guarda compartilhada
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOFACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAISPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
ALINE FERREIRA DIAS LEITE
A disputa pela guarda dos filhos e a guarda compartilhada:A atuação dos assistentes sociais judiciários
São Paulo2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOFACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAISPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
A disputa pela guarda dos filhos e a guarda compartilhada:A atuação dos assistentes sociais judiciários
Aline Ferreira Dias Leite
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Serviço Social do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Serviço Social
Orientadora: Profa. Myrian Veras Baptista
São Paulo2010
Leite, Aline Ferreira DiasA disputa pela guarda dos filhos e a guarda compartilhada:
a atua��o dos assistentes sociais judici�rios / Aline Ferreira Dias Leite; orientadora Myrian Veras Baptista. – S�o Paulo, 2010. 130p.
Disserta��o (mestrado) – Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo, 2010.
1. guarda compartilhada 2. ruptura conjugal 3. exerc�cio parental 4. assistente social judici�rio
PUC-SP/FSS/08/10
Nome: Aline Ferreira Dias Leite
Título: A disputa pela guarda dos filhos e a guarda compartilhada: a atuação
dos assistentes sociais judiciários
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Serviço Social do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Serviço Social
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ____________________ Instituição: ____________________
Julgamento: _________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr. ____________________ Instituição: ____________________
Julgamento: _________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr. ____________________ Instituição: ____________________
Julgamento: _________________ Assinatura: ____________________
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Helbert e Leninha, que são a minha fonte de inspiração
quando me refiro à preservação e a contribuição das relações parentais
na vida dos filhos. Exemplos de família, educação e amor. Todos os
caminhos que me proporcionaram mais uma conquista!
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AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho tornou-se possível graças à participação e
contribuição de diversas pessoas que, com sua experiência profissional
e história de vida, me auxiliaram na produção do conteúdo.
Agradeço aos meus pais que se sentem felizes com o meu esforço e
realização. Aos meus irmãos que transformam a nossa relação de afeto
fraterno em motivações para pesquisa e na defesa da temática
pesquisada.
À professora Myrian Veras Baptista que acreditou no meu projeto de
pesquisa e contribuiu teórica e academicamente. Agradeço a paciência
e tanta disposição em orientar este trabalho. Com ela aprendi que nunca
é tarde para dispensar esforços por uma causa que acreditamos, e
encontramos força para isso onde menos imaginamos.
À amiga, professora Maria Filomena Jardim, que me incentivou a ousar
e enfrentar os desafios com muito otimismo.
Às minhas colegas da Central de Serviço Social e Psicologia do Fórum
Lafayette, em especial à Isabelle, Lucimara e Camila.
A todos os professores do Curso de Mestrado que contribuíram com as
disciplinas lecionadas. Estima e consideração!
Aos amigos que conquistei nessa caminhada.
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Em especial ao meu marido, Cleber de Carvalho, o grande motivador
desse desafio! Com a presença do sentimento mais nobre dessa vida,
obtive olhos para vivenciar experiências que me fizeram fortalecer e
crescer a cada dia.
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Duas estradas se bifurcam no meio da
minha vida, ouvi um sábio dizer. Peguei a
estrada menos usada. E isso fez toda a
diferença cada noite e cada dia.
Larry Norman
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RESUMO
Leite, AFD. A disputa pela guarda dos filhos e a guarda compartilhada: a atuação dos assistentes sociais judiciários. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010, 130 p.
O objetivo deste trabalho é estudar a guarda compartilhada e a perspectiva de assistentes sociais judiciários do Estado de São Paulo sobre essa questão, objetivando caracterizar a atuação do assistente social da capital paulista e o modo como a Lei da Guarda Compartilhada é compreendida e adotada por esse profissional. A esse objetivo associa-se também um breve destaque à análise da participação paterna nos cuidados de seus filhos em situação de separação conjugal. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma preparação com estudos bibliográficos e virtuais sobre a temática. A pesquisa de campo ocorreu com a efetivação de uma entrevista semiestruturada, em grupo, com assistentes sociais equestões previamente elaboradas, compondo um roteiro norteador.
Instruir-se sobre a guarda compartilhada significa propiciar, de alguma forma, a luta para que os direitos entre pai e mãe sejam exercidos de forma igualitária, e,pensando sempre em primeiro lugar, nos direitos que os filhos possuem de conviver com os seus pais. Este tipo de guarda, tornando-se parte do cotidiano das soluções dos rompimentos conjugais, de forma legal e legitimada, poderá levar os casais em situação de ruptura de seus laços afetivos a resolver seus conflitos conjugais num campo distante da disputa pela posse dos filhos, pois estes não serão mais o prêmio ao vencedor dessa luta. Garantir a efetivação do compartilhamento de uma guarda entre os pais é garantir a preservação do exercício da autoridade parental exercida por cada um deles.
Palavras-chave: guarda compartilhada, ruptura conjugal, exercício parental, assistente social judiciário.
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EL RESUMEN
Leite, AFD. La disputa sobre custodia de los hijos y la custodia: El papel de La justicia social. Disertación (Maestría). Escuela de Servicio Social, Pontificia Universidad Católica de São Paulo, 2010, 130 p.
El objetivo de este trabajo es estudiar el protector compartido y la perspectiva de los ayudantes sociales judiciales del Estado de São Paulo en esta pregunta, el objetivo es caracterizar el funcionamiento de la ayudante social de São Paulo capital y la manera de como la lei es comprandida y adoptada por ese profesional. También asociándo el destaque de la participación paternal en los cuidados de sus hijos en la situación de la separación conyugal. El trabajo fue desarrollado con una preparación con estudios bibliográfico y virtual en el temático. La investigación del tema ocurrió de forma efectiva por medio de una entrevista del grupo a las ayudantes sociales, mitad estructuralizada, con preguntas elaboradas, componiendo en una escritura del norteador.
Educar sobre la guarda compartillada, significa propiciar de alguna forma, a luchar para que los derechos entre el padre y la madre sean iguales para ambos, y pensando siempre en primer lugar, en las derechos que los niños poseen para coexistir, convivir con los padres. Este tipo de guarda, forma parte del cotidiano, son soluciones para las interrupciones conyugales de forma legal y legítima, podrán tomar los pares en la situación de la ruptura de sus arcos afectivos para decidir sus conflictos conyugales en un campo distante del conflicto por la custodia de sus hijos, por lo tanto ellos no serán más el premio al ganador de esta lucha. Garantir la eficacia de compartir la custodia entre los padres es garantizar la preservación del ejercicio de la autoridad parental ejercida por cada uno de ellos.
Palabras-clave: guarda (custodia), la ruptura compartida conyugal, ejercicio parental, lo ayudante social judicial.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1Comparativo do art. 1.583 no Código Civil de 2002 e naLei 11.698/08 ............................................................................................... 47
Quadro 2Comparativo do art. 1.584 no Código Civil de 2002 e naLei 11.698/08 ............................................................................................... 58
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1
PARTE I
CAPÍTULO 1A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO FAMILIAR ATRAVÉS DA HISTÓRIAE DOS VÍNCULOS DE AFETO ENTRE PAIS E FILHOS.............................. 5
CAPÍTULO 2A HISTÓRIA DA FAMÍLIA NO BRASIL ........................................................ 92.1. No período Colonial............................................................................. 92.2. Do período Republicano ao Brasil Contemporâneo ....................... 122.3. A família contemporânea e as determinações legais ..................... 152.4. As formas de ser da família hoje ...................................................... 172.5. O papel do homem e da mulher na sociedade moderna ................ 19
CAPÍTULO 3O ROMPIMENTO DA RELAÇÃO CONJUGAL E A SITUAÇÃODOS FILHOS ............................................................................................... 24
PARTE II
CAPÍTULO 4A HISTÓRIA DA GUARDA DOS FILHOS EM CASO DESEPARAÇÃO NO BRASIL.......................................................................... 27
CAPÍTULO 5A GUARDA DE FILHOS NA CONTEMPORANEIDADE............................. 32
CAPÍTULO 6UM BREVE HISTÓRICO DA GUARDA COMPARTILHADA ...................... 386.1. A Lei no Brasil.................................................................................... 41
CAPÍTULO 7COMENTÁRIOS SOBRE A LEI Nº 11.698, DE 13/06/2008 ........................ 447.1. A Lei comentada ................................................................................ 46
CAPÍTULO 8A MEDIAÇÃO COMO APOIO NO REORDENAMENTODA GUARDA COMPARTILHADA............................................................... 65
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PARTE III
CAPÍTULO 9A PESQUISA ............................................................................................... 679.1. A coleta das informações e sua organização.................................. 689.2. A análise dos depoimentos............................................................... 70
A guarda compartilhada .................................................................... 70A participação paterna ...................................................................... 84A prática profissional ........................................................................ 93
Alguns pontos positivos e negativos acerca da guardacompartilhada........................................................................................... 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 115
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 124
ANEXOS .................................................................................................... 129
1
INTRODUÇÃO
A presente dissertação de Mestrado tem como tema central a guarda
compartilhada e a perspectiva de assistentes sociais judiciários do Estado de São
Paulo sobre essa questão. Ela é o resultado de uma pesquisa documental e virtual
sobre o assunto e de uma entrevista em grupo realizada com assistentes sociais do
judiciário paulista.
O interesse pelo tema surgiu no decorrer do meu trabalho cotidiano como
assistente social judicial, em contato com a diversidade de ações processuais, nas
quais fui percebendo que a maioria dos trabalhos desenvolvidos tangia em torno da
disputa pela guarda dos filhos. Foi possível perceber também que os litígios
ocorridos no processo de separação judicial revelavam que as partes têm
dificuldades de dialogarem e chegarem a um acordo sobre essa questão.
Na maioria das vezes em que a determinação da modalidade de guarda
unilateral ou exclusiva é aplicada a um dos pais, esta não é bem aceita pelo outro
genitor, que passa a ter o seu vinculo familiar e parental com seus filhos dificultado,
pois se vê transformado em provedor, apenas com direito a visitas regulamentadas.
Essa situação repercute no bem estar dos filhos, pela perda da convivência direta
com um dos seus pais, o que frequentemente causa inconformidade e tristeza.
No tocante a esses dilemas e com base nos conhecimentos que fui
acumulando a respeito das necessidades de crianças e de adolescentes, e na minha
própria experiência de vida, fui percebendo a importância da participação de ambos
os genitores na vida dos filhos. É importante e significativa, na formação dos filhos, a
maneira como cada um de seus pais se relacionam com eles, com suas
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peculiaridades, com o modo como transmitem valores e ofertam educação, para as
suas formações como seres em situação peculiar de desenvolvimento.
Diante desses argumentos e do interesse expresso de homens/pais de
serem incluídos na responsabilidade dos cuidados cotidianos de seus filhos, visando
o bem-estar deles e a preservação da convivência de ambos após um processo de
separação conjugal é que surge uma nova modalidade de guarda, a guarda
compartilhada.
Portanto, estudar a guarda compartilhada propicia de alguma forma, lutar
para que os direitos de pais e mães sejam exercidos de forma igualitária, pensando
sempre em primeiro lugar, nos direitos que os filhos possuem de conviver com
ambos os pais.
Pesquisar o tema da guarda compartilhada é, para mim, algo instigante de
uma investigação profunda. Este é um assunto que me desperta grande interesse e
motivação, pois acredito que seu estudo trará grande contribuição e será de
relevância social. Ainda é um assunto polêmico e de pouco conhecimento entre os
profissionais operadores do direito e das próprias famílias.
Buscar também um conhecimento sobre a atuação do assistente social
neste processo faz-se necessário, objetivando caracterizar essa atuação e o modo
como a Lei da Guarda Compartilhada é compreendida e adotada por esse
profissional. Pretende-se também, produzir e disponibilizar aos estudantes,
professores e profissionais dos judiciários e demais áreas, informações que possam
subsidiar futuras pesquisas, contribuindo para o aprimoramento das pessoas que
atuam na área.
Para a realização da pesquisa que foi base para esta dissertação, houve
uma preparação com estudos bibliográficos e virtuais sobre a temática.
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A exposi��o da pesquisa realizada foi dividida em tr�s partes.
A primeira parte tem como proposta contextualizar a constru��o do espa�o
familiar e o processo de efetiva��o dos v�nculos afetivos entre pais e filhos. Nela,
procuro desvelar sinteticamente o surgimento dos sentimentos de afeto da fam�lia
com seus filhos, a fun��o desempenhada pelo homem e a mulher dentro da fam�lia
e dos cuidados com os filhos. Procuro tamb�m compreender o processo hist�rico do
desempenho de pap�is, das rela��es de g�nero e das transforma��es familiares –
quest�es fundamentais para entender a din�mica da sociedade no que tange aos
aspectos das rela��es de fam�lia e defini��o de guarda.
Nesse processo, apresenta-se tamb�m, uma constru��o hist�rica da
institui��o familiar no Brasil perpassando por v�rios per�odos, enfatizando uma
pequena coloca��o sobre as variadas formas de constitui��o familiar dos dias de
hoje.
Como prosseguimento a esta parte h� um espa�o para abordar o
rompimento do relacionamento conjugal e a situa��o dos filhos nesse processo.
Na segunda parte foi realizado um estudo sobre o ordenamento jur�dico da
quest�o e as posi��es defendidas ao longo dos anos sobre o casamento, o div�rcio
e as prerrogativas jur�dico-legais da guarda dos filhos no Brasil. Nesse sentido foi
feito um retrospecto da hist�ria da guarda dos filhos e uma an�lise da Lei da Guarda
Compartilhada, com coment�rios sob o ponto de vista social.
Na terceira parte, o foco � a pesquisa de campo realizada. Essa pesquisa
centrou-se em uma entrevista em grupo com assistentes sociais, a partir de uma
escolha proposital, com base em indica��es dos profissionais da �rea e do interesse
manifesto de participa��o de alguns. O instrumento utilizado foi um question�rio
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semiestruturado com perguntas abertas direcionadas e com espa�o para
complementa��es e observa��es colocadas pelo grupo.
Ressalto que este trabalho � apenas uma primeira aproxima��o dos
diversos pontos de vista poss�veis para estudar a guarda compartilhada. � um tema
amplo e recente que n�o pode ser esgotado apenas com este estudo.
Optei por elaborar considera��es finais, embora tenha claro que n�o s�o
conclusivas – por se tratar de assunto que ainda precisa ser amplamente discutido –
considerando-as como finais em termos desse momento de reflex�o para esta
disserta��o e tendo clareza que essa discuss�o dever� ser ampliada no sentido de
auscultar a sociedade e os profissionais para uma futura avalia��o social mais
efetiva dessa lei.
Que este trabalho sirva como fonte de inspira��o a maiores pesquisas,
incentivando o Poder Judici�rio e o Estado a lutarem pela preserva��o das rela��es
parentais, objetivando, em primeiro lugar, o bem-estar das crian�as, dos
adolescentes e das fam�lias.
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PARTE I
CAPÍTULO 1
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO FAMILIAR ATRAVÉS DA HISTÓRIA E DOS VÍNCULOS DE AFETO ENTRE PAIS E FILHOS
Nesta primeira parte desenvolvo uma breve reflex�o hist�rica da institui��o
familiar, apontando as transforma��es que ela vem sofrendo ao longo dos s�culos,
destacando principalmente a fun��o paterna dentro deste contexto e a emerg�ncia
da rela��o de afeto entre pais e filhos.
O objetivo deste estudo � compreender historicamente como se construiu
essa nova forma de se relacionar na qual o pai vem expressando seu interesse por
assumir e compartilhar as responsabilidades e cuidados de seus filhos nas situa��es
em que haja ruptura das rela��es conjugais. Nesse sentido, poder� ajudar a
compreender tamb�m a raz�o porque um n�mero significativo de pais vem
pleiteando a guarda de seus filhos em casos de separa��o ou div�rcio ou, ainda,
optando pela guarda compartilhada como alternativa de preserva��o dos v�nculos e
amplia��o das possibilidades de continuarem presentes no cuidado de seus filhos.
Para compreender as transforma��es familiares no decorrer da hist�ria e o
papel paterno dentro dos diferentes contextos, ainda que de maneira sucinta, tomei
como ponto de partida o estilo da fam�lia medieval.
No per�odo medieval, segundo nos conta Ari�s (1981), a institui��o familiar
– que hoje possui seu espa�o particular delimitando sua privacidade – organizava-se
de forma aberta para o exterior, o que significava que o espa�o f�sico do campo
dom�stico familiar era compartilhado com o espa�o do trabalho e dos neg�cios, o
que dificultava a expans�o do sentimento de fam�lia. Nele viviam n�o apenas todos
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os integrantes da fam�lia, mas tamb�m os agregados, os servos, e outras pessoas
necess�rias para a produ��o e a defesa m�tua. Tudo acontecia nas salas: nelas
comia-se, eram recebidas as visitas, dormia-se e fazia-se a higiene pessoal.
Nesta �poca, as pessoas viviam em constante rela��o umas com as
outras, n�o havendo distin��o entre a vida profissional, a vida social e a vida
familiar. A press�o social limitava os espa�os familiares e n�o concedia � fam�lia
uma posi��o significativa nos sentimentos e valores assumidos.
Neste contexto, os filhos n�o detinham a aten��o especial de seus pais e
familiares, apenas recebiam alguns cuidados para a sua sobreviv�ncia, os quais
frequentemente eram delegados � criadagem. Tamb�m, os conhecimentos
relacionados aos cuidados dos filhos, na �poca, n�o valorizavam a presen�a dos
pais como fator primordial para o seu desenvolvimento social, afetivo, f�sico e
psicol�gico.
A fam�lia do final do s�culo XV ainda era ligada aos h�bitos medievais de
aprendizagem em casas estranhas. Cumpria apenas a sua fun��o social que era a
transmiss�o da vida, dos bens e do nome. A partir do s�culo XVI, na Europa, com o
surgimento das primeiras escolas � que a crian�a passou a ser o centro de aten��es
e a ser vista como um “adulto em miniatura” (Faria, 2003:60), necessitando aten��o
especial. Desde ent�o, a fam�lia passou a focar mais de perto os cuidados de seus
filhos, o que possibilitou a emerg�ncia dos primeiros la�os afetivos.
A fam�lia da segunda metade do s�culo XVII come�ou a se organizar em
torno das crian�as. Neste per�odo � que as atribui��es e pap�is espec�ficos de cada
pessoa integrante do grupo conjugal foram sendo constru�dos e consolidados. O
elemento masculino, no contexto familiar, assumiu a responsabilidade disciplinadora
e, o elemento feminino, a responsabilidade pelos cuidados: alimenta��o, higiene e
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afeto. Diante dessa divis�o de pap�is observou-se que “(...) a m�e coloca-se como
mais pr�xima e o pai, como um princ�pio ordenador representante da lei e criador de
h�bitos e habilidades para a inser��o na sociedade” (Faria, 2003:60).
Nesse mesmo s�culo, em 1671, na Fran�a, foi criada a “Civilité Nouvelle”,
um tratado de educa��o para os pais, ou seja, um instrumento utilizado como
manual de condutas e comportamentos que deveriam ser seguidos pelos pais e pela
sociedade na educa��o de suas crian�as. Este manual que pode ser caracterizado
como um manual da civilidade perdurou pelos s�culos seguintes contribuindo para
algumas modifica��es na educa��o familiar e no conv�vio entre pais e filhos.
Nos caminhos do s�culo XVIII, a fam�lia come�ou a perceber a
necessidade de delimitar o seu espa�o particular no contexto dom�stico, criando
c�modos pr�prios, separando aqueles de uso da criadagem, das refei��es, dos
dormit�rios e dos trabalhos femininos e masculinos. Essa reorganiza��o da casa e
os novos costumes possibilitaram um maior espa�o para usufruto da intimidade e da
privacidade da fam�lia. � neste ambiente de intimidade e privacidade que a fam�lia
passou a se responsabilizar ainda mais pela educa��o das crian�as.
S�o essas caracter�sticas que ir�o contribuir para o surgimento da fam�lia
moderna, que passa a assumir a crian�a como centro de cuidados especiais. Esta
fam�lia diferenciou-se do modelo medieval pela expans�o das suas rela��es sociais,
pelo surgimento da privacidade familiar e do espa�o dom�stico, numa estrutura
hierarquizada, dirigida pelo chefe de fam�lia.
As crian�as come�am a conquistar um lugar junto a seus pais, tornando-se
componente importante na vida dos casais. Os cuidados especiais que as crian�as
necessitavam abriam espa�os para a efetiva��o de sentimentos de afeto entre pais
e filhos.
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E assim, séculos após séculos, o sentimento de família foi sendo
construído e modificado aos poucos. Ao que se percebe, a família foi se moldando
em função das conjunturas históricas, de sua prole e adaptando-se às novas
situações sociais e culturais que foram emergindo no decorrer dos tempos.
No percurso da família medieval à moderna os sentimentos de afeto foram
sendo construídos lentamente entre seus membros e, principalmente, entre pais e
filhos, escrevendo uma história de relações.
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CAPÍTULO 2
A HISTÓRIA DA FAMÍLIA NO BRASIL
2.1. No período colonial
No início do período colonial, poucos foram os colonos e os capitães
donatários aportados para o Brasil que vieram acompanhados por suas famílias.
Muitas reclamações por ausência de mulheres brancas para convívio eram feitas à
Coroa Portuguesa. Perante essas queixas, a Coroa comprovou a necessidade que
os colonos tinham de ter uma mulher que os acompanhasse e, com eles,
construíssem uma família. Assim, sendo atendidos em suas reivindicações, os
homens permaneceriam em suas colônias, produzindo para a Coroa sem precisar
retornar ao seu reino. Foram, então, enviadas para a colônia, mulheres que, no
Reino Português, não conseguiam se casar ou que eram órfãs ou prostitutas.
Apesar de todos esses incentivos, o envio de mulheres do Reino Português
com propósito de casamento, para aumentar a população feminina no Brasil, ainda
foi insuficiente. Os colonos começaram a ter relações de concubinato1 ou de
casamento com as índias. Começaram, então, a surgir os primeiros laços de uma
instituição caracterizada como familiar.
Nos períodos posteriores ao do Brasil colonial, a estrutura familiar foi
sofrendo alterações na medida em que se alteravam os modos de vida e de
produção. Havia grupos familiares que moravam e trabalhavam nos sertões e outros
nas vilas. Notava-se já a presença marcante da divisão sexual do trabalho na maior
1 Para Santiago Júnior (1998), concubinato caracterizava-se como a união, de caráter estável, do homem e da mulher, fora do matrimônio, para os fins de satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns, o que implica uma presumida fidelidade da mulher ao homem.
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parte das famílias brasileiras da época. Dentre aqueles de menores recursos, cabia
às mulheres e às crianças o trabalho de plantio e de colheita. Aos homens cabia o
papel de transporte das cargas e a comercialização da produção. Dentre as famílias
de maiores recursos, cabia aos homens a busca de metais preciosos, a caça aos
índios para escravidão e a conquista e expansão dos territórios. Às mulheres cabia a
administração da casa, das propriedades e o provimento dos recursos para sua
manutenção, que eram obtidos como resultado da comercialização de produtos de
incipientes indústrias caseiras, de doces, bordados etc.
O período colonial é bem marcado pela divisão social caracterizada por: o
senhor das terras (patriarca), o pequeno produtor e os escravos. Primeiramente
estes eram indígenas caçados nas matas e, posteriormente, negros, trazidos ao país
através do tráfico de escravos. Estes eram vendidos no mercado como se fossem
mercadorias de luxo e realizavam para seus senhores diversos tipos de atividade;
cuidavam do plantio da cana, da fazenda, prestavam serviços domésticos,
artesanais e outros.
Neste contexto, a mulher negra, escrava, na família colonial, exercia
tarefas domesticas como cozinhar, lavar e passar; tarefas na produção agrícola; e
era também a ama negra que tinha como função amamentar e contribuir para a
criação e cuidados dos filhos dos brancos.
A sociedade brasileira desenvolveu-se, então, baseada em um sistema
patriarcal e aristocrático. A educação literária e acadêmica era restrita aos homens,
que eram mandados por seus pais para estudarem na Universidade de Coimbra em
Portugal.
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�s mulheres cabia o papel de esposa e dona de casa. Algumas eram
mandadas para casas de recolhimento que se incumbiam de ensinar as mo�as a
bordar, costurar, lavar, passar, cozer, cuidar do esposo e de seus filhos.
Silva (1998) menciona que: “Os pap�is das mulheres estavam claramente
definidos: elas t�m uma casa que governar, um marido que fazer feliz (...)”.
� importante salientar que a maioria dos casamentos desta �poca se
realizava n�o por amor e afeto e sim por determina��o do pai da mo�a com quem
ele achava conveniente. O homem tinha que ter m�ritos e muitas posses. A mo�a
que perdesse a sua “pureza” e a mulher que fosse infiel ao seu marido eram
destitu�das de seus dotes e heran�as.
Conflitos e afetos nas rela��es familiares entre pais e filhos j� existiam.
Uma das �reas de conflito entre estes estava na escolha do c�njuge, quando os
filhos ainda necessitavam da autoriza��o paterna para casarem. Essa autoriza��o
apenas era assumida pela m�e quando esta se tornava vi�va. A realiza��o de um
casamento sem o consentimento paterno acarretava uma s�rie de puni��es, desde
a separa��o dos c�njuges at� a exclus�o dos desobedientes da divis�o dos bens
familiares.
Conforme Cotrim (1993), fazendo uma refer�ncia a Saga (1981), ele faz
uma an�lise que nos remete praticamente a uma sinopse hist�rica da fam�lia colonial
nordestina:
O senhor de engenho era a figura central do seu grupo familiar. Determinava as fun��es que cada membro da casa grande deveria desempenhar. A esposa do senhor era totalmente submissa ao marido. Vivia para ter filhos, fazer doces, costurar e bordar. N�o tinha estudos. Sua vida social limitava-se a ir � Igreja e a conversar com as escravas. Os filhos homens costumavam passar uns tempos em casa de amigos ou parentes que lhes pudessem transmitir alguns ensinamentos fundamentais. O filho mais velho era orientado para suceder o pai na chefia do engenho. Dentre
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os demais filhos, um geralmente se tornava padre, o outro se formava em direito. O advogado ajudava a transformar em poder pol�tico o prest�gio da fam�lia. Toda esta sociedade baseava-se no trabalho escravo. O senhor de engenho era sempre tratado como “senhor” pela esposa, pelos filhos mais velhos e pelos escravos. S� os pequenos os chamavam de “papai”. Nessa �poca, era comum o casamento de mocinha de quinze anos com homens de bem mais idade. Os namoros e casamentos precisavam da autoriza��o do pai. Havia casos de escravas que delatavam namoros e encontros das sinh�s-mo�as ou sinh�s-esposas. Por vezes, essas hist�rias levavam o senhor a ordenar o assassinato da esposa ou de uma filha. Tudo isso demonstrava como era grande o seu poder (Cotrim, 1993:70).
Sendo assim, o Brasil era formado por uma sociedade de fam�lias
patriarcais, constitu�das pelo patriarca, por sua esposa, pelos filhos leg�timos e
naturais, pelos parentes, agregados e escravos. Tudo girava em torno da “casa
grande” e da “senzala”.
A fam�lia n�o era caracterizada como o espa�o de conviv�ncia e de amor.
Nela a mulher tinha como responsabilidade a procria��o e a perpetua��o da
linhagem.
Neste per�odo, o conv�vio entre pai e filho era �nfimo. A aproxima��o, na
rela��o entre pais e filhos, apenas ir� come�ar no momento em que a fam�lia
patriarcal come�a a equiparar a sucess�o da propriedade com os sentimentos.
Durante muito tempo, esse modelo de fam�lia patriarcal foi conhecido como
o modelo de fam�lia tradicional.
2.2. Do período republicano ao Brasil contemporâneo
No per�odo da Rep�blica Velha o conceito de fam�lia ainda girava em torno
do patriarcalismo. � claro que sofreu mudan�as em fun��o do tempo, do espa�o e
dos grupos sociais. Mas, continuou centrado no poder patriarcal, que atuava
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reproduzindo e legitimando valores, criando padrões sociais e morais que cercavam
a vida social.
De acordo com a dinâmica da sociedade que transforma suas
organizações sociais, culturais, religiosas, econômicas e políticas, a estrutura
familiar também se transformava.
Para Romagnoli (1996),
No rastro dos tempos modernos, as transformações na estrutura social brasileira que tiveram início no final do século XVIII e se consolidaram no século XIX, atingiram maciçamente o grupo familiar, que torna-se, paulatinamente, a organização social básica, a célula mestre da sociedade moderna. Inicia-se, assim, a caminhada da mutação familiar através da modernidade, onde em uma sequência presente em todo mundo ocidental, vamos presenciar no polo inicial as famílias compostas por extensas parentelas para então, finalizarmos com as famílias nucleares, também chamadas conjugais, formadas pelo casal de cônjuges com os seus filhos. Modificações essenciais e inegáveis, cujos efeitos permanecem até os nossos dias (Romagnoli, 1996:50).
A população brasileira no século XIX aparece como precariamente urbana,
enquanto que no período colonial a população era rural e dependente da agricultura
e do extrativismo. Era uma sociedade rural, latifundiária, baseada na família, ainda
sustentada pelo patriarcalismo.
Na transição entre os séculos XIX e XX, as mudanças ocorridas pela
exportação de produtos agropecuários, a ascensão do comércio e o início da
industrialização contribuíram para a urbanização e o crescimento da população das
cidades. Essa população frequentemente era formada por famílias nucleares (pai,
mãe e filhos) e não por famílias extensas, compostas por grupos de parentes
vivendo em um mesmo espaço doméstico.
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Em decorrência das alterações da estrutura social da colônia e das
mudanças no papel da família, no decorrer do século XIX, ocorreram transformações
no âmbito das relações de sociedade que, de uma estrutura baseada no parentesco,
nas lealdades pessoais e na territorialidade, passou para uma estrutura de relações
de classes, baseada na produção, nas relações capital/trabalho, na coisificação das
relações.
Nesse mesmo momento, a família passou a ser alvo do higienismo:
vertente da medicina que tinha por objetivo propiciar à família um novo sentido de
privacidade e de conforto doméstico. O higienismo começou a entrar na vida da
família brasileira, exaltando a ordem e a educação em prol da saúde, destacando o
papel da mulher como mãe dedicada, responsável e esposa amorosa. O médico
passou a fazer parte da vida familiar, tendo por objetivo propiciar a saúde da família.
A família passou, então, a sofrer ingerências a partir do poder do Estado, que
assumiu como princípio político a concepção de que famílias saudáveis formariam
um Estado saudável!
Portanto, o tipo de família ideal que adentra o século XX é o da família
nuclear, baseada em valores burgueses, concentrada na construção da afetividade,
da procriação e da disciplinação dos filhos.
A relação entre pais e filhos se torna mais íntima, as oportunidades de
trabalho se tornam mais amplas e diversas e a mulher desse século XX já alcança o
direito de voto e começa a aparecer no mercado de trabalho.
Também a urbanização, a implantação e o desenvolvimento da
industrialização no país acarretaram mudanças sobre o modelo familiar. O contexto
social dos indivíduos e de suas famílias transforma-se; novas técnicas, novas
energias, novos modos de produzir e de gerar riquezas são criados e,
15
consequentemente, a produ��o, que antes era vinculada � fam�lia, modifica-se – as
rela��es familiares passam a ser societ�rias. Desde ent�o, com amplia��o da oferta
de produtos e com o crescimento da industrializa��o, a fam�lia passa a assumir
novos valores, dentre os quais os de consumo.
� neste contexto que emerge a fam�lia moderna, uma fam�lia nuclear
centrada nas fun��es de reprodu��o, socializa��o e afeto.
2.3. A família contemporânea e as determinações legais
No Brasil, o Direito de Fam�lia � regido pelo C�digo Civil criado em 1916 e
que somente foi reformulado no ano de 2002 e entrou em vigor no dia 11/01/2003. O
velho C�digo Civil possu�a uma legisla��o machista, que defendia apenas os
interesses do c�njuge masculino. O mesmo acontecendo com as antigas
Constitui��es Brasileiras.
Como lembra Romagnoli (1996),
As constitui��es brasileiras sempre preservaram a fam�lia “leg�tima”, entendendo por fam�lia o grupo constitu�do atrav�s da uni�o formalizada pela lei civil, n�o levando em considera��o outras formas distintas de agrupamentos familiares, que de fato existiam. Coerentemente o C�digo Civil manteve por muito tempo a indissolubilidade do matrim�nio resguardando a efic�cia do v�nculo religioso: o Direito alia-se � Igreja em defesa da perman�ncia do la�o conjugal e, consequentemente, em prol da conserva��o das rela��es familiares. (...) a posi��o jur�dica da mulher era de apenas “colaboradora do marido (...)” (Romagnoli, 1996:64).
Um primeiro avan�o em rela��o a essa situa��o foi configurado pela Lei
6.525 de 26 de Dezembro de 1977, denominada Lei do Div�rcio, que p�s termo �
16
indissolubilidade do casamento e aos efeitos legais do matrim�nio religioso,
permitindo a legaliza��o de outros tipos de uni�o entre homens e mulheres.
Em 1988, um grande avan�o ocorreu: a nova Constitui��o Federal, em seu
artigo 226 reconhece a exist�ncia de mais de uma modalidade de fam�lia: a fam�lia
constitu�da pelo matrim�nio civil, a fam�lia resultante de uni�o est�vel entre homem e
mulher e a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.
S�o formas de reconhecimento do Estado de novas fam�lias ou entidades familiares.
Ainda, no artigo 226, �4�, determina que os direitos e os deveres familiares passam
a ser exercidos paritariamente pelo homem e pela mulher.
Nos termos dessa Constitui��o, � fam�lia cabe a responsabilidade da
cria��o dos filhos, de sua educa��o e de seu desenvolvimento. � importante
ressaltar que qualquer filho, seja proveniente de uni�o civil, de uni�o est�vel ou
mesmo de um relacionamento casual, � considerado filho leg�timo. O mesmo
acontece em rela��o ao filho que veio participar da fam�lia por ado��o.
De acordo com o Jornal “O Tempo” de 11/01/2003, Rocha comenta esses
avan�os:
(...) o casamento � a “comunh�o plena da vida” e m�e e pai t�m a mesma responsabilidade sobre o lar, enquanto o c�digo antigo classificava o matrim�nio como um meio para a constitui��o da fam�lia e a figura paterna era o “chefe da casa”. E, ainda, a partir de hoje, os c�njuges t�m o mesmos direitos e deveres, tanto no casamento quanto na separa��o. Outra novidade � a possibilidade de um dos parceiros poder anular o casamento alegando a falta de amor pelo outro.
Para a deputada e feminista mineira J� Moraes (PC do B), essas
conquistas no novo c�digo s�o o reflexo da mudan�a do papel da mulher na
sociedade brasileira nos �ltimos anos. S�o lutas hist�ricas com reflexos n�o s� para
17
a mulher, mas para toda a popula��o. Uma das altera��es mais importantes foi �
redefini��o do papel feminino, dando um novo sentido aos valores e �s rela��es
familiares.
(...) apesar de o c�digo nascer com um atraso hist�rico, “ele vem com uma maior preocupa��o social”. Entre elas, a proibi��o da realiza��o de contratos onde uma das partes esteja em desvantagem por motivos extraordin�rios ou mediante coa��o. Outro item, elogiado pela deputada, � o fim da terminologia para fins jur�dicos de filhos leg�timos e ileg�timos, quando se refere �s crian�as concebidas pelos pr�prios pais ou adotadas. “O Tempo”, de 11/01/2003.
Ainda, conv�m lembrar que, com o desenrolar do s�culo XX, o mundo
vivenciou grandes transforma��es nas �reas das ci�ncias, da cultura, da �tica, da
tecnologia, da comunica��o dentre outras, as quais modificaram profundamente o
sistema familiar. Houve aumentos significativos: de novos tipos de uni�o entre os
sexos; de m�es solteiras; de casamentos n�o legalizados e de fam�lias habitando
casas separadas, criando novos arranjos familiares que fogem do modelo
dominante. Houve tamb�m a legaliza��o dos div�rcios e das separa��es.
2.4. As formas de ser da família hoje
Vivemos em um per�odo de constantes mudan�as decorrentes de
transforma��es ocorridas em nossa sociedade, relacionadas aos avan�os
tecnol�gicos, � globaliza��o e �s diversas consequ�ncias da modernidade.
Consequ�ncias que afetam o meio ambiente, a pol�tica, a economia, a cultura, a
18
individualiza��o de cada sujeito e, inclusive, a institui��o familiar que tamb�m se
tornou alvo destas transforma��es.
Desde a sua constitui��o, a din�mica familiar vem sofrendo interfer�ncias
do meio social, pol�tico e econ�mico. Essas metamorfoses familiares, ou seja, essas
altera��es – seja em sua forma de organiza��o, em seus valores, seja nas
atribui��es definidas para cada um de seus membros, seja em sua estrutura – v�o
modificar o modo de ser e o modo de agir das fam�lias permitindo uma
heterogeneidade de estruturas e organiza��es, que n�o possibilitam mais uma
conceitua��o singular. Portanto, tratar das formas de ser da fam�lia hoje � uma
tarefa complexa, pois envolve diferentes dimens�es e uma pluralidade de fatores
que dificilmente podem ser considerados sem que sejam relacionados � din�mica da
sociedade naquele tempo e lugar.
Ainda, pode-se apontar outro complicador para essa tarefa: a fam�lia � algo
t�o natural e pr�ximo das pessoas que quando algu�m precisa referir-se a ela, de
forma gen�rica, ela comumente � associada � experi�ncia familiar do sujeito, sem
correlacion�-la �s suas dimens�es sociais e hist�ricas, nem �s transforma��es delas
decorrentes.
Trata-se, portanto, de um desafio. Mas � poss�vel localizar algumas
caracter�sticas de institui��es familiares que v�o sendo encontradas e identificadas
no dia-a-dia do trabalho do assistente social. Na diversidade dos arranjos familiares
que aparecem nesse trabalho, em sua maioria, eles extrapolam o modelo da fam�lia
nuclear – composta por pai, m�e e filhos – tem-se ent�o a “fam�lia vivida”, constru�da
sob modelo poss�vel e desejado em cada mundo familial, ou situa��o real.
19
Cada fam�lia circula num modo particular de emocionar-se criando uma “cultura” familiar pr�pria, com os seus c�digos, com uma sintaxe pr�pria para comunicar-se e interpretar comunica��es, com suas regras, ritos e jogos. (Szymanski, 1995:25).
Kaslow cita nove tipos de arranjos familiares que podem ser considerados
“fam�lia”, o que d� uma ideia de sua diversidade:
Fam�lia nuclear, incluindo duas gera��es, com filhos biol�gicos; fam�lias extensas, incluindo tr�s ou quatro gera��es; fam�lias adotivas tempor�rias;fam�lias adotivas que podem ser bi-raciais ou multiculturais; casais; fam�lias monoparentais, chefiadas por pai ou m�e; casais homossexuais com ou sem crian�as; fam�lias reconstitu�das depois do div�rcio; v�rias pessoas vivendo juntas, sem la�os legais, mas com forte compromisso m�tuo. (Kaslow, 2001:37)
De qualquer forma, a fam�lia pode ser vista, em sua multiplicidade:
(...) como algo que se define por uma hist�ria que se conta aos indiv�duos ao longo do tempo, desde que nascem, por palavras, gestos, atitudes ou sil�ncios, e que ser� por eles reproduzida e resiginificadas � sua maneira, dados os seus distintos lugares e momentos na fam�lia. Dentro dos referenciais sociais e culturais de nossa �poca e de nossa sociedade, cada fam�lia ter� uma vers�o de sua hist�ria, a qual d� significado � experi�ncia vivida (Sarti, 2003:26).
2.5. O papel do homem e da mulher na sociedade moderna
Ao elaborar essa disserta��o cujo tema � a guarda compartilhada, com um
breve destaque da participa��o paterna, torna-se importante mencionar a
constru��o dos pap�is desempenhados pelo homem e pela mulher na sociedade e
na fam�lia: no provimento, nos cuidados, na responsabiliza��o e na educa��o de
20
seus filhos. Considera-se que somente ap�s entender e analisar a constru��o social
e cultural das rela��es de g�nero, � que � poss�vel compreender as desigualdades
do exerc�cio dos pap�is parentais.
No desempenho desses pap�is, � importante deixar claro que tomo por
refer�ncia os aspectos psicol�gicos, sociais e culturais do feminino e do masculino e
n�o apenas as caracter�sticas biol�gicas e anat�micas. Assim, o papel de g�nero
pode ser entendido como o conjunto de comportamentos sociais que a sociedade
espera das pessoas de um determinado sexo.
Cada sociedade, de acordo com sua cultura, sua divis�o em classes
sociais, suas cren�as e �pocas s�cio-hist�ricas, constroem demandas diferenciadas
de fun��es a serem exercidas pelo homem ou pela mulher.
Essas fun��es s�o transmitidas basicamente pela fam�lia, que � a principal
fonte de socializa��o do ser humano. Cabe � fam�lia a transmiss�o das normas e
valores da cultura: � ela quem ensina a crian�a a comer, a se vestir, a tomar banho
e, tamb�m, a ser menino ou menina, isto �, o que significa ser masculino ou
feminino.
A mulher � educada desde crian�a para investir mais nos cuidados dos
filhos, em seu espa�o dom�stico e nos relacionamentos familiares, mesmo
trabalhando ou n�o para o mercado. Ela � ensinada a dedicar sua energia ps�quica
e emocional para esses cuidados.
(...) as brincadeiras das meninas s�o sobretudo uma repeti��o das futuras tarefas dom�sticas, aliada � preocupa��o com o n�o se sujar, n�o rasgar as roupas, ter uma express�o corporal contida, "modos de mocinha” (...) (Grupo CERES, 1981:331).
21
O homem é preparado desde cedo a enfrentar e superar desafios, sendo
estimulado a desenvolver o seu lado intelectual, além de receber o rótulo cultural de
que nasceu para ser provedor, reprodutor e protetor de sua família.
Os homens, por sua vez, são estimulados a se defenderem e a atacarem, sendo socializados, desde cedo, para responderem às expectativas sociais de modo pró-ativo, em que o risco não é algo a ser evitado ou prevenido, mas enfrentado e superado (Lyra et al, 2003:79).
Culturalmente, o homem ainda é pouco preparado para desenvolver
cuidados e demonstrar afetos pelos filhos, a função que a sociedade espera dele é
ainda de produzir e administrar as riquezas, garantindo o sustento familiar, além da
segurança e preservação dos valores morais da família (Lyra et al, 2003:82).
Cada família transmite aos seus descendentes quais são as posturas
cabíveis ao homem/marido e à mulher/esposa. Isso leva a crer que para cada tipo
de família há uma maneira diferente de desempenhar os papéis conjugais e
parentais.
Segundo Marodin (1997):
Cada casal traz um sistema de crenças e expectativas das experiências da família de origem ou de outras experiências matrimoniais, bem como da cultura de uma específica comunidade e sociedade. São valores que permeiam o pensar sobre casamento e modo de ser marido e mulher. Essas heranças garantem a continuidade intergeracional com seus papéis determinados, estabelecendo um "ideal normativo" para o casamento e definindo a priori como cada um do casal "deve ser", bem como deve ser o relacionamento entre os dois. Seus valores definem as regras do relacionamento entre o casal, estabelecendo os papéis de gênero (Marodin, 1997:10-11).
22
Dependendo da �poca e das intera��es estabelecidas entre o casal, os
pap�is de g�nero e como estes s�o transmitidos assumem caracter�sticas
diferenciadas. Na sociedade patriarcal, por exemplo, na qual a rela��o entre os
g�neros era baseada na domina��o masculina, o exerc�cio dos cuidados e da
transmiss�o da cultura cabia � mulher. Ao homem cabia mandar e prover, sendo
que seu espa�o de atua��o era o "mundo da rua”. � mulher, cabia obedecer, cuidar,
ser reprodutora, administrar o lar, portanto, sua a��o ocorria no "mundo da casa”,
n�o lhe cabendo a vida p�blica. As tarefas do homem tinham maior status, enquanto
as tarefas da mulher eram consideradas de menor valor.
A expans�o do capitalismo industrial trouxe consigo mudan�as
significativas nas rela��es entre o homem e a mulher e na rela��o familiar. As
mulheres foram “lan�adas” para a “rua”, para a vida produtiva, assumindo atividades
laborais tradicionalmente masculinas, no espa�o p�blico.
O div�rcio surgiu como uma nova realidade na qual o homem e a mulher se
veem mais livres para se separarem ou manterem-se casados. Os movimentos
feministas discutem e levam a sociedade ao questionamento quanto aos
estere�tipos culturais e sociais dos pap�is de g�nero.
Essas “interfer�ncias” hist�ricas na fam�lia e nas rela��es de g�nero
produziram modifica��es nas rela��es entre o homem e a mulher, e nos pap�is de
cada um deles no contexto familiar. As divis�es dos pap�is desempenhados no seio
familiar, que eram bem claras e definidas, ap�s essas v�rias transforma��es, foram
se modificando. As mulheres come�aram a contribuir financeiramente para o
sustento familiar e os homens, timidamente, passaram a participar dos cuidados dos
filhos e de algumas tarefas dom�sticas. As mulheres, tendo entrado no mercado de
trabalho, passaram a administrar seu pr�prio dinheiro. Entretanto, por levarem ainda
23
com elas o papel de cuidadoras da família, tiveram sua jornada de trabalho
ampliada.
Romper com os padrões culturais da sociedade ainda é uma tarefa difícil.
Por outro lado, no trabalho com famílias é possível perceber que vem se ampliando
o desejo que os pais possuem de cuidar e de se responsabilizar pela guarda de
seus filhos, revelando sentimentos de afeto imensuráveis.
Percebe-se que, para conquistar uma nova visão em relação a conceitos
instituídos pela sociedade, é uma luta árdua. Há ainda a prevalência da ideia de que
apenas a mulher é capaz de cuidar de sua prole. É difícil modificar esse padrão
enraizado culturalmente, ainda quando se tem exemplos permanentes de situações
em que ambos os cônjuges demonstram desenvolver potencialidades para assumir
responsabilidades parentais anteriormente apenas assumidas pelo outro.
24
CAPÍTULO 3
O ROMPIMENTO DA RELAÇÃO CONJUGAL E A SITUAÇÃO DOS FILHOS
Com o decorrer dos anos � natural que a rela��o conjugal e as uni�es
entre os casais tornem-se alvo de transforma��es, revelando muitas vezes situa��es
que podem levar ao t�rmino do relacionamento. E quando esse momento chega, na
maioria das vezes, as separa��es n�o ocorrem de forma consensual, mas de
maneira litigiosa.
Num processo de separa��o litigiosa, o conflito entre os casais � muito
intenso. As m�goas e os ressentimentos fazem parte deste processo. Os casais
entram nesta situa��o com sentimentos de vingan�a e puni��o. Isto faz com que o
processo de separa��o assuma uma imagem competitiva, onde um ser� o ganhador
e o outro o perdedor, sendo que o trof�u – objeto de premia��o do vencedor – ser�
a guarda dos filhos. E, faz parte dessa “vit�ria”, a identifica��o e culpabiliza��o do
outro pelos incidentes causadores da separa��o.
� percept�vel que, nesse processo de ruptura familiar, os pais se esquecem
de pensar que suas atitudes ego�stas e vingativas perante o ex-c�njuge ou ex-
companheiro atinge o bem-estar e os interesses dos filhos. Em raz�o desses
conflitos, recorrem ao Poder Judici�rio com a miss�o de pleitear a guarda unilateral,
desejando que o poder familiar lhe seja atribu�do e seja delegado ao outro a
responsabilidade da pens�o aliment�cia.
Existem tamb�m situa��es na qual a separa��o � consensual. Devido �s
necessidades da vida moderna, ap�s a ruptura das rela��es conjugais, esses pais
muitas vezes se disp�em a compartilhar a guarda de seus filhos, construindo um
25
novo arranjo de guarda, aplicado em comum acordo entre eles. Nesses casos, os
pais decidem conjuntamente o futuro dos filhos e estabelecem a periodicidade dos
contatos, sem que de fato necessitem de uma determinação judicial.
Na verdade, isso traz à tona o fato de que, mesmo anteriormente à sanção
da Lei nº 11.698/08, a guarda compartilhada já vinha ocorrendo na prática. Sua
aprovação legal revelou-se, portanto, importante para a efetivação mais ampla
dessa prática, evitando casos em que o genitor não guardião não pudesse contar
com a boa vontade voluntária daquele que recebeu a responsabilidade da guarda,
para compartilhar dos cuidados e direções da vida de seus filhos.
Este novo arranjo de guarda não significa que o tempo dispensado aos
filhos acontecerá de forma igual, e sim, significa a existência de igualdade nas
condições de exercício das funções parentais. É importante que seja legitimada e
homologada judicialmente para que, independentemente da vontade ou da
autorização do responsável pela guarda física, o outro genitor tenha direito de
compartilhar das decisões centrais da vida de seu filho.
A guarda compartilhada nasce, portanto, como uma possibilidade de
construção de um novo tipo de arranjo familiar instituído legalmente, construído por
um modelo de coresponsabilidade parental, a qual deve ser dividida mesmo após o
rompimento das relações conjugais. A possibilidade de ambos os pais continuarem a
exercer o poder familiar se torna um caminho para a preservação da continuidade
das relações familiares.
Para que a guarda compartilhada venha acontecer é necessário que sejam
introduzidos alguns pressupostos e critérios para a sua regulamentação.
Primeiramente, os pais precisam reunir habilidades e disposição para exercê-la; é
necessário também um bom relacionamento entre eles, no mínimo a possibilidade
26
de estabelecer um diálogo. É importante que esses pais construam uma maneira de
se comunicar, desenvolvendo esta prática em prol do bem-estar dos filhos.
Esta nova modalidade possibilitará, conforme afirma Pantaleão:
Parece-nos, assim, que vem a ser o ideal que os pais, efetivamente, participem da vida cotidiana dos filhos, abandonando-se o quadro em que o genitor não guardião é mero espectador de seus acontecimentos e tornando-o atuante e coresponsável. O exercício compartilhado da guarda, dentre outras vantagens a serem apontadas, preserva os vínculos afetivos, uma vez que o pai não perde o filho, nem este aquele, ressaltando, por mais uma vez, que a conjugalidade pode se romper, mas nunca a parentalidade (Pantaleão, 2004:156-157).
27
PARTE II
CAPÍTULO 4
A HISTÓRIA DA GUARDA DOS FILHOS EM CASO DE SEPARAÇÃO NO BRASIL
O Brasil, no per�odo de col�nia, seguia o C�digo Civil Portugu�s. O
primeiro C�digo Civil Brasileiro – Lei n� 3.071, entrou em vigor em 1� de janeiro de
1916.
O C�digo Civil de 1916 estabelecia que o v�nculo matrimonial somente
seria rompido no caso de morte de um dos c�njuges ou pelo desquite. Institu�a que a
m�e apenas exerceria o p�trio poder em situa��es excepcionais: na aus�ncia ou no
impedimento do marido.
Nessa �poca, quando os desquites baseavam-se em lit�gio, a guarda dos
filhos era determinada pelo grau de culpabilidade dos c�njuges, sendo a mesma
atribu�da ao c�njuge considerado inocente. Isso explica porque, at� hoje, em muitos
casos, a obten��o da guarda � tida como um trof�u para um e como puni��o para o
outro. O filho se torna um objeto de disputa para satisfa��o e desejo pessoal dos
pais.
Na possibilidade dos dois serem respons�veis pelo rompimento
matrimonial, era levada em considera��o a idade e o sexo dos filhos, cabendo aos
filhos menores de seis anos de idade e �s meninas ficarem sob a guarda da m�e, e
aos meninos maiores ficarem sob a guarda do pai.
Nas ocorr�ncias de desquite consensual era observado o que os c�njuges
acordassem. Esta �ltima determina��o � ainda encontrada em nossa legisla��o
atual.
28
Percebe-se j� neste c�digo o in�cio da preocupa��o em tutelar o interesse
dos filhos, embora existissem algumas discrimina��es praticadas por seus pais: �
sabido que o filho primog�nito era o que detinha maiores privil�gios no que dizia
respeito � educa��o e � heran�a.
Neste per�odo, a autoridade e o poder parental encontravam-se expressos
na figura paterna. O ‘p�trio ”poder”, por lei, era exercido somente pelo pai. Como o
pr�prio nome menciona, trata-se de poder delegado ao pai, que tem a
responsabilidade de decidir, cuidar, educar e dirigir todos os assuntos relacionados
aos filhos e � fam�lia.
O p�trio poder era exercido pelo pai, e os filhos eram classificados de forma discriminat�ria com tratamentos desiguais, mas j� se apresentava como m�nus p�blico dos pais para com seus filhos, por ser tempor�rio, se extinguir com a maioridade e trazer alguns deveres impostos por lei ao seu cumprimento (Quintas, 2009:11).
Com o passar dos anos, o c�digo foi sofrendo altera��es, buscando a
constru��o da defesa dos direitos e a igualdades entre homens e mulheres, filhos
leg�timos e ileg�timos.
Em 27 de agosto de 1962, foi sancionada a lei n� 411 – O Estatuto da
Mulher Casada, que disp�e sobre algumas fun��es que deveriam ser exercidas pelo
homem e pela mulher na sociedade conjugal.
Esta lei iniciou a constru��o de um processo na dire��o da igualdade entre
homem e mulher. Desta forma, corroborou para a constru��o de uma pr�tica
cultural, na qual, em situa��es processuais que envolvessem a separa��o judicial do
casal, a guarda dos filhos deveria ser deferida � figura materna, salvo em situa��es
nas quais essa decis�o fosse contra-indicada.
29
No ano de 1977, abre-se espa�o para a Lei do Div�rcio2, definindo que o
casamento n�o seria mais considerado indissol�vel. Percebe-se, ainda, nesta lei, a
preocupa��o em tutelar o interesse dos filhos, legalizando e garantindo alguns
direitos ao genitor n�o guardi�o, por exemplo, o direito de visita��o e de
acompanhamento do desenvolvimento do filho.
De maneira geral, esta lei revelou uma pequena conquista no que tange �s
visitas realizadas pelo genitor n�o guardi�o, embora ainda conservasse em seu
�mago a linhagem jur�dica dos modelos anteriores.
No passo para a constru��o da igualdade entre homens e mulheres, a
Constitui��o Federal de 1988 – a qual foi designada de “Constitui��o Cidad�” – veio
legitimar a igualdade de direitos na sociedade conjugal, atribuindo inclusive
igualdade de condi��es no exerc�cio do “p�trio poder” (que posteriormente passou a
se chamar “poder familiar”). Essa determina��o foi reafirmada no Estatuto da
Crian�a e do Adolescente em seus artigos 21 e 22:
Art. 21. O p�trio poder ser� exercido, em igualdade de condi��es, pelo pai e pela m�e, na forma do que dispuser a legisla��o civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discord�ncia, recorrer � autoridade judici�ria competente para a solu��o da diverg�ncia.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educa��o dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obriga��o de cumprir e fazer cumprir as determina��es judiciais.
Nessa �poca, at� o surgimento do Novo C�digo Civil – que passou a
vigorar em janeiro de 2003 – ainda utilizava-se a express�o “p�trio poder”, que foi
2 A Emenda Constitucional n� 66/2010, publicada no dia 14/07/2010, vem alterar o � 6�, art. 224 da Constitui��o Federal, modificando a Lei do Div�rcio no Brasil. Anteriormente, era necess�ria a comprova��o de dois anos da separa��o conjugal e um ano de separa��o judicial aos que se desejavam se divorciar. Com a nova lei, n�o h� necessidade do cumprimento pr�vio dessas exig�ncias, h� apenas a etapa do div�rcio para os casais que concordarem com o procedimento e n�o possu�rem filhos menores, podendo o div�rcio ser homologado em cart�rio.
30
modificada pela terminologia “poder familiar”, ou seja, poder que ambos os pais
exercem sobre a vida dos filhos. Buscou-se igualar homens e mulheres em seus
direitos e obriga��es, sem a preocupa��o de preservar a institui��o do matrim�nio
civil acima de qualquer valor. Sua preocupa��o principal centrava-se na preserva��o
e valoriza��o da fam�lia.
O C�digo de Processamento Civil, Lei n� 10.406/2002 – refer�ncia atual
por ocasi�o da atribui��o jur�dica de guarda – em seu art.1.630 confere a ambos os
pais o poder familiar, complementado por um conjunto de direitos e deveres,
independentemente de seu estado civil e do relacionamento afetivo existente. A
atribui��o desse poder e das responsabilidades objetiva atender o melhor interesse
dos filhos, quanto � sua forma��o pessoal, moral, educacional, e tamb�m garantir
sua assist�ncia material, psicol�gica e social, e a preserva��o do conv�vio familiar,
dentre outros. Tais atribui��es devem ser desempenhadas pelos pais e pelas m�es,
em igualdade de condi��es.
Esta lei ainda prev� situa��es em que o poder familiar pode ser extinto,
“como em situa��es de morte dos pais ou dos filhos, quando ocorre emancipa��o, a
maioridade; pela ado��o e poder decis�o judicial” (art.1.638). Nos casos de extin��o
do poder familiar por emancipa��o ou ado��o cabe ao Estado, representado pelo
Poder Judici�rio, a an�lise das situa��es e a decis�o.
A natureza partilhada do poder familiar colocou em evid�ncia a
possibilidade do pai tamb�m exercer a guarda, em igualdade de condi��es em
rela��o � m�e. Portanto, uma nova lei foi promulgada para regulamentar uma nova
modalidade de guarda, na qual ambos os pais n�o necessitam competir e t�o pouco
identificar culpados pelo t�rmino da rela��o conjugal. Esta lei surge para defender a
igualdade de ambos no exerc�cio da parentalidade. Aqui, n�o se deve indicar o
31
ganhador ou o perdedor, e sim, os vários vitoriosos, pois não apenas os pais, mas
os filhos serão os grandes premiados com a guarda compartilhada.
32
CAPÍTULO 5
A GUARDA DE FILHOS NA CONTEMPORANEIDADE
Como profissional atuante do Poder Judici�rio, especificamente com
processos judiciais que tramitam em Varas de Fam�lia, com grande destaque para
as a��es de separa��o litigiosa e disputa pela guarda dos filhos, percebo que o
modelo de guarda compartilhada surge como uma nova alternativa que visa atender
e se adequar a uma nova realidade social.
Durante muitos anos, quando ocorria o t�rmino da sociedade conjugal, ou
do relacionamento afetivo entre o homem e a mulher, a lei determinava a
necessidade de definir o guardi�o respons�vel pelos cuidados dos filhos. Um tipo de
modalidade jur�dica muito utilizada era a guarda exclusiva ou unilateral. Esta guarda
era atribu�da apenas �quele genitor que apresentasse melhores condi��es para
zelar pelos interesses e cuidados dos filhos – frequentemente, a mulher. Ao outro,
era destinada, n�o a guarda, mas a regulamenta��o de visitas e a responsabiliza��o
pela pens�o aliment�cia.
Aos olhos de muitos doutrinadores, de profissionais, dos pais e das
pr�prias crian�as, esta pr�tica se revelou como um modelo propulsionador do
enfraquecimento dos la�os afetivos com o genitor, cuja rela��o era norteada pela
descontinuidade. Em vista disso, visando o melhor interesse da crian�a e a
minimiza��o dos conflitos advindos de um processo de separa��o judicial, surgiu a
necessidade de pensar em um novo modelo de guarda.
Unidos a essa nova necessidade, e ap�s o vigoramento do Novo C�digo
Civil de 2002 – que defende e disp�e que durante a const�ncia do casamento, o
poder familiar dever� ser exercido em igualdade de condi��es pelos pais, cabendo
33
aos dois a responsabilidade pelos cuidados, educa��o e sustento material da prole –
� que surgiu, de fato, a luta pela homologa��o da Lei da Guarda Compartilhada no
Brasil.
Aquele mesmo c�digo veio afirmar que mesmo ap�s a separa��o, ou o
rompimento dos la�os afetivos entre os pais, eles deveriam continuar a exercer o
poder familiar diante dos filhos. Afirmou tamb�m que, ainda que os pais n�o
permane�am vivendo sob o mesmo teto, a rela��o dos filhos com os pais n�o
deveria ser alterada: finda a rela��o conjugal entre o homem e a mulher, seria
preciso ter clareza de que os pap�is de pai e m�e continuavam a existir. Entendeu-
se, assim, que o rompimento � do casal e n�o do relacionamento entre pais e filhos.
A modalidade de guarda compartilhada surge, portanto, como uma
alternativa para equilibrar e garantir os pap�is parentais. Espera-se que com este
tipo de guarda as rela��es entre pais e filhos sejam mantidas e que os pais se unam
e se fortale�am para deles cuidar e educar.
Este novo modelo busca apontar uma nova alternativa de
responsabiliza��o pelos cuidados da prole e, inclusive, minimizar os impactos
dolorosos e negativos advindos de um processo de ruptura conjugal, pois, pode-se
perceber o sofrimento de muitos filhos e os traumas que a aus�ncia de um dos pais
pode representar.
No entender de Melga�o, o compartilhamento deve se desvincular da ideia
de poder ou de posse dos filhos.
A ideia de poder familiar � transformada na medida em que a guarda compartilhada atribui-lhes menos a ideia de poder e mais de responsabilidade, de cuidado dos filhos menores, de compartilhamento, do conv�vio familiar. (...) Dessa forma, o que se compartilha n�o � a posse, mas
34
sim as decis�es e responsabilidades pela educa��o, sa�de, forma��o, bem-estar etc. da prole (Melga�o, 2007:68).
A guarda compartilhada pode ser um mecanismo para evitar a s�ndrome da
aliena��o parental – SAP.3 Essa s�ndrome � caracterizada por uma desordem
ps�quica na vida dos filhos, principalmente das crian�as, consequente dos conflitos
parentais advindos ap�s a separa��o dos pais.
Para Richard Gardner (1985), a aliena��o parental � um processo no qual
um dos genitores programa uma crian�a para que odeie o outro, sem uma evid�ncia
real. Esta aliena��o � provocada pelo genitor guardi�o no sentido de controlar a vida
do filho de forma exagerada, desequilibrando a rela��o entre pais e filhos.
A aliena��o parental �, portanto, a rejei��o do genitor n�o detentor da
guarda pelos seus pr�prios filhos. Frequentemente esta pr�tica ocorre quando o
guardi�o deseja vingar-se do outro c�njuge e utiliza a crian�a como instrumento para
alcan�ar o seu objetivo. Em muitos desses casos, o pai � acusado indevidamente de
abuso sexual, como uma alternativa para impedi-lo de conviver com o filho. A
s�ndrome da aliena��o parental resulta, portanto, de uma campanha para denegrir
uma figura parental, por vezes boa e amorosa. � tamb�m vista como uma “lavagem
cerebral” para impedir que o filho tenha interesse e vontade de estar com o outro
genitor. Os sinais deste ato s�o n�tidos: a crian�a come�a a manifestar sentimentos
de �dio e rejei��o a um dos pais e o v�nculo afetivo entre eles � rompido. Os efeitos
podem se expressar atrav�s de depress�es cr�nicas, transtornos de identidade,
desespero, sentimento de culpa, dupla personalidade e outros sintomas detectados
pela psicologia.
3 Em 7 de julho de 2010, a C�mara Federal, por unanimidade, aprovou o Projeto de Lei 4.053/08, do deputado federal Regis de Oliveira (PSC-SP), que regulamenta sobre a s�ndrome de aliena��o parental e estabelece diversas puni��es para o alienador. Essas san��es podem ser variadas, desde advert�ncia, multa, perda da guarda ou pris�o por dois anos.
35
Na maioria das vezes, as pessoas ao se referirem à guarda compartilhada
cometem alguns enganos, associando-a a guarda alternada. Seguindo o
posicionamento de alguns autores, guarda compartilhada pode significar guarda
conjunta, dividida e repartida, mas nunca alternada.
A guarda alternada pressupõe que cada um dos pais exercerá
alternadamente a guarda dos filhos. Subtende-se que os filhos permanecerão
períodos de tempos iguais com ambos os pais. Esses períodos deverão ser
previamente estabelecidos, formalizando e legalizando qual será o genitor guardião
do filho em determinado período no qual lhe serão atribuídos todos os poderes e
deveres.
Este modelo implica que a criança e/ou adolescente quando estiver sob a
guarda de um, terá o direito de ser visitado pelo outro. Ao término de cada período,
os filhos deverão ir para a casa do outro guardião.
Alguns profissionais com atuação na área jurídica e os próprios juristas
chegam em muitas ocasiões a se manifestarem contra este arquétipo de guarda,
pois acreditam que a alternância de guarda e residência pode repercutir
negativamente no plano emocional dos infantes, prejudicando a formação destes
seres em situação peculiar de desenvolvimento, interferindo maleficamente nas
referências cotidianas. Consideram que a referência residencial, os valores, os
hábitos culturais, alimentares, familiares e sociais são alternados frequentemente, o
que pode comprometer a saúde física e psicológica destas crianças.
Quintas (2005:27) defende que a guarda alternada afeta o princípio da
continuidade das relações parentais e que isso deve ser respeitado quando se
deseja o bem-estar da criança. Neste modelo, não existe consenso sobre a
participação dos pais na tomada de decisões sobre a educação dos filhos. A
36
propósito, ela pode instigar o conflito entre os membros do ex-casal, podendo
proporcionar instabilidade nas relações entre os pais e os filhos, com riscos de se
perder a verdadeira referência familiar.
Há quem possua e defenda pensamentos contrários, afirmando que,
quando existe uma separação, pais e filhos devem enfrentar esta dificuldade e
assumir a nova realidade, entendendo que as crianças passarão a ter dois lares, e
que estes serão seus novos referenciais. Afirmam também que, para a criança, o
fator mais importante é poder conviver com ambos os pais e sentir-se segura, pois
elas têm condições de se adaptar ao novo contexto se sentirem-se valorizadas e
amadas.
Dentre as modalidades de guarda, encontrava-se também, o aninhamento
ou nidação, cujo modelo foi pouco utilizado em nosso meio social. Consiste num
estilo em que a criança permanece numa mesma casa e seus pais é que alternam o
período de permanência com ela.
Na guarda compartilhada pode-se distinguir a existência da guarda física e
da jurídica ou legal. A guarda jurídica/legal é aquela atribuída por lei, referente ao
exercício do poder familiar, em que o guardião é responsável por proteger, zelar e
educar os filhos. Já a guarda física refere-se apenas ao local aonde os filhos fixarão
sua residência. Esses dois elementos que compõem a guarda não podem ser
confundidos: ser detentor da guarda jurídica não significa necessariamente ter os
filhos residindo consigo.
Na guarda compartilhada, a guarda física se limita aos aspectos materiais,
ou seja, significa que os filhos deverão possuir uma residência, o que implica no fato
de que um dos genitores dividirá seu espaço físico residencial com os filhos. A
guarda jurídica é exercida por ambos os pais conjuntamente. Resume-se no
37
compartilhamento das funções parentais na mesma proporção, independentemente
se a prole está fisicamente com a mãe ou com o pai.
A criança e/ou adolescente em situação de guarda compartilhada poderá,
em um determinado momento, residir na casa de um dos genitores. Por outro lado, a
sua guarda jurídica é compartilhada por ambos os pais.
38
CAPÍTULO 6
UM BREVE HISTÓRICO DA GUARDA COMPARTILHADA
A guarda compartilhada ainda é uma temática recente em nosso meio
social e, por se tratar de um modelo ainda desconhecido por muitas pessoas, é que
se faz necessário entender e explorar mais este assunto.
Essa modalidade de guarda já vem sendo aplicada há alguns anos em
diversos países e o modo de ser dessa aplicação vem sendo construído com base
em estudos e experimentações reais e locais. Foi a partir dessas experiências e das
necessidades reveladas no Brasil, que o interesse por efetivá-la se evidenciou.
Segundo observações de Melgaço (2007), a experiência estrangeira tem se
mostrado valiosa para o alcance do bem-estar das crianças e dos adolescentes, no
que se refere à manutenção de vínculos com ambos os pais. Isto ocorre porque este
modelo é configurado de forma a que ambos possam participar efetivamente da vida
dos filhos, detendo o poder familiar e decidindo conjuntamente sobre as ações
concernentes à vida destes.
Presume-se que a primeira noção de guarda compartilhada nasceu na
década de 60, na legislação inglesa. Historicamente, na Inglaterra, cabia ao pai ser o
único guardião de seus filhos, sendo ele, também, o responsável pela manutenção
da casa em caso de rompimento da relação conjugal. A posteriori, o parlamento
inglês resolveu alterar os princípios doutrinadores da lei, atribuindo a guarda, em
caso de separação, exclusivamente à mãe, rompendo com o protótipo de que os
filhos eram propriedade do pai. Desde então, foi revertido o foco da injustiça: antes a
prejudicada na relação era a mãe e passou a ser o pai. Durante muitos anos, o fim
39
na sociedade conjugal significou, na Inglaterra, o término do exercício parental de
um dos genitores.
Perante o novo modelo de guarda unilateral exclusivamente materna,
houve, naquele país, descontentamentos e questionamentos de pessoas que
afirmavam que o mesmo havia trazido consigo grandes problemas para as crianças.
Com a finalidade de minimizar esses conflitos e contrabalancear os efeitos negativos
desse tipo de guarda, os tribunais Ingleses construíram uma alternativa que buscava
objetivar um estilo de guarda igualitário para ambos os pais, ou seja, a guarda
compartilhada. Este modelo preservou à mãe a responsabilidade cotidiana nos
cuidados da prole e resgatou ao pai o direito de decidir sobre a vida dos filhos.
Após a efetivação da Lei da Guarda Compartilhada na Inglaterra, há pouco
mais de vinte anos, sua discussão e concretização passou a ocorrer em diversos
outros países, inclusive no Brasil, onde uma lei semelhante foi sancionada e posta
em vigor recentemente.
Segundo alguns estudiosos, podemos dizer que a guarda compartilhada se
difundiu mais significativamente nos Estados Unidos, ainda que se trate de um país
gigantesco e composto por vários Estados que são regidos por legislação própria.
Devido à sua numerosa diversidade étnica e cultural, este país necessitou de lutas e
discussões significativas para que a lei fosse aplicada em todo o seu território. Os
Estados Unidos transformou a guarda compartilhada em política pública,
vislumbrando garantir o vínculo familiar aos filhos e o fortalecimento do contato com
ambos os pais de forma contínua.
Atualmente, é política pública dos Estados americanos garantir ao menor contato frequente com ambos os pais após a separação ou divórcio,
40
incentivando o compartilhamento dos direitos e responsabilidades (Melgaço, 2007:60).
Os Estados Unidos ingressaram na modalidade de guarda compartilhada
objetivando garantir a igualdade entre o homem e a mulher e o melhor interesse da
criança. O movimento em favor desta modalidade ganhou força nos anos 70. Era
formado por grupos de pais que desejavam continuar a participar da educação de
seus filhos mesmo após o divórcio.
Com o passar dos anos, em função da inserção da mulher no mercado de
trabalho e da ênfase em torno da valorização da presença paterna na vida dos
filhos, o movimento pela guarda compartilhada foi se fortalecendo e ganhando novos
adeptos.
Na França, como nos Estados Unidos, este tipo de guarda também foi
assumido na década de 70, visando suavizar os problemas originados pela guarda
exclusiva. Sua adoção foi recomendada principalmente porque, em muitos casos
onde ocorria a guarda unilateral, o guardião dificultava o contato dos filhos com o
outro. Construía imagens negativas do não guardião, causava significativos
sofrimentos emocionais tanto aos filhos quanto ao genitor não privilegiado pela
guarda e, certamente, abria espaços para muitas injustiças.
O Código Civil Francês determinou que ambos os pais devem exercer a
autoridade parental igualitariamente e que o rompimento do casal não é fator
suficiente para extinguir a autoridade de alguns deles, devendo cada um preservar
as relações com seus filhos. Este código ainda acrescenta que o juiz, ao definir a
guarda compartilhada, deverá considerar o interesse da criança, suas manifestações
e o comportamento dos pais.
41
Em Portugal, a Lei n� 84/95 que regulamentou a guarda compartilhada no
pa�s entrou em vigor no mesmo ano. Esta lei disp�e que, para aplic�-la, �
necess�rio primeiramente considerar o interesse da crian�a e suas necessidades
afetivas e emocionais. De acordo com o atual C�digo Civil Portugu�s, a guarda
dever� ocorrer em comum acordo entre as partes e, caso isto n�o se mostre
poss�vel, o tribunal dever� se pronunciar pela guarda exercida por um dos pais.
(...) a guarda compartilhada � determinada pelo C�digo Civil, sempre que houver acordo entre os pais, decidindo anteriormente, quest�es relativas � vida do filho, ou seja, exige-se uma estipula��o de “crit�rios de razoabilidade”, para que se mantenham as condi��es que vigoravam na const�ncia da uni�o do casal. Caso n�o haja acordo, deve o tribunal, fundamentando sua decis�o, determinar que o poder parental ser� exercido unicamente por um dos pais (Quintas, 2009:112).
6.1. A lei no Brasil
A Lei n� 11.698 disp�e sobre a guarda compartilhada no Brasil. Passou a
vigorar em agosto de 2008, dispondo sobre a garantia legal do pai e da m�e de
participar do desenvolvimento educacional, social e psicol�gico do filho.
Esta legisla��o espec�fica veio regulamentar esse tipo de guarda,
anteriormente aplicada atrav�s da via jurisprudencial: sabe-se que no Brasil a
guarda compartilhada, antes mesmo de sua regulamenta��o era aplicada, ainda que
poucas vezes. As homologa��es judiciais se baseavam apenas nos casos onde n�o
existiam lit�gios entre os pais.
A guarda compartilhada foi introduzida no Brasil vislumbrando defender os
interesses das crian�as e dos adolescentes, filhos de casais separados, objetivando
42
garantir a conviv�ncia destes com seus pais. Visa tamb�m romper com o estigma de
que, em processo de separa��o judicial, os filhos devem optar por apenas um
guardi�o.
Esta lei foi denominada “Lei Jos� Lucas” em homenagem a Jos� Lucas
Dias, que na �poca de sua aprova��o contava apenas 12 anos de idade. Entrevista
realizada e publicada pelo Caderno Bem Viver do Jornal Estado de Minas, em 2007,
revelou que quando Jos� Lucas tinha apenas quatro anos de idade – �poca em que
seus pais se separaram – sua m�e s� permitia-lhe as visitas de seu pai que eram
regulamentadas judicialmente, n�o concedendo exce��es. O seu pai tinha dia e
hor�rio certos para estabelecer o contato e, quando a saudade apertava, ambos
tinham que se contentar em se ver atrav�s da grade do port�o da casa onde Jos�
Lucas morava. Situa��o que provocava fortes emo��es entre pai e filho.
Segundo o mesmo jornal, Rodrigo Dias, pai de Jos� Lucas, com o apoio do
filho, granjeou diversas assinaturas de senadores para que a Lei da Guarda
Compartilhada fosse aprovada. Num primeiro momento, o projeto de lei contou com
o apoio e autoria do ex-deputado Tilden Santiago, do PT/MG. Posteriormente, o
mesmo projeto passou por algumas altera��es, sendo o autor do texto final e relator
da lei, o ex-promotor de justi�a, ora senador, Dem�stenes Torres do DEM/GO, no
ano de 2008.
Ap�s todo esse movimento pela aprova��o da lei, Jos� Lucas passou a ver
o pai diariamente. De acordo com relatos jornal�sticos, mesmo ele permanecendo
residindo na casa de sua m�e, apoiou o pai na constru��o do movimento “Pais para
Sempre”, do qual o mesmo � fundador. Esse movimento apoia e defende os
interesses dos pais pela guarda compartilhada, tendo por propositura que a mesma
43
ajudará a poupar outras crianças do sofrimento que José Lucas passara com o
afastamento de um dos pais de seu cotidiano.
44
CAPÍTULO 7
COMENTÁRIOS SOBRE A LEI Nº 11.698, DE 13/06/2008
Art. 1o. Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002
do C�digo Civil passam a vigorar com a seguinte reda��o:
Art. 1.583. A guarda ser� unilateral ou compartilhada.
� 1� Compreende-se por guarda unilateral a atribu�da a um s� dos
genitores ou a algu�m que o substitua (art. 1.584, � 5o) e, por guarda compartilhada
a responsabiliza��o conjunta e o exerc�cio de direitos e deveres do pai e da m�e
que n�o vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
� 2� A guarda unilateral ser� atribu�da ao genitor que revele melhores
condi��es para exerc�-la e, objetivamente, mais aptid�o para propiciar aos filhos os
seguintes fatores:
I – Afeto nas rela��es com o genitor e com o grupo familiar;
II – Sa�de e seguran�a;
III – Educa��o.
� 3� A guarda unilateral obriga o pai ou a m�e que n�o a detenha a
supervisionar os interesses dos filhos.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poder� ser:
I – Requerida, por consenso, pelo pai e pela m�e, ou por qualquer deles,
em a��o aut�noma de separa��o, de div�rcio, de dissolu��o de uni�o est�vel ou em
medida cautelar;
45
II – Decretada pelo juiz, em aten��o a necessidades espec�ficas do filho,
ou em raz�o da distribui��o de tempo necess�rio ao conv�vio deste com o pai e com
a m�e.
� 1� Na audi�ncia de concilia��o, o juiz informar� ao pai e � m�e o
significado da guarda compartilhada, a sua import�ncia, a similitude de deveres e
direitos atribu�dos aos genitores e as san��es pelo descumprimento de suas
cl�usulas.
� 2� Quando n�o houver acordo entre a m�e e o pai quanto � guarda do
filho, ser� aplicada, sempre que poss�vel, a guarda compartilhada.
� 3� Para estabelecer as atribui��es do pai e da m�e e os per�odos de
conviv�ncia sob guarda compartilhada, o juiz, de of�cio ou a requerimento do
Minist�rio P�blico, poder� basear-se em orienta��o t�cnico-profissional ou de equipe
interdisciplinar.
� 4� A altera��o n�o autorizada ou o descumprimento imotivado de
cl�usula de guarda, unilateral ou compartilhada, poder� implicar a redu��o de
prerrogativas atribu�das ao seu detentor, inclusive quanto ao n�mero de horas de
conviv�ncia com o filho.
� 5� Se o juiz verificar que o filho n�o deve permanecer sob a guarda do
pai ou da m�e, deferir� a guarda � pessoa que revele compatibilidade com a
natureza da medida, considerados, de prefer�ncia, o grau de parentesco e as
rela��es de afinidade e afetividade.
Art. 2�. Esta lei entra em vigor ap�s decorridos 60 (sessenta) dias de sua
publica��o.
46
7.1. A lei comentada
A Lei Federal de n� 11.698/2008 vem alterar os artigos 1.583 e 1.584 da
Lei n� 10.406/2002 do C�digo Civil, configurando a guarda unilateral e a guarda
compartilhada; com essa altera��o, institui e disciplina a maneira de sua opera��o.
Esta lei surge para introjetar, em nosso meio social, a import�ncia, a
contribui��o e a significa��o dos pap�is parentais no desenvolvimento afetivo, social
e psicol�gico, dentre outros, na vida dos filhos. A nova modalidade que a lei introduz
no ordenamento jur�dico – a guarda compartilhada – permite colocar em evid�ncia a
necessidade de pais separados ou divorciados se organizarem para que ambos
preservem e usufruam por mais tempo da conviv�ncia de seus filhos. � tamb�m uma
possibilidade de resguardar a presen�a de ambos os pais e cham�-los a se
responsabilizarem pela cria��o, educa��o e conv�vio com os filhos de maneira
compartilhada.
A seguir apresento quadros comparativos, apresentando a lei anterior e a
nova reda��o dada aos artigos 1.583 e 1.584 do Novo C�digo Civil em vigor em
nosso pa�s, prosseguindo-se com coment�rios a respeito da Lei da Guarda
Compartilhada.
47
Quadro 1 – Comparativo do art. 1.583 no C�digo Civil de 2002 e na Lei n� 11.698/08
C�digo Civil de 2002 Lei N� 11.698/08Art.1.583 Art.1.583No caso de dissolu��o da sociedade ou do v�nculo conjugal pela separa��o judicial por m�tuo consentimento ou pelo div�rcio direito consensual, observar-se-� o que os c�njuges acordarem sobre a guarda dos filhos.
A guarda ser� unilateral ou compartilhada.� 1� Compreende-se por guarda unilateral a atribu�da a um s� dos genitores ou a algu�m que o substitua (art. 1.584, � 5o) e, por guarda compartilhada a responsabiliza��o conjunta e o exerc�cio de direitos e deveres do pai e da m�e que n�o vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.� 2� A guarda unilateral ser� atribu�da ao genitor que revele melhores condi��es para exerc�-la e, objetivamente, mais aptid�o para propiciar aos filhos os seguintes fatores:I – Afeto nas rela��es com o genitor e com o grupo familiar;II – Sa�de e seguran�a;III – Educa��o.
� nesse artigo do C�digo Civil que � evidenciada, a partir da nova reda��o,
a inclus�o, no ordenamento jur�dico, da nova modalidade de guarda, delimitando os
tipos de guarda como unilateral e compartilhada. No entanto, n�o � feita qualquer
men��o a outros tipos de guarda que por vezes s�o definidas em ju�zo, como a
guarda alternada e a aninhada1. H� juristas que acreditam que na guarda
compartilhada esse compartilhamento deve referir-se apenas aos genitores, mas, h�
os que defendem uma amplia��o de suas possibilidades, como � o caso da
exposi��o defendida por Freitas:4
(...) n�o h� por que impedir a guarda compartilhada entre os av�s paternos ou maternos na aus�ncia dos pais ou na impossibilidade deles exercerem a guarda do filho quando esta for a melhor solu��o � crian�a. J� que o compartilhamento da guarda n�o deve ser benef�cio aos pais necessariamente, mas daquele que em prol do menor puder exercer melhor
4 O C�digo Civil Brasileiro menciona que a modalidade de guarda a ser seguida em situa��es de separa��o consensual dever� ocorrer o que for acordado pelos pais. Assim sendo, surgiram outras possibilidades de arranjo no que tange ao aspecto da guarda, as quais foram sendo adotadas na pr�tica: guarda unilateral ou exclusiva, guarda aninhada ou nidal e alternada. Embora, algumas tenham passado a ser muito criticadas por profissionais e juristas. De acordo com a legisla��o atual existem apenas duas modalidades de guarda jur�dica, a unilateral e a compartilhada.
48
a guarda quando na impossibilidade daqueles, quer sejam tios, av�s, entre outros (Freitas, 2009:52).
Freitas ainda destaca que tanto as express�es quanto as terminologias
utilizadas – como pai, m�e e genitores – devem ser consideradas como ilustrativas,
pois devem ser estendidas aos poss�veis respons�veis pelos cuidados, n�o devendo
ser restritas apenas aos pais biol�gicos.
O primeiro par�grafo do artigo 1.583 faz uma diferencia��o conceitual entre
as duas modalidades de guarda, ou seja, da guarda unilateral e da compartilhada.
A guarda unilateral ou exclusiva � uma modalidade em que os filhos
permanecem sob os cuidados e responsabilidades de apenas um dos pais. Neste
tipo de guarda, os pais n�o guardi�es tem limites em rela��o �s suas possibilidades
de conviv�ncia com os filhos, com o risco de se transformarem em pais de finais de
semana e provedores. Quando ocorre a determina��o da guarda a um dos pais, o
exerc�cio do poder familiar � alterado e, na maioria das vezes, pode-se perceber que
a guarda exclusiva, na pr�tica, tem um sentido de suspens�o do poder familiar do
outro genitor, embora a lei garanta ao contr�rio. Na medida em que ocorre a
limita��o do exerc�cio do poder familiar, pode ocorrer tamb�m limita��es �
conviv�ncia familiar, o que n�o corresponde ao objetivo da defesa do melhor
interesse da crian�a, salvo em casos de risco social e pessoal.
Entende-se por guarda compartilhada, o tipo de modalidade na qual ambos
os pais det�m a guarda jur�dica de seus filhos. Logo, ap�s o rompimento da rela��o
conjugal ou div�rcio, os pais ter�o os mesmos direitos e deveres diante dos
cuidados e educa��o. A guarda compartilhada significa, portanto, a responsabilidade
de ambos os pais pelo compartilhamento das atribui��es e decis�es concernentes
aos filhos em comum.
49
Estudar a guarda compartilhada significa analisar o seu significado no
sentindo mais aprofundado dos termos. Compartilhar expressa conotações como
partilhar com alguém, compartir e participar. Nesse sentido, o compartilhamento da
guarda quer significar o partilhamento conjunto dos pais em relação às
responsabilidades de cuidados dos filhos. É uma integração de responsabilidades e
tarefas que devem ser resolvidas em comum e desempenhadas por cada pai de
forma equilibrada. Compartilhar não significa dividir a criança. É permitir a ela o
direito de conviver e ser assistida por seus pais. É um modelo que pretende igualar
pai e mãe em direitos e deveres, de modo que assumam os mesmos valores e
importância na vida de seus filhos, possibilitando-lhes a convivência com ambos os
genitores. Isso significa garantir que após a separação, os pais continuem
compartilhando a educação e os cuidados demandados pelos filhos.
A guarda compartilhada, ou conjunta, é um dos meios de exercício da autoridade parental, que os pais desejam continuar exercendo em comum quando fragmentada a família. De outro modo, é um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal (Grisard Filho, 2002:115).
Expõe-se que o importante neste tipo de guarda é que ambos os genitores
não dificultem o exercício da parentalidade do outro e preservem a convivência
materna e paterno-filial de forma igualitária, revelando o sentimento de afeto que os
dois possuem por seus filhos. É direito dos filhos terem pai e mãe presentes e é
dever dos pais garantir esse direito.
A guarda compartilhada busca a justiça no exercício parental e, sobretudo,
a oportunidade dos filhos desfrutarem da educação e da herança cultural que cada
50
um dos pais pode oferecer. Esta a��o busca privilegiar a fun��o exercida por cada
um deles.
A efetividade das possibilidades da guarda compartilhada foi estudada em
pesquisa realizada em Baltimore referente ao instituto da guarda de filhos. O
respons�vel por essa pesquisa, o psic�logo Robert Bauserman5, percebeu que as
crian�as que permaneciam sob o arranjo de guarda compartilhada apresentaram
menos problemas emocionais, amor pr�prio mais elevado, melhores rela��es com a
fam�lia e bom desempenho escolar do que as crian�as que permaneceram sob o
regime de guarda exclusiva.
Este tipo de observa��o foi tamb�m explicitado pelas participantes da
pesquisa realizada para esta disserta��o, em que algumas entrevistadas expuseram
que ao ser legalizada a modalidade de guarda exclusiva a um dos pais, o outro –
n�o guardi�o – em muitas circunst�ncias, acaba sendo cerceado do conv�vio com o
filho, tendo havido necessidade de regulamentar as visitas para que esse direito
fosse preservado. Tal realidade acaba dificultando a constru��o de la�os e da
conviv�ncia com os demais familiares, pois uma visita quinzenal ou semanal, por
exemplo, limita os contatos com av�s, tios e dificulta tamb�m a cria��o de um c�rculo
de amizade com o outro lado da fam�lia que n�o det�m a guarda, o que, de certa
maneira, poder� vir a prejudicar o desenvolvimento psicossocial daquelas crian�as.
Bauserman infere que tal realidade � resultado do fato de que a guarda
compartilhada (a que ele denomina de “comum”) pode oferecer � crian�a, a
oportunidade de preservar o conv�vio com ambos os pais.
O par�grafo segundo do artigo 1.583 do C�digo Civil de 2002 trata da
guarda unilateral e dos requisitos que dever�o ser analisados e considerados para
5 Robert Bauserman � PHD do Departamento de Sa�de e Higiene Mental em Baltimore, Maryland, onde fez uma an�lise de 33 estudos realizados no per�odo de 1982 a 1999, referentes � cust�dia de filhos, as quais denominamos de guarda exclusiva/unilateral e a compartilhada.
51
que esta venha a ocorrer. Ele determina que, ao ser decretada a separa��o judicial
ou o div�rcio, a guarda unilateral ser� atribu�da a quem revelar melhores condi��es
para exerc�-la. Isto faz com que existam situa��es em que a guarda unilateral �
atribu�da �quele que revela possuir condi��o econ�mica expressiva. Alguns
doutrinadores e profissionais envolvidos na �rea jur�dica e at� as pr�prias partes
processuais envolvidas consideram que as “melhores condi��es”, significam possuir
estabilidade financeira est�vel e/ou significativa.
A nova reda��o, decorrente da lei que trata da guarda compartilhada,
avan�ou esse conceito identificando os fatores que dever�o subsidiar a an�lise
dessas melhores condi��es. Dever�o ser considerados: o afeto nas rela��es com o
genitor e com o grupo familiar e os aspectos que tangem � sa�de, � seguran�a e �
educa��o dos filhos.
O cuidado dos filhos � uma quest�o complexa, seus direitos abrangem
diferentes necessidades, carecimentos e desejos que s�o atendidos de maneira
diferentes por cada genitor. Ser educado por ambos os pais torna-se extremamente
importante, pois cada um deles contribui para a educa��o, forma��o, constru��o da
personalidade e identidade de seus filhos. Construir um ser humano completo �
possibilitar-lhe adquirir caracter�sticas positivas no seu processo de educa��o.
Ao se referenciar �s rela��es afetivas e familiares, o inciso I da lei que trata
da guarda compartilhada destaca a import�ncia do afeto e da preserva��o dos
v�nculos familiares. A preserva��o desses v�nculos � fundamental para um melhor
desenvolvimento saud�vel dos filhos. Este v�nculo familiar se torna importante, por
expressar a garantia dos direitos das crian�as e dos adolescentes de estar junto de
seus familiares, o que tem por resultantes aspectos que v�o al�m de quest�es
morais e culturais, podendo mesmo ser considerado uma fonte vital para o
52
desenvolvimento do equil�brio psicoemocional dos sujeitos. Envolve muitas quest�es
e uma delas � o sentimento de pertencimento a uma fam�lia e a constru��o de sua
identidade como sujeito.
Al�m do aspecto afetivo, dever�o ser averiguadas tamb�m as condi��es de
cada um dos pais para acessar as possibilidades oferecidas pela sociedade e o
Estado para garantir a seguran�a, a sa�de e a educa��o de seus filhos.
Quando se menciona os “fatores” que devem ser avaliados, os
profissionais envolvidos na avalia��o do caso espec�fico devem ficar atentos para o
fato de que a garantia da seguran�a, da sa�de e da educa��o de crian�as e
adolescentes n�o � de �nica exclusiva responsabilidade dos pais. Os pais s�o
respons�veis por procurar preservar e garantir que esses direitos sejam acessados
pelos seus filhos: na impossibilidade de custe�-los, sua responsabilidade � a busca
desses direitos atrav�s do acesso aos servi�os proporcionados pelas pol�ticas
p�blicas espec�ficas. Isto porque a responsabilidade por essas garantias � m�ltipla:
da fam�lia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder p�blico. Portanto, um
pai ou uma m�e n�o poder� perder o poder familiar, por n�o reunir condi��es
financeiras de ofertar esses direitos aos filhos. Aos pais cabem, portanto, zelar e
lutar pela garantia desse direito, seja ele custeado pela pr�pria fam�lia, seja pela
sociedade, seja pelo poder p�blico.
� dever da fam�lia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder p�blico assegurar, com absoluta prioridade, a efetiva��o dos direitos referentes � vida, � sa�de, � alimenta��o, � educa��o, ao esporte, ao lazer, � profissionaliza��o, � cultura, � dignidade, ao respeito, � liberdade e � conviv�ncia familiar (Art. 4 do ECA).
A falta ou a car�ncia de recursos materiais n�o constitui motivo suficiente para a perda ou a suspens�o do p�trio poder ( Art. 23 do ECA).
53
É dever dos pais criar e educar seus filhos, necessitando que
anteriormente à definição da guarda, eles mostrem suas possibilidades de definir
uma direção de suas vidas e de seus filhos. O guardião, por exemplo, deverá ter
capacidade de decidir e tomar as providências necessárias sobre a escola que o
filho deverá frequentar, bem como sobre a organização de sua rotina. A educação
aqui expressa busca transcender o seu significado mais básico, pois, extrapola ao
aspecto meramente da educação escolar. A educação visada é também aquela
garantida pelo artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente que defende o
direito à educação em todos os sentidos, com vistas ao pleno desenvolvimento da
criança e do adolescente, no que tange, além da educação escolar, a educação
moral, social, afetiva, profissional, dentre outras.
Como consequência do dever de cuidar está o de disciplinar e corrigir os
filhos. Além de dar instrução escolar, de escolher a escola, de ofertar orientação
religiosa e de ensinar a viver em sociedade, está implícito nessas atribuições o
direito-dever de disciplinar os filhos, claro que de forma moderada (Quintas,
2009:34-35).
No que tange à saúde e à segurança, tais aspectos devem ser
observadores sob o prisma da garantia de direitos, em que deverão ser assegurados
e ofertados aos filhos condições de viverem em um ambiente que lhes ofereça
segurança e saúde, além do acesso aos serviços médicos que se tornarem
necessários.
Nos casos em litígio há necessidade de uma avaliação das partes com o
intuito de identificar aquela que tem maior aptidão para oferecer afeto, saúde e
segurança de forma equilibrada. Esta avaliação será o suporte para a definição de
54
que tipo de cuidados cada uma das partes deverá assumir como sua
responsabilidade, o que deverá se coadunar com as suas possibilidades.
Para esta avaliação é preciso ter presente que, no mundo moderno, houve
mudanças nos espaços e nos modos de cuidados dos filhos. Essas mudanças são
retrato de várias transformações ocorridas na sociedade, principalmente, diante dos
novos papéis que homens e mulheres vêm desempenhando, nas relações sociais e,
especialmente, dentro da família. Mulheres estão cada vez mais inseridas no
mercado de trabalho, tanto por questões financeiras, quanto como forma de
realização pessoal e profissional, e os homens vêm, cada vez mais, revelando-se
capazes de assumir responsabilidades domésticas e cuidados dos filhos.
Na realidade presente, o desempenho do papel masculino tem mudado, no
sentido de poder atender à necessidade de auxiliar a mulher nas tarefas que,
anteriormente eram de exclusividade feminina, em virtude de ela ter que batalhar no
mercado de trabalho nas mesmas condições que o homem. Mas, não é apenas isto,
diante desta nova situação, os homens vêm se revelando interessados e desejosos
diretamente dos cuidados de seus filhos, objetivando romper com o mito de que o
cuidado é função melhor exercida pela mulher e, portanto, que a guarda dos filhos
deva ser exercida apenas por ela.
Em razão dessa complexidade, para que de fato o juiz conte com um
suporte técnico para definir a sentença de guarda, tanto quando se trata da guarda
unilateral como quando se trata da guarda compartilhada, deverá ocorrer
anteriormente a realização de estudos e avaliações técnicas interdisciplinares com o
objetivo de conhecer e identificar a real situação das partes envolvidas na disputa da
guarda. Este estudo não pode perder de vista que o eixo da proposta deve ser a
preservação dos interesses e do bem-estar dos filhos em questão.
55
A equipe técnica interdisciplinar poderá contar com a perícia técnica social,
psicológica, médica e outras que se julgarem importantes. O assistente social neste
processo torna-se um ator relevante, pois busca intervir com a sua formação
profissional e ética e de acordo com os instrumentais técnico-operativos que lhes
são garantidos. O profissional busca trabalhar na perspectiva da garantia de direitos
dos indivíduos em questão, e, principalmente da realização de um estudo social que
revele situações e que lhe permita apresentar fatos daquela realidade social, que
embasem sugestões de possibilidades de um melhor desfecho.
O parágrafo terceiro define que a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe
que não a detenha, a supervisionar os interesses dos filhos. Nesta modalidade, na
qual apenas um dos pais, exclusivamente, será o responsável por direcionar a vida
do filho, a lei prevê ao genitor não guardião, o direito de visitas, que também deverá
ser regulamentada e instituída de acordo com o interesse dos filhos.
Este artigo, mesmo que de forma delicada, buscou inserir ao não guardião
alguns direitos de participação na vida do filho, como o de supervisionar os
interesses do mesmo. E é através da regulamentação das visitas que o não
guardião tem oportunidade para supervisionar e, se necessário, recorrer ao judiciário
para defender os interesses dos filhos.
Esta postura legal tornou-se um grande avanço e, de um modo tímido,
proporcionou um passo em direção à guarda compartilhada. Mas, por outro lado,
respaldou a prática do descumprimento da supervisão e mesmo das visitas, em
razão dos obstáculos construídos pelo guardião para que isso se concretizasse. O
que acontece, de fato, é que ainda não existe legitimação social e cultural para essa
supervisão.
56
No momento em que o guardi�o unilateral come�a a construir empecilhos
que dificultam o contato do filho com o outro genitor, n�o respeitando o direito dos
mesmos e impedindo a preserva��o da rela��o parental do n�o guardi�o, tem-se o
surgimento daquilo que alguns estudiosos denominam de “s�ndrome da aliena��o
parental”, j� discutida neste trabalho.
Acredita-se que os filhos se ressentem, f�sica e psicologicamente, quando
t�m que esperar pela presen�a de um dos pais apenas nos finais de semana
estipulados: este tipo de arranjo familiar, que determina a frequ�ncia dos contatos
entre o n�o guardi�o e seus filhos, com dia e hora marcada, podem causar
sofrimentos que deixar�o marcas:
(...) � incontest�vel a import�ncia do pai e da m�e na vida dos filhos: provocar a aus�ncia de um deles � tra�ar o pior dos progn�sticos para uma crian�a. Logo, � primordial manter a crian�a em contato com ambos os progenitores, e possibilitar-lhe adapta��o � realidade do seu mundo externo, das necessidades dos pais, da escola, enfim, da possibilidade que o momento apresentar. A crian�a amada, que confia nos pais consegue administrar bem a sua nova rotina, e tem condi��es internas suficientes para esta adapta��o, pois o seu ego est� devidamente estruturado (Silva, artigo exposto no site da Apase, acesso em 05/01/2010).
Para o psicanalista Evandro Luiz Silva, em seu artigo sobre a import�ncia
de ambos os pais na vida dos filhos, a guarda compartilhada é um modelo que
atende de maneira mais adequada à saúde psíquica da criança, por diminuir o
tempo de ausência tanto de um quanto do outro progenitor, esse tipo de guarda
garante a presença de ambos os pais na sua vida, impedindo assim a sensação de
abandono e o desapego na qual se originaram os sintomas (Silva, artigo acessado
no site da Apase em 05/01/2010).
57
Observa-se que tamb�m os pais n�o detentores da guarda acabam
sofrendo com as limita��es que essa modalidade muitas vezes proporciona.
Diante das mudan�as legais ocorridas nas quest�es da guarda, os pais
apresentam uma nova consci�ncia em rela��o � fun��o parental: t�m clareza que os
pais t�m contribui��es essenciais a serem oferecidas para a forma��o de seus
filhos.
Jos� In�cio Parente, em seu coment�rio no site da Apase, defende a ideia
de que os filhos que hoje em dia criamos devem ter os seus ideais de identifica��o
com suas m�es e com seus pais, cidad�os e profissionais respons�veis, para que,
quando crescidos, possam viver e ter �xito numa sociedade moderna.
Segundo o mesmo, em seu trabalho como psicanalista, desempenhado h�
mais de trinta anos, foi poss�vel perceber que “o distanciamento físico do pai ou da
mãe provocará sempre uma gradativa e inevitável separação afetiva, com suas
desastrosas consequências". As crian�as t�m o direito de conviver com a realidade
do mundo materno e paterno, o direito de conviver com uma m�e cansada,
sobrecarregada com seus afazeres dom�sticos, mas tamb�m com uma m�e que
revele seu lado mulher, pessoal e a maneira como v� o mundo e os homens. A
crian�a tamb�m tem o direito de conviver e desfrutar desse universo junto de seu
pai.
(...) n�o um pai condenado a um conv�vio limitado a visitas como se fosse algu�m a ser evitado. Em toda a separa��o, pai e m�e s�o sempre co-autores e co-respons�veis. Conhecer o pai � partilhar com ele de seu cotidiano, onde os filhos possam ver e sentir sua vis�o de mundo, sua profiss�o, seu dia-a-dia, sua maneira de ver o amor e a vida (Parente, site Apase, acesso em 05/01/2010).
58
Quadro 2 – Comparativo do art. 1.584 no C�digo Civil de 2002 e na Lei n� 11.698/08
C�digo Civil de 2002 Lei N� 11.698/08Art.1.584 Art.1.584Decretada a separa��o judicial ou o div�rcio, sem que haja entre as partes acordo quanto � guarda dos filhos, ser� ela atribu�da a quem revelar melhores condi��es para exerc�-la.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poder� ser:I – Requerida, por consenso, pelo pai e pela m�e, ou por qualquer deles, em a��o aut�noma de separa��o, de div�rcio, de dissolu��o de uni�o est�vel ou em medida cautelar;II – Decretada pelo juiz, em aten��o a necessidades espec�ficas do filho, ou em raz�o da distribui��o de tempo necess�rio ao conv�vio deste com o pai e com a m�e.� 1o Na audi�ncia de concilia��o, o juiz informar� ao pai e � m�e o significado da guarda compartilhada, a sua import�ncia, a similitude de deveres e direitos atribu�dos aos genitores e as san��es pelo descumprimento de suas cl�usulas.� 2o Quando n�o houver acordo entre a m�e e o pai quanto � guarda do filho, ser� aplicada, sempre que poss�vel, a guarda compartilhada.� 3o Para estabelecer as atribui��es do pai e da m�e e os per�odos de conviv�ncia sob guarda compartilhada, o juiz, de of�cio ou a requerimento do Minist�rio P�blico, poder� basear-se em orienta��o t�cnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.� 4o A altera��o n�o autorizada ou o descumprimento imotivado de cl�usula de guarda, unilateral ou compartilhada, poder� implicar a redu��o de prerrogativas atribu�das ao seu detentor, inclusive quanto ao n�mero de horas de conviv�ncia com o filho.� 5o Se o juiz verificar que o filho n�o deve permanecer sob a guarda do pai ou da m�e, deferir� a guarda � pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de prefer�ncia, o grau de parentesco e as rela��es de afinidade e afetividade.
No contexto do artigo 1.584, o legislador tece normas sobre como a guarda
unilateral ou compartilhada poder� ser requerida.
No primeiro inciso, busca regular a prote��o dos filhos nos casos de
separa��o, div�rcio, dissolu��o de uni�o est�vel ou medida cautelar. Num primeiro
momento, visa estabelecer mecanismos para amparar e legalizar a guarda,
59
ratificando que o rompimento da relação conjugal não será fator para que os filhos
sofram abandono de um dos cônjuges e não tenham um responsável como
referência.
O segundo inciso faz menção à maneira como o juiz procederá no
julgamento em face desses dois tipos de guarda. Ele deverá permanecer atento às
necessidades especificas de cada criança e/ou adolescente e, inclusive, ao tempo
que será dispensado a cada um dos pais para a preservação do vínculo paterno e
materno. Para tanto, deverá contar com os trabalhos da equipe técnica que, de
acordo com suas habilidades e competências profissionais, o ajudará neste
procedimento de análise.
Para que a guarda compartilhada de fato flua positivamente, é interessante
que, ao ser aplicada, haja uma avaliação do contexto social e familiar. Ela carece ser
implementada de acordo com a necessidade da família e, principalmente das
crianças. Em seu parecer, a equipe técnica não define a utilização de um
determinado tipo de guarda. Sugere a que lhe parece mais adequada àquela
circunstância. Sugere também que haja um acordo entre as partes de forma a
valorizar os sentimentos de cada ator nesse processo.
Esse parecer deve visar a preservação dos valores, das crenças, dos
afetos e dos significados dos laços familiares, objetivando a preservação da
estrutura de família entre pais e filhos, mesmo após a separação do casal.
A modalidade de compartilhamento da guarda tem como pressuposto a
permanência e a preservação dos vínculos paterno-filiais. Esta é uma nova forma de
atribuição de guarda que requer uma alteração no comportamento dos pais, quando
decidem romper a sociedade ou o vínculo conjugal. Ela propicia a valorização do
convívio, não permitindo que o pai ou a mãe se tornem apenas visitadores: a relação
60
de proximidade entre pais e filhos é preservada mesmo após o rompimento conjugal.
O crescimento e o desenvolvimento social, psicológico e afetivo do filho têm a
possibilidade de serem construídos e fortalecidos na convivência com ambos.
Os parágrafos elencados acima se referem: aos procedimentos jurídicos
para a efetivação e preparação das partes envolvidas; às sanções previstas em
casos de descumprimento; à decisão suprema judicial quando os pais não
conseguem estabelecer um consenso; à solicitação de uma orientação técnico-
profissional; e, à possibilidade, em certos casos, da definição da guarda a outras
pessoas que revelem compatibilidade com os filhos do casal que está se separando,
caso tenha sido percebido que o pai ou a mãe não reúnam e nem apresentem
condições suficientes de permanecerem com seus filhos.
O primeiro parágrafo do artigo 1.584 enfatiza o direito à informação,
principalmente sobre a guarda compartilhada. Essa informação consiste no
esclarecimento sobre a nova lei, quando as partes terão conhecimento dos seus
efeitos e dos procedimentos jurídicos necessários. Nesta oportunidade, será
revelado o grau de importância de sua efetivação e os direitos e deveres dos atores
envolvidos. Os cônjuges terão conhecimento também das possíveis sanções
previstas para os casos de descumprimento da medida, embora a lei em si não as
tenha estabelecido. Esse procedimento deverá ocorrer numa audiência de
conciliação, sendo o juiz o responsável por essas informações.
Na possibilidade de efetivação da guarda compartilhada, será necessário
que o juiz analise a situação, elabore e construa um acordo entre as partes. É a
partir desse novo conceito que a guarda deixa de ser associada à posse e passa a
ser construída com a conotação de compartilhamento.
61
Ao definir que a guarda compartilhada será aplicada, sempre que possível,
quando não houver acordo entre pai e mãe, a lei permite que o juiz, em tese, possa
vir a determinar essa modalidade, sem o requerimento das partes.
Nesse aspecto, a legislação abarcou possibilidades contraditórias. Por um
lado, entende-se que o juiz poderá determinar esse tipo de modalidade sem o
requerimento das partes, mesmo em situações litigiosas. Por outro, a guarda
compartilhada, para ser efetiva, deverá contar com um mínimo de consenso e de
diálogo entre os cônjuges para que estes possam traçar os acordos necessários
para a operacionalização da mesma.
Diante de tal contradição, surge a seguinte indagação: é possível um casal
que não mantém o mínimo de diálogo compartilhar, na prática, o cuidado de seus
filhos? Em face dessa indagação, a maioria das pessoas envolvidas em situações
de separação conjugal e, até mesmo, os profissionais operadores do direito,
acreditam não ser possível aplicar a guarda compartilhada em situações de litígio,
mas somente em casos em que a mesma for definida por acordo entre as partes.
A psicóloga Maria Antonieta Pisano posiciona-se ao contrário. Ela diz que
nem todo acordo é resultado de um entendimento, “pois pode ter nascido de um
interesse moment�neo”, e que a ideia de a guarda compartilhada se realizar de
forma acordada não se revela suficiente para evitar conflitos.
Ademais, contrariamente ao que se costuma afirmar, para o estabelecimento do compartilhamento não necessitamos nem de pais colaboradores e nem de que sejam capazes de diálogo e entendimento. Basta que as partes não se desqualifiquem mutuamente na presença dos filhos (...) (Motta, 2006:593).
62
A chave mestra para entender e processar a Lei da Guarda Compartilhada
encontra-se na sensibilidade do juiz que analisar� o caso e no trabalho do t�cnico-
profissional que lhe ofertar� o suporte necess�rio para analisar profundamente o
contexto litigioso. Este suporte dever� ter por eixo a prioridade da identifica��o da
especificidade do contexto litigioso, face � necessidade e do maior interesse da
crian�a.
N�o � o lit�gio judicialmente estabelecido que impede a guarda compartilhada ou a inviabiliza, � sim, o empenho em litigar em toda e qualquer circunst�ncia desqualificando-se e colocando a crian�a como recept�culo e ponte das diferen�as entre os pais. � a disposi��o litigante que corr�i gradativa e impiedosamente a possibilidade de di�logo e entendimento e que deve ser impedida, pois diante dela nenhuma modalidade de guarda ser� adequada ou conveniente (Motta, 2006:594).
Nesse sentido, a op��o do juiz pela guarda compartilhada, quando
observado que o lit�gio conjugal limita-se � disputa pelos filhos, poder� ser
alternativa com grande possibilidade de superar essa lide.
Para Quintas, quando a legisla��o brasileira menciona que “quando n�o
houver acordo entre pai e m�e quanto � guarda dos filhos, ser� aplicada sempre que
poss�vel a guarda compartilhada”, significa que essa modalidade de guarda poder�
ser fixada pelo juiz, mesmo numa situa��o de lit�gio entre o casal, o que lhe parece
adequado quando esse conflito for por interesses patrimoniais.
Quando, na pr�tica, s�o definidas as atribui��es dos pais e o per�odo de
conviv�ncia, sob a modalidade da guarda compartilhada, tanto o juiz quanto o
representante do Minist�rio P�blico, poder�o requisitar subs�dios de um t�cnico ou
de uma equipe interdisciplinar, de �reas que extrapolam sua forma��o.
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Aos assistentes sociais e psic�logos da equipe t�cnica do judici�rio
compete um trabalho minucioso e dedicado para analisar e compreender as
rela��es sociais e psicol�gicas do grupo familiar, visando tra�ar com maior
adequa��o �quela situa��o as atribui��es e per�odos de conviv�ncia entre pais e
filhos.
As partes processuais, principalmente nos casos de lit�gio, para a
preserva��o da garantia dos direitos previstos na Constitui��o Federal, mencionada
anteriormente – de acordo com o processo do contradit�rio, da ampla defesa e do
devido processo legal – tamb�m poder�o requerer a per�cia t�cnica interdisciplinar.
A lei prev� redu��o das prerrogativas, abrangendo o per�odo de
conviv�ncia entre pais e filhos, quando houver descumprimento ou altera��o da
determina��o proposta nos dois tipos de modalidade – unilateral e compartilhada –
sem uma motiva��o v�lida e sem autoriza��o judicial.
O questionamento e as cr�ticas que aparecem em rela��o ao � 4�
evidenciam que esta lei criou uma penalidade cujos principais prejudicados s�o os
filhos, que acabam sendo penalizados quando h� redu��o de conv�vio com os pais.
Pode-se pensar que, neste tipo de transgress�o, cometido por um dos pais,
a san��o deveria ser individual, dirigida ao transgressor, sem preju�zo da
conviv�ncia parental, que j� est� limitada. Em alguns pa�ses, existe a aplica��o de
san��o diretamente �quele que desobedece ou desrespeita a senten�a,
frequentemente com multas substanciais.
Diante de uma situa��o de rompimento da rela��o entre homem/mulher, os
filhos n�o podem ser penalizados. � direito dos filhos conviverem com ambos os
pais de maneira saud�vel e cabe ao Estado tamb�m zelar por isto. � importante
lembrar que a lei determina que o juiz poder� tamb�m reduzir ou proibir o conv�vio
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entre pais e filhos em casos onde ocorra evidências de que a criança esteja
sofrendo maus tratos.
No último parágrafo desta lei está pautada a possibilidade da guarda ser
deferida a um terceiro, caso o juiz verifique que o pai ou a mãe não possuem
condições de cuidados do filho. Esta determinação busca esclarecer que a definição
deste tipo de guarda deverá levar em consideração o grau de parentesco e de
relações de afeto e afinidade entre a criança e o possível guardião. Essa atribuição
de guarda abre espaço para que a guarda compartilhada possa ser requerida, por
exemplo, pelos tios, avós, padrinhos, dentre outros.
65
CAPÍTULO 8
A MEDIAÇÃO COMO APOIO NO REORDENAMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA
Para o reordenamento da guarda compartilhada, em casos em que o
deliberado em ju�zo � objeto de recurso por uma das partes, h� atualmente a
possibilidade de ir buscar na media��o uma possibilidade de supera��o das
quest�es levantadas.
A media��o vem contribuir nos temas familiares, especificamente em div�rcios, ao permitir uma forma racional de discriminar a rela��o conjugal da parental e promover acordos apesar do lit�gio, o que vem de forma clara e objetiva preservar o melhor interesse das crian�as envolvidas. A mudan�a de paradigma vir� da mudan�a da linguagem adversarial para a linguagem cooperativa, de pens�o para a manuten��o financeira dos filhos, de guarda para responsabilidade com a moradia e cuidados com as necessidades di�rias, da visita��o para a reorganiza��o da conviv�ncia entre pais e filhos(Associa��o de Pais – APASE, em seu folder de divulga��o sobre a Guarda Compartilhada, Um direito da crian�a, um dever do Estado).
Devido �s consequ�ncias emocionais psicol�gicas advindas da separa��o,
o ex-casal enfrenta um grande momento de tens�o, o lit�gio, dificultando uma
comunica��o consensual entre si. Neste momento, n�o lhes � poss�vel tra�ar um
acordo no que tange � guarda, de maneira que atenda �s necessidades do pai, da
m�e e, sobretudo dos filhos. Para tanto, a media��o pode vir a oferecer uma ajuda
qualificada, uma vez que � realizada por profissionais preparados para, juntamente
com as partes envolvidas, criar sa�das alternativas para o lit�gio em quest�o.
Nos casos espec�ficos das quest�es relacionadas � guarda compartilhada,
esta t�cnica consiste na realiza��o de um trabalho para que os pais consigam
66
estabelecer uma relação saudável e consensual. O entendimento entre eles é a
peça fundamental.
(...) a mediação favorece um acordo de guarda compartilhada mais sólido, baseado no verdadeiro interesse das partes. Apresenta uma nítida visão aos pais da importância e responsabilidade destes na vida de seus filhos, o que é fundamental, já que a opção de guarda compartilhada deve partir dos pais e exige um bom relacionamento entre eles (Quintas, 2009:99).
O objetivo central do trabalho da mediação, portanto, é proporcionar uma
conscientização aos pais, colocando em evidência que apesar da separação
conjugal ou do divórcio é possível preservar a relação parental, o que exige que
ambos os pais mantenham um diálogo frequente.
A mediação não tem pretensão de erradicar o conflito, mas [oferecer] uma opção de como gestá-lo. (...) propõe que seja uma forma de demonstrar aos pais, sempre que possível que a relação com os filhos continua a permitir que eles próprios decidam os caminhos a seguir (Quintas, 2009:102).
67
PARTE III
CAPÍTULO 9
A PESQUISA
A pesquisa de campo realizada teve por intuito tecer uma investiga��o
acerca da tem�tica guarda compartilhada. Sob este prisma analisou a Lei n�
11.698/2008 – da Guarda Compartilhada – em entrevista grupal com assistentes
sociais, trabalhadoras na equipe t�cnica do judici�rio paulista.
Por se tratar de uma lei que passou a vigorar em agosto de 2008,
considerou-se necess�rio verificar o significado de sua aplicabilidade na atua��o
daqueles profissionais, qual a pr�tica adotada por eles para efetiv�-la e quais os
conhecimentos j� acumulados a respeito do assunto. Esta pesquisa tomou como
refer�ncia dessa aplica��o o per�odo de agosto de 2008 a novembro de 2009, �poca
da realiza��o da entrevista.
Essa pesquisa teve, portanto, por objetivo, verificar como os profissionais
do Estado de S�o Paulo, da �rea do servi�o social, interpretam e operam a Lei n�
11.698/2008 – da Guarda Compartilhada – com destaque na an�lise da participa��o
paterna nos cuidados de seus filhos em situa��o de separa��o conjugal.
Com este estudo, procurou-se aprender o “estado da arte” da guarda
compartilhada de forma a que seus resultados possam contribuir para o esfor�o pela
efetiva��o dos direitos das crian�as e adolescentes de conviver com os pais
satisfatoriamente ap�s a separa��o destes.
A demarca��o dos sujeitos da pesquisa de campo ocorreu a partir do
interesse em realizar uma entrevista de grupo com assistentes sociais, escolhidos
68
propositalmente pelo conhecimento que tinham na �rea e por sua disponibilidade de
participa��o.
O preparo para a entrevista foi feito a partir de estudos documentais e
pesquisa virtual. A entrevista grupal ocorreu com a participa��o de cinco assistentes
sociais que se dispuseram a contribuir para a reflex�o sobre a quest�o. Essas
profissionais s�o atuantes ou j� atuaram em Vara de Fam�lia, o que lhes possibilitou
reunir conhecimentos e experi�ncias acerca do assunto abordado. Dentre elas est�o
especialistas e pesquisadoras, com conhecimento n�o apenas sobre a atua��o
profissional no judici�rio, mas tamb�m de temas espec�ficos sobre a din�mica da
institui��o familiar.
9.1. A coleta das informações e sua organização
A entrevista em grupo foi organizada de forma semiestruturada, com
quest�es previamente elaboradas, compondo um roteiro norteador6, contendo
aquelas consideradas mais significativas: este tipo de abordagem p�de ser mais
flex�vel, permitindo que fossem exploradas as quest�es que foram surgindo no
decorrer da entrevista – n�o previstas no processo de sua prepara��o; permitiu
tamb�m dialogar com as entrevistadas, possibilitando-lhes que se expressassem
mais � vontade suas opini�es acerca do objeto da pesquisa.
Os recursos utilizados para registro dessa entrevista grupal foram: um
gravador e uma filmadora, os quais resguardaram as imagens e registraram as falas
das entrevistadas. Na oportunidade, todas consentiram que eu utilizasse aqueles
recursos para grava��o e permitiram o uso de suas falas para an�lise, preservando
6 Anexo I.
69
o anonimato de cada uma. Para tanto, utilizou-se nomes de flores para identificar
cada entrevistada: Azaléia, Rosa, Jasmim, Violeta e Hortência. Essa denominação
foi escolhida por apreciar esses tipos de flores, sendo também, uma forma de
expressar carinho pelos colegas de profissão.
A análise dos depoimentos e informações teve como ponto de partida uma
leitura cuidadosa da transcrição dos depoimentos, procurando identificar as
questões emergentes para uma primeira classificação de seu conteúdo e
estabelecer as categorias de análise.
As categorias de análise estabelecidas para organização do conteúdo dos
depoimentos, após sua leitura, foram: ruptura/permanência da relação pais e filhos;
cuidado/afeto (cuidado materno/cuidado paterno); divisão de tarefas e
responsabilidades/compartilhamento; fases do processo de ruptura; prática
(processualidades, dificuldades enfrentadas); o contraditório; espaço que o pai
ocupa na vara da infância; conceito de afeto; objetivo e significado da Lei da Guarda
Compartilhada; rede de apoio; repercussões dos conflitos nos sentimentos e no
comportamento dos filhos; jogos do cônjuge que detém a guarda para limitar o
espaço de convivência do outro; cultura e preconceito (desconfiança).
Nessa organização, foram definidos como unidades de conteúdo os
conjuntos dos parágrafos que continham o registro das falas relacionadas a cada
categoria estabelecida, as quais foram agrupadas para que permitissem uma análise
significativa.
70
9.2. A análise dos depoimentos
A guarda compartilhada
Tendo como fio condutor para a an�lise do estudo da guarda compartilhada
e do espa�o paterno nesse processo – por um prisma ainda pouco explorado, que �
a vis�o do servi�o social sobre esta quest�o – n�o pode deixar de ter presente que
esse compartilhamento tem por contraponto os iguais direitos da figura materna.
Instruir-se sobre a guarda compartilhada significa, de alguma forma,
aparelhar-se para lutar para que os direitos de pais e m�es sejam exercidos de
forma igualit�ria, respeitando, sempre em primeiro lugar, os direitos que os filhos t�m
de conviverem com os seus pais de forma harm�nica, saud�vel e feliz.
Atentando ao que foi verificado na realiza��o dessa pesquisa, foi poss�vel
perceber que, para as assistentes sociais, discutir sobre esse tema � algo
imprescind�vel, por�m complexo, para quem trabalha na Vara da Fam�lia. O
reconhecimento da import�ncia do estudo dessa modalidade de guarda n�o teve
in�cio agora, antecedeu a pr�pria lei: algumas participantes da entrevista em grupo
afirmam que este assunto j� vinha sendo discutido pela equipe t�cnica do Tribunal
de Justi�a de S�o Paulo desde ano de 2002. Para as entrevistadas, a Lei da Guarda
Compartilhada veio, na verdade, regularizar uma situa��o que, de fato, j� acontecia
na pr�tica. Elas afirmaram que o compartilhamento da guarda j� se iniciou na
vig�ncia da guarda unilateral. Muitos pais j� vinham compartilhando da educa��o
dos filhos, mesmo n�o tendo obtido legalmente a guarda jur�dica deles. A lei veio
71
popularizar esta discuss�o e colocar em evid�ncia esta situa��o, permitindo uma
maior participa��o paterna – levando em conta que, na maioria das vezes, era a
m�e que recebia o encargo de guardi�.
Acreditam que a lei surge para aqueles que nunca pensaram sobre este
assunto e que possam come�ar a refletir sobre o mesmo. � uma possibilidade para
que pais e m�es, homens e mulheres comecem a refletir e repensar sobre o seu real
papel no contexto familiar.
Uma das assistentes sociais entrevistadas, Violeta – a qual � uma
pesquisadora na �rea das rela��es familiares – deteve-se o maior tempo procurando
explicitar o significado que atribu�a � guarda compartilhada. Disse considerar esse
tipo de guarda como algo que transcende ao conceito geral. Afirma que algumas
pessoas remetem-se a essa modalidade pelo vi�s da divis�o das responsabilidades,
considerando que esta defini��o � limitada e que seu significado pode ser ampliado.
Para ela, o compartilhamento � muito mais do que uma divis�o de
responsabilidades. � a garantia da preserva��o do conv�vio entre pais e filhos, do
exerc�cio do afeto – que se relaciona com o desempenho da fun��o parental: “� com
a conviv�ncia que aprendemos a amar as pessoas”. A preserva��o da conviv�ncia
envolve muitos aspectos que ir�o intervir no processo de forma��o da crian�a, seja
eles de ordem emocional, ps�quica, social, intelectual, dentre outras.
(...) h� quem acredite que � compartilhamento do contato, do conv�vio, como por exemplo, decis�es acerca da escola que os pais ir�o escolher para o filho. Quando penso em compartilhamento, � claro que a responsabiliza��o, a defini��o de medidas � inerente, mas eu j� penso direto na conviv�ncia. Ent�o, � compartilhamento da conviv�ncia! Quando menciono cuidar, estou colocando a forma��o da identidade da crian�a como uma quest�o ps�quica do sujeito.
72
O compartilhamento pode ir além dos cuidados básicos cotidianos,
podendo representar algo mais profundo na vida dos filhos, como Rosa mencionou
na entrevista:
(...) quando se fala em cuidar, vem na cabeça trocar fralda, dar banho, escovar dente... Eu estou falando da formação da identidade, uma coisa mais [ao nível] psíquico mesmo.
A profissional Violeta amplia o significado da lei afirmando que, ao se
pensar em guarda compartilhada, necessariamente não precisa-se pensar em
compartilhamento de residência. Esse tipo de compartilhamento pode ou não existir.
Existem algumas situações em que o exercício da guarda compartilhada pode
ocorrer, incluindo a guarda física alternada, ou seja, um sistema em que a criança
fica momentos na casa do pai e momentos na casa da mãe. Faz menção a este tipo
de alternância como compartilhamento de residências, inferindo nele um valor
positivo para os filhos devido à possibilidade de convívio com as duas redes
familiares da criança e a preservação da convivência com os referenciais maternos e
paternos:
A rede familiar da criança é diferente do lado materno e do lado paterno. Existe um tipo de guarda compartilhada que inclui residência compartilhada: essa criança vai ter oportunidade de conviver com ambas as famílias e, sobretudo, com estilos diferentes.
73
Violeta afirma que o grande desafio deste momento, em nossa sociedade
cada vez mais individualista, � aprender a conviver com situa��es diferentes e
aceitar que em algumas – que ocorrem no cotidiano – h� exig�ncia de
compartilhamento mesmo quando h� resist�ncia em acat�-lo. Aceitando essa
pondera��o, pode-se compreender melhor as dificuldades que v�o aparecendo nos
demais depoimentos sobre a pr�tica do compartilhamento nas quest�es da guarda.
A ideia do compartilhamento com ambas as fam�lias se relaciona com o
direito dos filhos de terem referenciais familiares tanto maternos quanto paternos. A
preserva��o da conviv�ncia com esses referenciais � importante para o seu
desenvolvimento. Ambas as fam�lias tem uma hist�ria a compartilhar, �s quais os
filhos t�m direito de vivenciar – � parte de seu processo de pertencimento – por essa
raz�o, n�o devem ser privados do conv�vio com a linha familiar de um genitor devido
� separa��o de seus pais.
Em uma perspectiva de apreens�o dos aspectos contradit�rios poss�veis
de serem identificados na guarda compartilhada, a assistente social Violeta faz
refer�ncia � cultura da “posse”:
Parece muito duro falar desse jeito, mas, na verdade, a guarda compartilhada [pode levar �] ideia de que [o outro c�njuge] vai compartilhar de uma propriedade [considerada pr�pria pelo que detinha a guarda unilateral]: o meu filho � minha propriedade, tenho autoridade sobre ele, eu defino o que � bom para ele, com quem ele vai conviver, [quais devem ser os seus] amigos...
Compartilhando com essa apreens�o, considero-a resultado de uma
cultura constru�da historicamente – como pode ser observado neste trabalho quando
74
foi feita uma recupera��o da hist�ria da guarda – as medidas judiciais relacionadas
�s separa��es eram constru�das embasadas na identifica��o do culpado pelo
t�rmino da rela��o conjugal, e a “posse” dos filhos era atribu�da �quele considerado
inocente. Esta legalidade da posse tornou-se um objetivo do guardi�o, sendo
instrumento de vingan�a por ele utilizado algumas vezes para penalizar o outro
pelos motivos que desencadearam o rompimento da uni�o do casal.
Ainda que se tenha presente esses riscos, ligados �s conservas culturais, �
preciso reconhecer que a Lei Jos� Lucas revela um avan�o no que diz respeito ao
direito de participa��o direta no cuidado dos filhos por aquele pai que, na pr�tica, era
destitu�do do seu poder familiar quando se via transformado em mero visitador do
filho em finais de semana pr�-determinados judicialmente. Esse pai, diante de uma
guarda anteriormente exclusiva de um c�njuge, n�o se intimidou, passando a
reivindicar o compartilhamento – situa��o que, por vezes, desenvolveu no genitor
guardi�o sentimentos de inseguran�a e de perda, pois teria que “dividir” o filho com
o outro genitor. A entrevistada Azal�ia pondera:
Acho que � por isso que vem crescendo o n�mero de pais que levantam a quest�o de que querem participar – mesmo quando j� exista uma determina��o de guarda unilateral. A guarda compartilhada [tem o sentido de] uma perda para aquele que det�m a guarda unilateral porque envolve outras quest�es [al�m da pr�pria guarda], al�m do poder de decis�o. O outro c�njuge vai poder ter uma outra ascend�ncia que, com a guarda unilateral n�o teria: n�o poderia exercer escolhas em rela��o � escola, ter uma participa��o maior [na vida de seus filhos] e at� [fazer] uma rediscuss�o das coisas que j� estavam [definidas].
Ao se discutir esta tem�tica, outras quest�es foram surgindo, se
apresentando e se contrapondo a todo o momento. A guarda compartilhada permite
que se tenha uma reflex�o aprofundada sobre a modalidade de guarda mais comum
75
exercida na pr�tica, a unilateral ou exclusiva. Esse estudo permite que muitos
profissionais operadores do direito comecem a questionar se a guarda unilateral
realmente atende aos interesses dos filhos e, quando atendem, em quais
circunst�ncias. Essa discuss�o possibilita aprender que o exerc�cio da guarda
exclusiva gera um poder, que acaba excluindo o outro da fun��o parental deixando-
o fragilizado diante do(s) filho(s).
Esta exposi��o pode ser vista nestas passagens analisadas pela
entrevistada Hort�ncia:
[A guarda compartilhada] coloca em xeque a quest�o do poder, posta pela guarda unilateral. At� agora ningu�m questionava isso. N�o se questionava at� onde ia, at� onde n�o ia. O poder era quase absoluto – e n�o deveria ser. Na pr�tica �. (...) [Na guarda] unilateral, tem situa��es de conv�vio e de lit�gio – na verdade [s�o mais de] lit�gio – que envolvem [os c�njuges]. � claro que a quest�o do poder est� sempre presente, h� uma disputa de poder: quem vai ganhar, quem vai perder e uma s�rie de outras coisas,[tendo por argumento] o bem da crian�a.
A guarda unilateral em muitas ocasi�es pode revelar opress�es
vivenciadas tanto pelo homem quanto pela mulher, embora de formas diferenciadas.
O homem pode se sentir oprimido quando � alijado do conv�vio com seu filho, ao ser
transformado em pai de final de semana. �s vezes, sua maneira de manifestar
insatisfa��o e inc�modo com esta situa��o � agir contra os interesses da mulher.
Neste caso, a mulher pode se sentir prejudicada quando necessita de apoio
financeiro e material do ex-c�njuge. Por vezes o homem a controla por esta via e por
vezes ela o controla negociando a sua visita ao filho.
76
Eu atendo muitas situa��es de opress�o, de grande opress�o – em geral, masculina, sobre a mulher. [Trata-se de] um homem, que �s vezes nem tem a guarda, mas continua oprimindo a mulher e controlando-a, at� pela via financeira. Por outro lado, quem tem a guarda [a mulher, muitas vezes] favorece esse tipo de tratamento. (...) � o financeiro, que muitas vezes d� esse poder sobre a outra pessoa (Entrevistada Hort�ncia).
Outra quest�o importante a ser considerada neste tipo de modalidade � a
do exerc�cio do poder parental preservado diante de uma separa��o. Ao ser
legalizada a separa��o, os pais continuam tendo os mesmos direitos e deveres
diante da educa��o e dos cuidados de seus filhos. A lei garante que ambos decidam
conjuntamente o que � melhor para a crian�a – um n�o pode desconsiderar a
participa��o, a opini�o e a decis�o do outro. As tomadas de decis�es devem ser em
conjunto, mesmo se o infante estiver residindo apenas com um genitor.
[as opini�es de ambos os pais] precisam ser consideradas na hora da [decis�o sobre a] escola ou uma autoriza��o pra viagem e as demais decis�es que t�m [que ser tomadas sobre a crian�a]. Mesmo quem tem a guarda, se ele quiser viajar para fora com a crian�a, precisa [da autoriza��o do outro] (Entrevistada Hort�ncia).
Essa modalidade de guarda envolve o compartilhamento jur�dico e a
guarda f�sica da crian�a, ou seja, ambos os pais continuam exercendo a
parentalidade legal, mas h� a necessidade de se definir a quest�o da moradia dos
filhos: ela pode ser alternada entre os pais ou fixa na casa de um deles. A pesquisa
apontou que tem alguns profissionais que veem dificuldades para aceitar a
altern�ncia de resid�ncias.
A entrevistada Rosa � contra este tipo de altern�ncia, como pode ser visto
em suas coloca��es:
77
Eu n�o concordo muito com essa altern�ncia [de guarda f�sica], principalmente para a crian�a menor. Eu acho que faz parte do desenvolvimento ps�quico da crian�a ter um local dela, uma identidade com as amiguinhas e acho muito complicado ela viver como tartaruga, carregando a casa nas costas. Vai para c� e para l� levando a casa junto.
Nas pondera��es de Rosa, quando reflete sobre a necessidade da crian�a,
para seu desenvolvimento ps�quico, ter um local que considere seu, onde tenha
amigos pr�prios... tem-se que refletir que o que d� seguran�a ps�quica e emocional
� a certeza do afeto, do pertencimento, sem a qual, seja qual for o lugar, seja qual
for o tempo de perman�ncia, seja o pai ou a m�e ali presente/ausente, suas
condi��es de desenvolvimento estar�o precarizadas. Por outro lado, h� um fato
objetivo o qual a crian�a precisa entender: quando os pais se separam ela passar� a
ter duas casas e duas fam�lias. Ela precisa se familiarizar com esta situa��o e se
adaptar ao seu novo contexto de vida. Transitar pelas duas casas n�o � uma
situa��o complicada, � algo que precisa ser constru�do, temperado com afeto e
adaptado dia-a-dia. A crian�a pode construir redes de amizade nos dois lados e ter
seus objetos pessoais em ambas as resid�ncias. Aqueles que n�o forem poss�veis
de ter em dobro, ela deve entender que s� os utilizar�o em uma das resid�ncias ou
dever�o carreg�-los consigo.
Conforme defende Brito (2004:362),
(...) atualmente, torna-se comum observarmos beb�s com poucos meses de idade j� levados para as creches – onde passam grande parte do dia – com suas roupas e objetos de uso di�rio acondicionados em mochilas. Podemos observar, assim, que j� frequentam espa�os f�sicos distintos e locais aonde possuem pertences espec�ficos.
78
Na necessidade de legaliza��o da guarda f�sica sob a responsabilidade de
um dos c�njuges, uma possibilidade ser� deferi-la �quele pai que contribui mais
abertamente para o processo e encontra-se mais flex�vel em aceitar a participa��o
do outro.
O conflito [� que vai] definindo essas quest�es e n�o “quem tem raz�o”... Mas, enfim... Acho que aquilo que a lei disp�e, que ela coloca [como] –quest�o � que aquele que � o mais assertivo, que est� mais aberto ao outro... aquele que vai facilitar para com o outro � o que tem maior probabilidade [de ficar com a guarda]... (Hort�ncia).
Para as entrevistadas, de maneira geral, a guarda compartilhada deveria
proporcionar acesso livre dos pais aos filhos. Ponderam, no entanto, que existem
algumas circunst�ncias nas quais podem ocorrer desaven�as entre eles. Alguns pais
acabam desrespeitando o hor�rio da crian�a, dos compromissos dela e isso reflete
tamb�m na rotina de outras pessoas envolvidas no cuidado. Acredito que, se n�o
existir algum tipo de acordo com rela��o � conviv�ncia de cada pai e �s suas
responsabilidades com seu filho, esta indefini��o pode acabar prejudicando o outro,
no que concerne � sua liberdade e aos seus compromissos, como por exemplo:
Eu acho tamb�m que o pai [deve] ter liberdade de pegar a crian�a quando quiser e que isso amarra a m�e. Amarra a m�e, porque a m�e vai ter que [estabelecer se o pai pode pegar, onde e a que hora]. Tem que estabelecer porque, sen�o, um fica amarrando o outro (Violeta).
79
Destaco que esta exposição citada acima, não ocorre apenas com a
guarda compartilhada, ela é bem nítida na guarda exclusiva, sendo este um dos
motivos de regulamentação das visitas.
Nesse cenário de guarda, a pesquisa apontou que os avós aparecem de
maneira significativa em algumas situações: alguns solicitam legalizar o exercício da
guarda por eles, outros não solicitam mas, de fato, se responsabilizam pelos
cuidados diretos dos netos e a mãe permanece como figurante nesse processo (As
entrevistadas ressaltam a importância desse aspecto da guarda, contrapondo no
entanto que seu tratamento não deve ser feito no contexto desta dissertação).
A pesquisa revelou que, para a maioria das entrevistadas, pensar na
aplicabilidade da guarda compartilhada diante do litígio dos pais é uma situação
delicada e difícil. Acreditam haver necessidade do ex-casal manter um mínimo de
diálogo para que possam compartilhar as responsabilidades e o convívio dos filhos
de forma satisfatória. Algumas acham inviável aplicá-la em situações litigiosas.
Outras acreditam ser difícil essa aplicação, mas não impossível. Como refletiu a
entrevistada Azaléia, é importante ter cautela, para perceber se a guarda
compartilhada vai repercutir sobre a criança ou se vai ser um instrumento para
encerrar um litígio [judicial].
De acordo com os relatos obtidos na pesquisa, após o rompimento do
relacionamento conjugal, sempre houve necessidade do casal definir a guarda dos
filhos em comum. As entrevistadas afirmaram que, inicialmente, a legislação
defendia que a guarda deveria ser atribuída àquele que não fosse o responsável
pelo término do casamento. Ponderaram que ainda existe essa presença cultural,
principalmente entre os ex-cônjuges, que procuram identificar o culpado, para puni-
lo com a perda dos filhos. Isso, mesmo agora, quando o ordenamento jurídico
80
modificou-se. Também, foi se construindo historicamente uma posição de defesa da
permanência dos filhos com suas mães, por considerá-las as únicas capazes de
oferecer cuidados, educação e afeto. Esse é o motivo pelo qual, segundo as
entrevistadas, a maioria das guardas tem sido deferida às mães.
Culturalmente ficava com a mãe, por quê? Porque a mãe é quem sempre cuidou dos filhos. O pai sempre [foi visto como] uma figura mais ausente, mais provedor, aquele que chegava apenas na hora das decisões, para dar bronca, e a mãe é a que sempre assumiu todo o cuidado (Rosa).
Há, também, uma outra perspectiva mencionada pelas entrevistadas no
que tange à homologação da guarda exclusivamente materna. Elas expõem que
isso ocorre porque, frequentemente trata-se de situações, mesmo durante o tempo
da vigência do casamento, onde se evidencia a ausência paterna no convívio, na
participação, na educação e na vida dos filhos durante longos períodos. Estas
situações seriam justificadas por um processo histórico de educação, do contexto
social e das definições de papéis que eram atribuídos ao homem e à mulher.
Como já mencionado neste trabalho, durante a existência marcante do
modelo da família patriarcal, o espaço feminino no contexto familiar se limitava ao
cuidado da casa, do marido e dos filhos, razão pela qual, atualmente, ainda se
carrega o estigma de que a mulher seja a mais preparada para essas funções. Ao
homem cabia o dever de trabalhar em atividades remuneradas, administrando suas
posses, visando o sustento material do lar e da família. Essa situação colocou-o em
desvantagem na atribuição dos cuidados diretos com seus filhos, limitando-os
apenas às funções de controle, autoridade, imposição de respeito e a imposição de
limites aos filhos.
81
De acordo com a pesquisa, ap�s a separa��o, era comum os filhos ficarem
com a m�e pelo simples fato dela sempre ter cuidado deles. O pai era uma figura
mais ausente e mais provedora. Aparecia apenas na hora das decis�es e para dar
bronca. As mulheres perdiam o direito � guarda apenas naquelas situa��es em que
sua conduta fosse considerada inadequada ao seu papel de m�e.
Estava definido que ap�s a separa��o os filhos ficariam com a mulher, a n�o ser em situa��es que desabonassem a mulher enquanto m�e (Violeta).
Percebe-se que essa postura fortaleceu o mito do amor materno,
contribuindo para a efetiva��o da aus�ncia paterna, al�m de construir o imagin�rio
de que ser pai � sin�nimo de ser provedor.
Na vis�o das entrevistadas, esta situa��o vem sofrendo transforma��es h�
bastante tempo, pois a participa��o paterna na vida familiar tem aumentado,
principalmente na cidade de S�o Paulo – seu campo de atua��o profissional. Elas
expuseram que na capital paulista, devido �s situa��es de desemprego, o pai acaba
se responsabilizando pelos cuidados diretos dos filhos, possibilitando que a m�e se
ausente de casa, em raz�o de ter maior facilidade para conseguir emprego.
A pesquisa aponta que no interior do Estado esta realidade pode ser
diferente: esse movimento das mulheres em busca de trabalho fora do ambiente
dom�stico pode ser menor devido �s circunst�ncias espec�ficas de oferta de
emprego e de rela��es de trabalho, em decorr�ncia da dimens�o dessas cidades
em compara��o com S�o Paulo, que � uma grande metr�pole. Assim, as divis�es
de tarefas e responsabilidades no que diz respeito aos filhos pode n�o existir
82
significativamente de modo compartilhado no interior, como j� vem ocorrendo em
alguns casos nas grandes cidades.
Ante este novo contexto, Violeta destacou perceber a exist�ncia de
grandes transforma��es na institui��o familiar, inclusive nas atribui��es
desempenhadas pelos pais em rela��o a seus filhos. As atribui��es que eram bem
definidas – de que o homem era o provedor exclusivo e a mulher a cuidadora
exclusiva – come�aram a ser redefinidas aos poucos, j� h� aproximadamente
cinquenta anos. Houve uma movimenta��o por parte da mulher que come�ou a
assumir o papel de provedora para auxiliar o marido na manuten��o da casa.
Quanto ao homem, o papel de cuidador permaneceu ainda por algum tempo, muito
ausente. Percebe-se, ao se pensar nessa quest�o, que a condi��o do homem como
cuidador ainda � pouco desenvolvida – embora ele esteja buscando igualar-se �
mulher nos cuidados dos seus filhos, no que concerne aos direitos. Esta situa��o
come�ou a sofrer modifica��es: cada vez mais os pais v�m mostrando empenho e
preocupa��o em n�o serem apenas pais visitadores, mas sim desejosos de
participar efetivamente do cotidiano dos seus filhos. Pode-se dizer que esta
condi��o come�ou a ganhar destaque com a reconfigura��o da posi��o da mulher
na sociedade, principalmente pela sua inser��o no mercado de trabalho e pela
divis�o das tarefas dom�sticas e dos cuidados dos filhos, que passaram tamb�m a
serem desempenhados pelo homem. Violeta exp�s:
Historicamente, as grandes transforma��es da fam�lia contempor�nea aconteceram na segunda metade do s�culo XX, a partir de 1960, quando a mulher come�a a ser inserida no mercado formal de trabalho. Os pap�is que anteriormente eram definidos e atribu�dos ao homem como exclusivo provedor da fam�lia e � mulher como cuidadora exclusiva come�aram a ser redefinidos. Essa transforma��o foi acontecendo aos poucos, ocorrendo uma movimenta��o por parte da mulher que come�ou a assumir o papel de tamb�m, provedora do lar (...) Disseram que o homem apresentava a
83
condição de cuidador pouco desenvolvida. Ele ainda não tinha desenvolvido este papel, porque a sua condição era o de provedor. Essa mudança vem acontecendo lentamente. A gente pode dizer que é coisa de duas décadas.
Segundo as assistentes sociais entrevistadas, a situação do divórcio pode
ser um outro fator que justifica essa mudança no perfil dos homens, levando-os a
compartilhar na divisão das tarefas domésticas e no cuidado dos filhos. Essa
conjuntura permitiu também que o homem descobrisse e valorizasse o prazer, a
gratificação, a realização como pai, de estar mais próximo dos seus filhos. Por isso,
cada vez mais, os pais se interessam e buscam lutar por seus direitos de exercer a
guarda, de estarem presentes e compartilharem das responsabilidades,
reconhecendo a importância, o significado e a contribuição de cada genitor na
formação de seus filhos.
Atendendo ao novo perfil dos guardiões e, principalmente, às demandas
paternas e sociais advindas do desejo de guarda paterna de crianças e
adolescentes e a defesa pelo melhor interesse da criança em qualquer situação
vivenciada pela mesma, o nosso ordenamento jurídico foi se adaptando a essas
transformações, criando novas leis e novos códigos que se posicionam sobre as
organizações familiares, os direitos e os deveres dos pais, no que tange aos
cuidados e educação dos filhos.
84
A participação paterna
A possibilidade do homem/pai estar presente e participativo no cotidiano
dos filhos revelou um novo desejo, o de participar de situações rotineiras que antes
eram realizadas apenas pelas mulheres, como foi pontuado pela entrevistada Rosa:
Muitos pais passaram a perceber que têm o direito de participar da vida dos filhos mesmo após a separação conjugal, podendo acompanhar a sua vida escolar, participando de reuniões, tendo acesso aos boletins, dentre outros.
Essa exposição mostra que esta lei permitiu ampliar a participação paterna
no cuidados dos filhos. Mas é bom lembrar que, de acordo com os estudos feitos
nos capítulos anteriores, a luta pela efetivação da guarda compartilhada surgiu de
um movimento que se fixava em objetivos que se relacionavam mais diretamente às
questões de convivência entre pai e filho. Foi através do desejo dos pais de terem
resguardado o dever de continuar acompanhando o processo de desenvolvimento
de seus filhos e, destes últimos, do direito de conviver com seus pais, que a guarda
compartilhada se transformou em projeto de lei e foi regulamentada. É claro que
com a aprovação da lei puderam florescer outras possibilidades, que chamaram a
atenção dos pais e os convidaram a uma maior participação e responsabilização
pelos cuidados de seus filhos, não se limitando apenas à convivência, à contribuição
financeira e ao acompanhamento de boletins escolares.
Frente ao desejo dos homens/pais de serem incluídos como guardiões,
percebe-se que esse caminhar foi construído lentamente, transformando-se em lutas
contínuas. Primeiro, porque ele não fazia parte dos cuidados diretos do filho e, ser
85
inserido neste processo, requer mudança de mentalidade cultural, principalmente,
dos papeis atribuídos socialmente ao homem e à mulher. Segundo, porque envolve
a aceitação da mulher em ceder, compartilhar e permitir a aproximação do homem.
Terceiro, porque o homem/pai teve que construir um elo com seu filho e cultivar o
afeto que, em muitos casos, não era expresso de forma clara. Esta luta não foi
empreendida pelo fato de considerar que o homem não pudesse cuidar de um filho
de forma adequada, mais sim, que este era um desafio que requeria superação.
“N�o estou falando que seja bom ou n�o. � que esse papel n�o estava desenvolvido
nele, [at� mesmo] porque ele estava na condi��o de provedor” (Violeta).
O eixo do desejo de compartilhamento dos cuidados manifestados pelos
pais situa-se no afeto. Nesse sentindo, a pesquisa tentou conceituar o que pode ser
entendido como afeto. Ele pode ser entendido como o exercício do cuidado com o
outro, como preservação da convivência e como dedicação ao exercício atribuído às
funções parentais. “(...) Ent�o com a conviv�ncia, com o exerc�cio, eu aprendo a
amar as pessoas. Eu aprendo a cuidar das pessoas” (Violeta).
O afeto paterno pode estar expresso numa “situa��o que implica que o pai
passe a participar mais, do cuidado, mesmo que sozinho, sem estar presente com a
[guarda] crian�a” (Azaléia). Ou seja, o pai pode revelar sentimentos de afeto por seu
(s) filho(s) mesmo não possuindo a guarda, mas para demonstrá-lo, é preciso que
seu direito de conviver seja resguardado. “(...) o papel de pai implica na presen�a,
no estar junto, no ensinar, no passar valores, no acolher, no pegar no colo (...)”
(Rosa).
Muitas foram as dificuldades apontadas no decorrer deste trabalho diante
da não efetivação da guarda. Esse é o motivo pelo qual parte significativa das
entrevistadas não sugerem esta modalidade. Há aquelas que associam tal situação
86
ao sentimento de perda, o que pode estar impedindo a m�e de compartilhar a
guarda com o pai.
Eu acho que mesmo que a m�e tenha mil argumentos para dizer que o pai � uma “droga”, � uma quest�o da perda (...) talvez para uma m�e seja muito complicado se separar de um filho a semana inteira (Rosa).
Outro fator abstruso pode ser expresso nas fantasias que a maioria das
m�es criam com rela��o � conviv�ncia do filho com o genitor e a nova fam�lia
constitu�da por ele.
Algumas das profissionais afirmam que o afeto � um fator complicador, pois
em certas situa��es as m�es n�o aceitam que a crian�a desenvolva sentimentos
nobres com rela��o � nova fam�lia constitu�da pelo seu genitor. Percebe-se que,
quando o filho � bem acolhido no ambiente de seus pais, eles acabam revelando
sentimentos afetuosos por eles, e quando essas crian�as se identificam com a
madrasta ou com as atuais companheiras do genitor, suas m�es, na maioria das
vezes, n�o aceitam essa situa��o e tentam construir obst�culos para dificultar o
conv�vio entre pais e filhos.
A crian�a come�a a voltar da casa do pai e demonstrar afeto pela atual madrasta. Isso � complicad�ssimo: A “tia” foi escovar o meu dentinho, a “tia”me p�s para dormir, a “tia” me contou historinha (...) (Azal�ia).
Esta exposi��o de ideias por algumas das entrevistadas revela um aspecto
importante da dificuldade da m�e em aceitar uma guarda compartilhada. Isso
87
engloba fatores emocionais, sentimentos de perda, sensa��o de abandono pelos
filhos, mas acredito que tais fatores n�o s�o suficientes para que se negue o
compartilhamento, n�o � justificativa plaus�vel para a n�o aplica��o da guarda
compartilhada. Para se definir uma modalidade de guarda deve-se atentar a todo o
momento no bem-estar e satisfa��o dos interesses sociais, emocionais e materiais
dos filhos e n�o apenas nos dos pais.
Em muitas circunst�ncias, a m�e cria situa��es para cercear a conviv�ncia
paterna. Situa��es que podem at� mesmo repercutir de forma negativa no processo
educacional e de constru��o da identidade e personalidade de seu filho, trazendo-
lhe s�rios preju�zos emocionais. Essa coloca��o pode ser vista na fala de uma das
entrevistadas:
(...) eu tive um caso gritante – a m�e estabeleceu que o pernoite poderia acontecer a partir de tal data que a crian�a [desmamasse]. No momento em que se separaram a crian�a ainda era de colo e ela amamentava. A crian�a j� estava enorme e ela continuava colocando-a no peito – ela aumentou a amamenta��o. [Depois,] ela colocava a crian�a no colo, mas n�o amamentava mais... Mas veiculava que enquanto amamentasse a filha n�o dormiria [na casa do pai]. E olha o preju�zo para crian�a se ela continuasse sendo amamentada... (Azal�ia).
Por outro lado, tamb�m foram detectadas algumas ocorr�ncias que, de
acordo com a pesquisa, contribuem para a n�o efetiva��o da guarda compartilhada.
Percebe-se, num primeiro momento, tratar-se de uma quest�o amplamente cultural.
Aceita-se, na maioria das vezes, como verdade absoluta e quase inquestion�vel,
que a mulher � a pessoa mais indicada para cuidar dos filhos. Na pr�tica, pode se
observar que isto � um mito.
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A questão de o afeto estar mais ligado à mulher começa a se expandir para a relação pai e filho. Em uma separação, que poderia interromper esse processo, os homens não estão mais querendo [que isso aconteça](Violeta).
De certa forma, as pessoas mostram isso: a população mostra muito que sua preferência é que a criança fique com a mãe. Quantas vezes eu pego gente falando isso: [a pessoa] começa a chorar porque a criança não está com a mãe, ou porque a mãe não cuida, ou porque a mãe não liga... e as pessoas ficam emocionadas com essas questões (Hortência).
Outro ponto importante está na dificuldade e resistência dos juízes em
deferirem a guarda compartilhada. Percebe-se que a guarda unilateral é um modelo
ainda muito aplicado, sendo que a guarda compartilhada ainda é vista sob muitas
polemicas e críticas. “A gente v� muitos ju�zes ainda tendo muita dificuldade em
aceitar, permitir e decidir pela guarda compartilhada” (Rosa).
Essa situação pode ser verificada também, na passagem a seguir, em que
o site UAI, notícia nacional, publicou em sua página no dia 19/05/2010 uma
reportagem referente à guarda compartilhada de uma garota de 12 anos de idade,
pleiteada pela avó e um tio. Segundo informações veiculadas por este site, a
adolescente vive com eles desde os seus quatro meses de vida, uma vez que o
genitor dela está preso e a genitora viaja constantemente a trabalho, não sabendo
prever quando irá visitar a filha. O processo que tramita em segredo de justiça, por
se tratar de assuntos familiares, teve seu pedido negado na Primeira Instância do
Tribunal de Justiça de São Paulo, com o seguinte argumento, conforme noticiado:
O juiz de 1ª Instância concluiu que a guarda, exclusiva e não compartilhada, deveria ficar com a avó ou com o tio. O Tribunal de Justiça reconheceu que a guarda compartilhada era possível, mas inadequada porque a família
89
substituta deve ser formada a partir do referencial de um casal (UAI/not�cias. Acesso em 25/05/2010).
A presente decis�o foi motivo das partes interessadas recorrerem ao
Superior Tribunal de Justi�a que, num despacho in�dito, concluiu que a av� e o tio
n�o apenas t�m condi��es de assumirem a guarda compartilhada como j� a
exercem, embora n�o formem um casal:
Relator da a��o no STJ, o ministro Aldir Passarinho atendeu ao pedido da av� e do tio e disse que a inten��o deles era consolidar legalmente uma situa��o que j� existe de fato. Para ele, o fato de a av� e o tio n�o formarem um casal n�o impede a concess�o da guarda compartilhada. (UAI/not�cias. Acesso em 25/05/2010)
Constata-se o receio de muitos envolvidos, pois ainda acreditam que
apenas a guarda unilateral � a modalidade ideal, sendo tamb�m a mais usual. �
importante entender que, segundo o Novo C�digo Civil, a defini��o de fam�lia
extrapola a uni�o de um casal, homem x mulher. A nova Lei da Ado��o7 � um
instrumento jur�dico legal que tamb�m abordou as novas formas de constitui��o
familiar ampliando o conceito de fam�lia extensa. Entende-se que fam�lia extrapola a
unidade pais e filhos ou a unidade do casal. Ela � formada por parentes mais
pr�ximos da crian�a e do adolescente que mantenham os v�nculos de afetividade e
afinidade.
Hoje, a institui��o familiar � marcada por uma variedade de arranjos e
uni�es que podem ser consideradas uma fam�lia. Esta institui��o n�o se limita
apenas ao modo de organiza��o caracter�stico da fam�lia nuclear burguesa, sendo
7 A LEI N� 12.010, DE 3 DE AGOSTO DE 2009, que disp�e sobre ado��o, altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 –Estatuto da Crian�a e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – C�digo Civil, e da Consolida��o das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e d� outras provid�ncias.
90
uma forma particular de ser, onde seus indiv�duos s�o ligados por rela��es de afeto
e afinidade, constitu�da ao longo da vida de cada um e de todos.
(...) a fam�lia n�o se centra s� no pai e na m�e – que s�o os principais detentores do poder – mas � [algo] mais amplo que isso. [N�s] temos ainda muita dificuldade para aprender isso porque estamos ainda centrados no pai e na m�e. E a conviv�ncia familiar – do ponto de vista do ECA, da PNAS –� muito mais ampla que isso (Hort�ncia).
Outros fatores contribuem de maneira significativa para que o papel do
homem-guardi�o seja mais focado atualmente no �mbito da justi�a: um primeiro
fator, � que quando uma a��o de guarda perpassa uma vara de fam�lia, h�
exig�ncias legais aos tramites processuais, que garante o direito de ampla defesa da
lide de ambas as partes. A justi�a busca conhecer e identificar a realidade dos
genitores e n�o apenas de um deles, antes de deferir a senten�a. De uma maneira
geral, neste aspecto legislativo, trabalha-se com o princ�pio da justi�a que assegura
o cumprimento do art. 5�, Inciso LV da C.F. que assegura aos litigantes, o
contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela intrínsecos.
Outra quest�o que constitui mudan�a que vai implicar na participa��o paterna, est� nos procedimentos das a��es jur�dicas nas varas de fam�lia, pois o juiz busca ouvir os dois lados, principalmente nas a��es que envolvem tutela antecipada e suspens�o das visitas. A justi�a na vara de fam�lia vem valorizando a participa��o dos pais, principalmente nos casos em que se percebe que h� dificuldades de regulamenta��o das visitas (Hort�ncia).
91
Um outro fator que merece destaque é o processo da separação do casal.
Esse processo exige amadurecimento das pessoas envolvidas. Exige também que
os ex-cônjuges passem a exercer atividades a que nunca tinham se dedicado antes
ou que abram espaço para aquelas que ainda eram pouco desenvolvidas, para que
possam se solidificar. O homem começa a revelar publicamente o seu afeto pelo
filho e a assumir responsabilidades que, anteriormente eram exercidas, na maioria
das vezes, pela mulher. Ele começa a participar do cotidiano do filho, demonstrando
que isso é mais do que obrigação, é algo prazeroso e gratificador.
Diante de uma situação de separação, isso implica que o pai passe a participar mais dos cuidados. (...) passam a querer assumir mais responsabilidades, como por exemplo, da alimentação, da participação na escola, de estar presente numa reunião, em consultas médicas (...) (Azaléia).
As entrevistadas acreditam que essa postura dos pais ajudou a contribuir
para a efetivação da presença paterna nos cuidados dos seus filhos. Evidenciou
também que, para que isso ocorra, ele pôde contar com a existência de uma rede
social e familiar que já possuía.
Existem muitos pais requerendo a guarda e já vivendo com a criança porque a rede familiar dele é existente, sendo raros os pais que permanecem sozinhos cuidando dos filhos, segundo um levantamento que fiz. Eles contam, por exemplo, com a ajuda da escola e/ou de uma empregada. Contam com uma rede afetiva de apoio, sendo a avó paterna a figura que aparece em primeiro lugar, seguido do recasamento (Hortência).
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Constata-se que o homem consegue se articular e se organizar após o
casamento e cuidar de um filho tanto quanto a mulher. Por outro lado, pode-se
evidenciar, em alguns casos, o descuido e o despreparo de algumas mães para os
cuidados de seus filhos, o que tem levado o homem/pai a tomar a iniciativa e
requerer a guarda.
Eu vejo muitos pais pedirem a guarda por falta de cuidados adequados do lado materno (Hortência).
A pesquisa apontou que os homens começaram a se indagar sobre certas
situações do cotidiano dos filhos, questionando-se:
(...) ainda que a minha ex-mulher esteja com a guarda de meu filho, eu posso ir à escola, às reuniões de pais, ter acesso ao boletim... (Rosa).
Pelos depoimentos ouvidos e pela experiência profissional, pode-se
perceber que os pais, ao se revelarem dispostos a assumir a guarda, reconhecem
que a figura materna também é substancial na educação dos filhos, por isso se
tornaram mais adeptos à modalidade de guarda compartilhada para resguardar sua
inclusão no processo de cuidados e convivência com os filhos, sem a perda da
relação materno-filial.
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A prática profissional
Os depoimentos na entrevista em grupo permitiram identificar que os
profissionais e assistentes sociais do judiciário da cidade de São Paulo, começaram
a pensar sobre essa temática, mas que essa reflexão encontra-se em fase inicial,
pois ainda não têm claro o real significado da guarda compartilhada.
(...) Nós temos que tomar cuidado com isso: porque temos um conceito de guarda compartilhada que ninguém sabe direito o que é. (...) O que seria [o compartilhamento] em termos de escola, em termos de habitação (...)(Hortência).
Relatam que, quando os casais em litígio procuram o judiciário buscando
sua separação judicial, a questão de quem assumirá aguarda dos filhos evidencia-se
e, antes que o juiz tome alguma decisão, ele solicita um estudo técnico do serviço
social e prova pericial, como suportes. Essa solicitação resulta no início do trabalho
do assistente social que elabora um estudo social acompanhado de um parecer
social.
(...) como sou perita, posso ver [o que é mais adequado, se a] guarda para o pai, se a guarda para a mãe (Jasmim).
As profissionais afirmam que, ao receberem casos relacionados a
processos de guarda, não costumam trabalhar pensando em nenhum tipo de guarda
específica.
94
Acho que quando a gente pega um caso, n�o pega pensando em determinar certo tipo de guarda – compartilhada, unilateral ou... sei l�! A gente pega um caso e avalia: verifica em quais condi��es, em que momento [o casal se encontra]. Da� vai-se chegar ao que seria melhor, ou o que seria poss�vel para aquele momento do casal (Rosa).
Em sua interven��o, primeiro buscam identificar e conhecer a realidade
das partes, considerando que o trabalho do servi�o social s� pode ser realizado de
acordo com a forma pela qual vem se desenvolvendo o processo de separa��o do
casal.
Por exemplo, quando voc� vai pegar o processo no f�rum, se voc� pegar logo que o casal se separa voc� tem um determinado tipo de abordagem, se voc� pegar depois de seis meses, o casal est� em outra fase (Jasmim).
Uma profissional acha importante conhecer melhor a realidade dos pais
para saber que tipo de guarda ir� sugerir ou a que seria mais indicada para aquele
determinado caso.
Acho que a guarda compartilhada pode ser [aplicada se souber] como as pessoas est�o vivendo, como est� a participa��o daquele que n�o est� morando com a crian�a, independente dele ter a guarda ou n�o, ou se ele � o homem ou a mulher. [Saber] como � que est� a conviv�ncia entre eles e se podem caminhar para uma conviv�ncia mais igualit�ria entre eles (Hort�ncia).
Por exemplo, em uma rela��o familiar – de uma uni�o est�vel ou de um
matrim�nio – que anteriormente era um relacionamento afetivo, ap�s uma situa��o
95
que culmina em separação, a dinâmica familiar é alterada e, principalmente o
contexto de vida dos filhos. Muitas pessoas, doutrinadores e profissionais
operadores do direito, acreditam que nesses casos em que há essa ruptura do
relacionamento, a prioridade do trabalho da equipe técnica é identificar quem deverá
ser o responsável legal pela guarda dos filhos.
Na perspectiva das entrevistadas, nesse primeiro momento, é importante
entender o processo de ruptura do relacionamento, pois este pode dar subsídios
para apreender aspectos essenciais para uma decisão sobre a guarda. Consideram
que o trabalho do serviço social objetiva minimizar as consequências dessa ruptura
entre o casal para que a mesma não tenha reflexos negativos sobre os filhos.
Expuseram que, na elaboração da separação, existem períodos difíceis e dolorosos
para todos os membros da família.
Acho que a palavra que me chama atenção é ruptura. [Nesse sentido a questão está justamente em] poder minimizar [as repercussões da] ruptura entre o casal para não ter um reflexo maior em cima dos filhos, para que (essa ruptura) possa ser minimizada e os pais possam continuar exercendo o papel de pai e de mãe dentro da nova situação que decorre da separação (Azaléia).
A separação é um momento muito confuso na vida de todo mundo. Acho que isso [acontece] em qualquer tipo de separação. As pessoas ficam muito perdidas, e os papéis ainda não estão claros, é só com o tempo que ficam mais definidos (Jasmim).
A separação de um casal é uma grande perda. Imensa! Eu acho que é algo assim: eu nunca me separei, mas deve ser como tirar um pedaço [de si] mesmo (Rosa).
A cultura instituída por lei (conforme foi analisado no histórico da guarda)
que definia a importância de apontar culpados do processo de separação para, de
certa forma, puni-los com a negação da guarda para eles, contribuiu para fomentar o
litígio entre os casais e a busca pela guarda a qualquer preço, como prova de boa
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conduta. As assistentes sociais entrevistadas posicionaram-se veementemente
contra essa conserva cultural, atribuindo aos advogados uma parte da
responsabilidade dessa retomada:
Mas, na prática, é incrível como os advogados ainda vêm trazendo a [discussão da disputa, de querer identificar o culpado] (Hortência).
Até há pouco tempo, o que era culpado pela separação perdia a guarda. Um absurdo! (Rosa).
Para as assistentes sociais, o ideal nos casos em que a relação conjugal
for rompida, é que não se rompam as relações dos pais com seus filhos.
E, na hora que vem a discussão de quem vai ficar com o filho, nenhum dos dois quer perder de novo. É muito sério isso. Perder os filhos também!(Rosa).
(...) na relação conjugal quando esta for rompida, que não se rompa a relação dos pais com seus filhos. Que [essas relações] devem continuar já está expresso no Código Civil antes da Lei da Guarda Compartilhada (Rosa).
Algumas profissionais expuseram que a guarda compartilhada para um
casal que acabou de se separar não é possível, visto que se encontram vivenciando
um momento muito delicado, o litígio entre eles ainda é presente, não sendo
possível delimitar os papéis que cada pai irá desempenhar daquele momento para
frente.
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Eu acho que [vai depender] também do momento em que ela está. Isso é muito importante, porque se acabou de separar não dá! Eu acho que assim, eles estão num momento muito latente, muito recente.
As pessoas ficam muito perdidas, e os papéis ainda não estão claros, é só com o tempo que ficam mais definidos. Se o pai vai participar mais ou menos, depende muito do momento (Jasmim).
Essa última afirmação revelou-se um tanto arbitrária: já parte, primeiro, do
princípio de que a guarda ficará com a mãe e, segundo, que a participação paterna
deverá ser condicionada ao momento que for considerado apropriado em função do
processo de ruptura, dando ao pai uma condição de desvantagem nas
possibilidades de um relacionamento regular com seus filhos. Essa afirmação
demonstra também que os profissionais focam seu objeto de trabalho
prioritariamente no litígio e no processo de ruptura conjugal e não nos interesses
específicos da criança. Essa observação evidencia a importância de que o
assistente social não atue nesses casos com ideias pré-concebidas.
Essa exposição, de certa forma, também revela que ainda em nosso
sistema social e jurídico está impregnado da perspectiva cultural de que a mãe
sempre deve ser a guardiã, salvo em caso que seu comportamento desabone suas
condições maternas. Sob este aspecto, percebe-se que há uma tendência cultural a
excluir o pai do processo de cuidados. Após a separação ele poderá manter
convivência com o filho sob diversas condições e com base em estudos prévios.
Existem situações em que o pai enquanto vinculado à mãe podia participar
ativamente dos cuidados e educação dos filhos e, após o rompimento, ele passa a
sofrer diversas restrições.
As entrevistadas explicitaram a concepção de que uma regulamentação de
visitas, para o pai que não tinha garantia desse direito, já pode ser considerada uma
conquista e um possível caminho para a guarda compartilhada.
98
Eu vejo que a regulamenta��o da visita, mesmo que com uma decis�o de fora, pode disciplinar v�rias quest�es (Hort�ncia).
A conquista do direito de visitar o filho, para o genitor que n�o det�m a
guarda – principalmente nos casos em que a conviv�ncia � dificultada por aquele
que a det�m – com certeza, � uma conquista, uma garantia de direitos. No entanto,
� importante pontuar que a guarda unilateral, mesmo com a regulamenta��o das
visitas, tem suas limita��es e dificuldades. A regulamenta��o de visitas n�o �
suficiente para garantir que os filhos possam conviver com ambos os pais de
maneira continuada e satisfat�ria e para que os mesmos possam exercer suas
responsabilidades paternas de forma equilibrada.
Embora algumas profissionais tenham afirmado serem favor�veis � guarda
compartilhada, percebe-se que essa modalidade n�o vem sendo assumida como
refer�ncia inicial. Os estudos sobre as rupturas parentais e a preserva��o dos
interesses dos filhos t�m apontado a import�ncia de assumir a guarda compartilhada
como modelo prop�cio ao melhor desenvolvimento das rela��es entre pais e filhos e
preserva��o da responsabilidade paterna. Parece-me que � a partir dessa premissa
que os estudos de casos devem come�ar, tendo por perspectiva construir os modos
operativos de sua aplica��o, sempre que poss�vel.
Se a Lei da Guarda Compartilhada no Brasil fosse alvo de pol�tica p�blica
como ocorre nos Estados Unidos, as pessoas j� estariam preparadas para a ideia do
compartilhamento. Uma vez que o casal decide romper o relacionamento e possui
filhos em comum, j� sabe qual ser� o modelo de guarda mais comumente aplicada e
que os dois continuar�o a ser os respons�veis legais pelos cuidados dos filhos e que
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terão a convivência com estes preservada. Nesses casos a guarda deixa de ser
objeto de disputa. Essa conjuntura não só facilita o acordo entre os pais, à
preservação das funções parentais e dos interesses dos filhos, como também
amortiza a perspectiva da culpa na separação judicial e a pressão dos valores
culturais que ainda encontram-se presentes nos casos de divórcio.
No que se refere aos procedimentos técnicos adotados, a maioria das
profissionais afirmam não existir diferença de atuação quando trabalham em casos
específicos de guarda compartilhada, pontuando não existir procedimentos
metodológicos diferenciados para tal. Apenas destacaram que realizam uma
entrevista inicial para identificar o momento adequado para a realização da
necessária entrevista conjunta entre os pais.
Eu não sei se tem diferença [no trabalho]. Eu vou falar por mim. Você pega um processo independentemente [de se tratar] de ação de guarda compartilhada, ou de [outra modalidade] de guarda. Não tem um [procedimento único] (Jasmim).
Vou falar da minha experiência: eu sempre [fazia uma entrevista inicial eprocurava ver] em qual momento essa [entrevista conjunta deveria acontecer], se mais no meio da minha atuação, se mais para o final (Azaléia).
As assistentes sociais ressaltaram que, para sugerir o compartilhamento de
guarda é preciso analisar diversos aspectos, inclusive, considerar como ocorreu o
processo de ruptura entre o par parental. Consideram que existem diferentes
momentos que são vivenciados pelos pais durante e após o período de separação:
há alguns pais que resolvem seus problemas particulares de forma consensual,
preparam-se para o rompimento; outros, já se apresentam em um processo muito
100
litigioso, em que o casal se encontra perdido e os papéis parentais não se mostram
bem definidos. Para lidar com esta situação é preciso de tempo.
Parece que depende do período. Do passo anterior [no qual] a separação foi encaminhada pelo casal. Aí tem todo um reflexo [contido na maneira] de como o casal vai se comportar dentro do processo. (...) Tem alguns casais que começam uma preparação para o rompimento e têm outros que já decidem e não pensam nos reflexos, em como os filhos irão ficar (Azaléia).
As profissionais pontuaram que todas essas colocações são importantes
para sugerir o modelo de guarda a ser aplicada. Uma delas afirmou que, quando a
separação é recente, não é possível optar pelo compartilhamento.
Eu acho que [vai depender] também do momento em que ela [a separação] está. Isso é muito importante, porque se acabou de separar não dá! Eu acho que eles estão num momento muito latente, muito recente (Jasmim).
A pesquisa revelou, de maneira geral, certa resistência à aplicabilidade
desta modalidade, quando apenas as dificuldades e os desafios foram apontados, o
que acaba por remeter à maior possibilidade de opção pela guarda unilateral. Na
verdade, os casos de guarda exclusiva e unilateral se apresentam com mais
regularidade pelas facilidades que oferece ao acompanhamento, pelos costumes já
enraizados, e por ser a modalidade mais difundida em nosso meio social.
Duas das entrevistadas, ao discutirem os critérios de compartilhamento,
afirmaram que na hora do acordo, os pais comumente se posicionam de uma
maneira e, quando começa a operacionalização, mudam completamente o
101
estabelecido. Por supor que na pr�tica as a��es ser�o diferentes, consideram que �
melhor n�o sugerir este tipo de guarda.
(...) n�o adianta colocar a guarda compartilhada porque n�s sabemos que, de fato, ela n�o vai ocorrer (Rosa).
Eu acho que tem que ver o que est� amadurecido nesse sentido. Porque n�o adianta nada o juiz determinar uma senten�a que n�o vai acontecer na pr�tica. (...) Na pr�tica, por mais que voc� garanta para a crian�a o direito de poder conviver com os dois, de ter os dois cuidando dela... Tudo pode ser apenas teoria, na pr�tica, eu acho que [pode ser diferente]... por isso � que voc� tem que ter no��o quando est� com um caso na m�o, porque [voc� precisa prever] como que vai ser isso na pr�tica, se vai ter esse compartilhamento... (Jasmim).
Estes posicionamentos t�m um sentido daquilo que Agnes Heller chama de
ultra-generaliza��o – o que significa generalizar para o todas as ocorr�ncias de
situa��es espec�ficas. � verdade que nem sempre os casais realizam, no cotidiano
de suas a��es, aquelas determina��es recebidas em situa��o de ju�zo. O fato de j�
ter havido ocorr�ncias, na pr�tica da guarda compartilhada de n�o cumprimento do
combinado pode significar que esta n�o deva ser aplicada? Cada fam�lia � uma
fam�lia e suas possibilidades de funcionamento s�o diferentes e, s�o tamb�m
diferentes os modos de agir dos t�cnicos em rela��o a elas. Se, de fato, a guarda
compartilhada � a mais indicada face ao princ�pio do melhor interesse dos filhos e ao
direito que os mesmos possuem de desfrutar da conviv�ncia de ambos os genitores,
o profissional precisa debru�ar-se sobre esse desafio e construir metodologias que
permitam ampliar os �xitos em sua aplica��o.
� importante analisar todo o contexto social dos envolvidos, mas n�o se
pode partir de concep��es previamente definidas. Existem situa��es preocupantes
nas quais a guarda compartilhada pode n�o ser indicada naquele momento.
102
Outro tema tratado foi a dificuldade de indicar o compartilhamento quando
os ex-c�njuges est�o em lit�gio, raz�o pela qual esta modalidade n�o seria
adequada – embora a lei defenda que, mesmo nos casos de lit�gio, a guarda
compartilhada possa ser aplicada. Nesse sentido, uma profissional questiona a
possibilidade de compartilhamento de responsabilidades e de cuidados quando
ambos os pais n�o se falam.
Como a guarda compartilhada � vi�vel, � poss�vel, se ambos n�o se falame, se falam, se agridem: n�o t�m a m�nima disposi��o para uma conversa educada? (Rosa).
Diante deste aspecto, cabe perguntar se n�o seria parte do trabalho do
assistente social construir uma metodologia de trabalho para atender a esse tipo de
fam�lia, para que esses pais possam vir a buscar a efetiva��o de uma guarda que
seja compartilhada? N�o seria importante identificar os graus de lit�gio que
indicariam a afirma��o da impossibilidade de aplica��o do compartilhamento, em
alguns casos espec�ficos?
Em muitas circunst�ncias as entrevistadas acreditam que uma decis�o
judicial num processo de lit�gio � importante. Quando h� introje��o da lei para os
sujeitos que est�o em intenso lit�gio, a posi��o e o ordenamento de um juiz poder�o
contribuir para uma minimiza��o deste conflito, de tal forma que as partes t�m que
super�-lo para cumprir o que foi determinado. A senten�a judicial tem, na verdade,
um efeito educativo para este tipo de situa��o.
103
Quando uma autoridade diz que o filho � de ambos os pais e eles s�o os respons�veis pelo cuidado, pela aten��o, pela conviv�ncia, pelo afeto e por tudo mais, isto pode nortear aqueles que est�o se ‘matando’. Ent�o, � complexo? � complexo. Mas acho que a gente tem que pensar um pouco no papel de uma senten�a judicial. (...) uma senten�a que diga assim: o filho � de voc�s dois, [e s�o voc�s dois] que t�m responsabilidades e direitos. A guarda compartilhada entra neste contexto, porque assim, pensa-se no melhor interesse da crian�a. (...) Em uma audi�ncia, uma defini��o do juiz �s vezes n�o serve para resolver a quest�o em si, para dar uma solu��o imediata � quest�o, mas serve para aparar as arestas. Assim, a quest�oprincipal cria uma visibilidade diante da audi�ncia porque esse � tamb�m um papel do juiz. Geralmente acontece que o juiz pode tirar alguns detalhes secund�rios e focar na quest�o principal [e express�-la] em uma senten�a (...) (Violeta).
Diante de uma diversidade de coloca��es feitas no decorrer da entrevista,
percebe-se que a aplica��o da Lei da Guarda Compartilhada torna necess�rio
explicitar diversas situa��es e explorar algumas min�cias para que as controv�rsias
no exerc�cio desta modalidade sejam reduzidas. Como foi mencionado em alguns
momentos pelas entrevistadas:
Eu tenho curiosidade de saber como � dada a senten�a da guarda compartilhada. Porque [penso que a] guarda compartilhada apenas n�o vai dar conta de um monte de situa��es. Tem, em alguns casos, uma senten�a judicial que foque o que seria esse compartilhamento? O que seria [o compartilhamento] em termos de escola, em termos de habita��o? (...)(Hort�ncia).
Se [os modos de compartilhamento] n�o forem fixados, se as decis�es ficarem soltas, no momento [da separa��o] o casal pode ter entendido de uma forma, mas pisando fora do tribunal, as coisas come�am a caminhar de outra forma. Para que isso n�o aconte�a, o que se poderia garantir [deve ser registrado, se n�o] acaba inviabilizando (Azal�ia).
Na reflex�o sobre as dificuldades apontadas como poss�veis motivos para
a n�o aplica��o da lei, constatou-se que a pens�o aliment�cia � considerada um
fator preponderante. Algumas das entrevistadas disseram acreditar que o pedido
104
desta modalidade de guarda tem ocorrido em grande n�mero, com intuito – de uma
das partes – de ser eximida do custeio da pens�o aliment�cia.
O mau uso do pedido da guarda compartilhada tem ocorrido muito! [Tanto pelo] pai ou pela m�e. Geralmente t�m sido mais os pais que entram com opedido de guarda compartilhada: ele j� est� com a guarda unilateral e entra com um pedido de guarda e, quando voc� v�, o que ele est� querendo mesmo � se livrar da pens�o (Rosa).
Na verdade, este tipo de situa��o pode ocorrer, como qualquer outro tipo
de a��o processual em que as pessoas tentam se beneficiar da lei e agem de m�-f�.
Mas, neste caso, ainda n�o se tem dados estat�sticos que apontem a dimens�o
dessa realidade. T�m-se apenas dados emp�ricos abordados por alguns
profissionais. Em minha experi�ncia profissional com atua��o na vara de fam�lia,
isso n�o tem acontecido. Ainda n�o presenciei situa��es em que os pais pleiteiem a
guarda compartilhada com este objetivo. Tenho percebido que eles optam pelo
compartilhamento porque reconhecem a import�ncia da preserva��o da conviv�ncia
materna com os filhos: n�o querem alijar a figura materna do cotidiano dos filhos,
apenas querem ser inclu�dos no processo de educa��o e cuidado de sua prole.
Em rela��o ao seu procedimento t�cnico de trabalho, as assistentes sociais
entrevistadas pontuaram que o servi�o social apenas aborda a quest�o dos
alimentos em processo de guarda quando julgam haver necessidade. Afirmaram que
a a��o de alimentos � um outro processo, que pode vir embutido na a��o principal.
Este ponto parece que ainda � muito confuso para as profissionais, que se
questionaram:
105
E, mesmo, algumas decisões de pensão vão ter que ser revistas. Porque, quando [os ex-cônjuges] convivem, vamos supor, cada um assumindo 50% de sua responsabilidade, cabe [discutir] a pensão, não cabe? E aí, vai ter que mudar um pouco o foco da justiça para definir essa questão. O que eu vejo é que tudo ficou mais complexo. A justiça vai ter que definir em minúcias o que antes ela não tinha que definir: a guarda para um, a visita de 15 em 15 dias, a pensão, as férias... Agora vão aparecer novas minúcias... [vai ser preciso] ver as possibilidades e as necessidades (Hortência).
Com a nova lei, torna-se importante que muitas questões sejam revistas,
repensadas e que, dessa reflexão, resulte um guia de operacionalização do trabalho
com as partes em disputa de guarda. Destaco que me parece um equívoco pensar
que o filho ficará 50% sob a responsabilidade de cada genitor. Não tem como
mensurar e quantificar o tempo dispensado no cuidado que cada pai irá oferecer.
Parece-me que não se deve pensar sob este prisma ao definir a pensão: os
alimentos poderão continuar sendo analisados de acordo com o binômio:
necessidade dos filhos versus possibilidade de cada um dos pais ofertar.
É real que no compartilhamento de uma guarda os gastos com um filho se
tornem mais onerosos: nessa nova realidade, os pais, por estarem separados terão
seus gastos aumentados, uma vez que cada um terá que arcar sozinho com
determinadas despesas domésticas mensais de base. Em casos de acolhimento e
cuidado dos filhos, qualquer dos genitores tem que estar preparado para esse tipo
de gasto, pois dependendo da idade dos filhos e de suas condições específicas, eles
podem necessitar de algum tipo de recurso ou infraestrutura especial para atender
às demandas especiais.
O compartilhamento de residência fica mais caro, sem dúvida alguma, porque vai ter que ter duas infraestruturas para a criança: a criança vai ter o quarto, a casa, a comida preparada... às vezes, vai demandar empregada... É mais caro, mas se a questão é o interesse maior da criança, os pais [terão que] definir (Violeta).
106
Ainda sob o mesmo assunto, algumas das entrevistadas defenderam a
ideia de que cada qual deverá contribuir com o que poderá ofertar.
Às vezes, a mãe tem condição afetiva e não tem condição material e o pai está em situação que favorece [o aspecto] material. Eu acho que é importante equilibrar isso (Hortência).
Na guarda compartilhada presume-se que ambos os pais continuarão com
a obrigação de suprir as necessidades materiais, básicas, alimentares etc., dos
filhos. A lei é bem taxativa em suas colocações quando menciona a
responsabilidade dos pais em sustentar seus filhos de acordo com o binômio
necessidade versus possibilidade de cada um.
Nesse sentido, é importante equacionar o volume dos gastos necessários
para a manutenção dos filhos, bem como o modo de divisão das responsabilidades
sobre esses gastos. O custeio pode ocorrer através do pagamento de mensalidade
escolar, de plano de saúde. Também os custos dos alimentos deverão ser
compartilhados e seu custeio deve ocorrer de acordo com a real possibilidade de
cada um arcar com tais despesas.
Na continuidade da entrevista foi possível identificar que, de maneira geral,
o trabalho do assistente social em vara de família é dinâmico e diversificado, e sua
variação depende da demanda processual.
107
A gente pega um caso e avalia: verifica em quais condi��es, em que momento, [o casal se encontra]. Da� vai-se chegar ao que seria melhor, ou o que seria poss�vel para aquele momento do casal (Rosa).
Os assistentes sociais entrevistados afirmaram encontrar na media��o
processual o pilar de apoio para a efetiva��o da guarda compartilhada, podendo ser,
realmente, uma alternativa na busca da preserva��o dos interesses dos filhos. Nos
casos de guarda compartilhada, a media��o ajudaria no trabalho com o casal:
poderia oferecer maior espa�o para que os conflitos revelados no processo de
guarda pudessem ser discutidos.
Talvez n�o se tenha [ainda o h�bito de] sugerir a media��o. Em casos de guarda compartilhada, a media��o ajudaria muito se realizasse um trabalho com o casal: um trabalho que desse um espa�o maior para que os conflitos viessem � tona, [para que ambos] pudessem falar – talvez facilitasse bastante [a obten��o de] mais guardas compartilhadas (Rosa).
Nos depoimentos das profissionais, o advogado aparece como um ator
importante no processo de separa��o e na decis�o da senten�a de guarda. Por�m,
segundo elas, de acordo com os procedimentos t�cnicos por eles adotados,
percebe-se que, por vezes, contribuem de maneira significativa para o fomento do
lit�gio entre o ex-casal. Tal situa��o pode reduzir as possibilidades de que os pais
venham a discutir sobre o compartilhamento de guarda entre eles. Tamb�m, existem
situa��es nas quais, ao querer uma posi��o melhor para seu cliente no processo, o
advogado levanta quest�es contra a outra parte que n�o condizem exatamente com
a realidade. Nessa situa��o, observa-se que o bem-estar da crian�a fica em
segundo plano e um dos pais penalizado com a perda da guarda.
108
Na pesquisa, os profissionais destacaram situa��es que geralmente
ocorrem no decorrer do desempenho de seus trabalhos, quando da interfer�ncia de
um advogado, que orienta a parte em rela��o ao modo de proceder durante o
processo, ressaltando que existem situa��es que podem prejudicar a atua��o do
profissional e, at� mesmo, o interesse dos filhos do casal em lit�gio.
O advogado acha que tem que trazer argumentos de maneira a ganhar a sua causa. Tal comportamento ativa mais o conflito (...). O papel do advogado � fundamental. As pessoas s�o doutrinadas: [para] tudo elas ligam para o advogado, [para] tudo – o que ela vai fazer. O advogado vira o seu mentor (Hort�ncia).
Eu e a psic�loga est�vamos atuando em um caso, em uma entrevista conjunta. E uma das [partes] no caso, a m�e, estava com o celular. O celular dela vibrou na hora da entrevista. Era a advogada que falou para ela: “saia j� dessa entrevista”. Quer dizer: ela marcou [a entrevista] conosco e compareceu. Acho que a advogada ficou sabendo depois ou ela comentou “estou indo para a entrevista”... enfim, no momento da entrevista a advogada mandou [que ela sa�sse] – ela n�o saiu [norteada] pelo seu interesse [em rela��o aos modos] como as coisas estavam caminhando. Mas, assim como foi, [esse procedimento] inviabiliza [uma a��o profissional efetiva] (Azal�ia).
Percebe-se que, �s vezes, a orienta��o do defensor pode ir contra ao que
a parte quer expor no contato com o assistente social. Essa interfer�ncia, por vezes
faz com que as partes fiquem mais confusas e, com isso, s�o constru�dos mais
obst�culos no processo de decis�o da guarda dos filhos. Essa realidade, de uma
maneira geral, vem dificultando o trabalho do assistente social nas varas de fam�lia.
Quando os profissionais operadores do direito n�o constroem parcerias, com vista
ao melhor interesse da crian�a, os resultados podem ser negativos, tanto para a
efic�cia do trabalho do assistente social, quanto para o produto final da a��o.
Existem incid�ncias de conflitos entre assistentes sociais e advogados, no trabalho
109
relacionado � vara de fam�lia: isto ocorre n�o somente nos processos de guarda,
mas tamb�m em processos de outra natureza.
De uma maneira geral, percebe-se que a falta de prepara��o para trabalhar
com a Lei da Guarda Compartilhada dos profissionais operadores do direito, o pouco
tempo de regulamenta��o da lei, a resist�ncia da sociedade e at� mesmo dos
advogados e ju�zes, tem dificultado a aplica��o do compartilhamento.
Para que a guarda compartilhada seja sugerida pelos profissionais
operadores do direito, estes necessitam analisar as condi��es que cada pai poder�
ofertar aos filhos ap�s a ruptura conjugal. De acordo com as afirma��es de Violeta,
a an�lise das melhores condi��es a serem ofertadas �s crian�as corre o risco de
ficar restritas �s condi��es econ�micas – o que implica em preju�zo porque esta
quest�o n�o pode limitar-se a apenas um aspecto. As melhores condi��es comp�em
um leque de fatores. Existem situa��es em que, embora o lado paterno re�na
melhores condi��es econ�micas, o lado materno tem outras condi��es favor�veis,
por ventura, de maior import�ncia, para o desenvolvimento da crian�a. Com a
guarda compartilhada vai haver oportunidade de a crian�a desfrutar das melhores
condi��es que cada pai poder� ofertar, como ocorria quando seus pais ainda
mantinham um relacionamento mais estreito.
Diante dessas coloca��es, identifica-se que o assistente social pode ser
um ator importante para a efetiva��o, constru��o e operacionaliza��o da guarda
compartilhada. Ele deve criar mecanismo de trabalho para os processos que
envolvam a��es de guarda, partindo do princ�pio de que essa modalidade dever�
ser aplicada de modo geral. Posteriormente, o seu trabalho t�cnico � que lhe dar�
condi��es para verificar se os impasses encontrados s�o pass�veis de supera��o
110
ou, caso não sejam, se são suficientes para a decisão da não efetivação desse tipo
de guarda.
ALGUNS PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS ACERCA DA GUARDA COMPARTILHADA
A Lei nº 11.698/2008 após a sua aplicação evidenciou trazer diversos
pontos positivos, mas também negativos, alguns dos quais podem ser destacados
neste trabalho por terem sido identificados ao longo das pesquisas documentais,
virtuais e entrevista grupal.
O primeiro aspecto positivo a ser destacado é a garantia, a legitimação, a
legalidade e a aplicabilidade da lei. Essa lei é um mecanismo que procura
estabelecer, de fato, a garantia de uma relação continuada entre pais e filhos após o
divórcio ou separação, e a diminuição dos conflitos entre os pais. Busca assegurar o
melhor interesse dos filhos e a possibilidade deles obterem de ambos os
progenitores, de maneira compartilhada, um relacionamento que lhes contribua para
sua formação social, psicológica, cultural, afetiva, religiosa e educacional. Deixa
claro que a relação afetiva entre o homem e a mulher pode ser rompida, mas não a
relação entre pais e filhos, e que a relação sócio-afetiva do par parental pode e deve
ser mantida.
A guarda conjunta poupa às crianças de terem que se expor a algumas
situações como, por exemplo, optar por um ou outro guardião, o que às vezes pode
causar-lhe angústia e sofrimento, em razão do medo de magoar o outro. Diminui
assim o seu sentimento de ansiedade.
111
Al�m de privilegiar a responsabiliza��o e a educa��o dos filhos de forma
dividida, esta lei busca a manuten��o e a preserva��o dos la�os familiares maternos
e paternos e maior contato entre os pais, permitindo que, mesmo diante da realidade
do div�rcio, algumas caracter�sticas da fam�lia nuclear ou de origem dos filhos em
quest�o possa ser preservada.
Os conflitos conjugais do ex-casal tendem a ser minimizados, pois este
sistema contribuiu para a n�o manuten��o dos sentimentos de perda e frustra��o do
n�o guardi�o, produzindo bem-estar psicol�gico nos pais, porque sabem que nos
momentos dif�ceis n�o precisar�o agir sozinhos, pois ter�o apoio do outro.
Pode vir a reduzir o estigma que tem norteado as a��es de div�rcio, como
a busca de identifica��o do culpado pelo t�rmino do relacionamento afetivo,
punindo-o com a perda da guarda dos filhos. Essa redu��o evita o lit�gio, uma vez
que os pais deixam de buscar mensurar qual deles det�m “as melhores condi��es”
para exercer a guarda.
Para Pantale�o, (...) a ado��o do exerc�cio conjunto da guarda facilita
tamb�m a solu��o de diversos problemas decorrentes da responsabilidade civil por
danos causados pelos filhos menores.
�, ainda, o arranjo que mais se aproxima do interesse das crian�as, por
preservar o compartilhamento dos cuidados e assegurar a conviv�ncia com ambos
os pais. Nesse tipo de guarda verifica-se que os filhos – se comparados aos outros
que viviam sob o regime de guarda exclusiva – apresentam menores problemas
emocionais, maior autoestima e melhor desempenho escolar.
Outro aspecto positivo est� no incentivo ao adimplemento da pens�o
aliment�cia; o aumento da coopera��o e da comunica��o entre os pais etc.
112
A opção pela guarda compartilhada ao viabilizar a convivência dos pais com os filhos os torna conhecedores e conscientes das necessidades destes, o que facilita um acordo no tocante aos alimentos e à posterior satisfação destas necessidades. (...) a n�o conviv�ncia n�o o deixa enxergar o que os filhos precisam de fato (Quintas, 2009:91).
Assegura o contato dos genitores com os filhos e evidencia que ambos s�o
os respons�veis pelas decis�es tomadas. O compartilhamento possibilita uma maior
flexibilidade de organiza��o da vida pessoal e profissional de cada pai/m�e. Para a
justi�a, a guarda compartilhada � uma modalidade que proporcionar� maior
agilidade nos processos judiciais reduzindo longos conflitos.
Para as m�es � uma alternativa que lhes possibilita desfrutar de “certa
liberdade”, j� que, ao dividir as responsabilidades pelos cuidados dos filhos, teve a
possibilidade de conciliar a maternagem com o trabalho e com outros objetivos
pessoais, que tiveram de ser colocados de lado quando assumiram os cuidados dos
filhos, como uma entrevistada apontou:
(...) quando os pais confiam que a crian�a estar� bem com o outro genitor, eles podem se organizar melhor (...) n�o � porque um homem e uma mulher se tornaram pai e m�e � que deixaram de ter necessidades e realiza��es pessoais (Violeta).
Outro ponto a ser destacado � que, quando um dos pais reside distante –
em outro munic�pio, estado ou pa�s – por n�o residir pr�ximo, a conviv�ncia se torna
pouco efetiva, mas, ainda sim, permitir� o compartilhamento de algumas
responsabilidades e decis�es. Por outro lado, impede que um dos genitores fuja com
o filho, uma vez que ambos det�m a guarda jur�dica, um dos pais isoladamente n�o
113
pode tomar uma decis�o de viajar com o filho, por exemplo, sem o conhecimento e a
autoriza��o do outro.
Em contraposi��o a esses in�meros aspectos positivos, a guarda
compartilhada tamb�m apresenta situa��es que se revelam como desafios a serem
superados. Embora estes fatos tenham sido identificados, eles aparecem
numericamente menores. A seguir pontuo alguns:
A guarda compartilhada implica contatos frequentes entre os ex- c�njuges,
e despesas extras. A partir do momento que o filho tem pais separados e que
residem em casas distintas, logicamente haver� despesas duplas para atender a
algumas das necessidades b�sicas do filho. Ainda, � mais dif�cil para casais que
romperam rela��es entre si, compartilharem decis�es pertinentes aos cuidados dos
filhos de modo consensual.
O processo de compartilhamento envolve problemas de organiza��o de
hor�rios e de organiza��o da vida dos pais e filhos, requerendo adapta��o e
constantes transforma��es.
De maneira geral, o maior desafio parece ser a aceita��o dessa
modalidade de guarda, porque o “novo” implica uma mudan�a de mentalidade, em
trabalho de constru��o de novas pr�ticas. Parece ser mais f�cil ficar com a “velha
modalidade”, uma vez que trabalhar com a cultura institu�da da guarda unilateral �
menos polemico e desafiador.
Em suma, a nova lei evidencia uma posi��o pela igualdade de direitos dos
pais, independentemente do g�nero, igualando homens e mulheres na
responsabiliza��o e no direito � conviv�ncia com seus filhos. Percebe-se uma
resist�ncia dos profissionais operadores do direito em aplic�-la, possivelmente pela
sua inova��o e pela falta de conhecimento e prepara��o espec�fica para um trabalho
114
efetivo com as famílias no sentido do compartilhamento, o que carece de estudos
mais aprofundados: o assistente social pode ser um ator que faça diferença nesse
processo, centrando-se no interesse maior dos filhos, procurando superar os
entraves decorrentes do litígio entre as partes envolvidas no processo.
Com a perspectiva do compartilhamento da guarda, a função paterna vem
se ampliando dia após dia. Cabe aos profissionais continuar incentivando esta
construção, desmitificando a ideia de que pai é sinônimo de provedor e assumindo
como um novo paradigma que se contrapõe àquele que afirmava que a guarda dos
filhos, nos casos de separação, deveria ser exclusivamente materna.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dissertar sobre a guarda compartilhada revelou-se um desafio, uma vez
que grande parcela da sociedade desconhece esta modalidade ou se revela
resistente a aceit�-la.
Por ser uma lei ainda recente em nosso ordenamento jur�dico, seu
entendimento �s vezes se d� de maneira inadequada, sua n�o aceita��o, por parte
de alguns pais separados e dos profissionais operadores do direito ainda � bem
significativa.
Como exp�s Rodrigo Pereira da Cunha (2005): “Tudo que � novo assusta e
esbarra em resist�ncias. � mais c�modo ficar paralisado em velhas f�rmulas do que
arriscar em algo novo”.
Nossa cultura foi moldando e estabelecendo valores de que a mulher tinha
por fun��o ser reprodutora: nasceu para procriar e manter a linhagem familiar, por
isso, competia-lhe, �nica e exclusivamente, os cuidados cotidianos de sua “cria”.
Durante muito tempo, foi sendo constru�do o pensamento de que ap�s o
rompimento de uma rela��o conjugal ou de um relacionamento afetivo entre os pais,
deveria ser definido apenas um guardi�o respons�vel pela guarda dos filhos.
Acreditava-se que pelo fato da mulher ter sido criada e preparada para assumir os
cuidados no ambiente dom�stico e na assist�ncia a seus filhos, ela seria a pessoa
mais qualificada para exercer a guarda numa situa��o de div�rcio.
Do homem, foi edificada a imagem de provedor familiar, cujo espa�o seria
caracterizado pela sua compet�ncia na assist�ncia financeira � fam�lia. Nesse
contexto, a fun��o paterna ficou limitada a apenas auxiliar a m�e nos cuidados dos
filhos, dando destaque � mulher como a detentora e reveladora do sentimento de
116
amor, sendo que a express�o dessa afetividade era “considerada como sinônimos
de maternidade e feminilidade”. (Faria, 2003:63).
Nesse sentido, o cuidado foi associado ao exerc�cio da maternidade, como
decorrente do instinto materno e feminino.
(...) quando nasce um beb�, e como consequ�ncia surge um pai, a este �ltimo � passado a ideia de que um homem n�o � capaz de exercer de modo competente as tarefas de cuidado que um beb� requer. Mesmo para aqueles que, infelizmente, conseguem ir contra esses modelos que a sociedade tenta impor, ainda resta um “ensinamento”: ainda que exer�am o cuidado, nunca conseguir�o ser t�o bons quanto �s m�es, afinal, a sociedade sustenta o senso comum de que as mulheres possuem um “instinto materno” a seu favor (Lyra et al, 2003:85).
Desta forma, o pai foi perdendo o seu espa�o de direito de permanecer
com a guarda de seus filhos mesmo diante da aus�ncia materna, seja ela por morte
ou separa��o. Partia-se do princ�pio de que o homem n�o nasceu n�o foi preparado
e nem re�ne condi��es e instintos intr�nsecos para proporcionar afeto a seus filhos –
este papel deveria ser exclusivamente feminino.
Esse tipo de organiza��o familiar foi sofrendo transforma��es ao longo dos
s�culos, mas algumas caracter�sticas foram e ainda s�o mantidas e preservadas em
nossa cultura.
A delega��o da guarda unilateral � entendida como um dos efeitos
decorrentes da cultura de que deveria haver um titular do poder familiar, que teria
um direito de guarda quase absoluto. Essa pr�tica revelou-se muitas vezes
respons�vel pelo enfraquecimento dos la�os parentais com o genitor descont�nuo –
na maioria das vezes, o pai – e este foi transformado em pai pagador de pens�o
aliment�cia e de final de semana, tendo suas visitas regulamentadas judicialmente.
117
Essa situação foi proporcionando sérios problemas de ordem emocional e
psicológica aos filhos, pois se tornavam alvo de disputa e vingança diante do outro
genitor. A ausência da convivência direta com uns dos pais é causa de muito
sofrimento e mal-estar na vida de crianças e adolescentes.
Com o advento do movimento feminista, a mulher começou a ter outra
posição de destaque na sociedade e no âmbito familiar. A situação começou a tomar
diferentes dimensões quando começou a se ausentar de casa para trabalhar,
necessitando compartilhar do provimento e delegar os cuidados da prole para
outrem. O homem teve que se defrontar com essa nova realidade e assumir por
vezes os cuidados diretos de seus filhos, cultivando e revelando significativamente
sentimentos de afeto e ampliando a relação paterno-filial.
Essas mudanças e transformações sociais que vem afetando a família
proporcionam modificações nos papéis desempenhados por cada um dos pais. Um
novo universo masculino passa a ser construído, evidenciando talentos da
paternidade mesmo que de maneira tímida.
Assim, a figura paterna começou a mostrar que reúne condições para
exercer a guarda de seu filho. Alguns autores e pesquisadores passaram a defender
ideias de que a situação de divórcio, a separação e a experiência no cuidado dos
filhos permitiu que o homem descobrisse e valorizasse o prazer, a gratificação de
estar mais próximo com estes e também mais aptos a exercerem sua guarda.
Essa nova faceta da paternidade começa a ser introjetada na sociedade
como mais uma possibilidade de ofertar cuidados aos filhos, pois, como defendem
alguns psicólogos, o exercício da paternidade e a possibilidade do pai de ofertar
cuidados e dedicar-se à educação de sua prole têm trazido novas vantagens e
possibilidades para o desenvolvimento das crianças.
118
Diante desses avanços e da necessidade de atender o melhor interesse
das crianças e dos adolescentes e garantir o direito dos homens/pais estarem mais
presentes e participativos na vida dos mesmos, é que foi instituída a Lei da Guarda
Compartilhada no Brasil, nº 11.698/2008.
Aceitar essa nova modalidade de guarda causa insegurança, requer
discussões, sensibilizações, construções de operacionalidade da lei e tudo isso
resulta em mais trabalho. É quebrar velhos paradigmas que determinavam que o
arranjo de guarda ideal seja o unilateral, é mexer com a estrutura histórica e cultural
da sociedade, é enfrentar conservas culturais do direito, presentes nas histórias dos
nossos antigos Códigos Civis, que determinavam a identificação do culpado pela
separação conjugal, para puni-lo com a perda dos filhos. Por outro lado, é assumir
parte da perspectiva do Estatuto da Mulher Casada, em sua proposta de construção
da igualdade entre homens e mulheres na chefia da sociedade conjugal, negando
sua defesa de que, nos casos de separação conjugal, a guarda dos filhos deveria
ficar primordialmente com a mãe.
A culpabilização e a punição pela separação defendidas pela lei e a
reafirmação da posição da mulher como mais capaz de cuidados expressa pelo
Estatuto da Mulher Casada contribuíram, de certa forma, para a permanência dos
litígios existentes nos processos de separação judicial e na disputa pela guarda dos
filhos, revelando-se um dos fatores dificultantes da aplicação do compartilhamento
de guarda.
Ciente de que a presença de ambos os pais na criação, cuidado e amparo
dos filhos é importante para o desenvolvimento saudável destes, que a presença do
par parental é primordial na formação da personalidade dos mesmos e que apenas
as visitas esporádicas não mantêm os vínculos parentais de forma saudável e
119
satisfatória, são pontos que também contribuíram para se pensar em uma nova
modalidade de guarda.
Com o intuito de minimizar o sofrimento dos menores, no processo de
divórcio dos pais, na disputa pela guarda, e ainda na tentativa de reduzir o
sofrimento daquela parte que não detinha a guarda legal dos filhos, é que foi
sancionada a Lei da Guarda Compartilhada.
Este tipo de guarda, tornando-se parte do cotidiano das soluções dos
rompimentos conjugais, de forma legal e legitimada, poderá levar os casais em
situação de ruptura de seus laços afetivos a resolver seus conflitos conjugais num
campo distante da disputa pela posse dos filhos, pois estes não serão mais o prêmio
ao vencedor dessa luta.
Garantir a efetivação do compartilhamento de uma guarda entre os pais é
manter a preservação do exercício da autoridade parental exercida por cada um
deles, a manutenção da continuidade das responsabilidades de cada pai e de cada
mãe e principalmente a garantia da convivência destes com os filhos após a
separação conjugal. Desmistificar o quadro de que apenas a figura feminina reúne
competências para assumir a guarda dos filhos é um desafio. Destaca-se que dia
após dia, a função paterna vem se revelando mais que uma função provedora. Ela
vem evidenciando o desejo e a potencialidade que o homem detém de exercer esta
função da melhor maneira de acordo com as suas possibilidades e potencialidades.
Por isso, ao falarmos de guarda compartilhada, estamos falando do
compartilhamento das responsabilidades entre os pais diante dos seus filhos e da
possibilidade e direito do pai de participar desta nova realidade, como a mãe vem
realizando.
120
A lei dispõe e garante sobre o direito de convivência ao pai ou a mãe,
possibilitando-lhes a garantia legal de participar do desenvolvimento educacional,
social e psicológico do filho, enfatizando a necessidade de se entender que os pais
são parceiros e responsáveis pela sua vida.
É uma modalidade que pretende preservar a continuidade do lar,
respeitando e preservando o bem-estar dos filhos. Ela vem defender o direito que as
crianças possuem de ter a convivência com seus pais garantida, pautada em
legislações como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção
Internacional do Direito da Criança e do Adolescente, dentre outras. Salvo na
existência de violência doméstica ou alguma evidência preponderante que poderá
colocar os filhos em situação de risco pessoal e social.
Muitos mitos são construídos e alimentados num processo de guarda
compartilhada, como por exemplo, de que ter dois lares é complicado. A criança
pode sim ter referência de dois lares que vão sendo construídos na efetivação e
preservação de seus vínculos familiares com seus genitores. É importante que os
filhos desde cedo saibam entender que a sua realidade é diferente de pais que
vivenciam um casamento.
Esses tipos de estigmas e outros continuarão a existir. Até mesmo alguns
profissionais operadores do direito e os próprios pais acreditam que o
compartilhamento só pode ocorrer se o ex-casal mantém um relacionamento
consensual baseado no diálogo. De fato é um ponto positivo, mas não o definidor.
Na prática, pode-se observar que um número significativo das ações
judiciais que envolvem a disputa de guarda é litigiosa e, neste caso, diriam que a
guarda compartilhada não seria possível de ser aplicada. E de acordo com estudos
documentais realizados, percebe-se que pode ser, uma vez que deve-se começar a
121
focar nesses processos os valores das fun��es parentais, ao inv�s de se preocupar
com o t�rmino da rela��o conjugal com a identifica��o do culpado por isso.
(...) um div�rcio onde os ex-c�njuges continuem se relacionando bem n�o costuma ser regra, ao mesmo tempo em que, com este argumento, volta-se a unificar o que diz respeito � conjugalidade e o que se refere � parentalidade. � preciso enfatizar que o v�nculo de filia��o e o exerc�cio parental n�o podem depender de crit�rios de negocia��o entre os c�njuges: ao contr�rio, devem ser assegurados pelo Estado (...). Compreende-se, assim, que nem sempre � poss�vel, nesses casos, buscar acordo, cabendo ao juiz – como int�rprete dos princ�pios que estruturam cada sociedade – a designa��o do exerc�cio da paternidade e da maternidade, negando o exerc�cio unilateral de responsabilidades (Brito, 2005-61).
Tanto na modalidade de unilateral ou compartilhada sempre haver�
particularidades de cada caso e dificuldades de exercer a que for sugerida. N�o � o
fato de ser compartilhada que n�o dar� certo. Isso depender� da estrutura de cada
pessoa e como ela foi preparada, educada para aceitar a ruptura da rela��o conjugal
e o valor atribu�do ao exerc�cio dos pap�is parentais dentro de cada fam�lia.
Doravante para a efetiva��o dessa modalidade de guarda, � preciso
romper com esses mitos que atravessam o cotidiano e principalmente �quele de que
a mulher nasceu para ser m�e, � preparada para exercer as fun��es maternais,
sendo a mais indicada sempre para cuidar dos filhos. N�o quero aqui desmerecer �s
m�es, apenas dizer que elas n�o est�o sozinhas nessa jornada, pois os homens
v�m revelando interesse e desejosos em participar do cotidiano dos filhos,
modificando o estigma que tamb�m carregam de pais de finais de semana para pais
presentes e participativos.
Torna-se importante tecer uma parceria entre os profissionais operadores
do direito, sejam eles juristas, psic�logos, assistentes sociais e defensores. Ao reunir
122
esforços visando a garantia do bem-estar emocional das partes, dos filhos
envolvidos e da preservação da instituição familiar, seja da maneira que for
construída, será um grande passo.
Há também a necessidade dos profissionais se qualificarem, aprofundarem
estudos sobre o tema para que não se percam em minúcias e dificultem a
aplicabilidade da lei, prejudicando a convivência parental. Construir uma
metodologia de operacionalização dessa modalidade poderá contribuir nesse
processo. Cabe também ao assistente social criar métodos diferenciados para
trabalhar com a guarda compartilhada.
Transformar esta questão em política pública poderá ser um caminho,
assim, a guarda dos filhos não se tornaria objeto passivo de disputa e eles teriam
garantidos e preservados a convivência com seus pais, ficando mais claro e fácil de
separar a relação conjugal da parental.
Trabalhar sempre em primeiro lugar com a possibilidade do
compartilhamento é o ideal, assim, partirá sempre do princípio do melhor interesse
das crianças e não os dos pais.
A princípio pode ser um desafio, mas a sua aplicabilidade pode revelar
resultados futuros que serão mensuráveis na vida dos filhos.
Ressalto que é importante que sempre seja feito um estudo minucioso, pois
cada caso e família têm sua singularidade e particularidade que deve ser
considerada. O importante é que quando ambos os pais revelam-se dispostos a
exercerem a guarda e demonstram também condições de assumi-la é que deve-se
lutar pela efetivação do compartilhamento. Por fim, a ideia de que a guarda deve ser
deferida apenas a um genitor, quando na verdade, ambos podem continuar a
exercê-la. Neste caso, seria bom desconsiderar pontos que não são relevantes, ou
123
secundários, como o pretexto de que compartilhar não é possível. A sociedade, a
família e, sobretudo os pais tem que preparar-se para a divisão das
responsabilidades, dos cuidados, sendo o bem maior destinado aos filhos.
124
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ANEXOS
Roteiro para a realização da entrevista grupal
Data: 16/11/2009
Local: São Paulo
Horário: 9h30 às 12h
Tema: Guarda compartilhada: o espaço paterno no cuidado de seus filhos. A
perspectiva profissional do assistente social judicial sobre esta questão.
1. Qual a visão profissional referente à relação pais e filhos quando há a ruptura
da relação conjugal?
2. Após a determinação da possibilidade de guarda compartilhada ocorreu
algum tipo de repercussão/transformação no âmbito do ordenamento das
relações familiares e principalmente em relação aos cuidados dos filhos?
3. Como vocês observam o papel paterno neste contexto? Houve algumas
mudanças? Quais?
4. Qual a visão do assistente social judicial sobre a guarda compartilhada?
5. Como tem sido a atuação dos profissionais nos casos específicos de guarda
compartilhada?
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6. Como vocês acham que o serviço social deve atuar nesses casos? Existe
alguma prática específica para este tipo de ação?
7. Há espaços e oportunidades para ambos os pais participarem da discussão
da guarda compartilhada, no momento da entrevista?
8. O assistente social ao pensar a guarda compartilhada, também pensa na
guarda física e no aspecto que tange à pensão alimentícia?
9. De acordo com a percepção de vocês, quais são as desvantagens e as
vantagens da guarda compartilhada?
10.Quais os problemas enfrentados pela aplicação da guarda compartilhada?