deixar-se como herança para a humanidade, ismael nery e a fase surrealista

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    Andre Teixeira Cordeiro

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    DEIXAR-SE COMO HERANA PARA A HUMANIDADE,ISMAEL NERY E A FASE SURREALISTA1

    BECOMING CULTURAL INHERITANCE FOR MANKIND,ISMAEL NERY AND SURREALIST PHASE

    Andre Teixeira Cordeiro2

    RESUMO: Inicialmente, apresenta-se o pintor Ismael Nery, as fases de sua obra pictrica esuas idias e concepes filosficas. No segundo momento, trata-se, mais especificamente, deum poema em prosa (ltima pgina ou Testamento Espiritual de Ismael Nery) e umdesenho da fase surrealista (Testamento de Ismael Nery). Sero apontadas as vrias ligaes entreas duas obras, no sentido de observar a perfeita unidade existente entre elas. Nesse dilogoentre poesia e pintura, sero empregadas tambm algumas passagens de textos das crticas dearte e literria do poeta Murilo Mendes e ainda trechos de uma entrevista concedida por ele revistaVejanos anos 70. Ao final do trabalho, ser destacado o uso do visual surrealista, porparte de Ismael, em benefcio de seus interesses espirituais e apostlicos.

    PALAVRAS-CHAVE: surrealismo, essencialismo, poesia, pintura, doao.

    ABSTRACT:First, we introduce the painter Ismael Nery, the phases of his pictorial work,

    ideas and philosophical conceptions. Soon after, we delve deeper into a poem in prose anda surrealist drawing (Ismael Nerys Testament). We focus on the various connections

    between the two works, highlighting the corresponding perfect unity between both. In this

    dialogue between poetry and painting, passages extracted from literary and art critiques by

    the poet Murilo Mendes and extracts from an interview given by Murilo Mendes to Veja

    magazine in the seventies emphasize the meaning we want to convey. Finally, the use of

    the surrealist visual language by Nery to deal with his spiritual and apostolic concernsenhances this bridge between painting and literature.

    KEY WORDS: surrealism, essentialism, poetry, painting, donation.

    1Esse artigo, com algumas alteraes, parte da minha tese de doutoramento em literatura

    brasileira - realizada com o apoio do CNPq, e defendida na Universidade de So Paulo(USP) em 2008.2Professor de Literatura e suas interfaces.

    tra

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    1982-59

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    Ele feriu J com chagas malignas desde a planta dosps at o cume da cabea. Ento J apanhou um cacode cermica para se coar e sentou-se no meio dacinza. Sua mulher disse-lhe: Persistes ainda em tuaintegridade? Amaldioa a Deus e morre duma vez!

    Ele respondeu: Falas como uma idiota: se recebemosde Deus os bens, no deveramos receber tambm osmales?

    J cap. 2, v. 8-11

    Poesia a grande arte da construo da sadetranscendental. O poeta portanto o mdicotranscendental. A poesia reina e impera com dor eccega com prazer e desprazer erro e verdade

    sade e doena Mescla tudo para seu grandefim dos fins a elevao do homem acima de si

    mesmo.Novalis

    Em torno do pintor Ismael Nery, reuniram-se muitos intelectuais cariocas, fascinados

    pela sua inteligncia e domnio dos mais variados assuntos: poltica, economia, arquitetura,

    anatomia, matemtica, moda, msica, teatro, cinema, pintura, filosofia. Ismael e sua esposa

    Adalgisa costumavam receber intelectuais que se destacavam naquele Rio de Janeiro dos anos

    20 e 30: Mrio Pedrosa, Antnio Bento, Jorge Burlamaqui, Guignard, Manuel Bandeira, Jorge

    de Lima, Murilo Mendes e outros. Se por um lado Ismael fascinava com sua inteligncia, o

    artista tambm assustava por professar o catolicismo num tempo em que quase todos os

    grandes intelectuais, na ento capital federal, eram agnsticos. S a partir de meados dos anos

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    30 e comeo dos anos 40 (MOURA, 1978), pela influncia de nomes como Alceu Amoroso

    Lima, Pe. Leonel Franca e D. Toms Keller, muitos deles passaram a professar o catolicismo.

    O catolicismo de Ismael prega o sopro da revolta e da renovao. O artista interessou-

    se muito pouco pelo Deus do Velho Testamento, que segundo ele apenas condena, mas procurou

    elevar a figura de Jesus Cristo. O Cristo prximo e amigo, parte do quotidiano. Na sua pintura

    e poesia, mescla tendncias esotricas e alqumicas ao catolicismo. Seu catolicismo ganha ares

    de heresia; misticismo e sexualidade se fundem. Esprito, matria e sexo renem-se para religar

    os homens a Deus.

    O artista foi um desenhista nato e se expressava com uma rapidez quase automtica.

    Desde os tempos da Escola Nacional de Belas Artes, seus desenhos e aquarelas eram muito

    famosos. concentrao e ao equilbrio, ele sempre preferiu a liberdade de expresso. Lcio

    Costa, seu colega na instituio, ressalta a dedicao de Portinari que:

    encarou desde cedo a arte como ofcio, para valer.... Ao contrrio de IsmaelNery que, aparentemente no levava nada a srio, e em vez de desenhar a carvo ogesso das moldagens na aula de Luclio de Albuquerque imitava com incrvelfacilidade as garotas da Vie Parisiennee o esfumado romntico das reprodues de

    Tranquilo Cremona... (AMARAL, 1984, p. 12)

    Da atitude de transgresso academia, consolida a sua primeira fase a partir do contato

    que teve, em sua primeira viagem Europa, em 1921, com as vanguardas europias. Ele teria

    ido Europa, com o intuito de estudar na Academia Julian, em Paris, assim como o teria feito

    Tarsila do Amaral, mas acabou no se adaptando s aulas. Estuda apenas trs meses na

    instituio e passa a percorrer os museus da Europa. Em sua produo posterior, possvel

    identificar

    aspectos que remetem aos artistas pr-rafaelitas, linha sinuosa de Bearsdley [oilustrador de Salom, de Oscar Wilde], ao facetamento cubista e suas simplificaesem direo ao art dec, referncias aos paradoxos de Magritte, bidimensionalidadematisseana, s paisagens de De Chirico e sua aluso aos objetos fragmentados...(RIBEIRO, 2000, p. 63)

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    Segundo o essencialismo, tudo o que existiu foi absolutamente til;verdadeiramente o homem nada fez que no tivesse pelo menos ogrande valor de uma experincia. Conforme se disse, j tempo decomear a selecionar essas experincias e orden-las, pois j sentimos ohorror de repeti-las. O homem essencialista portanto o homem quetendo esgotado as experincias que a vida oferece, procura extrair umafilosofia fundada nos resultados de suas selees. (MENDES, 1935, p.

    315)

    Em 1927, Ismael Nery retorna a Paris com a mulher, a me e o primeiro filho. Nesta

    ocasio, ele trava contato com muitos artistas, dentre eles Andr Breton, o chefe do

    movimento surrealista, Villa Lobos, Van Dogen, Juan Mir e Marc Chagall. A influncia deste

    ltimo ser percebida pelo clima onrico e flutuante de uma srie de obras de Ismael,

    denominada chagalliana. A fase surrealista, que compreende tambm a srie chagalliana, ser a

    ltima de Ismael, ela vai de 1927 at 1933, quando o artista, muito debilitado, deixa de pintar e

    de desenhar. Nestes ltimos anos de sua vida, com a descoberta da tuberculose, e uma vez queele passa a residir em sanatrio, Ismael trabalhar cada vez mais com o desenho. Esta sua fase,

    de pinturas e desenhos surrealistas, o momento em que ele, como Frida Kahlo, perscrutar

    seu corpo at as entranhas. Desenhar suas vsceras e explorar toda a dor e os mistrios da

    anatomia humana.

    ainda neste perodo que, j internado no sanatrio, ele passa a escrever poemas

    estimulado por Murilo Mendes. No entanto, numa atitude kafkiana, Ismael costumava lan-

    los ao lixo ou, simplesmente, os deixava sobre a bandeja do caf da manh. Alguns deles foram

    recolhidos pelos enfermeiros e mdicos. Posteriormente sua morte, Manuel Bandeira o

    incluiria (ao lado de Pedro Dantas, Pedro Nava, Rachel de Queiroz, Guimares Rosa,

    Waldemar Lopes, etc) em sua coletnea de poetas bissextos:

    No procurem a expresso nos dicionrios, porque no a encontram. Paradicionrio bissexto s h ano, e o que tem um dia a mais, o que ocorre de quatroem quatro anos. Poeta bissexto deve, pois, chamar-se aquele em cuja vida o poemaacontece como o dia 29 de fevereiro no ano civil. Esquematizao grosseira. Em

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    suma, bissexto todo poeta que s entra em estado de graa de raro em raro.(BANDEIRA, 1946, p.5)

    Para Murilo Mendes, em decorrncia da pequena quantidade de poemas que deixou, a

    classificao est certa:

    Mas, verdade, Ismael era poeta contumaz, e ningum conheci mais poeta do que

    ele. Punha mesmo a sua qualidade de poeta acima da de filsofo e muito acima dade pintor. Como s vezes eu o interpelasse a respeito da possibilidade de eleescrever poesia, Ismael respondia que no desejava ser poeta oficial [...]. [...]Dessa pequena srie existem dois poemas em prosa (que no constam, de resto, daantologia de Bandeira) e que considero at hoje, depois de os ter lido inmeras

    vezes, extraordinrios, com uma atmosfera nica na poesia brasileira, e que so:Poema Post-essencialista e O Ente dos Entes. (MENDES, 1996, p. 29-30)

    A fase surrealista e o testamento espiritual de Ismael Nery: a poesia como apintura.

    Essa fase tem sido considerada a mais representativa de Ismael. Ela compreende os

    ltimos seis anos de sua vida. Uma vez diagnosticada a tuberculose, em 1930, o artista pinta

    cada vez menos e dedica-se mais aos desenhos. Executava-os com uma velocidade

    impressionante, mas esteve sempre pautado em suas indagaes filosficas. Seu filho Ivan dizia

    t-lo visto desenhando at mesmo com caf e palitos de fsforo, tamanha a habilidade e a

    inquietao permanente de Ismael.

    O artista no lanou mo do surrealismo de uma maneira rgida, seguindo-o tal qual

    uma receita. Mesmo desenhando com tanta velocidade, no praticou o automatismo psquico.

    Sua obra era extremamente cerebral e utilizou-se do surrealismo como um processo de

    conhecer, apropriou-se do visual surrealista para compor uma obra, como nas outras fases, de

    forte pendor simbolista. A busca da fuso de elementos contrrios continuou sendo

    amplamente praticada por ele. Junta elementos opostos para extrair, de forma bastante

    racional, imagens chocantes e incomuns associadas ao seu essencialismo.

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    Fig. 1 Resignao diante do irreparvel. Ismael Nery.

    Guache s/papel, 22,5 x 16 cm. Col. part. SP.

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    Fig.2 Testamento de Ismael Nery. Ismael Nery. Aquarela s/papel, 22,7 x 15,6 cm.

    Col. Chaim e Regina Hamer.

    Na aquarela Testamento de Ismael Nery(fig. 2), o artista-totem deixa-se em herana para a

    humanidade. A paisagem infinita, um Ismael de corpo atltico e nu, com uma chaga na mo,

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    deposita a prpria cabea sobre a rocha em forma de pedestal que, lentamente, vai sendo

    tomada por uma espcie de hera. Ao fundo, outros corpos nus aproximam-se em fila,

    humildemente. Esto contritos, de cabea curvada e a posio das mos denota penitncia.

    Os indivduos tm em Ismael um ancestral comum, sendo assim, demonstram respeito

    e cumprem obrigaes para com o totem. O pedestal est ali como se esperasse pela cabea de

    Ismael h um certo tempo, at mesmo porque j est sendo tomado pela vegetao. A cena

    tem um carter ritual, todos agem com a tranquilidade de quem cumpre uma lenda. O corpo

    ergue-se, quase na ponta dos ps, para entronizar a cabea sobre a pedra em uma altura mais

    elevada. A cabea parte central do corpo humano e deixada como herana para a

    humanidade. Sobre essa questo, de certa forma, Murilo menciona nas Recordaes de Ismael Nery

    (1996) ttulo do volume no qual foram reunidos textos de Murilo Mendes sobre Ismael

    Nery, publicados entre 1946 e 1949 nos jornais O Estado de So PauloeA Manh(suplemento

    Letras e Artes), do Rio de Janeiro que a cabea do amigo deveria ser doada para estudos

    Faculdade de Medicina.

    Pode-se perceber, assim, que o resultado final do trabalho, a sua atmosfera fazem

    pensar no visual surrealista. Algum tira a prpria cabea e a coloca sobre uma pedra, h uma

    sensao de estranhamento similar que capaz de provocar uma tela como Os relgios molesde

    Salvador Dal. No entanto, as leituras possveis (a partir da prpria histria de Ismael e de sua

    poesia) levam a perceber na obra um forte carter simbolista, constata-se no desenho o lado

    cerebral de seu autor. Ismael expe nesse trabalho aspectos de seu pensamento filosfico,

    doando-se almeja ser um com toda a humanidade. O derradeiro texto escrito pelo poeta-pintor

    foi o poema em prosa ltima Pgina ou Testamento Espiritual de Ismael Nery, comoseria chamado posteriormente pelos crticos. O escrito pode ser diretamente relacionado ao

    desenho em questo, um texto fundamental para algum se aproximar da obra pictrica e

    potica de Ismael:

    ltima pgina ou Testamento espiritual de Ismael Nery (1933)

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    Esperei at hoje que vs me descobrsseis. Quis dar-vos o prazer de vossentir crescer. A minha excessiva proximidade impediu, porm, que meolhsseis como realmente sou. Contar-vos-ei agora a minha histria edescreverei o meu fsico, para que disto tireis o proveito necessrio ejustifiqueis a minha e a vossa existncia. Perteno a esta espcie dehomens que no constroem nem destroem, mas que do a razo detoda a construo e de toda a destruio. Eu sou o predestinado, comoforam tambm meus predecessores e como sero meus sucessores.Atravs dos sculos deveremos desenvolver o grmen que, no princpio

    da vida, recebemos. Ns somos os grandes sacrificados que sofrerampor todo o erro e atraso dos homens. Somos os homens que amam econsolam, e no somos amados nem consolados. Se no fssemosportadores do grmen de que vos falei acima, h muito que a nossa raateria acabado violentamente.Quando tudo tiver atingido os seus fins, a comear nossa visvelutilidade. O homem agora distribui suas esperanas na arte e na cincia.Chegar um tempo em que a arte e a cincia no bastaro mais parasuprir a nsia crescente de compreenso que a humanidade tem. Toda aarte resume-se em suprir as necessidades cientficas, toda a cincia resu-me-se num estudo de equilbrio da vida e numa tentativa formidvel de

    conhecimento da matria da vida. Ah, se ns pudssemos conhecer, ouse, pelo menos, pudssemos chegar a conhecer um outro homem! Asolido do homem o que mais o apavora na vida. Os homens seolham como desconhecidos com as mesmas roupas. Vivemosdesconfiados tudo fazemos para garantir o que possumos, commedo dos ladres de toda a espcie, que vemos em todos os homens.Inventamos o direito e a polcia e pomos em nossas casas grades deferro e portas de bronze. O homem se esquece de que o que possuimoralmente no acessvel aos ladres mas aumenta o seudesassossego com as suas posses fsicas, esquecendo a cincia por ele jconquistada. Para que guardar uma mulher que no sua? Para que

    bater-se por uma ideia que no sente? Para que duas casas com um scorpo? Para que o sustento de uma vida sem consolo? Ah a esperana!Que a esperana? Tenhamos esperana aumentemos a esperana eu em Deus e vs em mim e em meus sucessores. Um conselho vosdou, com a autoridade que me conferem as rugas da minha testa, o meuolhar febril e as minhas mos mutiladas: no faais o que vos causarnojo, mesmo que este nojo seja mnimo. Dirigi vossa cincia paraconseguirdes um aumento micromtrico das vossas sensibilidades. Jreparastes, meus irmos, que vivemos num mundo em que existemsoldados, juzes e prostitutas? Onde se encarcera um homem pelodepoimento das testemunhas ou se enforca um outro por insultar um

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    lder. Existem testemunhas? Existem lderes? Que a vontade do povo?Que o bem geral? J fizestes, com a cincia que tendes, a psicologia deum chefe? Por que no acreditar em Deus, quando acreditais at nosregimes polticos? A fome, a guerra, a peste se apresentaro aos nossosdescendentes como a nossa nica herana altrustica.A humanidade, como as plantas, precisa de estrume. Dos nossos corposrenascero aqueles corpos gloriosos que encerraram as almas dospoetas, aqueles de que ns j trazemos o grmen. Tudo foi feito noprincpio porm tudo s existir realmente em tempos diversos. Os

    poetas sero os ltimos homens a existirem, porque neles que semanifestar a vocao transcendente do homem. Todo o homem recitaum poema nas vsperas da sua morte a humanidade recitar tambmo seu nas vsperas da sua, pela boca de todos os homens que nessetempo sero poetas. (MATTAR, 2000, p. 78)

    Esse foi o ltimo texto escrito pelo artista, nele, Ismael Nery, a partir de uma

    linguagem solene, faz esclarecimentos a respeito de seu pensamento. Coloca-se como o artista

    doador, tal qual pode ser observado na aquarela Testamento de Ismael Nery. Tanto no texto

    escrito, quanto no texto pictrico constata-se que um indivduo (no caso o prprio Ismael)

    passa por um momento terminante e decisivo, no qual esto em jogo amor, altrusmo e

    conhecimento. O texto a explanao, de forma potica, das verdades mais profundas do

    artista e o desenho o momento exato, o clmax para o qual o encaminharam as idias que

    perseguiu por toda a vida. Entregar a prpria cabea um gesto simblico de envolvimento

    absoluto com o ser humano. O pintor-poeta transmite, assim, sua mensagem posteridade

    concernente arte, poltica e sociedade:

    Esperei at hoje que vs me descobrsseis. Quis dar-vos o prazer de vossentir crescer. A minha excessiva proximidade impediu, porm, que meolhsseis como realmente sou. Contar-vos-ei agora a minha histria edescreverei o meu fsico, para que disto tireis o proveito necessrio ejustifiqueis a minha e a vossa existncia.

    O artista procurou fazer da experincia de leitura do texto um momento intenso e que

    falasse diretamente ao leitor, tanto pelo tom de dilogo grandiloqente e mstico, conseguido

    em parte com emprego do vs, quanto atravs do anncio de uma situao limtrofe,

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    Esperei at hoje. Seu encontro com o receptor do texto esteve sempre marcado tanto que

    menciona Quis dar-vos o prazer de vos sentir crescer. A atmosfera criada como as que

    antecedem as grandes revelaes e descobertas, a partir de agora haver o desnudamento de

    um ser. Leitor e penitentes, na aquarela, colocam-se no mesmo nvel, o da suprema doao

    fraterna que deve irmanar toda a humanidade. Ismael ser o doador primeiro, tanto na cena

    pintada quanto em seu testamento escrito. aquele que entrega aos outros o seu saber e

    conhecimento.

    Tal qual o Cristo no Caminho de Emas, Ismael esteve o tempo todo presente e em

    momento algum foi percebido, a minha excessiva proximidade impediu, porm, que me

    olhsseis como realmente sou. Antonio Bento (1973) relaciona tambm esse aspecto ao fato

    de Ismael ter sido praticamente ignorado pela intelectualidade de sua poca. Ele fez apenas

    duas exposies em vida, jamais chegou a vender se quer um quadro e por isso foi considerado

    pelo crtico o artista maldito do nosso Modernismo.

    A partir desse momento acima detacado, ouviremos a sua histria e descrever seu

    fsico. Esse ato primordial no apenas para ele prprio, mas ainda para o leitor / receptor do

    texto. Em tudo o texto concorre para tornar Ismael um mito. As experincias (Eliade 2000) de

    cura xamnicas tambm empregam narrativas, o uso de uma planta exige antes que se conte a

    sua histria e como foi primeiramente utilizada pelo grupo a palavra ativa, invoca potncias.

    Esse ato de contar histrias tambm prprio das celebraes catlicas, na cerimnia da

    Pscoa, por exemplo, celebram-se as maravilhas de Deus e o sacerdote no esquece nem das

    abelhas que confecionaran a cera do Crio Pascal. Ismael, tambm, nesse momento crucial,

    deve contar a sua lenda pessoal.Ele parece querer confundir sua histria com a histria da vida dos santos, constri

    sua narrativa no como a histria de um homem comum que deixasse um ltimo texto aos

    filhos, esposa, me, amigos e admiradores. Muito pelo contrrio, escreve essa narrativa no

    mesmo tom em que realizou sua pintura: mtico, mstico e universal. A sua ltima pgina ou

    Testamento espiritual de Ismael Nery quer falar humanidade, projetar-se ao infinito. Ismael

    o grande pedagogo e quer ver as pessoas progredirem com o que ele tem a ensinar.

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    Grandiosidade e integrao entre seres so a tnica dessa abertura. Estamos diante do

    gnio incompreendido e sacrificado, o portador de uma mensagem que s seria perfeitamente

    assimilada anos depois. Atribui ao artista / poeta a viso do transcendente e uma misso

    especial:

    Penteno a esta espcie de homens que no constroem nem destroem,mas que do a razo de toda a construo e de toda a destruio. Eusou o predestinado, como foram tambm meus predecessores e como

    sero meus sucessores. Atravs dos sculos deveremos desenvolver ogrmenque, no princpio da vida, recebemos.

    O artista desvela-se, d a compreender segredos: no constri e nem destri, no

    entanto, seria a razo de todos os acontecimentos. Como numa espcie de estado de parania,

    acredita ser a razo dos acontecimentos isso explicvel, na verdade , pela compreenso

    filosfica que ele teve do catolicismo e seu poder revelador. De qualquer forma, Ismel faz de

    tudo para converter-se em mito. Ainda sobre a razo, a d ou porque a conhece ou porque ela

    consiste nele prprio. O poeta o vrtice, o ponto de partida do qual se estabelecem relaes,

    o grande esteio. Ismael diz fazer parte de uma sucesso, coloca-se como um predestinado. Em

    cada gerao nascem homens que mudam o mundo, segundo Martin Buber e esses so os

    predestinados. Sem eles, o mundo se dissolveria. Quanto ao grmen: o princpio, a origem,

    de fundamental importncia no mbito do pensamento essencialista do autor. E o artista / o

    poeta / o profeta / o mstico so portadores desse grmen, que os fazem mediadores entre

    os homens e a divindade. Como o rei filsofo de Plato, Ismael conheceria todas as coisas,

    contempla as idias, e conduz o mundo.Suas ideias daro a direo certa a ser seguida, isto se percebe tanto no desenho quanto

    em ltima pgina. Ismael destaca-se do restante da humanidade e julga-se um

    predestinado, espcie de mrtir ou Cristo. No desenho isto se confere, claramente, quando

    ele tira a prpria cabea e a oferece em tributo ao grupo de penitentes que chega lentamente.

    Ao mesmo tempo, Ismael se aproxima do Romantismo e do pensamento iluminista de

    Rosseau, para quem caberia classe intelectual a divulgao do saber e das artes. No se

    apresenta apenas como um artista cultor do temperamento e dos estados de alma (a pedra de

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    toque dos romnticos). Pare ele, no cabe ao artista, como j se afirmou anteriormente, apegar-

    se a defeitos de carter, a idiossincrasias. Ao artista cabe a revelao das verdades universais,

    ainda que ele seja sacrificado por isso:

    Ns somos os grandes sacrificados que sofreram por todo o erro eatraso dos homens. Somos os homens que amam e consolam, e nosomos amados e nem consolados. Se no fssemos portadores dogrmende que vos falei acima, h muito que a nossa raa teria acabadoviolentamente.

    Ismael atribui-se uma funo sacerdotal, ama e consola mesmo sem ser consolado. A

    imagem do poeta sacrificado frequentou os versos de romnticos como Alfred de Musset e

    lvares de Azevedo. Musset fala do pai pelicano, que, para alimentar seus filhotes, bica e

    dilacera seu prprio peito. Essa alegoria do pelicano pode nos levar a relacionar Ismael com

    Prometeu (que roubou o fogo dos deuses e o deu aos homens, sendo por isso condenado a um

    terrvel suplcio), mas, sobretudo, com o Divino Pelicano: Jesus Cristo. Essa a grande

    temtica do tempo da Pscoa perdo da morte do artista, o Divino Pelicano entrega a sua

    prpria vida em benefcio de seus discpulos. A pesar de tanto esforo, o verdadeiro sentido do

    artista, como aquele que almeja propiciar o bem-estar da comunidade, s ser compreendido

    num tempo distante:

    Quando tudo tiver atingido os seus fins, a comear nossa visvelutilidade. O homem agora distribui suas esperanas na arte e na cincia.

    Chegar um tempo em que a arte e a cincia no bastaro mais parasuprir a nsia crescente de compreenso que a humanidade tem. Toda aarte resume-se em suprir as necessidades cientficas, toda a cinciaresume-se num estudo de equilbrio da vida e numa tentativa formidvelde conhecimento da matria da vida.

    Nesse momento, Ismael nega o fazer cientfico e a arte pelo menos como esses eram

    praticados. Bem mais importante que depositar a esperana na arte ou na cincia, Ismael fala

    do poder revelador, da fora proftica de certos homens. Seres assim conseguiam enxergar de

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    maneira ampla presente passado e futuro. A passagem do artigo abaixo, publicado em 1934 na

    revista Boletim de Arielpor Murilo Mendes, nos esclarecer um pouco mais o que diz o artista:

    Ismael no podia ver o homem fixado num determinado instante devida; procurava descobrir as razes desse indivduo, examinar a existncia de seusantepassados, sua infncia, seu ambiente moral e fsico, seu desenvolvimento notempo e no espao e as possibilidades da sua projeo no futuro . Da a suaindiferena diante de toda a representao potica limitada ao registro de sensaesepidrmicas, ou de impresses e anotaes imprecisas, areas, que formam geralmenteo lastro da bagagem dos poetas. Reconhecendo a deficincia da realizaoartstica [e at mesmo cientfica], preferia praticar a poesia, em vez deescrev-la. Ismael [...] deu na sua vida diria o mais importantetestemunho da potencialidade do seu gnio potico. E nos seusquadros, nos seus inumerveis desenhos e em alguns poemas queconsegui salvar da destruio, indicou o caminho dos mundos quenasciam e renasciam na sua cabea poderosa. (MENDES, 2001, p.47)(grifos nossos)

    Ao final do poema, Ismael voltar a identificar-se com o poeta. Como a nos dizer que

    essa espcie de homens predestinados estivesse na fronteira entre misticismo e poesia. Esses

    predestinados so sim os poetas/artistas e h momentos em que ele e Murilo Mendes

    identificam at Jesus Cristo com a figura do poeta. Ou seja, esses predestinados so os

    verdadeiros poetas, os verdadeiros artistas, os que realmente apontam caminhos. Depositar as

    esperanas na arte (da forma como era praticada por muitos dos artistas segundo Ismael) e na

    cincia s poderia resultar num engano. As verdadeiras respostas, o equilbrio almejado pelo

    ser humano atravs das vrias modalidades de conhecimento, estariam num olhar maiscomplexo sobre as questes a serem tratadas. Esse olhar diferenciado, segundo Murilo Mendes

    o poeta reaproveitou muito do pensamento de Ismael em sua poesia e crtica de arte era o

    que dava a tnica da obra dos grandes artistas:

    os artistas verdadeiros e s estes interessam exercem uma funoverdadeiramente educativa, organizando, dando forma concreta ao quea maioria sente e exprime de maneira obscura e indiscriminada. Osfalsos artistas seguem a rotina imposta pela falta de poder criador. Estes

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    so os acadmicos, os que se apegam a frmulas vazias, so os cegosguiando os cegos. (MENDES, 2001, p. 62)

    Nesse texto sobre o pintor romeno Emeric Marcier, o poeta destaca o aspecto

    pedaggico mencionado por Ismael em seu Testamento espiritual e ainda a complexidade no

    fazer/perceber dos verdadeiros artistas. O artista/poeta, assim, deveria ser capaz de romper

    com as convenes estabelecidas pela tradio e transform-las, reelabor-las. Esses artistas

    podem apontar caminhos novos e no apenas diluir e repetir indefinidamente antigas frmulas.

    O artista est envolto numa atmosfera de magia, ele o bruxo, dele emana a beleza e a

    eternidade. Ainda que passem os anos, a sua voz solitria ser compreendida num tempo capaz

    de projetar-se ao infinito. A humanidade, segundo Ismael, procura o conhecimento, mas os

    meios at ento empregados para obt-lo foram ineficazes:

    Ah, se ns pudssemos conhecer, ou se, pelo menos, pudssemos

    chegar a conhecer um outro homem! A solido do homem o que maiso apavora na vida. Os homens se olham como desconhecidos com asmesmas roupas. Vivemos desconfiados tudo fazemos para garantir oque possumos, com medo dos ladres de toda a espcie, que vemos emtodos os homens.

    O homem estaria apegado a valores passageiros do individualismo burgus, Ismael

    prope o encontro com a verdade essencial (esse tambm o esprito das vanguardas do incio

    do sculo XX, como o Surrealismo). Mesmo fugindo da apavorante solido,

    contraditoriamente, os indivduos no reconheceriam seus pares segundo o poeta, vemos

    ladres de toda espcie, em todos os homens. O desejo de renovao e o questionamento

    prosseguem, o pintor funde a rebeldia e a destruio das vanguardas ao seu desejo de propagar

    verdades religiosas:

    Inventamos o direito e a polcia e pomos em nossas casas grades deferro e portas de bronze. O homem se esquece de que o que possuimoralmente no acessvel aos ladres mas aumenta o seudesassossego com as suas posses fsicas, esquecendo a cincia por ele j

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    conquistada. Para que guardar uma mulher que no sua? Para quebater-se por uma ideia que no sente? Para que duas casas com um scorpo? Para que o sustento de uma vida sem consolo?

    Focalizando o quotidiano, o texto ainda muito atual. Se o autor vivesse nos dias de

    hoje, sua indignaos talvez fosse ainda maior. A maneira como so levantados todos os

    problemas faz pensar que no resta uma sada, apenas a angstia envolve o homem moderno.

    So vrias as tentativas para se conseguir o equilbrio (meta do essencialismo de Ismael e,

    segundo ele, da vida humana): o direito, a polcia, o resguardar-se da violncia, quando os

    verdadeiros tesouros esto todos internos. O pocionamento de Ismael, faz-nos retomar o que

    disse Murilo Mendes a respeito dos hippies revista Veja:

    [...] uma forma de protesto contra o estilo de vida errado da civilizaotcnico industrial. [...]Desde h muitos anos que eu me sinto indispostoem relao ao sistema de vida desta civilizao. [...] Depois, quando vi

    os jovens nos anos 60 se revoltarem contra essa forma, recebi como queuma injeo de vitalidade, eu me senti jovem tambm [...]. (MENDES,2001, p. 124)

    A resoluo para esta situao est representada, unicamente, na figura do Cristo

    encarnada no pintor / poeta que se acreditava, tambm ele, uma parcela de Deus:

    Ah a esperana! Que a esperana? Tenhamos esperana aumentemos a esperana eu em Deus e vs em mim e em meus

    sucessores. Um conselho vos dou, com a autoridade que me conferemas rugas da minha testa, o meu olhar febril e as minhas mos mutiladas:no faais o que vos causar nojo, mesmo que este nojo seja mnimo.Dirigi vossa cincia para conseguirdes um aumento micromtrico dasvossas sensibilidades.

    A vida de Ismael o grande monumento de sua poesia, segundo MENDES (2001). As

    rugas de sua testa dizem respeito a todas as experincias possveis que ele tentou viver. S a

    partir das experincias possvel alcanar o equilbrio: Para Ismael a poesia no consiste, em

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    destruio e catstrofe marcou seu pensamento. Ismael, como nessa passagem, expressava de

    forma veemente e polmica a sua religiosidade e isso, frequentemente, afastou muitos amigos

    de seu convvio. As imagens de atmosfera surrealista como a que segue (certamente colhida em

    um filsofo como Santo Agostinho) configuram-se em armas poticas e persuasivas:

    A humanidade, como as plantas, precisa de estrume. Dos nossos corposrenascero aqueles corpos gloriosos que encerram as almas dos poetas,

    aqueles de que ns j trazemos ogrmen. Tudo foi feito no princpio Porm tudo s existir em tempos diversos.

    Aqui, Ismael fala das razes seminais tratadas por Santo Agostinho desde o comeo

    do mundo as causas futuras das coisas foram inseridas no mundo. A humanidade precisa de

    estrume, porque a razo de ser das coisas est na semente. S assim, com estrume, as

    potencialidades dos poetas predestinados, dos quais ele fala desde o comeo do poema,

    despertaro em todos os indivduos:

    Curiosamente, numa de suas obras, Santo Agostinho chega a falar dafora que se esconde na semente, como que sugerindo um ncleovital que se esconde na prpria semente. Assim, criando a semente comum ncleo, Deus cria a histria, pois pela semente se renovacontinuamente o ato criador no espao e no tempo: a semente faz per-durar a obra do Criador, fazendo a ponte entre o passado mais remoto,o presente e o futuro mais distante. A semente pereniza a vida.(MOSER)

    O mistrio csmico da semente revivido em cada ser humano, o germinar da semente

    a prova da ligao do homem com o divino. Com a palavra misteriosa, de quem sempre

    aguardou ansiosamente o Juzo Final, Ismael reitera o carter mstico do artista / poeta e a

    vocao de todo e qualquer ser humano para o transcendente:

    Os poetas sero os ltimos homens a existirem, porque neles que semanifesta a vocao transcendente do homem. Todo o homem recitaum poema nas vsperas da sua morte a humanidade recitar tambm

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    Mais certo, segundo o filho do prprio Ismael, Emmanuel Nery, seria considerar o

    pintor o criador de um estilo prprio: Ismael Nery tem o direito de ser reconhecido por sua

    ampla, rara e genial riqueza criativa, a qual foi muito alm do seu mero uso circunstancial e

    superficial de visuais surrealistas... quando lhe convinha. (NERY: 2000, p. 66)

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AMARAL, Aracy. Ismael Nery: uma personalidade intensa. In: Ismael Nery, 50 anos depois.Catlogo da Exposio MAC-USP, out-dez, 1984.

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    ELIADE, Mircea.Mito e realidade. 5. ed. So Paulo: Perspectiva, 2000.

    MATTAR, Denise (org.). Ismael Nery 100 anos: a potica de um mito. Rio de Janeiro: CentroCultural Banco do Brasil; So Paulo: Fundao Armando lvares Penteado, 2000.

    MENDES, Murilo. Recordaes de Ismael Nery. So Paulo: Edusp, 1996.

    ______________ . Ismael Nery, poeta essencialista. In: GUIMARES, Jlio Castaon. MuriloMendes 1901-2001(catlogo). Juiz de Fora: UFJF/CEMM, 2001.

    ______________. O pintor Marcier. In: GUIMARES, Jlio Castaon. Murilo Mendes 1901-2001(catlogo). Juiz de Fora: UFJF/CEMM, 2001.

    MIR, Juan.A cor dos meus sonhos: entrevistas com Georges Raillard. So Paulo: Estao Liberdade,1992.

    MOURA, Odilo. As idias catlicas no Brasil: direes do pensamento catlico do Brasil no sculo XX.So Paulo: Convvio, 1978.

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    MOSER, Antnio. Para alm dos genes a metfora do Livro da Vida.http://www.antoniomoser.com/site/index.php?option=com_content&view=article&id=53:para-alem-dos-genes-a-metafora-do-livro-da-vida&catid=34:artigos&Itemid=41(consultado em:02.11.2010)

    NERY, Emmanuel. O erro de denominar Ismel Nery como surrealista. In: Ismael Nery 100 anos:a potica de um mito/ curadoria Denise Mattar. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil;

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    RIBEIRO, Leo Gilson. No quero ser popular. In: GUIMARES, Jlio Castaon. MuriloMendes 1901-2001(catlogo). Juiz de Fora: UFJF/CEMM, 2001.

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    FONTE ICONOGRFICA (catlogos)

    Figs. 1, 2, 3: MATTAR, Denise (org.).IsmaelNery 100 anos: a potica de um mito. Rio de Janeiro:Centro Cultural Banco do Brasil; So Paulo: Fundao Armando lvares Penteado, 2000.

    Figs. 4, 5: ___________________. Ismael Nery. Rio de Janeiro: Ministrio da Cultura, Banco

    Pactual, 2004.