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Curso de Direito Artigo Original OS LIMITES DO PODER NORMATIVO DAS AGENCIAS REGULADORAS THE LIMITS OF REGULATORY POWER OF REGULATORY AGENCIES Flávio Henrique Alves Germano de Oliveira 1 , Alexandre Amaral Leal 2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professor do Curso de Direito Resumo O presente trabalho tem por escopo analisar os limites do poder normativo das Agências Reguladoras. Trata-se do estudo de uma prerrogativa conferida a essas entidades para tornar exequível matérias estritamente técnicas que careciam de especialidade por parte do legislador infraconstitucional. Neste contexto, este artigo iniciará tratando da evolução da máquina governamental, com o desenvolvimento da administração patrimonialista até a gerencial; em seguida, será desenvolvido a estrutura da Administração Pública vigente com um estudo das entidades da Administração Indireta com o fito de identificar como se deu o processo de especialização até o surgimento das agências reguladoras. Desta forma, será realizada uma análise histórica para verificar como surgiu o poder normativo das Agências Reguladoras e quais são os seus limites. Palavras chave: Administração Pública; Agências Reguladoras; Poder Normativo. Abstract This work has the purpose to analyze the limits of the normative power of regulatory agencies. It is the study of a prerogative granted to those entities to make feasible strictly technical matters that needed specialty by the infra legislature. In this context, this article will start dealing with the evolution of the government machinery, with the development of patrimonial administration to management; then will develop the structure of the current Public Administration with a study of the entities of the indirect administration with the aim of identifying how was the process of specialization to the emergence of regulatory agencies. Thus, there will be a historical analysis to verify how did the normative power of regulatory agencies and what are its limits. Keywords: Keywords: Public Administration; Regulatory Agencies; Legislative Power. Contato: [email protected] ; [email protected] Este trabalho é fruto da experiência profissional adquirida na Administração Pública Federal durante sete anos de serviço público e do conhecimento jurídico, fruto do esforço contínuo para a aprendizagem. O objetivo deste artigo é firmar a possibilidade de as Agências Reguladoras expedirem atos normativos, pelo exercício do seu Poder Normativo, não incorrendo em violação da separação dos Poderes, tampouco, incorrendo em quaisquer ilegalidade. Neste sentido, espera-se mostrar a importância, e seus precedentes, de se ter um órgão especializado na matéria que possa legislar com todo tecnicismo inerente a suas atividades. A ideia é que se obtenha um apanhado histórico do desenvolvimento que desencadeou no objeto deste trabalho, qual seja os limites do Poder Normativo das Agências Reguladoras. Para tanto, o presente trabalho de pesquisa foi elaborado a partir da legislação vigente, da doutrina e da jurisprudência pertinente. A coleta de informações ocorreu pela pesquisa em livros e artigos especializados. O método, portanto, se desenvolveu pelo estudo da literatura que aborda os fundamentos jurídicos da regulação, englobando livros e artigos científicos, e pela longa análise da legislação constitucional e infraconstitucional vigente no ordenamento jurídico brasileiro.

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Curso de Direito Artigo Original

OS LIMITES DO PODER NORMATIVO DAS AGENCIAS REGULADORAS THE LIMITS OF REGULATORY POWER OF REGULATORY AGENCIES Flávio Henrique Alves Germano de Oliveira1, Alexandre Amaral Leal2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professor do Curso de Direito

Resumo

O presente trabalho tem por escopo analisar os limites do poder normativo das Agências Reguladoras. Trata-se do estudo de uma prerrogativa conferida a essas entidades para tornar exequível matérias estritamente técnicas que careciam de especialidade por parte do legislador infraconstitucional. Neste contexto, este artigo iniciará tratando da evolução da máquina governamental, com o desenvolvimento da administração patrimonialista até a gerencial; em seguida, será desenvolvido a estrutura da Administração Pública vigente com um estudo das entidades da Administração Indireta com o fito de identificar como se deu o processo de especialização até o surgimento das agências reguladoras. Desta forma, será realizada uma análise histórica para verificar como surgiu o poder normativo das Agências Reguladoras e quais são os seus limites.

Palavras chave: Administração Pública; Agências Reguladoras; Poder Normativo.

Abstract

This work has the purpose to analyze the limits of the normative power of regulatory agencies. It is the study of a prerogative granted to those entities to make feasible strictly technical matters that needed specialty by the infra legislature. In this context, this article will start dealing with the evolution of the government machinery, with the development of patrimonial administration to management; then will develop the structure of the current Public Administration with a study of the entities of the indirect administration with the aim of identifying how was the process of specialization to the emergence of regulatory agencies. Thus, there will be a historical analysis to verify how did the normative power of regulatory agencies and what are its limits.

Keywords: Keywords: Public Administration; Regulatory Agencies; Legislative Power.

Contato: [email protected] ; [email protected]

Este trabalho é fruto da experiência

profissional adquirida na Administração Pública Federal durante sete anos de serviço público e do conhecimento jurídico, fruto do esforço contínuo para a aprendizagem.

O objetivo deste artigo é firmar a possibilidade de as Agências Reguladoras expedirem atos normativos, pelo exercício do seu Poder Normativo, não incorrendo em violação da separação dos Poderes, tampouco, incorrendo em quaisquer ilegalidade.

Neste sentido, espera-se mostrar a importância, e seus precedentes, de se ter um órgão especializado na matéria que possa legislar com todo tecnicismo inerente a suas atividades.

A ideia é que se obtenha um apanhado histórico do desenvolvimento que desencadeou no objeto deste trabalho, qual seja os limites do Poder Normativo das Agências Reguladoras.

Para tanto, o presente trabalho de pesquisa foi elaborado a partir da legislação vigente, da doutrina e da jurisprudência pertinente. A coleta de informações ocorreu pela pesquisa em livros e artigos especializados.

O método, portanto, se desenvolveu pelo estudo da literatura que aborda os fundamentos jurídicos da regulação, englobando livros e artigos científicos, e pela longa análise da legislação constitucional e infraconstitucional vigente no ordenamento jurídico brasileiro.

1. A Administração Pública

Brasileira

1.1. Introdução às noções históricas

sobre administração pública brasileira

A Administração Pública brasileira clássica, por volta do século XIX, foi puramente de cunho patrimonialista, modelo de gestão que é caracterizado principalmente pela ausência de separação de patrimônio público e privado e pelo nepotismo.

Com a industrialização e o consequente surgimento de regimes democráticos no fim do século XIX, os modelos de governo e gestão ficaram mais complexos e o modelo patrimonialista cede espaço ao modelo burocrático de Weber. Este modelo tem como intento combater o nepotismo e a corrupção buscando uma administração mais racional e impessoal. Entretanto suas disfunções desencadearam a necessidade de um modelo mais dinâmico e moderno.

A administração gerencial surge dessa necessidade decorrente de falhas dos modelos anteriores, mas, sobretudo, do desenvolvimento e amadurecimento da sociedade. Este modelo busca o fortalecimento do Estado pela adoção de técnicas utilizadas no setor privado.

Quando da implementação deste modelo de gestão, década de 70, a administração pública brasileira já estava praticamente estruturada nos termos do Decreto Lei nº 200/67, com a previsão de instituição da administração direta e indireta, termos utilizados até os dias de hoje.

1.2. A Sistemática da Administração

Pública Brasileira Vigente

A Administração Pública Federal é tradicionalmente dividida em Administração Direta e Indireta. Naquela se encontram, por exemplo, os órgãos da presidência da república e os ministérios, todos com caráter de órgão, vale dizer, sem personalidade jurídica.

De forma diversa, na Administração Pública Indireta encontram-se tradicionalmente as Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista, as

duas primeiras com personalidade jurídica de direito público interno e as duas últimas com personalidade jurídica de direito privado.

A Administração Pública Indireta foi concebida para realizar atividades que não podiam ser realizadas pela Administração Pública Direta, seja pela complexidade das atividades ou seja pela impropriedade administrativa que impossibilitava o desempenho de serviços públicos.

Assim, as Autarquias foram concebidas pelo poder público para realizar as atividades de serviços públicos especializados; as Fundações Públicas, como patrimônio público personificado apto ao desenvolvimento de serviços públicos específicos e as Empresas Públicas Estatais, Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista, para desempenho de atividade empresariais do Estado e também para o desempenho de serviços públicos.

Diante da complexidade decorrente da evolução da Administração Pública essas pessoas não foram mais capazes de suportar toda a demanda gerada pela sociedade. Desta forma, acontecimentos históricos e o desenvolvimento da sociedade, desencadearam na necessidade de criação de novas entidades que suprissem essa demanda da nova sociedade.

Neste contexto de evolução da Administração Pública que surgiram as “Novas Pessoas da Administração Púbica“, vale dizer, as Agências Reguladoras, as Agências Executivas e as Associações Públicas.

1.3. Breve estudo sobre os órgãos e

entidades da Administração Pública

A organização administrativa consiste no estudo da estrutura interna da Administração Pública, os órgãos e entidades que a compõem.

A Administração Pública pode ser conceituada como um conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que desempenham a função administrativa. Deste modo, doutrinariamente costuma-se dividir em dois grandes grupos, distinguindo-os ora pela pessoa1

1 No sentido formal, subjetivo ou orgânico de Administração Pública são atores aqueles que desempenham a atividade administrativa: órgãos públicos, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.

que exerce a atividade, ora pela própria atividade administrativa desempenhada.2

Nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº. 200/67, a Administração Federal compreende:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987)

§ 1° As entidades compreendidas na Administração Indireta consideram-se vinculadas ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade. (Renumerado pela Lei nº 7.596, de 1987)

Os órgãos integrantes da Administração Direta, de acordo com a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado.

Ainda, segundo o renomado doutrinador acima, os órgãos não passam de simples repartições de atribuições internas da pessoa cuja intimidade estrutural integram, isto é, não possuem personalidade jurídica. Neste sentido, pode-se afirmar que os órgãos são oriundos da desconcentração administrativa, configurando-se como núcleos de atuação interna em que são distribuídas diversas funções, não possuindo personalidade jurídica.3

2 No sentido material, objetivo ou funcional de Administração Pública a Administração é atividade administrativa exercida podendo ser: serviços públicos, poder de polícia, fomento e intervenção do Estado no domínio econômico. 3 Ainda que pese não possuírem personalidade jurídica, alguns órgãos podem ir a juízo em defesa da garantia do exercício de suas atribuições, conforme se depreende do julgado do STJ abaixo: EMENTA: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – DEFESA JUDICIAL DE ÓRGÃO SEM PERSONALIDADE JURÍDICA – PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DA CÂMARA DE

A Lei do Processo Administrativo Federal, Lei nº 9.784/1999, define órgão como a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da Administração indireta.4

Na Administração Pública a competência atribuída pela lei de criação de determinado órgão/entidade é manifestada pelo órgão que pratica o ato. Vale dizer que na Administração Pública é aplicada a teoria pela qual a pessoa jurídica manifesta a sua vontade através dos órgãos, que o agente atua conforme as competências do órgão, realizando a vontade do ente que o órgão integra.

De outra forma, pelo instituto da descentralização são criadas as entidades da Administração Indireta. Essas entidades são vinculadas aos respectivos órgãos de criação.

Pela descentralização podem ser criadas Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economias Mistas.

1.3.1 Os Serviços Públicos Especializados

– As Autarquias

A definição legal de Autarquia se encontra no art. 5º, I, do Decreto Lei nº. 200/1967:

I. Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

Pela definição acima, pode-se extrair que trata-se de pessoas jurídica de direito público, com capacidade de autoadministração e que foram criadas com o objetivo de prestar serviço público especializado.

Por serem criadas por lei, nos termos do art. 37, XIX, CF, possuem personalidade jurídica de direito público, submetendo-se ao regime jurídico

VEREADORES. (...) 2. Criação doutrinária acolhida pela jurisprudência no sentido de admitir que órgãos sem personalidade jurídica possam em juízo defender interesses e direitos próprios, excepcionalmente, para manutenção, preservação, autonomia e independência das atividades do órgão em face de outro Poder. (...) (REsp 649.824/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2006, DJ 30/05/2006 p. 136) 4 Art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.784/1999, disponível em www.planalto.gov.br .

público no que se refere à criação, extinção, poderes, responsabilidades e prerrogativas.

Dessa forma, como prerrogativas podem ser destacados os prazos processuais dilatados, dobro para recorrer e quadruplo para contestar5, reexame de ofício6 , bens impenhoráveis e imprescritíveis, presunção de legitimidade de seus atos, auto-executoriedade, regime constitucional de precatórios 7 , imunidade tributária relativa a impostos8.

De outro lado, a responsabilidade das Autarquias é a prevista no art. 37, §6º da CF/88, sendo esta, a responsabilidade civil objetiva, a aplicável nas causas de comportamento ativo dos agentes do Estado. A regra, portanto, é a prevalência da Teoria do Risco Administrativo.

Entretanto, quando a responsabilidade se originar de uma conduta por omissão a responsabilidade do Estado passa a ser subjetiva. Nesse caso, prevalece a Teoria da Culpa Administrativa.

Importante frisar que, a responsabilidade ora apresentada, se refere à atuação administrativa estatal. Frise-se, por conseguinte, que a responsabilidade contratual, consagrando as áleas administrativas e extraordinárias, caso fortuito e força maior, fatos imprevisíveis, possui características peculiares para cada situação fática e enseja responsabilidade contratual para o Estado no sentido de manter sempre que possível o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Segundo o professor Moreira Neto, as autarquias podem ser classificadas pelo critério do campo de atuação administrativa em:

a) Autarquia de polícia administrativa: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

b) Autarquias de serviços públicos: o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), bem como as autarquias especiais reguladoras de serviços públicos.

c) Autarquias de ordenamento econômico: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Banco Central do Brasil (BACEN) e, como exemplo em âmbito do Direito Administrativo estadual, uma autarquia especial do Estado do Rio Janeiro, o Instituto Estadual do Ambiente – INEA, entidade integrante da Administração Pública estadual indireta, criada pela Lei n.º 5101, de 4 de outubro de 2007, submetida a regime autárquico especial, com a função de executar as políticas

5 Art. 188 do CPC 6 Art. 475 do CPC 7 Art. 730 e 731 do CPC e art. 100 da CF/88 8 Art. 150, VI da CF/88.

estaduais do meio ambiente, de recursos hídricos e de recursos florestais, com funções de polícia e de fomento.

d) Autarquia de ordenamento social: o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

e) Autarquia de fomento público: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

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Pelo critério das peculiaridades de seu regime, podem ser classificadas em: autarquias ordinárias, assim considerando aquelas criadas por lei e submetidas ao regime geral; especiais, aquelas instituídas com regime jurídico especifico; territoriais, considerados os extintos Territórios Federais; fundacionais, entendendo-se as fundações públicas de direito público; corporativas, aquelas que exercem regulação e fiscalização profissional e consorciais instituídas pela Lei 11.107/05 constituindo pessoas jurídicas de direito público os consórcios públicos criadas com base nesta lei.

Por fim, pelo critério do modo de atuação, classificam-se as autarquias em tradicionais, reguladoras, executivas e corporativas. As autarquias tradicionais são aquelas que possuem como finalidade a prestação se serviço público. As reguladoras distinguem-se pela outorga que foi conferida por uma qualificação legal, essencial e permanente. As executivas caracterizam-se por uma outorga de qualificação efêmera, dependente do preenchimento de condições específicas.

1.3.2 As Fundações Públicas

As Fundações Públicas possuem definição legal no art. 5º, IV do DL. 200/67, e dispõe que:

Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

A definição do Decreto-Lei não foi recepcionada pela atual Constituição Federal, que, pelo contrário, dispensou tratamento diferenciado às Fundações, inclusive exigindo lei complementar para definir suas áreas de atuação. A definição legal de fundação pública se amolda à previsão do Código Civil, não constituindo objeto desse estudo

9 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “Curso de Direito Administrativo.” iBooks.

Neste sentido o professor Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que:

É absolutamente incorreta a afirmação normativa de que as fundações públicas são pessoas de Direito Privado. Na verdade, são pessoas de Direito Público, consoante, aliás, universal entendimento, que só no Brasil foi contendido. Saber-se se uma pessoa criada pelo Estado é de Direito Privado ou de Direito Público é meramente uma questão de examinar o regime jurídico estabelecido na lei que a criou. Se lhe atribuiu a titularidade de poderes públicos, e não meramente o exercício deles, e disciplinou-a de maneira a que suas relações sejam regidas pelo Direito Público, a pessoa será de Direito Público, ainda que se lhe atribua outra qualificação. Na situação inversa, a pessoa será de Direito Privado, mesmo inadequadamente nominada.

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Ainda que pese a definição legal, o entendimento doutrinário e jurisprudencial, quando se trata de administração pública, é o de que são entidades de direito público interno.

Segundo o professor Celso Antônio Bandeira de Mello as fundações públicas são pura e simplesmente autarquias, às quais foi dada a designação correspondente à base estrutural que têm.11

As Fundações Públicas, assim consideradas entidades de direito público interno, são espécies de Autarquias, e, por conseguinte, chamadas de Autarquias Fundacionais.

Pela natureza do caráter autárquico, são instituídas por lei específica que determina a afetação de um acervo patrimonial para desempenhar uma finalidade pública. Possuem as mesmas prerrogativas jurídicas aplicáveis às Autarquias.

1.3.3 As Empresas Públicas

O termo “Empresas Públicas“, no sentido lato, é utilizado para designar as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista, entidades da Administração Indireta, ou ainda Empresas Estatais.

Conforme disposição do DL nº 200/67, são pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Estado para a atuação no domínio econômico. A empresas públicas, portanto, podem ser classificadas como pessoas jurídica de direito privado, integrantes da Administração Indireta, instituídas mediante autorização em ei específica

10 Curso de Direito Administrativo, 30ª Edição. Malheiros Editores. Celso Antônio Bandeira de Mello. 11 Acórdão do STJ no REsp 204.822-RJ, em 26.6.2007, relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura

pelo Poder Público, sob qualquer forma jurídica e com capital exclusivamente público para desempenhar atividades econômicas ou prestar serviços públicos. Suas demandas são de competência da Justiça Federal.

As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Indireta, instituídas mediante autorização em lei específica pelo Poder Público, sob a forma de sociedade anônima, que possuem em sua composição capital público e privado sendo a pessoa instituidora a detentora do controle acionário para desempenhar atividades econômicas ou prestar serviços públicos. Suas demandas são julgadas na justiça comum estadual.

As empresas estatais, ainda que possuam personalidade jurídica de direito privado, sofrem controle pelos Tribunais de Contas, e pelos Poderes Legislativo e Judiciário.

Da mesma forma que as entidades de direito público, devem contratar mediante licitação prévia. Contudo, se se tratar de bens e serviços relacionados diretamente com suas atividades finalísticas e as empresas forem exploradoras de atividade econômicas, não precisam licitar para evitar a inviabilização de competição com as empresas do setor privado.

Semelhança que possuem com as Autarquias é a necessidade de realizar concurso público para admissão de pessoal e a proibição de acumular cargos.

O regime de contratação de pessoal é o celetista, salvo seus dirigentes, que são sujeitos ao regime de cargo em comissão. A remuneração de seus empregados se submete ao teto remuneratório somente se receberem recursos públicos para pagamento de despesa de pessoal ou de custeio em geral.

Ainda que pese sua personalidade de direito privado, por previsão expressa na Lei de Falências, a Lei nº. 11.101/05, não se submetem ao regime de falência.

2. Noções introdutórias ao Poder

Legislativo e ao Poder Regulamentar

Nos termos da Teoria da Separação dos Poderes, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, CF/88, estabeleceu como funções

estatais, independentes e harmônicas entre si, executar, legislar e julgar.

Essas funções foram atribuídas precipuamente ao Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, respectivamente. O caráter não exclusivo do desempenho dessas funções é corolário do sistema de freios e contra pesos.12

Nesta teoria, consagrada por Montesquieu, cabe ao Poder Legislativo a função típica de legislar e fiscalizar; ao Executivo, administrar e ao Judiciário, julgar nos termos da lei.

A sistemática dessa teoria consiste na possibilidade de cada poder conter abusos de outros poderes, estabelecendo-se, dessa maneira uma harmonia e equilíbrio entre eles.

Desta forma, por exemplo, diante de um abuso de poder caracterizado pela inconstitucionalidade por omissão legislativa, nos termos da Lei 12.063/2009, o Poder Judiciário pode ser acionado para defesa da ordem jurídica. 13

Sendo assim, como as funções estatais não são exclusivas, a função legislativa, face ao sistema de freio e contrapesos, não possui caráter de monopólio do Poder Legislativo. Tanto é que a própria constituição expressa a faculdade de o Poder Executivo iniciar o processo legislativo, com a iniciativa geral das leis ou com a iniciativa privativa.

12 A jurisprudência do STJ, traduz de forma clara a sistemática do sistema de freios de contrapesos no julgado seguinte: EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIMENTO DE RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUPERLOTAÇÃO DE PRESÍDIO. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE DETENTOS POR PORTARIA DO JUIZ CORREGEDOR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. (...) 3.Uma vez provocada, a prestação jurisdicional efetuada pelo Poder Judiciário não implica interferência nas atribuições constitucionais do Poder Executivo, pois o sistema de freios e contrapesos assegura a independência e a harmonia referida no art. 2º da Constituição Federal e concretiza, nas situações autorizadoras, como no presente caso, a dignidade da pessoa humana, meta central da Carta Magna de promoção do bem-estar do homem. (AgRg no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 38.966 – SC (2012/0180333-1) (grifos meus) (RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI, AGRAVANTE : ESTADO DE SANTA CATARINA, PROCURADOR : FERNANDO ALVES FILGUEIRAS DA SILVA, AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA) 13 A Lei nº 12.063/2009 estabelece a disciplina processual da ação direta de inconstitucionalidade por omissão acrescentando o capítulo II – A à Lei nº 9.868/1999.

O poder legiferante é primário, uma vez que possui previsão constitucional, e responsável pela criação das leis. O poder regulamentar, por sua vez, tem natureza jurídica de ato derivado ou secundário, visto que foi instituído não pela norma constitucional, mas pela própria lei, e, por isso, é infraconstitucional e infralegal.

Neste aspecto, a doutrina de Carvalho Filho ensina que só se considera poder regulamentar a atuação administrativa de complementação de leis.

A formalização do poder regulamentar opera por decretos e regulamentos. A própria CF/88 estabelece como atribuição do Presidente da República a expedição de decretos e regulamentos para fiel execução das leis.

Considerando o princípio da simetria, aos chefes do Poder Executivo do âmbito estadual, distrital e municipal também seriam conferido a mesma competência.

O professor Alexandre Santos de Aragão reconhece o poder regulamentar como uma das maiores válvulas de escape para o conceito estrito de legalidade então adotado: o próprio Legislador abriu mão de estabelecer normas detalhistas, transferindo grande parte da densificação jurídica para o momento posterior da dinâmica jurídica, ou seja, para o administrador ou para o juiz.14

2.1. Os Regulamentos e o Poder

Regulamentar

A grande variedade de atos normativos existentes no ordenamento jurídico pátrio traz como consequência didática lógica uma extensa classificação que passa longe de ser adotada de forma uníssona pelos doutrinadores. Por entender ser a mais completa, neste artigo será adotada a classificação de Carvalho Filho.

Para o professor acima, instruções normativas, resoluções, portarias, apesar de terem uma aplicação mais restrita, veiculam normas gerais e abstratas para explicitação das leis, desde modo, não podendo ser desconsiderados como formas de formalização do poder regulamentar.

Neste esteio, considerando a hierarquia normativa, Carvalho Filho ensina que existem

14 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Curso de Direito

Administrativo.” iBooks.

diversos graus de regulamentação que é determinado conforme o patamar que se encontra o ato regulamentador.

Assim, os decretos e regulamentos seriam considerados atos de regulamentação de primeiro grau; os atos que se subordinam a eles e que os regulamentem, como exemplo uma instrução normativa de um Ministro de Estado regulamentando um decreto do Presidente da República, seriam considerados atos regulamentação de segundo grau e assim por diante. Quanto maior o grau, maior seria o detalhamento para o fiel cumprimento da lei.

Frise-se que a classificação acima deve ser considerada analisando-se o sistema normativo na qual o ato de regulamentação está inserido, sob pena de se efetuar classificações errôneas. Dessa forma, atos de regulamentação de primeiro grau podem ser formalizados por outros atos que não sejam os decretos e os regulamentos, mas como o mesmo caráter normativo e complementar.15

Os regulamentos, como já exposto, exercem papel complementar para dar fiel execução à finalidade da lei. Essa complementariedade possui como limite o princípio constitucional expresso no art. 2º da CF/88, separação dos Poderes, se consubstanciando inclusive como cláusula pétrea.16

Considerando-se ainda que o Poder Legislativo é o que detém a função precípua de legislar, é inconcebível a renúncia que lhe foi atribuída pela CF/88, não podendo, dessa forma, o poder regulamentar simular o exercício da atividade legiferante.

O poder regulamentar, também chamado de poder normativo técnico, possui como objeto a edição de um regulamento, qualificado como ato administrativo, podendo receber o nome de decreto, resolução ou portaria. 17

O regulamento, por seu turno, como ato secundário, não pode contrariar a lei ou se estender além dos limites legais. O regulamento possui a função principal de explicitar a lei e lhe dar exeqüibilidade. A regulamentação de lei não é privativa dos chefes do Poder Executivo, podendo a

15 O art. 61 da Lei nº 9.096/1995, determina que: O TSE expedirá instruções para a fiel execução desta Lei. Fica evidente que o TSE possui a competência da mesma função regulamentar de primeiro grau exercida pelo Presidente da República por decretos e regulamentos prevista no art. 84, VI, CF/88. 16 Art. 60,§4º, III, CF/88. 17 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências reguladoras e poder normativo.

lei estender às entidades da Administração Pública a função reguladora.

A função reguladora não se confunde com a função regulamentar. Esta só pode ser outorgada em matérias que tenham sido previamente deslegalizadas pelo Poder Legislativo, o que ocorre com as matérias referentes às agências reguladoras.

Desta forma, pode se extrair que as Agências Reguladoras possuem poder regulamentar nas matérias de sua competência.

2.2 A delegação legislativa

Segundo o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a desestatização de serviços públicos, por meio de formas indiretas de execução, não importa na sua despublicização, mas sim a transferência ou devolução da execução das tarefas para a iniciativa privada, as quais requerem a republicização dos mecanismos de controle do Estado sobre elas. E a função reguladora é produto da deslegalização, isto é, exercício de competência normativa por direta delegação legislativa, outorgada com a finalidade de sujeitar determinadas atividades a regras predominantemente técnicas, de interesse público.18

Partindo deste conceito, a deslegalização trataria da retirada, feita pelo próprio legislador, de certas matérias que estavam sujeitas ao domínio de lei e que, a partir deste fenômeno, estariam sujeitos ao domínio de um regulamento.

A própria entrega de serviços públicos aos particulares ensejaria a necessária edição de regulamentos para parametrização do exercício dessas atividades, que antes eram exercidas em monopólio estatal e agora são exercidas por uma variedade de sujeitos.

A regulamentação, como bem ensina o professor Moreira Neto, possui a finalidade de proteger regras técnicas de interesse público e que sejam imprescindíveis ao adequado desempenho das atividades delegadas.

Assim, grosso modo, pode-se afirmar que desestatização seria a transferência da prestação do serviço público do Estado para o particular,

18 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14.ed. rev., ampla. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 447

situação que ensejaria a deslegalização para atender a adequada regulamentação por órgãos técnicos.

De acordo com Justen Filho, a dicção correta do art. 84, IV, da CF/88, leva à conclusão de que a competência para editar regulamentos não é privativa do Presidente da República, mas se distribui entre as diversas entidades integrantes da Administração Pública, pois a redação do dispositivo não estaria a apontar para a existência de uma reserva constitucional privativa para o Chefe de o Executivo federal editar normas gerais, de natureza regulamentar, visando à perfeita execução das leis.19

De acordo com a teoria geral dos regulamentos, estes atos normativos não manifestam caráter legislativo. Assim, observando-se a hierarquia normativa regente do ordenamento jurídico brasileiro e o princípio da precedência da lei, só a lei pode criar ou estabelecer condições para o exercício de direito, o regulamento, por sua vez, seria o ato complementar pelo qual tornaria o direito aplicável.

3. Breve Histórico das Agências Reguladoras e os Antecedentes da Deslegalização

As Agências Reguladoras foram introduzidas no direito brasileiro para fiscalizar e controlar os investidores privados que passaram a desempenhar tarefas com o processo de privatização ocorrido a partir dos anos 90.20

A previsão constitucional ocorreu com a edição da Emenda Constitucional nº 8/1995 que determinou a criação de órgão regulador, sendo considerado o marco histórico para a introdução das Agências Reguladoras no Brasil.

19 JUETEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 20 “Emenda Constitucional nº 5/1995 decretou o fim da exclusividade da prestação direta, pelos Estados, dos serviços locais de gás canalizado. A Emenda Constitucional nº 6/1995 foi a responsável pela extinção do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional, especialmente quanto à pesquisa e à lavra de recursos minerais e ao aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica. A Emenda Constitucional nº 8/1995 determinou o fim da exclusividade estatal na prestação dos serviços de telecomunicação. A Emenda Constitucional nº 9/1995 determinou a quebra do monopólio estatal das atividades de pesquisa, lavra, refino, importação, exportação e transporte de petróleo, gás natural e hidrocarbonetos.

Essas agências possuem a natureza jurídica de autarquias com regime especial, com algumas peculiaridades no seu regime jurídico. Os dirigentes possuem estabilidade, sendo protegidos contra desligamento desmotivado e somente podendo perder o cargo com o encerramento do mandato, por renúncia ou por decisão judicial transitada em julgado. Outra peculiaridade é a existência de mandatos fixos, variando de acordo com a lei de criação de cada agência.

Depois do mandato, os dirigentes devem cumprir o período de quarentena, período no qual ficam impedidos para o exercício de atividades no setor que regulava suas agências. Esse período é remunerado e tem a finalidade de evitar que empresas privadas contrate ex-dirigentes que ainda tenham informações decorrentes dos exercício da direção da agência e possam beneficiar a iniciativa privada em detrimento do fim público.

Como exposto acima, intempéries e contratempos fatídicos, além de contribuir para o desenvolvimento humano, são responsáveis por impulsionar o surgimento de novas doutrinas.

A legalidade, princípio da Administração Pública, com previsão constitucional e legal, princípio basilar do ordenamento jurídico e fundamento da ação estatal, ainda que pese sua relevância e imprescindibilidade, não se pode furtar da existência e constante presença de conceitos jurídicos indeterminados.

Esses conceitos, por inúmeras vezes utilizados na legislação pátria confere inquestionável caráter de discricionariedade na interpretação legal.

No exercício do poder discricionário o administrador está subordinado à lei, diferenciando-se do Poder Vinculado, porque o agente tem liberdade para atuar de acordo com um juízo de conveniência e oportunidade, de tal forma que, havendo duas alternativas, o administrador poderá optar por uma delas, escolhendo a que, em seu entendimento, preserve melhor o interesse público.21

A Suprema Corte Americana, no caso Chevron v. NRDC (Natural Resources Defense Council, Inc. 1983) entendeu que a Administração Pública detém primazia na interpretação dos conceitos indeterminados das leis a ela dirigidas, somente podendo intervir o Poder Judiciário em casos teratológicos.

21 Fernanda Marinela, Direito Administrativo 2013.

Dessa forma, na jurisprudência norte-americana, o caso Chevron é o grande precedente da teoria da deferência administrativa em relação à interpretação razoável dada pela Administração. De fato, em Chevron USA Inc. vs. National Resources Defense Council Inc. (467 U.S. 837 (1984) ficou estabelecido que, havendo ambiguidade ou delegação legislativa para a agência, o Judiciário somente deve intervir se a Administração (no caso, uma agência reguladora) tiver atuado contra legem ou de maneira irrazoável. 22

O Poder Judiciário pátrio, em consonância com o direito estrangeiro, incorporou esta teoria, o que se vê no julgado abaixo:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 267, § 3o, DO CPC. INOCORRÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TELECOMUNICAÇÕES. INTERCONEXÃO. VALOR DE USO DE REDE MÓVEL (VU-M). DIVERSAS ARBITRAGENS ADMINISTRATIVAS LEVADAS A CABO PELA ANATEL. DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA EM CONFLITO ENTRE PARTES DIFERENTES, MAS COM O MESMO OBJETO. MATÉRIA DE ALTO GRAU DE DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA. EXTENSÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA ÀS HIPÓTESES QUE ENVOLVEM OUTRAS OPERADORAS DE TELEFONIA. DEVER DO JUDICIÁRIO. PRINCÍPIOS DA DEFERÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA, DA EFICIÊNCIA E DA ISONOMIA. EVITAÇÃO DE DISTORÇÕES CONCORRENCIAIS. REVISÃO DA EXTENSÃO DA LIMINAR DEFERIDA NO PRESENTE CASO.

(...)

5.5. Parece que, tendo em conta o alto grau de discricionariedade técnica que permeia o assunto e também os princípios da deferência técnico-administrativa, da isonomia e da eficiência, não se pode ignorar que, embora em sede de contenda instaurada entre a GVT e a Vivo, a lógica do sistema de telecomunicações impõe que o valor de referência aí fixado seja estendido a todos os demais participantes de arbitragens similares (englobando, pois, a arbitragem entre a GVT e a TIM - parte recorrente).

(...)

5.9. Mantendo a incidência da principiologia acima já declinada (princípios da isonomia, da eficiência e da deferência técnico-administrativa), parece incongruente, a esta altura, manter a liminar nos termos em que deferida quando a agência reguladora do setor de telecominicações já fixou o VU-M que entende cabível - ainda que no âmbito da arbitragem "GVT vs. Vivo".

6.4. Em matéria eminentemente técnica, que envolve aspectos multidisciplinares (telecomunicações, concorrência, direito de usuários de serviços públicos), convém que o Judiciário atue com a maior cautela possível - cautela que não se confunde com insindicabilidade, covardia ou falta de arrojo -, e, na espécie, a cautela possível é apenas promover o redimensionamento da tutela antecipada aos termos do Despacho Anatel/CAI n. 3/2007.

22 http://www.oab.org.br/editora/revista/revista11/artigos/constituicaodemocraciaesupremaciajudicial.pdf

(RESP 200902425347, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/06/2010 ..DTPB:.)

4. Os limites do Poder Normativo das Agências Reguladoras

A normatização promovida pelas entidades reguladoras pressupõe adequadas condições de seu exercício. Para tanto, torna-se indispensável que o poder público concedente realize o marco regulatório com a edição de leis preparatórias com a previsão do exercício regulamentar das reguladoras bem como as a deslegalização de matérias eminentemente técnicas que fogem ao interesse legislativo.

Assim, independentemente da origem, se legal ou constitucional, da agência reguladora o caráter normativo de seus regulamentos técnicos possui limites e devem observar:23

a) o reconhecimento de que os regulamentos, atos administrativos hierarquicamente subordinados à lei e à constituição, não podem desrespeitar as normas e princípios de direito que lhe são superiores, sendo-lhes vedado modificar, suspender, derrogar ou revogar as normas e princípios constitucionais, ou contrariar a lei, não sendo admissível o regulamento contra legem;

b) o regulamento não pode inovar na ordem jurídica, estabelecendo direitos, obrigações ou deveres novos às pessoas privadas, sem qualquer respaldo em lei, e tampouco lhe é, pelo mesmo raciocínio, autorizado ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações legais;

c) só é possível aos regulamentos gerar deveres, direitos e obrigações, se previamente estabelecido seu contorno em lei, que determinará os padrões para a atuação administrativo-normativa regulamentar;

d) pelo princípio da tipicidade aplicado ao Direito Administrativo, não é possível à autoridade administrativa criar normas cuja edição pressupõe processo legislativo certo e específico, assim como competência legislativa constitucional, não cabendo ao regulamento criar crimes, instituir penas e sanções, prever tributos ou encargos de qualquer natureza, instituir restrições à igualdade, à liberdade e à propriedade, exigir autorização prévia por parte dos órgãos públicos para o exercício de atividade econômica privada ou determinar alterações ao estado das pessoas por iniciativa própria;

23 CUELLAR, 2001, pp. 124-127.

e) o regulamento, em princípio, não pode ter efeito retroativo, exceto quando se destinar a beneficiar pessoas privadas e desde que respeite o princípio da isonomia;

f) a expedição de regulamento deve sempre ser fundamentada, apresentando motivação pública de fato e de direito, contemporânea à sua edição, pois, ainda que geral e abstrato, é ato administrativo;

g) os regulamentos, como qualquer ato administrativo, são passíveis submissão a controle pelo Judiciário, seja quanto à sua emanação, seja com relação ao seu conteúdo, preservando-se, aí, a essência do sistema de checks and balances.

Diante todo exposto, sob pena de exorbitar a matéria a ser regulamentada, sob pena de ferir o princípio constitucional da separação e independência dos Poderes, o exercício do Poder Normativo das Agências Reguladoras deve se abster da inovação abstrata, devendo ser exercido estritamente nos limites estabelecidos na legislação.

5. Conclusão

As Agências Reguladoras, na qualidade de Autarquias, possuem grande importância para a Administração Pública Brasileira. O desempenho de suas atividades foi, por longo tempo, testado e seu crescimento e resposta para as diversas responsabilidades aconteceram na medida em que lhes eram postas frente novos desafios.

A capacidade técnica do corpo de profissionais que integram essas entidades pode ser considerado como o de melhor conhecimento existente no Brasil. Isso porque os profissionais técnicos, estudiosos, pesquisadores, mestres e doutores em suas áreas tendem a compor (investidura mediante concurso público para as carreiras do quadro de pessoal da Agência) o quadro de pessoal da agência da qual tiveram longos anos de estudos dedicados às suas matérias.

Por vezes, o tecnicismo que deve permear a norma legal de determinadas matérias é ausente e carece de quem o faça. Neste contexto, o cresce e ganha espaço o poder regulamentar das Agências Reguladoras.

Frente ao abstracionismo técnico que permeia as normas, a discricionariedade encontra

amplo espaço para exercer a própria natureza de sua existência, qual seja a de escolher o melhor, mais oportuno e mais conveniente em determinada situação.

O regulamento, fruto do Poder Normativo das Agências Reguladoras, é editado com o fim em técnico e específico, não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que não estejam estabelecidos e restringidos pela lei.

Dessa forma, o regulamento não pode regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação. Se o Chefe do Poder Executivo não pode se valer de funções legislativas, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta.

Agradecimentos

Agradeço a Deus, sobretudo, por me conceder a oportunidade de ver meus filhos crescerem e por tudo aquilo que ele estão me ensinando; aos meus pais, pela formação, amor e paciência ao longo tempo; a minha mulher, por nossa família constituída sob a proteção do Pai; aos meus irmãos, pelo momentos e aprendizados construídos em nossas amizades; aos meus avós e sogros, por me mostrarem um lado diferente de se ver as coisas.

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