n e dos re age n te s e stava ab e rta . V e
r i fi que i que e le re s p i r ava ai n da . M e ti - lhe as mãos
m água q u e n te ,agar re i—o e m peso , ati re i-0 para
u m au tom o ve l e s e gu im os par a o hosp ita l d e S .
J ose . Mo rre u a m e i o d o r am inh o,com a cab e ca
e nm stada ao m e u p e i to .
- E a mu lh e r - i n q u i r i .t t « Ir . .N
'
, so r r i u ,e nc o l l icnd o os ombros :
- Nun r : i p e rc e b e u a razão po r que e l e se
mato u .
A CONFIS S Ã O
Le mbro-m e , com o se fôsse hoj e , d e o u v i r D .
A n tón i o d e o ve lho p r e lado c u ja cabe ca tan to
l e mb rava a d e Bossu e t e d e ba i xo d e cuj a niur e a
roxa batia u m dos mai o re s r e rae õ e s da E spanha.
con tar êste s e n ti d o e p i sód i o da sua v ida :
Mu i to an te s d e se r B i s po , quando'
e u paro
q u i o va n u ma das f re g u e s ias. d e Li sboa,f u i , não
se i ai n da b e m porq u e,o co n fe sso r qu e r i d o das
mu l h e re s . E '
um a ( IIS l tnÇãn que o s pad r e s , e m
g e ral , d e v e m ma i s ao s s e u s d e fe i tos do que as
s uas v i rtu d e s . Já l á vão qu are n ta anos ; passaram
sobr e a m i nha cab e ça o s traba l h os d o e p i scopado
e os ge l o s da v e l h i c e ; ch e gu e i a i dad e e m que os
hom e ns vê e m c laro na sua v ida e na sua co ns
c i enc ia,
— e a i n da hoj e,quan d o p e n so no s mo
ti vo s que te r iam l e vado as ma i s e l e gante s m u l h e
r e s da L i sboa d e 1 876 a p re fe r i r-m e a tantos sa
li li NA V IDA
c e r d o te s Vé lhO S e v i rtu osos,não se i , e m v e rdad e ,
se d e vo l o uvar-m e,se p e n i te n c iar-m e . D e u s m e
p e rd o e os p e cados da m i nha va i dad e , e m e l e v e
e m d e sco n to de l e s a gran d e p i e dad e h umana co m
que p roc u r e i s e rv i-l o no m eum in i sté r i o . I gno ro
se o s bon s c on f e sso re s d e ve m se r como e u f u i .
a m i nha bondad e natu ral , o m euvago id e al i smoc r i s tão d e tran smon tano
,a m i nha compai xão p ro
f u nda po r todas as do re s mo rai s,l e varam -m e i n
s e n s i ve l m e n te a re v e s ti r o sac ram e n to da p e n i
tên c ia d uma e x p re s são d e h umana doç u ra,d e
aco l h e do ra to l e rânc ia, d e compas s i vo amparo e s
p i r itual , que s e r ia tal v e z a razão da m in ha fo rtu na
d e pad re e l e gante,se u m c e rto m u n dan i smo d e
batina e d e man e i ras , e u m cul to m e nos mod e sto
d as te mpo ral i dad e s , não bas tas s e m para e xp l i car
a atrac ção c u r i o sa das mu l h e re s e o favo r i n stá
ve l da moda . Para m im,a con fi ssão n ão e r a u m
sac ram e n to au ste ro : e ra um a co n fi dênc ia tranquil izad o r a ; quando m u i to , um co n s e l h o d e l icado e
pate rna l ; s e mp re um so rr i so e u m p e rdão . Não
se i a i n da hoj e , que so u B ispo e so u ve l h o , se ess e
ca r ác te r d e i n ti m idad e to l e ran te e d i sc r e ta s e rá
o que ma i s co nvem a d ign idad e sac ram e n ta l da
co n fi ssão ; m as basta—mc c e rte za d e que é o que
mai s se co n fo rma c o m a doç u ra da car i dad e c r i stã .
Para qu e,magoar p u do re s
,v i o l e n tar con sc i ên c ias ,
re p re e nd e r , p e n i te nc iar, am e açar co m a i r a d
D cns D e u s , se ti v e ss e d e ou v i r o s p e cados d uma
mu l h e r,o uv ia-os so rr i n d o . Pob re s c r iatu ras d e
A CONF ISSÃO 45
frag i l i dad e , de ino cênc ia e d e g raç a, 56 D e u s sab e
que te mp e stad e s d c dô r as traz e m as v e z e s ao s
n ossos p e s .
— e como um a so palav ra n os s a d e
con so lar ão e sp i r itu al p od e faze—las r e nas c e r para
a fé . para. a v i rtu d e . para a v i da ! U m a cad e i rad e c on fe s so r e um tratado d e ps i co l og ia fe m in i n a .
0 ma is d ifíc i l não é sab e r ou v i r o que um a m u
lhe r no s d iz : é comp r e e n d e r o s se us s i l ên c i os : e
i n te rp re tar . as su as lág r im as : e ad i vi nh ar a e x
p re ssão das suas p álp e b r as d e sc i das : é sab e r ou
V i r tu do aqu i l o que e la que r con fe ssar-n o s— e
que não te m . às v e z e s , fôrça para n o s d i z e r . H e i-d e
l e mb rar-m e se mp re d um a das m i nhas ant i g as p a
r o quianas, a s e nho ra co nd e ssa d e M .,euias lá
g r i mas . u m d ia, fo ram tão e l oque nte s . que a co n
te s se i e a abso l v i se m que e la p ronunc ias s e um a
ú n i ca palav ra . Nunca cu m p r i m e n os canón ica e
mai s h u manam e nte O m eu d e v e r d e pad re . E r a
um a mu l h e r a l ta,l o i ra. i m pass ív e l , c u j o p e rfi l .
m ai s che i o d e raça,do que d e b e l e za. faz ia p e n sar
vagam e nte na d i sti n ção d e c e rtos ti p os da casa d e ,
Áustria e na tr ansp ar ência d e c e rtos má rmor e s
côr d e rosa . Conh e c ia-a d o m u ndo o bastan te ,
para sab e r a h i sto r ia do seu casam e n to com o
co nd e d e M . e das s uas l e v iandad e s com um m o e o
te n e nte d e cavalar ia, b e l o rapaz , que b las onava
da c ruz-dob r e e d o s s e i s b e san te s d e p rata d o s
A l m e i das . Co i sa c u r i o sa : hav ia do i s anos que
e la e r a m in ha co n fe ssada,e nu nca se re fe r i ra.
se não dum a fo rm a obsc u ra, e ssa l i gação que
tinha pr i nc ip iado p o r um cap r icho e que aca
116 NA V IDA
bara p e l a ma i s fnn e sta e c r im i n osa das pa i x õ e s .
U m a b e la manhã, l ia e u o jo rna l , quand o v i a
notíc ia d e que um te n e nte d e cavalar ia d e ap e l i d o
M m e ida, ao e n sa iar no p i cad e i ro d o Paço d e B e
l em u n s j ogo s d e canas , e afr a d o caval o e morre ra
i n s tan tan e am e nte . Baco r e j ou-m e o co ração que
e r a e l e ; e . hab i tu ado . como e stava,a se r o co n
fi d e n te d e todos o s amo re s i n fe l i ze s,fi qu e i e sp e
rando,fi e l m e n te . a h o ra da m i ssa, a v i s ita i nfa
tive l da m i nha nob re paroq u iana . No p r im e i rod ia, não ve i o . No se gu nd o
,tambem não . Apa
r e ce n ao s tr ês d ias , to da v e sti da d e p r e-to
,u m
l i v ro d e m i ssa na m ão .
,
u m véu e spesso p e la fac e
m as tão d e sfi g n r ada , tão mu dada d e voz , que so
a re con h e c i p e l o p e r fum e d os cab e l o s , um p e r
fu m e qu e n te . caracte r ísti co , que as v e z e s e n ch ia
l e da a i g re j a. Qu i s que eua con fe ssass e co m ur
g e nc ia . Com o o co n fi ssi o nar io e stava s e rv i n d o ao
c oadj u to r,l e v e i -a para a sac r i stia, ass e n te i -m e
n uma cad e i ra d ian te dos aro az e s , mand e i -a aj o e
thar ao s m e u s [nªs , al i m e smo,e ntr e d uas
Ie r r inas do R a l o ch e ias d e . fl o re s , p re pare i -m e
para a o u v i r d e com i s são . Quand o e ssa p o b r e
mu lh e r l e van to u o vou que . a cob r ia. a sua pal i
d e z. os se us O l h os s e cos e b r i l han te s , a sua . ti
tud e c r i s pada d e d o r , c o m pung i ran I-m e . Ab e ne m da f l s lani e s tr e m iam - lhe : os cab e l os ti nh am- |he e m b r anq ne c id o nas fo n te s : o o l har Fixava—se
rn m im , i m o v e l , n uma tão i nq u i e tan te e xp re s
sao d e angús tia e d e sú p l ica, que e u ti v e à i m
pre ssao v i va. con frange do ra, e xacta, d uma c r ia
O GENERAL
M inha que r ida Tia
Esc re vo—l he ai nda m u i to i mp r e ss i o nada e com
os o l h os i n chado s d e ch o rar . Morre u e sta manhã
o pob re g e n e ra l Bar re i ro s . A e s tas h o ras j á a Tia' l e ve te r re c e b i do o m eu te l e g rama p e d i nd o - lhe
o favo r d e m e mandar o v e sti d o p re to d e c rep e da
e o chapéu p re to , grand e , da mamã . Eu
e d uas am igas m i nhas, a fi l ha da V i sco n d e ssa d e
S Dâmaso e N e l l y,r e so l ve mos pô r luto po r
um a s e mana . A N e l l y,c o i tada,
te v e u m ataqu e' lo n e rvos e passo u mu ito m al . N u nca i mag ine i ,m i nha q u e r ida Tia, que a morte d uma p e ssoa
que não e r a da nossa fam i l ia e que e u conh e c ia
há m e nos d e u m mês,pu d e ss e im p re ss i o nar—m e
e comov e r-m e tan to .
Mas qu e m e r a o ge n e ral Bar re i ro s ? —p e r
guntará sua c u r i os idade . Por que m e causou
o GE NE R AL 40
a morte , d e l e u m d e sgaste tão grand e ? E '
o
qu e th e v e nh o c e nkug rn inha'
TuL c e Na. d e ( pu3 a
sua bo ndosa al ma não n e garaum a lágr im a e um a
o ração a m e mória d o nosso q u e r i do mo rto . A
T ia co nh e c ia-o , ta l v e z , d e o ve r po r L i sboa. E r a
u m ti p o d e vi ene -gar çon ,al to
,e l e gan te , b e m ve s
ti d o , s e ss e n ta e (urna) ano s se tan to , c e ru) no
Ch iad o as 5, um dess e s ve l h os m u i to d i sti ntos
que v i s to s p e las co s tas par e c e m rapaz e s , que te e m
ai n da,po r i n sti nto o u po r e d u cação
, a p r e nda
rara d e sab e r co nv e rsar com s e n h o ras , e que nós ,as rapar igas da m i nha i dad e
,achamos as v e z e s
m u ito mai s i nte r e ssan te s do que os rapaz e s n ovos .
Qu an do l he fu i ap re s e ntado aqu i nas P e d ras S al
gadas , j á o co nh e c ia d e v i sta,
—do chá da Mar
qu e s e da m i ssa da 1 ho ra. An te s d e lhe fa lar
p e la p r im e i ra ve z ach e i - o u m pou co r i d íc u l o , um
pou co m ouche m i e l , com o seuap ru mo, o s se u s
e unqn únunuo s d e pés junhua as s uas p o knnas
amare las , a p r e s u n ção que e l e ti nha nas mãos ,
m u i to brancas,m uito b e m tratadas , mu ito ch e ias
d e ané i s . Mas d e po i s d e conve rsado , m i nha qu e r i
da Tia, não i mag i na que d i sti nção d e m an e i ras ,
que d e l i cad e za r e sp e i to sa, que tr ate i n s i n u an te ,
que v ivac i dad e d e e sp í r i to, que e ncan tadora moc i
dad e a daq u e l e s cab e l o s b rancos Todos o ado ra
vam— e sp e c ia l m e n te as mu lh e r e s . E r a i n te re ss e n
te vê- l o n o ( ]as iao ,s e mp re rod e ado d e r apar igas
novas , r i n do , co nv e rsan do , dançan do como um
rapaz , um so rr i so a um a,um bo nbo n a outra,
50 NA V IDA
« [ r aul e in G e n e ral » , como lhe cham avam as mãe s
ao e n tre gar- lhe co nfl adam e nte as fi l has , « G e n e ra l
ho nbo nn i e r c »,como ê l e se tratava a s i p róp r i o
,
um pou co con fi d e nte,um p o uc o pai , u m pou co
m e str a al e mã, u m pon e i » namo rado d e no s to das ,- e cada ve z mai s d i sp u tado
,ma i s acar inharl o ,
m ai s p e rd i d o d e m imo po r to das nós . N un ca su
pu s que . n u m ve l h o p u d e ss e have r tão g ran d e s
qua l idad e s d e se d u ção . Mu i tas das m i nhas am i
g as atr i bu íam o e ncan to d o ve l h o g e n e ra l a au
reo la d e que o c e rcavam a i n da o se u passado d e
conq u i stado r e a sua -v i da m i s te r i o sa d e so l te i
rão e l e g an te . Ta l ve z . O que é c e rto,m i nha T ia,
e que , d e po i s d e o co nh e ce r , e u fiqu e i faz e ndo
um a i d e ia d i fe re n te da v e l h i c e ,
—um a ou tra
i d e ia m ai s d oc e , m ai s a l e gre , mai s atrae n te , m ai s
car i nh osa, a i d e ia d e qu a l q u e r co i sa que so r r i ,
que
am a, que acon s e l ha que abso l v e, que p ro
Um a d e stas manhãs há o i to d ias o ge n e ra l
não apare c e u no Parq u e , como costumava. A
tard e , d i ss e ram -m e que e l e e stava g rave m e n te
do e n te . Co r re mos ao hote l,e u. a N e l l y , e . mai s
c i n co ou s e i s rapar igas . O méd i co , que v e i o r e
c e b e r-nos , fal o u vagam e n te e m ar té r io -sc l e ro se ,
e m o rg an i smo gasto , e m mo rte p r t'
ix im a. Quand o
o v i , r cco s lad o na cama,fe z-m e i m p re s são a. sua
pa l i d e z . Iªlsp e r ava—o — d i ss e ête o fi m ho rr i v e l
das c r iatu ras que e nve l h e c e m se m afe cto s e que
mo rre m se m lar . Não re c e ava morte ; m as ti n ha
o GENER AL 51
medo do i so lam e n to e d o abandôno . P e rc e b e
rn o sd he no s «dho s,rukz tôdas o e ho d e d uas
l ágr imas . D e sd e e ssa tard e m i nha T ia,não o
d e i xam o s m a i s . Acabou pa ra nós o Cas i n o e o
Parque . Vi ve mos d u ran te o ito d ias,como um
so rr i so , a sua cab e c e i ra . D e d ia. e stávamos todas :d e n o ite fi cava um a so , po r e scala co m u m c r iado
e um a c r iada d o h o te l . S e fôss e mos fi l has d e l e ,não tí n hamos s i d o ma i s d e d i cadas n e m mai s e a
r inho sas . Euchiam cs-lhe o q uarto d e fl o re s . Lia
mos- lhe os l i v ro s d e que ê l e mai s g ostava. Dava
mos—lhe d e c om e r como a um a c i ranca. E l e,e m
troca, so r r ia e b e i java—nos os d e do s . H oj e,d e. m a
nhã, quan d o eu, a Ne l lv e a fi l ha da v i scon d e ssa
d e S . Damaso l he l e vávamos um cºp o d e l e ite
re c u sou,p e d i u u m e sp e l h o , compôs l e ve m e n te os
cab e l os , re c osto u—se m e l h o r na cab e c e i ra da cam a,
ape rtou m u i to as no ssas mãos nas d e l e , o l h o u -no s ,
o r a a u r na o r a a_ (uura, co ni'
unaae xp re ssão d e
te rn u ra e d e grati d ão i n fi n i ta, cor re ram-lhe d uas
l ágr i mas p e la face , e d i ss e -no s, quas i num m ur
mur i e z— N u nca j u lgu e i que fô ss e tão agradáv e l m o r
r e r l
[ hn insuuue d e p oua a cab e ça huahuur se d he
sôb re o p e i to,
e fi co u . T ive mos,nós tôdas,
a im p re s são d e que e l e morr e u fe l i z . Não se e s
qu e ca,m i nha qu e r i da Tia,
d e re zar um pad re
nosso p e la sua al ma.
Sua sob r i n ha mu i to am iga,—H e l e na .
A S OMBRA
O sarge nto Joaqu im s e gu i ra para F rança com
as p r im e i ras tropas portugu e sas d e stacadas .
pai s , do i s ve l h os que v ivi am d e um a l oja ( 1
cap e la e m San ta—Comba,e que não possu íam ou
tr a a l e g r ia n e m ou tra r i q u e za que não fô ss e
o rg u l h o daq u e l e fi l h o , ti n ham ido l e var- lhe
d e sp e d ida,
ao combó i o , o seu ú lti mo ab raço .
Quando o ap e rtaram ao co ração , o moço sar
ge n to,com os O l h o s b r i l hante s , so rr ia. Mo r re r ?
Qu e m fa lava al i e m morre r ! H av iam d e vo l tar
tod os os que, tive ss e m mã e s a cho ra- l o s e a
ab e n çoa- l o s . Po i s , e ntão ! E n o e xtre mo ad e u s ,sob re o e str i bo do vage m , e mbru l hado n o grand
capote c i nz e n to que faz ia pare c e r mai o r a sua
e s tatu ra, d iz ia a i n da a m ãe, que lhe b e i java as
mãos e l has m o l l i ava d e l ág r imas :
Vo c e n i e c e v e rá,m ãe , que e u h e i—cl e e s tar
to das as no i te s na sua cam panhia l
A som am 63
D e co rre ram o i to oud e z d ias . O s do is ve l h os ,
e ntre gu e s a dôr d o seu apartam e n to e a doç u ra
da sua saudad e,passavam u m d e fro nte d o o u tro
o s l o ngos s e rõ e s d e i n v e rn o , calados , e la e o
z e n do rou pa a m e sa,e l e s e n tado n u ma cad e ir a
d e pal ha, co m o gato no s j o e l ho s,a l e r , a l u z
d e u m cand e e i ro d e p e tró l e o , o s j o rnai s que fa
lavam tanto da gu e rra e nun ca traz iam o nom e
do seu fi l h o . Um a b e la n o i te , a ve l ha cap e l i sta,l e vantan do o s o l ho s da costu ra
,re parou n u ma
s omb ra que se al o ngava na pare d e bran ca,ao
lado da po rta, e que s e m e l hava, na sua i m p r e
c isa fl u tuação , u m vago co n to rn o h u mano . A
p r i n c íp i o c u i d ou que e r a a sombra no mar i do ,e não d eu mai o r ate nção ao caso . M as quan do
ch e go u a ho ra d e se d e i tare m e o ve l ho se l e
vantou da cad e i ra,a pob re m u l h e r noto u , c o m
e stranh e za, que a man cha n e gra co n ti n uava a
a las trar n o m e smo s íti o da pare d e , com o se fôsse
p roj e cção d u m co rpo i nv i s ív e l para e la.
Que som bra e aqu e la,João ?
O r a e ssa ! E '
a tua.
Có m o pod e se r i s so , se e u e sto u des te lado
da l u z
O ve l ho ca l o u -se,co n s i d e ro u d e moradam e n te
casa e os móv e i s , o l ho u par e d e , ti ro u d e c ima
da m e sa um a can e ca a l ta d e l o u ça,fe cho u a
po rta d u m armá ri o , ar re do u d e d ian te da l u z
tudo quan to pod e r ia p rod u z i r aq u e la p roj e cção
i n e xp l icave l,m udou o l ogar d o cand e e i ro
,— e a
54 NA VID A
somb ra co n ti n u o u na pare d e caiada,d e f ro nte
de l e,mai s n ítida e mai s fi xa ai n da, na vaga co n
fo rmação d uma fi gu ra d e hom e m . E ra talv e z
a l gu em que e sp re i tava da rua,
— p e n so u o ve l h o ,assomando j an e la. Mas na rua não hav ia ne
nh um lam p e ão ac e so ; não passava v iv'
alni a ; e,
d e po i s d e fe chadas as portadas d e d e n tro , a som
b r a p e rman e c e u d ian te dos do i s ve l h os, que se
o l haram,i móv e i s d e assombro . Passaram-se mo
m e n tos dum s i l ên c i o angu s ti o so . H o uve um i n s
tante e m que a mancha da pare d e pare c e u alas
trar , fl u tuar como a sombra d um capote vare
j ado p e l o v e n to . D e re p e n te , a pob re m u lh e r ,
que tre m ia, e ncaro u o mar id o , a fi s i o n om ia tr ans
fi g u rou-se - lhe , e , num a. e x p re ssão s imul tan e a
m e n te d e te rro r s u p e rs ti c i oso e d e te rn u ra m a
te r na, mu rm u ro u d e mãos po stas :
Pare c e a somb ra do n osso fi l h o,J oão !
E l e o u v i u e r e sm u ngo u,p r e oc u pado , e nc o
Iti e nd o os omb ros :
T e ns imag i naçõ e s , mu lh e r !
I taí p o r d i ante,inatas as no i te s , l á e s tava a
m e sma so n i b ta. na pa r e d e branca, j u n to d a
po rta . E r a j a a com panh ia dos do i s ve l hos,ao
s e r ão . E l e e ntr e tiuha-se faz e ndo e xp e r i ên c ias
co m a l u z , a ve r se a somb ra se d e s l ocava p e l o s
mov im e n tos d o cand e e i ro . E la não ti rava os o l h os
daqu i l o que s u pu nha a image m l ongí nq ua do l i
l h o , e tôdas as no i te s , an te s d e se d e i ta r, as e s
co nd idas d o ve l ho cap e l i s ta, b e i java e m s e gredo,
D IS TR AC ÇÁU
se são f e l i z e s o s que casam p o r amor
d i ss e M .
" Vargas,e n te r rada no seu cad e i rão
B ro u gham,ba l o i çan do n o ar u m p e q u e n i n o p e
r ate ado d e b ranco .
Pare c e -m e,m i nha s e nho ra, que só são te
l i z e s os que casam p o r co nve n i e n c ia— se n te n
c iou a r e r te vícitl e ssc do ge n e ral Pe ssanha. d e
m o no cul o,b rand i nd o o stick .
O m eu am igo v i sc o nd e d e que ass i stia a
d i sc u ssão s i l e n c ioso , i nte r e ssado , r e co s tou -se m e
l h o r na cad e i ra,mach u co u as l u vas sôb r e o t a.
tão d e o i ro da b e nga la,
e con c l u i u , c o m o a r
mai s co nv i c to d o m u ndo :
E u e nte ndo que só são f e l i ze s os que e a
sam po r d i strac ção .
Oh Oh
M .
“ Vargas p ro te sto u r i n do . A saia azu l d e
M .
"º Yvon n e d e sapare c e u . O v i sco nd e d e dc i
D IS TRACÇÃO 57
x ou passar a o n da, e p ross e gu i u , tranqui lam e nte
,e nco lhe n do o s s e u s largos ombros d e hér
c u l e s gr i sal h o :— Fo i o que m e s u c e d e u a m im . V . e x .
"sa
b e m como eu so u d i straído . Po i s b e m . Um d ia,
p o r d i stracção , cas e i -m e,
—e afl r m o a v . e x .
"
que n u n ca s u p u s que p u d e ss e e x i sti r al guém tão
fe l i z c omo eusou.
D e -ve ras ?
E u l h e s co n to .
O so l ac e nd ia c larõ e s nas br ise -bíse d e seda
v e rd e . Um a gata fran c e sa do rm ia s ôb re as al
mofadas d o so fa. O ge n e ral s e gu ia co m o o l har
o pé n e rvoso e cal çado d e b ranco d e M .
" Var
g as . v i sc on d e con ti n u o u :—Não é s e gred o para n ingu ém que e u até
ao s 11 0 anos não cas e i p o rq u e m e d i stra i . Viv ia
c om um a tia ve l ha. tão d i straída como eu,e ,
até que os p r im e i ros cab e l os b rancos apar e c
r am ,r e sp i r e i
, a p l e nos p u l mõ e s , marav i lh osa
d e l í c ia d e e g o ísm o e d e comod i dad e que e a v i da
d e so l te i ro . Mas um d ia a pob r e s e nh o ra, p o r
d i stracção , mo rre u d uma sínccp e card íaca,e u
e nco n tr e i—m e so , e como m e par e c e u que s e r ia
m e nos p e sada a so l idão se fo ss e v i ve r para Lo n
d re s ,. re so l v i faz e r as ma las,a l ugar mob i lada
a m inha casa do Cond e d e R e dondo , e parti r
para I ng late rra . Logo n o p r im e i ro d ia e m que
p u s e sc r itos , a casa a l u go u—se . C o nheºe m u n s
e ncantad o re s ti p os l o i ro s d e b ras i l e i ra, raros e
58 NA VIDA
paradoxa i s, que te e m o s cab e l o s ce nd r ado s das
ho land e sas , os o l ho s d e h u l ha das car i ocas , e
cu j a p e l e , na mo rd e d u ra d e o i ro da l u z , l e mbraao m e smo te mpo a po l pa d u ma ro sa e as m an
e l i as rulvas d o âm bar c i nz e n to ? Po i s e r a ass im
a m i nha i n q u i l i na,um a b ras i l e i r i nha d e 2
”
anos
que v iv ia com a m ãe . Comp rom e ti-m e dar
- l h e s a casa no d ia 5 d e marco , — p re c i sam e n te o
d ia e m que e u d e v ia e mbarcar para I ng late rra .
Mas d i stra i-m e,l iz co n fu são com a ho ra d e e m
barq u e que m e ti n ham dado na ag ênc ia, d e mo
r e i-m e a re c e b e r e a i n s talar M .
m e Bar roso e a
1 i l ha,
— e q uando,fi nal m e nte
,ti v e con sc iênc ia
d e m im , e s tava no T e rr e i ro d o Paço , rod e ado d e
m a las,s e m paq u e te
,se m casa, e
—o que e ra la
m e ntáve l — s e in l'
ó r ça mo ra l para tomar um a r c
sul in; au. Evute ute ui cntº ,não hav ia d e i r i noo
moda r as m i nhas i ; qui l inas . Fu i para um ho te l .
Enco n tre i tl l l l an tigo d o A l garv e que não v ia há
d e z anos , e que m e fal o u do i d e a l i smo d e Bus
k in das a ruuiç i'
i e s d e atu m . J aulam o s j u n tos .
Iºuluus jun tus ao te atro . tir amos j u n tos . A s 3 dauuul rug zu
'
la d e ix e i -o l l tl l l l c lub qual q u e r , e n tre
um a [ m uc o sa mag ra e um a ge l e i ra ch e ia d e
t'
lm m puyue ,—e d i s traíd o
,fatigado , com os o l h os
a l'
e r l i a r cn i -se -m e e a lul ca a sab e r-mc a fe rro s '
ve l h o . S l l l l i pa ra um mand e i s e gu i r
pa r a a rua d n tlo nd e d e Ii '
tl o udu,27
,ap e e i -ul e
,
pague m nu-l i a chav e ao tr i nco , e se m m e passar
s e q u e r pe la cabe ça que ti nha p e rd ido o paqu e te ,
D ISTRACÇÃO 59
que e stava n u m hote l e que a m i nha casa j á
não e ra m i nha, gal gu e i e scada, ab r i a po rta,
p e n dure i o chapé u e a b e ngala no cab i d e , atra
ve sse i o co rre do r,e ntre i no m eu quarto
, ab r i
e l e ctr i c i dad e , —L e , m in has s e nho ras , só cai e m
m im quan do v i d e itada na m i nha cama, co m
o p e scoço nú,o s b raç o s n ú s , os cabe l o s l o i ro s
p re sos n uma to u ca d e re ndas,
e ncantado ra
b ras i l e i ra que do rm ia, so rr i n do , o seu p r im e i ro
son o . Q u i s f ugi r . D e i te i a mão ao i n te rr u pto r
para apagar a l u z . Mas um a faianca e spanh o la
e sti l haçou-se no chão , a pobre m e n i na aco rdo u ,jul go u que ti nha lad rõe s e m casa
,d e satou ao s
gr itos , caíu com um ataqu e d e n e rvos , ve i o a
m ãe,v i e ram as c r iadas , gr i tavam tôdas, e u ja
gr i tava tan to como e las , e se m sab e r se ha
via d e j u s ti fi car-m e, s e hav ia d e ac u d i r p e
q u e na,se hav ia d e f ug i r p e la. po rta fo ra, tom e i
afi nal o parti do d e r i r,
d e r i r d e m im ,d o m eu
e q u ívoco,da m i nha i ncon ve n i ê nc ia, da m inha
d i stracção,a ve l ha . r iu
,a b ras i l e i r i n ha r i u
,as
c r iadas r i ram , e p e l o p i n o das l i h o ras da m a
d rugada, com um frasco d e sa i s i ng l e s e s no bô lso ,
s e n tado a cab e c e i ra da cama o nd e do rm i ra na
vésp e ra,e u comp re e n d i que nre ass i s tia 0 i n d e
c l ináve l d e ve r mo ra l d e p e d i r a M .
m e Barro so
p e qu e n i na mão branca e assustada da fi l ha.
Um m ês d e po i s e s tavamos casados . M as, m i
n has s e nho ras,e tal a fatal idad e da m i nha d i s
tracção , que , na no i te d o casam e n to — f u i d o r
m i r ao hote l .
RELOGIO
am ig O :
Acabo d e ch e gar do A l e nte j o,o nd e f u i pas
sar un s d ias com o ve l h o Dou to r Lôbo . Tu , que
te n s gas to al g umas ho ras da tua v ida a e s tu
dar, com C our no t, com B e rgson , com Po i ncaré ,
com M o n te ssus d e Ba l l o r e,
fi l oso fia e o m e
can ism o d o acaso , d e v e s achar i n te r e ssan te um
aco n te c im e n to que se d eu com igo ante o nte m a
no i te , e que e u d e boa m e n te co ns id e r ar ia so
b r e natur al, se não ti v e ss e a c e rte za an te c i pada
d e que tu,h om e m se m fé
,o e xp l i car ias « p e la
s i m p l e s e naturªal issim a i n te rs e cção d e d uas se
r i e s l óg i cas e i nd e p e nd e n te s d e fe m'
nne n o s» . Vo
c e s, o s f i l ó so fo s , e stragam tud o na v ida, - ate
e ssa vaga b e l e za d o i n v e ros ím i l,e ssa i n d e fi n ív e l
v o l ú p ia d o d e scon h e c id o , e ssa abso rv e n te se n
sual idad e d o ho rro r, que te m f e i to a fo rtu na da
o R ELÓGIO 61
l i te ratu ra i ng l e sa, e que ai n da o n te m — dou-te
a m i nha palav ra d e hon ra ! m e e nch e u d e suo
r e s fr i o s e m e p ôs o s cab e l os e m pé .
O ra o u v e .
Tu sab e s que o Do u to r Lôbo , ve l h o m i san
tr Op o ,í nti mo am igo d e m eu fa l e c i d o pai, v iv e
n u m d ess e s so lar e s al e nte janos d e n tre Évo r a e
Mon te mo r-o -Novo,an ti ga p rop r i e dad e e cab e ça
d e morgado que , como as mo radas so lare ngas
da O l iv e i ra ou d e Patal im , da S e mp re -No i va ou
da Amo re i ra da Tôr r c , l e van ta o s s e u s c u nhai s
d e p e d ra d e três séc u l o s sôbre a g e ó rg ica c r i stã
do s montados e das do i radas te rras d e pão d o
med io-A l e nte j o . T e nho - te falado vár ias v e z e s
deste hom e m e d e sta casa,mu ito somb r i o s e
mu i to e xtrao rd inar i e s ambos . Há te mpo que o
ve l h o Dou to r Lôbo , que v iv e so z i n h o co m u m
c r iado,abraçad o sua gota e ao seu inte r m iná
ve l Tratado dw En i i te use , i n s i stia com igo para
que e u fôs se passar co m êl e u n s d ias . F iz-lhe
vontad e , e fur . Não se i se ja no taste s i n
gular i d e n tifi cação , i n q u i e tan te se m e l han ça
d e íi si o n o m ias que se e stab e l e c e im e d iatam e n te
e ntre c e rtas c r iatu ras e as anti gas m o radas o n d e
e las se hab i tuaram a v iv e r . Pare c e que as ru ínas
te e m o pod e r d e comu n icar as p e ssoas e as co i
sas fam i l iare s a e xp re s são da sua d e c re p i tu d e .
O p rov e c to j u r i sco ns u l to de qu e m acab e i de se r
hósp e d e o ito d ias,d i r-se -ia sombra
,o re fl e xo
human izado d o seu p róp r i o so lar, — che io d e
62 NA V IDA
s i lênc io ,d e êx tase , d e ve tuste z
,d e m istér i o . A
i d e n ti f i cação e tão p e rfe i ta, que e u não s i nto
,
não ve j o .não comp re e n do fi gu ra d e vastada do
Dou to r Lôbo fo ra daqu e l e paço al e nte jano e nqua
d rad o e m fo rte s i lhar ia n e gra,com os s e u s ca
i' l l o r r o s d e gran i to , o se u e i rado (. e a l p e nd re so
b r e a e scada, os s e u s co rre do r e s monásti cos d e
ti j o l o . se u vas to salão nob re d e , te to e m ca ix o
tõ e s, d e c rep i to , so l e n e , p ro fu ndo , rod e ado d e vê
thas c re den c ias d o i radas,baban do h u m idad e
bo lo r p e l o,u'
o r g o rão ve rd e das pare d e s . q uan to
t i ve r,e n e sta sala que e u he i-d e ve r s e mp re o
m e u ve n e rando am igo , sob r e tu do po rqu e fo i
d e bai xo do seu te to que e u pass e i an te on te m o
qu arto d e ho ra mai s d ram áti c o da m i nha v ida .
ti ram nov e ho ras da no i te , e no s co nv e rsávamos
o s do i s sôb r e a fi s io n om ia h umana que as v e z e s
adqu i re m c e rtos obj e cto s i nan imados , quand o o
c r iado Pe d ro,un ic o e n te v ivo que hab i tava c on
n o sw no so lar,hom e m ru i vo , e spadaúdo , al to
como um p in h e i ro,m e ti d o hav ia te mpo com um a
mu l h e r casada da v i z i nh ança, v e i o p e d i r ao pa
trão hc e nça para sa i r . F icamos sós . Fo i e n tão
que o D ou to r Lôb o ,c u ja voz m e pare ce u um
p o uc o a l te rada,chamou a m inha ate n ção para
um r e lóg io d e caixa do sec u l o xvm,ho landês ,
c o m p i n tu ras, que l e van tava ao f u nd o da sal a,
e n tre d uas jan e las, o s e u fo rm i d áv e l p e rfi l d e
e sq u i fe .
—Você vê aqu e l e re l óg i o ?
64 NA vm a
cação, que e m 1 723 man dara v i r o re l óg i o da
H o landa e o ti nha n o seu quarto d e do rm i r . R e
p e ti ra-se co m a m u l h e r des te ; com um tio f rad e
c r úz io , que e sti v e ra a are s na casa e acabara. a
ti ro s d e c lavina ; com um a aia m u lata ; co m o
avô d o Dou to r Lôbo . d e p u tado às Côrte s d e 20,
c u j o r e trato v i n o so l ar , n u m carvão p e rtu rbado r
d e S e qu e i ra ; com o pai ; p o r fi m . hav ia 1 6 anos ,co m a p róp r ia mu l h e r , que , j á mo r ibu n da, d e
b ruçada a toss i r sôb re um a bac ia d e p rata. ch e ia
d e sangu e , o s o l h o s fi to s no mov i m e nto da p e n
d u la,v i ra e la m e sma parar o r e l óg i o , e morrera
d e z m i n u to s d e po i s . Não e r a fác i l e x p l i car se
m e lhante sé r i e d e facto s p e l o m e can i sm o s im
p l e s do acaso . D i r-se -ia que naqu e l e vul gar r e
lo g io ho landês hav ia um a inte l igênc ia, um a se n
sibi l idad e , um a al ma, um a v ida,
—e s sa v i da in e
x o r áve l e p r o fética das co i sas mo rtas , fe ita d e
si lênc io,d e tre va, d e im ob i l i dad e . q uan to o
m eu ve l h o am igo m e co n tava es te s s i ngu lare s
po rm e nor e s , o s o l hos b r i l havam - lhe , as mãos pa
l idas tre m iam -lhe l ige i ram e nte sôb r e o s j o e l h os .
Qu i s p e rgu n tar- lhe ai n da po r que razão , po r que
fan tas ia vo l tara faz e r trabal har e ssa pênd u la
s i n i stra . Não ti ve co rage m . D ian te d e n ós,no
m e i o d e u m op re ss i vo si lênc io , o re l óg i o da mo rte
co n ti n uava a bate r o se u tic-tac i m p lacáv e l .
F icamos os d o i s, p o r u m i n stan te , abso rv i do s no
nosso p róp r io p e n sam e n to . A s somb ras fl u tua
vam p e la vasta sala, e sco rr iam p e l o g o r g o rão
R ELUGIO
v e rd e das pare d e s,p e nd u ravam -se no o i ro baço
d as c re de nc ias , pal p i tavam e m vo l ta d e nós como
asas im pal páv e i s . S e n tia-se l á fo ra,no s sarge
cai s da charn e ca, o gr ito n octu rno d o m i lhano .
Um a cad e i ra rang e u , p e rto de nós , se m n i nguém
lhe tocar . Pare c e u-m e que . um a arage m f r ia
ti n ha roçado p e l o s m e u s cab e l o s . D e re p e nte ,
o l h e i o re l og i o : pên d u la parár a.
Um d e nós d o i s te m ap e nas d e z'
m in utos
d e v i da, d iss e -m e o m e u am igo , n uma pal i
d e z d e e sp e ctro,e rgu e ndo-se da sua po l trona.
Não se i d e sc r e v e r-te o te rro r i n sti nti vo que
se apos sou d e m im . A s fon te s late javam -m e .
Um s uo r ge lado d e agon ia mo l hava-m e as mãos .
O l ham o-n os, o m eu am igo e eu, a qu e re r ad i
vinhar mo rte na fi s i on om ia um d o o utro .
l g no r o quan tos m i n utos se passaram n e ste ho r
ro r . sub i ta m e nte , o uv i u—se um ti ro . O Dou to r
Lôbo agar ro u um cand e lab ro d e p rata, ac e so ,
e co rre u a po r ta. O co rpo e n o rm e d o c r iado Pe
d ro e stava d e bO PCU na so l e i ra, co m a cab e ça
n uma poça d e sangu e . T i nham -no assass i nado .
Os fac to s são este s . Como o s e xp l i ca a tua
fi l oso fia ?
Teu vé lho am igo . A l e x and re »
ODOR E [ J I FEMM INA
O' d r . N i l o Gom e s re costou -se n um d o s ca
d e i rõ e s do Gr ém io , ac e n d e u u m c igarro,ati r o u
para a n u ca fam i l iarm e n te , o seu cõco c i n z e nto ,S aint J am e s 5 S tr e e t, e b r i n cando com a pon te i ra
da b e ngala na bo la d e v e rn i z , p e rgu n tou -no s
Voces a i n da ac re d i tam e m ps i có l ogos d e
mu l h e re s—Te nho a cab e c e i ra as Nouve l l e s L e ttr e s d e
Po i s eu não . Vo u con tar- l h e s o que m e
suc e d e u on te m a tard e no co nsu l tó r i o d o d r .
—U m a av e n tu ra ?— Um fiasco . E u ti n ha i d o comb i nar co m o
n osso ve l h o co l e ga a ho ra a que d e v e re al i zar-se
aman hã , com e xc e l e n te s van tag e n s para o o p e
rado r, a g astr o e n te r o sto m ização d o r i qu í ss im o
I) . R.;Quando ch e gu e i
,o d r . acabava d e m au
dar e n trar,hav ia q uatro ou c i n co m i nutos , a
ODOR E D l FEMM INA 67
sua ú l ti ma c l i e n te .
— D e ve d e mo rar um bo cad i
nho , — p re v e n i u-m e n u m so rr i so a e n fe rm e i ra,
um a rapar i ga magra, d e b l u sa b ran ca i r r e p r e e n
s ív e l,m e ias d e sêda
,b r i n co s d e b r i l han te s nas
o r e l has . De c i d i-m e a e sp e rar . E u conhe c ia ja
o co n su ltó r i o do n osso co l e ga, com as s uas ta .
m e bran cas , as s uas cr e to ne s i ng l e sas , a sua
e l e gânc ia sób r ia,um a água-forte d e R o p s na
pare d e,d uas gran d e s fl o r e s azui s n um so l itár i o
d e c r i stal . Ac e nd i u m c igarro e ap rox im e i-m e
da m e sa. S ób r e um a po rção d e re v i stas e d e
b roch u ras da gu e rra, fo l h e adas , rasgadas , m al
tratadas cada d ia p e la im pac iênc ia d o s m e smos
doe nte s,u m saqu i n h o d e m ão
,d e seda p re ta, r e
po u sava, e squ e c i do , e ntre d uas l u vas d e m u l h e r .
E r a,com c e rte za
,da c l i e n te que , naqu e l e m o
m e nto , e scu tava o s sáb io s con s e l h os d o n o sso
co l e ga. Qu e m s e r ia e la ? Ab r i um a i l u stração
e l i . Um a l u z m u ito do i rada e n trava p e las lar
gas v id raças ab e rtas , e sp e l hava nas lacas d o s al i
zare s e das po rtas,dava as c r e to ne s v e rd e s d o
so fá mac i e za baça do v e l u do . A gu e rra, se m
p r e a gu e rra, e te rnam e n te a gu e r ra ! Ati r e i só
b r e m e sa a re v ista que ap e nas fo l h e ara, e tt
qu e i o l har, vagam e nte , a e xp re ssão d e ssas d uas
l u vas al i abandonadas po r um a d e sconh e c i da
m ão d e m u lh e r . L e mb ram -se vocês da D am e au
Gan t,d o M u s e u do Lux e mbu rgo A v i da, o m o
v im e n to , e l e ganc ia,
e xp r e ssão que a m ão fe
m i n i na com u n i ca a um a l u va que se d e scal ça,
68 NA VID A
e co m que tal e n to Caro l u s D u ran sou b e faze r
pal p i tar , n e sse farrapo «
, te p e l i ca b ranca caí do sô
b r e um tapete,tõda a d i sti n ção
,tõda ar i sto
c rac ia,l e da moc i dad e d o se u mode l o ! Pe gu e i
n uma das l u vas para a e x am inar m e l h o r . Nãu
s e r ia d i fíc i l ad iv i nhar que qual i dad e d e m u
l b e r e la p e rte n c e r ia. E r a a da m ão e sq u e rda ,
marca p e qu e na, l e tra F,u m vago p e rfum e d e
[ l e m e bl eue,d e dos la S
, u nhas e m og iva p e r
fe itam e nte marcadas e o s i n al d e do i s ané i s ,um a m arquise e ta l v e z um a al iança d e casa
m e n to . Po r co n se gu i n te,a l u va d u ma c r iatu ra
e l e gan te , d um a mu l h e r n ova, e,s e gu ndo tõdas
as probab i l i dad e s,d uma mu l h e r casada. Com e
e e i a achar natu ral que o d r . com a sua e x
p e rten c ia,os s e u s o l h i n hos mal i c i o sos e a sua
go rda v e l h i c e d e Pan ,p ro l o ngass e a cons u lta
a l em d o l i m i te d e todas as conv e n i ênc ias . S ão
tão pou cas as mu lh e re s bon i tas que ado e c e m ,
e e r e a l m e n te tão agradáv e l au sc u ltar um p e
q nt-n i n o co ração que bate , que pal p ita e que s u
c umb e ! Po u s e i a l u va,e , como não há an ima l
ma i s c u r i o so do que . u m h om e m , pass e i a obs e r
va r o saqu i n ho d e m ão , um.
« r i d íc u l o » d e seda
o o i no há tan to s, i m p re gnado do m e sm o p e r l o
m e e bo rdad o a m issanga como aqu e l e s « i n d is
p e nsáve i s » d e 1 830 on d e as nossas i ngên uas l l l
savo s e scond iam o s f rasco s d e e ssenc ia e os b i
lhe te s d e amo r . Nal g uma c o i sa hav ia d e passar
o te m po , —e a re so l u ção daq u e la i n cógn i ta fe m i
n o o nr : o i FEM M INA
n i na com e çava a i n te re ssar-mc .
—« Que re s co
uhe ce r um a m u lh e r“— d i z ia Gasparo Gozz i
das v e n e z ianas d o s éc u l o xvm — « Ab re o seu sa
uuinho d e m ãe » . Mas a m i nha c u r i o s i dad e não
m e l e vo u até ao e x tr e mo i n co r re c to d e s e gu i r o
co n s e l h o d e . Gasparo Gozz i . l a pou sar o saco se m
l e r v i o lado um só d os s e u s s e gre dos,qu ando ,
p o r m e ro ac i d e n te , e l e m e ca i u das mãos e se
abr i u n o tap e te . T i nha d e se r . U m a chav e d o i
rada d e fe chad u ra i ng l e sa fo i p roj e ctada a d i s
tânc ia. Um frasco de sai s , ro l o u . Um p e q u e
n i no e sp e l h o d e p rata sc inti tou ao so l . Apanh e i
tu do,o ma i s d e p re ssa que p ud e , e como o acaso
ti nha q u e r i d o que eu e n tras s e na con fi dênc ia da
que l e saco d e mão e daqu e la al ma d e mu l h e r,v e r i fi q u e i que o r i d íc u l o d e seda d e M .
um X co n
ti n ha ai n da n o seubój o m i ste r i o so u m l e n ço d e
re n das, um a ca ixa d e pó d e ar roz , um a con ta
da mod i sta,um a m e dal ha d e Santa F i l om e na,
ganchos d e cab e l o,u m véu , c , no f u n do , u m car
n e t d e v i s itas on d e se l ia, na data d e 7 d e no
ve m b r o : « Sai s d e C larks para o ban h o .
— J .
3 ho ras .
— Pé ro las , Gar r anrt 25,Hav
mark e t, Londo n , S . W .
—Le gação d e E spanha .
F i n e tte .
—Pomada para as u nhas .
— Méd ico .
as — Não e squ e c e r as amostras d e v e l u do » .
Aqu e l e saco,aqu e las l u vas , aqu e l e car n e !, e ram
um re trato . E u via j á , d ian te d e m im , a c l i e nte
d o m eu vé lho co l e ga, tão n i tidam e nte com o se
a con h e ce ss e . Estava al i tôda,—a sua c l e gan
Ci a, sua V i da, a sua ps ico l og ia, 0 seu p róp r i o
70 NA VIDA
d rama amo roso . Não hav ia d úv i da d e que e r a
um a mu l h e r casada, al ta bu rgu e s ia,u m po u co
pa rve nue . d iª -c e rto r i ca para pod e r comp rar pc
ro las n os ou ri v e s d e Lond re s , 80 a 35 anos se
tanto . con h e c e nd o a sua b e l e za e . c u lti vando-a
como um a fl o r . o lh o s azui s , um mar i d o fác i l ,um a saia c u rta, um sp l e ndidum ,
um a co m p r o m e
l e do ra ch av e do i rada,« un m onsi eur qui tr avaíl l e
dan s l e s f e m m e s du m ond e » — como d iz ia Bour
ç/ctm e os o l h os ca l mos, s e r e n i dad e o l im p i ca, o
ar s iuho Sai nte -N i to u ch e d e c e r tas m u l h e re s bon i
tas, — m e no s bon itas d o que e las m e smas p e n
sam , mu i to mai s i n te re ssan te s do que tôda ge n te
as j u l ga .
r
Pinha d e co r r i d o tal v e z u m quarto d e
ho ra, qu an do , d e re p e nte , a po rta do gab i n e te se
abr i u . E r a e la. A mu l h e r que e u i mag i nara, que
e u i d e a l izara, que eu re co n stitu í ra, co m o rigo r
t l l l l l l ps i co l ogo,p e l o e x am e do seu saqu i n h o d e
m ao ,ia fi na l m e nte apare c e r-m e . L e van te i -m e
,
p re pare i a ati tu d e , com pu s o m onóc u l o . Do is ,
três s e gu ndos d e po i s , a voz d o nosso co l e ga ou
v i u -se —e um a ve lho te go rda, ro sada, al e gre .
d e lm i e las , saiu do gab i n e te d e con s u l ta. avan
t'
tl l l sa l ti tando até à m e sa, p e gou no saco , nas
l u vas , c u mpr i m e n to u , e e m pas s i nhos c u rtos .i l l itand o se mpr e ,
e mpu rrou o guarda-v e nto ,
c um p r im e n tou ai n da e d e sapar e c e u na som bra
d o co r re do r . Fo i n e s se d ia. m e u s am igos , que
e um e con v e nc i d e que não p e rc e b ia nada d e muIhe r e s . E qu e m pod e g abar-se d e as p e rc e b e r ,se a mu lh e r nasce u para e ngana r o home m ?
72 NA V IDA
co nv e n to , du as v e z e s e l e i to abad e tr i e nal,fa l o u
e m nom e d o s pad re s . A l e gou que a fo nte da
c rasta,
c u ja i nau g u ração ia faz e r—se , con ti n h a
três fi g u ras d e p e d ra, não sab ia se d r tadas, mé
nad e s,d i o n isid o s ou s e r e ias (e sp re i tara-as p e las
fr i n chas d o tapum e u m donato do co nve nto),
que , s ôb re s e r e m d iv i n dad e s pagãs , im p róp r ias
d e tão san ta e r e fo rmada casa,apare c iam n o e s
tado d e abom i náv e l n u d e z , mostrando o s v e ntre s
e j o rran do águ a da ap o jadur a dos p e itos , co m
e scan dal o e o f e n sa dos pad re s ve l h os , e , o que
e r a p i o r , com tu rbação e p e cado d o s moços .
Não sab ia se a com u n idad e e r a d e igual av i so ;e l e
,p e l o re sp e i to d e v i do a sua i dad e p rov e cta
e ii d ign i dad e do se u háb i to faz ia vo to so l e n e
d e não vo ltar ao jard im e d e n e m s e qu e r as so
m ar ao s jane las da c lau s tra, se m que os m e s
m o s alvane is, que ti nham l e van tad o fon te ,d e mo l i s s e m para mai o r g l ó r ia d e D e u s . D as ban
cadas cap i tu lare s e rgu e u -se um m u rm ú r i o d e
ap rovação . E stava d e c id i do . Nu n ca ma i s um só
f rad e pass e ar ia e n tre as m ur te i ras d o j ard im ,
e m quanto aq u e las fi gu ras d e abom i nação pojas
se m ao so l o s s e u s úb e r e s d e p e d ra . Um do
nato ti nha acabado d e e sp e r i e r o l um e da b r a
s e i ra d e cob re,q uando o D o m Abad e se l e van
tou para falar . Quan tas i g re jas , abad ias e mos
l e iros da te r ra e stavam ch e i o s do e sp í r ito e da
gl ór ia pagã ! Para ob e d e c e r as dou tr i nas d o s pa
dre s , te r ia d e p r i n c i p iar po r lançar ao fogo o seu
A r o NTE 73
be m amado Ho rác i o . Tan tos séc u l o s andados ,qu e m se l e mbrara ai n da d e arrasar a abs id e da
se. d e B raga,só po rqu e as águas da ch u va Ihc
e sco rre m d uma gá rgu la to rp e ? E a te r r e d e Co
l e g iada d e Gu imarã e s , com o seu b rute sco E .
nos ma i s ásp e ro s re c e ssos d e Po rtu g al , p o r qu"
não te riam abati d o as l u r ias e o s marrõ e s dos al
van e is o s m o d i lhõe s pagão s da i gre ja da Cas
tanhe i r a e o anj o báqu i co da matr iz d e M o n
co rvo ? Não e r a com dou tr i nas d e i nto l e rante
e somb r ia p i e dad e que se s e rv ia m e l h o r a
De u s , n e m quare n ta anos que v ive ra d e baix o
daq u e la mo rtal ha d e S . B e rnard o ac e itavam .d e
qu e m qu e r que fôss e , l i çõ e s d e compostu ra e d e
mod e ração . A co n s tru ção da fonte que tanto ai
vo r o ç'ava os pad r e s
,con c e r tara-a e l e , hav ia qu i nz e
m e s e s, na sua j o rnada có r te co m u m m e str e
i tal iano que lhe fôra r e com e n dado e m A l c obaça
p e l o re ve re n do Abad e G e ral . E r a a ind isp e nsá
ve l coroação d o jard im d e mu rtas e bu xo , que
o seu ante c e sso r mandara co rtar a f ran c e sa, na
c lau stra gran d e,para re c re i o da com u n i dad e
Escandatizar a-se a m o d éstia d o s pad re s po rqu e
tres cap r éad e s n uas j o r ravam água do s p e i tos .
Mas que fi gu ras q u e r iam Suas R e v e rên c ias , no
seu sant-o ze l o apos tó l i co , que se e rgu e ss e m so
b r e a con cha d e p e d ra d uma fo nte ? Os e van
g e l istas, os patr iarcas , os ve l h os d o Apocal i p s e ,
um re táb u l o d o Juízo F i nal ? Não , d e -c e rto .
Não e r a nos j ard i n s que se p m fe ssava o c u l to
74 NA v
d iv i n o,e nu nca n i ng u ém p e n sara, ne m o mai s
h u m i l d e frad i n ho cap u cho , e m e rgu e r um a ç a
p e la. d e n tro d u m caramanch ão . Sab iam Suas
R c ve r ênc ias qu e m ti nha e ncom e ndado a João d e
Bo l o nha a cé l e b r e fo nte das s e re ias ? O San to
Pad r e Pi o IV e o e m i n e ntí s s im o card e al P i e tro
C e s i . S e a i mag e m d um s e i o d e m u l h e r fôsse
u m s imbo l o pagão e abom i náv e l , como te r ia o
p róp r io Patr iarca S . B e rnardo e n tre v i sto,na sua
místi ca v i são , o s p e itos brancos da V i rge m a
asp e rg i- l o d e l e i te ,— e como p od e r ia p i n ta-l o s
o d iv i n o Barto l omé Mu r i l l o , se m e stre m e c e re m
d e san ta i n d ignação os cap ítu l os de to do s os mos
l e i ro s e o s b i spo s d e todas as cate d rai s ? Não .
E l e , Abad e , tranqui l o c om D e u s e co m a sua
a l ma,e n te n d ia que não e r am j u stas as q u e i xas
da comu n idad e , e p e d ia a todo s o s re l i g i o so s, e
e m parti c u lar ao s pad re s d i sc re to s, que re co n
s i d e rass e m no seu p ropós i to e o d e i xas s e m aca
ha r o tr i é n i o da j u r i sd i ção se m d e mandas ne m
agravos . Mas as palavras d o p re lado não con
s e g u i ram aba lar o s cap i tu lare s . O mai s ve l h o
d e todos,Fre i Bal tasar do s An j os , c u j o háb ito ,
na p e n umb ra,pare c ia do i rado d o m e smo mu gre
s e c u lar da p e d ra,avançou
,trôp e go , amparado
a do i s pad re s moços , e d e c larou ao Abad e , e m
nom e d e to d o o co nv e n to , que não pod e ndo se r
—l h e s im pos to como cas ti go o re c re i o no jard imda r rasla, n e nh um frad e la vo l tar ia — n e m u m
S o —se p re l ad o i ns i s ti s s e e m manda r d e sco
A FONTE 75
b r i r as fi gu ras d iabé ti cas da fo n te . Le van tou -se
o cap itu l o . O d e safi o e stava lan çado . Para
Abad e , s ubm e te r-se , e r a abd i car da sua autor idad e e da sua t
'
ô r ça . S ub i u a c e la,mando u po r
u m l e i go o rd e m ao s alvan e is,
—c n e s sa m e sm a
tard e o tap um e e r a abati d o , a fo nte i naugu rada,
e, n o s i l ê n c io das m ur te i r as e m fl o r , tres mara
v i l h o sas fi gu ras d e s e r e ias,cap r éad e s vo lup tuo
sas du ma 'on d u lação e d uma graça fl o re n ti na,
so rr i n do e o fe re c e ndo o s se i o s nas mãos d e l i ca
das, j o rraram d o s mam i l os d e p e d ra s e i s v e i os
d e água f re sca, l um i n osa e fe cu nda. U Abad e,
que ass i stia da jan e la, fi co u u m i n stan te imóv e l ,a o l har a pal p itação d e v i da que a l u z rosada da
tard e e mp re stava a n u d e z dess e s três co rpos d e
mu l h e r, — e re co l h e u -se n u m d e s l u mb ram e n to ,quas i n uma ve rti g e m , ab raçado ao bre v i á r i o .
Pe la p r i m e i ra ve z,a sua co n sc iê n c ia vac i l o u .
Te riam razão o s pad re s Trar ia e l e para o co n
ve nto,pasto r i n d ign o daqu e l e re banh o , a se r
p e n te da T e n tação ? F e cho u as po rtadas da j á
n e la, para não ve r mai s a fonte ; d e sce u ao r e
fe itór i o ; vo l tou ; ti ro u d o ar m ar ête o seu can
d e e i r o d e três b i cos ; ac e nd e u -o ; p rocurou tr a
bal har , d e po i s d e vésp e r as can tadas , no s se u s
com e n tá r i o s ao s Po l iphi l i d e F r a F r anc e cso Cc
l o na; d e ito u -se ; passou p e l o son o , e aco rdan do ,
p e la fô rça d o háb ito , a ho ra d e mati nas , adm i
ro u -se d e não te r v i n do o frad e , como d e co s
tum e,cham a- l o com a Cand e ia. Que se te r ia pa,
76 NA v
sado n o conv e n to ? Ab ri u d e m an so a po rta, e s
p r e ito u para o co r re do r , e sc u to u . A p r i n c íp i o
p e rc e b e u ap e nas , na e sc u r i dão , u m rumo r d e.
passos . Em se gui da,um a c e la e n tre ab r i u -se e
u m vu l to f u rti vo d e f rad e e scoo u -se na sombra .
De po i s,ou tro . E ou tro . E m a i s o u tro
,a i n da .
xtão iam d e -c e rto para o có r o ,po rqu e não l e vavam
as cand e ias ac e sas . I nqu i e to , o Abad e fo i bate r
a po rta do v igá r i o ; n ingu ém lhe re spond e u .
Procu ro u e m e stre dos n ov iços , a ce la e stava
d e s e rta . D e re p e n te,fe z-se a l u z n o seu e sp í r ito .
Compôs o manto , d e sc e u a c lau stra . No jard im ,
e m vo l ta da fon te e x e c rada, tôda a comu n idad e ,todos o s pad re s i n to l e ran te s
,ve l hos. e moços ,
atr aíd os , um a um,p e l o i r re s i s tív e l p od e r da
b e l e za e te rna e da vo l úp ia imo rtal , o l havam im o
ve i s , e m êxtase,e m ado ração
,os co rpos vi r g i
nai s das s e re ias , que on d u lavam , brancos , ao
l u ar .
EXPLAÇÃ U
O nte m,n um chá e m casa d e M .
“ Y . , ap re
s e n taram -m e um hom e m d e aparên c ia d i s
ti n ta,c u j a e l e gan c ia natu ral e c u ja e xp re ssão d e
tr i ste za m e i m p r e ss i o naram . D e v ia te r q uare n ta
anos , o cab e l o l e v e m e nte e mb ranqu e c ido nas fo n
te s, u n s gran d e s o l ho s n e gros , um p e rfi l d e m e
da l ha r omana,d u ro
.seco . v i r i l . .tp e r tám o s as
mãos,com s impatia . D isc u tia—se c e rto p rato ar
m o r iad o , Que d e v ia s e r um R uão , com o s a l e r io n s
d e az u l e as c i nco v i e i ras d e p rata d o s M o ntm o
r e nc y-Laval . Ou v i -o e xpôr a sua op in ião e m d uas
palav ras ráp i das,s e gu ras
,mod e stas , que d e n u n
c iavam o fác i l bom ge sto d um hom e m d e háb ito s
i n te l e c tua i s . O nom e , que eu m al p e rc e be ra no
mom e nto da ap r e s e ntação , nada ti nha s ug e r i d o
ao m e u e sp í r i to . Logo que p ude fal ar a li t.
" Y . ,
p e rgu nte i- lhe qu e m ess e hom e m e r a.
—D igo -lhe l ogo .
78 NA vm a
Um m i sté ri o ?
Um roman c e .
A n o i te,quan do tomávamos chá na sala d e
f umar,a m i nha e ncan tado ra am iga c ump r i u a
sua p rom e ssa. Tratava—se , re al m e n te , d um caso
d e s e n ti m e nto , que co n se gu i u i n te re ssar-m e d u
ran te m e ia ho ra. O m o ço d i p l omata. que m e fô r a
ap re s e n tado e r a fi lho dos barõ e s d e S . G i l d e
Pe r r e, p luto cr atas do l ib e ral i smo , e stava co l o
cado hav ia te mpo na d i spon ib i l i dad e , e adm i
n istr ava sua gran d e fo rtu na. D e po i s d e um a
v i da e l e gan te d e e moçõ e s e d e d i s s i pação ,
quando os cab e l o s j á com e çavam e m b r anque
ce r -'
the , fi ze ra u m casam e nto d e amo r co m um a
b ras i l e i r i n ha d e d e zanov e an os, ti p o marav i
lho so d e car i oca,i n do l e n te , au to r itá r ia, s e n sual ,
e d u cada e m Par i s n o S acré C o eur,e que e l e , d e
v iag e m para a I tá l ia,ti n ha e n co n trado co m o s
pai s no S p l e nd id H o te l d e N i c e . D u rante c i n co
anos , nada p e rtu rbo u a sua apare n te v e ntu ra. Um
d ia, po rem ,a c r iada al e mã das c r ianças v i u-se
ob r ig ada, p e las l e i s da gu e rra, a sai r d e Po rtu
g al— e ra um a tr aíi l e in R os e
,m e ckl e m burgue sa
e fe ia —e,fi e l ao e sp í r i to da sua raça, não aban
d o nou o lar que aco l h e ra como famí l ia, se m
p r im e i ro lhe te r d e str u ído e e nve n e nado tºda
a fe l i c i dad e e tôda a paz . An tón i o Pe rre so ub
que a mu l h e r o e nganava, e te v e nas s uas mãos ,e n tre gu e s p e la al e mã , as p rovas i rre c u sáv e i s da
tra i ção . O se u amor,a sua d ign idad e o fe nd i da,
80 NA vm a
f ug i r,quando um co rpo tép i do e ar que jante lhe
caiu d e re p e n te no s braços . E r a e la.. S e n ti u
a i n da os d e dos c r i spare m -se - the no g e sto d e a
e strangu lar ; m as,n um e sfô rço i m p e r i o so d e
von tad e , dom i nou -se , afasto u -a b randam e n te d e
s i , d i ss e - lhe que se con s e rvas s e j u n to d o pai
todo o te mpo que a sua te rn u ra fi l ia l j u l gasse
n e c e s sá r i o,e,com o s n e rvos q u e brados , com a
a l ma d e sp e daçada, vo l tou para L i sboa . Passa
d o s três d ias,e la p e d ia- lhe , p e l o te l e fo n e , que a
fôss e bu scar . E l e l i m itou-se a mandar- l he o au
to m óve l, e não fo i . Quan do a m u l h e r ch e go u ,
e nvo l v i da na sua grand e capa c i n z e n ta ,o s o l h o s
ve rm e l h o s d e cho ra r, um f rasco d e sai s i ng l e
ses na mão,An tón i o P e rre e sp e rava-a no quarto .
F e ch ou -se po rta. Em voz bai xa, se m um ge s to
d e scomposto,se m um a palavra gross e i ra
,s e re
nam e nte , ês s e hom e m su p e r i o r p e la e d u cação e
p e l o carác te r d i ss e à m u l h e r o que e r a ind isp e n
sav e l que e la so u be ss e para que a s i tu ação d e
am bos fi cass e e sc lare c i da. Ne m um a r e c r im i na
ção , ne m um i n s u l to , n e m um a l ág r ima . Ap e nas
a ve rdad e,o l
'
ac to,
as p rovas . q uan to o
pai d e la fôsse v i vo , não se m o d iti e ar ia, aparo u
te m e n te , a sua v ida c om um d e casad os . S e fr
r iam os do i s o s u p l íc i o d e se s e n ti r u m j u n to d o
o u tro . Logo que o pai morre s s e , e la sai r ia d e
casa e far -se -ia o d i vó rc io . A b ras i l e i ra ou v ia-o
e m s i l ê n c i o,e , q uan do o mar i d o saiu d o q uarto ,
fi c o u a so l u çar e s te nd ida sôbre um so fá . Du ro u
EXPIAÇÃO 8 1
do i s l o ngo s m e s e s o ho rro r d e sta s ituação . Du
ran te e l e s , a ati tu d e d e A n tón i o Pe rre fo i d um a
tão ge n e rosa d e l i cad e za, d uma tão n obre d igni
dad e , que e ssa mu l h e r cap r i ch osa e f úti l p rinc i
p i ou, p e la p r i m e i ra ve z na sua v i da. a co nhe ce r
o mar i d o , a adm i ra-l o e a am a- l o . A e xp iação
tran sfo rmou—se , para e la, e m pai xão p e rturba
do ra. Mas o moço d i p l omata fo i infl e x lve l . O
p roc e s so d e d ivó r cio e stá co r re ndo ; e,com o a
al m a h umana é fe i ta d e co n trad i çõ e s , a p o bre
b ras i l e i ra e sp e ra hoj e tr i ste m e n te , e m casa da
m ãe , que um a s e nte n ça a s e pare , para s e m p re ,do hom e m que a du ra l i ção da e x istênc ia e n
s i n o u amar até a l o u c u ra.
f— Com o vê,m eu am igo — co nc l u i u M .
" Y .
no seu so rr i s o e ncantado r — a v i da e stá tõda
SAPATINHO VER DE
M e ". quªnd o J o rg e .
li s tou v iva po r m i lagre . Tu não cal c u las o
que m e acon te c e u on te m a no i te , m eu qu e r id o ,m e u ado rado am igo . Os m e u s n e rvos v ib ram'
tl l ld i l . Toda e u e str e m e ce . A r e moção fo i tã o
ran d e, que não posso l e vantar a cab e ça do tr a
ve sse i r o e faz-m e m at ve r a l u z . Ia m o rre ndo e s
tup idam e n te , ho r ro rosam e n te , l o nge d e ti . Es
c re v e -te a l áp i s não se i com o , p e rd o a . Estou d e .
cama . Não te ass u ste s , m eu Jo rge , tud o passou ,
e e u ago ra não so fr e s e não a fad iga que s u c e d e
a tºdas as grand e s fe b re s n e rvo sas . Mas que fo i
p e rgu n taras tu. A c o i sa ma i s s im p l e s deste
mu ndo , m eupob re am igo . Os d e sastre s são se m
p r e d um a s imp l i c i dad e absu rda. Ia mo rre ndo
p o r te r cal çado u n s sapatos d e sal i m v e rd e . ve
tu como um a d e sgraça tão grand e pod e cab e r
d e n tro d u ns sapati n h os tão p eq u e n os
o S APATI NH O VE R DE 8 3
Ou ve . Qu e ro que tusaibas tu do . Não te zangas
com igo , po i s não ? Tu be m d i z e s que eu sou
toda n e rvos , que u m nada m e e xc ita, m e p e r
tu rba m e ado e c e . Le m bras-te daqu e la s e n h o ra
mu ito d i sti nta, m u l h e r do e n ge n h e i ro i tal ian o
que mora p e rto da n ossa casa ? D e po i s que tu
par ti s te para I ng late rra fi q u e i tão só , tão d e s e
j osa d e . alg u em .co m q ti e m conv e rsar, com qu e m
trocar i mp re ssõe s, que m e ap rox im e i mai s d e la
,
e hoj e somos d uas g ran d e s , d uas q u e r i das am i
gas . O an i ve rsár i o do casam e n to da. B e tti na
co i n c i d i u este ano com a s e gu nda- fe i ra go rda,
e la,para se d i strai r u m pou co — tu b e m sab e s ,
m euJo rge, que o s E sto ri s no i n v e rn o são o Pere
Lachai se — l e mbro u -se d e r e c e b e r m ascaradas as
p e ssoas m ai s ínti mas,e i n s i sti u m u ito com i
g o para que eu n ão d e i xass e d e i r a sua fe sta .
A pr i n c íp i o d i ss e - lhe que não , que não qu e r ia as
s isti r a d iv e rti m e ntos e m quan to tu e sti ve ss e s
l o ng e, que não d e i xava o nosso fi l h i n h o d e n o ite
só com as criadas— se tu v i ss e s com o e stá l i n do
o nosso fi l ho , m u i to côr d e rosa, co m o s o lhos
mai or e s , e l o i ro , l o i ro , l o i ro m as B e tti na p e
d i u,e x ig i u , te im o u , que tunão te zangavas , que
as nossas casas fi cavam a do i s passos , que e r a
só atrav e ssar a l i n ha fér r e a, que as c r iadas cha
m avam ao te l e fon e se o p e qu e n i n o aco rdasse,e
eu, a p e n sar e m ti,se mp re a p e n sar e m ti , cha
m e i d uas costu re i ras para casa, cop i e i aguar e la
da Pi e r r eue eu ve rt, que tu te n s no teu e sc r i
Xá NA VID A
tó ri o , comp re i umas m e ias ve rd e s,man d e i faz e r
u n s l i n dos sapati n h o s d e se tim v e rd e , e onte m a
no ite., toda d e v e rd e d o s pés a cab e ça como a
fi gu r i nha d e Wi l e tte,mu i to co n te nte
,m u i to r i
so nha, m u i to fe l i z , l e mbrar-m e d e que tu ha
v ias d e gostar d e m e ve r tão bon i ta,
— p u s ao
p e scoço as m inhas pé ro las,b e i j e i o m eu fi l h i nh o
que do rm ia, ati re i um a capa p e l o s omb ros— e
tui . Não imag i nas com o e u e stiv e b e m , d i straída,
a l e gre,e como a B e tti na e stava i n te re ssante
p ov e ra p icc ina m ia com mu itos br i l hante s ,mu i ta p e na d e não se r l o i ra e m u itos c i úm e s
d uma m isr e ss R e yno l d s,bastan te m idd l e c lass
que andava p e las salas a p e n d u rar-se -lhe no m a
r i do e faiar'
n o s
'
pavõe s do seu jard im d e Car
cave l o s . A graça que e stas i ngl e sas acham ao s
mar i do s d e toda a ge n te ,
— e como eu m e s e n ti
i nqu i e ta,com o eu so fr i também
,m e u Jo rge ,
p e n san do nas vár ias m istr e ss R e yno l d s , nas vá
r ias m iss Cosmo que hão-d e qu e re r d e b ru çar-se
sobr e os te u s l i ndos o l h os p re tos ! Passava da
m e ia n o i te e eu j á ti n ha dançado m u ito , quan do
tocaram ao te l e fo n e . E r a c r iada a d ize r-m e que
o p e q u e n i to ti nha aco rdado e e stava a ch o rar po r
m im . A fl i ta,d e sno rte ada
,pu s a capa
,não m e
d e sp e d i d e n i ngu em , e como qu e r ia v i r d e p re ssa- não imagi nas que e sc u r i dão d e no ite !— e m
ve z d e dar a vo l ta p e la passage m d e n ive l , co r
Io i a d i r e ito para atrav e ssar a l i n ha fér re a na
a ltu ra da nossa casa . Um a im p rudênc ia, po i s
o sar n m n o VE R DE Ri"
.
não é v e rdad e ? S e fo i,m eu Jo rge ! Eunão v ia
nada d ian te d e m im . Ia c e ga, tre m e r , trop e
car no cam i n h o . Po rqu e cho rar ia o m e u fi
lho ? .Como e ra poss ív e l que eu o ti ve s se d e i
xad o, que e u o ti v e s s e aban donado as c r iadas ,
que eu o ti v e ss e trocado p o r um ba i l e,
— o pob re
i n oc e n te . ! Um v e nto h úm id o batia-m e na cara,
d e sgre nhava-m e o s cab e l o s , e,
no si lênc io da
n o i te , o m ar pare c ia rug i r m u i to p e rto,cada
ve z mais p e rto d e m im . l a a atrav e s sar a l i n ha,
sôb re o cascal h o que m e f ug ia e re svalava d e
bai xo do s pés,quan do um d o s taç õ e s Luís xv do s
m eus sapatos d e se tim v e rd e , fi n o s com o j u ncos ,se m e p re n d e u e n tre um a p e d ra e o fe rro d o r ai l
,
—p re c i sam e nte n o mom e nto e m que , na e sc u
r idão , cam in han do para m im ,apare c ia o faro l
v e rm e l h o d um combó i o . Que i n stante s d e an
gústia, m eu. ado r ado Jo rge , — tão ho rrív e i s , que
se e u não e n do i d e c i d e pavo r é po rqu e j á não
e ndo id e ç o t Qu i s l ib e rtar-m e,n u ma afl ição . Não
p u d e . E stava p r e sa, fi xada, agarrada ao s r ai ls,
—e v ia, e s e ntia o co m bo i o avançar, i m p lacáv e l
m e nte,ao m eu e n co n tro . D e bati-m e a i n da n um
e sfo rço s u p re mo,gr ite i
, caí d e -b ru ços,l e vante i
-m e com a bõca a sab e r-m e a san gu e,q u i s arran
car -m e daq u e la p r i são co m to das as e n e rg ias d o
d e se sp ero .
“
I n ú ti l . Pare c ia que um gr i l hão d e
fe r ro m e fi xava a l i n ha . A l ocom o ti va n e gra, u i
van do,re s fo l e gan do , v i n ha j á sôbre m im ,
quan do D e u s,não fo i s e não D e u s e o m e u fi
86 NA v
lhinho ,m e p e rm i ti u u m l amp e j o d e s e re n idad e
bastan te para comp re e nd e r que pod ia l i b e rtar-m e
d e sap e r tando p re s i l ha d o sapato . Com o a
f e l i c i dad e e a v i da, m eu am igo , pod e m d e p e n
d e r d e um a co i sa tão s im p l e s ! Do i s , três se
gundo s d e po i s , eu f u g ia co rn o do i da, d e scal ça
p e las p e d ras , e o combó i o passava sôb re o m eu
pobre , sôb re o m eu f rág i l sapati nh o d e se tim
v e rd e , —que m e ia matando , que eu sac r i fiqu e i
para m e sal var,e que m e fi cava. tão b e m , m eu
q u e r i do Jo rg e
Não , m eu grand e , . m eu adorado am igo,eu
não pod ia mo rre r, porqu e te qu e ro m u ito, p o r
que ado ro o m eu fi l h i n ho,po rqu e tunão tardas ,
po rq u e soumui to fe l i z , —e po rqu e a m o r ão
d e v e l e var s e não qu e m é d e sgraçado po i ão
ve rdad e , m euamo r ?
Tua, m u i to tua, Le na .
88 NA VID A
'
sar , e n te rrado n u ma p ol trona, ac e nd e ndo um
d o s se u s h o r rív e i s c igarro s i ng l e s e s . Mas q uando
e u ia p r i n c i p iar a l e r,d e te v e -m e . Qu e r ia que
euconhe c e ss e p r im e i ro as con d i çõ e s e m que ess e
doc um e n to fo ra e ncontrado . E ram -« d i z ia e l e
a chave da h i stó r ia . Como eu sab ia ja. Ba l ta
sar comp rara,no s ar re do re s d e Viana d o Cas
te l o , um ve l ho so lar ou tro ra p e rte n c e n te ao s m o r
gados d e s e nho re s d o c ou to d e So e i ro e da
com e n da d e Santa Mar ia d e A i rão, c u jas fi l has ,
p o r m e rcê d e'
e l -r c i D . João v,ti n ham al mo fada
no Paço . O m e u am igo não se atre ve ra. a ho l i r
na casa, on d e o s te tos d e mad e i ra e m caix o tõe s,
co m p i ntu ras d o séc u l o XVI! e ros e tas do i radas
no c ru zam e n to das mo l d u ras , e ram os mai s r i co s
d e todo o M in ho so lare ngo ; m as j u l gara d e bo m
con s e l h o abate r o po rtão da q u i n ta, que am e a
cava ru ina, po rqu e pad i e i ra fe nd i da não agu e n
tava j á o peso da p e d ra d e armas . As s im se fe z .
Q uan do o s p e d re i ros ap eavam um oratór i o co m
o pai n e l d o San to C r i sto , e ncastrado no m u ro a
al tu ra da i m posta, e ncon traram um a carta m e
ti da e n tre a armação d e mad e i ra e o ni o di lhão
d e pe d ra d o n ich o , tão ch e ia d e bo lô r e com i da
d o pó, que pare c ia d e s faze r-se q uando lhe toca
vam . O m euam igo Bal tasar l im po u -a ao d e l e ve ,e , n uma mancha n e gra d e h um i dad e , l eu: Ao
sr . Ii d i Manue l d e Nap o l e s e Bourbon . A p e ssoa
a q u e m e r a d e sti nada não ch e gara a abr i-la. E s
tava al i hav ia c e n to e s e i s anos . E ra a carta que
e u ti n ha ago ra nas mãos .
MAR IA nosa 89
—Va i s ve r que adm i ráve l d oc u m e nto duma
paixão e duma época — con c l u i u o m eu am i go ,grav e m e n te
,e m quanto o cr iado no s traz ia o chá .
A carta d i z ia ass im
« M eu R ui d o m eu coração .
— Pe la al ma da
tua m ãe sinha te p e ço que não v e nhas e sta n o ite .
O e sc u d e i ro p r e to a qu e m tu re ta l haste cara
com o ch i cote,viu-te onte m sal tar da jan e la d o
m eu quarto . M eu pai j á sab e tu do . Mandou-m e
hoj e p o r F re i Joaq u i m um pap e l para eu pô r o
m eu n om e , que c u i d o que é para o s e nho r A rc e
b i spo , e d eu o rd e m as c r iadas para te re m p ron
tas amanhã , ao nasc e r d o so !, as ar e as da m inha
ro u pa. Não se i que vão faz e r d e m im,m euamor
da m i n ha al ma . Não se i para o n d e m e l e vam
n e m se to rnare i a ve r -te mai s n e ste m u ndo . A
Do rote a d i ss e -m e ago ra, a tre m e r d e m ed o, que
o s c r iados e stão lá e m baixo , na ad e ga, ap e r
ran do o s arcabu z e s , e que m eupai p ro m e te u ao
B e nto, que an da co m l ite i ra, tôda vá rze a vê
lha d e F rance m i l e um saco d e mo e das,se te
matas se . El e é hom e m ru im , e capaz d e tu do .
Não vo lte s , p e la tua sal vação , m eu R ui . Su p l i
cc-te , d e mãos pos tas . Não vo l te s m a i s a e sta
casa, que te matam . E s to u a e sc re v e r-te d e . j o e
l h os,d ian te d o o rató r i o d o m e u quarto
,e a ou
vi r e s gr i tos d e m in ha m ãe , que m e amal d i çoa .
Não te nho'
o utra m an e i r a d e av i sar-te , am o r d o
m eu co ração . Nossa S e nho ra qu e i ra, na s ua'
i n
90 NA VID A
fi n i ta m i s e r i có rd ia, que nã o te e squ e ças,an te s
da no ite fe chada,d e mandar bu scar e sta carta
ao l ogar d o costu m e . A Do rote a, que m e c r i o u
e que to da a manhã te m cho rado com igo , d iz—m e
que a tua v ida não'
e stá se gu ra e m V iana, que
d e v ias atar do i s baús , armar quatro c r iados co m
bo n s bacamarte s no s ar çõ e s e s e gui r j o rnada
para o Pô r to . S e fo re s , D e u s te acompanh e , m eu
d e sgraçado am igo, que não se i que p e cado fi z
e m qu e re r-te tan to . E não te compad e ças da
so rte da tua pobr e R osa, que há-d e se r s e mp re
fe l iz e m quanto D e u s lhe d e r con so lação d e po
de r so f re r e cho rar p o r ti . 3 d e abr i l d e 1 8 1 1 .
R osa Maria. »
Leste— L i , re spon d i e u, co m os o l hos e mbac ia
d o s de l ágr imas .
— R ui Man u e l , po r co nse guin
te,não ch e gou a re ce b e r e s ta carta
Não a re c e b e u . Po r i s so e u fu i e n con trar
no s l i v ro s d e ób i tos d e Santa Mar ia d e no
m e smo d ia 3 d e ab r i l d e 1 8 1 1 , o r e g isto da mo rte
de u m R ui Man u e l d e Nápo l e s e B o u rbon , com
e sta nota lan çada a m arg e m p e l o abad e : « m o r to
a falsa fe , d uma arcabu zada que lhe d e ram » .
—E R osa Mar ia
Con sta d o s l iv ro s d o nov i c iado d o m o s
l e i ro d e S antº
Ana, d e V iana d o Caste l o , que d o i s
d ias d e po is , 5 d e abr i l , v e stia o háb ito da ap ro
vação na re l ig i ão d e S . B e n to só r o r R osa Mar ia
MAR IA ao S A 9 1
Jácom e d e Amo r im Pe re i ra, com dote d e do is
m i l c ru zados e u m carro d e tr i go .
Natu ral m e nte,ch e gou - lhe para o que hav ia
de v i v e r, d i ss e eu.
—Não . Não se morre d e dô r , po rqu e só r o r
R o sa, e m 1 843 vivia'
ainda .
t l HOMEM DA MALH A BR ANCA
Quan do onte m fu i ao c e m itér io c ump r i r u m
d e v e r d e p i e dad e ,e ncon tre i M .
º"º X. V i n ha tóda
ve sti da d e p re to,os
'
o lhos v e rm e l h o s d e cho rar,os s e u s adm i ráv e i s cab e l os l o i ros e nvo l v idos e m
c rep e s . Fe z—m e im p re ssão . T i nha-a co n h e c i do
hav ia o ito an os , quando e la se e stre ara e m L is
b o a como arti sta d e c i rco , e ap rox imara—m e d e la,
mai s tard e , a sua fu n e sta l igação co m um am igo
m e u. Atrav e ss e i,para lhe falar, a alam e da d e s
cob e rta d e so l . D i ss e -m e , vagam e nte , que ti nha.
v i nd o acompanhar u m morto q u e r i do . A sua vo z
tre m ia. A sua pal i d e z as s u sto u—m e . Cam ba le o u .
D e u-m e, p o r u m mom e n to , a i m p r e ssão d e que
ia p e rd e r o s s e nti d os . Pou co a po u co , re an i mo u-se
,te v e um a c r i se d e c hº ro , p e d iu-m e que
acom panhas se até a car ruage m . Ofe re c i-lhe o
m e u au to móv e l . A c e i to u . I n stan te s d e po i s , se
gu iamos ambos no R e nault que m e trouxe ra,
o H OMEM nA MALH A l inANCA 93
e u pe n sando na i m p re ssão p ro fu n da que , ai n da
m e smo no s h om e n s mai s i n se n s ív e i s , p rod u z e m
as l ágr i mas d uma mu lh e r bo n ita,e la d e o l h os
fe chados , co m a cab e ça pou sada no m eu omb ro ,ch e i ran do , d e ve z e m quan do , a ro l ha do i rada
do mai s p re c io so f rasco d e sai s que te m aj u dado
um a m u l h e r a cho r ar ao pé d e m im .
Fo i e n tão que e ssa c r iança g ran d e, que é M .
º"º
X,m e co n to u s i ngu lar h i stó r ia que a ti n ha
traz i d o , naque la manhã l umi nosa de s e te mbro ,ao c e m itér i o d o A l to d e S . João . q uanto
o u v i , l e mbre i-m e v i nte ve ze s d e O scar W i l d e e
d o seu e l e gan te c u l to do i n ve ros ím i l . A re al i
dad e ati n g e,as v e z e s , um a tã o v iva exp re ssão d e
ab surdo , — que s e r ia p e rm i ti d o , sob re tudo tr a
tan do-se d e m u l h e re s , d uv idar da p róp r ia e vi
dên c ia. O caso d e M .
ª"º X,com o e la m o con to u ,
é , re al m e nte , d uma grand e s i ngu lar id ad e . Um
b e l o d ia, com e ço u a p e rs e gu i - la um hom e m .
Apar e c ia- lhe e m tôda a parte,nas ruas
,n o s co m
bói o s, no te atro . E r a um rapaz n ovo , tr i nta e
tantos an os,seco
,r u ivo
,e l e gante , v i r i l , co m u n s
o l h os pardo s p e qu e n os , um a fi s i on om ia inqui e
tan te , um'
impas s íve l ar d e fi m d e raça,e,o que
o to rnava mai s e stranho ai n da, um a gran d e m a
lha b ran ca'
no s cab e l o s , c r ua,v iva
,como um a
p i n c e lada d e cal . E'
as ve ze s d i f íc i l sabe r p o r
que razão c e rtos ti p os ab e rrante s d e hom e m in
te re ssam tão v ivam e nte as mu lh e re s . Pe rante a
insistênci a da p e rs e gu i ção,M .
º"º so r r i u,i n
94 NA vm a
d ign ou -se,acabo u p o r se p e rtu rbar , —e c e rta
n o i te d e Carnaval , as tres hór as da mad rugada,
a sua po rta abr i u -se a u m hom e m que e la não sa
b ia qu e m e r a, para. se fe char, d u as h o ras d e po i s ,sôb re um amante que e la co nti n u ava a não sa
be r qu e m fôsse . Na n o i te s e gu i n te , o de sco nhe
c i d o vo ltou. D e po i s d e d uas ho ras d e vo l úp ia c
d e s i l ên c io,
X qu i s sab e r- lhe o n om e . E l e
fttou-a com e stranh e za,p e rcor r e u com os s e u s
p e qu e nos o l h o s cô r d e aco e côr d e água o co rpo
d e ssa mu lh e r te nta d e m i sté r i o , d e comoção e
d e p e r fum e , e d e po i s d e fitar , d e a anal i sar, d e
a p e rsc ru tar. p e rgu nto u -lhe , com um a fr i e za g la
c ia l,o que pod e r ia i n te re ssa-la o facto , abso l u
m e n te i n d i fe re n te ,d e ê l e se chamar José , João
ou An tón i o . A p r i nc íp i o , M .
º"º X co n s i d e ro u a
sua av e n tu ra c omo um d e svar i o passage i ro co m
u m h om e m que pod e r ia te r co n ve n i ênc ia e m
oc u l tar o seu nom e .
'Em bre ve , po rém ,e ssa r e
s e rva obsti nada com e ço u a v e x á-la, como um
u l traj e,T i n ha
,e v i d e n te m e nte ,
o d i re ito d e sa
he r qu e m e ra o i n tr u so que re c e b ia. na i n ti m i
dad o da sua al cova,e, o que e r a p i o r, na i n tim i
dad e do seus e ntim e n to . Proc u rou , i n q u i r i u , d eu
s i nai s : n i ngu ém o co nh e c ia. Um a no ite , d u ran te
o son o,re vo l v e u - lhe as al g i b e i ras da casaca e da
p e l i ça : na carte i ra,se m monograma,
hav ia ap e
nas d i nh e i ro . Ne m um b i l h e te , ne m u m pap e l ,n e m um a i n d icação . T e n to u subo rnar o chan!
[ e ur que cos tumava traze -l o e lcvá- l o . I n úti l .
96 NA VID A
e ncon trar n e ssa i d e ia um a vaga. e p e rturbado ra
vo l ú p ia. Po r fim , j á e la p róp r ia e r a i n te re ssadae m p ro l o ngar um a s i tuação que a p r i n c íp i o lhe
par e ccr a ofe n s i va da sua d i gn i dad e d e mu l h e r ,e que lhe re ve lara afi nal , a e la
,fati gada d e e m o
çõ e s , a mai s abso rv e nte e a mai s p ro f u n da d e
lôdas as s e n s ual i dad e s — a s e n s ua l i dad e d o m i s
tér io . Du raram al gu n s m e s e s , no m e smo pé d e
i ng ógn ito , as r e laç çõ e s d e M .
º"º X co m aqu e l e ho
m e m e xtrao rd i ná r i o . Um d ia,a anti ga e cuyê r e
acho u—lhe na al g ib e i ra um re vó l v e r . G ri tou , e m
pal i d e c e n,o l h o u -o . E l e ,
s e re nam e nte , so rr i u ,vo l tou a guardar a arma cu j o p u nh o d e p r ala
sc inti lava com o um a j ó ia, e af u ndo u -se n um
m uch—co rn e r,
lê r j o rna i s . Passaram-se do i s ou
tr ês m in u tos . D e re p e nte,M .
º"º X, que comp u nha
os cab e l os ao e sp e l h o,o uv i u um ti ro . Co rre u ,
“
como do i da. O « hom e m da mal ha b ran ca» l i n ha
a cab e ça l e ve m e nte i n c l i nada sôb r e o so fá , e um
fi o d e sangue e sco rr ia- lhe p e la fac e c r i spada . Es
tava mo rto . O m e smo aul o m óve l que o tr o u xe ra,
c o nduz iul o ao hosp ital e à morgue .
—Fo i ess e m o r to q u e r i d o que eu v im e n te r
r ar — co n c l u i u ch o rando M .
º"º X,quan do
o R e nault lhe parava j á a porta d e casa, o frasco
d e sai s aban donado n o re gaço,o s c rep e s flu
l uando a arage m e m vo l ta do s s e u s marav i l h osos
cab e l o s cô r d e fogo .
— E,afi nal
,q u e m e ra e l e ? — p e rgu nte i , aju
dando-a d e sc e r .
o H O M EM DA MALH A nm xm 97
X'
l . º"º X o l h o u -m v, amparou—se ao m e u b raço ,
e e m quan l o as l ág r imas lhe b o r bulhavan i
o l ho s re spon d e u , num so luço :
Não
M l tG l l JAD'
E ntre cs pap e i s d um pobr e am igo morto,ve r
dade i r as Conf e ssions d'
un e nfan t du si êc l e
co ntr e i e sta s e nti da pág i na
Ao ch e gar a Lisboa, d e po i s d e v i n te an os d e
ausência e m Ne w -Y ork, tõdas as m e mór ias da
m inha moc i dad e d i stan te se av ivaram . S e nti
e m tu do,n o so l
,nas co i sas , na l u z que m e e n
vo l v ia,no ar que r e sp i rava, a i l u são rad i osa e
p e rtu rbado ra do passado . A trave s s e i , quas i como
um e stranho,a c i dad e que ass i sti ra as p r im e i ras
e moçõ e s da m inha j uv e n tud e . Não h o uv e um r e
can to,u m aS p e c to , que não ti ve s s e m para m im o
s e n ti d o d uma re co rdação . Nu n ca j u l gu e i que
poss u íss e tão v iva a m e mó r ia d o s e n tim e n to .
Ve l hos afe c tos,an ti gas l e mb ran ças , pa i xõ e s d u m
in s tan te e l o u c u ras d e le da v i da,vagas re m i
n iscénc ias d e s e n saçõ e s , image n s fug i ti vas d e .
1 00 NA VIDA
nós , se ntim e n ta i s , te m o s,mai s oum e n os vo l ú
p ia do sofr i m e n to . Eu sab ia,d e an te -m ão , que
não pod ia to rnar a ve r e ssa casa se m m e s e n s i
b i l iza r até as l ág r i mas . E um a b e la manhã, tal
v e z po r i sso m e sm o . l'
ui vê, - la . Como e u s u b ia.
n ou tro te mpo aq u e la lad e i ra íng re m e da Am e i
x o e i r a, d e sd e o ve l ho so lar i l lpC l'
l tl I'Zl d O dos m a r
qu e s e s d e A nj e j e até ao c ru z e i ro h um i l d e que
abre os s e u s b raços d e p e d ra l á c ima, d e b ruçado
so b r e o val e V i ço s o d e Od iv e las ! E ago ra,v i n te
anos d e po i s,quando j á a moc i dad e m e não so r
r ia e n e nh u n s l áb i os d e m u l h e r m e e sp e ravam ,
como e u a”sub i l e ntam e nte , p e n osam e n te .
sob a n évoa tr i ste dos m e u s cab e l o s b rancos ! O
co ração bate u -m e ap re ssado . As lágr imas e mba
c iaram -m e o s o l h os . Lá e sta va, ao al to do có r
r e go,n uma vaga po e i ra d e so l
,a pob re cas i nha
c o r d e rosa que fo r a, na p ro f u n da e xp r e ssão das
c o i sas i nan imad o s , p e qu e n i n o ab r igo d e um
s e n tim e nto e te rn o . Ap rox im e i -m e para ve r
m e l h o r, 'para a acar i c iar , para a s e nti r . Umas
somb ras n e g ras mov iam -se à por ta . I l ma r ar
r e ta n e g ra e sp e rava na vo l ta da e strada . Ouv i
m n chõr o convu l so . A s p e rnas vac i laram—m e .
m are i—m e ao mu ro para não cai r . D a casa que
e u e n ch e ra com o ma io r amo r da m i nha v i da,
sala um ca ix ão . Cho re i e m s i l e n c i o .
T i nha v i n do ass i s ti r ao e nte rro da m i nha p r o
p r ia moc idad e . »
S Á IAS DE BA LÃ O
—Que saudad e s e u te nho das mu l h e re s d o
m e ute mpo d iz ia—m e o m e uam igo D . A l e xan
d r e d e So u sa,n u m d o s ul ti m os chás m u ndanos
d o H o te l C e n tra l . v e n d o pas sar na varan da d o i
rada p e l o so l da tard e um a re voada f re sca d e r a
par i gas .
Voce e stá co nv e n c i d o d e que e ram m ai s
i n te re ssan te s d o que as d e hoj e
E ram , co m c e rte za, mu ito ma i s grac i o sas
m u i to mai s f e m i n i nas , — m u ito mai s mul h e re s .
Quando v e j o o d e s e mbaraço v i r i l das rapar igas
d e ago ra, que j ºgam o te n n is e cruzam a p e rna
como rapaz e s,s i nto — pa lav ra d e hon ra —
a
n os tal g ia da saia d e ba l ão . E u be m se i que o s
ve lhos , q uando se vo l tam para o passado , vê e m
tu do co m o s o l ho s dos v i n te anos . Mas vo cê,se
ti ve ss e co nh e c i do as rapar i gas do m eu te m p o ,1 858
,1 860, co m o s s e u s cam afeus, as s uas cap o
1 02 NA VIDA
tas d e pal ha d e i tal ia,os s e u s gran d e s ve sti d o s d e
tar latana cô r d e r osa e a sua e ncan tado ra ti m i d e z
d e p e ti fcs c e rtas — hav ia d e p e nsar com o e u.
Eu não se i se e stas co i sas te e m m udado,
“e se vo
ces , hom e n s n ovos , p re fe r e m vo l u ptuos i dad e
da au dác ia a p ro fu n da e p e rtu rbado ra vo lup tuo
s i dad e da candu ra . Para m im,e para o s da ve
lha guarda, com o eu, o e ncanto su p re mo da mu
ib e r e stá a i n da na modéstia,
na i n ge n u i dad e ,
no pu d o r,na graça tfm i da, na igno r ânc ia d i s
e r e ta, e — qu e r que lhe d iga ? — naqu e l e d e l i
l ir i o so g r ão sinho d e e stu p i d e z a que nós outro s ,
rom an ti cos,chamamos i n ocên c ia . Não se i se voce
j á r e parouque não são as mu lh e re s m u ito i n te l i
g e n te s que d e sp e rtam as mai o r e s pai xõ e s . A i n
te l ig e nc ia te m qual q u e r co i sa de'
ág i l , d e máscu l o,d e i r r itante ,
—que re p e l e a s e n s ua l i dad e m i ste
r io sa d e hom e m . Não conh e ço e ncan to su p e r i o r
ao d e um a m u l h e r que e sta calada, — e não se i
que e sc r ito r i ng l ês afi rmou que não hav ia vo
lup tuo sidad e com paráv e l a d o s i l ênc i o . A s im p l i
c i dad e d e e sp í r ito das rapar igas d o m eu te mpo ,
que tão i n te re ssan te s as to rn ou,fo i , sobre tudo .
um p rod u to d e e d u cação , um a ob ra cari nh osa
da fam i l ia. Conh e c i al gumas que amaram ,ç a
saram , ti v e ram fi l h os , e e n ve l h e c e ram e m p l e na
i n oc ênc ia como gran d e s béb e s d e cab e l o s b ran
co s . A s te ndênc ias da n ossa e d ucação se ntim e n
tal l e varam-n os,d e s lum b rados d e can d u ra, co
s i d e rar'
a i gn o rânc ia da mu lh e r tao b e la com o a
1 04 NA vm a
d o Inun iar , um casarão d o séc u l o XVI I I , notav e l
p e l o s s e u s azu l e j o s do R ato , p e las suas te ias d e
aranha, p e las car rancas do s seus m o d i lhõe s e po r
u m o u d o i s adm i ráv e i s te tos p i n tados po r Pe d ro
A l e xan d r i no . Passo u -se a tard e n o jard im . A
n o ite ac e nd e ram -se todas as se rp e nti nas d e p rata
mare ada que se e ncon traram nas arcas,e as se
nho ras r eun i ram -se na sala g ran d e , on d e se ha
v ia d e s e rv i r o cal d o d e gal i nha da m e re nda e m
tige las ve l has da i nd ia. A i n da m e re co rdo como
se fºsse hoj e — ti n ha e n tão d e zass e i s an os — da
i m p re ssão que p rod uz i u e m m im ess e sal ão p r o
f u n d o , tod o guarn e c i do a vo l ta d e p e sadas ca
d e i ras D . João v,ond e se s e ntavam imóv e i s
,s i l e n
c i osas , d e o l h o s bai xo s , al i nhadas c omo f re i ras
no có r o , se s se n ta o u s e te n ta s e nho ras ai n da no
vas,pojan do o s s e u s e n o rm e s bal õ e s d e p e k i n
v e rd e , d e m o i r ée N i n on,d e cam ai
'
eua: de l e , d e
tar latana cô r d e rosa, donde p e nd iam como ba
da l o s d e s i n o — as cad e i ras e ram al tas — c e n to
e v i n te,ce n to e quare nta pe sinho s ca l çados d e
dur aque p re to . A s e c re tar ia da l e gação da Aus
tr ia canto u Gazza Lad ra; Bu lhão Pato re c i to u
ao p iano . A c e rta al tu ra,m eu ti o , que b r i n cava
s e mp re,l e van tou -se , e d e pé no m e i o da casa
e sto u a ve r -lhe fac e rapada,a s ob r e casaca azu l ,
as mãos fi nas — p re v e n i u as se n ho ras d e que .
um a das cad e i ras daqu e l e sal ão , não se sabi a ao
c e rto q ual , poss u ía s i ngu lar p r ºp r ie dad e d e
o br igar a p e ssoa que n e la se se n tava d ize r o
S A IAS o r: BALÃO IOS
que não qu e r ia e a re ve lar,invo luntár iam e nte , os
ma i s íntim os se gr e dos da sua al m a . E las a p r iu
c i p in so r r i ram , fi z e ram b o quinhas d e e span to
m as d e po i s com e çaram a o lhar
d e scon fiadas u mas para as o u tr as a co rar,
mo rd e r o b e i ço,
'
a l e van tar-se,a sai r a fo rm ig a.
—e o c e rto é,m euam igo , que , quando os c r iados
e n traram para s e rv i r a m e re n da, j á não e s tava
na sa la ne m um a. I nge n u i dad e , s im p l i c i dad e d e
e sp í r i to , d e fe ito d e e d u cação , —o que vo cê qu i
se r . O que lhe afi rm o é que , n o m e i o das rapa
r igas v ir is d e hoj e que falam e m cal ão , traz e m
a saia p e l o j o e l h o e não te e m medo d e nada, e o
m e ço a s e nti r a m e lancó l ica saudad e das mu lh er e s do m eu te mpo , pob re s bo n e qu i nhas tím idas
d e há c i n co e nta an os, que co ravam . bal bu c ia
vam ,sorr iam ,f ug iam com medo d ian te d uma ca
d e i ra— m as que so u b e ram dar -no s na v ida a
conso lado ra i l u são da cand u ra,da fe l i c i dad e e d o
amor .
O CR IM E
A e s trada co r r ia c o rtando u n s m on tados e
bou ças fl o r i das d e m ato e x com u ngado . Na vo l ta,
l -í bai xo , d e e n co n tro a um a l omba d e p i nhal
man so,copado d e sombras , um a casa fai sco u
como um a p i nc e lada b ranca ao so l .
— Ve s aqu e la casa —p e rg u nto u -m e o m eu
am igo , cu jas largas m ão s d e hér culcs,e n l u va
das d e l ã c i nz e nta, man e j avam como um br i nq u e
d o o vo lante d o au tomóve l .
Aqu e la casa branca
E“
o casa] d os Cab e ços . R e para, q uan d o
passarm os po r l á . Te m a sua histó r ia.
Um cu nha] d e armas ?
Não . Um c r im e .
D aí a c i n co m i n u tos , o no sso adm i ráve l B r a
fe r passava d ian te d uma te r rea ve l ha d e quatro
pare d e s caiadas,com o se uIe lhado d uma só água,
três cacho rros d e p e d ra a ague ntar e ni um a par
1 08 NA V IDA
e ad e r como um p e rd igu e i ro,val e nte com o as ar
m as .
'
.ºalhºu u mas m o e das na arca,ar re ndo u
es te bocadº d e te r ra, e caso u cºm um a rapar iga
do l ºgar d e N e g ros,a R osá r ia
, que, pod ia se r fi
lha d e l e . Um d ia,v i e ram af trabal har n o casa l d e
c ima u n s mal te s e s . E ra um a j o l da d e l e s , m al e n
car ad o s,cºm u m m anag e i r º p i o r que e l e s tºd os ,
0 F i l i p e . Da l i p o r d iante , º Jºãº Mar ia cºm e
e o n a e stranhar a m u l h e r . Ach ava-a tr i ste . 0
que e r a, o que não e r a, ate que.
d uma ve z o m a
nag e i r o ,e nco ntran do-º n uma vº l ta da e strada,
d e u u m sal to ao l argo e m e te u a mão à c i nta.
Q u e m m al n㺠usa,m al n㺠c u i da . 0 Jºão Mar ia
se g u i u se u cam inho , e a n º i te , q uando fa l o u a
nm lhe r n o F i l i p e,v in-a m udar d e cô r
,º s u o r e s
co rr e r-lhe e m baga p e la te s ta,amparar—se a um
mochº d e c o r d e i r o para n㺠ca i r nº chão ,
— e
fi co u a º lh ar para e la,d e º l h ºs e sbºgalhadºs, se m
e n te nd e r nada. N e ssa no i te,o pob re, hom e m nãº
do rm i u . Na m anhã s e gu i n te , carre gou c lav ina,
ap e r r o u-a,m e te u -a nº vão da po rta cºm º ch um
he i r º e o pd lvo r inho d e ch i f re ,b e i j o u a mu lh e r ,
d i ss e - lhe que d e po i s d o tr abal h º ia a v i la, que
não o csp e r assse até a no i te,ati rº u a e nxada ao
omb rº , —e aba l º u . A i n da n㺠e r a nº i te f e chada,
e stava d e vo l ta . Log o que d e i to u m 㺠aº fe rro lh o
d a po rta, ou v i u um gri to , o r m nº r d u ma ti ge la
que se e sti l haça no lad r i l h o,—e a l u z apagou -se .
« Qu e m e s tá aí“l n— g ri to u e l e . S e nti u o r e stº
l e gar d um hºm e m ; d e pº is , o e sto i ro d um ti rº,
e cam a 109
que lhe e ham usc r u d e ras p㺠a cam i sa, se m l he
l o car . T i nham -lhe m e ti d o aºs p e i tos a sua p ró
p r ia c l av i na,o s c ana l has . J oão Mar ia avanço u ;
'uf ivinho u um vo l to a sa l ta r-l he na f re n te ; v i u
t'
aís e a r -Ihe a i n da d ian te dos o l h os o fe r ro d u ma
nava l ha ,e,s e r e n o . fo rm idáv e l
,l e van to u nas
d uas mão s a e nxada e abate u -a,d um gº l p e , na
e sc u r id㺠. H º u ve um r u íd o ouv e ; um a pas tada
q u e n te,sangu e ºu lam a,
( : sp i r r ºu- lhe na cara ;s e n ti u a inda e nxada ar pºan e m carn e º u e m
far rapºs ; d e pº i s , º baque s u rdº d um cº rpº , um
rºncº d e e s te rto r, u m gr i to , — e º s i l ên c i º . R e
cuou,ate a pº rta ; v e i º , a cambal e ar
,pa ra a e s
trada . A trás de l e,gr i tand º
,sa i u a m u l h e r . Ind
ti l . N i ngu em a o uv i r ia na charn e ca d e s e rta. Jºãº
Mar ia tr avºu-lhe dº braçº , ati ro u -a para casa, ºr
d e no u - l h e z— « Ac e nd e a cand e ia Quand º a l u z
c re p ito u,o cadav e r d o mal tes F i l i p e apar e c e ud e
b r uço s,com º crân i º ab e rtº
,n uma pºça d e san
gue .
—« Mata-m e ! Mata-m e a m im também
u ivava a m u lh e r ati rada sºb re um a ar e a — « Não .
1) te u ca sti gº e o u tro . » E l ºgo,ar re m e s sando o
capºte,agar randº a e nx adaz— « Traz e a Can d e ia .
Vamºs e nte r ra- l º . » q uan tº e la a l u m iava a
tre m e r,vare j ada d e sº l u çºs , Jºãº Mar ia ab r i u
um a cºva a po rta da casa ; ob r igºu a mu l h e r a
s e gu rar º cadáv e r p e l os pés,e m quanto ê l e º afe r
rava p e l o s om bros ; d e i tº u o cº rpº a te r ra, que
se e sbo roava e m to r rõ e s ; cºb r iu-º , b e m cºb e rtº ,pá sºb r e pá ; fº rç o u a R ºsár ia
,tran s i da
,a lavar
1 10 NA V IDA
d e rastºs º sangu e dº m anag e i r o , que e mpoçava
nºs ti j º l ºs d o ch ão ; tro ux e a cand e ia, e n trºu , fe
cho u a pº rta —e s e n tadº na cama, tranqui lam e nte
,a car re gar ºu tra ve z c lav ina, p re v e n i u
« S e cºn tas i stº a al g u em ,m e tº-te na c ºva
cºm e l e » . De pº i s,s e r e n º , l i mpan do as mãos
,
d e sp i n do º cº l e te d e sarag oça : « E agº ra,m u
th e r,va mo s dº rm i r» . T r ês d ias d e pº i s , se m que
se sº ub e s s e pº rq u ê,Jo㺠Mar ia e ntr e gava-se a
jus ti ça.
f l 2 NA vm a
mob i lada po r arti s tas man d ados v i r d e Par i s,e ra
um mºde l o d e d i sti n ção e d e b o m go sto , o l i po
f l o mod e rn o lar d e a r te e m F ra nca , c o m nn'
ive is
d e Mau r i c e q'
reh a,d um d i sc re to in tim istuº
um su rp re e nd e nte v i tral d e Car o l , d'
ap r e s B e s
nard , .n
. a ma i s b e la cº l e cç ão d e fe r ros fo rjados
d e ti rasse t e d e . B rae que m o n l I:“
un padas , Ius
tre s,fe c ho s d e pº rta -
que pod e r ia d e s l umb rar
um am ado r d e d e co raçõ e s mod e rnas . Fu i as
s isti r aº l e i l 㺠. I m e n sa ge n te , um a atmºsfe ra
d e to m o ,um cal º r asfi x iante
,um a l u z d o i rada
e quie ta d e m e ia-ta rd e . T inha-se c om e çado n o
q u e l e mom e n to o l e i l 㺠d o q uar to-d e -v e s ti r . A
voz rº u ca do p re gº e i rº g ri tava. Um a r e ste a d e,
sº l ia afagar três Amo re s cô r d e rosa que b r i n
cavam aº canto d um d e l ic i ºsº tapete d e Jo r
rand . l l av ia nº ar º v e s tíg i o , º e sp e ctr o , a so m
b ra d um p e rfu m e . Gru pos d e rapaz e s,d e cha
p eu para a n u ca,fa lavam a l e gre m e n te : la mo r
ta, r i n dº , com e ntandº , f uman do . i lm a i ng l e s a
g r ave ,l º i ra
,m íºp e
,e x am i nava aº pó. d e m im
a marca d um gua rda-j o las d e L i mog e s . Tres ,
q uatro cab e ças-d e -
pau, a barba po r faz e r,
as
mão s g rºss e i ras e e n º rm e s , l ie ita vam , p icavam
tud º . P rºc u re i d e s i n te re ssar-m e da ge n te que
m e rod e ava,para ob s e r var m e l h o r aq u e l e i nte
r i o r galan te, que tã o d e p e rtº con h e ce ra a p e r
tu rbado ra i n ti m i dad e d uma m u lh e r . E r a u m
i m pé ri o J al lºt, ve rd e -mal va e º i ro , grac i ºso , d e
l icad o,l i g e i ro
,ond e tud o pare c ia e vocar , na
i
UMA MULH ER 1 1 3
mac i e za dºs e stº fos , na al ma l u m i n osa dºs e s
p e lhºs, na vº lup tuºsidad e mº rna e c re p itantedas re n das
, o cº rpo o rgu l hoso que v ive ra, quer e S p i r ar a, que pal p i tara al i . D i r-se -ia que p ro fa
naç㺠he d iºnda d u m l e i l ão n㺠ti nha tocado o
m i sté r i º daqu e l e p e q u e n º te mp lº . A graça fe
m i n i na, p e n e tran te e i mo rtal,sob re v ive ra aº
que n e s sa mu l h e r ti nha hav i d o d e e sp l ên d i do e
d e e fêm e rº . S e ntia-se ai n da e m tu do,n um laçº
d e fi ta e m que n i ngu em tocara, n u m sº l itá r i o
ºn d e mo r re ra um a fl o r, o e ncantº , a e sp i r itual i
dad e das s uas m ãºs , —d e ssas l o ngas mãºs mai s
gran d iosas d º que duas, que tantas v e ze s m e
hav iam r e co rdadº as d e Mºna L i sa G i ºcºn da.
q uan to º p re gº e i ro p u nha e m p raça um l ºte
d e m e ias d e seda, e n tre r i so s que e ram um a
afrº nta para º p u dº r d um cadáve r , p roc u re i r e
v iv e r-na m e mór ia,traçº traçº , fi gu ra d e ssa
pobre ch i l e na, º se u p e rfi l aqu i l i n o e i m p e r ial,
a somb ra d e m e lancº l ia que as l ºngas p e stanas
p roj e ctavam sºb re a sua fac e d uma pal i d e z dºi
rada, º seu cº rpo o l imp i co,
a sua apare nte
fr i e za d e sd e n hosa que n u ma cé l e b re nº ite d e
S . Car l os m e fi z e ra re p e l i r m e ntal m e n te a f rase
d e Barb e y d e Aur e vi l ly z— « Ah ! L e cor p s d e
c e tte fe m m e e'
lafi sa seul e dm c !» Para m im,
que a n㺠ti n ha co nh e c i dº intim am e nte , e la r ea
l izava o ti p º g lac ial e e nér g ico das mu l h e re s
que tº dºs d e s e jam e que n ingu em am a, que sãº
vo l úp ia e que n㺠sabe m se r cº raç㺠, que si
8
1 1 11 NA VID A
m ultan e am e nte atrae m e re p e l e m , apai xºnam e
d e s e ncantam , e que , v i v e n dº da fe bre i n sac i áve l
d e amar, m º r re m se m te r cºn h e c i dº,n º bál
sam o das l ág r imas,a co n so lação e a dºçu ra dº
ve rdad e i rº amo r . Nº º rgu l h o da sua inse nsibi
l i dad e e da sua b e l e za— p e n sava eu— e ssa
c r iatu ra, que d e sp e rtara tan tas pai xõ e s,ti nha
acabado se m u m afe ctº . Lan ce i d º l º rºsam e nte
um ú ltim o º l har a esse te mp l o d e d e u sa mº rta .
.Xo a l tº,num te to d e l i cadº de Gu stavº J aulm e s
,
r e vo avam pombas b ran cas . R e ti n i u sºb re um a
e r e dônc ia a tampa d uma ca i xa d e p rata . Passa
vam ro r i pas,no ar , d e m㺠e m m㺠. Tºda a
g e n te r ia,co nv e rsava, comº n uma fe sta. Quan
do ia a re ti rar-m e,
r e tr ºce d i n um mºv im e n tº
d e i r re p r im ív e l c u r i o s i dad e . Nº cº rr e do r,j u n tº
do q uarto -d e -v e s ti r, hav ia um a po rta fe chada .
Ab r i -a . A s su rp resas que n ós as v e z e s te m o s .
pºbre s da al ma h umana, que
q uan to ma i s a e s tu dam , m e n os a conh e c e m !
Na m e ia- l u z , d e j o e l h º s j u n tº aº l e ite que fº ra
d e ssa nm lhe r , d e ssa m e sma mu l h e r que eu j u l
g ava i n capaz d e te r d e sp e rtadº um s e nti m e ntº
p ro fu n do,u m rapaz In i r º
,v e s ti d o de p re to ,
cºm
um l e nço n ºs º l h ºs,cho rava cºnvuls ivam e nte .
l 1 6 NA VIDA
seu co rp o se e nc re spa, n uma p e n u g e m b ran ca,com º se e m p l e na p r imav e ra ti v e ss e n e vadº sº
br e um a fl º r . 0 seu º rgan i sm º l e ve , n e rvº sº ,v ib ráti l
,te m , aº m e sm º te mpo
,º s e gredo dºs
mºv im e n tos v e rti g i n oso s e das im o b i l idad e s pa
r ado xais . Tu dº n e la e r i tmº,ºnd u laçãº
,m i s
tér iº, s e n su a l i dad e , e ncantº p e n e tran te e graça
fe m i n i na.
.
Há e xp re ssõ e s e m que tºda e la se
f ranz e , e se e n ruga,e par e c e que so rr i . Há hº
r as,atitu d e s , e fe itº s d e l u z , e m que a sua adº
rav e l cab e c i nha dá a im p re ssão d e que a e m
p o ar am , e d e . que se d e b ru ça d u ma b e r l i n da
Lu i s xv ,« d e vam l e s tro is m ar chas d e m arbr e
r ose ». Passº as v e z e s m u itº te mpº O l há-la, a
ºbse r va-la, s e g u i- la. Te m , e m todos ºs s e u s
ge stos,e m todºs os seus mov im e n tºs
,a incºn
sc iênc ia d uma c r ian ça,e a vº lubi l idad e d uma
mu l h e r . Pe n sa-se , v e ndo-a, no l e qu e d um pa
v㺠bran cº,na transparenc ia dum fl ºco d e n e v e ,
na r i j e za e l ásti ca d uma. vara d e m e ta l . N㺠co
nhe ce m e i o s te rmºs : tºda e la e rap id e z fu l gu
ran te ou l e nti d㺠d e sd e nh osa ; agre s são º u car l
c ia; garra o u p l u ma ; fe ra ºu fl o r . Naqu e l e p e
que n inº cº rpº que ºndula, que se r e c u rva, que
se e n rºsca,v iv e
,cºmo um d iab i nh o fam i l iar , º
gén i o da c ºntrad i ç㺠. Qu e r º que n i ngu em qu e r ,
faz º que n i ngu em e sp e ra, p e d e º que n㺠se
lhe pod e dar , -c ai d e nós se n㺠lhe s e l i sta
ze m o s tºdºs o s cap r i ch os , tºdas as e x ig ênc ias.
tºdas as vº n tad e s : a cab e ça e mpoada e rgu e -se ,
ºs o l hºs fu z i lam cºmo v id r ºs d e cº re s ao sºl ,
M NIN] [ | T
tºda e la tre m e,e v ib ra
,e gr ita, e se , l e vanta
para nos bate r,e nc r e spada
,o u r i çada, u m laço
cº r d e rosa a abanar- lhe no p e scoço , um a névoa
d e p rata a e nvo l ve-la com o um f um o l ige i ro ,c ru e l dad e da Eva e te rna e ntre ab r i r-lhe bºca
C e n s u ram M .
º“º Nin i po rqu e e la
b r i n ca c o m um a bo la . R al ham co m M .
º"º Nin i
porq u e e la m e x e nas gav e tas . E,
e ntre tanto ,
M .
º“º Nin i é soc iáve l , M .
º“º Nin i é c i v i l izada, Mf ªº
Nin i re c e b e às qu i ntas -fe i ras,M .
º"º Nin i go sta
tanto d e mús i ca, que é capaz d e o u v i r , se ntada
no tampo po l i do d um P l e ye l , se m se mov e r,
se m p e stan e jar, co m a cab e ça a ban da,e m e x
tase com o se o l hass e um mosq u ito im óve l e l u
m in o so ; a Cathe dr al e ng louti e , d e D e bu ssy , ou
a Pavan c p our un e Infan te d e functe , d e R av e l .
N u n ca vi ram aqu e l e s b ravos l e õ e s h e rá l d i cos que
batal ham,lampassados de ve rm e l h o e arm ados
d e o i ro ? Empo e m -l he j u ba, e scon d e m -lhe as
u nhas , e aí te e m M .
º"º Nin i quan do br i n ca c o m
a ponte i ra da m i nha b e ngala. Tuta como um ou
r i ç o branco , re bo la como u m gn omo sati s fe i to ,os o lh os '
sc i nti lam —lhe , as o re l has rosadas e stre
m e ce m,te m atitu d e s cân d i das d e m u l h e r que
m e nte,e há do i s m e s e s — j á h á do i s m e se s que
o seu gu izo a l e g re ti l i nta p e la casa l— u m gén i o
m au rasga-m e o s pap e i s,que bra-m e as jarras ,
re vo l v e -m e o s armar io s,arre p e la—m e o s tapete s,
arranha-m e as
Porqu e M i ª " Ni n i e squ e c ia-m e d e l he s d iz e r
é um a gati n ha f ranc e sa .
A TOUCA DE REND AS
Estávam os c i n co so lte i rõ e s m e sa da c e ia.
O mai s ve l h o e r a D Caitan o d e No ronha, i rmão
dos marq u e s e s d e s e te nta anos de e l e gânc ia
e d e d i sti n ção que faz iam l e mbrar c e rtos re tra
to s gan f. ja im e do c ond e R ob e rt d e Mon te sq u i e u ;o m a i s novo e r a M r . C larks , d e pas sage m e m Lis
bo a, i n g l ês ru i vo , li n o ,s ibari ta
,w i ld e an o
, que
ch e gar a d o T ransw al e ia co n va l e sc e r da sua ne u
raste n ia e ntre o s r o d od e nd r o s cº r d e ro sa e o s
fa i sõ e s cºr d e ou ro d o s jard i n s d e H e r fo r lshi r e .
Conve rso u—se . D i sc u ti u—S e . Fal o u -se na l e nda de
e go i sm o e d e i n se n s i b i l i dad e que e nvo lw : todos
o s hom e n s so lte i ros . E e m quanto M r . C lark s
so r v ia vo l u ptu osam e n te o se u Pºr to , que sc i n ti
lava no cá l i c e com o um a grand e p e d ra p re c io sa ,
Cai ta no d e No ronha so rr i u , re c osto u -se na
cad e i ra, pu xo u o s pu nhos com o faz ia o marq ues
120 NA VID A
d e S . Tomé — pare ce que e sto u a ve r as gran
d e s salas armadas d e g o rg o r ão amare l o , as có
modas d e laca e'
b ron ze,as e s tampas d e Coch i n
e d e Le bas p e las par e d e s t— três ve l h os fidal
g o s, que e ram o seu con f e sso r , D . A n tón i o R a
fae l d e Castro,p r i n c i pal da Igre ja Patr iarca] ; o
seu pad r i n h o , ge n e ra l D . José d e M e l o César d e
M e n e s e s, fe r i d o três v e ze s e m S m o l e nsko , e m
Moscow ,e m Wagram ; e o seu tuto r, D . Al e
xan d re , i rmão do marqu ês d e Pe nal va, u m vê
lho d o anti go re g im e n , cab e l e i ra d e rab i ch o e
sapatos d e fi ve la, que não ap e rtava m ão a n i n
gu em co m medo d e se s u jar, e que não ass i stia
a u m bai l e se m traze r atrás d e s i um c r iado
aj o u jado com um a bac ia d e p rata, um g o m i l d e
água-as-mãos e um a to alha'
d e re n das . Ne n h u m
de l e s ti nha ch e gado a casar-se ,
— Mons e n ho r
po rqu e e ra pad re,o ge n e ral p o rqu e n u nca p e n
sara sé r i o s e não e m roubar bai lar i nas como
Ju not e e m ati rar a p i sto la com o o d uq u e d e La
fõe s, e o Pe na l va— d iz ia, so rr i n d o , o se nho r Pa
tr iar ca— para não te r d e ape rtar a m ão a n o i va
d e bai xo da e sto la do pad re . So l te i rõ e s im p e n i
te n te s,o so r ri so d e l e s , a m e n i na dos s e u s o l h os
e r a tanto j ov e n cond e ssa sua p up i la, que não
se passava um d ia,m e smo d e po i s
,
d e casada, que
não fºss e m ve - la,b e i jar- lhe a mão , l e var-lhe p r e
s e n te s , m ús i cas , cuvi lhe te s d e doc e , ramos d e
ll o re s, e que não re p e ti ss e m às v i s i tas , ao mar i
d o,a m ãe , aponta n do a sua fi gu r i nha l i ge i ra que
A TOUCA D E R END AS 1 2 1
se p e rd ia e ntre as c re denc ias do i radas como um a
n uv e m d e m usse l ina b r ancaz— « Ve r dade i r am e n
te o s pai s d e sta m e n i na somos n ós » . E não na
d uv i da d e que o e ram,
— s e não p e la natu re za,
ao m e nos p e l o co ração . Um b e l o d ia,andado
'
s
quatro m e s e s d e po i s do casam e n to , D . An tón i o
R afae l d e Castro , que ti n ha o m auháb i to d e m e
x e r no ace tate d e costu ra das s uas con fe s sadas ,e nco ntrou no b o i e tinho da « m e n i na con d e ssa»
(e ra ass im que êl e l he chamava) um a p e qu e n i na
to u ca d e re ndas . Como não hav ia cr ianças na
casa, Mons e nho r, po r cu j o e sp í r ito n e m s e qu e r
passo u a i d e ia d e que pod e r ia have-las e m b re ve ,guardo u a louca
,co ns i d e ro u co m o s se u s bº
tõ e s que aqu i l o « ou e ra p e cado das c r iadas ou
p re s e n te para o m e n i n o J e s u s» , e quan do a no ite ,n um cºch e d o palác i o da R e gênc ia, D . A l e xan
d r e Pe nal va e o G e n e ral ch e garam para 0 vo lta
re te,D . An tón i o R afae l d e Castro ap re s e ntou
- l h e s,co m a mai s i ngén ua das so l e n i dad e s , fa
lan do bai xo , e se m se e sq u e c e r d e c e rrar p r i
m e i ro as portas,aqu e l e sºp ro d e re ndas que ,
na sua op i n i ão,« b e m pod ia d e sti nar-se , e scanda
l o sam e nte ,a cob r i r a cab e ça du m r e cém—nas
c i do » . Os do i s fi dal gos ati raram -se para c ima
dum sofa a r i r co m gºsto da s imp l i c i dad e d o
pad re,e e xp l i caram - lhe , co m o re sp e ito d e v i do a
sua d ign i dad e d e cône g o v e rm e l h o , que , teu
do-se fe ito um casam e nto hav ia quatro m e se s ,não e r a d e mai s que se fºss e p e n san do no e nx o
1 22 NA vm a
val para o baptizado . Mon s e nho r, que p ri n c i
p i o e m be ze r rar a, acar i c iava,j á r i so nh o
, a p e qu e
n i na—to u ca ; Pe nal va, d e e spad in i e rab i cho , o l ha
va-a,n um e n l evo ; o g e n e ral so rr ia para e la
amo rosam e n te , como se , d e baixo d e ssa névoa d e
re ndas , pal p i tass e a po l pa rosada d u ma fac e d e
c r iança . Po r um i n stan te,aqu e l e s três so lte i
r õ e s, a qu e m D e u s não d e ra a graça d u m fi l h o
e cuj os cab e l o s b rancos não co nh e c iam s e não o
l u m e do lar al h e i o , e str e m e c e ram no m e sm o se n
tim e nto de comov i da te rn u ra. Essa p e q u e na
tou ca d e re ndas,se tiv e ss e um d ia passado na
sua e x i stênc ia,te r ia s ido para e l e s a f e l i c i dade .
Tomaram -na nas mãos,ago ra um
,l ºgo o u tro ; e m
balaram -na com o se ti v e ss e m um a c r iança n o s
b raços ; v ia m j á, na i l u são d o seu e mb e v e c i do ca
r inho,um be rço a ar far j u n to de l e s ; e -
p0br e s
d e n ós , so l te i rõ e s , três v e z e s i ng ênuo s e três ve.
ze s d e sg raçados t - quan do,dal a u m mom e n to
,
pé an te pé , e nvo l v i da no n e vo e i ro b ranco d o se u
ve sti d o d e m usse l ina da Ind ia, a s e nh o ra con
d e ssa m inha tia—avó Os fo i s u rp re e nd e r na sa l a,
o s três vé lho s, co m os o l hos mar e jados d e lág r i
m as, cho ravam e so rr iam e m
OS D O IS RETRATOS
1 1 e m e ia ?
Em ponto .
A ho ra comb i nada, A ntón i o Carn e i ro ch e gou ,com o seu chapéu ve lasque ano ,
o seu o lhar tran
qui l o , a sua sob r e casaca p re ta. Traz ia de bai xo
d o b r aç o u m cartão e no rm e . Ia com e çar o m eu
re trato .
Ma rav i l h osa l u z !
A ss e ntamo-n os ambos . S e rv ia de caval e te ao
adm i ráv e l m e stre da sangu ín e a,o e spal dar d uma
ve l ha cade i ra D . José . Tom e i , d e sp re ocupada
m e nte,um a atitu d e hab itual . O l hamo-no s, e m
s i l e n c i o . A l u z , mu i to do i rada,m u i to mac ia,
mu i to doc e e nvo l v ia-nos,
acar i c iava—n os , ba
bava o r ico v e rm e l h o d o s móv e i s , e sp e l hava no s
s i l har e s d e az u l e j o d e tapete , ac e nd ia-se e m la
bar e das n os ta lõ e s fa iscante s d o gran d e lamp e ao
1 26 NA A R TE
do sécul o xvm,traz i do , hav ia an os , do s c lãus
tro s d e S . V ic e n te d e Fº ra. Du ran te c i n co , d e z
m i n u tos,An tón i o Gam e i r o , se m um a palav ra,
obs e rvo u o mode l o . O lap i s ro lava-lhe maqu i
nalm e nte nas mãos . Os o l h o s , ú n ica e xp re ssão
d e v i da na sua fac e im óv e l,s u rp re e nd iam , p e r
sc rutav'
am,i nte rrogavam , traço a traço , ac i d e nte
a ac id e nte,mod e lação a mod e lação , aq u e la fl
s io no m ia ai n da im p re c i sa, a i n da e n igmáti ca, que
o seugén i o d e p i nto r ia re v e lar, i nte rp re tar, se n
ti r . D e r e p e nte , quand o eu e sboçava. um a i n e s
p e rada fl e xão d e cab e ça, o m e stre so r r i u,an i
m ou-se , d e te v e -m e n u m ge sto
Ass im . E stá be m .
O p r im e i ro traço mo rd euo pap e l . S e n ti-lhe a
asp e re za,a n i ti d e z
,a e n e rg ia. O trabal h o com e
ço u . Conv e rsamos . Palav ras vagas , d i stra ídas ,
d i f ic e i s,costadas d e fa l has e d e s i l ênc i os . D e po i s
,
r e caíd os na p r im i ti va mud e z , fi camos a obs e r
va r -nos , mutuam e nte . Estava a l i,d iante d e m im ,
s im p l e s , grav e , mod e s to , ap e rtad o n uma sob re
r asaca p re ta com o ar sac e rd otal d um a bati na,
p i n to r po rtugu ês que , d e po i s d e Co l umbano ,m e l h o r te m sab i do s u rp re e nd e r e x p re ssõ e s e d e
s o nhar al mas . F iq u e i abso rv i d o a o l ha-l o . A
l u z , ma i s m e tal i ca, m a i s v i o l e n ta ago ra,marcava
a largas pastadas d e o i ro tºda a mod e lação da
sua cal va so cr ática, u m po uco p o n te aguda no
ve rte x como se a ti v e sse m mo l dado p o r u m casco
g re go d e b ronz e , — e, fl u i da, sc inti land o
,tr e
J OS E DE ALPOIM
Um am igo ínti m o tro u x e -m e a tr i ste n otíc ia :
Mo rre u José d e A l p o im .
Não fo i um a s u p resa. Aq u e la e xub e rante
natu r e za d e atl e ta e stava m i nada das ma i s ho r
r íve is e c ru c ian te s d o e n ças . U m a ao rtite e um a
n e op las ia d o m e d iasti n o . Duas s e n te nças d e
mo rte. . Há mu i to s d ias que v iv ia d e costas no
l e ito , se m ab r i r os o l h os,im óve l , u m saco d e
água qu e n te sºbre o co ração . On te m fo i u ng i d o .
H oj e,pou co d e po i s da um a ho ra
,a m i s e r i có rd ia
d e D e u s toc ou -o,e e ssa cab e ça l o i ra de titan , e s sa
cab e ça l e on—ina que o c larão da ma i s nob re e l o
que n o i o an imara,re sval o u para s e mp r e na so m
b r a. De sc u b ra-m e,co m saudad e e co m re sp e ito ,
p e ran te o seu cadav e r . S e o s v e nc id o s pod e m
morr e r co m g lºr ia,
— ess e v e nc id o ino lv idave l
son h e re sgatar g l o r i o sam e n te , p e la s u p re ma re s i
JOS É D E ALPO IM 1 29
guacao c r i stã da sua mo rte , tod os o s e rro s huma
n os da sua v ida.
Pob re José d e A l p o ini
Es to u a ve - l o,e mbru l hado na sua robe -d e
cham ti r e d e fl an e la cº r d e rosa,fl ác i d o , ge lati
n oso, e n o rm e
,pare c e nd o ma i o r ai n da na m e ia
l u z d o e sc r i to r i o-Eib l io te ca do Passad i ço , e m c u j o
i nte r i o r d e s e re n idad e e d e p e n umb ra sc in ti lava
ap e nas,com o um r e vé r b e r o ,
a p rata bati da d um
ti n te i ro D . João v . R e co rdo a i nti m idad e c om
que e l e re c e b ia os s e u s am igos , e ste nd i d o no p r o
fu n d o so fá da sala, um a boti ja d e água qu e n te ao s
pés,um bu l e d e chá fum e gando ao al can c e d o b r a
ço , ca r i nh oso,aco l h e do r
,fe m i n i n o na sua afe e
tividad e,re p e ti n d o m aquinaln i e nte
— « m e u que
r i d o am igo »,« m euqu e r i d o am ig o » , e acari c ian do
a p e n uge m l o i ra do baç o n o g e sto hab i tua l que
i m itara i n c on sc i e n tem e n te d e José Lu c ian o . N e s ta
ho ra e m que tºdas as re m i n i scên c ias aco rdam
mai s l úc i das, e
,po r i s so m e smo , mai s p u nge n
te s,re com ponho , fe i ção po r fe i ção , traço p o r tr a
çº . a fi s i o n om ia paradox a l d êss e hom e m su p e r i o r,
a sua cab e ça s im u l tan e am e nte e nérg ica e tu
fan ti l , te r na e v i o l e n ta,l e ão h i rsu to e bam bíno
d e l i cado ; os se u s o l h o s v i vos , o r a pardos o r a azui sco n fo rm e a i n c id ênc ia da l u z , po ntuados d e i n
c e rtas manchas cº r d e o i ro e cºr d e tabaco , dan do
com a m e sma i n te n s idad e a e xp r e ssão das g ran
de s te rn u ras e das gran d e s có l e ras ; sua bºca
po lpuda, s e n sual , ve rm e l ha,p e qu e n i na; sua
9
1 30 N A AR TE
amp la te sta trabal hada j á d e cal v íc i e nas tém
po ras , co roada ao al to d e um a lan uge m l o i ra
l TS U) ghnao so daque hi b e bi hdmi ap o Hne a, que
a i n da ao apontar d o s s e ss e nta an os r e sp l and e o ia
d e tal e nto , d e au dác ia,d e b e l e za e d e fº rça . V e
j o _
-o, d e pé na m i nha f re n te
, co m o seu to rs o d e
hém nne s c o ni a, sua l do quºncui inquuáanha c o nt
a sua. v e rb o snkuh3 to r mnnnah co ni tõda a sua na
tur e za gran d i o sa , e xu b e rante e . e xp l os i va, que se
dh ia o p r o dnui fkdguni innv naud o r e nuuo 0 g b
g ante sc o ,d u m R o b B o y ( 10 C o tcntin o , ag r i c u l to r
o bá rbaro,e m que as v i o lênc ias d e te m p e r am e n
to se co rr i g i ss e m p e la e ss e nc ial e i n d e strutíve l
fi dal g u ia do trato e das man e i ras , — mod e lar n o
hom e m e m cu jas v e ias co rr ia o sangu e de Pe d ro
d e Alpõe m , e cuja n ob re za b lasonava das cab ras
pas san te s e armadas de n e gro d o s Cab rai s , dac ru z fl o r i da d e o i ro dos C e r q
'
ue i r as, d o l e ão ate o
par dad o e fl o r d e l izad o dos Bo rge s . O titan e r a
um ge n ti l -hom e m . O g igante e r a um a c rian ça.
Aqu e l e s que ,com o eu
,p u d e ram conh e ce r o e n
can to da sua i n ti m i dad e car i nhosa,sab e m o que.
vahani cnn José d e A l p o hn as d e hcad e zas do co
ração , os te so u ros q uas i fe m in i no s da s e n s i b i l i
dad e,e ssa e xal tação tão v i va e tão p e ssoal d o
se ntim e n to afe ctivo , que o l e vava— como m e d i
z ia a i nda há po u co um a i nte l ig e n te se nh o ra — a
e sc re v e r ve rdad e i ras cartas d e amo r ao s s e u s
am igos . A pai xão po l iti ca e nve n e n ou -o ? E'
c e rto .
E e nv e n e no u -o tanto , — qu c m atou. As ve ze s as
O PINTOR DO S O L
Já é a te rc e i ra ve z que v i s ito a e xpos i ção
Sou sa Lop e s . O i l u stre p i n to r d e sp e rtou em m im
m ai s d o que adm i ração : c u r i o s idad e i nte l e ctua l .
O se ute mp e ram e n to , a sua e vo l u ção,os s e u s p ro
c e sso s, apare c e ram -m e d e sd e l ogo como ou tros
tan tos m o ti vos d e e stu d o . E stre m e nh o san su o
l i s ta,v ibran te ,
d i on i s íaco , i n sac iad o d e l u z , Sou sa
Lop e s pod ia atr i b u i r-se a f ras e d e Barb e y d'
An
rºvi l ly : « j e suis im in te nse » . D i r-se—ia que ess e
« i n te nso » d e v ia l og i cam e n te u sar na sua p i n tu ra
que e nssºs e xu b e ran te s e to r re nc ia i s . Engan o . Cm
Sou sa Lop e s , o máx i mo d e e fe i tos é obti d o c o m
o m in imo d e e s fº rço apare n te . A sua i n te n s i dad e
e ncon tro u um a e xp re ssão téc n i ca paradoxa l : a
s im p l ic idad e . Pi n to r dos po e nte s , do s i n cênd i os
d o s c larõ e s — p i n to r o fu scante'
e obsti nado da
luz, , — o m e stre adm i ráv e l do Ci rio de S an ta Su
o r iNTo n no S º l . 133
sana não é p rºp r iam e n te um p l e nar ista, n e m um
imp re ss io n i sta,n e m um natu ra l i sta ; é , na sua
man e i ra s im p l i fi cada, um « v i rtu oso d o so l »,ou,
como o d e fi n i u Jose d e F ig u e i re d o .« um apa ix o
nado f re m e n te das grand e s c lar i dad e s » . A o bse s
são da l u z d om i na-o . Tºda a sua e xpos i ção,
q uand o não é um a e l e g ia a n o i te,é u m h i n o ao
so l c r iado r . Po r tºda a parte , nos po e n te s d e Ve
n e za e nos céu s v e rd e s d e Nápo l e s , nas v in has
fulvas d o R i bate j o e nas ruas e x táti cas da B ru
ge s la M o m,o so l ard e
,e sp l e nd e , v ib ra, ofu sca ;
sc inti la e m faú lh as v ivas d o cob re , a lastra e m
chamas , e m c larõ e s,e m g lº r ia. Aqu i
,é a ca
sar ia do G rand e Cana l que fl am e ja com o u m
mosa i co d o i rado ; a l em ,u m pº r d o so l na G i u
d e cca,i n cend i o
,sce n te lhas, c i n za ; ago ra, u m
c éud e F l o r e nça l e mbra u m grand e e sma l te v e rd e
l u m i n oso ; l o g o , um a larga ve la d o s barcos
ta Ch i ogg ia. c omo um ve l h o b rocado , um a m a
rav i l ho sa tap e çar ia te c i da d e o i ro,cham e ja ao
so l : e m vo l ta d e nºs , a cada canto,po r tºda a
e x pos i ção , o so l bate d e chapa nas tab e rnas da
Lagu na,mord e d e cob re e d e fogo a Cal l e d e
las S i e rp e s , e nn e vo a-se d e m is té r i o no márm o re
cº r d e . rosa d e . V e rsa i l l e s,c o ru sco , Como um e a
chão d e. p r ata,nas águas do B rond o l o e d o M a
lani o c e o . faz can tar, fa iul har , ard e r,águas e gºn
do las, pa lác io s e cana i s
,tºda a V e n e za d e Co r
rég i o e d e T ic i ano , d e Ve r o ne so e d e'
] into r e tto ,
d e R osa l ba e d o L iv ro d e Ouro,d o doge Man i n
1 34 NA AR TE
e das ze n titd'
o nn e, e ssa Ve n e za que te r ia e n s i
nado So u sa Lºpe s a amar a l u z — se e l e n㺠ti
v e ss e nasc i d º e m Pº rtugal . Na s ua p i n tu ra v i r i l .
sób r ia,fº rte
,magn í fi ca
,
— tudº sc inti la, tudº e s
p l o nd e , a n u d e z e a te r r aç a atmos fe ra e o m a r .
E ncand e ia. D e s l u mb ra. Para o ve r,é p re c i sº
pº r l u n e tas f i l madas . Céu s da Nº rmand ia, casas
da F land re s,páti º s d º A l e n te j º , carn e s d e mu
lhe r,
tu dº ch i spa,fu z i la, r e v e rb e ra . Há atm ºs
fe ras que s㺠labare das ,Sºb re um a pai sag e m
que l e mb ra as m e l h º re s d e Zu l oaga,rº la um a
n uv e m d e ºu rº . Sºbre um a rua tran qui la da
B rug e s d e R ºd e m bach e scº rre u m c lar㺠d e am
bar e d e ºpala . A he l iºfi l ia d e Sou sa Lºp e s é
um a carac te r ísti ca f u n dam e n ta l da sua ºb ra .
Ne l e , a p re ºc u paç㺠d e « p i n ta r a l u z » n㺠se ti
m i la aº ar l iv re ; acºm panha-º nºs q uad ros d o
ate l i e r . Cºmo n º adm i ráv e l Abr indo Casas, on d e
um a a l m ºfada ve rm e l ha faz v ib rar to d o s ºs b ran
cºs na somb ra,e arti sta cº l ºca as s uas 'tiguras
n o c lar 㺠d e grand e s v i d raças e p m la, amo rosa
m e n te , vo lup tuºsam e nte , º sº l que as mo rd e,
que as q u e i ma, que as i n unda. se ud e sv i o para
a agua-fº r te é ai n da um a fº rma da sua atracçãº
para a l u z . Não lhe fa l e m e m d i fi c u l dad e s . Ve n
cc -as s e mp re dandº-no s a fal sa i mp re ssão d e que
e las não e x i stiam . T e m audác ia, te m a e xp e
r ie nc ia, te m ºs p rºc e ssºs , - te m a fº rça. As ve
ze s ob te m º máx imº e fe i tº d e l u m i nos idad e p i n1
tand o só º que e stá na sºmbra. l i á q uad rºs e m
SCHWALBACH
Aqu e l e hºm e m dum a d i s ti n ção fác i l e d uma
e l e ganc ia p e rnal ta,andand º e m lag ras passadas ,
dando-n os e m c e rtos m ºv im e ntºs e e m c e rtas
ati tu d e s a i mp r e ss㺠r e cti l fn ia d uma c e gonha
que marcha, u m i raque p r e to , um nar i z vº lu
p tuo so ,u m ch apéu para ºs º l h os
,um a fac e r o
sada e m ºça ab r i ndo tºda e m ru gas d iv e rge n te s
um a barb i cha b ranca que nºs faz p e n sar, n㺠se i
pº rq u e,nal gu n s fau no s e l e gan te s da e sc u l tu ra
f ranc e sa d o sécu l o xvm , u n s o l h os v i vos , p i scos ,
p e qu e n i n os,r i so nh os , ao m e sm º te mpº fu l g u
r antcs d e , i ro n ia e h úm idos d e te rn u ra,
aq u e l e
hom e m paradoxa l m e n te novº e . ve lh º , i n fan ti l e
g rav e , j ºv ia l e. tr i ste , e h ºj e e m Pº rtuga l a m a i s
a l ta e xp re s são da fan tas ia l i te rá r ia e d a v e rve
c r iad o ra .
T e nho aq u i,sºb re a m inha m e sa, º se u ú l
tim o trabal h º . Três ºu q uatro v e z e s º uv i e
'
scr iWAL'
BAcn 1 37
ap lau d i na sc e na 0 Po e m a de Am or . Acabº agºra
d e lê-l o na sua e d i ç㺠Char d r o n . c o nh e c im e n tº
d e ssa ºb r a-p r ima do te atro c o nte n i j w ran e o d e ve
te r dadº aºs m e u s camaradas d º Pº rto a m e sma
i m p re ssão que m e d eua m im : n i nguem hºj e , na
l i te ratu ra d ramá ti ca po rtugu e sa,e xc e d e Schw al
bach na arte d i fi c í l ima d e mºv e r,d e m e can izar,
d e autºmati zar a f i cç㺠te atral da v ida. Pºd e al
guém i guala- l o , o u v e nce -Io , na v e e mên c ia da
pai xãº,na l óg i ca dos caracté r e s
,na harmºn ia
e stru tu ral da fábula, na sób r ia e l ºquênc ia da e x
p re ssão , que é a s u p re m a n ob re za da ºb ra l ite
r ár ia: m as n i ngu em se lhe com para na sc inti la
çãº,na fantas ia
,na o r ig i nal i dad e , na rap id e z , n º
v i rtuºs i smº — no mov im e n to . S ão as s uas qua
l i dadas s u r p r e e nd e n te s . Schw a l bach te m dº te a
tr o um a v i são car ac te r izadam e n te d i nâm ica . E '
a v i s㺠mai s n ob re ? Não se i . S e i que é a v i sãº
ma i s j u s ta . B e nav e n te , com cu j º te mp e ram e n tº
d ramá ti co S chw a lbac l i poss u e af i n idad e s, pºs c la
ram e n ta qu e s tão : « l o que e l p úbl i co qui e re e s
que p as e a lg o ; que suc e deua lg o ; que las fi gur as
se m ue van : que la vida» c i rcul e p o r la e sc e na» .
Tºda a técn i ca schw albak iana e stá n e sta fó rm u lae m i n e n te m e n te comp l e x a e e m i n e n te m e n te s im
p l e s : acçãº,i mp re v i s to
,v e rti ge m . E '
, e m F rança,
a fó rmu la d e B e rn ste i n ; é , e m Espanha, a fºr
mu la d e B e nav e n te ; é , e m Pº rtugal,a fºrm u la
d e Schw al bach . O In tim o , a B isbi lho te ir a, ºs
Po sti ç os, C ruz da Esm o la,s㺠d ramati zaçõe s
1 38 NA AR TE
v ivas , f u l guran te s , rap i das , h i p e r-mov im e n tadas .
Nº p róp r i o Po e m a d e Am o r,a mai s s e re na d e
tºdas as s uas ºb ras,a sc e na d iv i d e -se , as f igu ras
atro p e lam -se , ac e l e ra-se º r itmº da acçãº,as m e s
m as rub r icas dão -nos m e d ida dº carácte r con
vulsivº da técn i ca d e Schw al bach : « ráp id º , quas i
s im u l tân e o » ; « d e p re ssa» ; « mu i tº ráp id º » ; « ráp i dº
Comº um re lâm pagº » . E f u l gu ração,como
p r oc e sso d e te atrº ; é º mºv im e ntº , cºm o e xp re s
são g l º r i ºsa e tr i u n fan te da v i da. Enganam -se
iupud e s que supõ e ni que º pubhco se dºnn na
p e l os r e ac iºc in iºs. Não ; º p úb l i cº dºm ina-se p e las
s e n saçõ e s . Eh n_ te ahm n para que tuna i d e al nu
p re ss i on e , é p re c i sº cºnve r te -la e m mºv im e n to .
Acção rap ida,m e can izaç㺠l óg i ca da
'
v i da : — e is
as c on d içõ e s d e s u c e s sº ; e is, também , as d i fi cul
dad e s s u p r e mas . Aq u e l e s que , cºmº Schw albach ,« nasc e m » d ramatu rgºs , v e nc e m -nas aª gº lp e s d e
i n s ti n to e d e audác ia. Os ºu trºs,ºs ps i có l ºgos ,
o s i d í l i c os , ºs cºn te m p lativºs, ºs « míop e s do
te atro »,s e n te m -nas
,ad iv i nham -nas, rod e iam -nas,
m as não são capaz e s d e as re sº l ve r . A ge ra
ç ão l i te rá r ia a que eu p e rte nçº , p e rm i ti u -se , tal
ve z pº r i n fl u ên c ia d e F ial h º , º l uxº i n te l e c tua l
d e d e sd e nhar dºs grand e s m e can izadºr e s d o te a
tr o . .l n lg ºuque o i bse n ism o,o haup tm an ism o
,º
d'
anun s ian ism o, cºm as s uas « acçõ e s i n te r i º r e s »
e . o s i n fi n i tam e nte p e qu e nºs da sua anal i s e p-ª
i
co tºg ica, c o nstitulani ºs ve rdad e i rºs e d e fi n i ti
vo s mod e l o s . Engan º . E hºj e,mai s d º que
ES PIRITU CENT“
Morre u Mar ia da Cu nha.
Fo i há o i to anos que e u c onh e c i e m e sp í r i to
a po e ti za das Tm'
ndadcs . Um d o s m e u s con tra
fl e s da Acad e m ia,f i l ó l ogo e m i n e n te
,ti n ha-m e
mandado,sob to das as r e s e rvas , as p rovas l i
p o g ráncas d um l ivro d e ve rsos . A nte s d e o p u
b l icar , a au to ra,um a s e nho ra i l u stre . q u i s e ra
c onh e c e r po r e sc r i to a m i nha op i n ião . C o n fe sso,
—com e c e i a 'C'-| H c o m a d e sco n fiança p r e co n
e e i luo sa co m que tod os nos, po r ma i s hab i tuad os
que e ste jamos a i d e ia da s u p e r i o r i dad e m e n ta l
da m u lh e r,r e c e b e mos s e mp re . a sua l i te r atu ra .
Mas e ssa vag a d csc o n l iança d u rou ap e nas o
te mpo que . l e vam a le r -se . quato rz e v e rsos . Lo g o
o p r im e i ro son e to e ra um a ob ra—p r ima . D aí po r
d iante , cada fo l ha que passava tre m e ndo e n tre os
m e u s d e d os,te v e p ara m im o va l o r d uma re v e
lação . Estava al i um a das mai o re s po e ti zas po r
e sr ínr r o GENTIL M l
tugue sas d e todos o s te mpos . Que d e l i cada se n
s ib i l idad e , que p rod ig i o so i n sti n to m e l ó d i co , que
r i q u e za d e te mp e ram e n to , que ca l ma n ob re za d e
e xp re ssão Tud o quanto pod e have r d e d e l i cad o
na a l ma d u ma m u l h e r,tu d o q uan to pod e hav e r
d e p e rfe i to na arte d u m par nasian o ,can tava,
so rr ia, b r i n cava nas m inh as mãos . E r a a Mu sa.
d o Son e to que re nasc ia,grav e e tr i ste ,
d o l e qu e
d e re ndas da s e nh o ra d e O e ynhau s e n . S e nas
suas e l e g ias. d uma c lass i ca m e lan co l ia, o Amo r
pare c ia ch o rar sôb re u m l e ito d e rosas , — no s
s e u s son e tos,d um r itmo l e nto e magn ífi co , d i r
se —ia que o s q uato rze re mos d e p rata d uma gal é
e gípc ia batiam largam e n te,s um p tu osam e n te o
m ar . Natu re za opu l e n ta e s e n s íve l , hav ia po r
v e z e s na sua fe m i n i l i dad e al g uma co i sa d e más
c u l o , — a e n e rg ia da e x p re ssão,a n i ti d e z do co n
c e ito ,a l óg i ca d o r ac io cín io . Du ran te um a m a
nhã i n te i ra, l i i n tr igado e e ncan tado , o s v e rsos
d e ssa d e sconh e c i da i l u stre . Para o s pod e r l ê r
ai n da no d ia s e gu i nte ,d e i xe i -os um a no i te sôb re
a m inha m e sa d e trabal h o , e n tre u m ram o de
rosas e um a l a iança i ngl e sa. Por ti m,d e vo l v i -o
ao ve l h o am igo que um mandara. p e rgu n tando
lhe e m que ass e n tada d e Ménato ti nha e ncon
trado aqu e la Musa . Só quando , m a i s tard e . o l i
vr o se p u b l ic ou , so ub e que a au to ra ti nha tr i n ta
anos i dad e e sp l ê n d i da da m u l h e r que p e r
te ncia um a n obr e fam í l ia d o A l e nte j o , e_que
se chamava Mar ia da Cunha, F o i -m e dada, e n tao ,
l ã2 N A AR TE
a twuuwi (h= lhe be nar znz r uão s . A l d e s rue snuk
d e n o s ve ruuua íud a ruauuur a ve z,ri (uui o sukuh=
iuhd e r tual que fue : ap r o xuuar a ti n ha l e d o i tª
uo s d o i s ve l h os e o nhe e id o s . E ra um a s e nh o ra
d uma fo rm osu ra tranqui l a e tri ste ,c o m u n s lua
r av i lho so s o lho s d e po rtu g u e sa, n e g ro s , do rm e n
te s,re nd i dos run run eauhur [ tout p e b
“ b ran ca,
nua,iuu pou co d o hwda a tuz tuuuo e e r ke = rn a r
l i n s re l i g i osos , umas ati tu d e s n ob re s,ca l mas ,
vag am e n te r e tl e x ivas , um a e xp re s são d e d i sti n ta
sob r i e dad e , d e cand u ra i n te l ig e n te ,d e m o déstia
grac i o sa, que não e r a o m e no r e ncan to da sua
f i g u ra e das suas m an e i ras . Pare c e -m e que . a
e shui ve nd o zunda,rui ne vo a l o ng tnqua rhi U a o .
Não e r a tl o r cntina m ag ra,v i r i l , an g u l osa,
in
( pueuuue , que eu so nhara aha ve s das páguuhsma i s fo rte m e n te m asc u l i nas da sua obra : e r a a
b e l e za m e lan có l i ca e doc e , o rgu l h osa e te rna, e m
cuja'
ho ca. p o l puda r cvo ava s e mp re a tri ste za d u m
so r ri so ,e m c u j o s o l h os passava, como um c la
r ão , tod o o êx tas e . l u m i n oso da pai sag e m ate u
k j ana, e c u j a b e ki iud uuyuao rn e suui te ni p o d e
e r iane a c d e Madona , l e mbrando s im u l tan e a
m e n te o s Amor e s d e e as V i rg e ns ( Ie
l l o ugue r cau, nnnd a rub aua d e HHe n to e l l e “nan osur a, (k3 juve n lud e e thª g r aca n .
Mor re u .
Há sonh os que pare c e m se r as v e z e s a se
que nc ia l óg i ca da v i da. Numa das ú l ti mas n o i
te s, na ag i tação da fe br e , j u l gu e i-m e do rm i ndo ,
NH VU S METR OS , NH VH S R ITMOS
A l f re do P im e n ta qu i s te r a bondad e d e v i r
l e r -m e,a i nda e m p rovas
,o se u ú ltim o l i v ro d e
ve rsos— Pa i sag e m d e O r quíd e as . A n te s . po rém ,
'd e re a l i zar e ssa l e i tu r a, que tão ag radáv e l fo i
para m im,o m e u i l u s tre . camarada fa lara-m e na
sua i n te nção d e i n trod u z i r na poé ti ca po rtu g u e sa
n o vo s m e tro s e n ovos r i tmos , c r iand o os ve rsos
d e [ 5 e d e 1 9 sílabas . Con fe sso que , a p r i n c íp i o ,v i ap e n as no p ropós i to d e A l f r e d o Pim e n ta um a
a ftr m ae ao daq u e la o rgu l h o sa o rig i na l i dad e e da
q u e l e e sp í r i to d e amp l iação que não são os m e n os
i n te re ssan te s asp e c tos d o se u ta l e n to . Um v e rso
d e l i l s í labas afi gu ro u -se -m e d e sd e l ogo a l gu ma
co i sa de ari tm ico,d e monstru oso , d e ab e rran te
,
um a c r iação fe ra d e l eda a c r i ti ca e d e tod o o
s e ntim e n to das p ropo rçõ e s . Po i s b e m . A l e i
tu ra fe z-se , conh e c i as fo rmas hip e r m e Lr icas da
Pa isag e m d e O rqu íd e as,— e para que n e ga
—l o ?
Novos M E'
I'
HH S,NU VH S m
'
r m os 1 45
e nco n tre i n e tas um a b e l e za. e um a nob re za
que , se não m e l e vam a acons e l ha- las ao s poc
tas m o ç o s,bastam e n tre tan to , pa ra j u s ti fi ca r p e
ran te o m e u e sp i r i to a apare n te e x travag ânc ia
da sua adopção . Na sua arte s ub ti l , c om p l e x a e
s um p tu osa,A l f re do Pim e n ta. con s e g u i u p rova r
m e que , com 1 5 e, 1 9 s í labas , pod e m faz e r-se e xe c
l e n te s v e rs os .
Mas v e jamos o caso d e m ai s p e rto . ( lomo
co nstr o e po e ta o s s e u s m e tros novos ? ( l omo
con s e gu e re al i zar,n uma tão e x te n sa fo rmação s i
láb ica, a s í n te se rítm ica que se chama— u m
ve rso Qual a e strutu ra das s uas fo rmas m é
tr i cas d e 1 5 e d e 1 9 ? S e r ia i n j u s to afi rmar que
e stas q u e stõ e s m ín imas não te e m inte r dssc ,
p e l o m e n os para o s po e tas . Com o se sabe,a
po e s ia d e ad e n te da F ran ça d e há v i n te e c i n co
anos,tôda p oussée s imbo l i s ta, i n str u m e n ti sta,
b i zan ti n i sta e n e fe l ica,man i f e s to u s e mp re um a
ac e n tuada te ndênc ia para c r iar fo rmas m e l ód i cas
novas . Je an M o r óas, Stéphan e Mal lar m é, Lau
r e n t. Tai lhad e,V i e l e G r i ffi n
,S tuart M e r r i l , R e n é
Gh i l , Le o d'
A r kai'
e stão ch e i os d e h i p e rtrofi as
m étr i cas que não co ns e gu i ram v i ngar,ou p o r
que e ram a n e gação d e tod o o r i tmo , ud'
e'
t'r an
g e s ve rs, aux atlur e s d e p ro se » (Mar
c ia l B e s so n), o u po rqu e p re te nd iam impô r co ns
trucõe s p o dál ie as gre gas , d e r itmos e ru d itos e
i nace ss ív e i s,abso l u tam e nte co n trá r i o s a í ndo l e
da l í ngua e as trad i çõ e s da p o ética f ranc e sa. A
10.
1 46 NA AR TE
ma i o r parte do s « grand e s m e tr os » d o s d e cad e n
te s são a p u ra p rosa i r re gu lar a que Sou sa Ma r
ti n s chamou um d ia— « s e r rad u ra d e palav ras » .
O ra é i ss o , p re c i sam e n te ,o que não se da co m
os m e tros d e 1 5 e d e 1 9 u sad os p e l o po e ta da
Paisag e m d e O rquíd e as . E não se da, po rq u e
A l f re do P im e n ta,e m ve z d e c r iar r itmos n ovos ,
l im ita-se , afi nal , a assoc iar e a comb i nar ve lh os
e co nh e c id os r itmos . Os s e u s « gran d e s v e rsos »
são co nstituíd o s, como vo u mos tr ar—l h e s , p e la
se quenc ia d e « p e q u e n os ve rsos » d e 7 e d e 4, s i
metr i cam e nte d i spostos . Não passam , po i s , d e
co n stru çõ e s m e l ó d i cas ru d im e n tare s , ond e , a
d e sp e i to d e todas as aparên c ias,e a ve l ha poéti ca
que tr i u n fa ,V e jamos um a das po e s ias d e 1 5 sl
labas — o C ravo M iste r i oso — e vocação ch e ia d e
b e l e za d e um an tig o c ravo do sécul o XV I I I , c u ja
voz ge m e,sob re natu ral m e n te
,ao can to du m sa
lão abandonado . D e staco um v e rso , ao acaso :
« O m i S tér i o dêsse c ravo,triste m e n te
,a so lu
R itmo novo ? Não . R i tmo ve lh o . A j ux
tapo sição d e d o i s v e rsos d e s e te s í labas , se m cc
su ra, i sto é , com o p r im e i ro v e rso g rav e , o se
gu ndo ab r i n d o p o r con soante , e , portanto , um a
s í laba muda e n tr e ambos 7 i 7 . Ou , d e s
dob ran do
« O m istér i o dêsse cr a vo ,
Tr iato m anta, a so luça r .
l i 8 NA AR TE
cada quad ra. D e r e sto,e m to d o o l iv ro , m e smo
ath qabuid o p roc e ssos na apa r e runa o usathna o ar
l i sta da Pai sag e m d e Orquíd e as co n s e rva-se o que
s e mpr e f u ndam e n ta l m e n te fo i : um cu l to r d o s ve
l b os r dr n o s,i jue passe ki jndas hd ras ,
cnd r e J e an
Lo rrai n e Oscar W i l d e , o se u ne o -pai'
nasian ism o
hnpcnd cnuà
TEATR O ( IAMHNEANO
A i n da que o po e ta d o Auto d e ICI- R e i S e l euco .
dos Anfi tri õ e s e d o Fi lod e m o não tiv e ss e s i d o o
g rand e ép ico dos Lust/ i das e o l í r i co adm i ráve l
que mo l d ou , no pu ro o i ro d o v e r s o po rtuguês , as
fo rmas do ne o - p l aton i sm o fl o r e n ti n o — a h i s to
r ia d o te atro te r ia d e oc u par-se larg am e n te d e l e
como d e u m dos ma i s v ivos , d o s m ai s e ar ae l
r ístic o s e dos mai s i n te re ssan te s c u l to re s da co
m éd ia nac io nal .
Pass e i o n te m um a l o ng a no i te d e i n v e rn o a
e s tuda- l e e a z'
u'
l m i ra- IO . A i n d e p e n den c ia i n te .
l e c tual d e Camõ e s , largam e n te re v e lada na e p o
p e ia e no l i r i smo,e v e rdad e i ram e n te as sombrosa
n u m sec u l o e n fi m o d e q u i nh e n tos , dom i nado
p e la r ig i d e z das fo rmas e p e l o s p re c o nc e i tos d e
e sco la,
—m a.n it'
e sta-se,com a m e sma e lo que n
e ia e a m e sma fl e x i b i l i dad e , na obra d o po e ta có
m ico . To das as co r re n te s d ra máti cas lhe fo ram
1 50 NA AR TE
fam i l iare s . No R e i S e l euco d a i n fl u ênc ia e spa
nho la da Pr o p aládía que se ac e n tua na d r am ati
zação do moti vo e n o d e s e nvo l v im e n to d o e p iso
d io ; no F i l o d e m o , a. co r re n te i ta l iana, c om su
ge stõ e s Caste l hanas da C e l e stina,d e F e rnando d e
R ojas,e um « vice ntism o » marcado na c u rva m e
io d i ca da re dond i l ha ; n os An j i t'
r õcs, a i n fl u ên c ia
c l áss i ca das e sco las d e Ov i e do e d e Sa lamanca,
que te n tavam , com o r e i to r F e rn ão P e re z d e U l i
va e com o méd i co F ranc i sco d e V i la Lo bos,as
e qu ival ê n c ias da trag éd ia g re ga e da co m éd ia
p lautiana ,E,e n tre tan to , ap e sar da sua c r iação
te r ob e d e c id o a s uge stõ e s d iv e rsas , as tr es c o
méd ias man têm o m e smo carác te r , e m e smo fe i
UO , a in e snni Hson i o nua,as i ncsnuus l iuhas d e
(anunr ução g e r aL o uunnno d e se nvo lvnn e nto dos
e l e m e n tos d ramáti c o s,d e fo rma a pod e r-se afi r
m ar a e x i stên c ia d e um a « d ramatu rg ia cam o ne a
na» . lâssa dos ac tos
na (ndação ih) h i bwnto 0 th) a rgur ne n l o ,hun
pon tos co n tach) co nt a (b) i Tune s lVava r r o,
fj f lue , na i n c l u são l ha saani as e nt p r o sa, : i cusa v i
vauund c a inHue ncul Habana d e zXH o sui i' d e
Mach iav e l,d i sti n gu e -se
, p o r ém , p e la sáb ia a r
l il ª l l lã g'ão d o e p i sód i o l í r ic o e ( |O e p iso d i o CÚ
m ie o ; p e la assoc iação im p re v i s ta do e l e m e n to
e rud iu) e d o «d e n i o nba p o jud a r ç'
p cki tnaação (hi
tun i ll o e r r adaan e td e . se'
atr d iuo a
Lop e d e V e ga e que d e v e re i v i nd icar-se . para (l a
m õ e s ; p e l o para l e l i sm o das acçõ e s d ramáti cas e
152 N A AR TE
Fi ltro d e Jo rge Fe r re i ra d e Vascon c e l o s,e,um
po uco , das al cov ite i ras d e G i l V i c e n te (B ranca
Gi l,B r fzida Vaz
,Ana D ias). O p róp r i o Aul a do
R e i S e l euco é,na sua sc e na fu n dam e n tal (sc e na
d o F ís i co), s u ge stão d i r e c ta da l e i tu ra que Ca
m õc-s fe z da Pr o p a lád iu d o To rr e s Navar ro , pu
b l icada e m Nápo l e s,e m 1 5 1 7 . Numa das p e ç as
d e sta c u r i o sa co l e c ção,
a Aqui l in o ,u m o i ra r
gnão asune d e scob r e que o “lho do muda l hur
gr ia e stá apa i xonad o p e la fi l ha d o r e i d e L e ão ,
po rq u e o p u l so d o rapaz se al te ra s e mp re que
vê o u o u ve a i n fan ta, tal q ua l c o m o o fís ico do
R e i S e l e u co su rp re e nd e os amo r :—s d o p rínc i p eA n tío co p e la mad ras ta.
» « (ur l p ul s o que se a l l e
ruha sc ur i na o se Ni l da» . kunõ e s não [ o i i i ni
c r iado r o r ig i nal d e acçõ e s e d e con fl ito s ; m as ti
c anb r e p d o ,<xuuo i nn in davc l inaad o r d e p ro
no sso s . Nas s uas coméd ias,a labu ta, quando não
é ap r o pnada da ob ra maranha — i l ; ne nauso n
bi e n m i i l [ c trouvai t pob re d e i n v e nção .
ui as El i hwurunazaçao « l o s l i ndi vo s : i p r e se n Ia-se
scn ip r c faca d e o rn4UIahl knhg d e ui o vi o i e n l o e
d o i n te ress e,
r x nduª wi ut d o gaa r a t' tIP o x luwwv
sao Hrnwr Io g nwi IUi i hul n o ao d o s s e u s e haue i d o s
r fun ir n s, e, d i nn ih i p U S S ÍVPL l ia r nni nnai nas | i
n l ias ge ra i s da com p os ição ,
lVão se r kl i l d e r e ssal de faz e r r e p r e se n la r , l i nni
S e rão canto ne an in as tro s c e h duawa ian nóchas d o
g rand e p o eun c o ui la i n e suni i fnnr d o d e d e vo
qº'
o c o m que a Espanha mod e r na e stá r e ssur
TE ATRO R AMO NEANO 1 53
g i n d o , p e la m ão d e anéi s da e rud i ta G u e rr e ro
o te atro d e Gu e vara e d e F ray Lºp e , d e C e rvan
te s e d e Ca l d e ron . d e M o r e to e d e Fray Gab r i e l
Te l e s
X'II'
IS Í CH S D E CAS /XGA D F. S ED A
i l u s tre j o rnal i s ta e m e u am igo,
.l . F raga
Pe ry d e L i n d e ,o fe re c e u r e c e n te m e n te . ao Esta d o ,
po r m e u i n te rméd i o,u m doc um e n to do ma i s
a l l o val o r para a. h i s to r ia da mús i ca e m Po r
tng al : O m an usc r i to o r i g i na l d o Com p rom isso da
Ir m andad e da. ('
Il o r i o sa. V ir g e m Márti r S aul o
(“
Te c-Hi d o rd e nadª p e los p rº f e sso r e s (I
'
d . tr l c do .
il lus i o n cm o un o d e s e gu id o d o te rmo d e
ap ro vação p e la .l u n ta G e ra l da co n frar ia cm 1 3
d e fe v e re i ro d e 1 750,e d e p ii hl ir as
- fo rm as do s
a l varás d e 1 53 d e abr i l d e 1 79 ?“253 d e o u tu b ro
d e , 1 708,
e . da p r e v isão do Patr iarca Tomas
d e A l m e i da,d e 5 d e o u tu bro d e 1 722
,passadas
a r e q u e r i m e n to d o P r oc u rado r da M e sa p e l o la
l i zt l ião J oão Var e la d a Fon s e ca,
« d e l l 'o n l e da
p o r ta. trave ssa da Bas í l i ca d e San ta Mar ia , j u n to
.t Car idad e » . tlm cód i c e d e pap e l . d e S R l i“)
ltias inum e r adas,aparo do i rad o , c o m ros to e ti
1 56 NA AR TE
Co m p r om isso agora apare c i d o . Não e r a gran d e
o e sp í r ito as so c iati vo e n tre o s p ro fi ss i o nai s da
m ús ica na ve l ha c i dad e patr iarcal , e a sua fal ta
d e e sc rúp u l o n o c u mp r im e nto das ob r i gaçõ e s e s
tatuai s d o « tostão »,da an u i dad e e da j ó ia, jun
tava-se ,s e gu n do o te stim unho i n s u sp e i to d e u m
doc um e n to p o r mu i tos d e l e s as s i nado , a sua fr e
que nte au sen c ia d e d e co ro artí sti c o . R e co nhe
ce u-se que e r a p r e c i so d ign il i car a p rofi ssão ;d e se nvo l v e r n o m e i o m u s i cal l i sbo e ta d o séc u l o
x vm o e sp í r ito d e con frar ia ; atrai r ao grem io
n ovos i rmãos ; ass e gu rar m ai s e fi cazm e nte o
c u mp r im e n to dos d e v e r e s e sto tua is ; e , com o as
d i spos i çõ e s do Co n i p r o m iss o p r im i ti vo , e m gran
d e par l e anac r i'
in ir as,ti nh am caíd o e m d e s u so ,
fo i j u l gada Opo r tu na a sua re fo rma,e d e - c e rto
para e la m uito con tri b u i u o p r e stíg io p e ssoa l d o
e n tão Prov e do r da I rmandad e,D iogo d e M e n
d o nça Cô rte —R e a l , fi l h o d o m i n i s tro d e D . J oão V,
co n s e l h e i r o d a Faz e n da,D e p u tad o a J u n ta da.
Casa d e, B ragança,Prov e do r da Llasa d a I nd ia ,
e o va l i m e n to d e, que gozava j u n to da P r i n c e sa
Mar ia Vi tó r ia o o i l u s tre . Lu cas t i io vn i e ,
se u m e s tre e p r i m e i ro ass i s te n te da M e sa, c u j o
r e trato a i nda hoj e se ve,ao lado d o d e Dav i d
Pé r e z,n o s um p tu oso te to da Sa la das
'
t'
a l l i as ,e i n Q u e l u z . A ss im nas e e n o e statu to d e 1 4-10,
que não ch e go u a se r i m p r e sso , e que os mus ic os pomba l i n os j u l gar am p e rd id o , c omo o d e
1 003,no incênd io que se s e gu iu ao grand e te r
M úsuzo s D E ( IAS M ZA D E s e m 1 57.
r am o to,
- o que o s d e te rm i n ou a reun i re m -se
e m j u n ho d e 1 765 e m casa d e Pe d ro An to n i o
Av e ndano , c ompos i to r d e O rató r io s e d e n tinue
te s , c u ja i ,: o l e l i r idazl e fát' i l o hseur e c e r a ja a do
d e i—r e p i to ( i i o v ine ,par a re d ig i r o n ovo e te r
C e i r o e statu to da i rman dad e . Com o se te r ia sa l vo
d o i n c ênd i o d o San ta J usta o p re c io so o r ig i nal
d o C o m p rom isso d e [ 7 10 7 Qu e m,e co m que
i nte r es s e , o te r ia s ub tra ído c con se rvado e m se u
pod e r , tão occ u l to , que a p róp r ia I rmandad e o
julg m i pas to das chamas ? Através d e que v i c i s
situde s v i ri'a o i n te re ssan te doc um e n to parar,
c e nto e s e sse n ta ano s d e po i s , ao fe rro-ve l h o d o
m e rcado d e S . B e nto,ond e , p o r u m fe l i z acaso
,
o e ncon tro u a e ru d i ta cur i o s idad e do s r . Pe r y,
de Li n d e ? Im poss ív e l sabe- l o . O que é pos i ti vo
é es te fac to : a e x i stenc ia d e Co mp ro m isso d e
e o nsti tne um a re v e lação .
Mas não (5 a i n da este o as p e cto mai s i n to
r e ssante po rq u e pod e se r e s tudad o o cód i c e a
que ve nho al u d i nd o .f
º
i que lhe atr i b u o um co n
sid e rave l val o r , como docum e n to para h i stó
r ia d a. mús i ca. e m Po r tu gal , e a c i rc u n stâ nc ia d e
se e nco n trar j u n to ao Co m p r om i sso o re sp e c ti vo
te rm o de ap rovação c o m as ass i natu ras d e 1 1 5
m ús i c os p rofi ss io na i s , al gu n s m u i to i l u stre s, que
e xe rc iam sua arte na ve lha L i sboa d e D . João v .
H av ia,
e v id e n te m e n te , m u i to s ma i s , — o r g an is
tas,c rav i s tas
,v i o l i n i stas
,castr ati
,bai lar i no s
,
vi r tuo si , l itur g istas, con trapon ti stas, m e stre s-d e
1 58 NA ARTE
so lta,com pos i to re s , canto re s d e óp e ra, mote tts
tas l ig e i ro s , canto chan is las capu chos , reun i d osn e s sas r i q u íss imas c o lm e ias m u s icai s que fo ram ,
e m a Bas í l i ca Patr iarcal,a Ó pe ra i tal iana
d e Pago o S e m i ná r i o d e mús ica d e S . F ran c i sco ,o mos te i ro d e ar r áb id e s d e Maf ra ; m as a fal ta
d e e S p ír ito d e assoc iação e r a m an i f e sta ; inve n
(d ve t ( dur e os p r o nssunnns da_ inúsuxn a r e p u
g nãnc ia po r tóda a e spéc ie d e s ubo rd i nação a
p re c e i tos e statuais ; d i f íc i l a harmon ia d e i nte
ro ss e s e a comu n i dad e d e â n im os n uma c lass e
co nsti tu i da po r e l e m e n tos tão he te r o g êne o s ; e,
para sal var a I rmandad e,a i n da não se ti n ha e he
gado ao e xtre mo d e com e te r, como se fe z m ai s
tard e p e lo a l vará d e 1 5 d e n ov e mb ro d e 1 760,a
v i o l ên c ia,d e re sto pou co e fi caz , d e p ro ib i r o
e x e rc íc i o da mús ica, sob p e na d e doz e m i l ré i s
de mu l ta pagos da cad e ia,a qu e m não fôsse i r
mão da con frar ia d e Santa C e c í l ia. En tre ta n to,
os 1 15 n om e s que s u bsc re v e m o e statu to d e 1 740
co n sti tu e m j á um im p o r tante su bs íd i o para a
h i stó r ia da m ús i ca po rtu gu e sa, tan to mai s va
ti oso q uan to e c e rto que ,a grand e mai o r ia de l e s ,
não faz e m a m e n or r e fe r e, : i c ia os trabal h os dos
nossos m us icól ogos . Ess e s n om e s oc u pam qua
tr o pág i nas , a d uas co l u nas,ass i nando cab e ça
o Prov e do r, D iogo d e M e nd onça Côrte -R e a l , que
d e po i s hav ia d e so f re r tão d u ram e nte as p e rse
guiçõ e s d o grand e Marqu es ; o p r im e i ro M o r
d omo ass i ste n te , D . Lu cas G iov i n e , cap e lão-fl
1 60 N A ARTE
r ia e J oão Bap ti s ta), fi l h os d o v i o l i n i sta A l e xan
d r e Pag t L rpuf l) . J o ão v c o nha to u c que hh
tr o duz iuua cô rte o go sto p e la o p e ra i ta l iana ; os
Lhaucan l r pal e Ulho ; (hus Fchunx d ous zxvo nda
uo s,
— i IU i ij us quais, l?ud r o Ch o r gi o ,
1 ? v io hlui
da Bas íl ica Pa tr iarca l,fo i o pai d e Pe d ro A u to
iuo v e ndaiur al un i da l r nunutad e iu) p e r k uhi
| vai i iba l ino ,compos i to r ga lan te a cuj 0s p e rtu rba
do re s n'
i inue te s Tw i s s a l u d e n o se u l i v ro
cn l ªui ug o t Fh luuu l KHn O S d e ahn ius ui ú
fur os c o uhe chlo s, tnd ae os q iuus o d e Phiuuusc oXutón io d e A l m e i da. g l o r i o so au to r da [ªin t/ :
Pazza e da S p inal ba, que tanto br i l h o d e u
CHNHTL (U) Paç o da Itdmura,vivui zuiukh ruas e r a
q uas i oc toge ná r i o . Dav id P e re z,êss e , e s ta va e m
e m Mi lão . Só tr es anos d e po i s , po r d i l i ge n
c ias da R a i nha Mar iana V i tó r ia, ve i o e s tab e
hnx um se cui Lushoa .
VER Ã Ú
Vou falar- l h e s d u m po e ta b ras i l e i ro .
E ' p re c i so que Po r tuag l co nh e ça o adm i rá
ve l,0 s u rp re e n d e nte mov im e n to l ite r ár i o d o B r a
s i l co nte m p o r âne o , e que to do s nós , hom e n s d e
l e tras po rtugue se s , con co rramos , na m e d i da das
nossas te r ças, para e ssa i n d i sp e n sáve l ob ra d e
v u lgar i zação . E não ap e nas e m p rov e ito da l ite
ratu ra br as i l e i ra ; e m n osso p róp r i o p rov e i to ,tan i
l i em . No Bras i l e sc re v e -se m e l h o r o p o r tuguês
d o que e m Po rtuga l , — e o s d e te n to r e s da he
rança v e rnác u la d e Vi e i ra e d e B e rnard e s (te nha
m o s a co rage m d e o co n fe s sar) não e stão hoj e
aquém Atlan ti c o . A fl o ração d e po e tas é, e ntão ,
notab i l í s s ima. Provam -no mu i to s vo l um e s,r e
c e nte m e nte p ub l i cado s, que c o ns e rvo sôb r e a m i
nha m e sa d e trabal h o , — e , ma i s d o que todos
e l e s,um l i v ro que acaba d e apare c e r nas m o n
tras d o R io e d e S . Pau l o,e que é a afi rmação
l l
1 62 NA AR TE
d e um e xtrao rd i ná r i o tal e nto d e po e ta : o Ve r ão
d e Marti n s Fonte s .
Há m u i to te mpo que a l e i tu ra d um l iv ro d e
ve rsos não p rod u z ia sôbre o m eu e sp í r i to um a
tão v iva e moção . L i-o du as,três v e z e s , dom i
nado , s ub j u gado , d e s l um b rado . J u l go que a i m
p re ssão p rod u z i da'
n o m e i o i n te l e ctual bras i l e i ro
fo i co n s i d e rav e l também . Co m o Ve rão,d e Mar
ti n s Fon te s , e stá ass e gu rada— d iz Ó scar Lop e s
n u ma sc inti lante c rôn i ca d o Pais— « a p e rma
ne nc ia do máx imo f u lgo r na po e s ia b ras i l e i ra » .
D e po i s d e O lavo B i lac , d e A lb e rto d e O l i ve i ra,d e R aim u n do Co r re ia, de Luis Mu rat, pon ti fi c e s
máx imos , n u n ca, que eum e l e mbre,o ne o -par
nasian ism o b ras i l e i ro p rod u z i u pág i nas d e u m
tão o fu scan te e sp l e n do r v e rbal . Não é fác i l fi l iar
este l i v ro e m qual q u e r e sc o la l ite rá r ia, ou s ubo r
d i na-lo q ual q u e r das co rre n te s d om i nan te s na
gran d e po e s ia po rtu gu e sa co n te mpo ran e a, — o
bo tticc l l ísm o d e. Eu gén i o de Castro , o he in ism o d e
A ugu sto G i l , 0 n e o -rom an tism o d e Fau sto Gue
de s, o vír g i l ian ísm o c r is/ão d e Cor re ia. d e O l i
v e i ra; é um caso ii parte , um fac to l i te rá r i o iso
lado,fu n dam e n ta l m e nte , se q u i s e r e m , a ob ra d e
um parnasiano ,—m as d e u m par nasiano i n
te n so , e xub e ran te , trasbo rdan te d e s e i va, late
jan te d e c larõ e s,p ujan te d e fo rmas novas
,d e
r i tmos n ovos, o mármo re e o bronz e d o v e rna
cul ism o sac u d i d os , an imados p e l o sangu e , p e l o s
n e rvo s,p e la v i da
,p e la v ib ração d e gen i o . Não
164 N A AR TE
Arcad ia, fl au ta e m que se tran s fo rm ou a n u
d e z do i rada d e S i r inx : An fi tr ite que nasce ; Ba
b i l o n ia que e sp l e nd e ; F r inéa, e m E l e u s i s,sai n
d o,b ranca
,da e sp uma d o m ar ; e , e mfim
,
A fro d ite d e M e i o s, a Vén u s d e F rança, — V én u s
quas i lati na,Vénus-fl ô r -d e - l i s , S atân ia-G ioco n da,
V i rge m—Co l omb i na,
e xp re ssão contrad itó r ia d e
s e re n idad e i m u táv e l e d e graça p e rtu rbado ra.
No seucon j u n to , como v i são e stéti ca e como afi r
mação d e p roc e sso,es te s d e z bai xos—re l e vos g r e
gos co n sti tu e m a parte mai s n obre , ma i s e qui l i
b rada, m ai s harm ón i ca d e tôda ob ra,pare c e n do
a d e mon stração e a ap l i cação i n te gral das r e
gras de arte -poéti ca adm i rav e l m e nte d e s e nvo l v i
das na po e s ia d e ab e rtu ra, — Parthe non : « se
c laro,p u ro , s im p l e s , co r re n ti o » ; « ap re nd e a
amar n os m e stre s d o passado o c u l to h e ró i co das
pai xõ e s s e re nas » ; p rocu ra a l im p i d e z ; que n os
te u s v e rso s « a r ima ful ja, i n éd i ta, im p re v i sta» ;
que o e sti l o s e ja sób r io e a fras e j u sta,s im i
lnanca « do fi o n u ma trama. d e seda d o Le van te » ;« c i n z e la a. e stro fe
,como F ray J u an d e S e gov ia
re n d i l hando o re l evo d e p rata d e um
E, p o r ém ,na s e gu nda parte que se e ncon tra a
o b ra—p r ima d e Marti n s Fon te s : — A F lo r e sta. da
Água. Ne g ra . T e nho p e na d e não pod e r tr ansc r e
ve r o s d u z e n tos e c i n co e nta v e rso s d este poe ma,
se m dúv i da a j ó ia d e todo o l i v ro . É um a as
so m b r o sa e vocação d o s s e rtõ e s b ras i l e i ros ad u s
to s e fo rm idáv e i s , das s uas fl o re stas , das s uas
« ve aão » 1 65
te mp e stad e s,do s s e u s pântano s e sp e l hante s e te
n e b r o so s como su p e rf í c i e s d e hul ha,,
da sua atmos
fe ra e spessa d e o i ro o l e oso,
—e vocação fe i ta
co m u m pod e r d e d ramatização da pai sag e m ,
com um s e n ti m e nto trág i c o da natu re za que l e m
b ra B o l l inat,no D ans l e s B r and e s, e
,sob re tu do ,
com aq u e l e v igo r , aqu e la i nte n s i dad e,aqu e la so
no r idad e,aqu e l e ve r nacul ism o , aqu e la ºpulênc ia
v e rbal d e que o Caçado r d e Esm e r aldas,d e B i
lac , e o mode l o s u p re mo , e que so”
te e m, que eu
sa i ba,o seue q u i val e nte e m p rosa n os S e rtõ e s
,d e
E uc l i d e s da Cu nha,e n o R e i Ne g r o , d e Co e l h o
N e to . Comparando êste tre cho , que não h e s ito
e m con s i d e rar do s ma i s b e l o s o ue se te e m e s
c r i to e m l í ngua po rtu gu e sa,com a ado ráv e l p o e
s ia S imp l icidad e , i n s e rta na ú l ti ma parte da obra
d uma l e v e za. d uma fl u i d e z,du ma—tran spar ên
c ia,d uma doc e m e lanco l ia que re c o rdam P lui e
,
d e V e r lai n e — te mos as e xp re ssõ e s máx imas das
d uas te n d enc ias que ob e d e c e u , d u rante a e la
bo r ação d o seu l i v ro,o e sp í r ito mag n í fi co d e
Marti n s Fon te s . Qual d e e las tr i u n fará , na sua
ob ra d e amanhã? Há d e d ize—l o o futuro,
— e o
f u tu ro,para Marti n s Fon te s , e a gl ór ia.
O PR A D E TR INO
No d ia 26 d e nove mbro d e 1 73 1 das quatro
para as c i n c o ho ras da tard e , o b rado d e um
g ran d e c r im e d e morte c om ove u L i sboa tran
qui la, i mu n da e patr iarcal d o s e gu n do qu ar te l
d o séc u l o xvm . O c i r u rg ião f rancês I saac E l l i o t.
e ncon tran do a m u lh e r no s b raço s d e u m frad e
tr i n o,
assass inara-o s a ambo s . D o sang re nto
caso , oco rr i d o na p róp r ia morada d o c i ru rgião ,
a rua d o Ou te i ro,ve m larga notíc ia no cód i c e
n .
º 1 1 61 da Tó r r e do Tom bo,O
' q u e m e p e rm ite
faze r, a do i s séc u l o s d e d i stan c ia,a r e con sti tu i
ção do cr i m e — s e gu n do um a ve rsão u m pou co
d i fe re nte da ad op tada po r Cam i l o Caste l o B ran co.
I saac E l l i ot e r a,como d i r íamos hoj e
, o o p e
rado r mai s fe l i z d e Li sboa . T i n ha conh e c i d o,
ao e stab e l e c e r-se na c ô rte,as ve l has p ráti cas ana
c rón i cas da c i rurg ia p o rtugu e sa, im ob i l izadas ,d e po is do g én i o op e rató r i o de Franc i sco Gui lhe r
1 70 NA H I S TÓR IA
m e , na roti na trad i c i o na l d o s c i r u rg iõ e s d o sé
c u l o x vu,e d e c i d i ra re vo l u c i ona-las a. go lp e s de
ta l e n to o d e audác ia . A fo rtu na baf e j o u -o . D ian
te do s s e us tacõ e s e n carnados e da sua marav i
lho sa cab e l e i ra de F ran ça, fu gi ram , e spantadas ,as lôbas n e gras d e todos os sangrado re s d e Li s
b o a c r iados na Pr ática d e Barbe i ros d e Man u e l
L e i tão . Po u cos anos d e po i s da sua ch e gada a
co rte , E l l i ot ganhava j á , p e la sua faca,c i n co m i l
c ru zados po r ano ; D . João v , que o chamara
par a l he c u rar o s tum o re s d o p e scoço , con c e d ia
lhe,com um a bôa te nça, a m e r cê d o háb ito d e
C r i sto ; um a das mai s l i n das m u l h e re s d e L is
bo a,namo rada da e l e gânc ia d o c i r u rg ião f ran
ce s, tão d i stan te j á da. capa e vo l ta d o s d iscípu
l o s d e An tón i o Bai ão , l e vava-lhe no s baú s d o e n
x o val,e m bon s sacos d e dobras d e o i ro, o m e
l h o r d e q u i nze m i l c ru zados ,Este casam e nto ,
e m que I saac E l l i ot v i u um a arma para a sua
amb i ção , — fo i,afi nal
,o p r i m e i ro passo para a
sua de sgraça. Dona An to n ia que as s im se cha
mava a m u l h e r— um a f rança tr igu e i ra d e 1 730,
nasc i da para e n fiar péro las e e n fe ita da como
um p u car i nho d o Natal,não se e squ e c e u de tr a
ze r para a mo rada da rua d o Ou te i ro tôda a ge n te
que e m so l te i ra lhe co n ti n uava a casa,e , co m
mai s f re quên c ia, as i rmãs d e c e rto frad e tr i n i tá
r io,F re i An d ré Gui l h e rm e
,costumadas , d e sd e
m e n i nas, a aco mpanha-la tadas as tard e s a m e
r e nda. Atrás das i rmãs , v e i o a m ãe ; atras da
1 72 NA H IS TÓR IA
b e l e guins d e saltim bar ca e ch u ço , sal tar am po r
u n s quincho so s e fo ram p e d i r as i l o ao con ve n to
d e S . F ran c i sco . Du ran te al gu mas horas,aco l h e
r am -no s na portar ia ; m as, l ogo que se so u be na
ce ia d o guard ião que o as sass i nado fô ra um fr a
d e,e nxotaram -n o s, ati raram -n os d e ro l d ão p e las
e scadas , e o s do i s fu g iti vos,de no ite
,e m b ru
lhad o s n o r e buç o d o s capote s , os cab e l os ai n da
e mpastados de sangu e,do i s sac os d e d o b rõe s ti
n in do- l h e s a c i n tura,atrave ssaram o te r re i ro d o
R o ci o e m d e man da d o moste i ro de S . Dom i ngos .
Af, a l e gando que mo rte —d e -hom e m fô r a p o r
c r im e d e ad u l té r i o , con s e gu i ram abr i go até d e
mad ru gada ; lan çados , co m so l nasc i do , p e la
po rta d o conv e nto que dava para o H osp ita l d e
Todos os Santos , ai n da a p i e dad e d um hom e m ,
d e nom e Pe d ro Gon çal v e s,l h e s cobr i u a fu ga
para a i gre ja d e S . Lu ís ; — m as e m 8 . Lui s fo
r am p re so s . E r a o p r i n c íp i o d o fi m . A s O rd e
naç õ e s, l i v ro 5 .
º
, títu l o 25, não davam ao m a
r i d o af ro n tado o d i re ito d e d e fe nd e r p o r s uas
mãos a p róp r ia hon ra. I saac E l l i ot, p o r s e n te n
ca da M e sa da Co nsc iênc ia e Ord e n s , d e 2 d e
j u nh o d e 1 732,fo i p r i vado do háb ito ,
te nça e ti
tu l o , re laxado a j u sti ça e cú r ia s e cu l ar, —e , s e i s
m e s e s d e po i s,p e ran te as l ágr imas d um pob re
pad re cata l ão d e R i lhafo l e s,e n fo rcado na rua
d o Ou te i ro,d iante da m e sma casa o nd e co m e te ra
o c r im e . Du rante mu ito te mpo , a cab e ça d o i lus
tr e c i ru rg i ão fran ces,d e c e pada e p re gada no
o m e r am o 1 73
al to do pattbul o , fi co u apod re ce n do ch uva e
ao so l . q uan to e la lá e ste ve , o s v iz i n h os , e r i
cado s d e te rro r, con tavam a qu e m qu e r ia o uv i-l o s
que um a figu ra b ranca d e frad e , c ruz v e rm e
ttia e az u l d o s tr i n os ab e rta no p e i to ra l d o háb i to ,v i n ha todas as no ite s ge m e r e m vo l ta da fo rca d e
I saac
'
e m po r
o nve nto
aco lhe
oub e na
um fr a
o p e las
e m bru
3 ai n da
rõ e s ti
.i r o do
i ing o s .
ra p o r
até d e
p e la
ital d e
am e m,
a, f u ga
1 Í S fo
O rd e
m a
s uas
nte n
2 d e
e ti
s e i s
pob re
S . MIGUEL AR CANJO
Os docum e n tos que o D r . A ntón i o Te i xe i ra
Co e l h o d e Vascon c e l os , da i lustre Casa d e . Cô r
ti nhas e m Cabe c e i r as d e Basto,acaba d e ofe re
c e r -m e co m d e sti n o ao s A rqu ivos do Es tado , ve e m
p roj e ctar um a i n e sp e rada l u z sôb re a. h i stó r ia,
obsc u ra ai n da, d o mov im e n to m igu e l i s ta d e
1 847, que te v e como con se quên c ia o massac re
d e B raga e a tr i ste j o r nada d e Gu imarã e s , e
c u j o ú l tim o lam p e j o se e x ti n gu i u,nas s e r ran ias
d e Trás-os-Mon te s,co m as gu e rr i l has h e ró i cas
'
d o Pad re Cas im i ro e d e F re i Man u e l d e Agra .
E o pul e ntfssim a e sta co l e cção . São cerca d e
tre z e n tas p e ças, que e stud e i l ogo que as re c e b i
das mãos d o m e u am igo D r . Castro e A i m e i
da, e e ntre as q u ai s se e n con tram,al em do co
p iado r d e A n e l h e e do s i n e te co m o s e l o d e G o
ve rno l 'r o v iso r io d e Basto ,cartas m u i to inte r e s
s . M IGUEL AR CAN JO 1 75,
san te s d o r e i e x i lado ; d o cond e d e A l mada ; d e
R i be i ro Sara i va; d o Douto r Sac ra-Fam fl ia; d o
Do u to r Când id o R od r igu e s A l var e s d e F igue i
re d o e L i ma,l ogar-te n e n te d e D . M igu e l -e m
Po rtugal e o rgan izado r d o mov im e n to r e vo lu
c i o nar io d e 11 6; d o e gre sso F re i F ranc i sc o da
Nati v i dad e d e Mar ia,
seu con fe sso r , al ma do
c o m p l e t m igu e l i sta ; d o S am o ça; d e A lpuim e
M e n e z e s ; do e n é rg i co e r u d e Fre i Man u e l An
tu n e s ; do s e c re tá r i o Carn e i ro ; d o gu e rr i l h e i ro
F re i João d o Car m o ; do s br i gad e i ros Gue d e s e
B e rnard i n o ; d o s fi dal gos das casas d o Souto ,
d e S ing e ve r ga,da G ranja d e R ibas ; d o com e n
dado r A ntón i o Tav e i ra P im e n te l d e Carval h o ,ch e fe d a d i ss i d ên c ia l e g i tim i sta d e 1 851
,o ho
m e m que fe z d i sso l v e r a cé l e br e « J u nta d e Mar
cc-A u re l i o » , q ue fo i a al ma d e tr i ste pacto co m
a patul e ia, e que não con co rre u po u co para ate
n uar a fôrça po l íti ca da ma ism e dular m e nte na
c i onal de todas as facçõ e s parti dá r ias portu gu e
sas d o m e ado d o secu l o x rx : o m igu e l i sm o e s
tre m e , co rc u n da, apostó l i co e trad i c i onal . Que
b e l o l iv ro do rm e n e sta ru ma d e pap e i s ve l ho s,
e como eu gostar ia d e te r saúd e e te mpo para o
e sc re v e r !
Há no cop iado r d e A n e l h e um a carta d o pa
d r e Cas im i ro , que m e im p r e s s i o n o u .E um a pá
g i na d e h i stór ia. E o docum e nto d um a. fé,du ma
e n e rg ia e d um carác te r . Esc re v e u -a e m 1 852 o
au dac i oso gu e rr i l h e i ro ao Dou to r Sac ra-Fam í l ia,
1 76 NA H I S TÓR IA
co n fe s so r , se cr e tár i o e ass i ste nte d e D . M igu e l ,
que e n tão se e n con trava com o r e i no pal ác i o
l o ngí n q u o d e Laugue nse lbo ld . Late j a n e la m e s
m a e xal tação m ísti ca, o m e smo fo rte e sp i r i to d e
re acção apostó l i ca que pare c e u re nasc e r u m mo
m e nto,se te n ta anos d e po i s
,na fi gu ra d o pad re
Dom i ngos . Através das s uas palav ras ao m e sm o
te mpo másc u las e h um i l d e s , s e n te -se ap e r r ar ar
m as,c re p i tar fogu e i ras
,mu rm u rar o raçõ e s . Qu e r
que o r e i sai ba tud o , q u e m e l e é , como e l e so
f re u,como e l e mato u p e la san ta cau sa. Conta
como e m . m aio d e 1 846 sai u p e la p r i m e i ra ve z
a campo co m todo o povo d o M i nho e d e T rás
os-Mon te s, que o ac lamava, que o b e i java, que
o p roc lamava g e n e ra l e d e fe n so r das C i n co-Cha
g as . No m e ado d o mês ti n ha j á tr i nta m i l ho
m e n s e m vo l ta d e B raga. E não cui dass e o S a
c r a-Fam i l ia, não c u i dass e o r e i que e ram se
te m b r istas . Não ! O povo q u e r ia l á ouv i r fa lar
e nt- ch e fe s da patul e ia, e m M o ntalve r n e s, e m
B e ntos Gom e s,
e m Motas , —raça danada, tã o
bôa ou tão má como os Cab rai s ! O ch e fe e r a
só e l e,o í d o l o e r a se e l e , pad re Cas im i ro . Ch o
r avam quando o v iam ,cob r iam -n o d e fl o re s , can
tavam h in os e m seu l o u vo r . O bo m povo,o l ia l
povo b ragu ês ! Ch e go u e m tr i u n fo - a R u i vae s ;Mon tal e g re coa l ho u -se d e ge n te para o ve r pas
sar ; armada d e fo i c e s , d e cac e te s , d e naval has ,d e mosqu e te s ve l ho s ,
.
a mu l ti dão q u e r ia acom
panhã-l o se e l e m ar cl i asse para Chav e s , a ala
1 78 NA H IS TÓR IA
do s s eus s e r v i ço s , d o seu p re stíg i o , d o seu d e
sasso m br o ,— ac u sa. Mac-D o n e l i
,o e sco cês
,e r a
u m maço n . O seu n om e andava,e m Par i s , no s
a l manaque s d o s p e d re i ros-l i v re s . E po rqu e e ra
um maçon , um v e nd i do , im p e d i u-o , e l e , d e l e
vantar ge nte armada con tra o s c lub i stas, co ntr a
o s d e vo r istas, co n tr a o s Co bur g o s d e L i sboa.
atrai çoo u , ab ri u as po rtas Cazal , p re parou o
mas sac re tre m e n do d e B raga e m 31 de d e ze m
b r o ,— e p o r e ngan o
, p o r e qu ivoco , p o r co nfu
são , po r casti go d e D e u s, fo i morre r, cam i n h o
d e V i n hai s,as mãos d uma patru lha. Que o D ou
to r Sac ra-Fam í l ia não d e i xass e d e o re p e ti r ao
r e i : a co rºa re svalara- lhe mai s um a ve z da ca
b e ça,po rqu e Mac-Don e l l e r a u m trai d o r . A fi r
m a-o e l e , pad r e Cas im i ro , co m a au to r i dad e m o
r al d e qu e m j ogo u a v ida, d e q u e m p e rd e u o s
b e ns, d e qu e m v i u mo rre r pai e i rmão , d e q u e m
an do u ho m isiad o , a mon te como os lõb o s,
p e la cau sa sagrada d e D . M igu e l . Não q u e r ho n
ras ; não qu e r d i n h e i ro , porqu e só ac e i tou v i nte
m i l ré i s para s e i s ar rôbas d e pó lvo ra : qu e r um
r e i p o r tuguês para Po rtugal , e j u ra que há-d e
con ti n uar bate r-se,co m a cruz e c lav ina nas
mãos , até ve r d e todo e d i fi cados o s muros da
nova Je ru sal em .
Pob re pad r e Cas i m i ro ! l ngénuo Du Gue sc l in
d o m igu e l i sm o e x p i r ante l Pouco te mpo andado,
— a fé e xti n gu ia-se,m igu e l i stas e patul e ias co n
frate rn i zavam ,ge rm inava s e m e n te da d i ss i
m ount ARCANJO 1 79
dênc ia e da i n tr iga,da d e te cção e d o ód i o , e a
pob re somb ra do gu e rr i l h e i ro d e V i e i ra,abra
çada ao seu arcabu z e ao seu rosá r i o , d i ss i pa
vã -se para s e mp re , com o fumo .
A MOR TE DE JOÃ O V l
l ) . Io ão vr mo r r e u e n v e n e nado
Esta p e rgunta te m s i d o fe ita varias v e z e s .
Logo que o r e i ado e ce u , no d ia 4 d e março d e
a pai xão po l íti ca atr ib u i u i m e d iatam e nte
a e n fe rm i dad e d e D . João V I a um a acção c r i
m i n osa O pob re monarca,ob e so , ar tr ftico , ba
l o fo,c o m o b e i ço p e nd e nte e as ú l c e ras mal e a
Iar e s d os B r aganças e dos Habsbu rgos,fô ra vf
ti ma do d u e l o apostó l i co- l i b e ral travado e m vo l ta
do tro n o . O carácte r da do e n ça, a sua apar i ção
súbita, o seu d u p l o s índ roma n e rvo so e gastro
i n te s ti nal,
o s d e l fqui o s, as conv u l sõ e s,o s vó
m i tos, avo l u maram a s u sp e ita d e v e n e n o . Qu e m
o p rop ic iara ao r e i ? Para os apostó l ic o s nao
hav ia d úv i das : os l ib e rai s . Para o s l i b e rai s não
hav ia d úv i das tambem :
.
a rainha . Quando D .
João V I morre u , a qu e stão fo i,po r ambas as
parte s , pos ta co m ód io,co m facc io s i smo , com
1 82 NA H IS TÓR IA
João VI . Hav ia,d e facto
,um c r i m i n oso ? S e ha
v ia,
—o n d e e stava e l e Em L isboa ou e m Que
l u z? Na Inte ndência d e Po l íc ia ou na sala D .
Qu ixo te ? E r a R e n d u fe o u e r a. a rai n ha?
Não é fac i l re spo nd e r . Os i ndíc io s abundam
m as fal tam as p rovas . V e jamos p r im e i ro a ve r
são o fi c ial . S igamos, através d e ssa v e rsão , a
marcha d o s aconte c im e n to s . No d ia 4 d e março
d e 1 826,o r e i
,an te s d e e n trar n o côch e que o
hav ia d e con d u z i r a Maf ra, tomo u um ca l d o .
R e p e nti nam e n te , s e n ti u -se m al e não parti u .
Que se pas so u d e po i s ? R e fe e m -n o , com im
p r e ssi o nante laco n i sm o , o s 27 bo l e ti n s afi xados
e p ub l i cados na Gaz e ta de Li sboa . O p r im e i ro ,datado d o Paço da B e mposta, 5 d e março , as 8
ho ras da manhã,e as s inado p o r s e te med i cos ,
d iz o se gu i n te : « Sua Maj e stad e Im p e r ial e R ial
te v e no d ia sábado quatro do p r e s e n te mes d e
março um a i n d ig e stão , acompanhada d e i n s u l
to s n e rvosos , que mom e n tan e am e n te d u ravam e
dos q uai s, a b e n e f í c i o dos re méd i os que se d i
gn o u tomar,se acham e l h o r actual m e n te » . Nada
mai s . O s e gu n do e te rc e i ro bo l e ti n s , re fe re n te s
ao d ia 5,l im i tam -se a d e c larar que os i n s u ltos
n e rvosos não se re p e ti ram . Os do i s bo l e ti n s d o
d ia 6 d iz e m que o r e i p i o ro u : u m ataq u e às 5 da
manhã ; n ovos ataq u e s d o m e i o d ia as 2 ho ras ,« um d e l e s tão v i o l e n to que se . r e c e o u m u i to p e la
p re c i osa v ida d e S ua Maj e stad e » ; o r e i é u ng ido ;d as 2 e m e ia da tard e e m d ian te
,son o l ênc ia
A MO R TE m : p . J o i o vr 1 83
p ro fu nda E n e ste d ia, e n e ste e stado,
que D . João VI ass i na o d e c re to no m e an do
r e gênc ia e e n tre gando o govêrn o à fi l ha m ais
ve l ha. No d ia 7 p ub l i cam -se bo l e ti ns d e quatr o
e m quatro h o ras : d iz e m todos,i n var iav e l m e nte ,
que o r e i e stá m e lho r . O m e smo no d ia 8 : o s se
te bo l e ti n s que se afi xam ,d e c laram -no l i vre d e
p e r i go . No d ia 9 ,a i n fo rmação da tard e vo l ta a
ac u sar u m i n s u lto n e rvoso as s e i s h o ras . No
d ia 1 0,p e la m anhã
,D . João vi te m « u m d e l i q u i o
que d e mora 1 0 m i n u to s » ; a 1 ho ra e 1 7 , n o vas
co nv u l sõ e s , que se re p e te m às 2 ho ras . O ú l
tim o bo l e tim,datado a i nda d o Paço da B e m
posta, 1 0 horas da n o ite d o d ia 1 , an u nc ia a
mo rte d o monarca: « S ua Mag e stad e Imp e r ial e
B ia l, que D e u s há e m g l ó r ia
,te n do co nti n uad o
a so f re r r e p e ti d os i n s u l tos n e rvoso s , sobre v i e ram
am iudadam e nte três , d o s quai s o p r im e i ro com e
ç ou as quatr o ho ras da tard e co m grand e s a n
s i e dad e s ; o s e gu ndo às q uatro h o ras e um quar
to , e d u ro u quatro m i n u tos ; o te rc e i ro p r i n c i
p i o u as quatro h o ras e v i n te e c i n co m i n u to s,te rm i nando d e sgraçadam e n te p o r um a síncºp e ,
a qual se se gu iua mo rte mai s ca lam itosa para o s
Portugu e s e s ( i n fe l i zm e n te v e r i fi cada até p e las e x
p e rtenc ias e l éc tr i cas) as quatro horas e'
quar e nta
m in uto s» . Po r co ns e gu i n te , ataqu e s as 8 e m e ia,
a 1 e 1 7 , as 4,as e u m quarto , às e 25 ;
as 4 e 40, s í ncop e card íaca ; mo rte . E i s tu do
quanto ofi c ial m e nte se so ub e , Jo sé Agosti nho
1 8 1 NA H I S TÓR IA
d e Mac e d o , na B e sta Esfo lada, faz-se e co da vo z
d o povo ; d i z que D . João vx mor r e u n o d ia 6, e
afi rma que o ú l ti m o bo l e ti m fo i fo rjado p e l o c i
ru rg ião b r asi i e i r o Agu iar . O r a i sto não é ve r
dad e , po rqu e o doc um e nto que acabo d e trans
c re v e r,p ub l i cado na Gaz e ta d o d ia 1 1 , e stá as s i
nado p o r dôze d o s m ai s i l u str e s méd ico s pa la
ti n os : o barão d e A l vai áz e re , fi s i co-m e r , e o s d ou
to re s B e rnardo José d e Abran te s e Castro,Fran
c i sco de Sou sa Lo u r e i ro,Mar iano Lia] da Câmar a
R ange l d e Gu smão , F ranc i s co Jose d e A l m e i da,
Joaqu im Xav i e r da S i l va, José P i nh e i ro d e F r e i
tas S o ar e s, F ran c i sco A l v e s da S i l va, João To
más d e Car val h o,I nác i o A n tón i o da Fons e ca. B e
n e vid e s e Joaqu im Fé l ix d e Bar ro s . S e os m e
d i cos da r ial c âmara, p o r co nv e n i ên c ias d e o r
d e m p o l iti ca,se p re staram a dar com o te ndo
oco r r i do no d ia 1 0 um ób ito p re s um iv e l m e n te
ve r i fi cado quatro d ias an te s,fi z e ram -n o so b a
re sp onsab i l i dad e do se u n om e e com a p l e na
co n sc i ên c ia do acto que » p rati cavam . O que i m
p re ss i o na no d oc um e n to s u j e i to não é qu e s
tão da sua au te nti c i dad e ; são as r e s e rvas co m
que ê l e e stá re d ig i do . Não se d i z d e que doe n ça
D . João VI morr e u . A l u d e -se vagam e n te « i n
d ig e stão », a « an s i e dad e s », a « i n s u l tos n e rvoso s » ,— q u e r d i z e r
,a p e rtu rbaçõ e s gastro - i n te sti nai s
e a fe nóm e n os co nvu l s i vos d e carác te r ind e te r
m i nado,m e nc io nando -se ap e nas o ac i d e n te te r
m i nal : a s í nco p e . Tratar-se - ia d e um caso v u lgar
1 86 NA H ISTÓR I A
mara,
« in ici é aux so ciétés S éc r ête s»,
« r e co m
p e n se'
ave c d e s ti tr e s e ! d e l'
arg e n t», « e x e r
çan t la p lus scan dal eusc influe nc e sur l e s affai r e s de l
º
Etat» —e m qu e m não é d i f íc i l r e
co nh e ce r o dou to r F ranc i sco José d e A lm e i
da. méd i co palati n o hono rár i o , d e po i s barão
d e A l m e i da. Q u e m fo i o seu cúmp l i c e ? « Un
chi rurg i e n br e'
si l i e n,n om m é d e puis char gc
'
dº
a!
[ ai'
r e s du B rési l e n Po rtugal », —q u e r d i z e r, 0
c i ru rg i ão da câmara T e odo ro F e r re i ra d e Aguiar .
A h i stó r ia te m um pou co d e R ocamb o l e . Ve ja
mos . No d ia õ— e i sto con co rda com a info r
mação dos bo l e ti n s D . João V I p io rou ; o s ata
q u e s s u c e d e ram-se ; o r e i ca i u e m s ub-coma .
Os l ib e ra i s d o govê rn o , ou,mai s p ro p r iam e nte ,
o com p lo t Lac e rda-R e nd u fe , te m e n do que a
mo rte p róx i ma d o monarca tro u x e ss e re gênc ia
da ra i nha,o re gr e sso d e D . M igu e l e a v i tó r ia
dos « c o r eundas»,lav raram o d e c re to que e n tre
gava o govê rn o a i n fanta I sab e l Mar ia, e no
m e ava re g e n te s , com o s s e c re tá r i os d e Es tado , o
d u q u e d o Cadaval,o m ar que s d e Valada. e o
co nd e d o s A rcos . E ra p re c i so que o r e i ass i
nass e ess e d e c re to . R e c lamava—o a cau sa do s l i
b e rais . l_Cx ig ia-o o p róp r i o m i n i s tro d e Ing la
te rra . Mas como obte r a ass i natu ra d um mo r i
bu n do ? Como d e sp e rtar D . João vn d o se u l e
la r g o ? E e ntão , d i z o au to r das M e m o i r e s sur
te Portugal , que o méd ic o A l m e i da inte r ve m .
« Il 'r e'nn it se s e o l l e gue s, e t l e s con sulta sur l e s
A m e n're D E D . JOÃO V ! 1 87
m oy e n s d e r e nd r e au r o i aisse z d e fo rc e p our si
gn cr un acte d'
oud e p e ndai t la tr anqui l l i té d e
l'
Etat. Un ( l'
eux lui r ap p e l la que , p eu d'
o n n e'
e s
avan t,l e com te d e Vi l la Ve rde étan t t
'
e x tr é
m i te'
,i t lui avai t donné
, par o rd r e e x p re s d e
J e an VI lui m êm e ; un e p oti on qui l'
avai t r arnim é
d e m an iêr e à c e qu'
i l put ind i que r ouse tr ou
vai e nt d e s p ap i e rs do n t la p osse ssi o n im p o rtai t
aur o i : m ais que , si c e tte p otion n'
avai t pas cause
la m o rt d e c e se ign eur , e l l e l'
a i i ai t dum oins acc e
l e rc'
e ; q u'
e l l e p rodui rai t sans dout'e l e m êm e e f
fe ct sur J e an VI, e t, qu
'
un e te l l e r e sp onsabi l itén e laissai t pas d
'
e'
tr e cil r ayan te . L e m e de cin qui
avai t p rovoqué c e tte co n fe r e n c e,la te rm ina bi e n
tôt; e t,se conde
'
p o r un chi rurg i e n d e la cham ª
br e , suj e t Br ési l i e n. qui avai t su cap te r Ia c o n
!ianc e d e J e an Vl , i l fi t p re nd r e au r o i,sans p lus
he si tar , Ia fatal e p oti on . C e m alheur eux p ri n c e
p arut e n e ff e ct se ran im e r ; i l r e p r i t qualque co n
naissan c e , e t l'
o n se hâta d'
e n p rofi te r : m ais à
p e i n e eu!-i l j e te'
l e s y eux sur l e p ap i e r qu'on lui
p r és e n tai t, qu'
i l l c r e p oussa: d'
ho r r i bl e s c o nvul
si o ns te r m inêr e nt c e p re m i e r e ssai . D e s qu'
on
l e vi t un p eu p lus tran qui l l e , o n r e c o m m e n ça'
c e tte te n tative [ut suivi e d'
un n ouve l acc id e n t.
L e m om e n t étai t cr i ti que : la p oti on a l lait ag i r
dans toute sa vio l e n c e ; i l [ al la it e n fi n i r, O n
e'
car ta se'
ve'
r vm e n t tous l e s tcm o ins qui n'
e tai e n t
pas in te re sse s au si l e n c e,e t ou se r e nd i t m ai tr e
a in s i d e s d e r n i e rs m om e n ts d e J e an VI . L e d e'
1 88 NA H IS TÓR IA
cr ét [ut sign e'
. Com m e n t ? C'
e st c e que l'
o n
iqn o r e ; c'
e st c e qu'on im ag in e av e c ho r r eur . »
Não se i se e sta adm i ráv e l s c e na d e tragéd ia
po l í ti ca se passo u como o auto r a d e sc re ve . No
f u n do , tratar-se -ia d e um v u l gar facto c l ín i co :
a adm i n i stração d e u m e sti m u l ante e n érg i c o
um do e n te p re ste s.a morre r pe l o co ração ou
p e l o r im . Que e sti m u l an te e r a ess e ? Em que
dos e fo i dad o ? Q ua i s as i n te nçõ e s r e s e r vadas
d e al gu m ou d e a l gun s méd i co s palatino s ? Im
poss ív e l sab e-l o h oj e . S e ho u v e c r im e , as p r o
vas faltam . O au to r das M cm o i r e s d i z que se fe z
anatom ia ao cadave r r ial'
e que se e ncon trar am
v e stíg i o s d e v e n e n o . « A l'
ouve r tur e d e so n co rp s ,
« l e s chi rurg i e ns e x p e rim e n tai s r e connur e n t l e s
trace s d'
un p o i son actii e t brulan t: p rove na i e n t
e l l e s d e la p otion qu'
on avai t fai t p r e n d r e à
J e an V],oue tari e n t-e l l e s l e r e sul tat d
'
un cr im e
an te r i eur ? » Proc u re i o re lató r io da au tóp s ia.
E ncon tre i o u tros , —o n tr e e l e s o d e D . Pe d ro IV.
Não e ncontre i o d e D , João vr . Ou não ch e go u
a ab r i r-se o cadáve r do r e i,
—o u o d ocum e n to
dêsse ac to,poss i ve l m e nte co m p r o m r l e d o r
,d e sa
par e c e u
1 90 NA H IS TÓR IA
ção . Bale u-lhe o s r itmos , n um c ravo d e o i tava
larga,o ta l e nto d e H e rmín i o Nasc im e nto . R e
con sti tu i u—lhe as marcas — ou as « mu dan ças » ,
como se d iz ia n o sécu l o xv m — a co m p e tênc ia
d e A n tón i o P i n h e i ro . E a ve lha dança, que e m
1 730 fi z e ra tre m e r d e i n d ignação na sua purp u ra o n ob re card e a l da Cu nha,
— te ve um su
ce sso .
O que e ra o « sar am b e que » ? Qual fo i a sua
h i stó r ia ? S ão po u cos o s doc um e n tos que se
re fe r e m a e sta dan ça e po u cas as i n d i caçõ e s
s ubs i s te n te s acerca d o s s e u s « passos» e « ti gu
r as» . O que pare c e é que , com o a como
o « canar i o »,com o o « ar romba» , c omo o « arre
p ia» , e ra um a dan ça o r i g i nar iam e n te . po rtu
gu e sa .E sta va e m p l e na
'
m o da n o m e ado d o sé
cu l o xvu, —e o povo ai n da d e l i rava co m e la, na
p roc i s são d o Cor pus Chr isti , ao ti m do séc u l o
xvm . A o passo que a « ga l harda»,o « pó de ch i
bao »,a « pavana r i ca» mo rr iam ao e xp i rar d e
s e i s c e ntos , —o « sar am be q ue » batia-se co m as
« che ganças» no te mpo d e D . João v,
'
d i sp u tava
o su c e sso ao « fan dango » no con s u lado pomba
l i n o , e dançavam -no ai n da,no te mpo d o s f ran
c e s e s,co m a m e sma fú r ia e sb e l ta, d e snalg ada
e b rej e i ra,os sp e nc e rs azui s bo rdados d e o i ro
d o s o fi c iai s d e J u not e o s e ncan tado r e s capo
le s e ncarnados que d e s l umb raram ,no p r i n c íp i o
d o sécul o X IX , a v iva d uq u e sa d e Abran te s . A
v i da d o usar arnbe que » d u ro u , p e l o m e nos , sé
o S AR AMBEQU F. 1 9 1
cul o e m e io . A p r i n c íp i o,bai lavam-no as se nho
ras fi dal gas, p o r pas sate mpo , nas suas cám a
ras e'
o rató r i o s . Mas l ogo a moral d e moste i ro
e d e cava lar i ça que caracte r izou o séc u l o xvn
po rtu gu es , con d e no u , c omo d e m as iado d e s e nvo l
ta,um a dança que a sim i lhança da « sax
—abati da»
se bai lava co m o s braço s e co m as p e rnas , sa
pate ando e e staland o castanh o las a vo l ta dum
tapete oud uma e ste i ra. O p r im e i ro f u lm in á—la
fo i D . Franc i sco Man u e l , d i s c u ti n do , na Carta
d e Guia d e Casado s,os passate mpos p e rm iti d os
as e spósas : « Não l o u vo o traze r casta nhe tas na
al g ib e i ra,sab e r j ácaras
,e e nte nd e r d e mudan
ças d o sar am b e que , p o r s e re m i n d íc i o s de de s e n
vo l tu ra» , E ssa d e se nvo l tu ra fu n dam e ntal fe z,
daí p o r d ian te , a fo rtu na da anti ga dança se i s
c e nti sta . O « sar am b e que » d e sc e u ao povo ; pas
sou dos tacõ e s v e rm e l h os das « tranças» para o s
sóco s d e pau das m ar anhõas ; i n vad i u as ho rtas
d o Catav e n to e o s te rre i ros da Mou rar ia; fe z
as d e l íc ias d o s p ico e s d o Mocambo e d o s car
p inte i r o s da R i be i ra das Nau s , —e farto d e sa
r aco te ar -se atr ás d o pal i o d o i rado das p roc i s
sõ e s,ao lado d o s m o chatins e d o r e i Dav i d , s u r
g iu, no m e ado d o séc u l o xvm,i n e sp e radam e nte
,
bravam e nte , e m p l e nas to i radas Ii dalgas d o Te r
re tro d o Paço . Em 1 752 vemo-l o , p re f e r i d o p e l o
povo , ado rado p e l o povo , dançar-se p e rante as
n obre s tranqu e i ras d e to i ros que o marqu ês d e
Ab ran te s l e vantara e m hon ra d e e l-r e i D . José .
1 94 NA H IS TÓR IA
Um fo l h e to d e co rd e l , « Mapa curi oso das visto
.cas e n tradas e dan ças que hão -d e p r e c e d e r ao s
c o m bate s d e touros que n o Te r r e i ro do Paço sc
hão -d e com bate r no s p r im e i r os d ias»,dã-n o s a.
im p re ssão da gross e i ra fo l ia popu lar e m que se
te r ia tran s fo rmad o,n o te rc e i ro quarte l d o sé
cul o xvm,o ar i stoc ráti c o « sar am be que » d e 1 650 :
« Outr a da nça sc cob iça
E d ize m que hat—d e i r à p r açaA dança d o sa r a m be que .
E m fl m , haj a sar am be que ,
D an cem , tr am a m , dêm a o baque .
Que e'
i sso que o p ovo que r . »
Fo i p re c i sam e n te a fo rma p l e b e ia do « saram
b e qu e » que eu fi z r e con stitu i r no Co nse rvató
r i o . É cu r io so que , na e vo l u ção d e sta dan ça,
se da e x actam e nte o co n trá r i o do que se d e u na
e vo l u ção da « tota» . A « fo ra» , que é , no seu int
c i o , um a dan ça d e n e gros , « la p lus ind e c e n te
chose que f o g e jam ai s vue »,d iz Dal rymp l e e m
1 774,re apare c e
,com o néo -m ar ialvism o d e 1 830.
e n tre as co ntradanças f ranc e sas e o s ca l d os d e
gal i n ha d e Qu e l u z , transfo rmada n u ma dança
d e sala ; o « sar am be que » , p e l o co n trá r i o , dan ça
ar i stoc ráti ca d o séc u l o xvn , bai lada, como
« ga l harda» e a « pavana»,com o s gar av ins d e
pé ro las e as anquinhas boj u das d e V e lasq u e z
e d e Pan toja d e la Cru z , re sva la das ho rtas para
UM DIPLOMATA
Como se sab e,a F rança, o u m e l h o r , B o napar
te , man do u a Po rtugal e m 1 802,como e nv iado
e xtrao rd i nár i o e m i n i stro p l e n i pote nc iá r i o , o mai s
g ro ss e i ro e i n so l e n te d os s e u s ge n e rai s : João Lan
n e s. Não e ra u m d i p l omata ; e r a um arr i e i ro .
Não e r a um hom e m : e r a um a te mp e stad e d e
má c r iação . Po i s be m . D e cop iado r d o s se u s
o fíc i os ao m in i stro Tal l e y ran d , que te nh o ab e r
to d iante d e m im e que é pou co m e nos que d e s
co nh e c i do , conc l u e -se que o ge n e ral Lan n e s,
moço d e cavalar i ça boçal que Napo l e ão fe z da
que d e Mon te b e l l o e m are chal d e F ran ça, se
qu e ixo u amargam e n te ao m i n i stro e ao p r im e i r o
cônsul d e que v i e ra e n co ntrar e m Li sboa, co m
e spanto se u,u m hom e m ai n da mai s i n so l e n te e
m ai s m al e d ucado d o que e l e . Po is e r a d i f íc i l .
Sab e m qu e m fo i esse hom e m ? O I nte nd e n te
d e po l íc ia,D iogo I nác i o d e P i na Man i q u e . Não
UM m r m uxn 1 95
é cas o , e vi d e nte m e nte,para que o n o sso se n ti
me n to patr i ótic o se e x alt a; m as a i n da é con so
lado r, com o j u sta e xp re ssão d o o rgul h o nac i o
nal . sa l'
i e r que h o u ve , na L i sboa ti mo rata o
( Ip t lstt'
l l lc tt d e 1 802 , que m bate sse o pé ao ma i s
v i o l e n to e ao mai s b ru tal do s ge n e rai s d e Na
l i i i ltj âu.
Na rap i da l e itu ra que fi z de l e , afi gu ro u-se m e
mu i to i n te re ssan te o co p iado r d e of íc i os d e
Lan n e s . Ab range o s do i s p e ríodos d e re s i d en
c ia d o h e ró i d e Mare ngo e d e Strad e l la e m L is
b o a : o p r im e i ro , d e março a agosto d e 1 802 , o
s e gu n do d e março d e 1 803 a j u l h o d e 1 804 . A
p ropós i to das s uas re c lamaçõ e s j u n to d o govê rn o
po rtugu es no s casos d e M .
“ d e Entr e m e use e
d o n e goc iante Lucate l l i,d e M .
º"º Agathe e d
Pascal Te l on , e .
,mu i to e sp e c ia l m e n te
,acer ca d o
co ntr aband o que P i na Man i q u e lhe não d e i xava
faze r, — d e s compõ e para F ran ça o R e ge n te , o s
m i n i s tros,a Cô rte , o I n te nd e n te d e po l íc ia, m al
s i na tudo,i n tr iga tudo
,calun ia tu do
,e acaba
p o r c onv idar o p r im e i ro-côns u l a e mp r e e nd e r
a co nqui sta s u m á r ia d e Po rtu ga l , natu ralm e n te
par a que S ua Ex ce lênc ia o e nv iado e x tr ao r d i
nár io d e Bonapar te p u d e ss e , co m mai s fac i l i dad e ,f u rtar ao s d i r e i tos as faze ndas d e contraban do
que ve n d ia e m Li sboa ao s n e goc ian te s Le gu e r ,Lo cate l l i e Ma i so n n e u v e . Mas o que é mai s eu
r ic s o ai n da d o que te das as v io lências e to dos
os i n s u l to s , e o conc e i to p o l ítico que o ge n e r al
1 96 NA H IS TÓR IA
Lan n e s fo rmava d o s hom e n s que , e m Po rtugal .
e x e rc iam o governo , As s uas op i n i õ e s sôb re D .
João vr,sôb r e D . João d e A l m e i da
,sôb re D . R o
d r ig o d e So usa, não fa lan do j á no seu i n im igo
P i na M aniqu são i n c i s ivas , ráp i das , p ito r e s
cas, mu itas ve z e s i nco e re n te s . D e D . João vr, faz ,e m março d e 1 802 , este r e trato , que vai no o r i
g inal francês para não p e rd e r o sabo r : « Quan t
auPrin c e , i l e st com p l e te m e nt nul,sa seul e o c
cup ati o n e st la chasse e t so n un ique p lai si r e st
d e chante r au lutrin e t d e s'
y fai r e ap p laud ir
p ar l e s m o in e s» . Mas com o o R e ge n te , com
medo de l e , o e nche'
de jo ias,lhe dá o seu r e
trato rod e ad o d e d iam ante s , e e pad r i n ho do fi
lho que lhe nasc e e m Portu gal , — Lan n e s co n
ve r te/ se,m e n te
,e l og ia-o nas cartas para Tal
l e y r and , e não te m d úv ida e m afi rmar, no seu
o fí c i o d e março d e 1 803 : « L e Prin ce e st l c p lus
brave e t l e p lus ho nn éte hom m e d e so n r o yau
0 m in i stro dos e strang e i ro s e da gu e rra,D . João d e A l m e i da
,e « um cai x e i ro e um la
e aio do m i n i stro i ngl es , e s péc i e d e bon e co m o
v id o p e l o gab i n e te d e Lond re s » ; o m in i s tro da
faz e n da,D . R o dr igo d e Sou sa, « hom e m v io l e n to ,
b ru tal,e o i n i m igo j u rado da F ran ça, capaz d e
sac r i fi car o p rí n c i p e , a pátr ia e a p róp r ia hon ra
p o r um cap r i ch o d e beb e do » ; todo s .o s m i n i stro s
são « an ti -fran çais, e t p lus ang lais que l e s an
g lais eum-m em e s» ; Lufs P i nto é « um b e ato h i
póc r i ta» ;—« m as o re trato mai s p ito re sc o , jus
19 8 NA H IS TÓR IA
te r ro r , s e n do o i n strum e n to v i l do s ód ios d e to
dos o s m i n is tros, a a l ma da p róp r ia atroc i dade .
e to r nando,po r s i só
, L i sboa i nab itáve l » . P ina
Man iq u e é o c u l pado d e tu do , — dos n e goc ian
te s que qu e b ram ,das bar r as que se afu ndam ,
d o s f ranc e s e s que mo rr e m ,dos e m igrados que
se armam , da su p r e ma af ro nta d e D . João V I
te r re c e b i d o e m Qu e l u z Co igny,o d e l e gado d e
Luí s x vm e o se u pod e r , a sua gross e r ia, a
sua i n so l ênc ia, a sua au dác ia são de tal o rd e m ,
que não há mane i ra d e o d e rrubar,co n c l u e
Lan n e s,
« tan t que la F ranc e n e p -r e nd ra p ac à.
l'
iªgarr d d e Po rtugal un e con te nanc e ag g r e ss ive » .
E adm i ráve l que o mar e cha l Lan n e s tiv e ss e
d e v i r a Po rtuga l para e nco ntrar um hom e m
mai s m al c r iado d o que e l e !
FR EI MANUEL D E S ANT'
ANA
O ate n tado d e 3 d e se te mb ro d e 1 758 co n
tr a v i da d o r e i D . José , a”
que o auto r das
An e cdote s du m in i stêr e du m arqui s d e Po m bal
chama « um a q u i m e ra» , te ve como co nse quênc ia a i n stau ração d e do i s p roc e s so s : um , o p r o
c e s so d os Távo ras, — que fo i a tragéd ia ; outro ,o p r oc e s so d e F re i Man u e l d e S ant
'
Ana,
—que
fo i farca. Em ambos d e i xo u a sua ass i natu ra
S e bas ti ão Jo sé d e Carval h o . O p rim e i ro, que
d e stro ncou as mai s p u ras coste las d e o i ro da
n obre za po r tugu e sa, tôda ge nte o co nh e c e ,ao m e nos d o tras lado da se nte n ça d e 1 2 d e ia
n e i ro d e 1 759 , que co rre i m p re s sa e m vá ri as o o
l e cçõe s d e l e i s e acó rdãos d o D e s e mbargo do
Paço ; o se gundo,ond e so rr i u m pob re l e i go
f ranc i s cano da P rov í n c ia d o s Aço re s,
— c re i o
que po u cos o conh e c e rão . T e nh o aqu i, na m i
nha fre nte , o o r i ginal dêste p roc e sso . Ap e sar
200 NA ius róm A
d e po u co vo l um oso , não se i d e mai s adm i ráv e l
p i ntu ra. da v i da l i sboe ta d o séc u l o XVI I I . Vou fa
lar - l h e s d e l e , — e d iz e r- l h e s qu e m fo i e quº
c r i m e com e te u o l e i go F re i Man u e l d e S ant'
Ana.
Na manhã d e 30 d e d e z e mbro d e 1 758,po r
co n s e gu i n te ãuinze d ias ante s d o su p l íc i o d o s
fi dal go s e m B e l ém,um a m u l h e r — no s p roc e s
so s de f rad e s e ntram quas i s e mp re m u l h e re s
p rocu rou,e mbru l hada n o se u man to d e d r o
gu e te , o Co r re ge d o r d o Bai rro A l to , e d i sse -lhe
que ti n ha i m po rtan te s d e c laraçõ e s a faz e r no
fe ito c r im e con tra o d uq u e d e Ave i ro . O mag i s
trado e sbugal h ou os o l hos,mando u—a ass e ntar
numa cad e i ra vélha d e m o scóvia e chamou o
e sc r ivão . V iva, e sp e rta, d e s e mbaraçada, D . Mar
ge r i da Antón ia d e M i randa — ass im e r a a g r a
ça da. mu l h e r —tr i nta an os,r o s ic lér d e d iaman
te s no topete , saia v e rd e d e c r e sp os d e Lam e go ,um a ve r on ica da S e nho ra do P i lar ao p e scoço .
con to u que do i s d ias an te s , na manhã d e 28 ,
v i ndo e la da m i ssa e e s tan do e m casa d o B e n e
fl c iad o José Gom e s R i b e i ro,com que m v iv ia
(não co n sta a que títu l o) na rua da R osa das
Parti l has — e n trara um trad e f ran c i scan o d e
v isi ta ao Be n e l l c iad o,e d i ss e ra « que se os fi dal
g o s fôsse m d e go lados hav ia d e hav e r m u i to
m u rro e m u ito sangue ; que o não s e n ti r ia e la,
p o r se r so l te i ra, m as que hav iam d e s e n ti - l o as
casadas ; e que o s v e rdad e i ros s u sp e i tos no ate n
tªdo c o n tra e l—r e i não e r am o s s e nho re s tldalg o s,
202 NA m sr óau
nunc iar a sim i lhante s pa lav ras ; que e stava ino
ce n te ; que so se l e mb rava d e te r re p e ti do umas
trovas d o Bandar ra, que d i z iam « b e m ave ntur ada
a m u l h e r que n o an o d e 1 759 e n contrar mar i d o » .
O m in i stro d e v ia te r fe ito um a i d e ia j u sta da
inte l igênc ia d o tr ad e e da i m po rtâ n c ia da cau sa,po rqu e j á n ão e ste ve p r e s e n te no d ia 1 d e ia
n e i ro,quand o se p roc e d e u a acarea ção d e Mar
gar ida An tón ia co m F re i Man u e l d e S an t'
Ana.
Essa acare ação fo i cu r i o sa. O frad e batia as
san dá l ias no chão d e ti j o l o d o Paço e conti n uava
n e gan do ; o Ju i z da l nco nfl dência ap e rtava
mu l h e r ; Margar i da A n to n ia, que se faz ia acom
panhar p o r um a tia ve l ha d o B e n e fi c iad o, p i n
gada d e d iaman te s e re fe gada d e carn e s , g r i
tava, ru g ia, e sp u mava,i nv e cti vava o fran c i s
can o, ac u sava-o agora d e d e fe n d e r o d uque d e
Av e i ro,d e d i z e r « que e ra m e nti ra te r o d uqu e
q u e imado u m l iv ro para botar fogo as casas»,d e vo l tar-se i rado con tra o m i n i stro , contra as
j u sti ças , co ntr a o gove rno d e e l-r e i « que dava
o s o f íc i os que vagavan i , ante s d e mandar pôr
o s e d ita i s » ; e tanto gr i to u , tanto i n s i stiu, tanto
j u ro u, o ma nto d e scomposto , o p e nte d e ta rta
ruga d o A l e nte j o a abanar no tou cado,as mãos
ch e ias d e an é i s as p u nhadas na banca,—que
o f rad e , n e gando s e mpr e , s u c umb i u , e nfl ou e
ati ro u co n s i go para u m canto , a e ng r anzar pa
d r e -nossos e a d i ze r que não co m a cab e ça. No
d ia s e gu i nte , i n e sp e radam e n te , F re i Manue l d e
S ant'
Ana p e d e par a faze r d e cl ar açõe s à j ustiça.
FR E I MAN UEL uu S i N'
r'
ANA 2033
Vai co n fe ssar ? Vai , po r sua ve z,d e n u n c iar “?
N i ngu ém sab e . Um m e i r i n h o tra-l o a Quinta do
M e i o,p e rante o D e se mbargado r da Casa da S u
p l i carão . Cae m , e m vo l ta, o s p e sado s r e p o ste i
r e s d e bae tão v e rm e l h o co m as armas d e D .
João v . O d r . Cord e i ro Pe re i ra o l ha o l e i go
atraves da sua l u n e ta d e p u nh o d e p rata . E
F re i Man u e l , con fu so , vexado , se rafi co , con ta
e n tão que no d ia e m que ti nha e stado e m casa
da B e n e fi c iado da se o f r i o e r a tanto, que ao
d e s e mbarcar d e manhã n o ca i s da R ib e i ra,r ê
passado da névoa,comp rara a u n s v i la—fran cas
do i s copos d e aguard e nte p o r u m v intêm , be
be ra-o s d e um trago , um sob re . o ou tro,
—e daí
p or d iante , te da a santa tard e , não d i ss e ra co i sa
co m co i sa n e m e m casa d o B e n e fi c iado,n e m
na mo rada d u m ou r i v e s da rua d e S . B e nto ,
ne m n uma ho rta d e Val v e rd e o nd e com e ra, p o r
que — co m l i c e n ça d o s s e nh o re s d e se mbarga
do re s e a i nfi n ita m i s e r i c órd ia de D e u s— e s
tava e vangé l i cam e nte beb e do . Não o d e c larara,
quando v i e ra a p e rgu ntas, p o r v e rgonha d e m i
n istr o ; e , quan do fo ra acare ado , p o r p e j o de o
d iz e r d iante d e mu l h e re s . Mas e r a a ve rdad e
e m C r i sto . Os mag i strados , o l hando a figura
comp u ng ida d e F re i Manu e l d e S ant'
Ana,so rri
r am . Ne sse m e smo d ia, o f rad e , l i v re d o s fe r
r o s d e e l—r e i , e r a mandado d e p re s e nte ao Pad re
Prov i n c ial .
Pe la p r i m e i ra ve z se e nc e rrava se m o tr ave
d e sangue um p roc e sso de Se basti ão J o sé .
ÉS PAD AC HÍ NS
Um i l u stre m e stre d e armas , m e u am igo .
p e d e -m e que lhe fal e do e spadach im po rtu gu es
do sécu l o XVI I . E um assunto que dar ia vo l u
m e s . Com o qu e r você , m eu caro m e str e, que eu
o co nd e nsa e m m e ia d úz ia d e pág i nas ?
Não . O no sso e spadach im não a um a c r ia
cao s e i sc e n ti sta . Ex i s ti u s e mp re . Ex i ste ai n da
hoj e . Ex isti rã,
e m quanto e x i s ti r Portuga l . A
ve rsão po rtu gu e sa do fan far rão e sgr im i do r e
: i r ruace i r o con sti tu e um ti po, que a l ite ratu ra e
e m
.
e sp e c ial o te atro , se e ncar re garam d e d e fl
n i r e fi xar . Com e ça a e sboçar-se co m a i n sti
tui ção das quatro p r i m e i ras e sco las d e e spada
p re ta e m Li sbo a,
na. p r im e i ra m e tad e d o sé
r u l o xv . D e po i s , o e spadach im e n r afza e fl o
r e sce , m u l ti p l i ca-se e . tr i u n fa . Os m e s tre s d e ar
m as pu l u lam .Não se e n s i na o jºg o i tal iano ou
o j ôg o e spanho l,fl o r i d o e m man e j o s alto s : e n
206 NA H IS TÓR IA
tre s d e armas e r am fr e qúe nte m e nte p re so s p o r
mo rte d e hom e m . Em S e túba l um m e s
tr e m u lato , J o rge F e rnand e s , assas s ina trai
ção u m pob r e d iabo i ne rm e . E ntre tanto , o r e i
é o p r ime i ro a p rote ge- l o s : D . João 1 1 1,e m 1 556,
p e rm iti u ao m e stre d e armas cas te l han o J uan
R ob l e do , c om o p r êm io , o u so da seda no s ve s
ti d o s . Estab e l e c e -se , na cõr te,o e n s i n o da o s
gr ima ao s m e ç o s-fi da l gos . Em Co imb ra
, o s e s
co lare s , co m
'
a sua capa n e gra e o seu fêsto
b ranco,bate m -se a no ite ,
nas v i e las , se gu ndo as
l i çõ e s d e M e stre H e n r i q u e e . d e M e stre J e rón imo .
Um de l e s sob re l e va a todos : e bar b ir ruivo, g i
gan te sco,po e ta, b lasona. d e um a s e rp e n te v e rd e
e m campo d e p rata ,e chamam -lhe o — Tr
'ínca
Fo rte s . Bate -se um d ia, na Praça d e S am são,
p o r cau sa d u n s o l ho s pardos e e span ta Un i
v e rs i dad e ; mai s tard e , e sc re ve um po e ma no d e s
te r ro da Ch i na— e assomb ra o mu ndo . Co m o
l o i ro D . S e basti ão , arcangé l i co e v i rg e m,su rge
um a ge r ação d e e spadach i n s ado l e sce nte s . Ah
dam e n costado s ao s pag e ns, ge m e ndo e faland o
e fe m inadam e nte , ao uso d o te m p o , m as dee m
lh e s um a e spada para as mãos , e v e j am que v i
r i l idad e , que d e x tr e za, que e l e ganc ia, que raç a !
õ m e stre A ntó n i o , um bom ve l h o , que p re par a
tóda e ssa moc idad e,s im u ltan e am e nte fe m i n i l e
h e ró i ca, para a tr i ste j o rnada d e A l các e r K i b i r .
E e l e que naq u e las mãos fi nas , on d e sc inti lam
j ó ias , c r ia músc u l o s d e aç o para o aço u gue d uma
gran d e batal ha.
ES PAD ACH INS“207
Mas j á o so mb r i o F i l i pe 1 1 , na d u re za angu
l osa d o seu p e rfi l au stríaco , s u rge da amp la e s
tufa d e c o i ro p re gado que o cond u z a Po rtuga l .
Ve sti d o d e sati m b ran co,te ndo aban donado p e la
p r im e i ra ve z o se u l u to n e gro d e tr inta an os ,ve m p l ác i dam e n te com p l e ta r e l e gal i zar a u su r
pação . Um a gran d e onda e spanh o la gal ga sob re
nós . D e rrubam -se o s fe ltros n e g ros ; abo toam -se
os g ibõ e s d e co u ro ; as gran de s e spadas d e ti ge la.
co m o « hi e r r o d e sp i e r ta» d e To l e d o , re p uxam e
l e van tam e m c r i sta d e gal o as capas n e g ras ; um a
p l um a v e rm e l ha, agre ss i va, i m p e rti n e nte , abana
ao v e nto no casto r e no fe l tro d o s sombre i ros ,e o e spadach im
,r e moçado
,v i r i l i zado p e l o cru
zam e nto caste l hano , apare ce ma i s p i to r e sco , mai s
caracte ri sti co , ma i s im p re s si vo ai n da, ro ndan do
d e d ia so b as r ótu las ve rd e s da c i dad e , ou e m
b ucado a no i te , com o um a p i n c e lada ne g r a ,na
m e ia- l u z d o s n i ch os e d o s o rató ri os . É e l e que
ajuda a faz e r a re vo l u ção d e 1 640 . E e l e que
se bate e m du e l o na H o r ta d o Ducado,d e po is
d uma parti da d e dados s e cos e de be l iche s . E
e l e que põe máscara d e n o ite nas r uas e sc u ras
da c i dad e ve l ha,para v i b rar, i m p u n e m e n te , um a.
« e stocada d e p u nh o ao s p e i tos » . E e l e,fi na l
m e n te , que ap re nd e os a tal h os » , os « re v e s e s » ,o s
« al tabaix o s» d e Panta l e ão d e R ua e d o r e i d e
armas Tomás Lu í s,ao m e sm o te mpo p i n to r d e
h e rá l d ica e m e stre d e e spada—p re ta,
— go l p e s v i
b rados se gundo as l i çõ e s d e D . A n tón io Juste e
208 NA H i s'
r óm A
Yve r , m e stre d e e sgr ima d o s fi dal gos“
e m Ma
d r i d . An dam e m to das as bocas , po r L i sboa, o s
n om e s d o s gran d e s d u e l i stas d e E spanha,
— o
marqu es d e V e lada, o con d e . d e Pufi cn R ostro .
o cap i tão B las d e R ue dav Val d e z . q uanto
l im pam as armas o u compõ e m o s manop las d e
cam u rça, os magro s e spadach i n s po rtugues e s d e
que M on te squ i e u , nas Le ttr e s P e r sann e s,faz a
car i catu ra adm i ráv e l , fo l h e iam o l iv ro d e F r an
c i sco d e Ette nhar d , m e stre d o r e i d e Espanha
Car l o s 1 1,ou m e d i tam sôbre as s i ngu lar í s s imas
pág i nas da Fi losofia d e las Arm as, fundada e n
la Astro log ia.,S im e tria
, Ar ism e tíca 3; G e om e tr ia.
Co m p l é iada d e e spadach i n s do te mpo d e D .
João IV,s u rge o mai s te n e broso e o ma i s tí p i co
d e to dos o s d u e l i s tas fan farrõ e s que te m c r iado
Portugal : o s e n h o r d o Pau l d e Boq u i l obo , D . João
d e Castr o Te lcs. Ao passo que este D o n Q u ixote
po rtugu ês ap l i ca no s s e u s d e safl o s c r i m i nosos a
sc i e nc ia d e e spada-p re ta d e D . Lu is Pach e co d e
Narban , a ar te d e matar e pos ta ao s e rv i ço. d e
s e n tim e n tos [na i s d i gn os e mai s n ob r e s . t lutr as
fi gu ras,d e ma i s Hdalg o sangu e , d e r im e m p e l o
fe r ro o s s e u s co n fl itos d e hon ra e as s uas q u e s
iõ e s d e amo r . O n om e d uma m u l h e r , p rof e r i do
im p ru d e n te m e n te num te rraço o nd e se j ogava
pe la,ati ra o co n d e d e Cas te l o M e l h o r, d e e s
pada e m p u nho , sôb re o co n d e d e V im i oso, que
cai morto .D . Franc isco Man u e l
, que p re fac iara
co m um son e to D e r tr cza das Ar m as, d e . D i ogo
2 10 NA m sr ónm
chapéu s fl am e ngos, as l i gas d e tafe tã p ingado s d e
o i r o . O due l o e sgota-se e m b r ig as d o acaso , e m
agre ssõ e s e v e n tuai s se m o car ácte r d e d e safi os
re gulare s . O e nco n tro e m fo rma só um a ve z
apare c e e n tre n ós,no sécu l o da capa e e spada:
e m 1 658 , d u rante o ce rco d e Badaj oz p e las no s
sas tropas . E o tr i ste m e nte cé l e b r e « d e safi o dos
A l v i tos»,e m que tornaram parte o barão d e A l
v ito,D .João Lôbo , e o m e stre . d e campo L u ís
d e M i ran da H e n r i qu e s,s e r v i n do d e « s e gu ndos »
D . Vasco da Gama, cap i tão d e caval o s , e u m i r
m ão d o barão , D . F ranc i sco Lôbo . Nu n ca se .
so ub e ao c e rto a cau sa dêste e ncontro : o s A l v i
to s fo ram ambos mo rtos n o te r re n o , cada um
co m um a e stocada no ombro d i r e i to ; Lu i s d e M i
randa su c umb i u tambem , go l fando sangu e ,d e
b ru ços sôb re a e spada, e o ú n i co sobr e v ive nte ,
o moço cap i tão d e caval o s D . Vasco, que co n
tava ap e nas v i nte . e tres anos e e r a u m d o s ma i s
l i n dos rapaz e s do seu te mpo,fo i l e van tad o do
campo,grav e m e n te f e r ido . D iz o Tratado , d e
Tomás Lu ís : « A e spada te m [ i o e m e io fi o ; não
há-d e se r ve rdug o , se não cortad e i ra e têm » . No
d e safi o do s A l v i tos , o mai s sang re n to d u e l o r e
gu lar d e que há m e mória e m Po rtugal , as qua
tr o e spadas que se c ruzaram fo ram v e rdad e i ros
Com o sécul o xvm , o e spadach im d e ge n e rou
e o qui tó
A M Ã E DO PR IME IR O DUQUE
Um d o s p rob l e mas f u n dam e ntai s que te m d e
re s o l v e r qu e m po rv e ntu ra se p roponha e stu dar,
so b o ponto d e v i sta da h e re d i tar i e dad e e da se
l e cção ,e sti rp e d uca l d e V i la V içosa, e o da
fi l iação d o p r i m e i ro d u q u e d e B ragança. E ncon
tre i ê ss e p rob l e ma há d e zass e i s an os , quan do,p e ran te o s re tratos da adm i ráve l S ala d o s D a
que s, p i ntado s no te mp o d e D . João v p o r Pe
d r o - An tón i o Qui l lar d ,p e n s e i no s p r im e i ro s in
quér i to s méd ico s as g e n e al og ias r iai s p o rtugu e
sas. Q u e m fo i a m ãe d o c on d e d e Barc e l o s Em
que v e n tr e tal h o u es s e p l e b e u i l u stre,qu e
'
s e
chamou D . João 1 , a fai xa co ntr ave i rada d e p rata
da ma i s fe l iz das bastar d ias r iai s p o rtugu e sas ?
D e que mu l h e r nasc e u o p r im e i ro du q u e d e B r a
ganca ? D a r e nd e i r a h um i l d e , fi l ha d e sapate i ro
F e rnão E ste v e s ? D a fi l ha d o Barbacho d e Ve i
r o s ? D a pob re b u rgue sa l i sbo e ta que v iv ia nas
2 1 2 NA”
H I S TÓR IA
casas d o E d i P e n te ad o ? D a n ob re i n es d e Fun
tcho a, c u ja b e l e za g e r m ân ica e d o l i c o- l o i ra se
e mb ru l ho u no manto b ranco das co m e ndad e i r as
d e Av i s ? Sangu e p l e b e u e crasso ? Sangu e
godo e conqu i stad or ? Um a c e l to -e s lava,for te ,
e sc u r a, rud e,h um i l d e ,
afe rrada te r r a ? O U ,
p e l o co n trár i o , um a fêm e a p rov e n i e n te d e . e sti r
p e s do m i nado ras , mai s ou m e n os e ntron cada n o
v e i o d e o i ro da r ial e za, e re a l i zando , n o se u
c ru zam e n to co m João 1, aqu i l o a que se . co nve n
c io nou chamar u m caso d e « co n sangu i n i dad e
S O C ÍM» ?
E stas que stõ e s d e ge n e al og ias são parti c u lar
m e n te fati gan te s . Mas há e r u d i tos patr iar ca i s
que ,po r e ssa p rov i n c ia fó ra,
gostam d e as d e s
fl ar a lare i ra . E para e l e s que e stas pág i nas são
e sc r i tas . Vou d i z e r- l h e s o po u co que co nse gui
ap u rar sôb re a i d e nti dad e da m ãe do p r im e i r o
d u q u e d e B ragança. I n ú ti l ac e ntu ar que o i n
te r e sse d e sim i lhante as su nto e stá l o nge d e , se r
e str ictani e nte nob i l iá rq u ico . Ni ngu em igno ra a
i n fl u enc ia d e c i s iva que ,n o d e sti n o das raças r ia i s
que d e g e n e ram ,p rod u z a inte r co r r e n e ia r e ge n e ra
d o ra das bas tard i e s . E stu dar e ssas bastar d ias p l e
he ias , v e rdad e i ras tran sfu sõ e s d e e n e rg ia que
fl ze r am pe rd u rar m u i tos ramos d inastico s mo
r ibund o s,não é ap e nas um cap r i ch o d e g e n e al o
g i sta,e um a n e c e s s i dad e da. h i stó r ia . Es s e . e s
tu d o . p o r ém ,n u n ca fo i fác i l . D e o rd i ná r i o , q uan
do se trata d e i d e nti fi car a m ãe du m bastardo
2 1 14 N A H IS TÓR IA
d i c e ge n e al óg i co , G e raçõe s d e Po r tugal ,ª
) in
siste e m dar - lhe o n om e d e I sab e l F e rnand e s :
« E l R e y D . João 1, s e ndo m e stre d e Av iz , o uv e
e m I sabe l F e rnand e z, que d e po i s fo i co m m e n
dad e i r a d e San tos e fi l ha d e F e rn ão E ste v e s 0
bar bar r ão d e V e i ros,a D o n A f fo n so que fo i o p r i
m e i ro D uqu e d e B ragança» . Man u e l A l vare s
P e d rosa (o « i l u stre Man o e l A l var e s Pe d rosa» ,
como o i nti tu la,n uma n ota man u sc r ita, Manu e l
Ca itan o d e So u sa) não l he chama n e m I n ês F e r
nandas,ne m I sab e l F e rnan d e s : chama—lhe I n e s
Pi re s : « A d i ta I gn e z F i r e z m ay d este s fi l h os bas
tardos fo i i rmã do D r . Joan n e M e n d e s da Guarda
d e que m ve m o s P e r e i ras d e' G e ge
,fi l h os ambos
d e Fran c i sc o E ste v e s Barbach o,chamado o Bar
bar r ão d e V e i ros , e d e sua mu l h e r Mafal da Ean
ne s» . E ac re sc e n ta,ma i s ad ian te : « Esta dona
I n e s fo y i r m ãa d e Joann e m e nd e z da guarda ti
l h os ambo s d o Bar bar r ão d e V e iro s » . Há n i sto ,
e n tre o u tro s co ntrase nso s, um , que é e v i d e n te '
I n e s Pi r e s q u e r d i z e r I n ês [ i lha. d e Pe d ro ; — e o
n o b i l iar ista chama ao pai F e rnão E ste v e s Bar
bacho . C r i s tó vão A tão d e Mo rai s re conh e c e o
er ro e e m e nda-o,n o se u Nobi l ia
'
r io,
5
) dan do
a m ãe d o d u q u e d e B ragan ça,co e re n te m e n te co m
ª ) Po m bal ina, cód ic e 231
,[Is . i t, v .
ª ) Manue l A lvaro Pe dro sa , NO UÍ UÚT' Í O ,( :Ód lCt' C ,
1 7 l ts . 9 . v.
Po m bal ina,cód ice 279
,fls . 38 .
A MÃE no l 'l l lM l-l l t t uuoue 2 1 5
a sua fi l iação , o nom e d e Inês F e rnan d e s , — j á
não a « Inês F e rnand e s r e nd e i r a» d e D . Gom e s
d e M e l o , fi l ha d um sapate i ro hum i l d e , m as um a
I nes F e rnan d e s b u rgue sa,« fi l ha d e h um hom e m
de Ve i ros r i c o e hon rado » . F re i L e ão d e S . To
m as (B e n e d i l ína Lusitana,
i i,380) ac re sc e nta :
« Te v e ma i s E l R e y D . João ante s d e casar,d e
l uma nob re s e nho ra chamada D . I gn e z,huma
fi lha. e h um fi l h o» . Ni c o lau R ite r shusio , na Cc
n e al o g ia l m p e r ato rum ,i n s i ste : « Alphonsus J oan
n is Pr im i Po r tugal iae , e l A lgar bíae R e g is fi l íus
e z Agn e l e , no bíl i [ o e m ina Com e s Bar ce l e nsi s,
p ost Dux B r agan tiae . » Não é ap e nas b u r
gue sa e r i ca ; j á e n ob re . S u rge,fi na lm e nte ,
Soare s da S i l va 7
) e d i z—no s que com e n dad e i ra
d e Santos,m ãe d o p r im e i ro duqu e d e B ragan ça,
não te m abso l u tam e n te nada n e m co m V e i ros ,n e m c o m o Bar badão , ne m co m o Bar bacho , n e m
co m o sapate i ro : cham a-se I n es P i re s,e é fi l ha
d e Pe ro E ste v e s d e Fon te boa. Nobre ? Nob i l i s
s ima . A fi rma-o o e r ud i to S i l va,sôb r e vá r i os d o
cum e nto s, p e rgam inhos avu l sos, que e n contro u
no A rqu i vo Duca l d a Casa d e Bragança. Antó
n io Gai tano d e Sou sa, ap e sar d i s so , atre v e -se
ai n da a fa lar e m Ve i ro s e d e c lara que I n es
P i re s te ve o se u p e r to n o cas te l o da v i la. Soare s
Tab . ti l .
7) M e m o r ias d e U . l o do n
'
.
ª
) “( S i . Ge ne al . da Casa R ial Po r tugue sa ,v
, pag . 10.
2 16 N A H I S TÓR IA
da S i lva vai até ao ponto d e re n e g ar tud o quanto
re co rd e a l e nda d o Bar badão ; não qu e r que a
nob re I n ês P i re s s e ja al e nte jana, e d e c lara-se
hab i l itado a p rovar,com o u tro p e rgam i n ho d o
Arqu ivo D ucal, que o p r i m e i ro Du qu e d e B r a
gança não nasc e u e m V e i ro s,m as s im e m L is
b o a, « nas casas d e R uy Pe n te ado , que so m
p o r tad oura» . Os ge n e a l og i stas falaram ,— n in
gu em ma i s se e nte nd e u . R e nd e i ra ou bu rgu e sa
r ica, fi l ha d o Barbach o ou fi l ha d o sapate i ro ,
a l e nte jana d e V e i ros o u l i sbo e ta d o b e co do A l
m i ran te,I sabe l o u I nês
,p l e b e ia ou n ob re , a i nda
hoj e se não sab e ao c e rto qu e m fo i e s sa mu lh e r,
f e c u nda e se m d úv ida b e la,. a c u j o s p e itos uber
r i mos se c r i o u o p r im e i ro p r í n c i p e da e sti r p e d e
Bragan ça.
M e m órias ,v ,
2 1 8 NA H IS TÓR IA
v e ias a R oma, como,an os ante s
, o pad re Fran
c i sco da Fon s e ca,n um e s ti l o choutão d e mach o
d e l ite i ra, narrara e n trada d o co nd e d e V i la
Ma i o r e m Vi e n na d e A u str ia. O l i v ro d o g a
lan te e str i b e i ro frances i n te r e ssa s im ul tan e am e n
te ã n ossa h i stó r ia d i p l omáti ca e a h i stó r ia das
nossas i n d ústr ias artí sti cas, p o r que d e sc re v e
co m i n d iv i d uação as marav i l has d e ta l ha do i rada
d e que os e n ta l hado re s p o rtugu e s e s A ntón i o S e
l e i ro e J o sé Machado pojaram o s j ogos tras e i ro s
do s três e no rm e s cóc li e s da e mbai xada. Mas é
p rop r iam e n te o asp e c to an e cdó ti c o que o r e co
m e n da. S e m o l i vro -d e D e B e l l e bat, não con h e
ce r íam o s hoj e — e e ra p e na — to dos os p i to r e s
co s i n c i d e n te s pa latino s que p re c e d e ram r e
ce p ção do E nv iado portug uês p e l o Papa.
A ch e gada d e And re d e M e l o e Castro a R oma,ch e i o d e aram e , d e papaga i o s e d e l o i ça da I n
d ia para S ua San ti dad e , fo i j á um aco n te c im e nto .
Como não houv e ss e apos e n tos m e l h o re s,ho sp e
daran i -n o o s f rad e s d e S . B e rnardo no seum o s
te i r o , dan do- lhe banque te s sôbr e ban qu e te s , l e s
tas sabr e te stas. Nada mai s p ro fan o do que a
v i da que o s v i r tuoso s mong e s p ropo rc i o naram ao
f uturo con d e das Ga l v e ias . Logo no s p r im e i ros
d ias,mui tos card e ai s
,d e cache , p r e c e d i d os da
uinb e la v e rm e l ha, v i e ram faze r-lhe sua v i s i ta,so n da-l o
,i nq u i r i r
,ava l iar da i l u s tração e da ar
g úc ia d o E nv iad o . F o i um a romar ia. E n tre
tan to, grav e s co isas p re oc u pavam o Sac ro Co lé
A EMBA IXADA 2 1 9
g i o . No s e i o daqu e l e cap ítu l o d e Pr í n c i p e s fi
z e ra—se um re bo l i ço i n comp re e n s íve l . A s co n
fe r e nc ias r e p e tiam -se,Sua San ti dad e i rr itava-se ,
b i s p os e arc e b ispos an davam n uma azáfam a,o
car d e a l Paulucc i , s e c r e tá r i o d e E stado , r e vo l v ia
pap e i s e p rotoco l os,n i ngu em se e n te n d ia, n i n
gu em comp r e e nd ia o que se passava, todos se
i nte rrogavam u n s ao s o utros . Que te r ia dado
m oti vo aq u e la co n fu são d o s p u rp u rados ? U m a
s im p l e s dúv i da : não sab iam como re c e b e r o Eu
v iado e x trao rd i n á r i o do r e i d e Po rtuga l, que tr a
tam e nto dar - lhe , que p r e r rogati vas re conh e ce r
lhe . O p rob l e ma r e v e stia. um a grav idad e im p r e
v i sta . Até al i,só hou v e ra Embaix ad o re s e R e
sid e nte s. A o s Embai xado re s , mai s d o que E n
v iados , dava-se Ex ce lênc ia; ao s R e s i d e nte s , m e
n o s d o que E nv iados . Ilus tr lssim a : que trata
m e nto se con ce d e r ia a m onsi g no r e And ré de
M e l o e Castro , —que e r a m e n os do.
que Em bai
xado r e mai s d o que R e s i d e n te R eun i ram -se
congre gaçõ e s,con su ltaram -se c e r i m on ia i s sôbre
c e r im o n iai s,o s parti do s d iv i d i ra m-se
,as Op i
n iõ e s e xtre maram -se , o card e a l Barb e r i n i d i z ia
que s im , o card e al O tto bo n i d iz i a que não,
— e
só no fi m d e n ov e oud e z m e s e s,d e po is d e d i sc u s
sõe s'
inte r m inave is e d e con s i s tó r i o s e n fadonhos,
e que aq u e la on da d e rabu las d e m u rca v e rm e
lha co n s e gu iuaco rdar n o tratam e nto e nas p r e r
r o gativas a co n c ed e r ao E nv iado d e D . João v .
E ssas r i d íc u las p re rrogativas e r am as se gu i nte s :
220 NA H IS TÓR IA
0 E nv iado te r ia d i re ito a manda r l e van tar u m
doccl na sa la d o s Lacai os , o u tro na sala das Au
d i ê nc ias ; pod e r ia u sar p e nachos d e seda ne
g r a nas cab e ças dos cava l os ; far -se -ia p re c e
d e r , quan do pas s e as se no se u c ôch e,d e um la
ca i o co m amb e la v e rm e l ha,como os card eai s e
os p rí n c i p e s ; se r -lhe - ia co nc e d i do um cox im
d e ve l u d o para aj o e l har na Igr e ja ou na rua a
passage m do Santí s s i m o Sac ram e nto 5 9
,o d e
cano d o s s e u s c r iados pod e r ia v e s ti r-se d e ve
l u do p re to a moda e spanh o la ; dar -se -ia ao
E nv iado o tratam e nto da te rc e i ra p e s soa, no ita
l ian o L e i ,— mai s que a Ilustr lssim a d o s R e s i
d e n te s,m e nos que a Ex c e l ência d o s Em baix a
do re s ; 7 .
º
, pod e r ia p e d i r aud iênc ia a Sua Santi
dad e d e um d ia para o o utro e d e manhã para
a ta rd e ; e ú l ti ma,o s card e a i s re c e be- l o-iam
s e mp re « e m habi l d e c e n t, e t n o n e n habi l cour t
o u e n
A nd re d e M e l o , e stab e l e c i do,com e sta m inú
c ia b izanti na, o c e r i m on ia l se gu i r,pôd e e ntão
faz e r a sua e n trada so l e n e no Vati can o , numa
v e rdad e i r a proc i ssão d e côch e s s umptu osos ar
m ad o s e m ta l ha do i rada,apain e lad o s d e p i ntu
ras,p ux ad os u rco s h o land e s e s , bambo l e an do ,
no s s e u s co r r e õ e s fo r rados d e dam asco v e rm e l h o
e . ab r o x ad o s d e p rata.
,p e las ruas ch e ias d e so l
da'
R o m a ponti f í c ia. Fo i u m d e s l umb r am e nto .
A s ve rdad e i ras c r e de nc ias d o Env iad o con sts
ti ram na m agn ificência co m que se ap re se nto u .
NUN'
A ÍNAR E S
M eu am i go : — Pe d i u—m e você a i n d i cação d e
todos o s re tratos d e Nun'
A lvar e s . Prom e ti dar
l ha nas quatro pág i nas duma carta. Cump ro h oj e
a m i nha p rom e ssa . Não ; o s docu m e ntos não são
tão pou co s com o voce. s u põ e . A ag io g r afta e n
car re gou -se d e p e rp e tu ar a i mag e m do San to
Cond e stáv e l, que , d e -c e rto , não te r ia s i do tão p in
tada e m tábuas e tão ab e rta e m e s tampas , se não
ti v e ss e a e nvo l ve- la,na d e c re p itu d e . o tabar d o
d e s e m i -fr ate r . car m e l ita. R e tratos d i re c tos,não
re s ta n e nh um . Cóp ias d o o r ig i nal p e rd i do,h á
m u i tas . Com o sab e , o ú n i c o re trato au tên ti c o ,
man dado p i ntar p e l o d uqu e d e B ragança D . A fon
so ante s d e F re i N u n o mo r re r , ard e u no te rra
moto d e 1 755. Em 1 745, an o e m que F re i Jos e ph
d e S ant”
Ana p u b l i co u a sua C r ón i ca d o s Carm e
l i l as,a i n da ess e re trato , o fe re c i do p e l o p r i m e i ro
possu i d o r ao bastardo d o r e i D . D uarte,D . Fre i
NUN'
ALVAR ES 223
João Man u e l , b i s po d e C e u ta e da'
Guarda, p r i o r
d o Carmo e d e po i s P rov i n c ial , se e n co n trava e n
tr e as p i n turas d o s san to s da Ord e m no e spal
dar d o arcaz ma i o r da sac r i stia d o conv e nto .
E r a d e m e i o co rp o,re p r e s e n tava Nun
º
A lvar e s na
e stam e nha d e donato , e ti nha s i d o p i n tado , se
gu ndo Op i n ião d o d r . José d e F igu e i re do . p e l o
p i n to r d e D . João m e s tr e Antó n i o F l o r e ntim .
De sd e o s e gu nd o q uarte l d o séc u l o xv até ao
m e ado d o sec u l o xvm, o o r ig i nal d e m e stre An
to n i o fo i cºp iad o , re cop iado e ab e rto e m g r avu
r as,s e n d o as cóp ias de l e
,d iz Fre i Manue l d e
S á nas s uas M e m ó rias históricas da Ord e m , d e
N. S .
“ do Carm o,o s m e l h o re s re tratos d e Nu
n*
A lvar e s que se conh e c iam na car te . Mas não
fo i e sta a ú n i ca i mage m p re c i osa do Con d e stáv e l
que o incênd io d e stru i u no c onv e nto d o Carm o .
Hav ia o u tra, d e co rpo i nte i ro , p i ntu ra do séc u l o
XV I , que se e n co ntrava na sa la cham ada Gap i tu
l o d o s B i sp os,e que , a ac re d i tar e m F r e i J os e ph
d e S antº
Ana e ra .um a ob ra-p r i ma, Não co n se
gu i apu rar, p o r mai s que o te ntass e , se o r e trato
d o Cap ítu l o , com o o d o e spa l dar da sac r i stia, r e
p re s e ntava F re i N u n o d e Santa Mar ia, ou se
s e r ia o o r ig i nal p o r o n d e Estevão Gal hardo , e m
1 526,mando u ab r i r a x i l o g r afl a d e Nun
'
A lvar e s
ar mado que se adm i ra na p r im e i ra e d i ção da
Cr ón ica do Co nd e stabr e . E ra natu ra l,p o rém ,
que o re trato ma i s cop iado fôss e o p rim e i ro, p o r
que e r a o autê n ti c o , e,
po rqu e , na sua sam arra
22 1. NA H IS TÓR IA
( l e . f rad i nho d e c rep ito , falava mai s d o que n e
nh um o utro a ve l ha p i e dad e po rtu gu e sa . A s ré
p l i cas s u c e d e ram - se , s e n do a mai s b e la. das s u b
siste n te s aqu e la que se co n s e rva n o pal ác i o Po m
bal,e m O e i ras
,tábua do séc u l o XV I cu ja al ta i m
p o r tãnc ia o d r . José d e F igu e i re do re v e l o u , e m
1 7 d e agosto d e 1 9 1 6,e xpondo -a n uma sala d o
Mu s e u d e A rt e A nti ga e atr i b u i n do -a ao p i n c e l
adm i ráv e l d o m e stre d o S . B e nto . N e n h uma ou
tr a pod e comparar-se a e sta. qu e r p e l o val o r da
p i ntu ra, qu e r p e la im po rtâ nc ia do doc um e nto .
O Nun'
Atvar e s doado po r Gu e r ra J u nqu e i ro ao
Estado , e o re trato d e F re i N u n o d e Santa Mar ia
p r ove n i e nte da Sa la d o s Patr iarcas (Paço d e S .
V i c e n te ), ambos d e pos itad os n o M u s e u , são có
p ias , fe itas n o séc u l o xvn,do q uad ro d e m e stre
A ntón i o F l o r e ntim ; a tábu a da B ib l i ote ca Na
c i o nal d e L i sboa e o re táb u l o da i g r e ja carm e
l ita d e Mou ra, tambem s e i s c e n ti stas , te e m o ca
racte r d e ag io g r aifl as d e natu r e za c u l tua l , se m
val o r ico nºg r áll co ap re c iáv e l . Aqu i te m voce 0
que há , q uanto a i mage n s p i ntadas e m tábua
ou e m te la. Pass e mos ás e stampas . Ab r i ram -se
grav'
u ras d e re tratos d e Nun'
A lvar e s no s sec u
l os xvi , xvn e xvni , A x i l o g rafla que ac ompa
nha. e a e d i çõ e s da C r ón ica do Co nd e stw
br e ( 1 526 e 1 5511) re p rod uz i n do e m co rp o i nte i r o
o h e ró i armado,d e v e . se r um a e quivalênc ia da
tábua d o Cap ítu l o do s B i spo s . A x i l ografia que
acompan ha só a 2 .
ªe d i ção da m e sma C rón ica
226 N A H IS TÓR IA
para o p re sb itér i o da parte d o Evange l h o , e m
1 51 4, po r outro p r i o r carm e l ita,Fre i D i ogo d e
B r i to ; e ,e m 1 755, com p l e tam e n te d e struída p e l o
incênd io . Essa r e m i n i scên c ia,d u m ac e ntuado ca
rácte r Lu í s XV,não te m o m e no r val o r ico no g rá
fi co . Já o não tinha também a e státua jac e n te d o
p r im i ti vo túm u l o,g labr a
,i n e xp re s s iva
, se m o ta
bardo dos s e m i—fratr e s, co n s e rvan do ap e nas d e
e xac to o bácu l o a que se ab o r d o ava o ve l h o do
nato e o « bar re te d e fac e s » que ,s e gu n do F re i
J e r ôn im o da Encarnação , lhe re cob ria s e mp re a
cal va . R e sta. m eu caro am igo , que e u lhe fal e
das d e sc r içõ e s d o s c ron i stas . E c u r i o so que , ne m
F e rnão Lop e s na C rón i ca d e J oão 1 . ne m o au
to r da Cr ón ica d o Co nd e s la'
br e , que d e ve se r
também F e rn ão Lop e s,faz e m r e fe r ênc ia ao s cá
racte r e s so m áticas d e Nun'
Alvar e s . Os ú n i cos
que o d e sc r e v e m são os ag ióg r afo s, re po rtan do-se
ao re trato o r ig i na l o u as an ti gas m e mó r ias con
ve n luais i néd i tas . F re i S imão Co e l h o , n o C o m
p c'
nd i o d e C r ón icas p i nta-o e m do i s tr a
ços : « hom e m e nvo l to e m carn e s, d e e statura que
m ais ia a g ran d e do que ai p e que no : l i nha. 0 as
p e cto bar o n it, o . r astro com p rido e fcr m o so , e r a
a lto e l our o,l inha o s o lhos p e que n os, m as m ui
r e sp land e c e n l cs , p ouca barba, e sa ída p ara. bai
x o » . F re i J e rón im o da E ncarnação,na sua cr o
n i ca man u sc r i ta c i tada po r F re i Jos e ph d e San t'
Ana, e ta l v e z p e rd i da,
copta a d e sc r i ção que , « e m
tada an tigu i dad e d e se u s te r m o s p róp r i os »,
NtiN'ALVAnEs 227
d e i xo u um frad e conte mpo rân e o d e Nun'
Alva
r e s : « fo i o vi rtuoso Co n dcs l avc l d e m e d e statura,
l e v e o ro sto com p ri do , côr br anca, o nar iz a
lado e agn d e nto . o s o lhos p e que n o s, m as m ui
v ive nte s, as sobr anc e l has ar cad as e r uivas, assim
e r a o s ru cabe l o,não só da cabe ça m as tam bém
da bar ba, c o m algum as ruguizas na te sta e n o s
cabos do s laig r ini ais, a bdca p e que na c o m o se u
s e m blante m ui am e sur ado » . A s d uas d e sc r içõ e s
não co nco rdam e m todos o s pon tos . Mas e i n
c o n te stáve l que o s se u s e l e m e n tos,comb inados
co m aqu e l e s que nos o fe re ce m a rép l i ca do m e s
tr e de S . B e n to (pal ác i o Pomba l) e a x i l ografia
da Crón ica do Co n d e slabr e , c on sti tu e m j á , so b
vá r i o s aspe ctos , para p i n to re s , e statu ár i os,acto
r e s , an tro—p o l o g istas e l i isto r ióg rafo s, um a e xp re s
s iva e opu l e n ta doc um e n tação .
PASSOS MANUEL
Na p r e c i o sa co l e c ção d e papé i s po l ítico s do
Co nsti tu c i o na l i sm o,re mov i da d o Pal ác i o das Na
c e ssidad e s, e x i ste ap e nas um a carta d e Passo s
Man u e l . São duas fo l has d e pap e l da A be l h e i ra,se m o aparo d o i rado das cartas d o con d e d e To
m ar,p re sas um a a ou tra,
s e gu ndo a moda d o
te mpo, p o r u m p e qu e no co rdão d e seda azu l .
Quatro pág i nas d uma e sc r i ta c lara,e né rg i ca
,
fi rm e , s e r e na,—r—Xp r r ssão do ca rácte r fo rte
dêss e hom e m que . a s i m e smo se chamava « o
hom e m d e Bo u ças »,a q u e m D . F e rnando
,no d ia
h e ró i co da B ª l e m zarlat, trato u d e « M r . l e R o i
Passo s» e que fo i , s i m u l tane am e nte , tigura
mai s g e ri e i o sa,ma i s l i be ra l
,mai s ingénua e
mai s n ob re d e todo o C o nsti tuc io nal isn i o po rtu
gu e s . Te m a data d e 3 1 d e mai o d e 1 8 1 6, —d e z
d ias d e po i s da q u e da dos Cabra i s , e, p o r co n
s e gu i n te , e m p l e na R e vo l u ção . Passos Man u e l
230 NA H I STÓR I A
e l e d o que na d e fe sa da Co roa. Como um
d o s ch e fe s do p ro n u n c iam e nto Nac i onal . he i—d e
fe ze- l o tr i u n far : é o m eu d e v e r . Como Co n s e
lhe i r o da R a i nha, e o que iª
: mai s , como o ma i s
fi e l , d e d i cado dos s e u s súbd i tos , não couse nti r e i
na m e n o r o fe nsa das suas p re rrogativas e . d igh i
dad e » . O tr e m e ndo. « d itado r d e Guinfõe s» qu e r,d e sve ladam e nte
, que Sua Maj e stad e soss e gu e .
Bi e iá e stá , — r e vo l u c i o nár i o te rr ive l , m as súbd i
to fl e i . Con s e gu i ra j á « que o sang u e não co rre s se
nas Prov ínc ias d o S ul » ; « que n e nh um e xc e s so
macu lass e a hon ra deste Povo « que as r e l íquias
do Ex é rc i to se saivasse m » ; que , no. m e i o da ca
tástr o fe , « se con s e rvas se m ai n da todos o s e l e
m e n to s da o rd e m fu tu ra» . O re sto não e r a d i ff
c i l . A Ju nta da sua p r e sidênc ia, composta de
hom e n s g e n e ro sos e fo rte s , ingênuo s e l iai s como
e l e ,— casacas-d e -br i ch e e pés-d e -bo i se e n
carre gar ia d e « re stab e l e c e r a re c íp roca con fi ançae n tre o R e i e o Povo
,u n i r a Coroa e a l i b e rdad e ,
te rm i nar aq u e la l u la e span to sa se m mai s d e r ra
m am e nto d e sangu e » . Mas, para i sso , o « ho
ui e m d e Bo uças »,como no d ia e m que falara a l to
a D . Fe r nando e a Van d e r e y e r, —põe cond i
çõ e s . Ex ige que se e ntr e gu e m o s comandos das
Proví nc ias,das Praças e d o s re g im e n tos o i l
c iais que te nham a confi ança do povo ; r e c lama a
o rg an ização da Guarda Nac i o nal e m Li sboa e n o
Pe r to,« não um a Guarda Nac i o nal co m A rs e nai s,
ne m Cam i l o s,
ne m Marcos ; m as um a Guar da
r Asso s MANUEL 23 1
d e con tr ibu i nte s co m o c e n so alto , g e n te e stab e
l e c ida, que na sua p rop r i e dad e d e iguai s garan
tias d e o rd e m e d e l i b e rdad e » ; i n d i ca, para s eus
coman dan te s , « hom e n s como Po l i carpo J .
“ Ma
chado,Jo rg e . S ttr e t '
e o co n d e da R i b e i ra» ; i e m
br a ao du q u e d e Pal m e la, d e mas iadam e nte
p re oc u pado co m i dea do d e sarmam e nto g e r al ,
que « pac ifi car u m pa is , não é d e sarma-l o » . Mas
a parte mai s b e la, mai s c omov e do ra e mai s no
b r e da carta no tab i lfssim a d e Pas sos Man u e l ,
e sta nas qu inz e l i n has d e e pop e ia e m que e l e se
re fe re ao povo r e vo l uc i o ná r i o . S ão d ignas da
al ma an ti ga que as s e n tiu, da m ão gl o r i o sa,que
as e sc re v e u . S ão j u stas — « e são e te rnas . S ão
um h i n o — e u m c larão . « A H i stór ia,d i z Ma
n u e l Passo s não o fe re c e um a c r i s e com o e sta
e m n e nh u m Povo da te r ra . Um Povo que se ar
m a tod o,se m e xc e pção d e u m ú n i co i n d i v ídu o
,
que afron ta a con fi scação e o patíb u l o , que co rr e
d e n odad o e i n trép id o ao s combate s , que vo l ta a
e l e s co m n ovo ardo r, que , se m d i nh e i ro , se m
arm as , se m mu n içõ e s (IC.
" LPU I u m Gove rn o fe ro
c issim o e bate todo u m Exé rc ito va l e nte, e que
no m e i o d e tu do i sto não com e te u m ún i co c r i
m e,não se man cha co m sangue , não e xe r c e
v i nganças e abraça, e p e rdoa a s e u s i n i m igos e
o p re sso re s ai n da sa l p i cados co m o sangu e d e
s e us co n c i dadãos , — é um Povo adm i r áv e l que
nao te v e , ne m te m , ne m te rá mode l o sôbre
te rra» .
UMA INFANTA HIS TÉR ICA
'
A i n fanta D . Joana,fi l ha d e D . J o ão iv
,mo r
r eu, como se sab e ,ao s 1 7 an os . E ra um a infan
t—as i nha h i sté r i ca, que so fr ia também,se gu ndo
tôdas as p robab i l i dad e s , d e um a e n l e r o -co l i te
mu co-m e mb ran o sa, e cu j os e sti gmas somáti c o s
d e d e g e n e r csce nc ia se ac u sam numa m in iatu r a
e m cob re e x i ste n te na b ib l i ote ca d e . É vo r a,po r
s i nal na m e sma v id raça ond e se e nco n tra o adm i
rave l tríptico d e Lim oge s . Cr iatu ra p ro f u nda
m e nte tarada,co m a p e sada h e rança d o s e stru
m o so s d e M e d i na S id ón ia,i rmã d um tub e r cu
10 8 0 (D . Te otón i o) e d u m p o l i i'
im i e l fl icu i n fan ti l
(A fonso Vi ), ap r e s e n tand o s i ntomas d e p r o g r e s
s iva co nsunção e te ndo,no s ú l ti m os m e s e s d e
v i da, he m o p tise s fre que nte s , tôda a g e nte s u pôs
que e la ti v e ss e mo r r i d o « ética ou f is i ca» (Mss .
da Tºr r e d o Tombo , Co l e cção d e S . Vic e nte,l i v .
22, ti . Os m éd ico s,chamados a um a j u n ta
234 NA H ISTÓR IA
d e o to r nar mai s fác i l m e n te l e gív e l,d i z o se
gu i nte :
« Vossa m e r cê m e m an da d iz e r o n om e da
do e n ça. d e que m o r r eu a Infan ta a S e nho r a
Joana; d e um a do e n ça a que o s douto r e s m éd i
c o s cham am hi e nte r ia, com p l icada co m un s ac i
d e nte s cham ados histér icos,ai i o n om in e ute r i
n o s; a qua l do e nça se se g u iu tam bém um a atro
fia, que e'
um a m agr e za e se cura d e todo o cor po ,
que tam bém te m p o r nom e bo u ti ca v e ntr i cu l i .
Eap l iç açao d o s no m e s médi cos e acid e nte s que
ac om panhar am e sta do e nça: — H ie n l e r ia é um a
d e j e cção do m an tim e nto ta l. qual se tom a, nas
c ida d e f raque za das facul dad e s d o e stôm ag o
co m co ctr is e t r e te ntr i s, e p o r e sta r azão adq u i r e
O c or p o todo g ran d e m ag r e za e se cura p o r l he
[al iar o suste n to ; e sta te ve a se nhor a Infan te , e
não a se cura. do s éti cas; o que se v e r i fica ainda
m ais, p o rque n o di scur so da sua do e nça e ste v e
m ui tas v e z e s se m f e br e , e e sta ta l nui g r cza cha
m am o s douto re s m édi cos atro fia, p o r se r cau
sada e x d e n e gato a l im e n to . O s ac id e n te s histé
r icos . que tam bém se cham am ute r inas, to m am
o n om e da p ar te que p r i n c i pal m e n te p ad e c e ;
causam -se dia sangue ou d e todos o s hum o r e s,
ou d e o u tra. substânc ia m ais só l ida que d e l e se
e l e va, a qua l , d e te ndo-se e ap od r e c e ndo no tal
logar ,com un ica vap or e s a vár ias p arte s p o r te r
co m . tadas m ui ta com un i caçao ; e corno e ste s
s e jam p o d r e s e ruins,
causa vár i o s ac ide nte s
UMA iNFAN'
i'
A H ISTÉR ICA 235
confo rm e as parte s a que se co m un ica; na d ita
S e nho ra se co m un icar e m ao s n e r vos,e p o r e sta
razão lhe c o nvaI-ian i as que ix as, e im p e d iam . a
acção d e m asti gar o com e r , e nas p e rnas e br a
ç o s que lhe im p e d iam o m ovim e n to . Tiv e ram
to dos e ste s m al e s um p r inc ip i o , que fo ram as
g rand e s o bstr uçõ e s, ou o p i laçõe s nas ve ias que
co stumam l evar o m an tim e nto ao ú te ro ; p e la
qua l razão , se n do d e d e zasse te anos,nunca fo i
m al n e m be m m e nstrua da; e p o r e sta, r azão n o s
[i ns do s m e se s lan ç ou p o r ve z e s san gue p e la
bõca e sco lhe nd o a natur e za êste cam inho p o r
te r im p e dido o co nve ni e ntc e costumado,o que
n e ste s caso s suc e d e m ui tas ve zºs; d e m odo que
m o r r e ndo m ui se ca d o co rp o , e m ui e x te nuada
e lan çando p o r v e z e s sangue p e la bõca, não m o r
r eu e'
tica, n e m m e nºs ti sica .
— Gua rd e No sso
S e nho r a Vossa. M e rcê m ui tos an os . D e casa,
26 de n ove m bro d e 1 653, S e nho r Pe dro Vi e -ir a
dª S i lva— 0 Fisi co -Mór,A n tón i o d e Castro . »
Este c u r ioso re lató r io v e m tras ladado no Li
vr o 22 d e Mss . da ( Io l e ccao de S . V i e n te . E n
con tra-se no m e sm o cód i c e o u tro doc u m e n to
ass i nado também p e l o f ís i co-m o r Antón i o de
Castr o,no qual se d e sc re v e a do e nça e mo rte d o
i rmão da I n fanta, o p rínc i p e D . T e od ós i o . S u
cum b iu,e v i d e nte m e nte , um a tu b e rc u l ose pul
monar . O boato da p e ço nha man dada subm in is
trar ao Pr ínc ip e p o r F i l i p e W de Espan ha, não
te m o m e no r f u n dam e n to .
("
l ENTR UD U NO S ÉCULO XVIII
Nós, po rtu gu e s e s , n un ca c omp re e n d e mos be m
que o Carnaval p u d e ss e se r um a fe sta d e arte,
Como na I tá l ia da R e nasc e n ça, ouum a fe sta d e
e sp í r i to , como na F rança d e Lu ís x rv : o n osso En
tr udo, o S ant
º
Entrudo l i sbo e ta,fo i se m p r e ca
r actc r izada e fun dam e ntal m e n te só rd id o . Q sé
culo xvm,e n tão
,cx c e dcu tod os o s oul r o s. Fo i
o séc u l o tí p ic o d o E n tr u do nac i ona l .
É d i fíc i l supo r q ual que r co i sa d e mai s i gnó
b i l , d o que êss e s tres d ias so l e n e s cm que a vê
l l i a L isboa. d e 1 700 d i z ia o trad ic i ona l ad eus à
car n e . Tôda maf ra ba i xa. das v i e las,as f re go
nas r e n i ang adas e as m iche las d e porta, os al fa
m istas e as r e gate i ras , as tranças ( l o Mocambo
c o s lac e i ras d o R oc i o,c o m a casaca d e seda
e sco rre r ovos , a cara e mpastada de sangu e e d e
lama, c ob e rtos d e d e j e cto s o d e im undtc ics, co r
r iam as ruas d e bai xo da sarai vada d o s pés, das
238 NA m sr óm a
S an ctus Intro i tus, que br ar e pan e l las l
E,e n tre tanto — co i sa cur io sa l — no m e i o d e
tod o êste Carnava l d e so rd id e z e d e v íc i o , não se
via um a ú n i ca máscara. A s mascaras e stavam
p ro ib i das nas ruas po r al vará d e 25 d e agosto d e
1 689 , com o e xp e d i e n te v u l gar d e p i e õ e s e d e as
sassino s, e n u nca mai s ti nham apare c i d o s e não
nas tran qu e i ras d o te r re i ro do Paço p o r fe stas
d e to u ro s . A p e sar d i sso,o s ( ;uad r i lhe i r o s, o s m e i
r inho s, o s co rre ge do re s d o s bai r ros arranjavam
nos tr ês d ias d e E ntr u d o traba l h o para todo o
ano . S uce vd iam -se o s rou bos , as v io laçõ e s,as
morte s,Com o j e j u m da Qu are sma l e vantava-se
a fo rca nas p raças . Ju stam e n te no séc u l o que
fe z d o Carnava l um a obra d e ar te , q uan do A r l e
ch i n o p e n du rava o seumanto m u l ti co r p e l os pa
lác io s do i rados d e Ve n e za e d e F l or e n ça, o vê
lh'
o S an t'
lõntrudo po rtu gu ês con s e gu ia ap e nas se r
boçal , re p ugnante , d e sord e i ro e c r i m i n oso . No
mom e n to e m que a. R e genc ia o rd e nava o s bai l e s
d e máscaras,e m que a Ó p e r a i n sti tu ía o s ap re s
soup e rs, e m que V e rsa i l l e s se i l u m i nava par a r e
c e b e r o so rr i so b ranco d e P i e r rot, D . João v ,
p i e dosam e n te tocado p e la d e vass idão d o Carna
val d o p o vo,obti nha d e R oma, para a sua Ç a
p e la R ia l,o « j ub i l e u das quare n ta ho ras» . E e m
q uan to cana l ha da ve l ha L i sboa patr iar ca l p u
lava,tai r o cava
,rug ia obsc e n idad e s p e las ruas ,
cob e rta d e la ma, d e sangu e e d e far rapos , — e r
gu ia-se no a ltar—m o r d e S . R oq u e um a p i rar -
Sid e
o ENTR UD O no s e r um xvm 239
e stre lada d e l um e s , Congre gação de Nossa S e
nho r a da Dou tr i na d e s fi lava co m o s s eus e stan
dar te s,e e n tre a las im e n sas d e d i ácon os d e dal
mati ca e d e d ign idad e s d e p l u v ial , a p ro c i ssão
d o San tís s i m o saia com c l—r e i , sum p tu osam e nte ,d e ba i xo d e pá l i o . D . João v
,i n capaz d e faz e r d o
E ntr u do um a fes ta d e arte —co nv e rte u—o , po u co
a pou co , n uma f e s ta d e I g re ja.
Mas se , nas ruas d e Li sboa,o Car naval do sé
cu l o xvm fo i um a. m isé r ia, — nas casas fidal gas
não pas so u d u m p re te xto para se com e r m e l h o r .
Dos con ve n to s chov iam pãe s d e ló,bó l o s pôd r e s,
co v i lhe te s d e am ên doa,papos-d e -an j os , ovos r iai s
e m grande s band e jas armadas . S e n tavam—se
m e sa. o s f rad e s p e d inte s . A s sécias ch e ias d e pós
da I n d ia, p i ngadas d e r o sic lér e s d e d iamante s,to u cadas d e amar e l o « a al e m oa» , e ns i navam p u
lhas ao s papag ai o s , cantavam lunduns e mod i
n has b ras i l e i ras a v io la, co rtavam r ab o l e vas,co
z inhavam fi l ho s com e stôpa, atroavam as casas
de palav rõ e s to rp e s . A s v ítimas d o S ant'
Entrudo
fi da l go e ram os b e be s,os paras itas, o s n e gr i
nho s,
—to ( la . a e sti rp e r i so nha e bul ico sa d o s
B e n to-Antón io s,d o s J o õ e s da Fal p e r r a, das R o
sas m u latas . Para d ive rti r e m as v i s itas no Car
nava l , o s marqu e s e s d e Gouve ia faz iam an dar o
bôbo Pe nharanda, v e sti d o d e ve rd e , d e gatas à
roda d um sal ão . A co nd e ssa d e S . V i c e n te ,
quan do se lhe acabavam as laran jas-d e -ch e i ro
c o nta-o GO Ub it P d e Bar rau l t— armava um a m an
N A H IS TÓR IA
gu e i ra na jane la e e nchar cava o povo . O m ar
qu es d e Mar ia l va, caldo d e beb e do e ntre can
g i r õe s d e p rata,faz ia-se insul ta r p o r f rad e s e
s e rvi r po r c r ianças nuas . Em mascaradas,e m
fe s tas , e m bai l e s,no v e rdad e i ro Carnava l n i n
gu em p e n sava,
— po r que n i ngu ém o s e ntia. O
p r im e i ro ba i l e d e máscaras parti c u lar que se
re al i z ou e m Li sboa, d e u-o o e mba i xado r d e Es
panha, _
e m 1 785,para so l e n izar o casam e nto d e
Car l ota Joaq u i na.
Su rg e e ntão P i na Man iq u e , cão d e guarda
d o r e g fm e n,abraçado ao Cód ig o d e Po l íc ia d e
Luís XIV e ao Tratado da Po l íc ia,d e Wi l l e brand .
U pou co que r e s tava d o S antº
En trud o vac i la e
e s tre m e c e . I nte nd e n te c r ia as « moscas » , ih
v e n ta as lum inár ias para d i s trai r o povo , p re nd e
o l iv re i ro D ub i e p o r v e n d e r R o u ss e au , fulm iua
a Enc ic l opéd ia,
—e to rna a p ro ib i r as máscaras
que o ba i l e do e mbaixado r d e Espanha ti n ha
po sto e m moda . En tr e tan to , e m França,a R e
vo lução r e b e n ta . Con s ti tu e -se a A ss e mb l e ia Na
c io nal,s u p r i m e m—s e as garan tias , é i naugu rada
a Conve nção , p roc lamada a R ep úbl i ca,abo l i da
a r ial e za. Um v e rdad e i ro d e l í r i o d e . p e rs e gu i
çõ e s acom e te P i na Man i q u e . Proíb e o j ogo da
bo la,p ro íb e que se and e de l u vas
,p ro ib e as ca i
xas-d e—rape,p ro íb e o (f it M as d e S an títtana,
p ro ib e as cabe l e i ras d e França, p ro íb e o d e cote
das m u l h e re s,p ro íb e que se co nv e rs e no s cafés,
e nch e L i sboa d e e sb i rros,d e te rro r
,e , ho n ra lhe
D . J U Ã " V
D . João v te ve ao s 53 anos d e i dad e,um ac i
d e n te a que se s e gu i u h e m ip l e g ia e squ e rda com
p l e ta ; qu e r d i z e r , o. r e i fo i v íti ma. duma. l e são
d e stru ti va e m fo co d e v ida a h e mo rrag ia ou a
amo l e c im e n to . O co nh e c im e n to dos an te c e d e n te s
pod e co n tr i b u i r para a fi xação , quan to poss ív e l
ap rox imada, do d iag nóstico e tio lóg ico e d o d ia
g nóstico patogén ico da l e são .
Vo u reun i r todos o s e l e m e n tos que o m e u
dossi e r m e fo rn e c e . S ão,na sua q uas i to tal i
dad e , i n éd i tos .
D . João v_
fo i o s e gu n do g rªn i to do Pe d ro " . e
d e Sofi a d e Ne ubn r g o ,a l e mã do e n te , tac itu rna,
n e v r o sada,s u j e ita c ó l i cas b i l i osas . pai , já
i n fe ctad o quando o g e rou , ao s 40 anos , morr e
d e z an os d e po i s , co m vá r ias para l i s ias e um s i
ntoma [d o u ro—p u l monar. n o d e c u rso d e u m te r
c iar ism o v i sc e r a l i n te n so . Um a tia pate r na,a i n
0,JOÃO v 243
fanta D . J oana,ass i mé tr i ca, ( le gcne rada,
am e
no r r e ica, to y m al ne m be m re gu lada» ,
d i z o f i s i co-m o r A ntón i o d e Castro te m ata
qu e s h i stér i co s, tr ism us fre que nte , sof re d uma
e nte r ite c rón ica e mo rre ao s 1 7 an os,co m he
m o ptise s . Um tio pate rn o , D . Te odós i o,p re coc e
i n te l e ctual , p rognata i nte r i o r , s u c um be um a
tu be rc u l o se p u lmonar . Ou tro ti o pate rn o,A fo n
so vr, te m b l e faro-co njuntivi te s p u rul e
'
ntas,bron
qu ite s d e re p e ti ção.,e,e m se gu i da a um a po l i o
m i e l ite , fi ca he m ip l e g ico , obe so , i d i ota . A avó ,
um a Me d i na S i don ia, l i n fáti ca, do e n te , s u j e ita a
d e rmato se s,mor re d e hid r ºp isia,
ta l ve z e m co n
s e quên c ia d u ma afe cção r e nal . Os ante c e d e nte s
h e re d itá r i os acusam . po rtanto , um a he ran ça d e
sifi l itico s e d e n e u ro - e strum o so s.
Ve jamos o s an te c e d e n te s p e ssoai s . D . João v ,
g e rado c i nc o m e s e s d e po i s d um caso d e mo rti
natal i dad e (o i n fante D . Pe d r o), nasc e d e ter mo .
Nada se sab e quan to a d e n ti ção , l i n guage m ,m ar
cha. A i c o n og rafia, m u i to abu n dan te , r e ve la um a
l i ge i ra ass im e tri a fac ial , e x o r b itism o , láb i o aus
triac e ac e n tuado,p rognati sm o i n fe r i o r d uv i doso
e m al gu n s p e rfi s n u m i smát i c os , a ltu ra c ons i d e
rave l da fac e ; as d e sc r i çõe s do s conte mpo rân e os
atr ibu e m-lhe « te s ta e spaçosa» , o l ímp i ca.
(o bar
ci e -fr on t al to das cab e l e i ras d e F rança Vá rias
d o e nças , na i n fânc ia e na ado l e scên c ia. Aos 1 1
anos,var ío la . Aos lã não acom pan ha o
cadáv e r da i n fanta D . Te r e sa, mo rta ao s 8 an os
2414 NA m sr ónu
d e var ío la mal i gna,« p o r se achar conval e sc e n te
d e s e gu ndas b e x igas» . Ao s 1 9 anos (mai o d º
1 708) te m « h um af ro n tam e nto na aud i ên c ia» ; r e
co l h e-se ; toma r e méd io s ; pu rga-se . Po r e sta data ,
man i fe stação d e te ndênc ias homo-s e xuai s . R e
p e te m—se o s af ron tam e n tos : B rochado i n c u l pa. a
fal ta d e h ig i e n e d o monarca, que « com e m u ito e
não faz e x e rc ic i o » . F re i Cai ian o,na cap e la do
Paço , p rega u m s e rmão-
contra os m in is l r o s,« que
ca lam a c l -r e i o que lhe d e v iam d i ze r» . Em ju
nh o d e 1 709 , se te m e s e s d e po i s d o seu casam e n to
co m Mar iana d e Au s tr ia,« anda m agro , d e sco
rado e tr i ste ; as « qu e ixas sae m - lhe ao rost o» ; os
cap e l os amare l os do Paço falam e m man dá-l o para
as Cal das para o apartar da ra i n ha ; no d ia. 29 d e
te rm i nam sangra-l o « p o r cau sa d e h uma iluxão d o
h umor que lhe ve m as g lâ n d u las e lhe faz al gu ma
i n c i tação no p e scoço e p o r ba i xo. da barba» ; no
d ia 6 d e j u l h o,d i z B rochado. e m carta ao cond e
d e Viana,
« as g l ând u las a i n da não e xp e l i ram o
humo r que re c e b e ram , e eu s u po nh o que s e o
e xc e s s i vo calo r deste s m e s e s não as amo l e c e r e
e xc itar a tran sp i ração,se r á n ec e ssá r i o re c o rre r
a re méd io s tó p i cos e v i o l e n tos» . O r e i cai n u m
abatim e n to p rofu n do : « o nte m , d e po i s d o jan tar ,
i n fo rma o d e se mbargado r B rochado.
na m e sma
carta par a Lon d re s man dou v i r m ús ico s da
cap e la e o rd e no u que lhe can tas s e m um of íc i o
d e tr e vas» . A 1 3 d e j u l h o , « o tumo r gran d e » :
p e n sa-se e m re co r re r ao s e gredo 'd e Agosti n ho
246 NA H IS TÓR IA
d o s duqu e s d e Av e i ro,
« d e um a. q u e ixa d e il a
to s que com m u i ta v io l ênc ia e Passados
cato rz e m e se s,e m se te mb ro d e 1 7 1 2 , nova « qu e i
xa g rav e » de que co nval e sc e e m P e d r o ucos . Tr ês
an o s d e po i s (1 7 1 5, p e l o S . J o ão ) « e m [l ato r i j o
d o s que costuma te r » , e que o apanha j an e la,
e m S e túba l , a ve r cor re r to i ros .D e co r ri do s do i s
anos i n com p l e to s , n ova d o e nça ; tal v e z as m e s
m as p e rtu rbaçõ e s n e rvosas ; conva l e sc e nça l o nga
e m P e d roucos . D aí p o r d ian te , é d i f i c i l s e gu i r as
v i c i s s itu d e s pato l óg i cas d o r e i . A fal ta d e info r
maçõ e s par e c e i n d i car que nos v i nte an os se
gu i nte s te m re lati va sati d e . E o p e r i odo d e ma i o r
i nte n s i dade na. sua v i da s e xual : « un p eu [ ou» ,como lhe chamou Math i e u Mara i s
,s e m e ia p e
l o s conv e nto s d e c lar istas c d e . b e r nar das fa ix a
co ntr ave i r ada d e p rata. das bastar-d ias ; agarra d e
n o ite , nos co rre do re s do Paço , as damas e as
açafatas ; manda cu nha r m o e das d e o i ro « tô das
d e caras para pagar as fêm e as » ; d is farça-se d e
m e nd igo para b e l i scar nas i gre jas o s braço s po l
pud o s das mu lh e re s d o povo ; um fo r t e l ib i d o
l e va-o até ao d e sv i o homo-s e x ua l ; fatigado po r
tôda a'cas to d e e xc e s sos
,o rd e na qu
ese consu l te
o
'
sáb i o B o e rhaav e sºbr e as v i rtud e s da rai z d o
g insão , « adm i ráv e l r e m éd io para qual q u e r e n
fe r mo p rostrado , d e s fa l e c id o o u csface lad o » . Uc
catdo p e la i dad e — d i z Go s l igan - « toma can ta
r i das_que o re d uz e m a unia s uma fr o ix idào » .
Quan do Man u e l da Costa, e spéci e d e M e rcú r io
0,JOÃO v
d e tacõ e s v e rm e l h os , o acom panha de no i te ao s
m auvais-l i eum d e L i sboa, — a « G e nov e sa», m a
dam a D io nísia Aguas B e las, que mo ra no Te r
re i f e do Paço p o r c ima d o A ço ugu e , o u às m u i
tas franc e sas que e ntão e x e rc e m na co rte a p r o
fi ssão d e damas , João Jaqu e s d e Magal h ã e s
dá-lhe a e ssênc ia d e âm bar,c u j o s e fe i tos são e o
nhe c id o s. A sua p r e te nd ida rob u ste z abala-se .
Com e ça e ntão , como os i rmãos D . Franc i sc o,D .
Antó n i o e Man u e l , a so f re r d e ú l c e ras nas p e r
nas,— ú l c e ras m al e o—lare s que o marqu es d e
Pombal c on s i d e ra « como h e r e d i tá r ias no s se
nho r e s da casa S e re n íss ima d e B ragança»,c u ja
razão e ti o l óg i ca não se d e te rm i na c o m p re c i são
var i cosas,
sifi hticas,s i l i l o -var ico sas º
l — e cu j o
apare c im e nto p re c e d e h e m ip l e gia do r e i,p e l o
m e n os d o te mpo n e c e ssá r i o para que :as op i n i õ e s
hum o r ais e cur v ianas da época possam atr i bu i r
te n tati vas d e cu ra d e ssas ú l c e ras o ac i d e nte
d e para l i s ia que f e re D . João v , e m 1 7 142 .
E i s o que pud e e sc lare ce r , quan to ao s a nte
c e d e n te s h e r e d itá r i os e p e ssoa i s d o r e i . Ve ja
mos ago ra a mar cha da sua ú l tima d o e nça .
N uma qu i n ta-fe i ra,1 0 d e mai o d e 1 742
, no
paço da R i b e i ra ond e e n tão morava,
e r e i D .
João v,e stando a d e spach o com o m i n i stro ass i s
248 N A H IS TÓR IA
te n te , fo i fe r i d o d e « um e stu po r que o pr i vou
d o s se n ti d os, e fi co u te se da parte e sq u e rda, co m
a bõca a banda» ,
— d iz , no seunº 1 9 , o Fo lhe to
d e L isboa.
,gaz e ta man u sc r i ta d o te m p o . Comp l e
tava, e m 22 d e o u tub ro , 53 anos d e i dad e . Ap e sar
da h e ran ça s i l l l ítica,das p e r tu rbaçõ e s d e n u tr i
ção d e r i vadas da sua br ad itr o fi a d e se d e ntá r io e
d o s e xc e sso s d u ma v i da se xual i n te nsa, o r e i e r a
u m h om e m apare n te m e nte robu sto . O d r . Iná
c io Barbosa Machad o , na sua B c laçam da e nj e r
m idad e e m o r te d o se nhor D . J oão V, re fe re que ,
ante s d o ac i de n te d o d ia 1 0,
« Sua Maj e stad e go
zava d e um a comp l e ta saúd e , con s e rvada p e la
mod e ração d o s al im e n to s,e m que e ra m u i pa rco ,
fug i n do daqu e las d e so rd e n s que foram p e rn ic io
sas mu i tos do s s e u s asc e n d e nte s », e ac r e sc e n ta
que o i n s u lto d e para l i s ia ve i o « se m p r e c e d e r e m
al gu n s s i n tomas d e qu e i xa , re p e n ti nam e nte » , A
saúd e d o r e i não e r a, porem ,tão p e rf e ita como
se p re te nd ia, p o -r qne j á n e ssa al tu ra D . João v so
f r ia d e ú l c e ras m al e o lar e s p e rs iste n te s ; ne m a sua
d i e tética fo i se mp re tão e sc ru p u l o sa, que o d e se m
bar gad o r B rochad o, n u ma carta ao con d e d e
Viana,
não d i ss e s s e d e l e : « es te Pr i nc i p e co m o
m u ito , não faz e x e rc íc i o e passa todo o d ia ou
v i ndo. h i stó r ias da caroch i nha» , E ri tr e tanto , o
que im po rta con c l u i r e o que d e facto se co nclú i
da R e lação d e Barbosa Machado e da notíc ia d o
Fo l he to d e Lisbºa, e que o ac i d e nte s u rg i u se m
p r ód r o m o s,bru scam e nte ,
e m p l e na saúd e apa
250 NA m zr óm x
Gaspar Moscoso ch e ga d e Co imb ra co m o s infan
te s . O r e i é sarjado e sangrado nas co stas da
m ão ; d e itam-lhe b i chas na cab e ça : m as te i ma e m
re c e be r p e la s e gu nda ve z a benção papal , p e d e
um a cab e l e i ra d e Fran ça,sobre v e m -lhe f e b r e .
D ia 1 5 . Passa m e l h o r d e n o i te ; d e scansa até as
7 da manhã . Franc i scan os,l e i e s
,ba l tasar e s
, bar
bad inho s, sae m d e c ru z a l çada e m p roc i ssão p e la
c i dad e . D ia 1 8 . Mal . Os te ati n o s traz e m - lhe o
barr e te d e Sant o A nd re Av e l i n o,advogado das
apo p l e x ias ; D . João v , so e rgu i d o nos b raço s d o s
card e a i s da Cu nha e da Mota, põ e-n o na cab e ça
e re za. a sua com e mo ração , 94. Pi o r . São
chamados todos o s médi cos da j u n ta : o douto r
An tón i o da Cos ta Fal cão , cap e l o amare l o, que
acabara d e se r n om e ado c i ru rg ião-m o r d o re i n o ;o dou to r P e stana
,s e mpr e d e capa
,vo l ta e cab e
l e i ra d e no s, a an tiga ; o m e d i co au s tríaco Kau
p e rs, que p u nha carm im e usava moscas como
um a. dama ; o dou to r Carap inha, que não largava
sua mu la d e guatd rapa c i n z e nta; o arguto Ú r
tigão , p r fx l i l e cto do r e i ; o austr íaco Wi tte, que
v i e ra co m a ra i n ha. Não se sab e o que r e so l
ve m . D ia 27 . M e l ho r. Constata-se « que há se n
tim e nto na parte o fe n d ida» , r e i faz a barba,
co n tra o c o ns e l h o dos m éd i cos .
—« D ia 3 d e ju
nho . Purgam-no : xarop e . á u re o, pos c o rn ichino s,
oux ar ºp e d e F i o r avan te . U s e fe i tos « são tão co
p i o so s, que o s n r . D . A ntón i o se adm i ra que
possa cab e r e m um co rpo tão grand e po rção d e
0,JOÃO v 251
hu mo re s » . D ia 5 . A sse ntam -no na cama,« ain
da que não p o r mo vim e nto p róp r i o , p o rque a
parte e sque rda co nti n ua l e sa» . Fala-se na ida às
Cal das : baln eum tand e m co n o e n i t p ost tr e s se p ti
m anas; O rtigão q u e r que se ap l i q u e m os banhos
s u l f u rosos só « quare n ta d ias d e po i s d o ac i d e nte » ,
s e gu ndo o s p re c e itos d e Cu rvo — D ia 8 . D e c i
d e s e a parti da para as Ca l das .
—D ia 28 . G ran
d e a l e gr ia n o paço : « S ua Maj e s tad e move o b r a
ç o l e so até ao cotove l o e co m a ajuda da m ão
d i re ita l e va-o a cabe ça» . Os frad e s atr i b u e m a
m e l ho ra m i lagre ; o s méd ic os , ao s purgante s .
D ia 30. Com e ça a mov e r a p e rna.
—D i a 7 de
jul ho . A p re ssa-se parti da para as Ca l das . Ar
ran jam -se as e s tradas . O card e a l da Cunha, e m
brulhado na sua pú rpura,ch e i o d e m edo s d e
b ruxas'
e'
d e trovõ e s,parte d e manhã « para i r
d e vagar,b e nze ndo os cam inhos » .
—l) ia 9 . O r e i
s e gue para as Cal das , ac ompanhado d e F re i Gas
par Mo scoso , d o j e suíta Carbon e , d o .méd i co O r
ti gao,d o c i ru rg ião A n tón i o Soar e s F re i re . Em
barca as 1 1 da manh ã na ponte d o Ca i s da
I n d ia : « vai v e sti d o d e p re to , com cab e l e i ra gran
de c om o costuma apare c e r e m púb l i co » ; as r e
gate i ras e m u lh e re s da R i be i ra dão - lhe v i vas .
D ia 1 1 . Parte raí n ha.
—Uia l º. Parte o card e a l
da M ota com o s i n fante s bastardos — D ia 4 de
ag o sto . O r e i te m 1 0 banho s ; as m e l ho ras são
po ucas . De sfaz- se e m e sm o las e m e r cês toda
a ge n te : a cada um d o s e n fe rm e i ros'
que o m e
252 NA H I S TÓR IA
te m e o ti ram d o banh o , 1 00 mo e das e o háb i to
d e C r i sto ; a cada m éd ic o d o parti d o do H osp i
tal,320 m i l r éis ; n um b raço d e p r ata co m as r e
l íquias do patr iar c a S . B e nto , que o acompanha
na v iag e m,m e te « u m an e l d e ou ro co m um
d iaman te b r i l han te d o tamanh o d e um tre moço » .
—I.) iw 1 7 . R e gre ssa a Li sboa. Lum i n ár ias p e las
me l h o ras do r e i ; Te -l i eum , D ia 27 d e se te m bro .
Novo ac i de nte , que o nº 30 do Fo lhe to d e L i s
bo a,d e 29 d e s e te mb ro
,n oti c ia : « Na fe i ra,
27,
'
das 1 1 hora s para o m e i o d ia. fo i Sua Maj estad e assaltado d e um a v e rti ge m tão v e e m e nte ,
que o p r i va dos se n ti d o s p o r mai s d e um a ho ra,
e m que lhe m e te ram os pés e m água qu e nte ;
abso lv e ndo-o sub co ndi l i o n e , e ch e gan do ag o
n izar : fo i sangrado se m a l gum s e nti m e n to,m as
to rnan do a s i , fi cou m e l h o r» . A ra i n ha, em s i nal
d e co n do l ênc ia p e l o n ovo ac i d e nte , p ro ib e r e
p re s e ntação d e co m éd ias n o páti o das Arcas .
IJ ia 1 0 d e n ove m bro , O r e i toma ban hos das A l
caçar ias .
— D ía 1 8 ,Te m o u tro ataq u e , às 2 ho
r as da tard e,p e rd e ndo o s se ntidps ; san g ram
-no ,
sarjam -no ; re c up era a fa la as 1 0 horas da n o ite ,
e manda e l e var a d ign i dad e d e m o nse nho r e s
l e z cón e gos da Bas í l i ca Patr iarcal . —D ia 1 0 d e
de z e m bro .Man dam - lhe d e Par i s « um a água tão
p r e c i osa, que ap l i cada a q ua l q u e r parte l e sa d o
co rpo,l ogo põe e m natu ra l m ov im e n to» . Faz-se
a e x p e r i en c ia e m J o sé J o rge , he m ip l e g ico como
o r e i ; o hom e m m e l h ora ; os méd icos q u e re m ap l i
251 NA H ISTÓR IA
quas i d e m ês a m ês,d um ac i d e nte v i o l e n to d e
e p i l e ps ia parc ial . No s ú l ti mos d ias d e j u l h o d e
1 750 cái n uma son o l ên c ia pro fu nda ; j á não e o
nhe c e n i nguém ; o quarto coal ha—se - lhe d e fr a
d e s, e r i ça-se d e c ru z e s p r o c issio nais, faú l ha d e
a ltare s armado s ; re za-se d ia e no ite , a ladai nha
lau re tana ; o n ú nc i o , marqu es d e Tep e , traz , sob
pá l io,
ab so l v i ção papal ; D . João v ron ca, na ag o
n ia ; e às 7 ho ras e c i n co m i n utos d o d ia 3 1 , e m
quant-o todos os s in o s d e L i sboa dob ram ,aqu e l e
que fo i u m dos mai o re s r e i s p ortugu e s e s apa
g a-se como um a p e q u e na l u z bati da p e l o v e n to .
'
l'
l l l ns DE O NTEM
O Con se l h e i ro Con h e c i—o m in i stro n um
d o s ú lti m os gab i n e te s da monarqu ia. Ouv i-o vá
r ias v e z e s falar na Câm ar a . B e la fi gura,barba
bran ca, br asseur d'
affai r e s. Um e stad i sta e m i
n e nte d o anti go re g im e n,d i sse de l e : — « E um a
c r iatu ra que m e d e sco nc e rta . Faz d i sc u rsos c i r
c u lare s» . Proc u re i d e sc r e ve- l o nas m inhas no
tas : « Este hom e m ch e go u a m i n i stro , cam i nh ou ,v e n c e u , tr i u n fo u na v ida, p o r um a s i mp l e s e ta
c i l razão : p o rq u e , quand o fala, n i nguém o e n
te n d e . Os se u s d i sc u rsos par lam e ntare s são
obras-p r imas d e co n fu são m e nta l . Como n i n
guem o p e rc e be , — n ingue m o con te sta,
n i n
guem o combate : e um v i to r i o so . A sua palav ra'
é s e m p re a ú l ti ma pa lav ra s ôb re [M as as qu e s
m e s,— po rqu e , d e po i s de l e te r falado , n i nguém
ma i s se e nte nd e. E spa l ha a sombra e a con i n
são e m vo l ta ( le s i . Não é um m i n i stro,— é
256 N A H ISTÓR IA
A pocal i p se . S e um d ia al gu ém ch e ga a co m
p r e e nde m ,
— este hom e m cé l e bre e stá i r r e m e
d iávc lm e nte p e rd id o . »
O du que d e Lo u l e, que Lichn o w sk i d e scr e
ve u,e m 1 842
,« ve sti d o c om o o s grand e s d e F i
l i p e n , e spéc i e d e Buck i ngham qu e r i d o d e r aí
nhas galan te ado ras , hom e m p e r igo so que passou
a v i da a faze r andar a roda as cabe ças d e to das
as m u l h e re s»,fo i mai s tar de , .como ch e fe d e
parti d o , o « e stad i sta do s i l en c i o » , E r a raro l e
vantar -se para d iz e r d uas palav ras na Câm ara.
Não re spo nd ia a n i ngu em .« Estranham que e u
fal e pou co,
— d iz ia e l e ; po i s a m inha co nsc ie n
c ia só m e ac u sa d e te r falado a l gumas v e z e s d e
ma i s » . Um d ia,d e po i s d e c e rto d e p u tad o te r
p ro n u nc i ado con tra e l e um d i sc u rs o v i o l e nto ,Lo u l é , que e r a p re s i d e nte do con s e l h o , l e van
tou-se .
—« Vai r e spond e r !— d i ss e ram todos .
Que ho n r a para F . Logo o du q u e,
are na
m cnte z— « Pe d i palavra para mandar para a
m e sa um a p roposta de l e i co nc e d e nd o um a p e n
são a um guarda da al fân d e ga» . E s e ntou-se .
258 N ». r-ns róm x
rosado , d e ge lati n oso . d e fo rm i dáv e l . que se d e
batia no s b r aç o s do c r iad o e g ru nh ia d e saba la
d e m e nte . E r a um po rco .
P i nh e i ro Chagas , n os s e u s artigos . ac u sava
Fo nte s d e faz e r « p o l ítica de se r r alho » ,i sto é ,
d e se d e ix ar l e var p o r p e d i do s d e mu l h e re s e
e mp e nh o s d e sa ias . Mai s tard e com pu s e ram -se ,
e Chagas fo i f e ito m i n i stro po r Fonte s . Quan do
o m i n i sté r i o se ap re se nto u nas Câmaras . Ma
r ian o d e Car val h o , que traz ia'
no Pºpular a sc i e
do « a l barda,r ia l s e nh o r j ogou—lhe um a b i sca:
« Então,i sto ai n da é po l íti ca d e se r r alho 7»
« Não ; é po l íti ca d e albarda i i) — re spond e u Cha
gas.
— « A l barda não é par lam e ntar ln— gr itou
um a voz da e squ e rda. Im e d iatam e n te , Mar ian o ,
n um sor r i so , como se d i ss e s s e a f ras e mai s am á
ve l do m u ndo : — « E,s im s e nhor . porqu e o s r .
P i nh e i ro Chagas trou xe -a ao Par lam e n to » . Gar
ga l hada g e ral .
Um d ia,na Câm ar a dos Pare s
, o b i spo d e V i
seu l e van tou-se para f u lm i nar, n um d i scurs o
ve e m e n te,um seu i n i m igo p i l iti co que se se n
tava na bancada d o s m inistro s. No mais ace so
'
1 | r o s D E O N] 1. n 259
da o ração , apostro fava : « Aq u e l e hom e m , se
nh o r p re s i d e nte , é i n d ign o d e al to l ogar que
ocu pa ! E quas i um i n co n sc i e nte ! E quas i um
m e nte capto ! E quas i um l ouco !» Tumu lto ,
cam painhadas, e a vo z do p re s i d e nte , co nc i l ian
do z— « Con v i d o o d ignol
par a r e ti rar as e xp re s
sõe s que p ro fe r i u » . Im e d iatam e n te, o b i spo d e
V i s e u , se m se p e rtu rbam — « Se nh o r p re s i d e nte !
E u d i sse que aqu e l e hom e m e r a quas i um m e n
te capto ,Po i s b e m : re ti ro o quas i
O ve l h o Sampai o da R e vo lução , quando fe z a
sua e stre ia par lam e ntar u m d o s ma io re s o rado
r e s d e que se o rgu l ha Po rtu gal , o uv i u -o co m
adm i ração e com e ntou : « S im,s e nhor ; fal o u b e m ;
m as p e n so u m al » . E P i n h e i ro Chagas co stu
m ava d iz e r , quan do es se g ran d e o rador p e d ia a
palavra e m mom e n tos po l íti co s s e n sac i o nai s :
« Lá ve m o côch e D . João v» .
Um d o s ú lti mos card e a i s patr iarcas d e L is
bo a e r a,ao con trár io d o que se d iz ia d e l e , um
hom e m c u lto,i nte l i g e n te e e sp i r itu o so . Um a
ta rd e , na Câmara d o s Pare s , c e rto p r óce r e , o v i s
260 NA H ISTÓR IA
co nd e d e cé l e bre p e la sua inco nve n iência e
p e las s uas gajfe s, ti r o u do bº l so um a c igar r e i ra
d e o i ro com o e smalte duma mulhe r nua e m o s
trou-a ao patr iar caz— « Vossa Em inêne ia que r
ve r Logo o p re lado , p o ndo l u n e ta no nari z :—« E o r e trato da s e nho ra v i sco nd e ssa
262 m H I STÓR IA
barcas do B idassoa, o punh o d e p rata d o e spa
d im fal s e ar-lhe na m ão . E e l e s lá fo ram, ne
gros,r i so nhos
,con te n te s
,tisnado s d o so l , fe rro
lhand o armas , chocal hando patronas, e m quanto
na chuva de o i ro da manhã a i l ha ve r d e d o s Fai
zõe s re sp lan de c ia, e o s s i n o s al e gre s d e F u e n
te r r abia, ao l o nge , ti l i nta vam para a m issa . Onde
iam e l e s ? Po rqu e marchavam Que d e sti n o o s
e spe rava na te rna d e F ranca ? Sab iam-no lá !
Mas fi tass e m -n os, e ncarass e m -no s um a um
e e m tõdas aqu e las fac e s qu e i madas,e m to dos
aqu e l e s o l ho s ard e n te s,f u l g i r ia, como um a la
bare da,o vago i n sti n to d e que cam i nhavam
para a g lo r ia. Iam ve r Napo l e ão .Iam conh e c e r
o titan . D e po i s d uma. marcha d e três l éguas fe ita
a can tar , co m as e sp i n gardas ch e ias d e fl o re s ,
o b ravo r e g im e n to d e A ntón i o d e Sal dan ha che
g ou S . J oão da Lu z . Na manhã s e gu i nte , um
aj u dan te d e o rd e n s d e Pamp l o na, gal op e , m an
d ou-o avan çar . N e ssa m e sma tar d e , e nvo lta s
numa n uv e m d e po e i ra, as bai o n e tas lamp e jan do ,as chapas .d e cob re das bar r e tinas fai scando ao
so l , o s tam bo re s ro u cos d e bate r a marcha,
as tropas p o r tugu e sas d e i n fantar ia 1 , ch e gadas
e mfi m Bayon n e , pas savam e m co ntinênc ia d ian
te d e Napo l e ão . O I m p e rado r, que d e sce ra d o
pa l ác i o d e Mar r ac para as ve r,so rr ia-l h e s
,im o
ve l , e mbru l hado n o se ucapote c i nze n to d e p e ti t
cap o r at, e ntre um a on da d e mar e chai s e m p tu
m e d os e . c ob e rto s d e o i ro , — Ne y , M u rat, D a
r o nI UGAL 263
vo u st, Bassie r e s. A l o rna,Pamp lo na . A v i sta dês
se s do i s batal h õ e s pardo s d e saragoça, c e r rados ,e né rg i cos , p e qu e n os , bate n do as abas das n izas
co m o car o chas, u m frem ito d e comoção passo u
na al ma d o povo , e d uas m i l , três m i l bo cas
f ranc e sas gr itaram ,u ivaram
,ac lamaram : - « Po r
tu ga] ! Portu gal !» Os garoto s marchavam- l h e s
à f re nte ; das jan e las ati ravam-l h e s fl o re s ; no se u
cõche i m p e ratr i z Jo s e fi na ac e nava- l h e s co m o
l e qu e ,
- e o s galucho s po rtu gu e s e s , co m as lã
gr imas no s o l hos,ch e i o s ao m e sm o te mpo do
o rgu l h o e da mágoa d e s e re m tão po u cos . r e p e
tiam,do i do s d e e ntu s iasmo , l e van tan do as bar
re ti nas: — « Po r tugal l Portuga l Não s e r iam
mai s d e q u i nh e ntos so l dados ,— e ti nham al vo
roçado Bayona. D aí a po u c o . Napo l e ão pas
sava—l h e s r e v i s ta e m fo rma ; com pu nha-l h e s p e la
sua m ão as ban do l e i ras b rancas das patronas e
as alabar das lamp e jan te s d o s sarge ntos : co nvi
dava o s o fi c iai s para jantare m a . sua m e sa, — e
a n o ite , um a no ite qu e n te e p e rf u mada d e junho ,
o s jard i n s d o pal ác i o que d ias ante s v i ra abd icar
Car l o s IV d e Espanha, fo ram ab e rtos e m fe sta
ao s so l dados po rtu gu e se s . Nas varandas i lum i
nadas , a co rte im p e r ial assomou . E nch e ram -se
d e ge nte as largas alam e das d e fau no s e d e m u r
ta. E e m quanto ,ao l uar
,o s galucho s da Ex tr e
mad u ra e da Be i ra,n e gros , r i sonh os, abraça
d o s a v io las e no rm e s , cantavam as ch u l-as, o s
tund un s e as mod i nhas d a sua te rra, Jos e fi na
.x'
A H ISTO R IA
B e au harnai s , co m os o l h os b r i l han te s d e lág r i
m as. a fac e apo iada a mão ch e ia d e j ó ias . dm a
e n can tada a A ntón i o d e Sal danha : —« O h. que
fal a m ce s gavotte s p or tugaise s I» ,
- e e m baix o
todo o povo , rod e ando o s so l dados , inte r rogan
do-o s , ap lau d i n do-o s, ab raçand o-o s, p e gando- l h e s
ao co l o,r i n do e cho rando com ête s , gr itava,
u l u
tava e m d e l í r i o , no seu sotaqu e vasco nço ,como
um p re sag i o d e g l ó r iaz— « Po rtugal ! Po rtugal
T i nham can tado be m e m Bayo u ha ; hav iam d e
mo rre r m e l h o r e m Wag ram
Po i s be m . S õb r e o d ia 30 d e mai o d e 1 808 ,
um sécu l o passo u . S õbr e êss e sécul o,mai s n ov e
anos l e ntos , trág i cos,do l o ro sos . D e n ovo o s
nosso s so l dados e ntram , so rr i n do , e m Par i s ; d e
novo as rosas d e F ra nça vão fl o r i r e m e sp ingar
das po r tu gu e sas ; d e novo o m e smo c larão d e
e pop e ia e nvo l v e o n o sso n o m e , — e hoj e , ce nto
e d e z anos d e po i s,é a i n da o m e sm o gr ito h e r ó i co
que se o u v e ao l o nge , como se o e rgu e ss e m m i
lhar e s d e e sp e ctros
Po rtugal Po rtugal
'
FIM
O cr i m e
U m a m ulhe r
M .
º "º Nin i .A touca d e r e n das
NA AR TE
O s d o is r e tr ato s
J o sé d e A lp o im
p into r d o so l
Schw a lbachEsp ír ito g e n ti lNo vo s m e tr o s, n o vo s r itm o s
Te atr o o am o n e an o
Músic o s d e casaca d e se da
« Ve r ão »
NA H ISTÓR IA
'O fr ad e tr in oS . M igue l A r canj oA m o r te d e D . J o ão VIO sar am be que
U m d ip l o m ata
F r e i Manue l d e S ant'Ana .
Espadachins
A m ã e d o p rim e i ro duqueA e m ba ix ada .
Nun '
Al var e s
Passo s Man u e lU m a in fan ta histér ica .
U e utr nd o n o sécul o XVIIID . J o ão V
Tip o s d e o n te m
P o r tug a l
“
266 ÍND ICE
0 c r im e
U m a m ulhe r !
M .
º "º Nin i .A touca d e r e ndas
NA AR TE
O s d o is r e tr ato s
J o sé d e A lp o imO p into r do so l
S o hw albach
E sp i r ito g e n ti lNo vo s m e tr o s, n o vo s r itm o s
Te atr o o am o n e an o
Músic o s d e casaca d e se da
« Ve r ão »
NA H ISTÓR IA
'O fr ad e tr in oS . M igue l A r canj oA m o r te d e D . J o ão VIO sar am be que
*U m d ip l o m ata
F r e i Manue l d e S ant'Ana .
E spadachins
A m ãe d o p r im e i ro duqueA e m ba ix ada .
Nun 'A lvar e s
Passo s Manue lU m a in fan ta histér ica .
e ntr ado n o sécul o XV I I ID . J o ão V
Tip o s d e o nte m .
Po r tug a l
c o m e çará) LU S ITANIACada vo lum e . e l e gan te m e n te e n c. em p e r cal i
na. 340 e m . ( 400 r é l s t.
Vo lum e s pub l icado s até m a r ço d e 1 9 1 8
l e i—um a : d e S a l va çã o , p o r C . C . B ranco .
2 q w zas do p o br e , p o r C . C. B r anco .
3 — EuR t-bl o M ar tír io , po r C . C . B r a n co .
4 po r C . C . B r anco .
5—Ca r tae d e A m o r . p o r S o r o r Mar iana .
' 6 e —No asa Bonham d e Pad s . po r V. Hugo .
S —Am o r e c do D iab o , po r C . 0 . B M CO B
D— F r e i Luís d e Mai l ua , po r A . G a r r e tt.IO— J o sé B á lsam o e M ata-a , ou e la tefar á , po r C . B r anco .
1 1 e ] 2— l l adam e B o m :-y , p o r Fl aube rt.
I R — M cn l na 0 M aça . p o r B e rnar d i m B i bº !
1 4 —B r as tl e l r a d o P r as fnn, po r C . C . B runl ll — Camõ e s, p o r A . Ga r r e tt.
l ll—R o m anc e d am ho m e m r ico , po r C .
B r anco .
'N' — C a r tas d o m e u m afub a. p o r A .
I SK— F r e i r a n o subte r r ân e o , po r C . C .
1 0 V ia g e ns na m i nha te r r a , p o r A : G a r
2 o — O a r msc o d e Víto r H ug o J o sé A l va ,
C . C . B r anco .
2 1 — R a fac l , po r Lam ar ttn e .
2 2—A r c o d e S a n t'
Ana . p o r A. Ga r r e tt.2 8 — l l o sa l r o e S i lva , p o r C . C . B r anco24 e 2 5 No e m i a e tr ês , p o r V . Ii ng o
'
.
26—A R e l ig i o sa , p o'
r D ld e r o t.2 7—Ll r r o da Co nso laçã o , po r C . C . B run28 — A l a la . R e n é, o U l ti m o A be no cr rug e m ,
Chate aub r iand .
2 9 e fl o — U l t i m o s d ias de P o m p e ia .
Il ) ttnn :
3 1 Mulh r r a .da R e tr o , p o r A be l B32— 0 Al j ag e m c d e S an ta r ém e D .
po r ( iur i-e tt.3 3 — F to r a
'
A 'w a . po r Lam a r tin e .
S l — H m'la da F o n te , p o r C . C . 5
8 5— 0 ( lus tr o D r . Ma te us , po r . E r it r tan .
S it— C l áud io , po r [ ,um a rtlBT— D am a do s Fa m i l ia s , p o r A .
8 8 — No B o m J e sus d o M o n te ,B r an co .
att—Na n o » Le n o n , p e l o Abad ed l l— C o n f o rt e ar—o l hl i l o s , p o r J . l t
4 1 —0 0 S am—Im aruí . p o r J . C r ave .
—0 R m ho r D e putad o . p o r J . L .—Eug én ia G r a nd e t, po r B a l zac .
44 — 0 4: que am am e o s que so fr e m ,
G r ave .
D an ta s , Jul i oEl e s e e l a s 2 . e d .
PLEAS E DO NO T REMOVE
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