issn 2236-1553 revista sÍntese 40_miolo.pdf · direito real de laje – lei nº 13 ... professor...

247
Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO VII – Nº 40 – JUL-AGO 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alexandre Callé, Alexandre Junqueira Gomide, Eduardo Abreu Biondi, Fabrizzio Matteucci Vicente, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Alves Pereira, Marcelo Weingarten, Marco Accioly, Marco Antônio de Oliveira Camargo, Marco Meimes, Pablo Stolze, Patricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira, Renato Cymbalista, Roberto Paulino de Albuquerque Júnior, Rodrigo Karpat ISSN 2236-1553

Upload: dinhtu

Post on 13-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano VII – nº 40 – Jul-Ago 2017

ReposItóRIo AutoRIzAdo

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

geRente edItoRIAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho edItoRIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

colAboRAdoRes destA edIção

Alexandre Callé, Alexandre Junqueira Gomide, Eduardo Abreu Biondi, Fabrizzio Matteucci Vicente, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Alves Pereira,

Marcelo Weingarten, Marco Accioly, Marco Antônio de Oliveira Camargo, Marco Meimes, Pablo Stolze, Patricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira,

Renato Cymbalista, Roberto Paulino de Albuquerque Júnior, Rodrigo Karpat

ISSN 2236-1553

2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 7, n. 40, jul./ago. 2017

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor

Escolhemos o tema “Direito de Laje” para tratarmos na edição de nº 40 da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário.

Nesta edição trataremos deste direito, mas quando os artigos foram re-digidos, eram, ainda, no âmbito da MP 759; portanto, os dispositivos não se encontram na mesma ordem em que estão acrescentados no Código Civil. Os artigos estão explicitando, de uma maneira ímpar, o que é o “direito de laje”, e, por esse motivo, procedemos com a publicação, embora em seu teor ainda não fizessem menção à Lei nº 13.465, mas sim à MP 759/2016.

O direito de laje decorre de uma situação histórica e real na vida de muitos brasileiros: filhos ou filhas que edificam suas casas sobre a laje da casa de seus pais.

O proprietário pode usar e dispor do direito que a lei lhe garante sobre o espaço aéreo e o subsolo de sua propriedade, e, somente porque existe tal garantia legal, é que se torna possível conceber a existência deste novo tipo de direito.

Para discorrer sobre o assunto, contamos com a brilhante colaboração dos ilustres juristas: Pablo Stolze, Patricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira, Marcelo Alves Pereira, Roberto Paulino de Albuquerque Júnior, Marcelo Weingarten e Renato Cymbalista, e Marco Antônio de Oliveira Camargo.

Na Parte Geral selecionamos conteúdo, para mantermos a qualida-de desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Di-reito, tais como: Fabrizzio Matteucci Vicente e Luiz Antonio Scavone Junior, Marco Meimes, Alexandre Junqueira Gomide, Rodrigo Karpat, Alexandre Callé e Eduardo Abreu Biondi.

E, por fim, destacamos na Seção “Em Poucas Palavras” artigo de Marco Accioly intitulado “Os Benefícios do Novo Código de Processo Civil nas Co-branças Condominiais”.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Direito De Laje

Doutrinas

1. Direito Real de Laje: Primeiras ImpressõesPablo Stolze ...............................................................................................9

2. Direito de Laje: uma Análise Civil-Constitucional do Direito de Superfície em Segundo GrauPatricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira ..............................................17

3. Você Sabe o Que É Direito de Laje?Marcelo Alves Pereira ..............................................................................43

4. O Direito de Laje Não É um Novo Direito Real, Mas um Direito de SuperfícieRoberto Paulino de Albuquerque Júnior ...................................................45

5. Direito de Laje: DesafiosMarcelo Weingarten e Renato Cymbalista ................................................49

6. Direito de Laje. Explicando para Quem Quer EntenderMarco Antônio de Oliveira Camargo .......................................................57

acontece

1. Direito Real de Laje – Lei nº 13.465/ 2017 (Conversão da MP 759, de 22 de Dezembro de 2016) ..................................................................70

Parte Geral

Doutrinas

1. Direito Intertemporal – Início do Prazo Durante a Vigência do Novo CPC: a Forma do Ato Processual e a Contagem dos Prazos em Dias ÚteisFabrizzio Matteucci Vicente e Luiz Antonio Scavone Junior .....................73

2. A Responsabilidade do Fiador em Caso de Prorrogação do Contrato de LocaçãoMarco Meimes .........................................................................................83

3. Tempos de Crise: Controvérsias Envolvendo a Extinção do Compromisso de Venda e Compra de ImóveisAlexandre Junqueira Gomide ...................................................................91

4. Condomínio: Rediscutindo as Deliberações Já Tomadas em AssembleiasRodrigo Karpat .......................................................................................117

5. Quem É o Responsável pelo Reparo na Coluna, na Prumada, na Tubulação e nos Vazamentos no Condomínio?Alexandre Callé ......................................................................................119

6. O Ativismo Judicial e o Impacto Econômico das Decisões nos Contratos ImobiliáriosEduardo Abreu Biondi ............................................................................125

jurispruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1282. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1373. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1444. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1595. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios ..........................1646. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais .......................................1687. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná .................................................1728. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ......................................1779. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ...............................18010. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina .....................................18911. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ............................................200

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................205

Seção Especialem poucas paLavras

1. Os Benefícios do Novo Código de Processo Civil nas Cobranças CondominiaisMarco Accioly ........................................................................................235

Clipping Jurídico ..............................................................................................237

Bibliografia Complementar .................................................................................243

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................244

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected] Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected]

Assunto Especial – Doutrina

Direito de Laje

Direito Real de Laje: Primeiras Impressões

PABLO STOLzEJuiz de Direito, Mestre em Direito Civil pela PUC/SP (tendo obtido nota dez em todos os créditos cursados, nota dez na dissertação, com louvor, e dispensa de todos os créditos para o doutorado), Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Brasileira de Direito Civil, Professor da Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG. Coautor do Novo Curso de Direito Civil.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito real autônomo; 2 Tratamento jurídico; 3 Matrícula do direito real de laje; Conclusão.

INtrodução

A Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, ao dispor sobre a regularização fundiária rural e urbana, a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e, ainda, sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal1, consagrou um novo direito real, cujo alcance so-cial é demasiadamente expressivo.

Trata-se do direito real de laje.

Com justiça, o excelente Flavio Tartuce2 adverte que o tema já havia sido enfrentado, em doutrina, por grandes autores brasileiros, a exemplo de Rodrigo Mazzei e Ricardo Pereira Lira.

Segundo o Aurelio, “laje”, substantivo feminino, significa

1. Pedra de superfície plana ger. Quadrada ou retangular; lousa: “Eu fazia a volta dentro do pátio revestido de lajes” (Osmã Lins, Nove, Novena, p. 156). 2. Constr. Obra contínua de concreto armado, a qual constitui sobrado, teto de um compar-timento, ou piso. [F. Paral.: laja e lájea. Var.: lajem. Dim. Irreg.: lajota].3

1 “Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências.”

2 TARTUCE, Flávio. Medida provisória introduz o direito real de laje no Código Civil: Disponível em: <http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2016/12/medida-provisoria-introduzodireito.html>. Acesso em: 4 jan. 2017.

3 Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/dicionario/home.asp>.

10 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

O instituto consagrado pelo novo diploma mais se aproxima do segundo significado apresentado pelo dicionarista, uma vez que consiste no direito real sobre a unidade imobiliária autônoma erigida sobre a propriedade de outrem.

Em linguagem tipicamente brasileira, fora concedido status oficial ao di-reito sobre o “puxadinho”.

Em verdade, poderia o legislador, em vez de inaugurar disciplina espe-cífica, tratar do instituto no âmbito do próprio direito de superfície, como bem observa Roberto Paulino de Albuquerque Jr.:

O que caracteriza o direito de superfície e distingue o seu tipo dos demais direitos reais é a possibilidade de constituir um direito tendo por objeto construção ou plantação, separadamente do direito de propriedade sobre o solo.

Em sentido mais técnico, há superfície quando se suspende os efeitos da acessão sobre uma construção ou plantação a ser realizada ou já existente. O implante que, por força da acessão, seria incorporado ao solo, passa a ser objeto de um direito real autônomo, o direito real de superfície.

Vê-se que, a partir dessa definição de direito de superfície, sequer seria necessá-rio prever expressamente a possibilidade de sua constituição para a construção no espaço aéreo ou para o destacamento de pavimentos superiores já constru-ídos. Da mesma forma, é desnecessária a menção expressa à possibilidade de superfície constituída sobre construções no subsolo. Se é possível construir no espaço aéreo ou no subsolo e essas construções sofrem, de ordinário, os efeitos da acessão, pode-se tê-las como objeto do direito real de superfície.

Do próprio tipo da superfície deriva a possibilidade de sobrelevação, portanto.

[...]

Se o que se queria era ressaltar a possibilidade do direito de superfície por sobre-levação, bastava para tanto inserir um artigo no Título V do livro do direito das coisas. Para acrescentar à disciplina do direito de superfície a possibilidade de abertura de matrícula separada para a propriedade superficiária e a desnecessida-de de atribuição de fração ideal do terreno, outros dois artigos bastariam.4

Na mesma linha, Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Rodrigo Mazzei:Enfim, o novo direito de laje não merece monopolizar toda a coluna. Sobre ele, por certo, escrever-se-ão futuras colunas no Direito Civil atual nos próximos me-ses. Deve-se, porém, registrar o assombro com a falta de cuidado técnico na elaboração dessa norma, especialmente porque soluções muito mais adequadas poderiam ter sido alcançadas com o já existente direito de superfície.5

4 ALBUQUERQUE JR., Roberto Paulino de. O direito de laje não é um novo direito real, mas um direito de superfície. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-jan-02/direito-laje-nao-direito-real-direito-super-ficie. Acesso em: 4 jan. 2017.

5 RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Um ano longo demais e os seus impactos no direito civil contemporâneo. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-dez-26/retrospectiva-2016-ano-longo-impactos-direito-civil- -contemporaneo>. Acesso em: 4 jan. 2017.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

Pensamos na aplicação da sobrelevação não como instrumento para a criação de obras e construções com muitos fracionamentos, mas com moldagem para permitir o direito à laje, com a regularização de diversas situações hoje já cria-das [...] não podemos esquecer a motivação com que foi trazido o direito de superfície pra o quadro legal pátrio contemporâneo, eis que deve ser visto como instrumento da função social [...].6

A despeito dessas argutas ponderações, o legislador preferiu conferir au-tonomia a esse direito, desgarrando-o da disciplina da superfície.

E, embora a nova regulamentação não resolva a delicada questão social atinente ao crescimento urbano desordenado – que exige não apenas promessas ou leis, mas sérias políticas públicas –, ao menos retirou do “limbo da invisibi-lidade” uma situação social tão comum nas cidades brasileiras.

Imaginemos, a título meramente ilustrativo, o sujeito que constrói um se-gundo andar em sua casa, conferindo-lhe acesso independente, e, em seguida, transfere o direito sobre o mesmo, mediante pagamento, para um terceiro, que passa a morar, com a sua família, nesta unidade autônoma.

Não se tratando, em verdade, de transferência de “propriedade” – que abrangeria, obviamente, o solo –, este terceiro passa a exercer direito apenas sobre a extensão da construção original, ou seja, sobre a laje.

Trata-se, portanto, de um direito real sobre coisa alheia – com amplitude considerável, mas que com a propriedade não se confunde –, limitado à uni-dade imobiliária autônoma erigida sobre a construção original, de propriedade de outrem.

Melhor seria, em nosso sentir, que se utilizasse a expressão “direito sobre a laje”, como empregado no Enunciado nº 18 da I Jornada dos Juízes das Varas de Família da Comarca de Salvador:

Enunciado nº 18 – Nos termos do regime de bens aplicável, admite-se, em nível obrigacional, a comunicabilidade do direito sobre a construção realizada no cur-so do casamento ou da união estável – acessão artificial socialmente conhecida como “direito sobre a laje” –, subordinando-se, todavia, a eficácia real da partilha ao regular registro no Cartório de Imóveis, a cargo das próprias partes, mediante recolhimento das taxas ou emolumentos e tributos devidos.7

6 MAZZEI, Rodrigo. O direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp040916.pdf>. Acesso em: 4 jan. 2017 (este texto é anterior à publicação da MP 759/2016).

7 Disponível em: <http://www5.tjba.jus.br/images/pdf/enunciados_ordem_numerica.pdf>. Acesso em: 4 jan. 2017.

12 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Note-se que, na hipótese do enunciado, não se discute direito real de terceiro sobre a laje, mas, sim, a disciplina própria do direito à meação sobre a extensão construída do imóvel, segundo o regime de bens aplicável.

O instituto de que estamos aqui a tratar, como vimos, tem natureza di-versa (real) e diz respeito à esfera jurídica de terceiro que, com exclusividade, imprime, em perspectiva constitucional, destinação socioeconômica sobre a unidade imobiliária autônoma sobreposta.

1 dIreIto real autôNomo

É digno de nota que os direitos reais, diferentemente dos pessoais ou obrigacionais (a exemplo de um direito de crédito), não podem derivar, direta e exclusivamente, da manifestação volitiva das partes, uma vez que, entre as suas características, destaca-se a legalidade.

Sobre o tema já tivemos a oportunidade de escrever:

Nesse diapasão, com fundamento na doutrina do genial Arruda Alvim, podería-mos enumerar as seguintes características dos direitos reais, para distingui-los dos direitos de natureza pessoal:

a) legalidade ou tipicidade – os direitos reais somente existem se a respectiva figura estiver prevista em lei (art. 1.225 do CC/2002);

b) taxatividade – a enumeração legal dos direitos reais é taxativa (numerus clausus), ou seja, não admite ampliação pela simples vontade das partes;

c) publicidade – primordialmente para os bens imóveis, por se submeterem a um sistema formal de registro, que lhes imprime essa característica;

d) eficácia erga omnes – os direitos reais são oponíveis a todas as pessoas, indis-tintamente. Consoante vimos acima, essa característica não impede, em uma perspectiva mais imediata, o reconhecimento da relação jurídica real entre um homem e uma coisa. Ressalte-se, outrossim, que essa eficácia erga omnes deve ser entendida com ressalva, apenas no aspecto de sua oponibilidade, uma vez que o exercício do direito real – até mesmo o de propriedade, mais abrangente de todos – deverá ser sempre condicionado (relativizado) pela ordem jurídica positiva e pelo interesse social, uma vez que não vivemos mais a era da dita-dura dos direitos;

e) inerência ou aderência – o direito real adere à coisa, acompanhando-a em to-das as suas mutações. Essa característica é nítida nos direitos reais em garantia (penhor, anticrese, hipoteca), uma vez que o credor (pignoratício, anticrético, hipotecário), gozando de um direito real vinculado (aderido) à coisa, prefere outros credores desprovidos dessa prerrogativa;

f) seqüela – como conseqüência da característica anterior, o titular de um direito real poderá perseguir a coisa afetada, para buscá-la onde se encontre, e em

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������13

mãos de quem quer que seja. É aspecto privativo dos direitos reais, não tendo o direito de seqüela o titular de direitos pessoais ou obrigacionais.8

Com efeito, a Medida Provisória nº 759, em respeito à característica da legalidade, alterou o art. 1.225 do Código Civil, que apresenta o rol dos direitos reais, para acrescentar, em seu inciso XIII, o direito sobre a laje.

A sua disciplina, outrossim, está contida logo após as normas da anticrese (arts. 1.506 a 1.510) no art. 1.510-A do Código Civil.

2 tratameNto JurídIco

Na vereda do art. 1.510-A, conclui-se que esse novo direito real é exerci-do sobre a unidade imobiliária autônoma sobrelevada, erigida sobre a constru-ção original, de propriedade de outrem:

Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

Como já ressaltamos, não se trata de uma “propriedade” sobre a laje, eis que, se de propriedade se tratasse, o direito exercido seria “na coisa própria” e abrangeria o próprio solo, o que não se dá na hipótese vertente.

Até porque esse novo direito real somente será admitido “quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos” (§ 1º), não se confundido, ademais, com o condomínio edilício, pois, nesse caso, coexistem propriedades plenas em plano horizontal, com direito à fração ideal do solo e das áreas comuns9.

Consiste, pois, em um direito real limitado à estrutura autônoma constru-ída (laje), desde que a unidade imobiliária sobreposta, qualquer que seja o seu uso, seja dotada de:

a) isolamento funcional;

b) acesso independente.

8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – Obrigações, 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, p. 48-49.

9 “§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.

§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.”

14 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A unidade imobiliária da laje, portanto, deverá, em perspectiva funcio-nal, estar isolada da construção original, configurando célula habitacional dis-tinta, havendo, nesse ponto, uma similitude com o condomínio horizontal.

Além disso, a via de acesso ou ingresso à unidade deverá ser indepen-dente, a exemplo de uma escada exclusiva para o segundo pavimento da cons-trução.

Em nosso sentir, diante da realidade urbanística brasileira, caracterizada pelo crescimento desordenado, o requisito do “acesso independente” deve ser interpretado com equilíbrio e cautela, na medida em que, utilizando o mesmo exemplo figurado anteriormente, uma mesma escada poderá servir, simultanea-mente, para o titular da laje e para o vizinho que habita unidade sobrelevada contígua.

A finalidade da norma, certamente, é no sentido de que esse acesso seja independente em face do proprietário da construção original do imóvel soto-posto (abaixo localizado).

Nesse ponto, dada a sua importância, merece referência a norma legal: “§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, de-vendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades”.

E um aspecto de tremenda importância, neste dispositivo, deve ser sa-lientado: o legislador determinou que fosse aberta, em favor do titular da laje, matrícula própria.

3 matrícula do dIreIto real de laJe

Sem nos afastar do escopo deste artigo, é recomendável passar em breve revista o conceito de matrícula.

A matrícula, em linhas gerais, consiste, no primeiro número de registro do imóvel, a sua “numeração de registro original”.

Cada nova alienação receberá, por sua vez, novo número de registro, mantendo-se a matrícula original.

Finalmente, “a averbação”, lembra Carlos Roberto Gonçalves, “é qual-quer anotação feita à margem de um registro, para indicar as alterações ocor-ridas no imóvel, seja quanto a sua situação física (edificação de uma casa, mudança de nome de rua) seja quanto à situação jurídica do seu proprietário (mudança de solteiro para casado, p. ex.)”10.

10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – Direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2016. p. 309.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������15

A matrícula é regulada nos arts. 224 a 233 da Lei nº 6.015, de 31 de de-zembro de 1973 (Lei de Registros Públicos – LRP).

Vale destacar os seus dois primeiros dispositivos:

Art. 224. Todo imóvel objeto de título apresentado em cartório para registro, deve estar matriculado no Livro nº 2 de Registro Geral, obedecidas as normas estabelecidas no art. 173.

Art. 225. A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência da presente Lei, mediante os elementos constantes do título apresen-tado e do registro anterior no mesmo mencionado, preenchidos os requisitos do art. 227.

Por óbvio, as normas da LRP deverão ser interpretadas em consonância com as novas regras editadas, constantes na Medida Provisória nº 759, conside-rando-se que se trata não de uma mera construção em imóvel preexistente, de titularidade única (que exigiria mera averbação), mas, sim, da constituição de um direito real em favor de terceiro, sobre unidade imobiliária autônoma (laje), funcionalmente independente (que passará a exigir matrícula).

Nesse diapasão, o titular da laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade (§ 4º).

Além disso, dada a autonomia registral que lhe foi conferida, o § 5º da MP admitiu, ainda, a alienação da laje: “As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titu-lares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local”.

Um ponto, aqui, nos despertou atenção.

Temos certa dúvida quanto ao alcance e à constitucionalidade desse dis-positivo, na perspectiva do princípio da função social, no que tange à vedação de extensões ou lajes sucessivas.

Uma vez que o legislador cuidou de conceder dignidade legal ao direito sobre a laje, desde que as limitações administrativas e o Plano Diretor sejam respeitados, sobrelevações sucessivas, regularmente edificadas, mereceriam, talvez, o amparo da norma.

Fica o convite à reflexão.

Por fim, interessantes serão os reflexos do novo regramento no Direito de Família, na medida em que não é incomum o titular da construção original ceder a unidade sobrelevada a um parente, que passa a exercer direito sobre a unidade autônoma.

16 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Dependendo da circunstância, poderá, até mesmo, operar-se a aquisição do direito real de laje por usucapião, observados os requisitos legais da prescri-ção aquisitiva.

E mesmo que a cessão seja gratuita, a título de comodato, se o cessioná-rio passa a se comportar como titular exclusivo da laje, alterando o seu animus e a própria natureza da posse precária até então exercida, poderá, em nosso sentir, consolidar o seu direto sobre a construção sobrelevada (direito real de laje), mediante usucapião, contando-se o prazo de prescrição a partir do mo-mento em que deixa de se comportar como simples comodatário, por aplicação da regra da interversio possessionis.

coNcluSão

O legislador, com este novo diploma, certamente não mudará a dura realidade habitacional brasileira que está a exigir políticas públicas mais abran-gentes e efetivas, a serem desempenhadas a médio e longo prazos.

Ademais, perdeu a oportunidade de tratar da laje em sua ambiência na-tural, dentro da estrutura normativa do direito real de superfície.

A despeito de tudo isso, temos que a disciplina normativa de uma reali-dade brasileiríssima como esta confere, ao menos, dignidade legal a milhares de famílias que, até então, viviam em uma espécie de vácuo normativo habita-cional.

Mas, para além de uma abstrata “dignidade legal”, o que essas famílias anseiam é pela projeção social e “em concreto” do princípio maior da dignida-de da pessoa humana.

E, para tanto, leis não bastam.

Assunto Especial – Doutrina

Direito de Laje

Direito de Laje: uma Análise Civil-Constitucional do Direito de Superfície em Segundo Grau

PATRICIA FONSECA CARLOS MAGNO DE OLIVEIRADefensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Professora da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – FESUDEPERJ.

SUMÁRIO: 1 Plano de trabalho; 2 Dos fundamentos constitucionais do direito de superfície; 2.1 A perspectiva de interpretação civil-constitucional; 2.2 O princípio da função social da propriedade; 2.3 O direito à moradia digna como densificador do princípio da dignidade da pessoa humana; 3 A importância do direito de superfície; 4 Conceitos importantes e definição de direito de superfície; 5 A estrutura plástica do direito superficiário; 6 O conflito de leis no tempo: Estatuto da Cidade e novo Código Civil; 7 O direito de laje; Conclusão; Referências.

1 PlaNo de trabalho

As mudanças sociais, políticas e jurídicas que têm ocorrido em ritmo cada vez mais rápido, no Brasil pós-88, vêm sendo realizadas sob a inspiração dos novos paradigmas estabelecidos na Constituição da República.

Graças ao reconhecimento de que o exercício do direito de propriedade submete-se à função social é que o legislador infraconstitucional preocupou-se em resgatar do exílio a que estava confinado, desde 1864, o direito de superfí-cie. Ele retornou por intermédio do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001) como instrumento jurídico de realização da política urbana, impregnado pela bagagem ideológica daquele diploma, que convida, na esteira da Constituição, à “releitura do papel do Estado”1, qual seja: densifi-car o direito fundamental social à moradia, a partir de uma noção democrática e funcionalizada do direito de propriedade.

Posteriormente, foi reintroduzido no novo Código Civil2, cuja vigência iniciou em janeiro de 2003. Infelizmente, essa última regulamentação lançou

1 Vide LIRA, Ricardo Pereira. Direito à habitação e direito de propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, n. 6 e 7, p. 84, 1999.

2 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

18 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

dúvidas sobre a utilização do direito de superfície como instrumento de políti-ca urbana, sendo certo que a revogação do Estatuto da Cidade tem sido muito ventilada, a despeito do prejuízo social que causaria.

É objetivo do presente trabalho demonstrar que o direito de laje é prática social corrente no seio da população de baixa renda e que se trata de expe-riência informal absorvida seja pelo Estatuto da Cidade seja pelo NCCB, por intermédio do retorno do instituto em comento ao ordenamento jurídico pátrio. Trata-se de categoria jurídica relevante, a ser utilizada tanto na racionaliza-ção do solo urbano como no âmbito das relações sob o pálio do Código Civil, dado o interesse econômico que alberga. Assim, o plano de trabalho consiste na análise dos fundamentos jurídicos do direito de laje, que existe no âmbito das relações privadas, como no das relações urbanísticas.

2 doS fuNdameNtoS coNStItucIoNaIS do dIreIto de SuPerfícIe

Impossível compreender contemporaneamente a categoria do direito de superfície, fora do paradigma do Estado Democrático de Direito que veio a lume com a Constituição de 1988, vez que sob a perspectiva e a influência dos valores democráticos é que o conceito de propriedade, dentro do qual se insere o estudo, sofreu alterações3. Neste contexto, “não há mais lugar para um direito de propriedade absoluto e sagrado, tampouco individualista e de gozo irrestrito”4.

2.1 A perspectivA de interpretAção civil-constitucionAl

A abordagem do direito de superfície inicia-se pela análise do princípio jurídico-constitucional vetor de sua disciplina, qual seja: o princípio da função social da propriedade, já que a perspectiva de interpretação civil-constitucional é a premissa metodológica diretriz deste trabalho.

3 Não só a propriedade sofreu alterações, como todas as categorias do chamado direito privado. Tepedino (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Apresentação. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), ao apresentar sua obra, destaca o marco axiológico que foi a CRFB/1988, aduzindo que “com a Constituição de 1988, síntese do pluralismo social e cultural que define a sociedade brasileira contemporânea, consagra-se uma nova tábua axiológica, alterando o fundamento de validade de institutos tradicionais do direito civil. A dignidade da pessoa humana, a cidadania e a igualdade substancial tornam-se fundamentos da República, ao mesmo tempo em que os valores inerentes à pessoa humana e um expressivo conjunto de direitos sociais são elevados ao vértice do ordenamento. A partir de então, todas as relações de direito civil, antes circunscritas à esfera privada, hão de ser revisitadas, funcionalizadas aos valores definidos pelo texto maior. Configura-se uma nova ordem pública, a convocar os juristas para um processo interpretativo que, longe de minimizar o espaço tradicionalmente reservado ao direito civil, determina, ao revés, a sua expansão e revigoramento, oferecendo novas funçõ es e horizontes a institutos antes confinados ao alvedrio individual e a um mero controle formal de validade”.

4 MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana à luz do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003. p. 35-41.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������19

A releitura do direito civil à luz da Constituição atualiza institutos defa-sados da realidade contemporânea, repotencializando-os, de molde a torná-los compatíveis com as demandas sociais e econômicas da sociedade atual5. A dialética fato-norma tem dinâmica própria que reconstrói, incessantemente, o Direito, de modo que tanto o dado normativo quanto o dado fático são elemen-tos indispensáveis ao processo interpretativo, não havendo o predomínio de um em detrimento do outro, sob pena de ser perdido o contato com a chamada norma viva6.

A interpretação civil-constitucional parte sempre da Constituição, aqui entendida como norma superior do ordenamento jurídico ou norma fundamen-tal7. Essa atividade interpretativa, contudo, não é isenta de dificuldades. Gustavo Tepedino8 enumera quatro preconceitos a serem debelados pelo intérprete.

Em primeiro lugar, diz ser preciso compreender que a Constituição não é uma carta de intenções. Todas as suas normas (sejam regras e princípios) são cogentes, de molde que todas as categorias reguladas pela lei infraconstitucio-nal são redimensionadas pela normativa fundamental.

Há de ser sublinhada a aplicabilidade direta dos princípios constitucio-nais, porque eles não foram feitos para serem apenas contemplados. Deman-dam aplicação e concretização na realidade social, determinando objetiva-mente quais diretrizes e fundamentos guiam o processo de concretização do ordenamento jurídico posto.

Os princípios não necessitam de regulamentação infraconstitucional para se fazerem valer no ordenamento jurídico. No dizer de Vladimir da Rocha

5 TEPEDINO, Gustavo Mendes. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 21.

6 TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 285.

7 Hans Kelsen (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 215) vincula a questão da unidade do ordenamento jurídico à pesquisa sobre o fundamento de validade das normas, para concluir que “o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior”.

Há que se observar que a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode perder-se no interminável. Por isso, Kelsen alerta que tal busca da norma tem de terminar numa norma que se pressuponha como a última e a mais elevada. “Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada”, que o autor alemão designou por “norma fundamental (Grundnorm)”.

A norma fundamental é a fonte (ou “fundamento”) comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, sendo certo que é ela “que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”. É nesse sentido que Kelsen não aceita que uma norma possa ser verdadeira ou falsa, mas sim válida ou inválida. Se as normas de uma ordem jurídica positiva decorrem de uma norma fundamental pressuposta como válida, também são válidas.

8 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 17-19.

20 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

França9, “constituem os pontos de direção, sistematização e controle do proces-so de concretização do texto constitucional”, que viabilizam a determinação objetiva de conceitos, fundamentos e diretrizes na análise casuística realizada pelo operador jurídico.

Também não há que confundir os princípios constitucionais com os prin-cípios gerais do direito. Estes incidem quando há lacuna a ser integrada. Aqueles inspiram e guiam sempre a atividade de interpretação e aplicação do Direito.

Sobre esse ponto, Ricardo Pereira Lira10 esclarece que os “princípios fun-damentais estão acima dos próprios princípios gerais de direito de que cuida a Lei de Instrução ao Código Civil, como processos de integração e suprimento das lacunas do ordenamento”.

O terceiro preconceito que merece superação diz respeito à técnica in-terpretativa, que sofreu mudanças após a consagração da nova tábua axiológica na Constituição de 1988. Somam-se os diplomas legais elaborados mediante a técnica das cláusulas gerais11, inconfundíveis com meras cláusulas de intenção, porque rompem as amarras casuísticas enclausurantes de inúmeras categorias do direito, além de permitir sua atualização constante pelas demandas sociais.

O último preconceito a ser abandonado na releitura do direito civil à luz da Constituição relaciona-se à summa divisio do direito entre o público e o privado. A interpenetração das esferas caracteriza a sociedade contemporânea, trazendo enorme significado hermenêutico, vez que já não mais se opera com diferença qualitativa entre tais categorias, mas, sim, meramente quantitativa, conforme o critério da prevalência.

9 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 18 nov. 2003.

10 LIRA, Ricardo Pereira. A aplicação do direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, p. 95, 1997.

11 Sobre cláusulas gerais, Perlingieri (PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, v. 6 e 7, p. 69, 1999) ensina que “todas as cláusulas gerais contidas na legislação ordinária (diligência, boa-fé, e tantas outras) não serão aplicadas se não tiverem valores conformes aos valores fundamentais insertos na Carta Magna. Desta forma, a diligência das relações de trabalho não terá apenas um sentido produtivo, como também um sentido de solidariedade civil. As normas constitucionais tratam de todos os efeitos, da maneira interna de se interpretar a Constituição. As normas constitucionais se aplicam por si mesmas, mesmo que faltem normas ad hoc ordinárias. Que se apliquem, portanto, as normas ordinárias, mas de acordo com os valores constitucionais, caso elas existam; em não existindo, que não haja falsos pudores na aplicação das normas constitucionais aos fatos concretos. Há, portanto, uma necessidade em se aplicar a uniformidade em prol da legislação constitucional, utilizando todas as potencialidades ínsitas ao ordenamento jurídico, no respeito substancial ao mesmo. Isto não é Jusnaturalismo, porque tais valores de tutela da pessoa e os valores fundamentais a ela inerentes não se entendem de per si, não são apenas uma relação abstrata, mas a norma constitucional contém determinações escritas que os prevêem. Assim, isto não é Jusnaturalismo. O assunto valorativo não fica ao léu: antes disto, diz respeito às normas constitucionais e, como já foi dito aqui, normas constitucionais são, antes de tudo, normas” (grifos no original).

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������21

Em estudo sobre os atuais confins do direito privado, no qual aprofun-da as razões da “socialização do Direito Privado, que tem sido atraído para o Direito Público”, Michele Giorgianni12 registra que foi inserida, “na disciplina da atividade privada, a consideração do interesse coletivo. Mas a evolução – já não mais recente – que se operou no significado da summa divisio do direito afasta certamente a consideração que o interesse coletivo constitua uma nota exclusiva do Direito Público”.

Apesar de sustentar a importância da dicotomia público-privado, que é composta por “categorias fundamentais e tradicionais”, Norberto Bobbio13 re-conhece a interpenetração das esferas e a mudança de significado operada.

Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do pú-blico, não são, de fato, incompatíveis e realmente compenetram-se um no ou-tro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa a revanche dos inte-resses privados por meio da formação dos grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decompor-se e recompor-se, esses conflitos, através do instru-mento jurídico de um acordo continuamente renovado, representação moderna da tradicional figura do contrato social14.

Ao enfrentar o tema, Maria Celina Bodin de Moraes Tepedino sublinha que não se trata de mera invasão da esfera pública sobre a privada. O fenômeno não é simplesmente uma “publicização do direito privado”15, mas, sim, “estru-tural transformação do conteúdo do direito civil”, que impõe a aplicação direta das normas constitucionais às relações de caráter privatístico.

Se a Constituição permite a construção de unidade do sistema escalona-damente estruturado, por meio dos valores albergados em princípios superiores e cogentes, que permeiam todo o tecido normativo, “a rígida contraposição direito público-direito privado é inaceitável”16. Assim, aumentam os pontos de confluência entre o público e o privado, em relação aos quais não há uma de-limitação precisa, fundindo-se, ao contrário, o interesse público e o interesse

12 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, Separata, a. 87, v. 747, p. 50-51, jan. 1998.

13 BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado. Estado, governo, sociedade – Para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 31.

14 Idem, p. 27.15 No mesmo sentido: GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais,

Separata, a. 87, v. 747, p. 35-55, jan. 1998.16 TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito

Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, a. 17, n. 65, p. 24, jul./set. 1993.

22 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

privado. Tal convergência se faz notar em todos os campos do ordenamento, como, por exemplo, “na atribuição de função social à propriedade”.

2.2 o princípio dA função sociAl dA propriedAde

Os ditames constitucionais só tutelam a propriedade enquanto “desti-nada a efetivar os valores existenciais, realizadores da justiça social”17, e não mais como bem em si. Todo o conteúdo do direito subjetivo de propriedade encontra-se redesenhado18.

Desde os primórdios da humanidade, a propriedade tem sido foco de constantes tensões sociais e econômicas, instabilizadora de relações jurídicas e provocadora de acirrados conflitos com repercussão em todas as esferas so-ciais19. Ocorre que tem sido possível construir uma noção de propriedade fun-cionalizada, que atenda não somente ao interesse de seu detentor, mas cujo exercício se dê também em benefício da coletividade. A projeção histórica da propriedade deu-se, portanto, no sentido de uma propriedade-direito para uma propriedade- função20.

A noção de propriedade impregnada de função social está enunciada como fundamento de nossa ordem econômica21, assim como, ineditamente,

17 Idem, p. 28.18 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: TEPEDINO,

Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 20: “A propriedade com a sua função social, as limitações do solo urbano e as restrições ao domínio dão um novo conteúdo à senhoria, limitando internamente o conteúdo do direito de propriedade. Não se trata, à evidência, de deslocamento para o direito público de certos tipos de propriedade, como se ao direito civil coubesse a disciplina de uma propriedade sem limites, no espaço que lhe restou, onde fosse possível expandir o mesmo individualismo pré-constitucional, podendo, então, finalmente, o titular, exercer a senhoria livremente, sem intervenção estatal”.

19 Bobbio (BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado. Estado, governo, sociedade – Para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 23) pontua com maestria a resistência que a propriedade opõe, no curso da história, à ingerência do poder soberano, ao analisar a grande dicotomia público-privado, sob o aspecto axiológico, exemplificando-a dentro da concepção de primazia do privado sobre o público (que foi identificada ao lado do tipo de concepção do primado do público sobre o privado), aduzindo que: “Um dos eventos que melhor do que qualquer outro revela a persistência do primado do direito privado sobre o direito público é a resistência que o direito de propriedade opõe à ingerência do poder soberano, e portanto ao direito por parte do soberano de expropriar (por motivos de utilidade pública) os bens do súdito. Mesmo um teórico do absolutismo como Bodin considera injusto o príncipe que viola sem motivo justo e razoável a propriedade de seus súditos, e julga tal ato uma violação das leis naturais a que o príncipe está submetido ao lado de todos os outros homens [1576, I, 8]. Hobbes, que atribui ao soberano um poder não controlado sobre a esfera privada dos súditos, reconhece entretanto que os súditos são livres para fazer tudo aquilo que o soberano não proibiu, e o primeiro exemplo que lhe vem à mente é ‘a liberdade de comprar, de vender e de fazer outros contratos um com o outro’ [1651, cap. XXI]. Com Locke a propriedade converte-se num verdadeiro direito natural, pois nasce de esforço pessoal no estado de natureza antes da constituição do poder político, e como tal deve ter o seu livre exercício garantido pela lei do Estado (que é a lei do povo)”.

20 MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003. p. 37.

21 “Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira. Capítulo I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] II – propriedade privada; III – função social da propriedade.”

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������23

passou a integrar também o rol dos direitos fundamentais22, de modo que o prin-cípio da função social da propriedade deve instrumentalizar todo o tecido cons-titucional, criando um “parâmetro interpretativo do ordenamento jurídico”23. Trata-se da “razão de ser do direito”24, que apenas é garantido se estiver vincu-lado ao exercício de sua função social.

Registra Pietro Perlingieri que, em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa, tal qual o brasileiro, o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpre-tações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos limites à função social. Esta deve ser entendida não como uma intervenção “em ódio” à propriedade privada, mas torna-se “a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a um determinado sujeito”, um critério de ação para o legislador e um critério de individuação da normativa a ser aplicada pelo intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do titular.

Na sistemática adotada na Constituição de 1988, a função social da pro-priedade é princípio normativo de conteúdo certo e determinado25, parte inte-grante e inseparável da estrutura do direito de propriedade26.

22 “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Art. 5º [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.”

23 GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 414.

24 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 226.

25 Considerando que há vários estatutos proprietários consagrados na Lei Maior, relativos às diversas situações proprietárias, há que se falar em função social da propriedade urbana, função social da propriedade rural, função social da empresa, dentre outros. “A função social modificar-se-á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais e com a concreta regulamentação dos interesses em jogo”, pontua Tepedino (TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 280). Quanto à função social da propriedade urbana, seu conceito é hermético. O art. 186 da Constituição informa que ela é cumprida, desde que simultaneamente observados os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado da terra; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. No que tange à função social da propriedade urbana, a função social é conceito aberto. Liana (MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana à luz do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003. p. 46) ensina que sua “matriz encontra-se na Constituição Federal de 1988 e que seu conteúdo mínimo é dado pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001) e complementado pelo Plano Diretor de cada município, quando houver”. Neste trabalho, nos interessará tratar da função social da propriedade de modo lato, vez que se trata de análise comparada do instituto do direito de superfície dentro do estatuto proprietário urbano – preconizado pelo Estatuto da Cidade – e dentro do estatuto proprietário geral veiculado pelo Código Civil, que englobará outras tantas situações proprietárias.

26 GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 398. No mesmo sentido, FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 18 nov. 2003: “O

24 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A função social da propriedade passa a integrar o conceito jurídico-posi-tivo de propriedade27, de modo a determinar profundas alterações estruturais na sua interioridade. Não pode ser confundida com mera limitação administrativa, já que não é condição para o exercício de direito, tratando-se do próprio dever de exercitar o direito de propriedade. Tem que ver com seu conteúdo, sendo intrínseca à propriedade privada28.

Há – ainda – que se analisar o espectro de incidência do princípio da fun-ção social da propriedade. Na doutrina, não há harmonia sobre esse aspecto.

Eros Roberto Grau29 distingue uma propriedade dotada de função indi-vidual, que seria a dos bens de consumo, e entende que o princípio da função social da propriedade incidiria apenas sobre os bens de produção.

Contudo, melhor entendimento é o de Pietro Perlingieri30, também espo-sado por André Osório Gondinho31 e por Vladimir da Rocha França32. Pregam que a função social da propriedade não está adstrita aos bens de produção, vez que contamina os estatutos jurídicos de todas as situações proprietárias.

Gondinho, ao criticar a posição adotada por Eros Grau, é muito feliz ao conectar a função social da propriedade como “reação do ordenamento contra os desperdícios de potencialidade da coisa, para satisfazer as necessidades hu-manas, sejam materiais sejam pessoais”33. Salienta:

Em que pese a autoridade dos ilustres doutrinadores, não podemos concordar com a restrição imposta à incidência do princípio da função social da proprie-dade nos bens de consumo. O fato de um bem ser utilizado para a subsistência individual não lhe exclui do campo de incidência do princípio da função social. Isso porque a função social da propriedade não se justifica apenas pela destina-ção econômica de determinado bem. Assim, se determinado bem, dada a sua natureza, se destina apenas a utilização individual ou familiar, mas é efetivamen-

princípio fundamental da função social da propriedade constitui, no nosso entender, o alicerce constitucional do regime jurídico-constitucional da propriedade, estando todos os demais princípios e regras constitucionais a ele submetidos, inclusive o princípio da propriedade privada estabelecido no art. 170, II, da Lei Maior”.

27 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 207-216.28 Idem, ibidem; FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi,

Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 18 nov. 2003.

29 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 207-216.30 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De

Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 230: “A afirmação pela qual ‘somente os bens produtivos têm uma função social’ é desmentida pela letra da disposição constitucional que ‘não prevê exceções à regra da função social da propriedade privada’”.

31 GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 397-433.

32 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 18 nov. 2003.

33 GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 429.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������25

te assim utilizado, este bem não representa um desperdício de potencialidade para a sociedade. Desta forma, esse bem cumpre a sua função social pois torna a sociedade mais rica, apesar de, quantitativamente, a sua contribuição para a riqueza nacional ser pequena ou mesmo insignificante. (grifos no original)

Nesse diapasão, será socialmente funcional a propriedade que, respei-tando a dignidade da pessoa humana, contribuir para o desenvolvimento na-cional e para a diminuição da pobreza e da desigualdade social, sendo instru-mento de realização dos valores existenciais, em superação do individualismo tão marcante em nosso ordenamento anterior. Os direitos patrimoniais devem se adequar à nova realidade, pois a pessoa prevalece sobre qualquer valor34.

A dignidade da pessoa humana é “norma-princípio chave do ordena-mento jurídico brasileiro”35 que orienta e dá fundamento a todas as suas demais normas. Nos termos da lição de Liana Portilho Mattos, o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como o fundamento do princípio da função social da propriedade em razão de sua profunda vinculação com o direito hu-mano de moradia e outros direitos fundamentais.

2.3 o direito à morAdiA dignA como densificAdor do princípio dA dignidAde dA pessoA humAnA

O direito social fundamental à moradia digna foi expressamente con-sagrado pelo texto constitucional por intermédio da Emenda Constitucional nº 26/200036.

Antes da alteração provocada pelo poder constituinte derivado, a doutri-na já proclamava que o direito à moradia digna era direito fundamental indivi-dual. Nesse sentido é a lição de Ricardo Pereira Lira, em estudo sobre o direito à habitação e o direito de propriedade apresentado em Macerata, na Itália, em 1991:

O direito de habitação, o direito à moradia, o direito ao mínimo de abrigo, o “shelter” (como dizem os anglo-saxônicos) é um direito individual assegurado na Constituição da nossa República, por isso que é instrumento indispensável à formação elementar da consciência de cidadania, instrumento indescartável na realização dos fundamentos da República, pois só com essa salvaguarda mínima se pode preservar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Consti-tuição da República de 1988), se pode erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais (art. 3º, inciso III, da Constituição da República).

34 Idem, p. 430.35 MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana à luz do Estatuto da Cidade.

Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003. p. 47.36 Após a EC 26/00, a redação do art. 6º ficou: “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. [...] Art. 6º

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

26 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Se todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, da Constituição, se a casa é asilo inviolável do indivíduo (art. 5º, inciso XI, da Constituição), é evidente que todos têm direito a esse asilo e a essa inviolabilidade.37

A EC 26/2000 apenas consagrou o que a doutrina já proclamava, mas provocou profundas mudanças na relação entre o Poder Público e os adminis-trados. Historicamente, a moradia no Brasil era encarada como problema social a ser solucionado por meio de programas estatais de financiamento e constru-ção38. Com a emenda constitucional, um novo paradigma foi fixado. A moradia é direito humano, cuja aplicabilidade e eficácia pressupõe a ação positiva do Estado.

A obrigação de fazer estatal abraça dois aspectos distintos. Um de caráter imediato de “impedir a regressividade do direito à moradia”39, isto é, medidas e ações que dificultem ou impossibilitem seu exercício, tais como “um sistema e uma política habitacional que acarrete a exclusão e medidas discriminatórias de impedimento de acesso ao direito à moradia para uma grande parcela da população”40.

O outro aspecto diz respeito à reformulação da intervenção estatal nas atividades privadas, a fim de reformular a política habitacional. Nelson Saule Júnior e Maria Elena Rodriguez41 enumeram ações indispensáveis para a efetivi-dade do direito humano à moradia, tais como: aprimoramento da regulamenta-ção do uso e acesso à propriedade imobiliária urbana e rural, regulamentação do mercado de terra, previsão de sistemas de financiamento habitacional de interesse social, promoção de programas de urbanização e regularização fundi-ária nos assentamentos informais, de modo a proporcionar a integração social e territorial das comunidades carentes que vivem nestes assentamentos.

Para Pietro Perlingieri, o direito à moradia tem duas acepções diferentes. Uma conotação quando se tem em foco as relações econômicas e outra ao ser evidenciado o aspecto da tutela da pessoa:

O direito à moradia é da pessoa e da família; isso tem conseqüências notáveis no plano das relações mesmo civilísticas, por exemplo em tema de locação, de equo canone, e, nas de construção civil, de subingresso ao sócio defunto. O direito à moradia como direito ao acesso à propriedade da moradia é um dos instrumen-tos, mas não o único, para realizar o gozo e a utilização da casa. Como direito existencial pode-se satisfazer também prescindindo da propriedade da moradia;

37 LIRA, Ricardo Pereira. Direito à habitação e direito de propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p. 81.

38 SAULE JÚNIOR, Nelson; RODRIGUEZ, Maria Elena. O direito à moradia. Disponível em: <http://www.gajop.org.br/portugueses/mora>. Acesso em: 4 maio 2004.

39 Idem.40 Idem.41 Idem.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������27

por isso incide, em maneira decisiva, sobre as relações de uso, de moradia e de aluguel.42

No sentido de densificar o direito social à moradia, sob seu aspecto de ins-trumento de tutela da personalidade, veio a lume a Lei Federal nº 10.257/2001, autonominada Estatuto da Cidade, que trouxe, entre os instrumentos de política urbana43, o direito de superfície. Naquele diploma, o objeto direto deste estudo, ganha contornos inegavelmente urbanísticos, destinado a contribuir para o ple-no desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana44.

Pouco depois, foi promulgada a Lei Federal nº 10.406/2002, o novo Có-digo Civil brasileiro, que repristinou o direito de superfície, tratando-o dentro do Direito das Coisas45. Nesse diploma, a finalidade do instituto, que “constitui uma maior possibilidade de aproveitamento do solo”46, está contaminada por interesse predominantemente privado, sem – por óbvio – perder-se do funda-mento constitucional da propriedade.

3 a ImPortâNcIa do dIreIto de SuPerfícIe

É de acentuada importância o papel do direito de superfície como regu-lador das relações que se estabelecem entre os diferentes agentes que aportam os diferentes insumos da habitação e entre particulares como forma de dividir os custos de uma construção.

Trata-se de instrumento utilizado como poderoso aliado aos esforços para efetivar o cumprimento da função social da propriedade, na lição de Letícia Marques Osório47. Da ótica dos que atuam no mercado imobiliário, o proprie-tário manterá a reserva do aumento do valor do solo para si após a transferência do direito de superfície para terceiro. Do ponto de vista do Poder Público, é possível, por meio de regras disciplinadoras do uso e da ocupação do territó-rio das cidades, definir as áreas consideradas subutilizadas ou não utilizadas, que deverão atender às exigências do desenvolvimento urbano, sob pena de ficarem sujeitas à aplicação de sanções para que a propriedade urbana cumpra uma função social. Caso se defina que a função social do imóvel seja a própria edificação, os respectivos proprietários privados poderão alienar o direito de

42 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 198.

43 Vide art. 4º, inciso V, alínea l.44 Vide art. 2º, caput.45 NCCB, arts. 1.369 usque 1.377.46 TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de superfície. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/

publicações/diversos/malcino.html>. Acesso em: 3 jun. 2003.47 OSORIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e

reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 174-175.

28 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

superfície de seus terrenos para que outra pessoa ou empresa construa, con-tribuindo, inclusive, para a diminuição dos custos da produção das unidades habitacionais ou comerciais.

Portanto, é grande o desafio dos estudiosos do Direito, eternos concilia-dores de forças antagônicas, que devem primar por construir um sistema viabi-lizador da efetividade do princípio da função social da propriedade, princípio densificador de direitos humanos elementares, entre os quais destaca-se o direi-to social à moradia, que é um dos fundamentos constitucionais inspiradores da reintrodução do direito de superfície no Direito brasileiro.

4 coNceItoS ImPortaNteS e defINIção de dIreIto de SuPerfícIe

À guisa de instrumentalizar o estudo do direito de superfície, mister se faz estabelecer o sentido e alcance das seguintes categorias: solo, superfície e acessão.

Solo e superfície são noções juridicamente relevantes, uma vez que so-frem a incidência da ação humana. Assim, fixe-se o alcance de seu conteúdo.

Solo abrange a coluna aérea sobrejacente, a coluna subjacente e o plano que as separa.

Sem ser confundida com o direito de superfície, nem tomada por aces-sório do solo48 (porque dele é parte integrante), superficies é o plano que ide-almente separa as colunas que, relativamente a ele, se colocam em posição superior e inferior ao longo de toda a sua extensão e largura49.

A noção de direito de superfície é construída conexamente à de acessão, uma vez que “o direito de superfície é substancialmente uma suspensão ou in-terrupção da eficácia do princípio da acessão”50.

Da importância que se atribuía ao solo surgiu a doutrina romana da aces-são enunciada no princípio superficies solo cedit, segundo o qual acede ao solo tudo o que sobre ele ou sob ele se construa, ou, em princípio, se plante.

Seja a natureza jurídica da acessão, modo de aquisição da propriedade ou fenômeno de expansão do direito de propriedade à coisa acedida, Ricardo Pereira Lira51 define-a como “união física entre duas coisas, formando, de ma-neira indissolúvel, um conjunto, em que uma das partes, embora possa ser re-

48 NCCB, arts. 79 e 1.229.49 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito

urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 12.50 Idem, p. 9.51 Idem, p. 3.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������29

conhecível, não guarda autonomia, sendo subordinada, dependente do todo, seguindo-lhe o destino jurídico”.

A ideia da acessão sempre foi tão enraizada como a ideia do direito de propriedade52, de modo que compreender o alcance do princípio superficies solo cedit é a chave para dissecar o direito de superfície.

Entende-se o direito de superfície segundo como “o direito real autôno-mo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade – separada do solo – dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente”.

Essa definição tem em mira sublinhar o aspecto dinâmico da relação su-perficiária, assim como evidenciar as características mais fortes do instituto, sem se preocupar com os sistemas jurídicos que o consagram, em face da variação decorrente de cada um, como é natural.

Nesse conceito são evidenciadas as características mais importantes do direito de superfície, quais sejam: sua autonomia diante dos outros direitos reais limitados, a concessão para construir ou plantar em solo alheio como causa da propriedade separada superficiária e a propriedade separada superficiária gera-da por cisão, derivada de negócio jurídico.

5 a eStrutura PláStIca do dIreIto SuPerfIcIárIo

A estrutura da relação superficiária é plástica, porque pode sofrer muta-ções. A propriedade pode partir de uma relação simples, evoluindo para uma relação complexa. Ou pode já nascer complexa, no caso de propriedade sepa-rada superficiária gerada por cisão.

Lançando luzes sobre a plasticidade do direito de superfície, Ricardo Pereira Lira53 aponta que existem três momentos possíveis na relação superficiá-ria, quais sejam:

(a) o direito real de construir ou plantar em solo alheio, nascido de concessão ad aedificandum ou ad plantandum;

(b) a propriedade separada superficiária, efeito da concreção do direito real de construir ou plantar em solo alheio;

(c) a propriedade separada superficiária, gerada por cisão, quando é efeito da alienação que o dominus soli separadamente faz:

52 TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de superfície. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicações/diversos/malcino.html>. Acesso em: 3 jun. 2003.

53 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 56-61.

30 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

(c.1) a outrem de construção já existente, reservando-se o solo;

(c.2) a outrem do solo, reservando-se a construção;

(c.3) a duas pessoas, transferindo a uma o solo, a outra a construção já existente.

Portanto, o direito de superfície pode nascer simples e continuar sim-ples até sua extinção, quando o único direito que se visualiza é o direito real de construir ou plantar em solo alheio, decorrente de concessão para plantar ou edificar que permaneceu latente, sem realizar-se na coisa superficiária. A hipótese de não exercício do direito real de construir ou plantar em solo alheio é admissível sob o ponto de vista didático, mas de efetividade questionável, à luz do princípio constitucional da função social da propriedade, cujo conteúdo veda o desperdício da potencialidade da coisa54.

Pode, também, nascer simples, tornando-se relação jurídica complexa, na hipótese de concreção do direito real de construir ou plantar em solo alheio em coisa superficiária. Isto é, o exercício da concessão (direito real) gera o aparecimento da propriedade separada superficiária, dentro da propriedade do solo.

A concessão para construir ou plantar em solo alheio é direito real sobre coisa alheia, de aquisição derivada, que contém um “poder de transformação”55. O exercício desse poder cria um direito de propriedade, qual seja: a proprieda-de separada superficiária, que estará embutida em outro direito de propriedade (a propriedade sobre o solo).

Quando a propriedade separada superficiária, que tem a natureza jurídi-ca de propriedade imobiliária, for adquirida pelo exercício do direito de cons-truir ou plantar, a hipótese é de aquisição originária56.

É, ainda, possível que o direito de superfície nasça complexo e perma-neça complexo, na hipótese de propriedade superficiária separada gerada por cisão. Nesse caso, aquisição da propriedade separada superficiária também é derivada, tendo como causa o negócio jurídico em que o proprietário do solo deu em superfície plantação ou edificação já existente.

54 GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 397-433.

55 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 60.

56 Enfrentando a questão obscura sobre o destino da propriedade separada superficiária na hipótese de ter tido como causa concessão para construir ou plantar conferida a non domino, Lira posiciona-se no sentido de que a propriedade separada superficiária, a despeito de ser modalidade de aquisição originária, neste caso, fica contaminada pelo vício proveniente do direito real de construir ou plantar em solo alheio (este adquirido derivadamente). (LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 61).

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������31

6 o coNflIto de leIS No temPo: eStatuto da cIdade e Novo códIgo cIvIl

No Brasil, o direito de superfície ressurge tanto no âmbito do direito civil quanto no do direito urbanístico, deixando de ser considerado como simples figura do Direito romano. Entre seus principais objetivos, ensina Letícia Mar-ques Osório: “Está o de democratizar o acesso à terra urbana e o de dinamizar o mercado imobiliário, permitindo a separação do direito de construir do direito de propriedade, barateando o processo de construção civil e fomentando a pro-dução habitacional”57.

O conflito temporal se dá, especificamente, entre os arts. 21 a 24 da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e os arts. 1.369 a 1.377 da Lei Fede-ral nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, uma vez que ambos os diplomas legais regularam, de forma completa, o instituto do direito de superfície.

Na Lei de Introdução ao Código Civil, a regra defluente do art. 2º, § 1º58, prega a revogação da lei anterior quando lei posterior regular integralmente a mesma matéria de que tratava a lei anterior.

Daí a razão de alguns autores sustentarem a revogação da disciplina do direito de superfície no Estatuto da Cidade pelo novo Código Civil.

Carlos Kennedy da Costa Leite, comentando a situação antes de o NCCB entrar em vigor, tece severas críticas contra a regulamentação no Estatuto da Cidade. Assevera que,

sendo o direito de superfície um instituto de feição eminentemente civil, só de-veria ele ser instituído por legislação de natureza civil, como o fez o Código Civil prestes a entrar em vigor. É um atentado ao senso jurídico de qualquer pessoa que tenha um mínimo envolvimento com o direito, vislumbrar o “Estatuto da Cidade”, lei de cunho estritamente administrativo, instituindo e disciplinando – porque o texto legal realmente institui e disciplina – o direito real de superfície.59

Em sentido diverso alinham-se os que entendem que o Estatuto da Cidade não é uma legislação de cunho estritamente administrativo. Trata-se de “lei que incorporou o direito constitucional à moradia”60, porque, ao regulamentar os

57 OSORIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 176.

58 “Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

59 LEITE, Carlos Kennedy da Costa. Direito real de superfície: a ressurreição. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3616>. Acesso em: 3 jul. 2003.

60 WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: a construção da sustentabilidade... Revista Jurídica, n. 45, v. 4, fev. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45>. Acesso em: 13 dez. 2003. Para ela, “a habitação é o refúgio do homem, e é, também, seu espaço de integração com a família, com a

32 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

arts. 182 e 183 da CRFB, densificou o princípio da função social da proprieda-de, não merecendo ter seu espectro de abrangência tão limitado.

O Estatuto da Cidade, “instrumento de excelência”, assinala Simone Wolff61, tem a inédita proposta de “agregar valores impregnados de justiça, de-mocracia e solidariedade”, inserindo-se em um contexto de barreira à imobili-dade e à inércia, representando um marco fundamental de conscientização e mudanças de comportamento a médio e a longo prazos à disposição de todo cidadão brasileiro. Aliando a busca permanente do desenvolvimento urbano em bases sustentáveis ao esforço contínuo de instauração da justiça social e ambiental nas cidades, o Estatuto opõe-se à destruição do ambiente e ao avil-tamento do homem, o que representa um imenso desafio para o País e suas instituições.

No mesmo diapasão é a lição de Ricardo Pereira Lira62, para quem a entrada em vigor do novo Código Civil em janeiro de 2003 não revogou as disposições relativas ao direito de superfície editadas com o Estatuto da Cidade. Apesar de ser o mesmo instituto, ele tem vocações diversas em cada um dos diplomas legais. O Estatuto da Cidade

está voltado para as necessidades do desenvolvimento urbano, editado como ca-tegoria necessária à organização regular e equânime dos assentamentos urbanos, como fator de institucionalização eventual da função social da cidade. No novo Código Civil, o direito de superfície será um instrumento destinado a atender interesses e necessidades privados.

Ricardo Pereira Lira63 exemplifica a coexistência de ambas as regulamen-tações:

Se uma municipalidade, por exemplo, desqualifica o espaço público correspon-dente a uma praça, convolando-o em bem patrimonial, e concede a terceiro, a título de superfície, o subsolo, para instituição de um estacionamento, conceden-do o solo a outrem, também a título de superfície, para construção e exploração de um estádio poliesportivo, estará utilizando o direito de superfície urbanístico, previsto no Estatuto da Cidade.

vizinhança, com a cidade e com o país; é onde o indivíduo encontra possibilidades concretas para o exercício de liberdades e direitos fundamentais”.

61 Idem. Para ela, “a habitação é o refúgio do homem, e é, também, seu espaço de integração com a família, com a vizinhança, com a cidade e com o país; é onde o indivíduo encontra possibilidades concretas para o exercício de liberdades e direitos fundamentais. [...] São as necessidades humanas básicas de habitação, alimentação, trabalho, transporte, educação, saúde, lazer que determinam a estrutura das cidades e não, contrariamente o que se pensa, os seus modelos urbanísticos. Esses vêm a reboque, e para se adaptarem ao já instituído e adequarem ao antigo modelo suas propostas inovadoras de planejamento e ordenação, devem ser coerentes e ajustáveis às diferentes realidades”.

62 LIRA, Ricardo Pereira. O direito de superfície e o novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364. p. 263-264.

63 Idem, p. 264.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������33

Se um particular, dono de um imóvel residencial, pretende estabelecer no lote contíguo, de propriedade de outrem, um campo de futebol, nele construindo uma pequena sede desportiva, com vestiário, sauna, etc..., para tanto contratan-do com seu vizinho o direito de construir, a título de superfície, sobre o lote dele, estará constituindo um direito de superfície que será regulado pelo novo Código Civil, pois o negócio jurídico em tela estará penetrado inteiramente pelo interesse particular, sem qualquer viés urbanístico.

Por fim, elege-se como derradeiro argumento o fato de o art. 1.37764 do novo Código Civil referir-se à lei especial. O dispositivo sob comento trata da constituição do direito de superfície por pessoa de direito público interno e enuncia que a hipótese será regida pelo diploma privatístico apenas se não houver disciplina diversa em outro estatuto.

Ora, se o novo Código Civil, lei posterior, remete a disciplina do direito de superfície para outro diploma que contenha regras sobre a mesma matéria; e se esse outro diploma só pode ser o Estatuto da Cidade, vez que foi por meio dele que o instituto foi reintroduzido no ordenamento jurídico pátrio; isso já constitui fundamento razoável para sustentar-se que o direito de superfície civil coexiste com o direito de superfície urbanístico. A utilização de um ou de ou-tro diploma, portanto, será definida pela finalidade almejada com o direito de superfície.

Não é outra a conclusão a que chegaram os juristas reunidos na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado do STJ. O enunciado aprovado sob o nº 93 refere-se ao art. 1.369 do NCCB e professa o seguinte: “Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano”.

Uma vez estabelecida a coexistência de regulamentação do direito de superfície no Estatuto da Cidade e no novo Código Civil brasileiro, visto que têm objetos distintos, passe-se à análise comparada do direito de superfície em segundo grau no ordenamento jurídico brasileiro.

7 o dIreIto de laJe

Direito de sobrelevação ou direito de superfície em segundo grau é o direito de superfície que o primeiro superficiário concede a outrem para que construa sobre a primeira propriedade separada superficiária.

64 NCCB, art. 1.377: “O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial”.

34 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Desse modo, o primeiro superficiário torna-se, em relação ao segundo superficiário, cedente de direito real de construir sobre coisa alheia, cujo exercí-cio originará uma segunda propriedade separada superficiária sobre a primeira. “Resultam, portanto, três níveis de propriedade: a do dono do solo, a do primei-ro superficiário e a do segundo superficiário”65.

No Direito alienígena, há ordenamentos que admitem o direito de super-fície sendo constituído por quem não é dono do solo, nos casos de superfície em segundo grau. São exemplos: o Direito italiano66, o Direito suíço67 e o Di-reito português.

No Código Civil português, a previsão da superfície em segundo grau está no art. 1.526, cuja redação vale ser transcrita:

O direito real de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; levan-tado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor a ser condómino das partes referidas no art. 1.421.

Naquele estatuto jurídico estrangeiro do direito de sobrelevação, nota--se certo hibridismo entre a superfície e a propriedade horizontal. Enquanto a constituição do direito está sujeita às regras da superfície e às limitações da propriedade horizontal, uma vez exercido o direito real de construir sobre edi-fício alheio, a hipótese passa a reger-se apenas pelo estatuto da propriedade horizontal.

Letícia Marques Osóri68 registra que, na doutrina estrangeira da Suíça e da Itália, há ainda a previsão da possibilidade constituição de um direito de su-perfície sobre a propriedade separada superficiária. É o denominado direito de mais elevação ou de sobre-edificação, que faculta ao superficiário a elevação da altura de seu prédio dentro dos limites estabelecidos pela legislação urba-nística. Na Espanha, como há a possibilidade de haver diferentes proprietários para cada andar de um prédio, a autorização para a elevação da edificação dependerá da concordância dos demais “condôminos”.

No atual estado do nosso direito, conforme anota Ricardo Pereira Lira, não se admitem propriedades distintas superpostas sem a propriedade indivisa

65 LIRA, Ricardo Pereira. A aplicação do direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, p. 92, 1997.

66 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 78.

67 LIRA, Ricardo Pereira. A aplicação do direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, p. 92, 1997.

68 OSORIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 180.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������35

de fração ideal do solo por parte de todos os proprietários distintos. “O direito de superfície pressupõe inafastavelmente construção em solo alheio”69.

Observa-se, porém, o fato social impondo modificações no direito. Nas favelas do Rio de Janeiro, nasceu o “direito de laje”, conforme o qual os mora-dores alienam a terceiro o direito de construir sobre a sua laje, ficando da posse exclusiva do terceiro a moradia por ele construída70.

Marco Aurélio Bezerra de Melo sobre o direito favelar, em artigo redigido antes da repristinação do direito de superfície, registra:

Impende ressaltar o direito insurgente que se verifica em comunidades de baixa renda, notadamente nos grandes centros urbanos, em que, premidas pela neces-sidade, as pessoas alienam gratuita ou onerosamente a laje de suas propriedades para que outras construam. Este fenômeno social passou a ser identificado como “direito de laje” que, de certa forma, é um mecanismo paraestatal de aplicação do direito de superfície.71

Tanto o Estatuto da Cidade quanto o novo Código Civil não aludem ex-pressamente à superfície em segundo grau. Têm a mesma dicção omissa neste aspecto, limitando a referência à expressão terreno. Confira-se:

Estatuto da Cidade

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

Novo Código Civil brasileiro

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devi-damente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

A interpretação da lei infraconstitucional subordina-se à tábua axiológica preconizada pela Carta de 1988. Assim, buscando funcionalizar o direito de su-perfície à luz das demandas sociais, é preciso atribuir tanto ao Estatuto da Cida-

69 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 68 e 79.

70 LIRA, Ricardo Pereira. A aplicação do direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, p. 92, 1997.Lira, em artigo redigido antes da repristinação do direito de superfície, trata do direito de laje como exemplo de direito alternativo stricto sensu, enunciando-o como categoria de direito material existente entre favelados da qual defluem conflitos de interesse que demandam tutela jurisdicional, posto que tem existência fática.

71 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. O direito real de superfície como instrumento de reforma urbana e agrária – Análise do Projeto de Código Civil. In: Temas de direito privado, p. 139-163.

36 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

de quanto ao novo Código Civil brasileiro o papel promocional da diminuição das injustiças sociais, conforme averbera o art. 3º da CRFB72.

Nesse sentido, os dispositivos susomencionados não são hipóteses legais de silêncio eloquente, mas de lacunas que demandam integração, pelo méto-do da interpretação extensiva. Portanto, entende-se que o direito de superfície pode ser constituído sobre terreno, qualquer terreno: seja terreno sem constru-ções, seja terreno construído.

Há – ainda – que ser enfrentada a questão de propriedades superpostas ensejarem a propriedade sobre fração ideal do solo. Entende-se que essa regra é imperativa para as incorporações imobiliárias, mas não para os casos típicos de direito de laje, em que o direito de sobrelevação nasce por demanda socio-econômica bem diversa.

Não se argumente, tampouco, que, em razão de o segundo proprietário superficiário não ser (tampouco poder ser) dono de fração ideal do solo, a su-perfície em segundo grau continuaria à margem do Direito brasileiro. Trata-se de situação que merece acolhida na esteira da repristinação do direito de super-fície, sob pena de continuar na informalidade considerável gama de relações socioeconômicas. Em vez de se recorrer ao estatuto da propriedade horizontal, recomenda-se que sejam utilizadas as regras gerais das servidões, para regula-rem questões de passagem e vista. Assim, incrementa-se o direito com a reali-dade social e atua-se sobre essa realidade com a força promocional do direito73.

coNcluSão

Ao término deste estudo, torna-se possível sintetizar objetivamente algu-mas das suas proposições mais importantes:

1. A interpretação civil-constitucional, adotada como premissa meto-dológica neste trabalho, parte sempre da Constituição, aqui enten-dida como norma fundamental. A releitura do direito civil à luz da Constituição erige o princípio da dignidade da pessoa humana como epicentro axiológico do ordenamento jurídico brasileiro e compatibiliza os institutos defasados da realidade contemporânea, tornando-os compatíveis com suas demandas socioeconômicas.

72 CRFB, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

73 Perlingieri (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 2-3): “Dado que na realidade como um todo não existem somente velhas ‘estruturas’ a serem modificadas, mas também exigências – ideais e práticas – que requerem satisfação, também a norma promocional (ou seja, a norma que se propõe à função inovadora da realidade) é sempre fruto de demandas, de necessidades, de impulsos ‘já existentes’ em uma certa sociedade. O Direito, de tal modo, torna possível, com os seus instrumentos, a transformação social”.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������37

2. Desde os primórdios da humanidade, a propriedade tem sido foco de constantes tensões sociais e econômicas, instabilizadora de re-lações jurídicas e provocadora de acirrados conflitos com reper-cussão em todas as esferas sociais. Ocorre que tem sido possível construir uma noção de propriedade funcionalizada, que atenda não somente ao interesse de seu detentor, mas cujo exercício se dê também em benefício da coletividade. A projeção histórica da pro-priedade deu-se, portanto, no sentido de uma propriedade-direito para uma propriedade-função.

3. Na sistemática adotada na Constituição de 1988, a função social da propriedade é princípio normativo de conteúdo certo e determi-nado, parte integrante e inseparável da estrutura do direito de pro-priedade, que foi redesenhado e significa reação do ordenamento contra os desperdícios de potencialidade da coisa, para satisfazer as necessidades humanas, sejam materiais sejam pessoais.

4. O direito social fundamental à moradia digna foi expressamente consagrado pelo Texto Constitucional por intermédio da Emenda Constitucional nº 26/2000 e se trata de obrigação de fazer estatal com dois aspectos distintos. Um de caráter imediato, que visa a impedir a regressividade do direito à moradia, por intermédio de medidas e ações que dificultem ou impossibilitem seu exercício, e outro que diz respeito à reformulação da intervenção estatal nas atividades privadas, a fim de reformular a política habitacional.

5. No sentido de densificar o direito social à moradia, sob seu aspecto de instrumento de tutela da pessoa humana, veio a lume a Lei Fede-ral nº 10.257/2001, autonominada Estatuto da Cidade, que trouxe, entre os instrumentos de política urbana, o direito de superfície, com contornos inegavelmente urbanísticos, destinado a contribuir para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Já, no novo Código Civil brasileiro, a finalida-de do direito de superfície está contaminada por interesse predomi-nantemente privado, sem – por óbvio – perder-se do fundamento constitucional da propriedade.

6. Há aparente conflito temporal, especificamente entre os arts. 21 a 24 da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e os arts. 1.369 a 1.377 da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, uma vez que ambos os diplomas legais regularam, de forma completa, o instituto do direito de superfície. Contudo, as leis têm vocações diversas e ambas coexistem.

38 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Prova da coexistência das regulamentações é o fato de o art. 1.377 do novo Código Civil referir-se à lei especial. O dispositivo trata da constituição do direito de superfície por pessoa de direito pú-blico interno e enuncia que a hipótese será regida pelo diploma privatístico apenas se não houver disciplina diversa em outro esta-tuto.

Entende-se que o NCCB faz remissão para o Estatuto da Cidade, vez que foi por meio dele que o instituto foi reintroduzido no ordena-mento jurídico pátrio; isso já constitui fundamento razoável para sustentar-se que o direito de superfície civil coexiste com o direito de superfície urbanístico. A utilização de um ou de outro diploma, portanto, será definida pela finalidade almejada com o direito de superfície.

7. É de acentuada importância o papel do direito de superfície como regulador das relações que se estabelecem entre os diferentes agen-tes que aportam os diferentes insumos da habitação e entre particu-lares como forma de dividir os custos de uma construção.

8. A estrutura da relação superficiária é plástica, porque pode sofrer mutações. A propriedade pode partir de uma relação simples, evo-luindo para uma relação complexa. Ou pode já nascer complexa, no caso de propriedade separada superficiária gerada por cisão.

9. Direito de sobrelevação ou direito de superfície em segundo grau é o direito de superfície que o primeiro superficiário concede a ou-trem para que construa sobre a primeira propriedade separada su-perficiária.

10. Em que pese a doutrina majoritária entender que nosso direito, tra-dicionalmente, não admite propriedades distintas superpostas sem a propriedade indivisa de fração ideal do solo por parte de todos os proprietários distintos, a interpretação extensiva dos arts. 21 do Es-tatuto da Cidade e 1.369 do NCCB impõe conclusão diversa. Assim, sob pena de desconsiderar-se a função promocional do direito que não pode perder contato com o fato social, há de ser lida a expres-são “terreno” como sendo gênero que abrange qualquer espécie de terreno: seja construído ou sem construções.

O direito de laje, nascido nas comunidades de baixa renda no Rio de Janeiro, tem fundamento jurídico no direito de superfície. Esse entendimento faz com que o direito seja incrementado pela realidade social e que ela sofra a força promocional do direito, em perfeita sintonia com o princípio da função social da propriedade.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������39

referêNcIaS

ALFONSIN, Betânia de Moraes. Dos instrumentos de política urbana. Introdução e dos instrumentos em geral. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 107-130.

ALFONSIN, Jacques Távora. A função social da cidade e da propriedade privada urbana como propriedades de funções. In: ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Org.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade. Dire-trizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 41-79.

ANDORNO, Luis O. El derecho real de superficie forestal en el ordenamiento jurídico positivo Argentino. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGDir/UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Coleção Direito Comparado II, homenagem a Clóvis do Couto e Silva – Argentina e a Faculdade de Direito da UFRGS, v. 1, n. 2, p. 161-180, set. 2003.

BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito real de superfície. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2360>. Acesso em: 3 jun. 2003.

BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o arquiteto. Série debates. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.

BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado. In: Estado, governo, sociedade – Para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

______. Teoria do ordenamento jurídico. 5. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leito dos Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão democrática da cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 322-341.

CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos constitucionais do Estatuto da Cidade (artigos 182 e 183 da Constituição Federal). In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 21-26.

CASTRO, Mônica. Direito de superfície na Lei nº 10.257/2001 (uma primeira leitura). Jus Navigandi. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2244>. Acesso em: 3 jun. 2003.

DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos de política urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 72-88.

DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de superfície. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2543>. Acesso em: 3 jul. 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito de superfície (artigos 21 a 24). In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 171-190.

40 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

DINIZ, Maria Helena. A Lei de Registros Públicos e o Estatuto da Cidade (artigos 55 a 57). In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 398-413.

FARIA, Dárcio Augusto Chaves. A função social como princípio legitimador da propriedade. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Org.). Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 499-508.

FONTES, André Ricardo Cruz. Limitações constitucionais ao direito de proprieda-de. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 435-456.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Perfil constitucional da função social da proprieda-de. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=676>. Acesso em: 18 nov. 2003.

GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, Separata, a. 87, v. 747, p. 50-51, jan. 1998.

GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 397-434.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade – Guia para implementação pelos municí-pios e cidadãos. Disponível em: <http://federativo.bndes.gov.br/bf_bancos/estudos/e0001942.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2004. p. 108-130.

LEITE, Carlos Kennedy da Costa. Direito real de superfície: a ressurreição. Disponí-vel em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3616>. Acesso em: 3 jul. 2003.

LESSA, Carlos. Prefácio. In: MAGALHÃES, Sérgio. Sobre a cidade: habitação e democracia no Rio de Janeiro. 19. ed. São Paulo: Pro Editores, 2002.

LIRA, Ricardo Pereira. A aplicação do direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, p. 85-97, 1997.

______. Direito à habitação e direito de propriedade. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, n. 6 e 7, p. 79-90, 1999.

______. Liberdade e direito à terra (Controle do solo urbano. Solo criado. Direito de superfície). In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 107-153.

______. Missões da universidade: a reforma agrária e a reforma urbana. Aula Inau-gural proferida na UERJ, no dia 6 maio 1997.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������41

______. O direito de superfície e o novo Código Civil. Revista Forense, Separata, v. 364, p. 251-266.

______. O moderno direito de superfície. In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 1-105.

______. O uso social da terra urbana, sugestões à Constituinte. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 38, p. 5-12, 1986.

______. Parecer. Disponível para xerox na pasta do Professor no Mestrado em Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ.

______. Principais instrumentos do direito urbanístico. Exposição feita no Palácio da Cidade, em 27.11.1996, ao ensejo de seminário comemorativo dos 10 anos de existência da Procuradoria Geral do Município.

MATTOS, Liana Portilho. A efetividade da função social da propriedade urbana à luz do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003.

______. Diretrizes gerais. Artigos 1º, 2º e 3º. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 79-105.

MELO, Marco Aurélio Bezerra de. O direito real de superfície como instrumento de reforma urbana e agrária – Análise do projeto de Código Civil. In: Temas de direito privado, p. 139-161.

MOTA, Mauricio Jorge Pereira da. O direito de superfície no Direito romano. Re-vista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, n. 5, p. 283-302, 1997.

OSORIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 173-187.

______. Diretrizes gerais. Introdução. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 67-78.

PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro: Renovar, v. 6 e 7, 1999.

______. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

PONTÃO. Primeiro Município do Brasil a utilizar o direito de superfície na regu-larização fundiária. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/banco%20de%20experiencias.htm>. Acesso em: 8 nov. 2003.

PRESTES, Vanêsca Buzelato. A concessão especial para fins de moradia na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade – Da constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.220 de 4 de setembro de 2001. In: ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Org.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto

42 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

da Cidade. Diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 203-238.

SARLET, Ingo Wolfgang. O Estado Social de Direito, a proibição de retrocessos e a garantia fundamental da propriedade. Org. Luis Roberto Barroso. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Direito constitucional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 5, p. 131-149, 2000.

SAULE JR., Nelson (Relator do texto-base). Direito de superfície. Regularização da terra e da moradia: o que é e como implementar. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br>. Acesso em: 3 out. 2003.

______; RODRIGUEZ, Maria Helena. O direito à moradia. Disponível em: <http://www.gajop.org.br/portugueses/mora>. Acesso em: 4 maio 2004.

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. Malheiros, p. 15-76.

SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes (artigo 2º). In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 44-60.

TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil consti-tucional. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, a. 17, n. 65, p. 21-32, jul./set. 1993.

TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 267-292.

______. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 17-19.

______. Temas de direito civil. Apresentação. 2. ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de superfície. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/diversos/malcino.html>. Acesso em: 3 jul. 2003.

______. Instrumentos urbanísticos e a propriedade urbana imóvel. Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 467-513.

WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: a construção da sustentabilidade... Revista Jurídica, n. 45. v. 4, fev. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/revista/Rev_45>. Acesso em: 13 dez. 2003.

Assunto Especial – Doutrina

Direito de Laje

Você Sabe o Que É Direito de Laje?

MARCELO ALVES PEREIRAPós-Graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-Graduação em Gestão de Se-gurança da Informação, Graduado em Ciências da Computação. Advogado especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil. Atua pessoalmente e/ou em colaboração com outros advogados em causas multidisciplinares na busca de obter os melhores resultados nas ações que patrocina em benefício de seus clientes.

O direito de laje decorre de uma situação histórica e real na vida de mui-tos brasileiros: filhos ou filhas que edificam suas casas sobre a laje da casa de seus pais. Há muito essa situação não rara de se ver causou problemas de natu-reza prática (tributária e de propriedade do imóvel) e ficou sem disciplina legal.

Timidamente, o Estatuto da Cidade tratou do tema implicitamente (art. 21), mas ainda de forma insuficiente.

Ocorre que, no dia 23.12.2016, foi publicada a MP 759/2016, que, entre outros assuntos relacionados com registros públicos, direito civil e direito admi-nistrativo, tratou, de forma mais precisa, sobre o direito real de laje como sendo a “[...] possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo” (art. 1.510-A do CC), além de ter sido acrescentado no rol dos direitos reais (art. 1.225, XIII, do CC).

Desse modo, o que o Código Civil passa a permitir na prática é que, nes-sas diferentes unidades imobiliárias, onde há coexistência simultânea, haja titu-laridade distinta com acessos independentes, isolamento funcional, matrículas próprias (art. 1.510-A, § 3º) e encargos tributários individualmente suportados pelo titular do direito de laje (art. 1.510-A, § 4º).

Registre-se que, ao tratar da possibilidade de alienação das unidades au-tônomas (art. 1.510-A, § 5º), a MP foi silente no que tange ao direito de prefe-rência. Ou seja, as seguintes questões precisam ser elucidadas: De quem seria a preferência em caso de alienação de qualquer das unidades por parte de seus respectivos titulares? Poderá um terceiro estranho ter preferência em lugar de um dos titulares?

44 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Na íntegra, o novo artigo do Código Civil ficou assim disposto:

Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilida-de de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.

§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.

§ 3º Consideram-se imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aber-ta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.

4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que inci-direm sobre a sua unidade.

§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alie-nadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.

§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.

§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.

§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.

De modo geral, a MP 759/2016 traz benefícios e busca resolver um anti-go e cultural problema que acompanha a vida de alguns brasileiros.

Assunto Especial – Doutrina

Direito de Laje

O Direito de Laje Não É um Novo Direito Real, Mas um Direito de Superfície

ROBERTO PAuLINO DE ALBuquERquE JúNIORMestrado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2006), Doutorado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2010). Tem experiência na área de Direito, com ên-fase em direito civil. Professor Adjunto do Departamento de Teoria Geral do Direito e do Direito Privado da Universidade Federal de Pernambuco, Tabelião de Notas, Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2005).

Nos estertores do ano de 2016, foi publicada a Medida Provisória nº 759, que trata sobre

regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedi-mentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências.

O que mais salta aos olhos na MP é a previsão do chamado direito de laje, por ela inserido como direito real no art. 1.225 do Código Civil brasileiro1.

A medida provisória ainda acrescentou ao Código Civil o art. 1.510-A, que dá os contornos do dito direito real de laje:

Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo [...].2

1 “Art. 1.225. São direitos reais: [...] XIII – a laje.”2 “Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias

autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

[...]

§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.

46 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

O direito de laje não constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que, desde 2001, já tem previsão expressa na legislação brasileira, a superfície por sobrelevação.

O que caracteriza o direito de superfície e distingue o seu tipo dos demais direitos reais é a possibilidade de constituir um direito tendo por objeto constru-ção ou plantação, separadamente do direito de propriedade sobre o solo.

Em sentido mais técnico, há superfície quando se suspende os efeitos da acessão sobre uma construção ou plantação a ser realizada ou já existente. O implante que, por força da acessão, seria incorporado ao solo, passa a ser objeto de um direito real autônomo, o direito real de superfície.

Vê-se que, a partir dessa definição de direito de superfície, sequer se-ria necessário prever expressamente a possibilidade de sua constituição para a construção no espaço aéreo ou para o destacamento de pavimentos superiores já construídos. Da mesma forma, é desnecessária a menção expressa à possibili-dade de superfície constituída sobre construções no subsolo. Se é possível cons-truir no espaço aéreo ou no subsolo e essas construções sofrem, de ordinário, os efeitos da acessão, pode-se tê-las como objeto do direito real de superfície.

Do próprio tipo da superfície deriva a possibilidade de sobrelevação, portanto.

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), no entanto, houve por bem tratar da sobrelevação expressamente, e assim deixou indiscutível a sua viabi-lidade:

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.

§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.

§ 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade.

§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.

§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.

§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.

§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.”

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������47

§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

Na doutrina, vários autores têm se ocupado do tema (vide, entre outros, MAZZEI, Rodrigo. Direito de superfície. Salvador: Juspodium, 2013; VIEGAS DE LIMA, Frederico Henrique. O direito de superfície como instrumento de pla-nificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; PERCÍLIO, Renata. Negócio jurídico de sobrelevação em direito de superfície. Dissertação de Mestrado em andamento, orientador Professor Dr. Roberto Paulino, UFPE).

Além disso, o Enunciado nº 568 da VI Jornada de Direito Civil do Conse-lho da Justiça Federal concorda com a possibilidade de constituição de superfí-cie por sobrelevação no Direito brasileiro3.

Trata-se, portanto, de uma figura já abarcada pelo tipo do direito de su-perfície e já utilizada.

Sequer a terminologia “direito de laje” pode-se dizer que tenha sido cria-da pela medida provisória. Já há alguns anos que se fala em direito de laje como uma expressão popular para a construção de novos pavimentos sem formali-zação do direito de superfície, algo comum em todas as regiões do País (entre outros, TEPEDINO, Gustavo. Os direitos reais no novo Código Civil. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, t. II, 2006).

Em termos de redação, além disso, a MP merece crítica contundente, e já se erguem vozes a empreender tal crítica, como na coluna “Direito Civil atual”, publicada na semana anterior, com texto de autoria do Professor Doutor Otavio Luiz Rodrigues Junior (Um ano longo demais e seus impactos no direito civil contemporâneo).

Da regulamentação da sobrelevação sob o nome de direito de laje dois pontos parecem ser mais relevantes: (a) a abertura de matrícula registral autô-noma, um ponto delicado do direito de superfície no Brasil (art. 1.510-A, § 5º); (b) a permissão de constituição do direito de laje sem submissão ao regime do condomínio edilício (art. 1.510-A, § 6º).

Tratam-se de regras úteis e importantes, que, no entanto, não parecem justificar a açodada opção do legislador de adotar a nomenclatura direito de laje e dar-lhe autonomia em relação ao direito de superfície.

Se o que se queria era ressaltar a possibilidade do direito de superfície por sobrelevação, bastava para tanto inserir um artigo no Título V do livro do

3 VI Jornada de Direito Civil – Enunciado nº 568: “O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística”.

48 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

direito das coisas. Para acrescentar à disciplina do direito de superfície a pos-sibilidade de abertura de matrícula separada para a propriedade superficiária e a desnecessidade de atribuição de fração ideal do terreno, outros dois artigos bastariam.

Não há sentido em inscrever como direito real autônomo no Código Ci-vil uma modalidade de um direito real já previsto, muito menos em utilizar-se terminologia menos técnica quando já se dispõe de uma mais adequada em utilização. A finalidade que o legislador buscou alcançar não está clara, assim como clara não está a urgência que justificaria regular a matéria por medida provisória.

Da forma como está posto o texto, o que se tem é: (a) a positivação de um direito real novo, cujo objeto já estava inserido em um direito real preexis-tente; (b) o abandono de uma expressão consagrada e precisa por outra de uso informal; (c) o problema topológico de se estabelecer a abertura de matrícula e a dispensa de atribuição de fração ideal apenas para a superfície por sobreleva-ção ou direito de laje, quando as regras deveriam se aplicar a todo e qualquer direito de superfície.

Trata-se, portanto, de uma alteração pouco feliz na regulamentação do direito de superfície, merecedora de reflexão e crítica por parte da doutrina, bem como de oportuna reforma.

Assunto Especial – Doutrina

Direito de Laje

Direito de Laje: Desafios

MARCELO WEINGARTENAdvogado, Administrador de Empresas.

RENATO CyMBALISTAProfessor da FAU-USP, Pesquisador do Laboratório para Outros Urbanismos.

o dIreIto de laJe

Há muitos anos, urbanistas e advogados vêm defendendo a instituição do chamado “direito de laje” no ordenamento jurídico e urbanístico no Brasil. No apagar das luzes de 2016, a Medida Provisória nº 759, de 22 de dezem-bro, propõe a regulamentação do instrumento, também chamado “direito de sobrelevação”. São centenas de milhares os imóveis que foram constituídos mediante venda de laje, nas maiores cidades do País – justamente aquelas que apresentam os mais graves problemas de acesso à terra e à moradia. O “direito de laje” é tratado apenas nos arts. 25 e 26, que alteram o Código Civil em seu art. 1.225, e acrescentam ao mesmo o art. 1.510-A. A medida provisória trata de vários assuntos, alguns deles altamente problemáticos, ou seja, não se trata aqui de defendê-la como um todo, nem de defender a prática de enfeixar dife-rentes assuntos na mesma medida provisória. A medida provisória é problemá-tica principalmente por desfazer um percurso de regularização fundiária que já estava em curso no País. O que tratamos aqui são as novas possibilidades e os novos desafios que seriam abertos pela institucionalização do direito de laje, sem entrarmos nos conteúdos do restante da medida.

A ideia daria um lugar na ordem jurídica a uma prática já há muito tempo corrente nas periferias, nas favelas e nos bairros populares no País, a venda de lajes. Trata-se de um dos procedimentos básicos de construção e adensamento fora dos eixos de elite: um proprietário compra ou ocupa um terreno, constrói sua casa (em geral por conta própria) e a cobre com uma laje. Quando existem os recursos, ele constrói uma casa acima da laje, garantindo acesso indepen-dente, cedendo a laje para um familiar, alugando ou vendendo. Em muitos casos a laje é vendida nua e a construção ocorre por conta do comprador.

50 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Frequentemente, o comprador refaz a operação, cobrindo sua própria casa com uma laje que é posteriormente vendida.

O procedimento da venda de lajes produziu verdadeiros “predinhos” nas regiões mais pobres das nossas cidades, em uma ocupação que pode parecer feia e predatória aos olhos da classe média, mas que traduz as formas de ocupa-ção e rentabilização do caro solo urbano por parte daqueles que não possuem outras formas de acesso à moradia, ao mercado imobiliário formal e ao crédito imobiliário. Ao reconhecer o direito de laje, o Estado assume uma postura de não julgamento moral desse procedimento e de legitimação de práticas não previstas. Mas não vamos esquecer que o direito de laje é uma solução técnica que sucede décadas de debate de moradores e de ativistas.

Trata-se de uma derivação de um instrumento já existente: o direito de superfície, instituído pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 2001, art. 211), que institui a separação entre direitos de propriedade e direitos de construção, afastando-se do princípio antes em voga de que “tudo o que existe sobre um terreno pertence a ele” (Accessorium sequitur principale – o acessório acompa-nha o principal). Paulino (2017) critica a própria instituição do direito de laje, defendendo que a figura do direito de superfície já bastaria para regular a com-pra e venda de lajes. De fato, o direito de superfície poderia ter sido interpretado nesse sentido. Mas o fato é que isso ainda não foi feito nesses 15 anos, desde que temos esse instrumento aprovado: as lajes não vêm sendo registradas como direito de superfície. Além disso, tanto o Estatuto da Cidade (art. 21) quanto o Código Civil (art. 1.369) se referem ao direito de superfície vinculado ao ter-reno, e na cidade real as transações com lajes se desvinculam inteiramente da propriedade dos terrenos, como tratamos adiante.

Com o direito de laje, a separação entre propriedade e direitos construti-vos ganham regulamentação e direção próprias, que permitiriam nortear agen-tes e procedimentos que ocorrem há muito tempo, mas de maneira informal. Assim, segue uma das diretrizes do Estatuto da Cidade, o “reconhecimento da cidade real”, ou seja, a adoção das formas efetivas de urbanização – e não mo-delos ideais de cidade presumida ou pressentida – como matéria-prima básica da ordem jurídica e administrativa.

Não se sabe se a medida provisória será efetivamente implementada, como afirmamos. Ela é polêmica e altera a trajetória de processos de regula-rização fundiária em curso. Pode ser alterada ou rejeitada pelo Congresso. De qualquer forma, é relevante que a figura do direito de laje entre no debate. E mais do que “sim ou não”, defendemos aqui “em que termos” o direito de laje poderia contribuir para aproximar a cidade informal da formalidade, inserindo

1 “Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.”

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������51

os bairros informais nos sistemas formais de proteção de direitos. Evidentemen-te, não se resolveriam todos os problemas da cidade com isso, e outros e novos problemas apareceriam.

Conforme o texto da medida provisória, a aplicação do direito de laje so-mente se aplica quando for impossível a individualização dos lotes ou das uni-dades, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos, contem-plando o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, criando, assim, uma unidade imobiliária autônoma. As unidades a serem reconhecidas como autônomas devem ter acessos próprios.

Construímos aqui algumas reflexões preliminares: uma análise da lite-ratura até aqui existente, que recebe novas problemáticas; e um conjunto de pontos que se abrem quando o direito de laje aparece nos debates mais insti-tucionais.

uma NeceSSárIa revISão da lIteratura

Ainda que as favelas e as diferentes formas de coabitação, cessão de uso e sublocação tenham mais de um século de existência no Brasil, o fenômeno da venda de lajes é muito mais recente. Acompanhou o adensamento das perife-rias e das favelas, e a substituição dos barracos de madeira por construções de alvenaria. Assim, o procedimento se prolifera a partir da década de 1980. Isso explica o motivo pelo qual a literatura que trata do direito de laje na perspectiva da regularização fundiária e do direito real seja muito recente.

A maior parte dos artigos situa-se no campo da doutrina, de autoria de juristas ou ativistas progressistas, defendendo a implementação do instrumento e sua inserção na ordem jurídica brasileira.

Ricardo Lira (1997), em um dos primeiros artigos sobre o tema, cria o ter-mo “direito favelar”, reconhecendo sua existência fática, e já compara o direito de laje existente nas favelas com o previsto no Direito suíço, classificando-o como “direito alternativo stricto sensu, com laivos de manifestação de pluralis-mo jurídico”, não importando aqui se reconhecido pelo direito oficial, ou se, como era o caso, utilizado de fato pelas comunidades. O mesmo autor (2004) mostra como o não reconhecimento oficial do direito de laje causa como efeito colateral o fortalecimento dos poderes paralelos, citando a Favela da Rocinha, no Rio, onde os traficantes permitem a construção sobre a laje, desde que esta não dificulte uma eventual fuga.

Silvia Regina de Assumpção Carbonari (2007) aponta o direito de laje também como fato nas comunidades do Rio de Janeiro, sendo considerado um “direito sobre outro direito (oficial ou não)”. Amarante (2012) defende a legiti-midade do direito de laje como exemplo demonstrativo de que o Estado não é

52 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

a única fonte exclusiva de Direito, pregando o pluralismo jurídico. Apontando para a problemática das propriedades autônomas no mesmo terreno, Faria e De Poli (2010) indicam que o direito de laje estabelece a tripartição da proprieda-de, ou seja, a propriedade do solo (titularidade do concedente), a propriedade da superfície (superficiário) e a propriedade da sobrelevação, que ingressa no patrimônio do segundo cessionário.

Na busca pela legitimação do instrumento na ordem jurídica brasileira, autores trouxeram as referências de instrumentos similares previstos nos Direi-tos francês (surélévation), português (direito de se construir sobre teto alheio) e suíço (superfície au deuxième degré) (Bellucci, 2010).

Claudia Franco Correa (2010) traz um dos poucos estudos empíricos so-bre a favela de Rio das Pedras entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde encontram-se edifícios de até 10 andares construídos mediante venda e compra de lajes; a possibilidade de venda de lajes antes mesmo de se-rem edificadas; e mostra como opera na favela até mesmo um sistema cartorário informal, com uma associação de moradores que detinha os registros dos nome e endereços das “propriedades” na favela, socialmente legitimada.

Em que pese o fundamental papel da literatura sobre o direito de laje como meio de advocacy pela aprovação do instrumento, a partir de agora atin-gimos um novo patamar no debate, pois o direito de laje está começando a apa-recer em textos legislativos. Isso abra uma série de questões mais específicas. Em um horizonte de instituição do instrumento, seriam necessários avanços nos procedimentos jurídicos, administrativos e registrários que efetivamente viabi-lizarão a implementação do direito de laje, garantindo condições de habitabi-lidade e segurança. Isso deve ser feito garantindo qualidade construtiva e urba-nística, e não a legitimação da precariedade. A literatura existente praticamente não trata desta temática e requer um esforço intelectual e institucional para criar novos procedimentos. Apontamos aqui alguns pontos.

matrícula e cartórIo

O reconhecimento do direito de venda de superfícies significaria a cria-ção de milhares de unidades imobiliárias autônomas. Continua existindo a fi-gura do proprietário do terreno, mas quem mora, por exemplo, no “primeiro andar” terá o direito de obter uma escritura, por meio de uma matrícula diferen-ciada. Não se trata de desafio simples, e serão vários os casos diferentes, cada um deles trazendo questões específicas.

Os casos mais fáceis são aqueles em que o proprietário possui a matrícu-la regularizada do terreno e da construção. O registro funcionará quase como um desmembramento de um terreno, com a abertura de uma nova matrícula no Cartório. Será necessária a medição e representação gráfica do terreno e

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������53

da edificação, sendo necessário esclarecer as formas de acesso às unidades. Conforme consta da lei, só será possível o registro de unidades que funcionem de forma autônoma, mas muitas vezes o acesso no nível térreo significa algum tipo de compartilhamento de áreas. Isso deverá ser definido, e o proprietário do terreno deverá concordar com um tipo de servidão de passagem ao transferir a laje. Uma vez instituída essa servidão, ela não poderá ser revertida, e o com-prador terá o direito de revenda, e assim sucessivamente com os compradores seguintes.

Aqui cabe a dúvida levantada por Marcelo Alves Pereira (site Jus Brasil, 28.12.2016). Será dado o direito de preferência ao proprietário do terreno ou da construção inferior quando a laje for colocada no mercado para revenda? A favor do direito de preferência pesa a especificidade das relações espaciais, pois, frequentemente, há espaços com algum tipo de compartilhamento. Mas contra isso pesa a ideia de que a venda de laje não deve ser tratada como aqui-sição de propriedade de segunda categoria, e o proprietário do terreno tem o poder de definir as formas de acesso quando constrói e vende as lajes, devendo pensar nisso de antemão. Caberia uma consulta às práticas atuais e informais: Os proprietários vêm sendo consultados nesses casos? Têm algum poder de veto ou de preferência?

Como se vê, mesmo os casos mais simples já apresentam questões com-plexas. E eles podem se tornar ainda bem mais complicados. Para terrenos com escrituras regulares, mas com a edificação não registrada, será necessário o registro do edifício como um todo, já com a estrutura de propriedade definida. Será necessária a apresentação de planta para regularização na prefeitura, um tipo de anistia, e os imóveis, agora divididos, passam a pagar IPTU.

Muitos terrenos não possuem escrituras regulares, e aqui aparece um grande desafio para os cartórios. Ações de usucapião ou de concessão de direi-tos reais de uso podem levar anos até terminarem e suas sentenças serem regis-tradas. Uma alternativa é registrar a transação em um cartório de notas, que gera um conjunto de direitos, inclusive sucessórios – mas não garante a regularidade urbanística do imóvel.

O caso mais difícil é também um dos mais recorrentes: lajes vendidas em construções feitas em terrenos públicos. O registro dessas construções pode se dar por instrumentos como a concessão especial de uso para fins de moradia, mas quem outorga esse título é o Estado, o morador é, na prática, um conces-sionário, e, como tal, é muito problemática a ideia de que ele possa vender uma laje de uma concessão, como se fosse sua. Esse procedimento acontece mui-to frequentemente na prática, mas é difícil imaginar que o Estado possa chan -

celá-lo.

54 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

alguNS PoNtoS em aberto

Em entrevista à Agência Senado, o Ministro das Cidades Bruno Araújo declarou que “as mudanças podem gerar o ingresso de ativos na economia. Com os documentos em mãos, os moradores terão seus imóveis valorizados e poderão ter acesso a crédito”. Aqui, percebemos um problema de fundo: uma coisa é reconhecer a cidade real e regularizar, outra é criar instrumentos para alimentar a ciranda financeira e imobiliária, para aumentar o endividamento da população. É uma contradição estrutural da propriedade no sistema capitalista, que nem essa nem outras formas de registro resolvem.

O direito de laje surgiu como prática construtiva e econômica operada por pobres; foram os pobres que deram uma solução registrária para o direi-to de laje, mantendo escrituras e registros das transações nas associações de moradores das favelas (Correa, 2010), e foram os advogados e urbanistas que defendem o direito à moradia dos mais pobres que construíram o caminho de inserção do instrumento na legalidade. Ou seja, o direito de laje tem um DNA profundamente vinculado aos assentamentos populares. No entanto, da forma como está proposto, o direito de laje não expressa esse histórico na letra da lei. Ela apenas institui o direito sem discriminação de situação ou classe social. É diferente, por exemplo, de instrumentos como a concessão especial de uso para fins de moradia e o usucapião especial urbano, que garantem dispositivos com prioridade para os mais pobres. E já existem leituras que defendem a aplicação do direito de laje para permitir que uma empresa em dificuldades econômica venda a sua laje para adquirir liquidez (Faria e De Poli, 2010), o que a medida provisória não impede.

Correa (2010) aponta para a problemática da arquitetura da favela, con-figurando moradias verticais, pois o morador que construiu sua casa sobre uma laje muitas vezes acaba vendendo a laje de cobertura de sua casa a outro com-prador, e assim sucessivamente. Mas cabe uma questão que na medida provi-sória aparece no § 5º da Lei: “O adquirente não poderá instituir sobrelevações sucessivas”. Isso significa que o benefício valeria apenas para o “primeiro an-dar”? Ou estabelece que o vendedor só tem direito a alienar a laje uma vez, e que o comprador “de cima” poderá fazê-lo também uma só vez? Se a venda for válida apenas para o primeiro andar, trata-se de um problema de reconhe-cimento da cidade real. Como fazer a regularização de um edifício cujas lajes já foram vendidas três ou quatro vezes? Registrar apenas a primeira laje e já de início criar irregularidade? Mandar demolir os demais pisos? Levando em conta puramente o funcionamento real da cidade, pensamos que essa limitação está equivocada. Deveriam ser autorizadas tantas lajes quantas forem autorizadas para “predinhos” sem elevador na cidade – 4 ou 5 pisos, com os quais cidades famosas pela sua qualidade de vida vem funcionando bem há séculos, como Paris e Berlim. O que seria necessário é provar que a estrutura das construções

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������55

é calculada de forma a oferecer segurança para o número de pisos que se deseja registrar. Até para ter instrumentos de enfrentamento de abusos, seria importan-te dar um formato administrativo e jurídico para a venda de lajes.

Outro ponto é a capacidade administrativa que deveria ser instituída nas prefeituras, ela é inexistente atualmente. É um grande desafio, pois é importante que se garanta a segurança nas edificações e a responsabilidade técnica por elas. Seria necessária a construção de procedimentos, parâmetros, expertise téc-nica, e isso tudo tem um custo administrativo.

A instituição do direito de laje não resolveria todos os problemas existen-tes nas nossas cidades, e certamente criaria novos. Mas defendemos aqui que é um horizonte, para podermos avançar no reconhecimento da cidade real e no duro processo de integração de práticas não oficiais à cidade formal. A medida provisória apresenta inúmeros problemas, e mais retrocessos do que avanços. Mas defendemos que é bom mantermos o direito de laje como horizonte.

referêNcIaS

ALBUQUERQUE JR., Roberto P. O direito de laje não é um novo direito real, mas um direito de superfície. Consultor Jurídico. Disponível em: <www.conjur.com.br>. Acesso em: 2 jan. 2017.

BELLUCCI, Raffaélla G. O direito de laje e a problemática do registro imobiliário. Direito Unifacs – Debate Virtual 127 (2011). Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/1386>.Acesso em: 2 jan. 2017.

CARBONARI, Silvia Regina A. A função social da propriedade territorial urbana e a concretização do direito de moradia digna: o novo papel do direito de super-fície. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2007.

CORREA, Cláudia F. O direito de laje: conflitos com o Estado e na verticalização de moradias. Anais da 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, 2008. Disponível em: <http://www.abant.org.br/conteudo/ANAIS/CD_Virtual_26_RBA/grupos_de_trabalho/trabalhos/GT%2031/claudia%20franco%20correa.pdf>. Aces-so em: 28 dez. 2016.

CORREA, Claudia F.; MENEZES, Juliana Barcellos C. Cidade e alteridade: a regu-larização fundiária nas favelas nos casos de “direito de laje”: construindo pontes entre o direito inoficial e o direito vigente. Revista de Direito Urbanístico, São Paulo, v. 2, n. 1, 2016.

FARIA, Ana Maria J.; DE POLI, Anna Christina G. O direito de laje e a recuperação da empresa em crise. Anais do XIX Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), Florianópolis/SC, 9 a 12 jun. 2010.

56 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

LIRA, Ricardo P. A aplicação do Direito e a lei injusta. Revista da Faculdade de Direito de Campos/RJ, v. 1, p. 13-29, 2000. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15288-15289-1-PB.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2017.

______. O novo Código Civil, Estatuto da Cidade, direito de superfície. Anais do Seminário EMERJ Debate o Novo Código Civil – Parte II, Revista da EMERJ, núme-ro especial, 2004. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_onli-ne/edicoes/anais_onovocodigocivil/anais_especial_2/Anais_Parte_II_revistae -merj_145.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2016.

Assunto Especial – Doutrina

Direito de Laje

Direito de Laje� Explicando para Quem Quer Entender

MARCO ANTôNIO DE OLIVEIRA CAMARGOTitular do Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Sousas, Comarca de Campinas/SP.

Não é preciso ser expert para fazer uma categórica afirmação: muito vai se escrever sobre este novo tipo de direito real; livros e artigos às dezenas serão publicados para explicar ao público interessado – principalmente os profissio-nais de direito, ávidos por doutrina sobre temas novos e polêmicos – o que vem a ser, como se aplica e se realiza na prática este novo tipo de direito real.

O objetivo deste texto, mais um a ser incluído na longa lista que está se formando na atualidade, entretanto, não é ser muito abrangente ou profundo. Trata-se apenas de uma introdução necessária ao estudo que inevitavelmente deverá ocorrer em um momento posterior.

A intenção do autor destas linhas, tabelião de notas que por dever de ofício deverá, em breve, lavrar sua primeira Escritura pública de constituição de direito de laje (o título é somente uma sugestão) e, para isso, deverá se debruçar sobre a aplicação prática do instituto, e apenas e tão somente esclarecer alguns parâmetros fundamentais, princípios básicos que haverão de fornecer a direção segura para a aplicação prática desta grande novidade.

É fato consumado, mas, de início, uma crítica deve ser feita: modificação tão grande no Direito brasileiro não deveria ter sido implantada por meio de medida provisória. Desejável seria que houvesse acontecido um amplo debate no Congresso Nacional, com a participação de todos os segmentos da socieda-de que, direta ou indiretamente, serão afetados por tão grande novidade.

Em uma norma realmente útil e necessária, embarcou de carona este novo direito sobre o bem imóvel, revolucionário em sua concepção, tão pareci-do com a propriedade que com ela quase se confunde, mas que guarda grande diferença em relação a ela.

O cidadão comum, diferentemente do profissional que lida com o direi-to, não tem a obrigação de saber que até a edição da MP 759 existia no Código Civil a previsão e regulamentação sobre diversos tipos de direitos sobre bens

58 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

e coisas. O legislador civil, de fato, dedicou um capítulo único e especial aos denominados direitos reais (cf. arts. 1.225 a 1.510).

A novíssima medida provisória alterou a redação do Código Civil e de outras leis existentes no ordenamento jurídico brasileiro para dar lugar à possi-bilidade deste novo tipo de direito coexistir com os tradicionais institutos deno-minados propriedade – o maior deles –, usufruto, servidões, hipoteca, penhor e outros menos conhecidos. Entre eles interessante destacar a superfície, criada pelo legislador em substituição ao antigo direito da enfiteuse, também conhe-cida por aforamento.

Este novo tipo de direito real, que recebeu a infeliz denominação de di-reito de laje, está relacionado a um bem imóvel e ao uso do espaço aéreo sobre ele, mas não se limita apenas a esta característica básica, pois é obrigatório para sua configuração que possua acesso independente para a via pública.

De fato, este novo direito sobre imóvel de modo algum se confunde com qualquer outro tipo, principalmente com o maior de todos: a propriedade plena.

O art. 1.229 do Código Civil, ao definir com absoluta precisão o alcance e os limites do direito de propriedade, é especialmente esclarecedor sobre o tema em análise, e por tal motivo segue adiante transcrito:

Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo corres-pondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o pro-prietário opor-se a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.

A propriedade imóvel corresponde a uma garantia jurídica sobre uma fração específica da superfície do planeta, um espaço físico delimitado no solo, mas que a ele não se limita. O proprietário do imóvel também possui direitos garantidos sobre o subsolo e o espaço aéreo, mas com as limitações impostas pelo referido dispositivo legal.

O direito de laje, como o inteligente leitor já deve ter percebido, é me-nos do que o direito de propriedade, mas, inevitavelmente, dele não se pode dissociar.

O proprietário pode usar e dispor do direito que a lei lhe garante sobre o espaço aéreo e o subsolo de sua propriedade, e, somente porque existe tal garantia legal, é que se torna possível conceber a existência deste novo tipo de direito – o direito de laje.

A primeira e evidente constatação sobre os limites e as características do direito de laje, portanto, é que ele, sendo menos do que o direito de proprieda-de, ao ser regularmente constituído, deverá representar uma forma de limitação do primitivo direito do qual deriva.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������59

O proprietário, ao realizar o desdobramento de sua propriedade, com a criação de um direito de laje, deverá transmitir para terceiro seus direitos de uso (e também o de fruição e disposição) sobre parte ou a totalidade do espaço aéreo existente sobre sua propriedade imóvel, mas a uma altura que ainda lhe permita a utilização do solo e/ou do subsolo.

Constituído o direito de laje, o bem imóvel, até então existente, sofrerá uma modificação tão grande em sua configuração que se torna realmente ne-cessária uma profunda alteração em sua descrição. A propriedade imóvel que existia até então não mais existirá, surgindo em seu lugar duas novas formas de domínio sobre uma fração da superfície do planeta, duas unidades imobiliárias autônomas.

O direito de laje não se confunde e não pode coexistir com o direito da plena propriedade convencional.

Mas esse tipo de situação não é novidade para o direito.

Há muito tempo já se admite uma forma especial de propriedade, conhe-cida como propriedade horizontal, exatamente por ser limitada em seu aspecto vertical e que não contempla espaço aéreo e nível inferior. Trata-se da conheci-da figura da unidade autônoma em condomínio edilício, ou seja: apartamentos, vagas de garagem, salas ou boxes comerciais em edifícios transformados em condomínio, segundo as regras da lei.

da deNomINação daS ParteS Sob o Novo dIreIto

Parece mesmo ser necessária uma nova e adequada denominação para aquele que se coloca no papel de dono do espaço aéreo de um imóvel (o titular do direito de laje sobreposta) e daquele que se coloca na situação de quem igualmente possui direitos sobre o mesmo espaço terrestre, mas limitado ao solo e subsolo.

Por falta de melhor opção, sugere-se denominar a unidade autônoma titular de um direito de laje acompanhado de sua qualificadora como laje sobre-posta. É com essa denominação que a situação é conhecida pela população em geral e a denominação simples laje não parece suficientemente esclarecedora de uma situação de direito tão especial. Laje, de fato, pode denominar pura e simplesmente a cobertura de uma edificação ou a divisão entre pavimentos de uma mesma edificação, inclusive de condomínio edilício (embora mais comum seja a denominação pavimento ou andar).

O uso de termo residência sobreposta é comum em muitas regiões do País. Quem desconhece o termo é porque nunca se dispôs a consultar detida-mente a seção de Classificados de Imóveis de algum jornal de boa circulação em qualquer cidade de média ou grande população.

60 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

O titular do direito, ou o dono da laje sobreposta, poderia, em uma de-nominação mais técnica e muito útil para o cadastramento junto à municipali-dade, para fins de cobrança de IPTU e taxas devidas pelo uso do solo urbano (coleta de lixo, iluminação e manutenção de vias públicas) e, também, para o registro imobiliário e eventuais negócios jurídicos que venha a realizar (a constituição de hipoteca ou alienação fiduciária, por exemplo), ser denomi-nado como proprietário horizontal em sobreposição ou, simplesmente, como proprietário de laje em sobreposição.

Na medida em que o texto legal não definiu a correta denominação do titular desse novo tipo de direito sobre imóvel, o que se sugere, então, nesse primeiro momento e, evidentemente, sujeito a críticas e aperfeiçoamento, é a denominação supracitada.

Se, de um lado, ou mais precisamente, em um pavimento superior, aci-ma, existe um titular de laje sobreposta; por outro lado, em um pavimento di-verso, existe outro cidadão que é igualmente titular de direitos sobre o solo e subsolo daquele mesmo espaço da superfície terrestre. Esse cidadão, por não manter em sua esfera patrimonial o pleno domínio sobre o espaço aéreo acima do imóvel, não se confunde com um proprietário convencional.

A posição singular desse cidadão, que igualmente detém direitos sobre o mesmo imóvel, demanda sua correta denominação e identificação, inclusive para que a municipalidade possa, correta e adequadamente, cadastrar e iden-tificar a sua unidade imobiliária autônoma, dele cobrar sua parcela de respon-sabilidade no custeio das taxas de uso e ocupação de solo e, ainda, efetuar a cobrança de Imposto Predial e Territorial Urbano.

A ciência da geologia possui uma denominação técnica que pode vir a ser adotada para, corretamente, identificar este proprietário de imóvel inferior à laje sobreposta.

É termo de uso pouco usual, mas de significação inquestionável: abaixo daquilo que está sobreposto existe o que está “sotoposto”.

Muito provavelmente a denominação sotoposta (em oposição à sobre-posta) não será incorporada ao uso comum da população. O cidadão possivel-mente continuará a usar a mesma denominação que usa na atualidade, ou seja, antes da regularização deste novo tipo de direito: o imóvel que está abaixo da casa sobreposta existente, será simplesmente denominado como térreo.

Entretanto, como referido antes, existe uma necessidade prática de rea- lizar a correta identificação dos diferentes titulares de direito sobre o mesmo imóvel. No mínimo, para finalidade de cadastro e tributação pela municipalida-de, mas, também, para efeitos de contratação formal e registro imobiliário desse novo tipo de direito real.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������61

Uma denominação possível e de boa precisão técnica seria, portanto, proprietário horizontal sotoposto (ou em sotoposição).

Mesmo parecendo difícil e pouco prático, é importante considerar a pos-sibilidade de utilizar uma denominação adequada à situação singular do imóvel no qual exista a propriedade horizontal do tipo laje sobreposta regularmente instituída e registrada no registro imobiliário. A denominação proprietário térreo é claramente incompleta para definir e corretamente indicar a situação jurídica da propriedade compartilhada do imóvel existente abaixo de uma laje sobre-posta a ele.

É complexa a aplicação dessa novidade em matéria de direito real e ne-cessário será evitar qualquer possibilidade de confusão entre a situação pecu-liar do direito de laje sobreposta, ainda novidade no mundo do direito, com o direito de superfície e também com a propriedade em regime de condomínio, institutos de uso consolidado sobre os quais a doutrina e jurisprudência ofere-cem alargados ensinamentos.

o teXto da Norma

A citada Medida Provisória nº 759, editada nos últimos dias do ano de 2016, ao criar esse novo direito real, limitou-se a alterar um artigo do Código Civil em vigor, o de número 1.225, que enumera as diferentes espécies de di-reitos reais existentes em nosso ordenamento jurídico, nele incluindo um novo inciso (XIII, a laje), e a criar um novo artigo do mesmo diploma legal, o de nú-mero 1.510-A.

Com a entrada em vigor desta Media Provisória nº 759, o Código Civil foi, então, acrescido do art. 1.510-A, que, em sua cabeça e seus parágrafos enumerados de 1º a 8º, fornece a definição e um regulamento elementar deste novo direito real.

A sua redação, muito sintética e objetiva, é transcrita em sua integrali-dade:

Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilida-de de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.

§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária

62 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.

§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam iso-lamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.

§ 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade.

§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alie-nadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.

§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.

§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.

§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.

o eSSeNcIal aceSSo Para vIa PÚblIca

Situação que merece grande reflexão e criação de alguma forma de so-lução prática, talvez até mesmo alguma norma positivada, é a correta definição e demarcação de como se dará o necessário acesso à via pública para o titular da laje sobreposta.

O acesso exclusivo à via pública é requisito expresso e necessário para a instituição dessa forma nova e especial de domínio conjunto sobre a proprie-dade de um imóvel.

O § 3º do referido art. 1.510-A exige que a laje sobreposta e a proprieda-de sotoposta possuam isolamento funcional e acesso independente, para que, assim, possam ser consideradas como tal.

A adequada definição da testada do imóvel para a via pública é um as-pecto singular que, de modo algum, poderá ser ignorado pela municipalidade que venha regularmente aprovar o desdobramento de um imóvel na forma ora em análise. Além dessa importante especificação cadastral e tributária, o acesso exclusivo (ou independente, no dizer do texto legal) para a via pública irá re-presentar para o habitante do imóvel em sobreposição um endereço único, seu endereço de correspondência, sua identificação singular perante a sociedade.

Interessante ressalvar que possuir um endereço corretamente especifi-cável e de reconhecimento geral é fato social de grande importância. Apenas

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������63

quem não possui um endereço com tal característica sabe quanto isso faz falta em seus negócios e suas relações pessoais.

É notório que o valor das taxas de iluminação, limpeza e conservação da via pública é fixado para os imóveis em razão diretamente proporcional à sua testada ou quantidade de metros lineares com frente para a via pública. Certamente a correta dimensão da área linear de acesso para a via pública será parâmetro mínimo para a cobrança das taxas referidas que serão de responsa-bilidade do proprietário horizontal de laje sobreposta, pois o titular do direito necessariamente deverá responder pelos encargos e tributos incidentes sobre a sua unidade imobiliária (cf. art. 1.510-A, § 4º).

Entretanto, possível e mesmo recomendável seria a criação de uma fór-mula diferente para fixação de tais valores, em que se levasse em consideração a proporção entre as diferentes áreas úteis construídas ente o imóvel sotoposto e a laje a ele sobreposta.

O acesso independente – leia-se, testada para via pública – é requisito essencial para a existência do direito de laje sobreposta. Tal característica fun-damental, que diferencia, de forma clara e inequívoca, a laje sobreposta de qualquer espécie de propriedade em condomínio (edilício), contudo, pode vir a representar grande dificuldade prática para o registro imobiliário das duas novas unidades que haverão de surgir com a bipartição da propriedade.

Seria possível, por exemplo, que o acesso exclusivo para a via pública viesse a representar uma testada relativamente extensa e precedida por um cor-redor de acesso igualmente extenso, de tamanho suficiente para, por exemplo, servir de espaço de guarda e estacionamento de veículos (uma garagem inde-pendente), ou seja, o proprietário da laje sobreposta pode perfeitamente adqui-rir também o direito de uso exclusivo de uma porção do solo, em nível da via pública, para nele realizar, além do acesso à sua residência, outros tipos de uso e atividades, situação essa que não descaracteriza o seu imóvel como sendo o que é, ainda e apesar de conter alguns metros quadrados de uso privativo do solo, uma forma de propriedade horizontal do tipo laje sobreposta.

Essa é a inteligência do disposto no § 1º do novo artigo inserido no Có-digo Civil, supratranscrito.

O texto legal, ao condicionar a possibilidade da existência do direito de laje a uma necessária sobreposição ou solidariedade de edificações ou terrenos, não limita a forma como deve ocorrer essa sobreposição. Evidente que a sim-ples existência de uma pequena parte de construção em sobreposição a outra edificação ou porção do solo resulta em ser impossível a individualização de lotes autônomos.

64 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A hipotética, situação já colocada, certamente deverá ocorrer na prática e deverá demandar boa dose de inteligência na interpretação do instituto.

Ao que parece, a melhor solução seria, quando da regularização de tal situação, levar em consideração, no Memorial Descritivo do imóvel, que o di-reito de laje sobreposta também utilizar-se-á de uma área perfeitamente deli-mitada na propriedade do solo, que tal área possui determinada testada, que é parte integrante e indissociável da laje sobreposta para a qual, além do acesso à via pública, representando espaço de uso exclusivo para a utilização da forma como o seu proprietário desejar.

dIfereNçaS eNtre uNIdade autôNoma e laJe SobrePoSta

A tradicional e muito conhecida forma de propriedade em condomínio edilício com o direito de laje não se confunde, mas representa direito sobre imóvel com algumas características especiais que são úteis para a melhor com-preensão e aplicação prática desse novo direito real.

Todo condomínio edilício (apartamentos, salas comerciais, vagas de ga-ragem ou o que mais a criatividade humana venha a conceber) representa forma de propriedade em condomínio que, grosso modo, se caracteriza pela exis-tência de unidades autônomas vinculadas a frações ideais no solo e em partes de uso comum, existindo direitos e deveres atribuídos a todos os condôminos, regulamentos e normas que visam a ordenar a convivência harmônica entre as partes e o uso comum de espaços e coisas, visando à diminuição de conflitos entre as pessoas que convivem nesse tipo especial de comunidade.

Curiosa característica do condomínio edilício, desconhecida de grande parte da população, é a existência de uma necessária vinculação da unidade autônoma com uma fração do solo onde está edificado o condomínio.

Para quem se surpreende com a necessidade ou importância dessa impo-sição legal, basta conceber a situação hipotética em que o edifício venha a ser demolido e as unidades autônomas e o próprio condomínio deixem de existir. Se esse fato vier a ocorrer, ao dono do apartamento restará garantida, ainda, uma fração ideal da propriedade do solo, espaço aéreo e subsolo, mas em con-domínio simples com todos os demais condôminos que, enquanto existente o edifício, eram proprietários de unidades autônomas.

Diferentemente do condomínio simples, no condomínio edilício, por uma ficção jurídica, existe propriedade plena de unidade autônoma, mas limi-tada ao regulamento existente para uso e fruição das partes comuns e exercício de direitos e deveres para com o condomínio.

Por tal motivo, o proprietário de um apartamento pode usar e dispor da propriedade de seu imóvel – unidade autônoma necessariamente vinculada à

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������65

fração ideal do solo e propriedade comum – sem nenhum tipo de restrição, situação essa que não acontece no condomínio simples de frações ideais no terreno.

A laje sobreposta a ser regularizada como novo direito autônomo tem alguma semelhança física com a propriedade imobiliária de unidade autônoma integrante de condomínio edilício, principalmente com aquele tipo de unidade que possui acesso direto para a via pública. Uma sala comercial situada em ní-vel próximo da via pública, acima de vagas de garagem localizadas no subsolo ou em nível inferior a ela, é exemplo perfeito de tal semelhança.

A aparência semelhante, entretanto, não corresponde à realidade jurídica dos institutos.

A propriedade de unidade autônoma em condomínio, de fato, é pro-priedade plena de imóvel horizontal sujeito a regras de convivência, legais e convencionais. O direito de laje sobreposta, diferentemente, não pode ser assim considerado.

Inconcebível seria, por exemplo, a nomeação de um síndico para repre-sentar o interesse das partes, igualmente inaceitável a existência de cobrança compulsória de contribuição condominial.

Entretanto, apesar da diferença jurídica existente entre as situações, é in-questionável e evidente que, para a convivência harmônica entre os indivíduos, a experiência adquirida em décadas de utilização da propriedade em condo-mínio edilício deve ser aproveitada, pois as situações em muito se igualam e os eventuais problemas que acontecem no condomínio poderão acontecer nesse novo tipo de unidade imobiliária representada pela laje sobreposta.

Exemplos de conflitos na convivência comum não faltam. Caso típico ocorre quando o habitante do andar superior, descuidando-se da impermeabi-lização de sua cobertura ou seu piso, ou, ainda, da correta condução das águas pluviais ou servidas (esgoto sanitário), vem a causar prejuízos e transtornos para o habitante do piso inferior. Os efeitos da lei da gravidade não podem ser con-tornados ou revogados por qualquer instituto jurídico e, necessariamente, quem ocupa um espaço inferior no mesmo imóvel sofrerá os seus efeitos.

Por outro lado, podem ocorrer transtornos e incômodos em ordem in-versa: o usuário do pavimento inferior pode pretender utilizar-se do espaço aéreo do titular do direito de laje, para nele fazer instalar reservatórios de água tratada (caixa d’água) ou antenas para recepção de sinais de radiodifusão, e tal necessidade de uso, igualmente, pode vir a ser fonte de conflitos entre pessoas.

O legislador, ao outorgar um caráter autônomo ao direito de laje sobre-posta, diferenciando-o de qualquer tipo de propriedade em condomínio (quer na forma tradicional ou na especial forma do condomínio edilício), poderia,

66 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

também, no mesmo dispositivo normativo, oferecer ao cidadão um esboço de regulamento, um conjunto mínimo de regras de utilização e convivência, como o existente no caso da propriedade em condomínio (arts. 1.314 e seguintes do Código Civil).

Entretanto, na medida em que isso não foi feito, será natural que os usuários e os operadores de direito venham a se socorrer das lições da história para oferecer um regulamento para as relações de convivência entre os diferen-tes titulares de direitos sobre o imóvel quando a propriedade plena venha a ser descaracterizada, ou desdobrada, nas formas especiais e singulares das unida-des autônomas do tipo laje sobreposta e propriedade horizontal sotoposta.

A própria escritura pública que irá instrumentalizar o direito e o registro imobiliário que deverá ocorrer para a efetiva concretização dessa forma nova de propriedade imóvel, também poderia retratar regras convencionais que re-gulem a convivência harmônica entre os proprietários do imóvel em tal regime de propriedade espacialmente comum (embora juridicamente independente).

dIfereNçaS eNtre o dIreIto de SuPerfícIe e laJe

Doutrinadores diversos levantaram uma forma de polêmica, desnecessá-ria no entender deste autor, contra essa nova forma de direito real, por entendê--lo como novidade desnecessária, uma vez que a propriedade em projeção ver-tical, há muito, já está prevista em nosso ordenamento, sob a forma do direito real de superfície.

Deveras, quando se tratar de propriedade de imóvel urbano, já previu o Estatuto da Cidade a possibilidade de, diferentemente da regra geral constante do Código Civil, criar-se um direito de superfície com prazo por tempo indeter-minado e transmissível a herdeiros ou sucessores.

De fato, o direito de superfície sobre projeção vertical de um imóvel ur-bano e constituído com prazo de validade por tempo indeterminado em muito se assemelha ao novo direito (de laje em sobreposição), mas dele se diferencia por uma característica fundamental: na laje sobreposta existem unidades imo-biliárias autônomas de titularidades distinta daquela originalmente existente.

Além disso, assim como ocorre com o condomínio edilício, para que o direito de laje possa existir, é necessária a existência de alguma edificação sobre o solo, ao passo que o direito de superfície pode se referir unicamente a terreno sem benfeitoria alguma.

a aPlIcação PrátIca do dIreIto

Inquestionável que a laje sobreposta, por tratar-se de um direito real so-bre imóvel, deverá ser criada e receber sua existência no mundo jurídico por

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������67

meio da realização de uma escritura pública e seu correspondente registro junto ao registro de imóveis competente.

O cadastramento municipal e a obediência aos requisitos urbanísticos também serão elementos fundamentais, devendo o Poder Público manifestar-se no procedimento.

Aliás, a forma e oportunidade da participação da municipalidade no pro-cedimento deverão ser os principais temas a serem debatidos no início da apli-cação prática desse novo direito real.

Regra geral, para transmissão da propriedade, constituição de hipoteca, contratação de alienação fiduciária, reserva ou instituição de usufruto ou, ain-da, contratação de qualquer outro tipo de direito real sobre imóvel, a aprovação prévia da municipalidade é dispensável, pois, conforme preceito fundamental referido antes, o proprietário pode livremente dispor de sua propriedade (leia--se: vender, ceder, onerar...).

Entretanto, diante da particularidade do direito de laje sobreposta, a au-torização da municipalidade parece ser necessária e de realização obrigatória, ainda antes da conclusão formal do direito junto ao registro imobiliário, pois é do Município a competência para regulamentar o uso da propriedade territorial urbana, sendo possível a existência de eventual proibição expressa de consti-tuição desse tipo de direito real sobre imóvel, com fundamento no interesse da preservação de um menor adensamento do uso do solo urbano.

Por outro lado, inexistindo qualquer proibição legal de constituição de direito de laje e de adensamento no uso do solo urbano, em tese, a sua contra-tação seria permitida e a aprovação prévia da municipalidade para sua consti-tuição, dispensável, como, por exemplo, ocorre com a venda do imóvel com um todo.

Ainda sobre a dispensabilidade de aprovação prévia da municipalidade, é possível também defender tal situação quando em um único imóvel já exista regularmente aprovada pela municipalidade a construção de prédio residen-cial (ou de uso misto) de dois ou mais pavimentos, em que exista pluralidade de proprietários, em regime de condomínio de frações ideais e quando eles, proprietários, venham a decidir-se pela extinção desse condomínio tradicional, modificando a situação de incerteza jurídica sobre o uso do imóvel, caracte-rística básica do condomínio civil convencional, pelo regime de propriedades horizontais sotopostas e sobrepostas, essas devidamente individualizas e carac-terizadas como unidades imobiliárias autônomas.

De fato, o objetivo principal da referida medida provisória é a regulari-zação da propriedade urbana. Sendo o condomínio tradicional causa comum de discórdias e querelas, a aplicação simplificada de qualquer dispositivo novo

68 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

que venha a solucionar pendências e problemas já existentes no meio urbano deve mesmo ser facilitada e incentivada. O regime de sobreposição de proprie-dades autônomas inaugurado com esse novo direito, a laje sobreposta, é caso típico de situação consolidada que o direito se vê forçado a reconhecer.

valor ecoNômIco e trIbutárIo

De alguma complexidade será a definição do valor tributário para a cons-tituição do direito de laje sobreposta.

Inquestionavelmente, tal negócio jurídico representa transmissão de bem imóvel e deverá ser tributado por imposto de transmissão (ITBI), quando ele tiver o seu surgimento no mundo jurídico e econômico.

Ressalve-se, entretanto, que não é impossível que o regime de sobreposi-ção (a laje sobreposta e a propriedade sotoposta) venha a ganhar sua existência jurídica por meio de um procedimento do tipo divisão amigável/extinção de condomínio/atribuição, quando, então, o tributo não será devido.

Para o necessário cadastramento municipal e a fixação de valor venal para a propriedade horizontal sobreposta e a sotoposta, poderá se valer a mu-nicipalidade da experiência adquirida com a propriedade em condomínio edi-lício, levando em consideração a área de uso exclusivo daquela unidade, o tamanho da testada para a via pública e, ainda, a existência de área de uso exclusivo de cada unidade.

Não se pode desconsiderar a possibilidade de que ao proprietário da laje sobreposta seja atribuída uma testada para a via pública relativamente ampla (para a guarda de veículos, por exemplo) e que, portanto, pode representar área de solo de uso exclusivo, inclusive sem limitações de uso de espaço aéreo e de subsolo e que, portanto, poderá ser tributada integralmente pelo imposto de propriedade, de forma análoga à propriedade plena.

a aPlIcação Na PrátIca

Quando se redige este texto, por falta de maior detalhamento normativo (sequer a medida provisória foi convertida em lei), mostra-se um pouco difícil a elaboração de qualquer modelo ou minuta de ato notarial que venha a instituir o direito de laje e a propriedade em regime de sobreposição e sotoposição.

Entretanto, entende este autor que, mesmo independentemente de au-torização municipal ou maior detalhamento sobre a forma da aplicação práti-ca desse novo direito, em tese, seria possível a realização da extinção de um condomínio atualmente existente, contanto que junto ao cadastro municipal e registro imobiliário exista devidamente regularizada uma única construção predial.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������69

Quando um imóvel existir como realidade concreta e jurídica, em que não se pretenda a constituição de condomínio edilício ou se permita a divisão convencional, em virtude de sobreposição parcial de áreas construídas, para que o mesmo deixe de ser um condomínio convencional e transforme-se efe-tivamente em duas ou mais unidades autônomas, com matrículas e descrições próprias, necessário e de possível realização imediata a instituição desse novo direito real.

Em sendo identificada tal situação (que se imagina de ocorrência co-mum), a elaboração de uma hipotética extinção de condomínio, transformando uma única propriedade em unidades autônomas regidas pelo direito de laje, será de realização possível e imediata, sem a dependência de qualquer texto normativo complementar ou regulamentador.

Tal exercício teórico é tarefa que este autor se propõe a realizar breve-mente e igualmente oferecer para crítica e análise de eventuais interessados neste tema interessante e inovador.

Assunto Especial – Acontece

Direito de Laje

Direito Real de Laje – Lei nº 13�465/ 2017 (Conversão da MP 759, de 22 de Dezembro de 2016)

No dia 22.12.2016, foi publicada a MP 759, que dispõe sobre a regu-larização fundiária rural e urbana, e, além de outras questões, incluiu entre os direitos reais “a laje”.

Em 11 de julho deste ano, a MP foi convertida na Lei nº 13.465, que trata, entre outros dispositivos, do direito de laje, acrescentando um capítulo no Código Civil.

Nesta edição trataremos deste direito, mas, quando os artigos foram re-digidos, eram, ainda no âmbito da MP 759; portanto, os dispositivos não se encontram na mesma ordem em que estão acrescentados no Código Civil.

Os artigos estão explicitando, de uma maneira ímpar, o que é o “direito de laje”, e, por esse motivo, procedemos com a publicação, embora em seu teor ainda não fizessem menção à Lei nº 13.465, mas sim à MP 759/2016.

Vejamos como era a disposição na MP 759 e como ficou no Código Ci-vil, com a publicação da Lei nº 13.465:

MP 759/2016

TÍTULO XI

CAPÍTULO ÚNICO

Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilida-de de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.

§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.

§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam iso-lamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – ACONTECE �������������������������������������������������������������������������������������������������������������71

§ 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade.

§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alie-nadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.

§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.

§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.

§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje. (NR)

Código Civil

Alteração acrescentada pela Lei nº 13465, de 11 de julho de 2017

Da Laje

(Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que inci-direm sobre a sua unidade. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 3º Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 4º A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 5º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)§ 6º O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a institui-ção de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Art. 1.510-B. É expressamente vedado ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo

72 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – ACONTECE

estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação local. (Incluí-do pela Lei nº 13.465, de 2017)

Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomí-nios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conserva-ção e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1º São partes que servem a todo o edifício: (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

I – os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

II – o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

III – as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicio-nado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

IV – em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2º É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Art. 1.510-D. Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1º O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e oitenta dias, contado da data de alienação. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2º Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo: (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

I – se este tiver sido instituído sobre o subsolo; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

II – se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Parte Geral – Doutrina

Direito Intertemporal – Início do Prazo Durante a Vigência do Novo CPC: a Forma do Ato Processual e a Contagem dos Prazos em Dias Úteis

FABRIzzIO MATTEuCCI VICENTEBacharel pela PUC/SP, Mestre e Doutor em Direito Processual pela USP, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação dos Advogados de São Paulo, Membro da Comissão de Franchising, Julgador no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, Professor de Direito Processual Civil e Arbitragem na FMU, UMC e EPD. Coordenador e Professor do Curso “Novo Código de Processo Civil” na EPD (Escola Paulista de Direito – São Paulo).

LuIz ANTONIO SCAVONE JuNIORAdvogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC/SP, Professor e Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Imobiliário e Atualização do Novo CPC da EPD, Professor Titular do Curso de Mestrado em Direito da EPD, Professor de Direito Civil, Imobiliário e Arbitragem nos Cursos de Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador e Professor do Curso “Novo Código de Processo Civil” na EPD (Escola Paulista de Direito – São Paulo).

Na hipótese de início do prazo na vigência do novo CPC, vale, sempre, para regular o prazo e a forma do ato, a norma processual em vigor no início do prazo a ser cumprido.

O processo é uma relação jurídica que se inicia pela provocação do autor dirigida a um órgão jurisdicional, completando-se com a citação do réu, desenvolvendo-se em atos jurídicos logicamente encadeados e direcionados à entrega de uma tutela jurisdicional (cf. Enrico Tullio Liebman, Manual de direito processual civil, p. 181/183).

Sendo, portanto, uma relação jurídica que, simultaneamente, se apresen-ta complexa e dinâmica, o tratamento dado pela lei processual no tempo não pode se limitar a separar o atendimento de processos já encerrados e os proces-sos futuros, como não raras vezes ocorre com a aplicação do direito material.

Tem-se, portanto, a necessidade de se regular a forma como se dá a inci-dência da norma processual em relação aos processos pendentes ao tempo do início da vigência do novo Código de Processo Civil.

Nesse sentido, relativamente às leis processuais, é comum a afirmação de que a lei processual deve atingir os processos pendentes.

74 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Entretanto, essa verdade impõe a análise de atos processuais já pratica-dos, atos em curso e atos processuais futuros e, bem assim, o início e a forma de contagem dos prazos.

A questão deve ser resolvida de maneira objetiva, a fim de evitar a inse-gurança jurídica e a surpresa processual, dois aspectos altamente perigosos no trato do tema processual.

Fernando Fontoura da Silva Cais, em tese de doutorado intitulada “Di-reito processual civil intertemporal” (Fadusp, 2010), apresenta a importância de se tratar do tema relacionado aos direitos processuais adquiridos, a regulação dos poderes judiciais e os parâmetros de identificação das situações jurídicas processuais.

A lei poderia adotar diferentes soluções para regular a eficácia da lei pro-cessual no tempo, estabelecendo-se retroatividade, atingindo fatos pretéritos, mas ainda não eficazes, regulando, de outro lado, limitações aos atos proces-suais futuros, cujos direitos teriam sido adquiridos pelos sujeitos do processo ainda na vigência da lei velha. Enfim, são várias e tormentosas questões que poderiam ser tratadas de forma diversa pelo novel estatuto processual.

Para evitar a polêmica, o Código de Processo Civil de 2015, ao largo desses debates, adotou teoria mais objetiva.

De fato, o Código de Processo Civil de 2015, que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016 (cf. Enunciado Administrativo nº 1 do Superior Tribunal de Justiça), adotou, em regra, o “princípio do isolamento dos atos processuais”.

Nessa medida, noticia Daniel Amorim Assumpção Neves:

Seguindo a tradição de que as normas processuais têm aplicação imediata, o art. 1.046 do Novo CPC prevê que, ao entrarem em vigor suas disposições, apli-car-se-ão desde logo aos processos pendentes, ficando revogado o CPC/1973. No mesmo sentido, o art. 14 do Novo CPC ao prever que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Pro-cesso Civil comentado. Salvador: Jus Podivum, 2016. p. 1787)

Com efeito, eis a redação do art. 1.046, caput, do Código de Processo Civil: “Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

Noticiam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, nos comen-tários ao art. 1.046 do CPC/2015 (Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2.406), que “a lei nova se

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������75

aplica imediatamente às situações por ela (lei nova) reguladas, a partir da sua entrada em vigor” e, demais disso, mencionam a lição de Roubier, segundo o qual “o efeito imediato da lei deve ser considerado como regra ordinária: a lei nova se aplica, desde a sua promulgação [rectius: entrada em vigor], a todos os efeitos que resultarão no futuro, de relações jurídicas nascidas ou por nascer” (Roubier, Droit transitoire, n. 3, p. 11).

Com esse tratamento, portanto, a lei processual nova não retroage de um lado e a lei processual velha não é ultrativa de outro.

Analisam-se os atos processuais já praticados, respeitam-se os atos já exauridos e aplica-se a nova lei aos atos processuais futuros.

Assim, se um ato processual já foi praticado sob a vigência da Lei Pro-cessual de 1973, é sob o regramento desta que aquele deverá ser analisado. Importante observar, nessa exata medida, que o ato processual de julgamento, a ser realizado sob a vigência da Lei Processual de 2015, deverá atender aos requisitos desta última.

Exemplificando: se um recurso foi interposto sob a vigência do CPC/1973, deverá respeitar os requisitos legais de interposição deste Código.

Entretanto, se o julgamento ocorrer sob a vigência do CPC/2015, o acór-dão deverá ter o cuidado da fundamentação exigida pelo art. 489 do novel Estatuto Processual.

São, portanto, atos processuais distintos, isolados, praticados sob a vigên-cia de leis distintas e atendendo, cada um, às exigências do respectivo Código.

Mas há detalhes nessa questão que precisarão ser observados: assim, por exemplo, se uma decisão foi publicada sob a vigência do CPC/1973 e o recurso precisar ser interposto sob a vigência do novo Código, qual das leis será res-peitada quanto aos requisitos deste recurso? A essa altura não temos mais esses casos, mas eles ocorreram.

Respondendo à questão e sem se afastar do “princípio do isolamento dos atos”, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, por meio de “enunciados ad-ministrativos”, regras específicas para tratar a questão dos requisitos recursais, com o claro objetivo de evitar que, nessa situação, os atos judiciais venham a ser prejudicados pelo início da vigência do novo Código.

Seguindo a mesma linha:

Enunciado Administrativo nº 2/STJ: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as inter-pretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

76 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Enunciado Administrativo nº 3/STJ: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”.

E a regra faz todo sentido na exata medida em que, publicada a decisão sob a égide do CPC/1973, o direito de recorrer nasceu sob o manto daquela lei e é ela, sem esquecer os arts. 14 e 1.046 do CPC/2015, que deveria mesmo regular a admissibilidade do recurso.

De outro lado, mesmo que a decisão a ser recorrida tenha sido proferida antes do início da vigência do CPC/2015, se a publicação dela se deu depois, é sob a batuta da novel lei processual que os requisitos recursais devem ser analisados.

Com esse tratamento, verifica-se a irretroatividade da nova lei processual de um lado, respeitando-se o início do prazo para recorrer sob a vigência do CPC/1973 e o atendimento da segurança jurídica, afastando-se a surpresa pro-cessual; de outro, para que as partes não sejam prejudicadas pela chegada do novo CPC.

Mais especificamente quanto à forma da contagem dos prazos, o tra-tamento do direito intertemporal não deve ser e não é diferente quanto aos princípios norteadores da interpretação da legislação processual: deve-se, de um lado, evitar a surpresa processual; e, de outro, adotar-se a proteção aos atos jurídicos já praticados, aplicando-se o consagrado “princípio do isolamento dos atos processuais”.

O que ocorre, assim, é que se devem separar os conceitos fundamentais: aqueles relacionados às regras que regulam o termo inicial, os prazos legais e o termo final dos prazos processuais em razão das normas que regulam a conta-gem dos prazos processuais.

No que diz respeito às regras que regulam o termo inicial, o prazo e o termo final, se o ato processual se deu sob a vigência do CPC/1973, assim en-tendida a intimação comunicada às partes ou a citação, esta com a juntada aos autos do AR ou do mandado cumprido, é com a regulação da Lei Processual de 1973 que se dará todo o atendimento do prazo.

De outro turno, se a intimação comunicada às partes ou a citação com a juntada aos autos do AR ou do mandado cumprido se materializara sob a vigência do CPC/2015, será sob a vigência deste que se dará todo o tratamento processual relativamente aos prazos.

Isola-se, dessa maneira, o ato processual: intimação ou citação para efei-to de contagem dos prazos, nos termos dos arts. 14 e 1.046, caput, do CPC de 2015.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������77

Da mesma forma, se a determinação da citação se dá na vigência do CPC/1973, mas a intimação/citação se dá sob a vigência do novo CPC, evitan-do-se a ultratividade do CPC/1973 e a retroatividade do CPC/2015, embora a determinação de citação tenha se materializado sob o manto dos requisitos es-tabelecidos para ela no Código revogado, ao tratamento do ato e dos prazos de-ver-se-á dar aquele do CPC/2015, inclusive para regular a forma de contagem.

Isto é, buscou-se, assim, evitar a prejudicial surpresa processual.

Isso porque, valendo-se, ainda, da lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (ob. cit., p. 2406), “a lei nova atinge as relações continu-ativas (facta pendentia), isto é, aquelas que se encontram em execução, ainda que tenham sido geradas na vigência da lei antiga”.

Assim, por exemplo, se a determinação de citação se deu ainda sob a égide do CPC de 1973, o juiz não deveria mesmo marcar, por evidente, a au-diência de conciliação do art. 334 do CPC de 2015, de tal sorte que ordenou a citação para o réu responder em 15 dias, muito embora, até por ausência de condições estruturais, tenhamos notícia da não designação da audiência nesse ato de determinação de citação até hoje.

Todavia, citado o réu, com a juntada do mandado sob a vigência do CPC de 2015, o termo inicial do prazo para contestar ocorreu sob a vigência do CPC/2015 e é este que deve regular a forma da contestação e os critérios para contagem do prazo.

Pensar diferente seria atribuir uma ultratividade à Lei Processual de 1973, relativamente ao curso dos prazos processuais e à forma da contestação.

Assim, o prazo de 15 dias será contado, nessa hipótese, em dias úteis (CPC, art. 219) e o réu deverá concentrar na contestação, por exemplo, a ar-guição de incompetência relativa e a impugnação ao valor da causa, além de poder nela fazer constar a reconvenção.

A contrario sensu, não cabem, por exemplo, exceção de incompetência e incidente de impugnação do valor da causa.

Quanto à contagem do prazo para contestação, a questão envolve a aná-lise da norma do CPC/2015, que, diferentemente do CPC de 1973, prevê a contagem dos prazos em dias úteis, tarefa cumprida pelo seu art. 219:

Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, com-putar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos pro-cessuais.

78 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

De acordo com a regra em questão, se um prazo processual em dias tem o início sob a vigência do CPC/2015, em dias úteis se dá a contagem do prazo.

A contrario sensu, apenas os prazos iniciados no âmbito do Código de Processo Civil de 1973 continuaram seguindo a contagem de prazo em dias corridos.

Eis o exemplo de Fredie Didier Jr.:

No CPC revogado, o Poder Público possuía prazo em quádruplo para contestar; no CPC atual, o prazo é dobrado. Com a citação, surge a situação jurídica “di-reito à apresentação da defesa”. Assim, mesmo que o novo CPC comece a viger durante a fluência do prazo de apresentação da contestação, que se iniciou na vigência do código passado, será garantido ao Poder Público o prazo em quádru-plo. (Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Jus Podivum, 2016. p. 59)

Esta é a correta lição de Tereza Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello (Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015) ao comentar o art. 14 do CPC: “O mesmo se diga quanto ao prazo para a resposta do réu: se começou a correr, antes de a nova lei entrar em vigor, ao réu cabe preparar resposta de acordo com o que prevê a lei revo-gada”, Logo, se o prazo começou a correr na vigência do atual Código de Pro-cesso Civil, é este o diploma processual a ser aplicado para efeito de contagem do prazo, notadamente o art. 219, que estabelece a contagem em dias úteis.

E foi essa, inclusive, a conclusão a que chegou o Fórum Permanente de Processualistas Civis nos Enunciados nºs 267 e 268, in verbis:

Enunciado nº 267 do FPPC: “Os prazos processuais iniciados antes da vigência do CPC serão integralmente regulados pelo regime revogado”.

Enunciado nº 268 do FPPC: “A regra de contagem de prazos em dias úteis só se aplica aos prazos iniciados após a vigência do novo Código”.

E o início da contagem do prazo, com exceções, como, por exemplo, na ação de reintegração de posse (CPC/2015, art. 564, parágrafo único), vem determinado na regra insculpida no art. 231 do CPC, ou seja, o da juntada, aos autos, do mandado cumprido na citação por oficial de justiça ou do AR na citação postal.

Eis o dispositivo:

Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:

I – a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio;

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������79

II – a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça;

[...].

Nesse sentido:

Enunciado Administrativo nº 4/STJ: “Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores serventuários e auxiliares da justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazi-dos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial”.

Quanto a esse enunciado, escreveram Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2411): “A incidência da nova sistemática processual, do CPC/2015, dá-se em todos os processos que tramitam no foro brasileiro e não apenas naqueles de competência originária ou recursal do STJ. O disposto na orientação trazida pelo enunciado se aplica em todas as instâncias e tribunais do Brasil”.

Portanto, como o direito à apresentação da defesa surge com a citação – até lá não se formou a relação jurídica processual em relação ao réu –, caso esta tenha ocorrido quando já estava em vigor o CPC/2015, o prazo para exer-cício deste direito que surgiu apenas com a citação – juntada do mandado, AR ou ciência do feito em cartório – segue, em relação à forma e à contagem dos prazos, o CPC/2015.

Ensina André Vasconcelos Roque:

As novas regras sobre contagem de prazo no CPC/2015 (prazos processuais so-mente em dias úteis, prazo de 15 dias para a generalidade dos recursos exceto embargos de declaração, etc.) aplicam-se desde quando? Não faria sentido que o prazo processual tivesse alguma forma de contagem híbrida (dois regimes ju-rídicos a um só prazo), a não ser que a lei dispusesse explicitamente nesse sen-tido. Da mesma forma, não faria sentido que o prazo, mesmo se encerrando na vigência do CPC/2015, por esse fosse disciplinado, uma vez que isso implicaria retroatividade da nova lei sem previsão explícita (contrariando a primeira premis-sa). A solução, portanto, é considerar como parâmetro a lei vigente ao tempo do início do prazo, como bem apontado pelos Enunciados nºs 267, 268 e 399 do FPPC. (Disponível em: <http://jota.uol.com.br/novo-cpc-e-direito-intertemporal--nem-foi-tempo-perdido-parte-ii>)

Adotou-se o princípio segundo o qual, tempus regit actum, deve ser com-preendido no contexto como incidência imediata das regras processuais. Con-sagrou-se, ademais, o “princípio do isolamento dos atos”, que, entre nós, decor-

80 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

re da citada regra do art. 1.046 do Código de Processo Civil, segundo o qual, ao entrar em vigor, o novo CPC se aplica desde logo aos processos pendentes.

Dessa forma, são isolados os momentos distintos do processo (v.g., ajui-zamento da ação, citação, apresentação de contestação, etc.) e, a cada ato, aplica-se a lei em vigor na data da abertura do prazo para a prática do ato.

Isso ocorre por que o Código de Processo Civil novo não pode agredir direitos fundamentais, sendo mais ou menos favorável a uma das partes, pois assim, es-taria agredindo, por exemplo, o princípio da igualdade das partes no processo. (AQUINO, Leonardo Gomes de. O tempo e o processo. Âmbito Jurídico, Rio Grande. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_arti- -gos_leitura&artigo_id=16341>. Acesso em: 25 maio 2016)

Segundo esse sistema [do isolamento dos atos processuais], a lei nova, encon-trando um processo em desenvolvimento, respeita a eficácia dos atos proces-suais já realizados e disciplina o processo a partir da sua vigência. (ALVIM, J. E. Carreira. Comentários ao Código de Processo Civil brasileiro. Curitiba: Juruá, 2011. p. 330)

Esclarecedora, nesse sentido, a lição de Elpídio Donizetti Nunes, membro da Comissão de Juristas do Senado Federal, responsável pela elaboração do an-teprojeto do novo Código de Processo Civil (Do velho para o novo: as regras de travessia no novo CPC. Gen Jurídico. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2015/12/16/do-velho-para-o-novo-as-regras-de-travessia-no-novo-cpc/>):

O processo, do ponto de vista extrínseco, é constituído por uma sequência de atos processuais. Ajuizada a ação, por meio do protocolo da petição inicial, to-dos os atos das partes pressupõem comunicação – citação ou intimação. O réu é citado para apresentar contestação, querendo. Da contestação o autor é intima-do, para exercer a faculdade de formular a sua réplica e assim por diante. A rigor, a lei que deve reger o ato a ser praticado é a lei do momento da comunicação para a prática desse novo ato do processo. Esse é o sentido da expressão tempus regit actum.

A mesma orientação ministrada quanto aos prazos vale para a forma dos atos processuais. Exemplo: A lei vigente no marco inicial do prazo para a contestação regulará a prática desse ato. Se o início do prazo foi marcado na vigência da lei revogada, a rigor, o réu, se for o caso, teria que apresentar exceção de incom-petência, impugnar em apartado o valor da causa e os benefícios da assistência judiciária e apresentar a reconvenção em peça distinta. Ao revés, se o marco temporal do prazo ocorreu na vigência da nova lei (veja art. 335 do NCPC), não só o prazo como a forma de apresentação da resposta deve obedecer a essa regra, o que equivale dizer, que a contestação poderá conter as exceções (defesas) e impugnações mencionadas, bem como a reconvenção.

Encontramos, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, duas precatadas decisões nesse sentido, que espelham o entendimento que resumimos:

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������81

Direito processual civil. Direito intertemporal. Agravo de instrumento. Prazo re-cursal iniciado ainda sob a vigência do CPC/1973. A lei que rege o prazo é a lei processual vigente no momento de seu termo inicial. Deste modo, prazos inicia-dos ainda sob a vigência do CPC/1973 são contados até o final segundo as dis-posições daquele Código, não lhes sendo aplicáveis as disposições sobre prazos do CPC/2015. Manifestações doutrinárias (Dierle Nunes e André Vasconcelos Roque). Enunciados nºs 267 e 268 do FPPC. Agravante que considerou que a contagem do prazo se daria por um critério híbrido, aplicando o CPC/1973 até o momento em que o CPC/2015 começou a vigorar, tendo aplicado as disposições da nova lei processual a partir daí. Equívoco que causou a intempestividade do recurso. Agravo intempestivo. Recurso de que não se conhece por decisão mo-nocrática, na forma do art. 932, III, do CPC/2015. (TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0016173, 41.2016.8.19.0000, J. 01.04.2016)

Agravo de instrumento. Ação de reintegração de posse. Audiência de justificação prévia. Prazo para apresentação da contestação. 15 dias a partir da decisão que defere ou não a medida liminar. Ao ser intimada para a audiência de justificação prévia a agravante apresentou peça atacando o pedido liminar. Irresignação re-cursal contra a decisão que declarou a ocorrência de a preclusão consumativa para a apresentação de nova peça de defesa. A ação de reintegração de posse é regida pelas normas dos arts. 560 a 566 do CPC/2015. O parágrafo único do art. 564 do CPC/2015 dispõe que quando for ordenada a justificação prévia o prazo para contestar será contado da intimação da decisão que deferir, ou não, a medida liminar. A fim de resguardar a garantia ao contraditório e da ampla defesa o pedido recursal deve ser acolhido, tendo em vista que a petição apre-sentada pela recorrente antes da audiência de justificação não pode ser conside-rada como a sua contestação. Deve-se, portanto, na forma do parágrafo único do art. 564 do CPC/2015, reformar a decisão agravada a fim de que seja concedido novo prazo para a agravante apresentar a sua defesa. Recurso conhecido e provi-do para conceder à agravante o prazo de 15 dias úteis a partir da intimação deste acórdão para a apresentação da sua contestação. (TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0002549-22.2016.8.19.0000, J. 26.04.2016)

Neste último caso, a citação já havia ocorrido, mas, de outro lado, não o termo inicial para contagem do prazo que, no caso do procedimento especial decorrente da reintegração de posse, se dá com a intimação da decisão sobre a liminar, nos termos do art. 564, parágrafo único, do CPC/2015.

Eis o teor da parte útil da fundamentação e do dispositivo:

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil tal norma passou a ser aplicada imediatamente aos processos em andamento, na forma do art. 14 do referido diploma legal:

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situa-ções jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

82 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

A ação de reintegração de posse é regida pelas normas dos arts. 560 a 566 do CPC/2015, sendo certo que no tocante ao mérito do presente recurso o parágrafo único do art. 564 do CPC/2015 manteve o entendimento acima esposado:

“Parágrafo único. Quando for ordenada a justificação prévia, o prazo para con-testar será contado da intimação da decisão que deferir ou não a medida liminar.”

Desta forma, a fim de resguardar a garantia ao contraditório e ampla defesa, o pedido recursal deve ser acolhido, tendo em vista que a petição apresentada pela recorrente antes da audiência de justificação não pode ser considerada como sua contestação. Deve-se, portanto, de acordo com o parágrafo único do art. 564 do CPC/2015, reformar a decisão agravada a fim de que seja concedido novo prazo para a agravante apresentar a sua defesa.

Diante do exposto, voto pelo conhecimento e provimento do recurso para conce-der a agravante o prazo de 15 dias úteis a partir da intimação deste acórdão para a apresentação da sua contestação.

Portanto, sendo este, o da intimação do acórdão, o termo inicial da con-tagem do prazo, ainda que a citação tenha sido anterior até ao início da vigên-cia do CPC/2015, foi deferido ao réu o prazo em dias úteis para contestar.

Em conclusão, seja lá qual for o caso, em que pese o processo ter sido ajuizado sob a vigência do revogado CPC/1973, para regular a contagem dos prazos processuais em dias úteis, aplica-se, sempre, a regra em vigor no início do prazo, ou seja, do art. 219 do novo CPC, que determina a contagem em dias úteis, quando o início do prazo dessa natureza se deu na sua vigência, i.e., a partir do dia 18 de março de 2016.

Parte Geral – Doutrina

A Responsabilidade do Fiador em Caso de Prorrogação do Contrato de Locação

MARCO MEIMESAdvogado Especialista em Direito Imobiliário, Sócio do Escritório Santos Silveiro Advogados.

SUMÁRIO: Introdução; I – Aspectos gerais da fiança prestada à locação; II – A responsabilidade do fiador em caso de prorrogação do contrato de locação; Considerações finais.

INtrodução

O presente estudo trata de assunto de grande importância no campo da locação de imóveis urbanos, especificamente no que se refere aos limites da garantia fidejussória, prestada para suportar eventual falta no pagamento dos aluguéis e acessórios. Assim como os demais tipos de garantias permitidos pela lei, a fiança encontra-se umbilicalmente atrelada à segurança jurídica buscada por todos no mundo dos negócios, sendo fator determinante para a existência de um contrato de locação.

Todos os participantes da relação jurídica locatícia devem ter presentes as características e peculiaridades da garantia: o locador, na medida em que necessita conhecer substancialmente os limites da apresentação de um fiador como garantia em caso de falta no pagamento dos aluguéis e encargos; o pró-prio locatário, devido às consequências jurídicas inerentes a um contrato de locação eventualmente desprotegido de garantia; e, finalmente, o fiador, em relação aos marcos legais e contratuais que assume ao apostar sua assinatura em um contrato de locação.

Inicialmente, busca-se, por meio de um cotejo das disposições legais ati-nentes, esclarecer aparente antinomia entre os direitos daquele que presta uma fiança e do que recebe a garantia. Em seguida, apura-se a diferenciação entre o aditamento e a prorrogação do contrato de locação – confronto especialmente importante para o assunto.

Por fim, levanta-se o entendimento jurisprudencial criado ao longo do tempo, com seu ápice na cristalização de verbete sumular perante Tribunal Su-perior, cuja crítica recaiu em sua equivocada aplicação pelos tribunais por certo tempo, mas que, ao final, culminou retomando o caminho da melhor prática. Tudo, diga-se, permeado por doutrina jurídica de referência sobre a matéria em questão.

84 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

I – aSPectoS geraIS da fIaNça PreStada à locação

No âmbito da locação de imóveis urbanos, poderá o locador, no intuito de reduzir os riscos inerentes ao recebimento do crédito de aluguel (aí incluídos o valor do locativo, dos encargos e dos acessórios) e exigir do locatário uma das modalidades de garantia previstas na própria Lei de Locações (Lei nº 8.245/1991), estabelecidas numerus clausus em seu art. 371.

Embora inexista forma absoluta de garantia, a lei pretendeu reduzir ao máximo os riscos do locador, permitindo a escolha de garantias entre variadas modalidades, quais sejam: a caução, a fiança, o seguro de fiança e a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. Tais garantias podem ser clas-sificadas em garantias reais (caução e cessão fiduciária de quotas) e garantias fidejussórias (fiança e seguro de fiança)2.

Por tratar-se de ajuste acessório, geralmente estabelecido e inserido no próprio instrumento contratual de locação, em caso de extinção da relação lo-catícia, desaparecerá automaticamente a garantia. A recíproca, no entanto, não é verdadeira, na medida em que alguns tipos de garantias poderão esvaziar-se no curso da relação, sem que esse fato encerre a locação, que permanecerá vigente, sem garantia, se o locatário não proceder na sua substituição3.

Para Maria Helena Diniz, a garantia locatícia é um ajuste que visa dar segurança no que respeita ao pagamento do aluguel e dos encargos. Afirma, também, que pode ser efetivada por meio da entrega de dinheiro, de um bem móvel ou imóvel, ou mediante “promessa de terceiro, estranho à relação jurídi-ca, de solver pro debitore, hipótese em que se configurará a garantia pessoal ou fidejussória, ou, melhor, a fiança, que, além de garantir a boa vontade de loca-tário, completará a sua insuficiência patrimonial com o patrimônio do fiador”4.

Mais precisamente sobre a fiança, tema do presente estudo, trata-se a mesma da obrigação acessória de garantia, em que uma ou mais pessoas, alheia(s) à relação principal (locação), obriga(m)-se a pagar o débito caso o devedor principal não o faça. As suas principais características são: acessorie-dade, unilateralidade, gratuidade e subsidiariedade5. O contrato de fiança é previsto na legislação entre os arts. 818 e 839 do Código Civil brasileiro. Deve ser formalizado por escrito e não comporta interpretação extensiva. Além disso, o fiador tem o direito de exigir que sejam, primeiro, executados os bens do de-

1 “Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: I – caução; II – fiança; III – seguro de fiança locatícia; IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.”

2 SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 163.3 Art. 40, parágrafo único, da Lei de Locações.4 DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 156.5 Idem, p. 158/159.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������85

vedor principal (benefício de ordem), salvo se houver renúncia expressa, se se obrigou como devedor principal ou solidário ou, ainda, se o devedor principal for insolvente ou falido. Por fim, nos termos do art. 835 do Código Civil, “o fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor”.

Pensemos na seguinte situação: uma locação teve seu prazo contratual expirado, porém o locatário permaneceu na posse do imóvel sem oposição do locador, acarretando na prorrogação da locação a prazo indeterminado, a teor do disposto no art. 46, § 1º, da Lei de Locações6. O fiador, nesse caso, permane-ce obrigado a garantir o crédito eventualmente não pago até a efetiva devolução do imóvel? Ou, como prestou a garantia a uma locação por prazo determinado, sua responsabilidade teria findado quando se encerrou dito limite temporal con-tratado? Em outras palavras: O término do prazo estipulado para o contrato põe fim às obrigações do fiador?

É sobre esses questionamentos e outros relacionados que passamos a ob-jetivamente nos debruçar.

II – a reSPoNSabIlIdade do fIador em caSo de Prorrogação do coNtrato de locação

Em sua origem, o art. 39 da Lei de Locações trazia clareza quanto à pre-servação da garantia até a efetiva devolução do imóvel7. Apesar disso, por meio da Lei nº 12.112/2009 o legislador ousou afastar as insistentes dúvidas a esse respeito, acrescendo ao dispositivo a atual parte final, consolidando o disposi-tivo da seguinte forma: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei”. O objetivo foi nitidamente de tentar solucionar controvérsia acerca da preservação ou não da garantia após o vencimento do prazo ajustado para a locação (prorrogação), como forma de consagrar a necessária segurança jurídica nas relações locatícias e não causar surpresas, principalmente ao locador.

Como já se viu, o Código Civil dispõe que o fiador poderá exonerar-se da fiança que houver prestado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier (art. 835 do CC/2002, correspondente ao art. 1.500 do CC/1916). Estabeleceu--se a antinomia legal, na medida em que o art. 39 da Lei de Locações dispõe o contrário, ou seja, de que o fiador estava atrelado ao contrato até a definitiva

6 “Art. 46 [...] § 1º Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.”

7 Na redação anterior à Lei nº 12.119/2009, o art. 39 assim dispunha: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”.

86 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

devolução do imóvel, ainda que fosse o contrato prorrogado a prazo indeter-minado.

Ainda em setembro de 1998, foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 214, que possui o seguinte texto: “O fiador na locação não respon-de por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.

Como se disse anteriormente, é da natureza do contrato de fiança o seu caráter restritivo, não se admitindo interpretação extensiva. Dizendo de outra forma, “não se pode ampliar a responsabilidade do fiador, à sua revelia, exata-mente em homenagem ao caráter gratuito da fiança”8.

Neste contexto, verificou-se o crescimento de uma corrente jurispruden-cial que entendia pela invalidação da cláusula negocial e legal acerca da per-sistência da fiança na hipótese de prorrogação legal ou convencional, quando o fiador não tiver expressamente aderido. Pouco importou, para esta corrente de julgamentos, a disposição do art. 39 da Lei de Locações, mesmo em sua versão original – que, à época desta súmula, já estabelecia a manutenção da garantia até a efetiva devolução do imóvel. Também se ignorou o contrato que possuía cláusula estipulando as obrigações do fiador até a efetiva entrega das chaves ao locador. Prevaleceu, sem dúvidas, o ideal de que a fiança não admite interpre-tação extensiva (art. 819 do Código Civil9), e que, portanto, a garantia valeria apenas até o final do prazo fixo estipulado no contrato de locação10. Perante o Superior Tribunal de Justiça, durante aquele período que circundou a edição da Súmula nº 214, parece ter prevalecido o entendimento de que “a prorroga-ção do contrato sem a anuência dos fiadores não os vincula, sendo irrelevante, acrescente-se, a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fia-dor até a efetiva entrega das chaves”11.

É importante fazermos uma reflexão deste ambiente do ponto de vista também negocial da locação urbana. É que não raras vezes os contratos de lo-cação acabam sofrendo a denominada prorrogação legal, que decorre da mera inércia das partes em dar por encerrada a relação locatícia. Ou seja, quando não ocorre devolução das chaves pelo locatário, nem solicitação das mesmas por parte do locador. Incide, nessa hipótese, o § 1º do art. 46 da Lei de Lo-cações, segundo o qual a locação fica presumidamente prorrogada, a prazo indeterminado, se o locatário continuar na posse do imóvel sem oposição do locador, “mantidas as demais cláusulas e condições do contrato”.

8 SOUZA, Sylvio Capanema de. Op. cit., p. 172.9 “Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.” (Código Civil)10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A fiança e a prorrogação do contrato de locação. Revista de Direito Privado,

São Paulo: RT, v. 18, p. 6, 2004.11 EREsp 255.392/GO, 3ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 09.05.2001, DJ 17.09.2001, p. 107. Vide,

também: EREsp 67.601/SP, 3ª Seção, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, J. 27.05.1998, DJ 29.06.1998, p. 23; e EREsp 302.209/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 23.10.2002, DJ 18.11.2002, p. 157.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������87

O locador, evidentemente, pensava que, até que as chaves lhe fossem devolvidas pelo locatário, se assim previa o contrato, estaria acobertado pela garantia fidejussória originalmente prestada. Como bem lembra Sylvio Capa-nema, “a expiração da garantia trazia surpresa e prejuízo para os locadores”12. Porém, como se viu, houve um intervalo jurisprudencial deveras expressivo, du-rante o qual predominou o entendimento de que essa prorrogação legal da loca-ção, se não contou com anuência expressa do fiador, o desobrigava de garantir eventual inadimplemento do locatário, pois, do contrário, ficaria caracterizada ampliação da fiança à revelia do fiador, ilegal à luz do art. 819 do Código Civil.

Analisando os nove julgados13 que deram origem ao citado enunciado jurisprudencial, é possível perceber que tratam de casos onde houve majoração do locativo mensal sem a participação ou anuência do fiador, seja por meio de pacto adicional firmado entre locador e locatário sem a anuência do fiador (vide, por exemplo, os Recursos Especiais nº 61.94714 e nº 64.019), seja, inclusi-ve, via revisão judicial em ação da qual não figurou como litisconsorte o fiador (vide, por exemplo, os Recursos Especiais nº 50.43715 e nº 62.728).

Bem diferente disso é a prorrogação do prazo locatício, em que as cláu-sulas não sofrem qualquer alteração, apenas ocorre um prolongamento contra-tual sem majoração no valor do aluguel, salvo no que tange à correção monetá-ria, que não significa aumento ou diminuição dos valores, mas mera reposição inflacionária16.

Enfim, a análise desses julgados – e do próprio texto da súmula – nos remete à inevitável conclusão de que referido verbete jurisprudencial trata de hipótese de “aditamento” do contrato de locação, com efetiva modificação das

12 SOUZA, Sylvio Capanema de., Op. cit., p. 171.13 São eles: REsp 34.981/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Pedro Acioli, J. 13.12.1994, DJ 27.03.1995, p. 7200;

REsp 50.437/SP, 6ª Turma, Rel. Min. William Patterson, J. 19.03.1996, DJ 16.12.1996, p. 50959; REsp 61.947/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, J. 02.04.1996, DJ 06.05.1996, p. 14437; REsp 62.728/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, J. 12.03.1996, DJ 22.04.1996, p. 12594; REsp 64.019/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago, J. 01.07.1997, DJ 25.08.1997, p. 39407; REsp 64.273/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, J. 22.08.1995, DJ 09.10.1995, p. 33620; REsp 74.859/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, J. 15.04.1997, DJ 19.05.1997, p. 20653; REsp 90.552/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 0206.1997, DJ 23.06.1997, p. 29199; REsp 151.071/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, J. 25.11.1997, DJ 19.12.1997, p. 67581.

14 “CIVIL – LOCAÇÃO – FIANÇA – 1. Sendo a fiança contrato que não admite interpretação extensiva, o fiador não pode ser responsabilizado por obrigações resultantes de pacto adicional ajustado entre locador e locatário sem a sua anuência. 2. Recurso não conhecido.” (REsp 61.947/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, J. 02.04.1996, DJ 06.05.1996, p. 14437 – grifou-se)

15 “LOCAÇÃO – FIANÇA – AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEIS DE QUE NÃO PARTICIPOU O FIADOR – A teor do art. 1.483, CC, que não admite interpretação extensiva ao contrato de fiança, não pode ser o fiador responsabilizado por diferenças de alugueis ajustados em ação revisional de que não foi cientificado. Precedentes do STJ. Recurso provido.” (REsp 50.437/SP, 6ª Turma, Rel. Min. William Patterson, J. 19.03.1996, DJ 16.12.1996, p. 50959 – grifou-se)

16 Sylvio Capanema lembra que o fato de o contrato restar prorrogado nas “mesmas bases” não significa que o locador não poderá cobrar o valor do locativo corrigido monetariamente, na medida em que a correção monetária não é um plus, e sim um minus que se evita (SOUZA, Sylvio Capanema de. Op. cit., p. 172).

88 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

condições originalmente pactuadas, e não da prorrogação locatícia ex vi legis (§ 1º do art. 46 da Lei de Locações). Com efeito, a análise minuciosa dos jul-gados originadores de um enunciado jurisprudencial às vezes é ignorada por aplicadores do Direito, causando um envergamento impreciso na formação de julgamento e entendimentos jurisprudenciais equívocos, em todas as instâncias do Judiciário.

Como o sistema tornou-se inseguro do ponto de vista da garantia presta-da ao locador, que se deparou não poucas vezes com o esvaziamento da sua garantia, faltava uma solução que pudesse conciliar tanto os direitos do fiador, para que a fiança não seja imperecível, quanto os direitos do locador, para não ser surpreendido pela ausência de proteção a seu crédito, consagrando a segu-rança jurídica para todos os envolvidos.

Neste contexto, Humberto Theodoro Júnior assim se posicionou:

Não se pode negar que a lei manda interpretar restritivamente a fiança, por se tratar de contrato naturalmente benéfico (novo Código Civil, art. 819, equivalente ao art. 1.483 do antigo Código). Porém, a regra legal não quer que, por meio da interpretação analógica ou ampliativa, a fiança venha a alcançar hipóteses que a vontade negocial de fato não tenha previsto.17

Assim como a fiança, o contrato prorrogado a prazo indeterminado não é perpétuo, pois a própria lei que o cria também autoriza o seu desfazimento, a qualquer tempo e por simples denúncia feita pelo locador, na qual concederá o prazo de trinta dias para desocupação do imóvel, nos exatos termos do § 2º do art. 46 da Lei de Locações18. Da mesma forma, sob hipótese alguma se pode considerar nula ou abusiva a cláusula contratual que determina a extensão da garantia até a efetiva devolução das chaves, pois a própria lei autoriza essa dis-posição, no já citado art. 39 da Lei de Locações.

Não olvidemos o que dizia Pontes de Miranda: “No instituto da prorro-gação, a regra é que as garantias prestadas pelo locatário continuam: quanto às garantias prestadas por terceiros, o que decide é a convenção com esses. Se a fiança diz: ‘Até a entrega das chaves’, sem aludir ao tempo do contrato, – per-siste com a prorrogação”19.

Após alguns anos da edição da Súmula nº 214, o assunto retornou à pau-ta de discussão no Superior Tribunal. A matéria foi objeto de julgamento nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 566.633/CE, cuja tramitação encontrou trânsito em julgamentos divergentes da orientação originada pela

17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 7.18 “Art. 46. [...] § 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo,

concedido o prazo de trinta dias para desocupação.”19 MIRANDA, Pontes de. Locação de imóveis e prorrogação. Campinas: Servanda, 2004. p. 455.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������89

referida súmula, como é o caso do Recurso Especial nº 435.449/PR, no qual res-tou assentado que, “se há específica e expressa disposição contratual, prevendo a responsabilidade dos fiadores na hipótese de o contrato passar a ser por prazo indeterminado, e até a entrega das chaves, não há interpretação a fazer, muito menos restritiva”20.

Nos referidos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 566.633/CE, é possível dizer que o assunto teve uma reviravolta jurispruden-cial, ou, melhor dizendo, um redirecionamento necessário. No voto condutor do julgado, proferido pelo Relator Ministro Paulo Medina, foi feita uma reflexão acerca do contrato de fiança, lembrando que:

[...] a) é um contrato celebrado entre credor e fiador; b) é uma obrigação aces-sória à principal; c) pode ser estipulado em contrato diverso do garantido, como também inserido em uma de suas cláusulas, mas sem perder a sua acessoriedade; d) não comporta interpretação extensiva, logo o fiador só responderá pelo que estiver expresso no instrumento de fiança, e, e) extingue-se pela expiração do prazo determinado para sua vigência; ou, sendo por prazo indeterminado, quan-do assim convier ao fiador (art. 1.500 do CC revogado e 835 do novo CC); ou quando da extinção do contrato principal.21

Afirmou o Ministro Relator, também, que, em que pese o disposto no art. 39 da Lei de Locações, tal regramento deveria se compatibilizar com o insti-tuto da fiança, citando o entendimento de Humberto Theodoro Junior, segundo o qual não há incompatibilidade entre o citado art. 39 da Lei de Locações e o art. 835 do Código Civil, pois, a partir da prorrogação contratual por força da lei (a prazo indeterminado), surgirá ao fiador a faculdade de se exonerar da fiança, com efeitos meramente ex nunc.

No mesmo voto, o Ministro Paulo Medina afastou (corretamente) a apli-cação da Súmula nº 214 da mesma Corte ao caso, sob o argumento de que trata ela de hipótese de aditamento contratual, e não de prorrogação legal e tácita da relação locatícia. Ao cabo, não obstante alguns votos contrários, foram acolhi-dos, por maioria, os embargos de divergência, assentando-se que: “Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exonera-ram nas formas dos arts. 1.500 do CC/1916 ou 835 do CC/2002, a depender da época que firmaram a avença”.

Assim, consagrou-se o entendimento, a nosso ver mais correto, de que, em caso de prorrogação do contrato de locação a prazo indeterminado por for-ça da lei, o fiador permanece responsável em eventual falta de pagamento do

20 REsp 435.449/PR, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 10.09.2002, DJ 30.09.2002, p. 313.21 EREsp 566.633/CE, 3ª Seção, Rel. Min. Paulo Medina, J. 22.11.2006, DJe 12.03.2008.

90 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

locatário, desde que haja cláusula contratual prevendo a extensão da garantia até a efetiva devolução do imóvel (entrega das chaves), surgindo ao fiador a prerrogativa de exonerar-se da fiança a qualquer tempo a partir da prorrogação contratual.

A partir da prorrogação do contrato a prazo indeterminado, ex vi legis, o fiador poderá exonerar-se, bastando que notifique o locador na forma do art. 40, incisos IV e X, da Lei de Locações, cumulado com o art. 835 do Código Civil. Por sua vez, exonerando-se o fiador na forma da lei, o locador poderá exigir do locatário que, no prazo de trinta dias, substitua a garantia, consoante previsão do parágrafo único do mesmo art. 40 da Lei de Locações, sob pena de incorrer o locatário em causa para desfazimento da locação.

coNSIderaçõeS fINaIS

Como se denota da rápida análise feita neste estudo, houve um lapso temporal na jurisprudência nacional, onde enraizou-se uma corrente não muito precisa, que simplesmente desconsiderou a previsão contratual firmada pela vontade das partes em relação à duração da fiança até a efetiva devolução das chaves do imóvel, e que assentou a inviabilidade de o fiador ser responsabiliza-do por garantir a dívida de aluguéis no período de prorrogação legal do contrato de locação.

Entretanto, o tempo demonstrou ser eficaz na solução deste equívoco, resultando na consagração de um entendimento que certamente vai ao encon-tro tanto da proteção ao instituto da fiança – que deve sempre ser interpretada de forma restritiva e não pode ser perpétua – quanto da proteção à segurança jurídica da relação locatícia, principalmente do ponto de vista das garantias do locador.

Ao cabo, o entendimento mais prudente prevaleceu, e, em caso de pror-rogação do contrato de locação a prazo indeterminado, na forma da lei, haven-do cláusula contratual que preveja que a fiança dura até a efetiva devolução das chaves, o fiador permanecerá responsável neste período, surgindo, ao mesmo, a partir de então, possibilidade de exonerar-se por simples notificação ao locador.

Parte Geral – Doutrina

Tempos de Crise: Controvérsias Envolvendo a Extinção do Compromisso de Venda e Compra de Imóveis

ALExANDRE JuNquEIRA GOMIDEEspecialista e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Colabo-rador do Blog Civil & Imobiliário (www.civileimobiliario.com.br), Professor, Advogado, Sócio de Junqueira Gomide & Guedes Advogados.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Das formas de extinção do contrato e suas consequências; 1.1 Resilição unilateral; 1.2 Distrato; 1.3 Resolução contratual; 1.4 Rescisão; 2 Da extinção dos compromissos de venda e compra de imóveis: controvérsias atuais e a jurisprudência; 2.1 Da resilição unilateral do compromisso de venda e compra; 2.2 Resolução dos compromissos de venda e compra; 2.3 Distrato dos instrumentos de venda e compra; 3 Tentativas e propostas de resolução de conflitos decorrentes da extinção dos contratos de venda e compra; 3.1 O “Pacto para o Aperfeiçoamento das Relações Negociais entre Incorporadores e Consumidores”; 3.2 Projeto de Lei nº 1.220/2015; 3.3 Projeto de Lei nº 774/2015; Conclusão; Referências.

INtrodução

O mercado imobiliário brasileiro viveu tempos áureos nos anos de 2006 a 2014. Com abundância de crédito e pleno emprego, as vendas explodiram e não raras vezes lançamentos eram integralmente vendidos em apenas algumas horas, antes mesmo do início da construção.

Firmado o instrumento particular, caso o consumidor tivesse dificuldades na obtenção do financiamento ou mesmo desistisse da compra, a considerar que os preços dos imóveis eram crescentes, as construtoras não apresentavam óbices para extinguir a avença, devolvendo parte ou grande parte do valor pago. A depender das circunstâncias, manifestado o interesse do consumidor na extinção do contrato, algumas empresas realizavam a devolução integral dos valores pagos. A revenda dessas unidades era fácil e era possível, inclusive, auferir lucro com a revenda.

Nos atuais tempos de crise econômica, minguou a abundância do crédito e o desemprego aumentou exponencialmente, ocasionando o aumento da taxa de juros dos financiamentos. Além disso, a queda na demanda pela aquisição de imóveis fez com que o preço dos imóveis baixasse consideravelmente. Com grande estoque de unidades, as incorporadoras passaram a ofertar os imóveis com consideráveis descontos, muitas vezes em valores mais baixos do que o consumidor adquiriu há um ou dois anos atrás.

92 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Diante de tal cenário, a crise do mercado imobiliário fez surgir três gran-des grupos de consumidores que pretendem a extinção do compromisso de venda e compra.

O primeiro grupo de consumidores é aquele que, após ter firmado o contrato preliminar de venda e compra, não consegue obter o prometido finan-ciamento e, assim, pleiteia o término do contrato imobiliário.

O segundo grupo de consumidores é aquele que, embora tenha conse-guido o financiamento, porque a taxa de juros foi elevada, acaba desistindo da continuidade do negócio. Nesse grupo também podemos citar o casal de jovens que, após terem firmado o contrato, acabam se separando e, por isso, preten-dem a extinção contratual.

O terceiro grupo é aquele que, após ter firmado o compromisso de venda e compra, simplesmente desiste da aquisição, seja porque verificou imóvel nas proximidades a um preço mais barato, seja porque entende que aquele investi-mento imobiliário não vale mais a pena.

Manifestado o interesse na extinção do contrato, contrariamente a tem-pos passados, a maioria das empresas não têm autorizado o término contratual nas mesmas condições dos tempos anteriores. Outras empresas, embora admi-tam a possibilidade da extinção da avença, apresentam como condição uma retenção em percentual com o qual o consumidor não concorda.

Diante de tais conflitos, a extinção dos contratos de venda e compra de imóveis foi judicializada de forma exponencial em todo o País. O presente arti-go tem por objetivo destacar as principais controvérsias envolvendo a extinção do compromisso de venda e compra.

Para tanto, antes de estudarmos a extinção dos compromissos de compra e venda de imóveis, necessário relembrarmos, em um brevíssimo resumo, as formas tradicionais de extinção dos contratos em geral.

1 daS formaS de eXtINção do coNtrato e SuaS coNSeQuêNcIaSPode-se dizer que a causa natural de extinção do contrato é o adimple-

mento, que significa o cumprimento das respectivas obrigações contratuais, nos exatos termos previstos na avença.

Mas os contratos podem ser extintos não apenas pelo adimplemento da obrigação.Também podem ser extintos, nas avenças personalíssimas, em virtu-de da morte de uma das partes e nas hipóteses de caso fortuito e força maior (resolução sem culpa das partes).

O contrato também pode ser extinto em virtude de circunstâncias simul-tâneas ou anteriores à sua formação. Nesses casos, estamos diante de hipóteses de nulidade ou anulabilidade dos contratos. A ocorrência de nulidade – seja absoluta seja relativa – é típica hipótese que pode ser anterior à celebração, mas que continua de tal forma que impossibilita a produção válida de efeitos.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93

Para os fins a que se destina o presente artigo, trataremos doravante ape-nas da extinção dos contratos por causas supervenientes à sua formação, ou seja, trataremos da extinção de contratos válidos e eficazes e que, por fatos su-pervenientes à sua celebração, podem ser extintos, sem que se verifique a morte de uma das partes ou as hipóteses de caso fortuito ou força maior1.

Também vamos tratar apenas da extinção de contratos preliminares (compromisso de venda e compra), e não de contratos em que já tenha sido lavrada escritura pública ou mesmo nas circunstâncias onde haja o pacto adjeto de alienação fiduciária, porque, nesse último caso, a extinção contratual por inadimplemento será regida pelo regime especial da Lei nº 9.514/1997.

1.1 resilição unilAterAl

Etimologicamente, do latim resilire, a resilição significa “voltar atrás”2. A resilição unilateral opera de forma ex nunc, produzindo efeitos apenas para o futuro. Em consonância com José Fernando Simão3, a resilição unilateral é a faculdade concedida por lei, em determinados casos, de a vontade de apenas uma das partes pôr fim ao contrato. A resilição unilateral é o gênero do qual são espécies a denúncia, a renúncia e a revogação4.

Nos termos do art. 473 do Código Civil, “a resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.

Como regra geral, a denúncia é imotivada (vazia), ou seja, o contraente sem qualquer justificação põe fim ao contrato mediante notificação à parte con-trária5. A exceção é a denúncia motivada (ou cheia)6.

1 Como bem ressaltou Francisco Loureiro, “a resolução se encaixa como um direito extintivo de impugnação, ou de agressão, com a ressalva de que tem origem em fatos ocorridos em momento posterior ao do nascimento ao contrato. Importante essa ressalva, para fazer a distinção entre a natureza da resolução e a da anulação, ou declaração de nulidade, pautadas em fatos existentes no momento da celebração. Lembre-se que, enquanto a ação de anulação ataca diretamente a relação em seu fundamento, invalidando o contrato, a ação resolutória mantém íntegro o contrato, no plano da validade, afetando somente os seus efeitos [...] Ainda no tocante à natureza da resolução, tem-se entendido que se trata de fato extintivo que atinge o plano da eficácia do contrato, não o plano da validade. Em outras palavras, a resolução pressupõe a existência de um contrato válido” (In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral dos contratos. Extinção dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 625).

2 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Atualizado por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Cresenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 221.

3 SIMÃO, José Fernando. Direito civil. Contratos. Série Leituras Jurídica: Provas e Concursos. São Paulo: Atlas, v. 5, 2010. p. 74.

4 Em sentido contrário, Rodrigo Xavier Leonardo diferencia a denúncia da resilição unilateral (LEONARDO, Rodrigo Xavier. A denúncia e a resilição: críticas e propostas hermenêuticas ao artigo 473 do CC/2002 brasileiro. Revista de Direito Civil Contemporâneo, n. 3, v. 7, p. 95-114, abr./jun. 2016.).

5 É o caso da denúncia vazia exercida pelo locatário, quando este vige por prazo indeterminado (Lei do Inquilinato nº 8.245/1991, art. 6º).

6 Por exemplo, quando o inquilino, durante o prazo de vigência do contrato locativo, põe fim aos efeitos do contrato, sem pagar multa, em razão de transferência de emprego (art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 8.245/1991). A denúncia cheia é também verificada nos casos em que o locador pretende retomar o imóvel, vigente locação de imóvel residencial por prazo indeterminado, mas que tenha sido firmado por prazo inferior a trinta meses (art. 47 da Lei nº 8.245/1991).

94 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Como exemplo de casos em que a lei expressamente admite a resilição, cite-se a locação urbana (art. 4º da Lei nº 8.245/1991), o mandato (art. 682, inciso I, do Código Civil), a agência e a distribuição (art. 720 do Código Civil), entre outros.

A dificuldade é saber justamente quais são os casos em que a lei impli-citamente admite a resilição. Segundo Paulo Dóron Rehder de Araújo7, essa hi-pótese se dá quando, por exemplo, o contrato de trato sucessivo vige por prazo indeterminado, considerando-se a vedação às relações contratuais eternas.

Assim, uma vez firmado contrato de locação de impressoras entre duas empresas (execução por trato sucessivo), após o transcurso do prazo determi-nado, a qualquer tempo, a locatária poderia denunciar a locação, ainda que o contrato não disponha de tal cláusula.

Até porque, tal como enuncia Pontes de Miranda8, nas relações jurídicas duradouras é preciso que possa ter ponto final o que se concebeu em reticência. Daí a figura da denúncia, com que se “des-nuncia”, pois resulta de haver atribuído a algum dos figurantes o direito formativo extintivo, que é o de denunciar.

Por outro lado, resta saber se, diante da autonomia privada, as partes poderiam dispor nos contratos em que a prestação não é imediata, a faculdade de uma delas resilir no decorrer do contrato, mediante o pagamento de com-pensação pecuniária. Será que essa possibilidade não estaria “implicitamente” estabelecida na lei pelo princípio da autonomia privada?

Segundo Orlando Gomes9, podem as partes estipular que o contrato será resilido se qualquer delas se arrepender de o haver concluído. Asseguram-se, convencionalmente, o poder de resili-lo mediante declaração unilateral de von-tade. Nesse caso, segundo o autor, a autorização não provém da lei, mas, no caso, do próprio contrato.

Francisco Loureiro10, na mesma senda, afirma que as partes podem con-vencionar entre si o direito de arrependimento, que nada mais é do que a facul-dade de denunciar criada bilateralmente, pelo consenso, mas exercida unilate-ralmente pela parte a quem beneficia. Antonio Junqueira de Azevedo11, nessa

7 ARAUJO, Paulo Dóron Rehder de. Prorrogação compulsória de contratos a prazo: pressupostos para sua ocorrência. Tese de Doutorado defendida perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. p. 381.

8 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado: parte especial. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, v. 38, § 3.081, 1962. p. 294.

9 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Atualizado por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Cresenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 221.

10 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Extinção dos contratos. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 618.

11 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 154.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������95

esteira, embora ressalte que a denúncia dos contratos de duração determinada não é permitida, afirma que seria possível somente se houvesse regra contratual expressa e inequívoca nesse sentido12.

A resilição contratual, portanto, que opera mediante denúncia, renúncia, revogação ou arrependimento, pode ser realizada seja porque o tipo contratual expressamente o permite, seja porque a lei implicitamente autoriza ou, ainda, por uma cláusula contratual permitindo que apenas uma das partes ponha fim ao contrato, mediante o exercício de um direito potestativo.

1.2 distrAto

Como nos ensina Pontes de Miranda13, o distrato é trato em sentido con-trário, contratus contrarius. É contrato feito para extinguir outro. Serve para desa-tar o vínculo contratual nos termos convencionados pelos próprios distratantes.

Araken de Assis14 assevera que o distrato não resile o contrato, porque não o dissolve, ou desfaz, desde o início (resolução, eficácia ex tunc) ou a partir de certo momento (resilição, eficácia ex nunc). O distrato elimina a eficácia do negócio quanto ao futuro, de modo que o contrato que foi continua sendo, embora acabado, encerrado e desprovido de efeitos. O distrato, ainda segundo o autor, não “descontrata”, exceto em sentido assaz figurado. Tampouco consa-gra um mútuo dissenso: os distratantes concordam plenamente, e entre eles não há um desacordo ou desentendimento, vez que ambos, obviamente, querem distratar.

Com relação aos efeitos, segundo Pontes de Miranda15, quem distrata não resolve. Não resolve porque nada se solve, resolve ou dissolve: o que era continua, mas sem efeitos. O distrato, portanto, se passa no plano da eficácia. Foi, não é mais.

O objetivo do distrato é amplo: o que pode ser contratado pode ser dis-solvido16. A autonomia privada autoriza que as partes fiquem livres para extin-guirem o contrato da melhor forma que lhes convier17.

12 Ocorre que esse entendimento não é unânime. Segundo Flávio Tartuce, a resilição somente decorre da lei, e não da vontade das partes. Segundo este autor, portanto, somente nas hipóteses previstas em lei é que as partes poderiam resilir unilateralmente o contrato, não sendo permitido às partes firmarem cláusula permitindo a uma delas resilir o contrato de forma unilateral (TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2016. p. 272).

13 PONTES DE MIRANDA. Tratado... op. cit., v. 25, p. 281.14 ASSIS, Araken de. Comentários ao Código Civil brasileiro: do direito das obrigações. Coord. Arruda Alvim e

Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2007. p. 553.15 PONTES DE MIRANDA. Tratado... op. cit., v. 25, p. 281.16 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Extinção... op. cit., p. 613.17 Contudo, nos contratos cuja forma é prescrita em lei, o art. 472 do Código Civil determina que o distrato deve

ser realizado pela mesma forma que o contrato a ser extinto foi celebrado. Ou seja, se a lei exige a escritura pública para a validade daquele, as partes não podem distratá-lo por instrumento particular. Do contrário,

96 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

No caso do distrato, a lei autoriza que as partes fiquem livres para extin-guirem o contrato da melhor forma que lhes convier. Contudo, nos contratos cuja forma é prescrita em lei, o art. 472 do Código Civil determina que o distrato deve ser realizado pela mesma forma que o contrato a ser extinto foi celebrado. Ou seja, se a lei exige a escritura pública para a validade daquele, as partes não podem distratá-lo por instrumento particular. Do contrário, nada obsta que um contrato de locação (do qual a lei não exige forma expressa), firmado por escri-to, seja distratado de forma verbal.

Como bem asseverou Francisco Eduardo Loureiro18, o Código Civil ado-tou o princípio da atração mitigada das formas, ou seja, deve necessariamente o distrato ter a mesma forma do contrato quando esse for solene. Já os contratos não solenes, cuja forma é livre e de uso facilitado, a critério das partes, não atra-em a forma do distrato. Diz-se, por isso, que o distrato é relativamente formal ou tem simetria relativa de forma.

1.3 resolução contrAtuAl

a) resolução sem culpa das partes (ou inexecução involuntária)

Mário Júlio de Almeida Costa19 define a resolução como ato de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência des-se, e que tende a colocar as partes na situação que teriam caso o contrato não se houvesse celebrado.

A resolução contratual tem por escopo fazer retornar as partes ao status quo ante, ou seja, opera, regra geral, de forma ex tunc20.

Em algumas situações, o contrato se resolve sem culpa das partes. São as hipóteses de caso fortuito ou de força maior, nos termos do art. 393 do Có-digo Civil. Tratam-se das hipóteses em que a resolução do contrato decorre de impossibilidade superveniente, objetiva, total e definitiva. Assim, caso, por exemplo, havendo perecimento do objeto sem culpa das partes, a obrigação se resolve e as partes devem ser recolocadas no estado anterior.

nada obsta que um contrato de locação (do qual a lei não exige forma expressa), firmado por escrito, seja distratado de forma verbal. A esse respeito, Francisco Eduardo Loureiro afirma que o Código Civil adotou o princípio da atração mitigada das formas, ou seja, deve necessariamente o distrato ter a mesma forma do contrato quando este for solene (Idem, ibidem).

18 Idem, ibidem.19 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 319.20 Contudo, como bem ressaltado por Orlando Gomes, só é possível remontar à situação anterior à celebração

do contrato se este não for de trato sucessivo, pois, do contrário, a resolução não tem efeito em relação ao passado; as prestações cumpridas não se restituem. Assim, ainda segundo Orlando Gomes, o efeito da resolução entre as partes varia, pois, conforme o contrato, seja de execução única ou de duração. No primeiro caso, a resolução opera ex tunc; no segundo, ex nunc (GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Atualizado por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Cresenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 210).

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������97

Para os casos de resolução sem culpa das partes, não há necessidade de se requerer tal declaração por uma sentença judicial, essa será operada de pleno direito.

b) resolução por culpa das partes

A resolução, em regra geral, pressupõe, segundo Ruy Rosado Aguiar21, o incumprimento do devedor. Assim, se um dos contratantes tiver culpa na extinção do contrato, estaremos diante de inadimplemento voluntário, que vai ter como consequência a faculdade de a parte prejudicada pedir a resolução do contrato ou o seu cumprimento, cabendo cumulativamente o pedido de indeni-zação (art. 475 do Código Civil).

O caminho para a declaração da resolução judicial pode ser judicial ou extrajudicial. Orlando Gomes22 nos ensina que o exercício da faculdade de re-solução é distinto por dois sistemas: o francês e o alemão. Pelo sistema francês, a resolução tem de ser requerida judicialmente. Já, pelo sistema alemão, ao contrário, admite-se a resolução sem intervenção judicial. O contrato resolve-se de pleno direito. Assim, se um dos contratantes não cumpre a sua obrigação, pode o outro declarar resolvido o contrato, independentemente de pronuncia-mento judicial.

O sistema brasileiro é híbrido. Isso porque o art. 474 do Código Civil determina que a “cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.

Assim, se o contrato estabelecer uma cláusula resolutiva expressa, ou seja, uma cláusula contratual em que as partes reforçam que, ocorrendo o inadimplemento contratual, o contrato resolve-se automaticamente, sem a ne-cessidade de declaração judicial, estaremos diante do sistema alemão23.

21 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004. p. 31.

22 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Atualizado por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Cresenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 207.

23 Sobre a desnecessidade da interferência judicial na declaração da resolução, manifestou-se Daniel Ustárroz: “[...] ao se firmarem o pacto, as partes apontam de antemão nos quais o contrato é resolvido, descabe ao Judiciário outra conduta que não a de chancelar suas vontades. Dentro desse contexto, qualquer alteração do conteúdo do contrato deve se dar mediante o reconhecimento das figuras que permitem a anulação do negócio jurídico e jamais pela mera vontade do julgador e sua ideia particular de justiça. Quer dizer isto que, caso o contrato tenha sido celebrado longe de vícios, não cabe a terceiros analisar a gravidade ou não da conduta prescrita na cláusula resolutiva, pois a mesma fora elaborada pelos próprios interessados” (USTARRÓZ, Daniel. A resolução do contrato no novo Código Civil. Revista Jurídica, n. 304, ano 51, p. 32-53, fev. 2003, p. 36).

Na mesma senda, Antônio Celso Pinheiro Franco e José Roberto Pinheiro Franco asseveram: “Também adotamos essa linha de pensamento entendendo que havendo cláusula resolutiva expressa estabelecida pelas partes, isso permite ao interessado fazer uso direto da reintegratória, independentemente de uma ação prévia de rescisão contratual” (PINHEIRO FRANCO, Antônio Celso; PINHEIRO FRANCO José Roberto. Cláusula resolutiva expressa: o exato sentido do artigo 119 do CC/1916 e dos artigos 128 e 474 do Diploma Substantivo de 2002. Revista do Instituto dos Advogados, ano 13, n. 25, jan./jun. 2010, p. 80).

98 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Contudo, caso não haja a previsão de uma cláusula resolutiva expressa, estaremos diante do sistema francês24 e haverá a necessidade de interpelação judicial. Nesse caso, estaremos diante da cláusula resolutiva tácita (art. 475 do Código Civil).

c) resolução por onerosidade excessivaPor fim, o sistema brasileiro também autoriza a resolução contratual por

onerosidade excessiva.

Conforme a lição de Caio Mário da Silva Pereira25, todo contrato é pre-visão e, em todo contrato, há margem para oscilação do ganho e da perda em termos que permitem lucro e prejuízo. Mas quando é ultrapassado um grau de razoabilidade, que o jogo da concorrência tolera, e atinge-se o plano de desequilíbrio, não pode se omitir do homem o direito e deixar que, em nome da ordem jurídica e por amor ao princípio da obrigatoriedade do contrato, um dos contratantes leve o outro à ruína completa e extraia para si o máximo be-nefício26.

Ultrapassada essa razoabilidade, entendeu o legislador que deveria pro-teger o contraente que sofreu prejuízo em razão da desproporção da sua pres-tação por fatos imprevisíveis. A possibilidade de resolução por onerosidade ex-cessiva está prevista no art. 478 do Código Civil, que disciplina: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a reso-lução do contrato”27.

1.4 rescisão

A má redação do art. 1.092 do antigo Código Civil de 1916 permitia a “rescisão” do contrato em razão de inadimplemento de uma das partes. Feliz-mente, esse erro legislativo foi superado pelo art. 475 do Código Civil de 200228.

24 O Código Civil francês (art. 1.184) determina: “Art. 1.184. La résolution doit être demandeé en justice”.25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 1975. p. 162.26 Nas palavras de Ênio Zuliani, “a onerosidade excessiva é a metamorfose surpreendente da prestação a

cumprir, sinônimo de excesso de peso de carga econômica do contrato de execução continuada ou diferida, constituindo um desavio a ser superado para salvaguarda dos interesses legítimos” (ZULIANI, Ênio. Resolução do contrato por onerosidade excessiva. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 655).

27 A resolução contratual ou a possibilidade de revisão do contrato por alteração das circunstâncias encontra previsão legal no art. 437 do Código Civil português. Conforme nos ensina Pedro Romano Martinez, esse dispositivo legal estabelece um confronto entre a estabilidade e a segurança jurídica, por um lado; a justiça comutativa, por outro; e, ainda, em outro plano, dir-se-á que existe uma contraposição entre a autonomia das partes e a boa-fé (MARTINEZ, Pedro Romano. Da cessação do contrato. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 157).

28 Como nos alertam Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a Lei de Licitações (nº 8.666/1993) ainda prevê a “rescisão” de contratos administrativos em face da inexecução total ou parcial do contrato

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������99

De todo modo, o termo rescisão contratual continua bastante aplicado na prática forense.

Ademais, conforme manifestou Francisco Eduardo Loureiro29, inegável a ampla utilização do termo rescisão pelos operadores do Direito, tanto por ad-vogados em negócios jurídicos quanto por juízes em sentenças. Ganhou sentido muito mais amplo e sedimentado pelo costume: passou a ser gênero de extinção do contrato.

A nosso turno, no Direito brasileiro, entendemos que a rescisão não é a expressão mais técnica para indicar determinada forma de extinção do contrato. Quando o operador do Direito se depara com o termo rescisão, deve investigar qual a razão para a extinção daquele negócio jurídico para verificar, no caso concreto, se é caso de resolução ou resilição30.

2 da eXtINção doS comPromISSoS de veNda e comPra de ImóveIS: coNtrovÉrSIaS atuaIS e a JurISPrudêNcIa

Diante do breve resumo a respeito da extinção dos contratos em geral, resta verificar as formas e problemáticas advindas da extinção dos compromis-sos de venda e compra envolvendo incorporadores e consumidores.

2.1 dA resilição unilAterAl do compromisso de vendA e comprA

A princípio, a resilição unilateral não parece compatível com o compro-misso de venda e compra. Analisemos.

A locação, como visto, admite a denúncia pelo locatário. De fato, não se pode admitir que o inquilino permaneça a vida toda vinculado a um contrato de locação. No mandato, da mesma forma, o Código Civil também admite a revo-gação pelo mandante. Nessa hipótese, natural admitirmos que uma pessoa pos-sa extinguir o mandato quando, por exemplo, perde a confiança no mandante.

Ambas as situações narradas cuidam de contratos de trato sucessivo e, uma vez realizada a resilição unilateral, os efeitos seriam produzidos dali para frente, ou seja, os efeitos produzidos pela denúncia/revogação não atingiriam os atos pretéritos.

(GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Contratos: teoria geral. In: Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 4, t. I, 2009. p. 256).

29 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Extinção dos contratos. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 611.

30 Assim, por exemplo, o Código Civil brasileiro emprega o termo rescisão em apenas quatro situações. São elas: arts. 455, 607, 609 e 810. Em todas as situações é fácil notar que, apesar da palavra rescisão, estamos diante de hipóteses de resolução ou resilição. O art. 607, por exemplo, estabelece que o contrato de prestação de serviço será extinto com a morte de qualquer das partes, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra ou “pela rescisão do contrato mediante aviso prévio”. Trata-se, em verdade, de denúncia do contrato, ou seja, hipótese de resilição unilateral.

100 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

No caso do compromisso de venda e compra, com fundamento na au-tonomia privada, existe a possibilidade de as partes, nos termos do art. 420 do Código Civil, estabelecerem o direito de arrependimento. Assim, embora pareça estranho ao construtor desistir da incorporação imobiliária, fato é que o art. 34 da Lei nº 4.591/1964 autoriza ao incorporador fixar prazo de carência, da qual lhe é lícito desistir do empreendimento. Segundo o § 4º daquele dispo-sitivo, a “desistência da incorporação será denunciada, por escrito, ao Registro de Imóveis e comunicada, por escrito, a cada um dos adquirentes [...]”.

Da mesma forma, a considerar que o construtor utiliza o crédito conce-dido pelo consumidor na execução da obra e, ainda, porque pode haver um fi-nanciamento bancário por meio de pacto adjeto de alienação fiduciária, parece estranho ser conferido o direito de arrependimento ao consumidor.

Nesses termos, poderia o adquirente, a qualquer momento, valendo-se de um direito potestativo, sem indicar motivos, comunicar o construtor a respei-to do seu interesse de extinguir unilateralmente o contrato?

Como bem ressaltado por Francisco Loureiro31, o compromisso de venda e compra não é – salvo previsão expressa pactuada entre as partes – daqueles contratos que admitem arrependimento unilateral por uma das partes. Isso por-que não há previsão legal para tal modalidade de extinção unilateral.

Na realidade, a lei impõe que o compromisso de venda e compra dos imóveis incorporados é irretratável. Nesses termos é a determinação do art. 32, § 2º, da Lei nº 4.591/196432.

De fato, nos imóveis incorporados não há qualquer fundamento legal que obrigaria o construtor a aceitar o pedido de extinção unilateral formulado pelo adquirente. Fosse essa determinação prevista na lei, a considerar que os cons-trutores utilizam crédito pago pelos adquirentes nos contratos para a execução das obras, fatalmente a extinção abrupta e unilateral ensejaria uma insegurança para a própria continuidade do empreendimento, trazendo enormes prejuízos a todo o mercado. Esse fato é ainda mais justificável quando se verifica que, em

31 LOUREIRO, Francisco. Alguns aspectos dos contratos de compromisso de venda e compra de unidades autônomas futuras e o Código de Defesa do Consumidor. O direito e a incorporação imobiliária, livreto entregue quando do seminário “O Direito e a Incorporação”, realizado em São Paulo, no dia 17 de junho de 2016, p. 14.

32 Art. 32, § 2º: “Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)”. No caso dos imóveis loteados, vide o art. 25 da Lei nº 6.766/1979, que diz: “São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros”.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������101

2015, a cada 100 imóveis vendidos no Brasil 41 foram devolvidos33. Já no ano de 2016, segundo dados da Abrainc, 44% das vendas foram canceladas34.

Como destacado por Melhim Chalub35, a incorporação imobiliária so-mente terá êxito se os recursos por ela captados, mediante comercialização e fi-nanciamento garantido pelo seu próprio ativo, tiverem ingresso regular e forem direcionados ao cumprimento do seu objeto – execução da obra, liquidação do passivo e retorno do investimento.

Segundo Rubens Menin36,

no momento em que parte desses recursos deixa de ser aportado nos empre-endimentos, há naturalmente um impacto no fluxo de caixa planejado. Além dos recursos que deixam de entrar, há em muitos casos ainda uma demanda de restituição dos valores aportados pelo comprador que afeta este fluxo. No caso de necessidade de devolução imediata de valores aos promitentes compradores que deixarem o empreendimento, o impacto se torna ainda maior e compromete seriamente o equilíbrio do negócio. Adicionalmente, os incorporadores terão que suportar novas despesas para conseguir vender as unidades distratadas, impac-tando ainda mais o equilíbrio do negócio.

Embora a lei não possua nenhuma previsão a respeito da possibilidade de o adquirente extinguir unilateral e imotivadamente o compromisso, fato é que a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo editou a Súmula nº 1, que autoriza, sempre, ao adquirente requerer a extinção unilateral do contrato.

Nos termos da súmula,

o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário ven-dedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.

Em sentido muito próximo, a Súmula nº 543 do Superior Tribunal de Justiça37 também autoriza o consumidor a extinguir o contrato, mesmo que não exista qualquer culpa a ser atribuída ao construtor.

33 Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2016/03/cresce-o-numero-de-pessoas-que-fazem- -distrato-da-casa-propria.html>. Acesso em: 24 fev. 2017.

34 Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-destoa-de-outros-paises-ao-permitir-dis- -trato-de-imoveis-mostra-estudo,70001652039?utm_campaign=website?success=true>. Acesso em: 24 fev. 2017.

35 CHALHUB, Melhin. Opinião: jurisprudência consolidada na Súmula nº 543 do STJ necessita de revisão. O direito e a incorporação imobiliária, livreto entregue quando do seminário “O Direito e a Incorporação”, realizado em São Paulo, no dia 17 de junho de 2016, p. 36.

36 MENIN, Rubens. Distratos: a busca do equilíbrio. Disponível em: <http://abrainc.org.br/artigos/2016/07/19/distratos-busca-do-equilibrio/>. Acesso em: 22 fev. 2017.

37 Súmula nº 543/STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo

102 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Assim, embora a lei não autorize a extinção unilateral, fato é que a juris-prudência concede a possibilidade de o consumidor requerer a extinção con-tratual, mesmo inadimplente. A jurisprudência, portanto, abriu um caminho ao adquirente para se arrepender da compra realizada, declarando, nos casos de relação de consumo, abusiva a cláusula de irretratabilidade do contrato38.

A Súmula nº 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo, editada no final do ano de 2010 e, portanto, durante os tempos áureos do mercado imobiliário brasileiro, não era tão incômoda aos construtores. Manifestado o interesse do adquirente na extinção do contrato, as empresas normalmente entravam em acordo com o adquirente no tocante aos valores a serem devolvidos. Diante do acordo, as partes firmavam o distrato e, rapidamente, a unidade era alienada a terceiros.

Ocorre que, em tempos de crise, além das empresas não conseguirem alienar as unidades, os preços dos imóveis estão mais baixos do que há um ou dois anos atrás. Assim, manifestado o interesse do adquirente na extinção, muitas empresas não estão autorizando o término do contrato, justificando exa-tamente o fato de o contrato não prever tal possibilidade. Até porque, extinto o contrato, as empresas deverão devolver parte dos valores recebidos (que já estavam previstos para a consecução das obras), bem como terão dificuldades em revender a unidade. Algumas empresas ainda autorizam o distrato, mas a retenção de valores é entendida pelo consumidor como abusiva.

Não havendo acordo judicial, os adquirentes têm proposto ações judi-ciais, com fundamento na Súmula nº 1 do TJSP e na Súmula nº 543 do STJ, re-querendo a extinção contratual, imputando abusividade do construtor ao negar a extinção contratual unilateral e, ainda, ilegalidade da cláusula que autoriza retenção acima de 20% dos valores pagos.

Nesses casos, porque imputada culpa à construtora, os consumidores têm manejado ação de resolução contratual. Analisemos.

promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.

38 “Apelação. Compromisso de venda e compra de imóvel. Relação de consumo. A despeito da natureza jurídica da requerida, é certo que as partes pactuaram compromisso de venda e compra de unidade habitacional, surgindo daí, inequívoca relação entre fornecedor e consumidor, tal qual disciplinado pela Lei nº 8.078/1990, Embora, no comum das vezes, seja prevista cláusula de irretratabilidade no contrato, tratando-se de inequívoca relação de consumo, afigura-se abusiva a extirpação da possibilidade de arrependimento por parte do compromissário comprador, ainda que inadimplente. Direito potestativo. Súmula nº 1 desta eg. Corte. Embora não se discuta que, com a resolução da avença, as partes devam ser restabelecidas ao status quo ante, com a devolução das parcelas pagas, não se pode olvidar das despesas havidas com desfazimento do vínculo, gastos administrativos do empreendimento e eventuais prejuízos da compromitente vendedora. Conquanto indiscutível o descabimento da retenção contratualmente prevista de 30% dos valores pagos, haja vista que os promissários compradores sequer se imitiram na posse da coisa, considerando-se o inequívoco impacto que a rescisão impõe ao sistema arrecadatório da cooperativa e, por conseguinte, o prejuízo direto percebido pelos demais cooperados, afigura-se insuficiente a retenção determinada de 10%, devendo o montante ser majorado a 20%. Recurso a que se dá parcial provimento.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0034426-29.2010.8.26.0506, Rel. Mauro Conti Machado, Comarca: Ribeirão Preto, 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data do julgamento: 10.09.2015, Data de registro: 10.09.2015)

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������103

2.2 resolução dos compromissos de vendA e comprA

A ação de resolução contratual pode ser manejada, em primeiro lugar, pelo consumidor, porque entende possível a extinção do contrato por culpa a ser atribuída ao incorporador por abusividade da cláusula de irretratabilida-de, ilegalidade na retenção de valores, vício construtivo, atraso de obra, entre outros fatores.

Sem prejuízo, a ação de resolução também pode ser intentada pelo in-corporador, atribuindo culpa ao consumidor, sobretudo diante do inadimple-mento dos valores decorrentes no contrato.

Analisemos.

2.2.1 resolução proposta pelo adquirenteCaso o construtor não autorize a extinção do contrato ou, ainda, quando

o adquirente não concordar com os valores da retenção, o caminho será a ação de resolução contratual39.

Os fundamentos para a extinção unilateral do contrato são, como já se disse, as referidas súmulas. Da mesma forma, não concordando com os valores da retenção, o adquirente questionará a legalidade da cláusula que autoriza a retenção em percentual acima de 20% dos valores pagos.

A jurisprudência, como já verificado, tem autorizado a extinção unilate-ral. Os maiores problemas, contudo, dizem respeito quanto ao percentual de retenção de valores. Embora a Súmula nº 1 do TJSP e a Súmula nº 543 do STJ admitam a possibilidade de extinção contratual, nada dizem a respeito do per-centual de retenção de valores.

Não há um consenso nos julgados. No âmbito do Tribunal de Jus-tiça de São Paulo, há julgados autorizando retenção de 10%40, 20%41,

39 A resolução do contrato também caberá, claro, sempre que o incorporador agir com culpa.40 “COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – Rescisão contratual cumulada com restituição de quantias

pagas. Desistência dos compradores em razão da impossibilidade financeira. Circunstância que não impede a devolução das parcelas pagas, sob pena de ofensa ao art. 53 do CDC, admitida a retenção de 10% pela incorporadora para ressarcimento de perdas e danos e despesas administrativas. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 1017889-19.2015.8.26.0003, Rel. Moreira Viegas, Comarca: São Paulo, 5ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 06.07.2016, Data de registro: 07.07.2016)

41 “Compromisso de compra e venda. Ação de rescisão de contrato c/c reintegração de posse e indenização. Inadimplemento dos compradores verificado. Rescisão contratual. Aplicação das Súmulas nºs 1 e 2 deste eg. Tribunal. Retorno das partes ao status quo ante. Direito de retenção de 20% sobre o valor das parcelas pagas a fim de compensar as despesas operacionais. Jurisprudência deste Tribunal. Indenização pelo período de ocupação do bem no montante de 0,5% ao mês sobre o valor do contrato, desde o início do inadimplemento até a efetiva desocupação. Levantamento pelos réus dos valores depositados em juízo. Recurso improvido, com observação.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 1000718-93.2015.8.26.0344, Rel. Luiz Antonio Costa, Comarca: Marília, 7ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 28.06.2016, Data de registro: 28.06.2016)

104 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

30%42, 40%43 e, em alguns casos mais recentes, até 50%44 dos valores pagos pelo adquirente.

Embora não haja consenso no Tribunal de Justiça de São Paulo a respei-to do percentual de retenção dos valores, fato é que a Súmula nº 2 determina que “a devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição”.

Caso o adquirente tenha recebido as chaves da unidade, além da re-tenção de parte dos valores, a jurisprudência também admite o pagamento de taxa de ocupação, normalmente arbitrada em 0,5%, ao mês, sobre o valor do contrato45.

Por fim, cumpre ressaltar que, caso o pedido de resolução seja decorren-te de atraso de obra ou mesmo vício construtivo, o construtor não poderá reter valores e, eventualmente, ainda poderá ser condenado ao pagamento de danos morais ou materiais.

42 “Compromisso de compra e venda. Cohab-SP. Inadimplência da compradora. Mora caracterizada. Pedidos de rescisão e de reintegração acolhidos. Ainda assim, cabível a devolução de parte (70%) das quantias pagas pela adquirente. Aplicação do CDC. Retenção de 30% para fazer frente às despesas administrativas diante do rompimento que não deu causa. Aplicação das Súmulas nºs 2 e 3 do TJSP. Sentença parcialmente reformada. recurso parcialmente provido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0249905-72.2009.8.26.0002, Rel. Des. Roberto Maia, J. 11.2014 – grifos nossos)

43 “Retenção de 40% dos valores pagos. Razoabilidade, no caso concreto. Desfazimento do negócio por iniciativa do autor, sob o argumento de que não tem mais condições de efetuar o pagamento das parcelas. Desistência em momento de grave recessão do mercado imobiliário e notória desvalorização dos imóveis. Valor destinado a cobrir as despesas administrativas suportadas pela ré. Recurso parcialmente provido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 1003703-87.2015.8.26.0068, Rel. Hamid Bdine, J. 10.09.2015)

44 “Compromisso de compra e venda. Rescisão extrajudicial. Pretensões de declaração de nulidade de cláusulas contratuais, de devolução, em dobro, das quantias pagas e de indenização por dano mora. Desistência do autor compromissário comprador, que não conseguiu financiamento, e recebeu, no distrato, quantia equivalente a cerca de 50% dos valores que havia pago. Pedidos indevidos. Tratando-se de direito disponível, não havendo lei de ordem pública a impor determinado percentual em devolução das quantias pagas, o autor-apelante desistiu do negócio, recebendo determinado valor em restituição e dando plena e irrevogável quitação. Não tem, portanto, direito de pretender receber mais, ao velado pensamento de que recebeu pouco. Ação improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 1040796-65.2014.8.26.0506, Relª Beretta da Silveira, Comarca: Ribeirão Preto, 3ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 08.04.2016, Data de registro: 08.04.2016)

45 “Ação de rescisão contratual c/c reintegração de posse. Compromisso de compra e venda de lote. Inadimplemento do preço. Ação de revisão contratual c/c consignação em pagamento. Procedência do pedido relativo ao processo de rescisão e extinção do processo de revisão. Inconformismo da compradora. Acolhimento. Questão sobre a revelia que precluiu. Efeito de presunção, no entanto, que se aplica apenas aos fatos, não às consequências jurídicas. Relação de consumo configurada. Declaração de ofício de nulidade da cláusula de decaimento. Infringência ao art. 53 do Código de Defesa do Consumidor. Indenização arbitrada em 20% das parcelas pagas mais taxa de ocupação de 0,5% do valor do contrato atualizado a partir do inadimplemento até a efetiva desocupação. Processo relativo à ação revisão que deve permanecer extinto. Ausência de interesse processual diante da rescisão por inadimplemento. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0005410-61.2007.8.26.0271, Rel. J. L. Mônaco da Silva, Comarca: Itapevi, 5ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 22.06.2016, Data de registro: 27.06.2016)

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������105

2.2.2 resolução contratual proposta pelo incorporador

Não se tratando de imóvel financiado com pacto de alienação fiduciária, em caso de inadimplemento do adquirente, poderá o construtor resolver o con-trato, com fundamento na ausência de pagamento.

Assim será se o contrato estabelecer uma cláusula resolutiva expressa, ou seja, uma cláusula contratual em que as partes reforçam que, ocorrendo o inadimplemento contratual, o contrato resolve-se automaticamente, sem a ne-cessidade de declaração judicial.

Ocorre que a jurisprudência brasileira, a respeito dos compromissos de venda e compra, historicamente autorizava a extinção contratual somente com a propositura de uma ação judicial, embora o contrato tivesse a cláusula reso-lutiva expressa46.

E a razão desse entendimento, como se pode imaginar, é que muitos construtores, em um passado não tão recente, resolviam extrajudicialmente o contrato, mesmo sem conferir o direito de purgação de mora. Em outros casos, a devolução dos valores pagos era irrisória. O abuso do direito abriu as portas para obrigar que a resolução contratual fosse realizada judicialmente.

Mas essa determinação mostrou-se péssima ao mercado, seja para com-pradores, seja para vendedores. Ao ter de aguardar anos e anos para a resolução do contrato, o vendedor via-se privado da coisa. Além disso, ao final de longos anos de tramitação da ação, o comprador via-se obrigado ao pagamento da taxa de ocupação que dificilmente conseguiria pagar. Somem-se a isso inúmeras unidades que ficavam inutilizadas, aguardando pronunciamento judicial.

Diante de tal situação, a Lei nº 13.097/2015, recentemente editada, trou-xe grande inovação. Nos termos do art. 62, parágrafo único, alterou-se o art. 1º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 745/1969:

Art. 1º [...]

46 Nesse sentido: “Ação de reintegração de posse derivada da falta de pagamento das prestações do imóvel transacionado, pelo cooperado. Liminar bem denegada, agravo contra a denegação improvido. Necessidade de primeiro ser rescindido o negócio, ainda que haja cláusula resolutiva expressa” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 991.06.040542-2, Rel. Min. Luiz Ambra, 8ª Turma Cível, J. 26.05.2010). A questão não é pacífica porque, no próprio TJSP, há julgadores que entendem desnecessário o pronunciamento judicial quando o contrato prever cláusula resolutiva expressa. Da mesma forma: “PROCESSO CIVIL – AGRAVO – RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO – PRECEDENTES – REEXAME DE FATOS E PROVAS – INADMISSIBILIDADE – Diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva norteador dos contratos, na antecipação de tutela reintegratória de posse, é imprescindível prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato. Precedentes. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. Agravo no recurso especial não provido” (AgRg-REsp 1292370/MS, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, J. 13.11.2012, DJe 20.11.2012).

106 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Parágrafo único. Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na inter-pelação referida no caput, sem purga da mora. (NR)

A nova redação atribuída ao Decreto-Lei nº 745/1969 altera completa-mente a jurisprudência firmada ao longo dos anos, que determinava a neces-sidade de pronunciamento judicial para resolução contratual da promessa de venda e compra. A lei deu o recado à jurisprudência, determinando que a reso-lução se operará de pleno direito, tal como permite o Código Civil.

Após a edição da lei, temos verificado julgados do Tribunal paulista auto-rizando a reintegração de posse caso a resolução tenha sido realizada de forma extrajudicial47.

2.3 distrAto dos instrumentos de vendA e comprA

Como estudado anteriormente, as partes podem firmar o distrato dos ins-trumentos de promessa de compra e venda, não sendo necessária qualquer so-lenidade (diferentemente do contrato definitivo de venda e compra de imóveis, que deve ser celebrado obrigatoriamente por escritura pública, nos termos do art. 108 do Código Civil).

Distrato significa que as partes acordaram o fim do contrato nas condi-ções ali estabelecidas. Sem prejuízo, o que na prática se tem verificado é que alguns adquirentes, mesmo após firmado o distrato, ingressam com ação judi-cial, questionando algumas cláusulas acordadas, sobretudo o percentual retido pelo construtor dos valores pagos.

Com fundamento no art. 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consu-midor, os adquirentes têm asseverado abusividade da retenção superior a 20% (vinte por cento) dos valores pagos.

47 “Tutela antecipada. Compromisso de compra e venda. Decisão que deferiu liminar para reintegração dos autores promitentes vendedores na posse do imóvel. Inconformismo dos réus, que imputam aos autores a culpa pelo inadimplemento, bem como sustentam a necessidade de prévia rescisão do contrato por determinação judicial. Descabimento. Art. 1º do Decreto-Lei nº 745 de 7 de agosto de 1969 teve sua redação recentemente alterada pela Lei nº 13.097 de 19 de janeiro de 2015, dando eficácia à cláusula resolutória expressa quando o promissário comprador é interpelado e deixa de purgar a mora no prazo de 15 dias contados do recebimento desta. Ainda que a notificação previamente encaminhada pelos autores não tenha sido feita pela via judicial ou por intermédio de cartório de títulos, a citação para o feito de origem faz as vezes de interpelação judicial. Incontroverso o inadimplemento e não havendo notícia de purgação da mora, realmente não há óbice ao deferimento da antecipação de tutela, ante a eficácia da cláusula resolutória. Réus recorrentes, ademais, que segundo suas próprias razões, não mais estariam exercendo a posse do imóvel. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 2079575-67.2016.8.26.0000, Rel. Rui Cascaldi, Comarca: São Paulo, 1ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 06.07.2016, Data de registro: 06.07.2016)

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������107

É necessário cautela. Se o consumidor, quando informado a respeito dos valores decorrentes para a extinção do contrato, não concordar com eles, não deve assinar o distrato. Nessa oportunidade, a boa-fé implica ao consumidor não assinar o distrato outorgando quitação plena para, posteriormente, ingressar com ação judicial.

Não nos parece razoável (para não dizer má-fé) que o consumidor rece-ba parcialmente os valores decorrentes da extinção do contrato, dê quitação plena no instrumento de distrato, mas, dias depois, ingresse com ação judicial questionando os termos do distrato. A jurisprudência já declarou abusiva essa postura do consumidor48. Distrato, mais uma vez, significa acordo entre as par-tes. Se o consumidor não concorda com as condições impostas pelo construtor, bastará não assinar a extinção consensual e bilateral do contrato, para ingressar com ação judicial.

3 teNtatIvaS e ProPoStaS de reSolução de coNflItoS decorreNteS da eXtINção doS coNtratoS de veNda e comPra

3.1 o “pActo pArA o AperfeiçoAmento dAs relAções negociAis entre incorporAdores e consumidores”

Tal como amplamente divulgado por alguns veículos de informação, no dia 27 de abril de 2016 a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a OAB – Seccional do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira das Incorporadoras – Abrainc, entre outros órgãos, firmaram o intitulado “Pacto para o Aperfeiçoamento das Relações Ne-gociais entre Incorporadores e Consumidores”49.

Segundo o pacto, a adesão pelo consumidor aos termos do documento seria voluntária e o cumprimento ficaria restrito às entidades que participaram do acordo. Fizeram parte do pacto a Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc) e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Ressalte-se que as duas entidades têm empresas associadas em todo o território nacional.

48 “Compromisso de compra e venda. Imóvel. Restituição de valores decorrentes da rescisão de contrato de compra e venda. Caso em que realizado distrato, com retenção de 70% dos valores pagos. Admissibilidade. Autonomia da manifestação de vontade das partes no contrato. Celebração de distrato. Plena, geral e irrevogável quitação. Pretensão de cobrar a diferença que não se revela possível. [...] Ação parcialmente procedente. Sentença reformada. Sucumbência recíproca reconhecida. Recurso parcialmente provido”. Segundo o acórdão: “Sem que erro ou vício do negócio relativo ao distrato se prove, impossível mesmo a rediscussão do valor da retenção, porque presumivelmente atendeu aos interesses do autor” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 1004400-64.2015.8.26.0309, Rel. Vito Gugliemi, J. 03.02.2016).

49 Íntegra disponível em: <http://civileimobiliario.web971.uni5.net/pacto-para-o-aperfeicoamento-nas-relacoes--negociais-entre-incorporadoras-e-consumidores/>. Acesso em: 15 jul. 2016.

108 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

O acordo teve como principal escopo apresentar propostas para solução de conflitos entre consumidores e incorporadores que, no transcorrer da crise imobiliária, foram aflorados.

Vários assuntos ali foram tratados. Entre os temas acordados, algumas práticas foram consideradas abusivas, tais como a cobrança do Sati e a taxa de deslocamento. Além disso, o acordo também admite a cláusula de tolerância e a cláusula de prorrogação, bem como altera os prazos de garantia, ampliando--os nos termos da norma de desempenho (NBR 15575-1:2013).

Por fim, o acordo também tratou a respeito da extinção dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis habitacionais em incorporações imobiliárias.

Em primeiro lugar, asseverou o pacto que tais contratos “são celebrados em caráter irrevogável e irretratável, nos termos da legislação específica (art. 32, § 2º, da Lei nº 4.591/1964)”.

Contudo, embora entenda o compromisso de venda e compra como irre-vogável, admite que “fatores externos podem influir sobre a capacidade econô-mico-financeira do adquirente que impeçam a concretização de seu projeto de vida”, o que autorizaria o consumidor a extinguir o contrato. Todavia, o pacto assevera que a extinção do contrato não pode resultar no “comprometimento da conclusão da obra ou colocar em risco a realização do mesmo projeto pelos demais adquirentes”, razão pela qual se buscou, segundo o texto, uma saída “razoável”.

Assim, os partícipes do documento acordaram que, havendo dificuldades financeiras por parte do consumidor, o contrato pode prever cláusula autorizan-do o distrato, sendo que, nessa oportunidade, seria devida (i) “multa fixa, em percentual nunca superior a 10% sobre o valor do imóvel prometido comprar” ou (ii) “perda integral das arras (sinal) e de até 20% sobre os demais valores pagos pelo comprador, até então”.

Além disso, segundo o acordo, “para não se comprometer o fluxo de caixa da incorporação, perseverando-se o patrimônio de afetação”, “feitas as deduções dos valores que serão retidos pelas incorporadoras, a restituição do sobejante ao consumidor” “se daria em parcela única, concedendo-se ao incor-porador um prazo de carência de seis meses”, ressalvada a hipótese de nova alienação do imóvel.

Como se pode perceber, a redação do pacto, no tocante à extinção con-tratual, diverge completamente do quanto estabelece a jurisprudência dos Tri-bunais, em especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, em grande parte dos casos, autoriza a retenção de apenas 10% (dez por cento) dos valores pagos pelo consumidor, não admite qualquer multa contratual em caso de extinção contratual (com ou sem culpa do consumidor) e determina que a devolução seja realizada em uma única parcela. Justamente por isso que diversos órgãos

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������109

dos consumidores criticaram o acordo. Segundo alegaram, o pacto favorece por demais os incorporadores, em detrimento dos consumidores.

Em razão disso, conforme noticiado recentemente50, o pacto foi suspen-so para maior debate junto aos Procons, à Comissão Nacional dos Defensores Públicos do Consumidor, entre outros órgãos. Ademais, a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, por meio de seu Presidente, Dr. Plínio Lacerda, divulgou nota asseverando que

a MPCON participou, a convite, dos debates que antecederam a assinatura do Pacto, assim como outros órgãos de defesa do consumidor, sendo que, todavia, ao final, decidiu não assiná-lo, porque a Associação entendeu que, apesar da riqueza dos debates, havia na proposta, além de problemas formais, problemas materiais que estão relacionados a pontos em que é claro o indicativo de prejuí-zos para os consumidores, a pontos em que há desrespeito à jurisprudência dos tribunais [...]”51

Ainda que o pacto esteja sendo criticado por diversos órgãos de proteção aos consumidores, fato é que o texto abriu o caminho para uma discussão mais ampla, que diz respeito à possível necessidade de elaboração de uma legislação para tratar especificamente da extinção dos contratos de promessa de venda e compra de imóveis incorporados.

Analisemos alguns projetos em curso.

3.2 projeto de lei nº 1.220/2015

O Projeto nº 1.220/201552, em trâmite na Câmara dos Deputados e de autoria do Deputado Celso Russomano, é evidentemente protetivo aos consu-midores. Segundo o art. 1º, “nos contratos de compra e venda de imóveis ad-quiridos na planta é facultado à incorporadora a retenção do valor de até 10 % (dez por cento) do valor pago pelo adquirente desistente do negócio, incluindo a taxa de corretagem”.

Segundo pode se inferir do art. 1º, manifestando o consumidor interesse na extinção contratual (direito potestativo), as incorporadoras ficam sujeitas à resilição unilateral do contrato, hipótese em que poderão reter até 10% (dez por cento) dos valores pagos pelo adquirente. Se for verificada culpa da construtora na extinção do contrato (hipótese de resolução contratual), o projeto determina que retenção alguma será devida.

50 Disponível em: <http://construcaomercado.pini.com.br/negocios-incorporacao-construcao/legislacao/pacto-criado-para-resolver-problema-dos-distratos-e-suspenso-para-370942-1.aspx>.

51 Disponível em: <http://www.mpcon.org.br/webforms/template.aspx?campo=8074&secao_id=274>. Acesso em: 13 jul. 2016.

52 A este projeto foram apensados o PL 3.098/2015 (Dep. Carlos Maneto) e o PL 2.616/2015 (Dep. Marco Soares).

110 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Ainda segundo o texto (art. 1º, § 1º), o prazo para a devolução da quantia será de 30 dias úteis contados da notificação e o valor deverá ser devolvido de uma só vez (art. 1º, § 2º).

Como se verifica, o texto é contrário ao que determina o art. 32, § 2º, da Lei nº 4.591/1964, mas em consonância com a jurisprudência, autorizando, a qualquer tempo, o consumidor extinguir, de forma unilateral, o contrato (ainda que não exista qualquer culpa por parte da incorporadora). Ademais, o projeto é expresso ao afirmar, no art. 2º, que “o adquirente poderá desistir da compra do imóvel a qualquer momento”.

Por fim, o art. 3º, em redação confusa, autoriza a extinção do contrato mesmo que a unidade esteja financiada. Nessas hipóteses, como se sabe, ha-vendo financiamento, é praxe do mercado que a própria unidade seja dada em garantia por pacto adjeto de alienação fiduciária (Lei nº 9.514/1997). Pela alienação fiduciária, a propriedade resolúvel é transferida ao adquirente. Nesses casos, não há mais promessa de venda e compra, razão pela qual não há mais como ser resolvido o contrato preliminar, porque já existe um contrato definiti-vo. Não cabe, em tais hipóteses, extinção do contrato.

Havendo financiamento bancário, a propriedade resolúvel é transferida para o adquirente. A transação, diga-se, deve ser devidamente registrada peran-te o Cartório de Registro de Imóveis. Os emolumentos de cartório são recolhi-dos, assim como o respectivo Imposto de Transmissão de Bem Imóvel – ITBI. Configura, portanto, ato jurídico perfeito, que não pode simplesmente ser “des-feito” pelo mero desinteresse na manutenção da avença anteriormente firmada.

Ademais, como bem ressaltado em julgado do Desembargador Carlos Alberto Garbi, quando a unidade é dada em garantia na alienação fiduciária,

não é o caso de se aplicar o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, permi-tindo a restituição das parcelas pagas pelos autores, tampouco de se reconhecer a rescisão do contrato [...]. A hipótese dos autos trata de compromisso de compra e venda com alienação fiduciária em garantia, disciplinada pela Lei nº 9.514/1997, de modo que vencida e não paga a dívida, constituído em mora o fiduciante, a propriedade do imóvel se consolida em nome do fiduciário.53

53 “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO – RECONHECIMENTO – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM PACTO ADJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – INADIMPLEMENTO DOS COMPRADORES – RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS – INADMISSIBILIDADE – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 53 DO CDC – CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA CREDORA FIDUCIÁRIA – DEVEM OS VENDEDORES PROVIDENCIAR A ALIENAÇÃO DO BEM, CERTO QUE EVENTUAL SALDO CREDOR DEVE SER DEVOLVIDO AOS AUTORES – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DOS RÉUS ACOLHIDOS – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DOS AUTORES PREJUDICADOS – 1. Compromisso de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária. Inadimplência dos autores. Reconhecimento na inicial. Obediência à Lei nº 9.514/1997. Transferência da propriedade resolúvel do bem. Alienação por leilão público (arts. 26 e 27 da Lei). 2. Não é o caso de se aplicar o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, permitindo a restituição das parcelas pagas pelos autores, tampouco de se reconhecer a rescisão do contrato que já foi rescindido. A hipótese dos autos trata de compromisso de compra e venda com alienação fiduciária em garantia, disciplinada pela Lei nº 9.514/1997, de modo que vencida e não paga a dívida, constituído em mora o fiduciante, a propriedade do imóvel se consolida em nome do fiduciário. 3. O inadimplemento dos autores não acarreta a resolução

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������111

O projeto em questão, portanto, parece-nos por demais protetivo aos consumidores, esquecendo-se que uma proteção exacerbada pode trazer pre-juízos ao mercado imobiliário como um todo e, indiretamente, aos direitos dos próprios consumidores.

Sendo autorizada a extinção contratual a qualquer tempo, com retenção de apenas 10% (dez por cento) dos valores pagos e, ainda, autorizando-se a extinção do contrato mesmo nas hipóteses em que o imóvel foi dado em alie-nação fiduciária, certamente o risco do negócio imobiliário será maior e, con-sequentemente, o preço do produto ficará mais elevado e as taxas de juros para o financiamento imobiliário também serão majoradas.

3.3 projeto de lei nº 774/2015

Como contraponto do projeto de lei do Deputado Celso Russomano, também tramita, no Senado Federal, o PLS 774/2015, de relatoria do Senador Romero Jucá, que pretende alterar disposições da Lei nº 4.591/1964, para in-cluir o art. 67-A naquele diploma legal.

A proposta, em sua redação original, nos parecia uma solução pouco mais razoável.

A respeito do percentual de retenção em caso de extinção do contrato, o projeto previa que, “em caso de desfazimento do contrato, seja mediante distrato ou resolução por inadimplemento de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador” (art. 67-A).

A respeito das deduções, o PL determinava que a retenção dos valores não poderia exceder a 25% das quantias pagas. O percentual nos parece razoável, a considerar que há casos em que a jurisprudência admite uma retenção de até 50% dos valores. A proposta também assevera que o valor pago pela comissão de corretagem não seria devolvido ao consumidor (uma vez que o resultado útil – assinatura do contrato – foi verificado).

Da mesma forma, caso o consumidor tenha recebido as chaves, em caso de extinção do contrato, o projeto previa que o adquirente responderá: (i) pelo pagamento dos impostos reais incidentes sobre o imóvel (art. 67-A, § 3º, inciso I); (ii) pelas cotas de condomínio e contribuições devidas à associação de mo-radores (art. 67-A, § 3º, inciso II); (iii) pelo valor correspondente à fruição do

do contrato de compra e venda, perfeito e acabado, mas a resolução da propriedade fiduciária. 3. Embargos de declaração dos réus acolhidos para negar provimento à apelação dos autores e manter a sentença de improcedência do pedido. Embargos de Declaração dos réus prejudicados.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Embargos de Declaração nº 0116029-47.2011.8.26.0100, Rel. Carlos Alberto Garbi, Comarca: São Paulo, 10ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 12.05.2015, Data de registro: 17.06.2015; Outros números: 116029472011826010050000)

112 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

imóvel, “calculado de acordo com critério pactuado no contrato ou, na falta de estipulação, fixado pelo juiz em valor equivalente ao de aluguel de imóvel do mesmo padrão do objeto do contrato” (art. 67-A, § 3º, inciso III); e, por fim, (iv) pelos demais encargos incidentes sobre o imóvel e as despesas previstas no contrato (art. 67-A, § 3º, inciso IV).

Como visto, as deduções supralistadas são permitidas pela jurisprudên-cia. É possível imaginarmos, inclusive, que, a depender do período em que o consumidor ocupou o imóvel e dependendo do quanto pagou, que o adquiren-te acabe não tendo qualquer crédito para ser levantado, deixando, inclusive, um saldo devedor em favor da construtora.

Ponto controverso do projeto era certamente a determinação do § 5º do art. 67-A. Segundo tal dispositivo, em redação original, tendo sido realizados os cálculos das retenções devidas e havendo saldo remanescente aos consumi-dores, “o pagamento será realizado em três parcelas mensais e subsequentes, vencendo-se a primeira após um prazo de carência de doze meses, contados da data do desfazimento do contrato” (art. 67-A, § 5º). Caso ocorra a revenda da unidade antes de transcorrido o período de carência, o remanescente devido ao adquirente será pago em até trinta dias da revenda (art. 67-A, § 6º).

Tal determinação contraria a maioria dos julgados, sobretudo a referida Súmula nº 2 do Tribunal de Justiça de São Paulo, que determina que “a devolu-ção das quantias seja realizada de uma só vez”.

Contudo, parece-nos razoável que o valor da devolução seja pago de forma parcelada, para que o prejuízo causado pela extinção contratual não seja ainda mais agravado às incorporadoras e, principalmente, no presente momen-to de crise.

Nesses termos, a proposta do PL 774/2015 nos parecia mais razoável do que aquela do PL 1.220/2015. Ocorre que, no trâmite legislativo, o PL 774/2015 sofreu algumas emendas. As Emendas nºs 3 e 4, apresentadas pela Senadora Marta Suplicy, alteraram substancialmente a proposta original.

Da forma como até o presente momento o PL 774/2015 se apresenta (24 de fevereiro de 2017),

em caso de desfazimento do contrato preliminar ou definitivo de alienação de imóvel de que trata esta lei por culpa do adquirente mediante resilição ou reso-lução por inadimplemento da obrigação, ele fará jus à restituição das quantias pagas ao incorporador, delas deduzindo-se a pena convencional, que não poderá exceder a dez por cento das quantias pagas. (art. 67-A)

O limite máximo de retenção, portanto, passa a ser o percentual de ape-nas 10% sobre o valor do contrato. Era esse o valor originalmente proposto pelo Deputado Celso Russomano, no PL 1.220/2015.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������113

Como fundamento para uma retenção tão pequena em favor das incor-poradoras, o Parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado afirmou que

os riscos do negócio devem ser suportados pela incorporadora, e não pelos ad-quirentes do imóvel. Se o empreendimento imobiliário se tornou desinteressante ou se os adquirentes imergiram em uma crise financeira pessoal, isso é irrelevan-te. A incorporadora, no momento em que decidiu vender imóveis “na planta”, tem o dever jurídico de concluir as obras independentemente da movimentação financeira gerada pelas vendas das unidades.

Além disso, o § 1º do art. 67-A afirma que “entende-se por quantia pagas o valor desembolsado para pagamento do preço do imóvel, ainda que par-te desse valor tenha sido pago, como remuneração, diretamente ao corretor contrato pelo alienante”. Assim, nos termos da proposta, o consumidor deverá receber 90% dos valores que desembolsou para aquisição do imóvel, incluindo a corretagem.

Da forma como caminha o projeto, em caso de resilição unilateral do consumidor, é o incorporador quem acaba pagando 90% dos valores da corre-tagem. Como fundamento dessa alteração, Parecer da Comissão de Constitui-ção, Justiça e Cidadania asseverou que

o que se vê, na prática, é que as incorporadoras, ao lançarem um novo empreen-dimento imobiliário, contratam empresas de corretagem que se valerão de suas técnicas de convencimento para atrair compradores. Esses corretores agem de acordo com “as instruções recebidas” da incorporadora. Como se vê, o contrato de corretagem aí é celebrado entre o corretor e a incorporadora, de maneira que o dever jurídico de pagar a comissão de corretagem é da incorporadora, e não de terceiros. O fato de o adquirente do imóvel destacar um percentual do preço do imóvel para pagar diretamente ao corretor é irrelevante do ponto de vista jurídico, pois, aí, o adquirente estará pagando uma dívida como um terceiro em relação ao contrato de corretagem por autorização expressa do verdadeiro deve-dor (que é a incorporadora). Como se vê, a comissão de corretagem é apenas um entre outros vários custos que as incorporadoras possuem para a realização do empreendimento imobiliário, de maneira que o valor pago a título de corretagem não deve ser tratado de modo apartado, ao contrário do que propõe o projeto.

Por fim, a respeito do valor a ser ressarcido ao consumidor, o projeto, atualmente, determina, no art. 67, § 5º, que “o pagamento deverá ser realizado em parcela única, no prazo de cinco dias úteis”.

Como se vê, a proposta do Senado foi completamente alterada no trâmi-te legislativo, ficando bem mais próxima da proposta original da Câmara. Da forma como instituída, embora atenda aos reclames dos consumidores, poderá trazer grandes prejuízos ao mercado. As incorporadoras terão fôlego financei-

114 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

ro para dar seguimento às obras em caso de inúmeros pedidos de resilição unilateral? Atente-se que, caso aprovado, as empresas deverão devolver 90% dos valores pagos pelos consumidores (incluindo a corretagem) em uma única parcela, cinco dias após a manifestação de vontade para a extinção contratual.

coNcluSãoEnquanto crescente o mercado imobiliário, a extinção dos contratos não

era das questões mais conflitantes. Quisesse o consumidor o término do con-trato, o incorporador não apresentava grandes óbices: a retenção dos valores pagos era pequena e a revenda da unidade era rápida. Por isso a jurisprudência que autorizava a extinção contratual a qualquer tempo pelo consumidor não era tão incômoda às empresas.

A crise econômica alterou completamente esse cenário. Com a baixa dos preços das unidades, a revenda mostrou-se muito difícil, razão pela qual as incorporadoras passaram a se indispor contra a jurisprudência que já era con-solidada no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça.

Diante disso, há necessidade de rediscutirmos a extinção unilateral pelo consumidor. A primeira discussão é justamente saber se o compromisso de ven-da e compra autoriza a extinção unilateral imotivada.

Como já referimos, por diversos motivos, sobretudo pela seguran-ça na execução da obra, o compromisso de venda e compra, no regime de imóveis incorporados, é irretratável, nos exatos termos do art. 32, § 2º, da Lei nº 4.591/1964. Ao continuarmos permitindo a possibilidade de que, a todo mo-mento, o consumidor possa se valer de um direito potestativo para, sem qual-quer justificativa, extinguir unilateralmente o contrato, estaremos colocando em risco a atividade imobiliária.

É necessário que as razões que justifiquem ao consumidor a extinção do contrato sejam justificáveis e não mero “inconveniente” na permanência do contrato. Daí é que concordamos com as palavras do homenageado Professor José Osório de Azevedo Jr.54, ao afirmar que “é preciso que haja motivação ética e econômica suficiente para justificar o comportamento do compromis-sário, como, por exemplo, graves dificuldades financeiras, morte ou doença na família, etc., compelindo-o a dar por findo o contrato”. Ainda segundo o autor, “o puro arrependimento choca-se com o princípio da segurança das relações jurídicas e econômicas”.

Imagine-se a circunstância em que o consumidor, ao adquirir o imóvel no valor de um milhão de reais, tenha dado uma entrada de apenas dez mil reais (além de pagar a corretagem). Poucos meses depois, sem qualquer justifi-cativa, pleiteia a extinção contratual. Nessa oportunidade, caso o PL 774/2015

54 AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 209.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������115

(em sua atual redação) seja aprovado, a incorporadora, em um negócio imobi-liário de um milhão de reais, em razão de resilição unilateral e imotivada do consumidor, pode reter, como cláusula penal, a quantia de apenas mil reais. Além disso, ainda deverá reembolsar os valores que pagou a título de comissão de corretagem.

Essa situação poderá resultar em um enfraquecimento do investimento imobiliário no País. Até porque, segundo reportagem jornalística, o Brasil é um dos poucos países que autoriza a resilição unilateral e imotivada do contrato de venda e compra de unidade autônoma, contrariando países tais como Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México, Portugal e Reino Unido55.

Ressalte-se que o PL 774/2015 está sendo acompanhado, de perto, por entidades da construção civil e de proteção aos consumidores. Espera-se que as discussões legislativas, ampliadas à sociedade civil, possam resultar em uma solução razoável a todo o mercado e, principalmente, aos consumidores. To-davia, da forma como atualmente disposto o PL 774/2015, enormes prejuízos poderão advir ao mercado imobiliário e, em razão disso, voltarmos aos difíceis anos em que a oferta de imóveis era pequena e o percentual de desemprego no mercado imobiliário altíssimo.

Enquanto não alterada a Lei nº 4.591/1964, entendemos que a jurispru-dência deve ter olhos mais atentos ao incorporador, para autorizar a cobrança de compensação pecuniária suficiente para recompor o prejuízo decorrente da extinção realizada unilateralmente pelo consumidor.

Por outro lado, a necessidade de releitura da jurisprudência não significa que os direitos dos consumidores devem ser esquecidos. A retenção de valo-res acima do razoável certamente fere o direito do consumidor, que não pode amargar grande prejuízo, porque, por exemplo, perdeu o seu emprego e não tem mais condições de permanecer naquele contrato.

referêNcIaS

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004.ARAUJO, Paulo Dóron Rehder de. Prorrogação compulsória de contratos a prazo: pressupostos para sua ocorrência. Tese de Doutorado defendida perante a Facul-dade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009.

55 Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-destoa-de-outros-paises-ao-permitir-dis- -trato-de-imoveis-mostra-estudo,70001652039?utm_campaign=website?success=true>. Acesso em: 24 fev. 2017.

116 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos contratos e dos atos unilaterais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.CHALHUB, Melhin. Opinião: jurisprudência consolidada na Súmula nº 543 do STJ necessita de revisão. O direito e a incorporação imobiliária, livreto entregue quando do seminário “O Direito e a Incorporação”, realizado em São Paulo, no dia 17 de junho de 2016.COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2006.GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Contratos: teoria geral. In: Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 4, t. I, 2009.GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Atualizado por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Cresenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008.LOUREIRO, Francisco Eduardo. Extinção dos contratos. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011.______. Alguns aspectos dos contratos de compromisso de venda e compra de unidades autônomas futuras e o Código de Defesa do Consumidor. O direito e a incorporação imobiliária, livreto entregue quando do seminário “O Direito e a Incorporação”, realizado em São Paulo, no dia 17 de junho de 2016.MARTINEZ, Pedro Romano. Da cessação do contrato. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2006.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 1975.PINHEIRO FRANCO, Antônio Celso; PINHEIRO FRANCO José Roberto. Cláusula resolutiva expressa: o exato sentido do artigo 119 do CC/1916 e dos artigos 128 e 474 do Diploma Substantivo de 2002. Revista do Instituto dos Advogados, ano 13, n. 25, jan./jun. 2010.PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado: parte especial. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, v. 38, § 3.081, 1962.TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2016.USTARRÓZ, Daniel. A resolução do contrato no novo Código Civil. Revista Jurídi-ca, n. 304, ano 51, p. 32-53, fev. 2003.ZULIANI, Ênio. Resolução do contrato por onerosidade excessiva. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011.

Parte Geral – Doutrina

Condomínio: Rediscutindo as Deliberações Já Tomadas em Assembleias

RODRIGO KARPATAdvogado militante na área cível há mais de 10 anos, Sócio no Escritório Karpat Sociedade de Advogados, Palestrante e Professor de Cursos em todo o Brasil, Colunista do site Síndico Net e do Jornal Folha do Síndico, Consultor da Rádio Justiça de Brasília e da OK FM. Apresenta os programas Vida em Condomínio, da TV Creci, e Por Dentro dos Tribunais, do Portal Universo Condomínio.

O síndico é o responsável legal do condomínio, e tal posição lhe confere poderes para exercer as atividades executivas inerentes à gestão, mas também traz obrigações e deveres funcionais. Entre as obrigações, deve o síndico “cum-prir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia” (art. 1.348, IV, do Código Civil).

As assembleias são norteadoras para a vida em condomínio e suas deci-sões são soberanas: o que for decidido ali deve ser seguido, desde que as forma-lidades legais para a convocação tenham sido seguidas, que os assuntos levados à tona tenham feito parte da ordem do dia e que as decisões não contrariem a lei. Porém, isso não acarreta em dizer que tais decisões tomadas em assembleia não podem ser modificadas ou reavaliadas.

Uma nova assembleia pode rever o posicionamento da assembleia ante-rior, mas tal medida pode trazer o dever de indenizar caso traga algum prejuízo a quem quer que seja.

Podemos dizer que uma assembleia que trouxe um assunto em pauta pode em outro momento rediscutir o mesmo assunto e revogar a decisão ante-riormente tomada, sempre tendo em vista o interesse coletivo do condomínio. Tal situação ocorre, por exemplo, se em determinado momento a deliberação for tomada com base em alguma informação errada e por isso deve rever o que foi deliberado anteriormente, por mudança de entendimento da situação anterior ou, ainda, pelo fato de em determinado momento em que uma decisão foi tomada não existia uma informação técnica e por isso o corpo diretivo ou o síndico decidiu trazer novamente algum assunto para rediscussão.

Mesmo que a rediscussão seja pertinente, se trouxer algum prejuízo, a situação poderá acarretar em perdas e danos em favor de quem tenha sido pre-judicado em função de uma rediscussão, como, por exemplo: na autorização de fechamento de sacada de uma forma, e, após a consulta de um arquiteto, verificou-se que, perante a prefeitura, tal fechamento deveria ser feito de outra

118 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

forma, porém algumas unidades já haviam modificado da forma inicialmente sugerida, e isso gerou um dano que deve ser suportado pelo condomínio.

Na lição De Biasi Ruggiero: “A resolução da assembleia geral não cria direito adquirido, podendo ser tornada insubsistente por resolução posterior. É evidente que há casos em que, pela sua peculiaridade, essa revogação gera perdas e da-nos. A revogabilidade das deliberações da assembleia, assim como a alterabilida-de da convenção, integra o direito de propriedade”.

“As deliberações são eficazes até que sejam anuladas judicialmente ou alteradas por outra assembleia, a menos que trate de ato inexistente ou nulo de pleno direito. É valida a ratificação, por outra assembleia, de deliberação inquinada de vício.” (RUGGIERO, Biasi. Questões imobiliárias. Saraiva, 1997. fls. 26 e 27)

Dessa forma, por mais que seja possível rediscutir algo, é imprescindível que os gestores estejam munidos das informações necessárias para a tomada das decisões em assembleia, evitando, assim, que as mesmas possam ser redis-cutidas desnecessariamente. Porém, se for o caso de rediscussão, é melhor que se faça rapidamente do que ficar com uma situação pendente que poderá trazer prejuízo futuro ou que inadvertidamente seja resolvida sem nova deliberação em assembleia, mesmo com entendimento contrário já sacramentado em as-sembleia anterior.

Parte Geral – Doutrina

Quem É o Responsável pelo Reparo na Coluna, na Prumada, na Tubulação e nos Vazamentos no Condomínio?

ALExANDRE CALLéAdvogado Especializado em Condomínios e Locação.

O síndico do condomínio é o responsável legal pela manutenção e a conservação das áreas comuns da edificação, ou seja, daquelas partes que são de uso geral e coletivo dos condôminos.

Segundo dispõe o Código Civil:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

[...]

§ 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

Art. 1.348. Compete ao síndico:

[...]

V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores. (grifamos)

Grosso modo, existem dois tipos de redes de encanamento nos condomí-nios: a vertical e a horizontal.

A rede vertical (prumadas ou coluna central) está localizada na área co-mum do condomínio, sendo de uso geral dos condôminos, conduzindo a água e o esgoto da via pública até os andares. Desse modo, havendo danos ou va-zamentos oriundos dessa rede comum, a responsabilidade pelo conserto e a indenização pelos prejuízos causados será do condomínio.

Até mesmo se for necessário realizar obras dentro das unidades dos con-dôminos, para corrigir problemas originados na rede geral, será de responsabi-lidade do síndico os reparos devidos.

Por sua vez, a rede horizontal (canos ramais) que liga a coluna à unidade será de responsabilidade dos proprietários da respectiva unidade que fazem uso individual da tubulação, ou seja, que tiver origem na parte interna da sua

120 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

unidade, citam-se os canos ramais e outros equipamentos de uso exclusivo e individualizado, como é exemplo o vaso sanitário e a válvula hidra.

Problema muito comum se dá quando o vazamento é proveniente do apartamento do andar superior, sendo o síndico acionado muitas vezes para tentar resolver o problema.

Antes de se falar em responsabilização, deve-se, primeiro, tentar identifi-car a “origem” do vazamento. Isso porque tanto pode ser oriundo da tubulação da área comum quanto da área privativa. Recomenda-se a contratação de um profissional ou uma empresa habilitada para que seja detectada a origem do vazamento, de modo que o seu responsável possa ser identificado, para, depois, serem adotadas as providencias necessárias.

No caso de ser necessário ao profissional entrar no apartamento originá-rio do vazamento para realizar os reparos devidos ou, ainda, as providências, como quebrar parte do gesso, piso ou azulejo, deverá o incômodo ser tolerado pelo proprietário, de modo a sanar rapidamente o problema ao apartamento do andar inferior.

Trata-se do direito de vizinhança, consagrado no art. 1.277 do Código Civil, em que o proprietário precisa realizar reparos em seu imóvel, mas se faz necessário ingressar no imóvel do vizinho para sanar os prejuízos ao sossego e à saúde dos habitantes da edificação. Confira-se: “Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências preju-diciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha” (grifamos).

Não são raros os casos de infiltração, vazamento, goteira e embolora-mento entre os prejuízos causados ao apartamento inferior. Muitas vezes, os reparos são simples e eficazes, como o refazimento do rejunte do banheiro. Outras vezes, há necessidade de uma intervenção maior, por mais período. E é nesses momentos que surgem as discussões e os desentendimentos.

Vale colacionar um julgado em que o condômino da unidade inferior foi indenizado por danos morais, diante da inércia e do descaso, deixando de re-alizar um reparo simples em seu banheiro (rejunte), causando grave sofrimento ao vizinho. Confira-se:

Dano moral. Direito de vizinhança. Infiltração. É devido o pagamento de inde-nização por dano moral pelo responsável por apartamento de que se origina infiltração não reparada por longo tempo por desídia, a qual provocou constante e intenso sofrimento psicológico ao vizinho, configurando mais do que mero transtorno ou aborrecimento. Salientou-se que a casa é, em princípio, lugar de sossego e descanso, não podendo, portanto, considerar de somenos importância os constrangimentos e aborrecimentos experimentados pela recorrente em razão do prolongado distúrbio da tranquilidade nesse ambiente – ainda mais quando

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������121

foi claramente provocado por conduta culposa da recorrida e perpetuado por sua inércia e negligência em adotar providência simples, como a substituição do rejunte do piso de seu apartamento. De modo que tal situação não caracteri-zou um mero aborrecimento ou dissabor comum das relações cotidianas, mas, sim, situação excepcional de ofensa à dignidade, passível de reparação por dano moral. Com essas e outras considerações, a Turma deu provimento ao recurso, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que, incluída indenização por danos morais, prossiga o julgamento da apelação da recorrente. Precedentes citados: REsp 157.580/AM, DJ 21.02.2000, e REsp 168.073/RJ, DJ 25.10.1999. (STJ, REsp 1.313.641/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 26.06.2012) (grifamos)

No ambiente condominial, os condôminos são obrigados a “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes” (art. 1.336, IV, do Código Civil).

Logo, não se trata de um simples “consentimento” do condômino, per-mitindo ao vizinho que adentre à sua unidade para a realização dos reparos. Muito pelo contrário, é uma obrigação permitir o acesso à sua unidade para as providências cabíveis, com a rápida solução do problema.

Nessas hipóteses citadas, até mesmo o direito de propriedade consagrado na Constituição Federal (art. 5º, XXII, XXIII, XIV, XXV e XXVI) sofre limitações de ordem pública.

A bem da verdade é que todo o impasse gerado entre os condôminos se dá diante do “quebra-quebra” e da falta de “paciência” pelas intervenções havi-das por alguns momentos na unidade, com muita discussão quanto à reposição do local em suas condições anteriores.

É preciso ter muita compreensão e evitar situações abusivas – de ambas as partes –, diga-se de passagem. O problema precisa ser resolvido de forma rápida e eficaz, com o mínimo possível de transtorno ao proprietário da unidade superior. Esse é o x da questão!

Outra ponderação importante é que o síndico tente identificar se o pro-blema é afeto apenas aos condôminos ou se trata de uma falha nos sistemas e nas manutenções do condomínio. Há casos em que a ferrugem ou o desgaste nas peças e na tubulação do edifício acarretam diversos vazamentos e proble-mas às unidades, demandando obras estruturais nos edifícios com o passar dos anos, que sempre encontram resistência nas deliberações da assembleia.

Isso porque obras estruturais não costumam ser visíveis pelos condômi-nos. O síndico, que é diligente e não vacila quanto à manutenção predial, mui-tas vezes, é visto como um “gastão”. O que é uma injustiça. Pois, quando o

122 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

problema aparece, o valor das despesas costuma ser proporcionalmente maior, caso fossem sanadas com antecedência.

No que se refere à responsabilidade pelo pagamento das reformas e dos reparos necessários na coluna da edificação, quando a mesma passa por den-tro da unidade do condômino, sendo necessário ao síndico (acompanhado do profissional) adentrar na unidade para realizar os reparos necessários, discussão que se coloca diz respeito ao valor do ressarcimento pelos prejuízos causados à unidade.

Muito comum que existam mobílias, armários embutidos, porcelanatos, entre outros adereços na parede e no piso interno da unidade, que sejam que-brados ou removidos para a realização dos trabalhos.

Pergunta-se: É o condomínio quem deve indenizar pelos prejuízos adi-cionais ao condômino e quanto seria esse valor?

Na hipótese do material de revestimento ali existente não mais existir, por ser produto fora de linha, ocorrência muito comum em se tratando de azulejos e pisos, o condomínio deverá buscar por um material disponível no mercado que seja o mais parecido e semelhante ao original (seja quanto ao aspecto, à cor, à tonalidade, à marca e à qualidade), e, dessa forma, se eximirá de sua obrigação.

Nesse sentido, a obrigação evidenciada abrange os materiais e revesti-mentos que guardarem harmonia com o padrão vigente nas demais unidades. Como exemplo, no caso hipotético de o condomínio ser de padrão modesto, com revestimento de azulejo comum, o condomínio não se responsabilizará por refazer uma parede constituída de mármore travertino com tal material, limitando-se ao dever de entregar o local (ou o valor correspondente) com o azulejo padrão no condomínio.

Cabe o alerta que o condomínio assume o dever de reparar apenas e tão somente o local ou a parede comprometidos pela obra, não existindo dever de “reformar” o cômodo integralmente. Mesma lógica se aplica ao ressarcimento de eventuais prejuízos causados aos bens móveis e outros itens que guarneciam a unidade autônoma, desde que comprovadamente prejudicados pelo vaza-mento da coluna.

Por óbvio que a feitura das obras não pode dar ensejo a abusos por parte do condomínio. Ao síndico, como representante do condomínio responsável pela contratação do prestador dos serviços, caberá exigir que as obras sejam feitas do modo mais célere, menos gravoso e incômodo quanto possível ao condômino.

Em caso semelhante, o TJSP já condenou um condomínio para que pro-videnciasse todas as reformas necessárias, com o material que mais se aproxima do original, ainda que tenha que providenciar a substituição por materiais no-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������123

vos e de qualidade superior ao removido, mas o que não se pode permitir é que o condômino perceba ressarcimento inferior ao que teria direito. Confira-se:

A obrigação de indenizar é de devolver ao lesado aquilo que ele efetivamente perdeu e razoavelmente deixou de lucrar (art. 402 do Código Civil). Na hipótese a perda se refere ao piso laminado que foi destruído pela inundação do apar-tamento. Descaberia trocar por outro com o mesmo tempo de uso, até porque inexiste um produto com tal característica passível de ser encontrado no mercado consumidor. Assim, outro caminho não haveria se não responder pelo custo in-tegral da troca por um novo, sob pena do postulante obter reparação pecuniária muito aquém do necessário para devolver ao imóvel a mesma condição de ha-bitabilidade que fora perdida. (TJSP, Apelação nº 994.08.041169-5, Comarca de Santos, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. James Siano, J. 23.02.2011) (grifamos)

Isso porque não seria justo que o condômino amargasse o prejuízo sozi-nho, mesmo que saiba de antemão que naquele local havia uma coluna insta-lada e que, possivelmente, demandaria reformas de manutenção por parte do condomínio.

Por outro lado, o ressarcimento também não poderá ser elevado, em pre-juízo aos demais condôminos que participarão do rateio. O dano deverá ser recomposto exatamente no valor dos prejuízos experimentados, sem que pro-porcione enriquecimento sem causa do condômino.

Em outro julgado, o mesmo Tribunal reconheceu que não haveria que se falar em indenização moral, por não configurar abalos significantes ao con-dômino, sendo uma situação perfeitamente tolerável, diante da rápida solução dada pelo condomínio ao caso, providenciando urgentemente as reformas ne-cessárias na unidade, in verbis:

Vazamento em coluna de esgoto que ocasiona danos ao apartamento dos auto-res. Fissuras em parede. Condomínio réu que foi diligente e efetuou todas as repa-rações necessárias, inclusive dos danos ocasionados pelos vazamentos. Ausência de dano material a ser indenizado. Inocorrência de dano moral. Transtornos su-portados pelos autores que não superam o patamar do mero aborrecimento coti-diano. (TJSP, Apelação nº 0110392-54.2007.8.26.0004, São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, Relª Ana Lucia Romanhole Martucci, J. 02.09.2014) (grifamos)

Nada impede que as partes se conciliem e celebrem um acordo em as-sembleia extraordinária, buscando-se, junto ao condômino prejudicado, uma solução amigável, propondo um valor de indenização justo, ressarcindo todos os prejuízos experimentados pelo condômino, mas que não acarrete enriqueci-mento sem causa.

De fato, caso essa alteração realizada pelo condômino na área comum implique em prejuízos aos demais, problemas com a vazão da água, por exem-plo, o que também deverá ser comprovado por meio de avaliação por profis-

124 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

sional, poderá o síndico notificar o condômino para que seja refeita a obra e recuperada a coluna no estado originário da edificação, sob pena de, não o fazendo, ser penalizado conforme as multas previstas na Convenção.

E caso o condômino não realize os reparos ou dificulte o acesso à uni-dade, poderá o condomínio demandar judicialmente para fins de obter uma medida que autorize a reparação civil. Vale colacionar um julgado recente do egrégio Tribunal de Justiça que muito se aproxima do caso em análise:

Ementa: Perícia. Ação indenizatória. Ocorrência de vazamento em unidade con-dominial, que danificou elevadores. Condômino demandado pelo condomínio. Pedido de realização de prova pericial para demonstrar a causa do sucedido: reforma na parte hidráulica da coluna do condomínio que teria propiciado maior pressão da água, fragilizando, assim, o encanamento interno da unidade. Impu-tação da responsabilidade ao condômino, pelo condomínio, por ter o primeiro procedido a má instalação de um filtro de água em sua unidade, e assim teria dado causa ao vazamento. Indeferimento do pedido de realização de prova pe-ricial. Necessidade, todavia, de esclarecimentos técnicos. Decisão que indefe-re a produção da perícia, reformada. Agravo provido. (Agravo de Instrumento nº 2115938-24.2014.8.26.0000, Comarca de São Vicente, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. João Carlos Saletti, J. 10.03.2015) (grifamos)

Por todo o exposto, verifica-se que o assunto é polêmico e que as obras, as reformas e os vazamentos nas unidades demandam muitas reclamações por parte dos condôminos, recomendando-se sempre a consulta a um especialista para que seja apurada a “origem” dos problemas, identificando, assim, seus eventuais responsáveis para que sejam exigidas providências extrajudiciais ou judiciais.

Parte Geral – Doutrina

O Ativismo Judicial e o Impacto Econômico das Decisões nos Contratos Imobiliários

EDuARDO ABREu BIONDIAdvogado.

Compreende-se por ativismo judicial a diretriz dada por um magistrado visando buscar por uma hermenêutica jurídica expansiva, garantindo o direito das partes e atendendo às soluções dos litígios e às necessidades oriundas da lentidão ou omissão legislativa, e até mesmo do Poder Executivo.

Se o “ativismo” judiciário tem um viés favorável, já que a atitude proativa dos juízes, na determinação de direitos que se encontram em estado latente ou de forma nem sempre clara na Constituição e nas leis, não se pode deixar de perceber o risco dessa postura judicial, pelo menos quanto à expectativa em relação à titularidade de direitos que partes de um processo judicial possam ter (ou não) em determinadas circunstâncias.

Sabe-se que a simetria entre os “interesses econômicos” e os “ideais de justiça” era a regra nas sociedades tradicionais. Ocorre que, com a expansão da sociedade moderna de mercado, esse liame foi se rompendo, fazendo com que a retórica tradicional sobre a interpretação da lei e de integração de lacunas es-condesse a realidade da influência das decisões do Poder Judiciário no mundo e na sociedade em que vivemos.

Para alguns operadores do Direito, mesmo quando um comprador desis-te imotivadamente do negócio feito, a incorporadora revende o imóvel e segue “realizando seus lucros normalmente”. Essa é uma visão completamente dis-torcida da realidade econômica do negócio imobiliário e sua propagação, por meio de reiteradas decisões judiciais, pode gerar grave risco sistêmico, capaz de fazer estruturas sólidas se aproximarem do colapso.

Não é demais pontuar que as decisões em casos de resolução contratual não devem privilegiar aqueles que descumprem o contrato, rompendo a legíti-ma expectativa que a incorporadora possui do recebimento do preço nas con-dições pactuadas, à medida que o comprador “inadimplente” ou “aquele que se faz de inadimplente” venha a desestabilizar a relação contratual, gerando riscos, não somente para a incorporadora, mas também para todos os demais adquirentes que fazem parte daquele empreendimento.

126 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

O juiz que favorece o distrato imotivado por parte do comprador diminui o número de novos lançamentos à população. O magistrado que beneficia a rescisão imotivada para o promitente comprador estará, em um segundo mo-mento, aumentando os juros que lhes são cobrados ou mesmo alijando-os do mercado de crédito. Ainda que as consequências possam parecer pequenas no curto prazo, elas são razoavelmente altas em prazos mais longos.

Não obstante, a jurisprudência sobre as ações de resolução das promes-sas de compra e venda de bens imóveis vem desconsiderando os efeitos da irretratabilidade, assim qualificada por expressa disposição do art. 32, § 2º, da Lei nº 4.591, de 1964, que, obviamente, exclui o direito de arrependimento ou a desistência de qualquer das partes, impondo ao inadimplente a obrigação de indenizar as perdas e os danos provocados pelo rompimento do contrato.

E inexiste dúvida de que a Lei nº 4.591/1964 tem como foco principal a segurança jurídica que se faz necessária em todos os contratos. Assim, do Oiapoque ao Chuí, certo é que muitas empresas não estão sobrevivendo ao “massacre financeiro” a que estão sendo submetidas, devendo ser destacado que toda empresa necessita de relativa estabilidade para que possa dar segui-mento aos seus negócios.

Ora, o imóvel comprado na planta é um negócio jurídico de cunho patri-monial, quer seja para o comprador, quer seja para a incorporadora. Pensar ao contrário é “tapar os olhos com venda”, o que soa como o maior dos absurdos. Ninguém compra um imóvel para ter prejuízo, assim como nenhuma incorpo-radora lança um empreendimento esperando não ser bem-sucedido. A via é de mão dupla, não podendo considerar esse negócio jurídico como uma via de mão única.

E é exatamente neste contexto que o preclaro Ministro Luis Felipe Salomão disse no REsp 1163283/RS: “Todo contrato de financiamento imobi-liário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito”.

Os exemplos da vida cotidiana descortinam o absurdo, data venia, que está ocorrendo no mercado imobiliário. Exemplificando: Se alguém compra um carro 0km em uma concessionária, irá fazer o pagamento antecipado ou assinar um contrato de financiamento, sendo razoável aguardar alguns dias até que seu carro esteja pronto. Quando isso ocorre, ele não pode desistir, sair do contrato ou pegar o seu dinheiro de volta.

Atente-se, ainda, para os custos (encargos sociais) dos direitos que são inadequadamente criados por algumas decisões, em especial para os efeitos re-distributivos de cada prestação jurisdicional que favorece o comprador inadim-plente. É o que ocorre nos casos de resolução das promessas de compra e venda

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������127

de um imóvel, desconsiderando-se os efeitos da irretratabilidade e admitindo, paradoxalmente, o arrependimento, ocasião em que o magistrado determina a devolução dos valores pagos, fixando o percentual entre 10 e 25%.

Assim, o Poder Judiciário nem sempre percebe que agrava os problemas que pretende corrigir, causando danos à economia e, na mesma proporção, à população em geral, ao se afastar do rigorismo da lei ou dos princípios que regem os contratos, com o pensamento voltado para o ideal de corrigir o proble-ma econômico gerado, tão somente, naquele caso em concreto.

Em suma, o que se pretende na realidade é que, com a obtenção de decisões judiciais seguras, equilibradas e sustentáveis, os negócios e investi-mentos prossigam, reduzindo-se o “risco jurídico” que os torna pouco atrativos, fazendo com que as empresas cumpram sua função social, impulsionando o desenvolvimento do País.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2696

Superior Tribunal de JustiçaAgInt no Agravo em Recurso Especial nº 443.576 – ES (2013/0399490‑6)Relator: Ministro Raul AraújoAgravante: Telemar Norte Leste S/AAdvogados: Adriano Severo do Valle – ES014982

Daniel Moura Lidoino e outro(s) – ES017318Agravado: Manoel Cândido Soares e outroAdvogado: Fábio Luiz Barros Celestino e outro(s) – ES007480

ementA

agravo INterNo No agravo em recurSo eSPecIal – ação de reINtegração de PoSSe – área ocuPada Para INStalação de eStação telefôNIca e torre de traNSmISSão – ProceSSo de deSaProPrIação Não obServado – NulIdade do coNtrato – eSbulho coNfIgurado – INterveNção do mINIStÉrIo PÚblIco deSNeceSSárIa – carêNcIa de fuNdameNtação do acórdão recorrIdo – Não ocorrêNcIa – agravo Não ProvIdo1. Recurso especial contra acórdão que julgou procedente ação de reintegração de posse de área de propriedade particular ocupada por empresa de telefonia, onde foram construídas uma estação telefônica e uma torre de transmissão.

2. Não há nulidade por ausência de intervenção do Ministério Públi-co, tendo em vista manifestação do d. Procurador de Justiça no sen-tido de ser desnecessária sua atuação no feito, em razão da ausência de interesse público.

3. A instância ordinária, com base no conjunto fático-probatório dos autos, concluiu, com motivação suficiente, que não houve regular processo de desapropriação. Julgou procedente a ação de reintegra-ção de posse considerando ser nulo o comodato entre o município e a empresa de telefonia firmado antes de concluído o processo de desapropriação e, sendo nulo o contrato de comodato, ficou caracte-rizado o esbulho, devendo os autores serem reintegrados na posse e ressarcidos dos danos sofridos. Incidência da Súmula nº 7/STJ.

4. Agravo interno não provido.

AcÓrdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo inter-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������129

no, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isa-bel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 20 de junho de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Raul Araújo Relator

relAtÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo – Relator:

Telemar Norte Leste S/A interpôs agravo interno (fls. 532/556) contra de-cisão que conheceu de seu agravo para negar provimento ao recurso especial, este atacando acórdão que manteve a procedência de pretensão formulada em ação de reintegração de posse ajuizada por Manoel Cândido Soares e Malvina Rodrigues Soares.

A sentença, mantida pelo acórdão recorrido, condenou a Telemar a retirar a torre de telefonia instalada na propriedade dos agravados, sob pena de multa diária, bem como a pagar (solidariamente com o município de Água Doce do Norte) indenização pelos prejuízos sofridos em decorrência da utiliza-ção do imóvel dos autores.

O acórdão do Tribunal estadual tem a seguinte ementa:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PRES-CRIÇÃO – INAPLICABILIDADE DO DECRETO Nº 20.910/1932 – PRECLUSÃO CONSUMATIVA – INOVAÇÃO FÁTICA E ARGUMENTATIVA – MÉRITO: ÁREA PARTICULAR – INSTALAÇÃO DE ESTAÇÃO COLETORA E ANTENA DE TRANS-MISSÃO – NULIDADE DO CONTRATO DE COMODATO FIRMADO ENTRE O PODER PÚBLICO E A EMPRESA DE TELEFONIA – ESBULHO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS – ARBITRAMENTO POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA – RECURSOS IMPROVIDOS

1. As disposições contidas no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, somente tem aplicação sobre as pretensões relativas a dívidas passivas da União, Estados e Municípios, ou seja, dividas passíveis de exigibilidade.

2. É defeso a inovação fática e argumentativa em juízo recursal, pois extrapola os limites da lide e ofende o princípio da preclusão consumativa.

3. É nulo o contrato de comodato firmado pelo Poder Público com a empresa de telefonia para instalação de estação coletora e antena de transmissão em área de propriedade particular antes de concluído processo de desapropriação.

130 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

4. Sendo nulo o contrato de comodato, resta caracterizado o esbulho noticiado na inicial, razão pela qual devem ser reintegrados na posse e ressarcidos dos danos sofridos.

5. A condenação do Município é imperiosa pois não poderia dispor da posse sobre propriedade de particular, sem que fosse concluído o necessário processo de desapropriação. Assim agindo, concorreu para a prática do esbulho.

6. Fixar prazo de 180 (cento e oitenta) dias para o cumprimento do julgado, a contar da publicação do acórdão do presente julgamento.

7. Sendo sucumbente a Fazenda Pública, impõe-se o arbitramento por aprecia-ção equitativa, conforme disposto no § 4º do art. 20 do CPC, tal como procedido na sentença guerreada.

8. Recursos improvidos” (fls. 330/331).

No recurso especial, a empresa de telefonia alegou violação dos arts. 82, III, 83 e 458, II e III, do CPC/1973, 5º, II, b, e 6º da LC 75/1993, e 25, L, da Lei nº 8.265/1993, além de ofensa a dispositivos constitucionais, sustentando, em síntese: (a) necessidade de intervenção do Ministério Público; (b) inexistência de esbulho, por ocupar a área reclamada em razão de comodato firmado com a prefeitura, que teria desapropriado o terreno; e (c) ausência de fundamentação do acórdão recorrido.

A decisão agravada rejeitou a alegada nulidade por ausência de inter-venção do Ministério Público, tendo em vista manifestação do d. Procurador de Justiça no sentido de ser desnecessária sua atuação no feito, em razão da ausência de interesse público (fls. 392/393).

Quanto ao tema relativo à desapropriação e regularidade da ocupação da área, aplicou-se a Súmula nº 284/STF, porque o recorrente deixou de indicar o dispositivo legal que teria sido violado. Registrou-se, ainda, que a divergência jurisprudencial não foi demonstrada, dada a ausência de similitude fática entre os julgados confrontados. Além disso, entendeu-se que eventual reforma do acórdão do Tribunal local demandaria reexame de matéria fática, inviável em recurso especial (Súmula nº 7/STJ).

A decisão agravada ainda afirmou não estar evidenciada a ausência de fundamentação do aresto da Corte estadual e a impossibilidade de análise de ofensa a dispositivos constitucionais.

No agravo interno, a agravante aduz que integra o Grupo Oi e requer o sobrestamento do feito por 180 (cento e oitenta) dias úteis, em razão do defe-rimento do pedido de processamento de recuperação judicial da empresa OI S/A pelo Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (autos nº 0203711-65.2016.8.19.0001), nos termos dos arts. 6º, § 4º, e 52, III, da Lei nº 11.101/2005.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������131

Insurge-se contra o posicionamento do Ministério Público Estadual, que se manifestou pela ausência de necessidade de sua atuação no feito. Insiste na necessidade de intervenção do Parquet, alegando que: (a) o município de Água Doce do Norte também é sucumbente nos autos, tendo sido condenado pela sentença ao pagamento de indenização; (b) foi juntado decreto desapropriató-rio indicando a saída de R$ 3.000,00 dos cofres públicos como indenização pela desapropriação da área reclamada; (c) a torre de telefonia instalada na área reclamada atende à comunidade do aludido município e quem transita pela região; (d) trouxe aos autos evidência robusta de desapropriação da área, que teria sido cedida em comodato pelo município à recorrente; (e) o recorrido pleiteia devolução de propriedade que teria sido desapropriada, tendo recebido a respectiva indenização.

Refutando a aplicação da Súmula nº 284/STF, afirma que “as argumenta-ções acerca da inexistência dos requisitos para a reintegração de posse corrobo-ram a fundamentação lançada nos recursos da agravante a respeito de carência de fundamentação do v. acórdão a quo, no que importaria em violação ao art. 458, incisos II e III, do CPC/1973” (fl. 547). Sustenta que “não há violação à Súmula nº 284 do STF, quando se verifica que a argumentação lançada pela agravante de inexistência de esbulho sofrido pelos recorridos serve para de-monstrar a carência de fundamentação do v. acórdão de origem, com conse-quente violação ao art. 458, II e III do CPC/1973” (fls. 550/551).

Diz que o acórdão recorrido aduzia a existência de “inovação fática e argumentativa que não se verificava nos autos” (fl. 547). Acrescenta que a de-sapropriação da área ocupada é fato incontroverso nos autos e que é clara e inequívoca a inexistência dos requisitos autorizadores da ação de reintegração de posse, tendo em vista o regular processo de desapropriação.

Alega que foi demonstrada a similitude fática entre os acórdãos confron-tados. A teor das razões, “do posicionamento externado pelo judicioso posicio-namento paradigma, a simples existência do decreto de desapropriação juntado pela recorrente é documento mais do que satisfatório a estabelecer a proprie-dade do terreno reclamado como sendo do Município de Água Doce do Norte, tornando legítima a existência do contrato de comodato entabulado entre a recorrente e referido Ente Municipal. Tal conclusão afasta a ideia contida na r. sentença e, por extensão no v. acórdão recorrido da hipótese de esbulho sofrida pelos recorridos, pois a comprovação da desapropriação atesta a regularidade do contrato de comodato firmada pela Administração Pública municipal e a agravante” (fl. 551).

Acrescenta que, ao suscitar artigos constitucionais no recurso especial, sustentou violação de matéria infraconstitucional recepcionada pela Constitui-ção Federal.

132 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Intimada, a parte agravada não apresentou impugnação do agravo inter-no (fl. 625).

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo – Relator:

Inicialmente, o pedido de sobrestamento do feito por 180 dias, em razão do deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial da OI S/A, deve ser formulado no Juízo de origem. Não havendo notícia de atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial ou de concessão de tutela antecipa-da, seu deferimento poderia interferir negativa e indevidamente no curso da marcha processual. Nesse sentido: REsp 1.602.272/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 12.09.2016; Pet-REsp 1.608.765/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe de 22.09.2016; Pet-AREsp 936.577/RS, Min. Ricardo Villa Bôas Cueva, DJe de 20.10.2016; Pet-REsp 1.614.393/RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 18.10.2016; AREsp 938.356/RS, Relª Min. Laurita Vaz, DJe de 11.10.2016; Pet-AREsp 889.613/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe de 12.05.2017; Pet-AREsp 676.005/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe de 07.10.2016; AgInt-AgRg-AREsp 847.063/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 21.10.2016. Indefere-se, por isso, o pedido de suspensão do processo.

O agravo interno não prospera, devendo ser mantida a decisão que ne-gou provimento ao recurso especial.

No que respeita à alegação de nulidade do processo por ausência de intervenção do Ministério Público, o d. Procurador de Justiça manifestou-se no sentido de ser desnecessária sua atuação, nos seguintes termos:

“Trata-se de Ação de Reintegração de Posse aforada por Manoel Cândido Soares e Malvina Rodrigues Soares em face de Telemar Norte Leste S/A, em janeiro de 2007, como se depreende das fls. 2 a 7.

Denunciado à lide (fl. 118), o Município de Água Doce do Norte apresentou con-testação (fls. 129 a 131). Diante das provas trazidas aos autos, o Julgador mono-crático sentenciou o feito às fls. 156 a 160, julgando-o procedente e condenando os requeridos na forma como elencado às fls. 160 do édito.

Inconformados, os demandados ofertaram recursos já julgados, inclusive por essa Corte do 2º grau, e, num ‘último suspiro’, a requerida Telemar opôs os Embargos de Declaração de fls. 323 a 346, onde aponta como ‘omissão’ a ausência de intervenção do Ministério Público no feito (e somente agora, ao final, é que o faz), ‘em razão de estar se questionando a disponibilidade do erário público (sic)’ (fl. 328).

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������133

Esta Procuradoria de Justiça, contudo, agasalha entendimento de ser desnecessá-ria a atuação, in casu, do Ministério Público, uma vez que o presente feito não se encontra catalogado no rol do art. 82, do CPC, e por não vislumbrarmos o ‘interesse público’ mencionado, apesar da presença do ente público, o Municí-pio, na lide.

Assim e, desde logo, pedindo vênia diante da correta abertura de vista para o Ministério Público se manifestar, uma vez que tal valoração deve ficar no âmbito ministerial e depende da perfeita identificação do objeto da ação e da efetiva existência de causa que justifique sua intervenção, esta Procuradoria de Justiça deixa de se manifestar acerca do mérito recursal em virtude da ausência de inte-resse público ou de partes incapazes que viessem a ensejar sua atuação funcio-nal, em comunhão com o entendimento contido na Recomendação nº 16/2010, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

As partes são maiores, capazes e estão devidamente representadas por seus pro-curadores, cabendo a eles a defesa de seus interesses que, aqui, mostram-se ab-solutamente de cunho patrimonial.

Restituo, então, os autos a esta colenda Câmara para regular prosseguimento” (fls. 392/393).

Após manifestação do representante do Ministério Público, o Tribunal local rejeitou a alegação de nulidade suscitada, nos seguintes termos:

“A embargante sustenta que o acórdão apresenta omissão, que acarreta a nulida-de do processo a partir da audiência de instrução e julgamento, uma vez que não houve a necessária intervenção do Ministério Público.

A fim de evitar eventual nulidade, determinei a remessa dos autos à d. Procura-doria-Geral de Justiça, pois a valoração quanto à necessidade ou não de interven-ção ministerial deve ser feita pelo próprio órgão ministerial.

A questão encontra-se superada pelo Parecer emitido às fls. 359/360, no qual o d. Procurador de Justiça informa que não há necessidade de intervenção do par-quet no presente feito. Assim, não há omissão e não há nulidade a ser declarada” (fl. 399).

Nesse contexto, não se verifica afronta do acórdão recorrido ao art. 82, III, e 83 do CPC/1973.

No mais, a recorrente sustenta que “não há violação à Súmula nº 284 do STF, quando se verifica que a argumentação lançada pela agravante de ine-xistência de esbulho sofrido pelos recorridos serve para demonstrar a carên-cia de fundamentação do v. acórdão de origem, com consequente violação ao art. 458, II e III do CPC/1973” (fls. 550/551).

No especial, a recorrente alegou que a fundamentação do acórdão re-corrido se mostraria contraditória quanto à realidade fática. Tal como dito na

134 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

decisão agravada, essa alegação revela o inconformismo da recorrente, mas não evidencia contradição ou carência de fundamentação do aresto do Tribunal estadual.

Argumentou a recorrente, no recurso especial, que não houve esbulho e que ocupa a área reclamada (onde foram construídas uma estação telefônica e uma torre de transmissão), em razão de comodato regularmente firmado com a prefeitura municipal, que teria desapropriado o terreno. Afirmou que a junta-da do Decreto nº 90/2001, que teria ratificado termo de acordo administrativo entre município e particular, bastaria à comprovação da desapropriação e a propriedade do município sobre a área reclamada. Alegando ser contraditória a fundamentação do acórdão recorrido, argumentou que o Tribunal de origem “não conferiu à demanda o melhor dos deslindes” e que “foi equivocada a con-clusão de que as argumentações esposadas pela recorrente em sua apelação se constituem em inovação fática e argumentativa”. Disse que, “muito pelo contrá-rio, a desapropriação da área litigiosa foi abordada em mais de uma ocasião e em diferentes partes destes autos, tanto pela recorrente quanto pelos recorridos” (fl. 442). Sustentou que “a documentação acostada pela recorrente se mostrou mais do que suficiente de que recebeu em comodato a área reclamada de ma-neira lícita da municipalidade local” (fl. 445).

Depreende-se das razões recursais que a carência de fundamentação apontada no acórdão atacado pelo recurso especial consiste na alegação de que a conclusão da Corte estadual seria contrária à prova dos autos.

A argumentação revela o inconformismo da recorrente, mas não confi-gura ofensa ao art. 458, II e III, do CPC/1973. O julgado do Tribunal local está devidamente fundamentado.

A instância ordinária, após apreciação do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu, com motivação suficiente, que não houve regular processo de desapropriação. Julgou procedente a ação de reintegração de posse ajuizada pelos recorridos, considerando ser nulo o comodato entre o município e a em-presa de telefonia firmado antes de concluído o processo de desapropriação. Sendo nulo o contrato de comodato, ficou caracterizado o esbulho, devendo os autores serem reintegrados na posse e ressarcidos dos danos sofridos.

Nesse contexto, não procede a alegada carência de fundamentação apontada pela recorrente. Além disso, rever a conclusão do Tribunal local de-mandaria, necessariamente, revolvimento de matéria fática, inviável em recurso especial. Tal fundamento, a propósito, não foi atacado pelo agravo interno, o que já seria suficiente para a manutenção da decisão agravada.

Quanto ao dissídio jurisprudencial, de fato, não foi demonstrado, dada a ausência de similitude entre os julgados confrontados. Tal como dito, no caso em exame, o Tribunal local julgou procedente ação de reintegração de posse

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������135

proposta pela parte recorrida, concluindo ser nulo o comodato referido pela recorrente. A respeito da alegada desapropriação, o aresto impugnado afirmou ser defeso inovar em sede recursal, pois extrapola os limites da lide e ofende o princípio da preclusão consumativa.

O acórdão paradigma, por sua vez, foi proferido em agravo de instru-mento interposto nos autos de ação de desapropriação contra decisão “que entendeu ser dispensável a transcrição da sentença da ação de desapropriação em cartório de registro de imóveis diante da natureza especial de aquisição do domínio de que se reveste a desapropriação” (fl. 429).

Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo interno.

É como voto.

certidão de julgAmento QuArtA turmA

Processo Eletrônico AgInt-AREsp 443.576/ES

Número Registro: 2013/0399490-6

Números Origem: 00000351020078080068 068070000358 06807000035820130114 351020078080068

Pauta: 20.06.2017 Julgado: 20.06.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Renato Brill de Goes

Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Agravante: Telemar Norte Leste S/A

Advogados: Adriano Severo do Valle – ES014982 Daniel Moura Lidoino e outro(s) – ES017318

Agravado: Manoel Cândido Soares e outro

Advogado: Fábio Luiz Barros Celestino e outro(s) – ES007480

Assunto: Direito civil – Coisas – Posse – Esbulho/turbação/ameaça

AgrAvo interno

Agravante: Telemar Norte Leste S/A

136 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Advogados: Adriano Severo do Valle – ES014982 Daniel Moura Lidoino e outro(s) – ES017318

Agravado: Manoel Cândido Soares e outro

Advogado: Fábio Luiz Barros Celestino e outro(s) – ES007480

certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2697

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.670.521 – SP (2017/0094317‑5)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Município de São PauloProcurador: Beatrice Canhedo de Almeida Sertori e outro(s) – SP237975Recorrido: Ronaldo Cesar de PaulaAdvogado: Eunice Silva Rodrigues – SP165558

ementA

ProceSSual cIvIl e trIbutárIo – ImPoSto de traNSmISSão de beNS ImóveIS (ItbI) – baSe de cálculo – valor da arrematação – fato gerador – regIStro da traNSmISSão do bem Imóvel – Sumula Nº 83/StJ

1. O valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Precedentes do STJ.

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera me-diante o registro do negócio jurídico no ofício competente.

3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabele-cido na Súmula nº 83/STJ: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

4. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea a do art. 105, III, da Constituição Fe-deral de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 02.06.2010.

3. Recurso Especial de que não se conhece.

AcÓrdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Jus-tiça: “‘A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).’ Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro

138 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Minis-tro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.”

Brasília, 27 de junho de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

relAtÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Es-pecial interposto (art. 105, III, a, da Constituição da República) contra acórdão assim ementado (fl. 200, e-STJ):

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – Município de São Paulo. Arrematação judicial em hasta pública. Base de Cál-culo: Valor obtido com a arrematação. Momento da exigência do imposto: Trans-crição no Cartório de Registro de imóveis. Impossibilidade de vincular o valor venal do imóvel apurado para fins de ITBI com aquele adotado para lançamento de IFTU, dada a diversidade de apuração da base de cálculo e de modalidade de lançamento. Precedentes do STJ. Reexame necessário não conhecido, recurso do município improvido e parcialmente provido o do impetrante.

Aponta a parte recorrente violação dos arts. 35 e 38 do CTN. Aduz ainda:

O art. 38 do CTN estabelece que a base de cálculo do ITBI é “o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”.

Sendo assim, a base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor venal do imóvel adquirido, e não ao valor da arrematação, como determinado pela r. sen-tença, nesse ponto, mantida pelo v. acórdão recorrido.

[...]

O v. acórdão determinou como termo inicial para incidência dos juros e multa moratórios a data de 12.03.2010, data da transcrição imobiliária. Contudo, ao assim decidir violou o art. 35, I, do CTN, pois considerou que a transmissão da propriedade se deu em momento diverso ao estabelecido por aquele dispositivo legal, a saber, a própria arrematação, in casu.

Contrarrazões às fls. 238-243, e-STJ.

À fl. 281, e-STJ, foi dado provimento ao Agravo e determinada sua con-versão em Recurso Especial, sem prejuízo de exame posterior mais profundo da admissibilidade.

É o relatório.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������139

voto

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos ingressaram neste Gabinete em 19.05.2017.

A jurisprudência do Superior de Tribuna de Justiça entende que o valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do ITBI. Nesse sentido:

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – BASE DE CÁLCULO – VALOR DA ARREMATAÇÃO – SÚMULAS NºS 83 E 568/STJ

É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a ar-rematação corresponde à aquisição do bem alienado judicialmente, razão pela qual a base de cálculo do ITBI é o valor alcançado na hasta pública. Incidência das Súmulas nºs 83 e 568 do STJ.

Agravo interno improvido.

(AgInt-AREsp 881.107/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 05.05.2016, DJe 12.05.2016)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ITBI – ALIENAÇÃO JUDICIAL DO IMÓVEL – BASE DE CÁLCULO – VALOR DA ARREMATAÇÃO – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. O recurso especial é destinado tão somente à uniformização da interpretação do direito federal, não sendo, assim, a via adequada para a análise de eventual ofensa às disposições da legislação local (Lei Municipal nº 11.154/1991), haja vista o óbice contido na Súmula nº 280/STF, in verbis: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.” 2. O acórdão a quo encontra-se em conso-nância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que nas hipóteses de alienação judicial do imóvel, seu valor venal corresponde ao valor pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI.

Precedentes: AgRg-AREsp 630.603/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 13.03.2015; AgRg-AREsp 462.692/MG, Relª Min. Regina Helena Costa, 1ª T., DJe 23.09.2015; AgR-AREsp 777.959/RS, Relª Min. Diva Malerbi (Desª Conv. TRF 3ª R.), 2ª T., DJe 17.12.2015; AgRg-AREsp 348.597/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 16.03.2015.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 818.785/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., J. 03.05.2016, DJe 13.05.2016)

Ademais, o fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante o registro do negócio jurídico no ofício competente. Nesse sentido, acerca do ITBI, já decidiu o STJ:

140 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI – FATO GERADOR – REGIS-TRO DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL PERANTE A JUNTA COMERCIAL – IM-POSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO – PRECEDENTES

1. “O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a trans-ferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Ci-vil, com o registro no cartório imobiliário” (RMS 10.650/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 04.09.2000).

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-REsp 1309667/RJ, Relª Min. Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), 2ª T., J. 05.04.2016, DJe 13.04.2016)

TRIBUTÁRIO – ITBI – FATO GERADOR – OCORRÊNCIA – REGISTRO DE TRANS - MISSÃO DO BEM IMÓVEL

1. O fato gerador do imposto de transmissão é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente.

2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-EDcl-AREsp 784.819/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 17.03.2016, DJe 01.06.2016)

TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA – ITBI – ARRE-MATAÇÃO JUDICIAL – BASE DE CÁLCULO – VALOR DA ARREMATAÇÃO E NÃO O VENAL – PRECEDENTE – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRA-DO – DIREITO LOCAL – SÚMULA Nº 280 DO STF – OMISSÃO – ART. 535, CPC – INOCORRÊNCIA – RECURSO PROVIDO PELA ALÍNEA C

1. A arrematação representa a aquisição do bem alienado judicialmente, conside-rando-se como base de cálculo do ITBI aquele alcançado na hasta pública. (Pre-cedentes: (REsp 863.893/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJ 07.11.2006; e REsp 2.525/PR, Rel. Min. Armando Rolemberg, 1ª T., DJ 25.06.1990).

2. Nesse sentido, o precedente: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS – BASE DE CÁLCULO – VALOR VENAL DO BEM – VALOR DA AVALIAÇÃO JUDICIAL – VALOR DA ARREMATAÇÃO – I – O fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel. Precedentes: AgRg-Ag 448.245/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 09.12.2002, REsp 253.364/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 16.04.2001 e RMS 10.650/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 04.09.2000. Além disso, já se decidiu no âmbito desta Corte que o cálculo daquele imposto “há de ser feito com base no valor alcançado pelos bens na arrematação, e não pelo valor da avaliação judicial” (REsp 2.525/PR, Rel. Min. Armando Rolemberg, DJ de 25.06.1990, p. 6027). Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem ven-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������141

dido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atin-gido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI. II – Recurso especial provido. (REsp 863.893/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJ 07.11.2006, p. 277)

3. Deveras, é cediço que o Tribunal a quo assentou: “Instituído o ITBI pelo Mu-nicípio de Porto Alegre, “A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel objeto da transmissão ou da cessão de direitos reais a eles relativos, no momento da estimativa fiscal efetuada pelo Agente Fiscal da Receita Municipal” (caput do art. 11 da LCM 197/1989).

Já, o art. 12 da referida legislação dispõe o seguinte: “Art. 12. São, também, bases de calculo do imposto: [...] IV – a estimativa fiscal ou o preço pago, se este for maior, na arrematação e na adjudicação de imóvel”.

No caso, cuida-se de arrematação judicial efetuada por R$ 317.000,00. O arre-matante tem responsabilidade tributária pessoal relativamente a esse tributo, que tem por fato gerador a transmissão do domínio (art. 35, I, do Código Tributário Nacional), prevalecendo, portanto, a legislação municipal. (fls. 114 e ss.)

4. A Súmula nº 280/STF dispõe que: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”.

5. O acórdão recorrido, em sede de embargos de declaração, que enfrenta ex-plicitamente a questão embargada não enseja recurso especial pela violação do art. 535, II, do CPC.

6. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.

(REsp 1188655/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., J. 20.05.2010, DJe 08.06.2010)

TRIBUTÁRIO – ITBI – FATO GERADOR – OCORRÊNCIA – REGISTRO DE TRANS - MISSÃO DO BEM IMÓVEL

1. Rechaço a alegada violação do art. 458 do CPC, pois o Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento.

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente.

Precedentes do STJ.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-AREsp 215.273/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 15.10.2012)

142 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – ITCMD – DOAÇÃO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – DECISÃO JUDICIAL ANULATÓ-RIA DO ACORDO JUDICIAL QUE ENSEJOU O RECOLHIMENTO – ART. 165, II, DO CTN

[...]

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante o registro do negócio jurídico junto ao ofício competente. Nesse sentido, acerca do ITBI, já decidiu o STJ: REsp 771.781/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ 29.06.2007; AgRg--AgRg-REsp 764.808/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJ 12.04.2007.

[...]

6. Recurso especial não provido.

(REsp 1236816/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 22.03.2012)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ITBI – RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA ALÍNEA B DO ART. 105, III, DA CF/1988, APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA EC 45/2004 – ART. 148 DO CTN – SÚMULA Nº 211/STJ – ITBI – FATO GE-RADOR

[...]

3. O fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ocorre com o re-gistro da transferência da propriedade no cartório imobiliário, em conformidade com a lei civil. Precedentes.

4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(REsp 771781/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ 29.06.2007).

Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual enten-dimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irre-signação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula nº 83/STJ: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tri-bunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos re-cursos interpostos pela alínea a do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 02.06.2010.

Por tudo isso, não conheço do Recurso Especial.

É como voto.

certidão de julgAmento segundA turmA

Número Registro: 2017/0094317-5 REsp 1.670.521/SP

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������143

Números Origem: 00008602220128260053 50/2012 502012 8602220128260053

Pauta: 27.06.2017 Julgado: 27.06.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AutuAção

Recorrente: Município de São Paulo

Procurador: Beatrice Canhedo de Almeida Sertori e outro(s) – SP237975

Recorrido: Ronaldo Cesar de Paula

Advogado: Eunice Silva Rodrigues – SP165558

Assunto: Direito tributário – Impostos – ITBI – Imposto de transmissão inter-vivos de bens móveis e imóveis

certidão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2698

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.537.012 – RJ (2013/0328121‑5)Relator: Ministro Paulo de Tarso SanseverinoRecorrente: Gerci da Penha Melichar e outrosAdvogados: Ricardo Adolfo Labanca Bastos e outro(s) – RJ077661

David Perrucho Silvae e outro(s) – RJ113649Recorrido: Paulo Cézar Lopes Queiróz e outroAdvogado: Luiz Carlos da Silva Loyola e outro(s) – RJ032511Interes.: Construtora Algarve de Teresópolis Ltda.

ementA

recurSo eSPecIal – cIvIl e ProceSSual cIvIl – coNStrução e INcorPoração ImobIlIárIa – falêNcIa da coNStrutora – reScISão do coNtrato de Permuta do terreNo medIaNte SeNteNça falImeNtar – Nova alIeNação Sem a INdeNIZação devIda aoS aNtIgoS adQuIreNteS daS uNIdadeS autôNomaS do emPreeNdImeNto fruStrado – legItImIdade – termo INIcIal da PreteNSão INdeNIZatórIa – coNdeNação maNtIda

1. Polêmica em torno da responsabilidade do proprietário de terreno pelos danos sofridos pelos antigos titulares de promessas de aquisição de unidades autônomas, que tiveram seus contratos desfeitos pela res-cisão mais ampla do contrato de permuta de terreno, decretada pelo juízo da falência, no curso do processo falimentar da incorporadora/construtora, que lhes prometera construir apartamentos antecipada-mente pagos.

2. Reconhecimento da legitimidade passiva dos proprietários do ter-reno para responder pelos danos sofridos pelos antigos adquirentes de unidades autônomas, objeto de rescisão contratual, que realiza-rem nova alienação do imóvel sem a devida indenização, em face do enriquecimento sem causa. Inteligência do art. 40, § 3º, da Lei nº 4.591/1964.

3. O termo inicial da pretensão indenizatória fundamentada no § 3º do art. 40 da Lei de Incorporações ocorre no momento da perfectibi-lização da nova alienação.

4. No caso de permuta de terreno, quando da entrega dos apartamen-tos, pois, até esse momento, o antigo adquirente tinha a justa expec-tativa de ser indenizado com a entrega de sua unidade autônoma pela nova construtora, ou pelo antigo proprietário do terreno permutado.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������145

5. Uma das finalidades da incorporação é permitir a venda anteci-pada de unidades imobiliárias visando a obtenção de recursos para construção e entrega das unidades habitacionais no futuro, consti-tuindo um pacto complexo sustentado essencialmente pela confiança e pela boa-fé contratual.

6. Rescindido o contrato de permuta de terreno, onde se realizaria empreendimento imobiliário, pelo juízo falimentar, respondem seus proprietários pela nova alienação do objeto da rescisão, quando não indenizados os antigos adquirentes das unidades autônomas. Inteli-gência do § 3º do art. 40.

7. A eventual habilitação do adquirente no processo de falência como credor privilegiado não isenta o proprietário do terreno da restrição legal existente sobre o imóvel.

8. A habilitação do crédito do antigo adquirente da unidade autôno-ma no processo falimentar do incorporador não autoriza que o pro-prietário do terreno aliene o bem objeto da rescisão sem que ocorra o devido pagamento da respectiva indenização.

9. Precedentes jurisprudenciais desta Corte.

10. Recurso especial desprovido.

AcÓrdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Rela-tor. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Pre-sidente), Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr. Ricardo Adolfo Labanca Bastos, pela parte Recorrente: Gerci da Penha Melichar.

Brasília, 20 de junho de 2017 (data de Julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Relator

relAtÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator):

146 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Trata-se de recurso especial interposto por Gerci da Penha Melichar, Yara Penha Melichar, Paulo Roberto Melichar e Ana Christina Melichar contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ementado nos se-guintes termos:

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, OU RESSARCIMENTO DO PREÇO – PEDI-DOS SUCESSIVOS – CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

A matéria discutida nos autos refere-se à construção e incorporação de imóveis, submetendo-se às disposições da Lei nº 4.591/1964 e do Código Civil/2002, sen-do inaplicável à hipótese o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Ficou comprovado nos autos que a Construtora Algarve tinha pleno conheci-mento do negócio jurídico celebrado pelos autores, Paulo Cezar e Regina, com a empresa falida, tendo como objeto a unidade 602 do empreendimento em cons-trução. Registre-se que o contrato firmado entre o Sr. Miroslav e sua mulher e a Construformas de Niterói foi rescindido por sentença, no Juízo Falimentar e, em consequência, restou extinta a Promessa de Cessão de Direitos referente à uni-dade nº 602 do empreendimento, celebrada entre a empresa falida e os autores, ora recorrentes adesivos.

Os apelantes 1 e 2 não observaram o disposto no art. 40, § 3º da Lei nº 4.591/1964 o qual contém disposição protetiva de natureza cautelar compreendida por restri-ção patrimonial, que garante ao adquirente de boa-fé, valores que eventualmente tenha investido na aquisição de imóvel, contra eventuais tentativas de frustração de cumprimento do negócio por parte do promitente vendedor ou quem o suce-desse.

No presente caso restou evidente que todos os fatos eram conhecidos dos apelan-tes, havendo menção expressa nos negócios acerca da responsabilidade quanto aos direitos dos adquirentes promitentes cessionários da unidade 602, que dei-xaram de ser respeitados, o que ensejou a procedência do pedido deduzido na inicial. Desprovimento de todos os recursos.

Foram opostos embargos de declaração por Paulo Roberto Melichar e Outros, que vieram de ser rejeitados, por acórdão ementado nos seguintes ter-mos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO E OMISSÃO NO JULGADO – REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – Ab initio ressalte-se que a Nona Câmara Cível, por maioria de votos, no julga-mento dos apelos interpostos nestes autos decidiu que, na hipótese em discussão, aplica-se o prazo prescricional de 10 anos, “porque o caso em comento não se enquadra em nenhuma situação específica da lei revogada”. Destaque-se que não cabem Embargos Declaratórios para confrontar o acórdão embargado com outros julgados, bem assim para responder questionamentos formulados pelas partes.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������147

A interposição deste recurso objetiva, por meio do efeito infringente, obter a reforma da decisão, conclusão que se alcança uma vez que toso os argumentos deduzidos já foram debatidos, não representando quaisquer dos critérios para interposição dos embargos declaratórios. No mais, o relator não está obrigado ao exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, quando já tenha formado juízo de convencimento, ainda que contrário as teses dos embargantes. Recurso rejeitado.

Na origem, ação de adjudicação compulsória, com pedido de antecipa-ção de tutela, e, sucessivo, de indenização, foi movida por Paulo Cézar Lopes Queiróz e sua esposa, Regina Assunta Rende Queiróz, contra os recorrentes, na qualidade de sucessores de Miroslav Melichar, e Construtora Algarve de Teresópolis Ltda.

Narraram os autores que, em 28 de julho de 2000, celebraram com Cons-truformas de Niterói Ltda. uma promessa de cessão de direitos de fração ideal de terreno que corresponderia à unidade de número 602 em edifício a ser cons-truído por essa construtora e incorporadora. O preço de R$ 145.000,00, a ser adimplido em duas parcelas, foi integralmente pago pelos autores. O contrato foi levado a registro e prenotado junto à matrícula do imóvel, em 13 de agosto de 2001. Os autores informaram que grande parte da obra já havia sido realiza-da quando, em 29 de novembro de 2001, fora decretada a falência da constru-tora. Alegam que, ao invés de os adquirentes do imóvel assumirem a obra, os proprietários do terreno, que haviam prometido a venda do bem à construtora mediante obrigação de construção e pagamento em unidades, obtiveram, no juízo falimentar, a resolução do contrato e retomada do terreno. Restituído o imóvel com o respectivo levantamento dos gravames, os autores restaram sem a garantia de sua obra e sem os valores por eles pagos à construtora falida. Adu-zem, ainda, serem terceiros adquirentes de boa-fé, já tendo pagado a integrali-dade do preço para aquisição da unidade 602, e que não teriam sido intimados a se manifestarem acerca da resolução do contrato, apesar de interessados.

Noticiaram que, depois de resolvido o contrato com a Construformas, os proprietários do imóvel contrataram nova construtora, o quinto réu, Construto-ra Algarve de Teresópolis Ltda., que concluiu a obra e efetuou o negócio sem assegurar os direitos dos autores, razão pela qual, também foi demandada. Por meio da presente demanda, pretendem os autores adjudicar a unidade 602, já construída, ou serem indenizados pelos valores que pagaram, acrescidos de indenização pelos prejuízos morais sofridos.

A sentença julgou procedente o pedido indenizatório, condenando o terceiro réu Paulo Roberto Melichar a indenizar os autores, pagando-lhes a quantia de R$ 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil reais) corrigida mo-netariamente pela tabela do TJRJ, a partir do desembolso das parcelas de R$ 45.000,00, desde 28 de julho de 2000, e de R$ 100.000,00, desde 28 de

148 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

agosto de 2000, acrescidas de juros legais de mora de 1% (um por cento ao mês) desde a citação, ressalvando a esse réu o direito de reembolso proporcio-nal contra o primeiro, segundo e quarto réus.

Ainda, condenou todos réus, solidariamente, incluindo a Construtora Algarve de Teresópolis Ltda., a indenizar os autores pelos danos morais sofridos na ordem de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), corrigidos monetariamente a partir da sentença, acrescidos de juros de mora da citação.

Condenou, por fim, os réus no pagamento das custas processuais e hono-rários advocatícios, proporcionalmente, sendo o terceiro réu na proporção de 60% desse ônus, devido a sua maior sucumbência, e os demais 40% daqueles valores, 10% para cada (1º, 2º, 4º e 5º).

Contrariados os réus, ora recorrentes, opuseram embargos de declaração, que vieram de ser acolhidos para modificar a partilha dos ônus da sucumbên-cia, estabelecendo a cada parte condenada 10% sobre o valor da condenação, individual ou solidaria, conforme o caso, a título de honorários advocatícios, afastando, assim, a partilha proporcional, anteriormente, estabelecida.

Mantendo-se contrariadas, as partes interpuseram recurso de apelação, tendo os autores recorrido adesivamente.

O Tribunal de origem, por unanimidade, negou provimento ao primeiro e terceiro recursos de apelação e, por maioria, negou provimento ao segundo recurso, conforme ementa supracitada.

Após rejeição dos embargos declaratórios opostos pelos sucessores de Miroslav Melichar, eles interpuseram recurso especial, sustentando, em suas razões, que o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 32 e 40, § 3º, e 43, II, da Lei de Incorporações (4.591/1964); 205, 206, § 3º, IV, 1.245 e 1.246 do Código Civil de 2002; 6º da LICC; 267 do Código de Processo Civil de 1973 e 205 da Lei nº 6.015/1973; além de apontarem dissídio jurisprudencial.

Defenderam, em síntese, a ocorrência da prescrição da pretensão inde-nizatória, a violação à Lei de Incorporações (art. 43, III), a ilegitimidade passiva para responder a presente demanda e a ocorrência da coisa julgada da sentença falimentar.

Presentes as contrarrazões.

O recurso especial foi admitido por decisão monocrática desta relatoria, em juízo de retratação à decisão que havia negado provimento ao agravo em recurso especial.

É o relatório.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������149

voto

O Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator):

Eminentes Colegas, o presente recurso especial devolve a esta Corte Su-perior o debate acerca da responsabilidade do proprietário do terreno pelos danos sofridos pelos antigos titulares de promessas de aquisição de unidades autônomas, que tiveram seus contratos desfeitos pela rescisão mais ampla do contrato de permuta de terreno, decretada pelo juízo da falência, no curso do processo falimentar da incorporadora/construtora, que lhes prometera construir apartamentos antecipadamente pagos.

O Tribunal de origem respondeu positivamente a esse questionamento, fundamentando sua decisão no disposto no art. 40, § 3º, da Lei nº 4.591/1964, por reconhecer indevida a nova contratação feita pelos proprietários do terreno com a nova empresa incorporadora/construtora, sem que antes tivessem sido indenizados os adquirentes das unidades autônomas da primeira incorporação frustrada.

Irresignados, os sucessores dos proprietários condenados interpuseram recurso especial, aduzindo, em síntese, a ocorrência da prescrição da pretensão indenizatória, a violação à Lei de Incorporações (art. 43, III), a ilegitimidade passiva para responder a presente demanda, e coisa julgada da sentença fali-mentar, além de apontarem dissídio jurisprudencial.

Adianto não merecer provimento o presente recurso especial.

Relembre-se que uma das finalidades da incorporação é a venda anteci-pada de unidades imobiliárias visando obter recursos para construção e entrega no futuro das unidades habitacionais.

Constitui uma modalidade negocial complexa, prevista na Lei Federal nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que, na sua versão original, buscando evitar lesão à economia popular, impôs uma séries de exigências e penalidades ao incorporador.

A experiência adquirida com o tempo, em especial nas épocas de crises econômicas, que causaram a quebra de inúmeros empreendimentos imobiliá-rios, revelou que tais exigências e penalidades legais não eram suficientes ao fim que se pretendia tutelar.

Estatuíram-se, assim, diversas modificações legislativas, destacando-se a Medida Provisória nº 2.221, de 4 de setembro de 2001, convertida em Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004.

É um pacto sustentado essencialmente pela confiança e pela boa-fé con-tratual.

150 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Resumindo o caso, que é bastante complexo devido a uma longa suces-são de fatos e modificações legislativas, frustrado o primeiro empreendimen-to imobiliário, os proprietários do terreno requereram a rescisão contratual no juízo falimentar, o que lhes foi deferido, com o respectivo levantamento dos gravames, retornando ao estado anterior, via ofícios judiciais.

Após, juntamente com a nova construtora, também demandada neste processo, realizaram novo contrato de incorporação, tendo sido concluída a obra. Isso teria gerado danos aos autores, antigos adquirentes de uma unidade autônoma no primeiro e inacabado empreendimento.

Eis, no que importa para o deslinde da causa, os fatos reconhecidos no acórdão recorrido.

Sobrepondo-se as questões preliminares e prejudiciais (ilegitimidade pas-siva, prescrição da pretensão indenizatória e efeitos da sentença falimentar), o debate do mérito recursal situa-se em torno da seguinte questão:

Rescindido o contrato de permuta de terreno, onde se realizaria o empreendi-mento imobiliário, pelo juízo falimentar, respondem seus proprietários pela nova alienação do imóvel objeto da rescisão?

A resposta é positiva para hipótese de a nova alienação do terreno ter sido realizada sem a prévia indenização dos antigos adquirentes das unidades autônomas, nos termos do art. 40, § 3º, da Lei de 4.591/1964.

Ocorre que, no presente caso, há uma peculiaridade que o distingue dos demais casos já julgados, que é o fato de a rescisão do contrato de permuta do terreno ter ocorrido por decisão judicial no curso do processo falimentar da antiga incorporadora.

Por essa razão, os recorrentes propugnam pela aplicação do art. 43, in-ciso III, que trata da hipótese de falência do incorporador e a qualidade do cré-dito privilegiado dos adquirentes das unidades autônomas, em detrimento do art. 40, § 3º, do mesmo diploma legal, aplicado pelo Tribunal de origem.

Entendo que a fórmula prevista no primeiro dispositivo legal (crédito pri-vilegiado na falência) não exime os proprietários da garantia legal de indeniza-ção prevista no segundo dispositivo (§ 3º do art. 40) para o caso de alienação sem a indenização dos titulares das unidades autônomas, mesmo com a resci-são contratual da permuta decretada pelo juízo falimentar.

Essa conclusão é extraída da interpretação conjunta dos dispositivos le-gais prequestionados:

Art. 40. No caso de rescisão de contrato de alienação do terreno ou de fração ideal, ficarão rescindidas as cessões ou promessas de cessão de direitos corres-pondentes à aquisição do terreno.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������151

§ 1º Nesta hipótese, consolidar-se-á, no alienante em cujo favor se opera a reso-lução, o direito sobre a construção porventura existente.

§ 2º No caso do parágrafo anterior, cada um dos ex-titulares de direito à aquisi-ção de unidades autônomas haverá do mencionado alienante o valor da parcela de construção que haja adicionado à unidade, salvo se a rescisão houve sido causada pelo ex-titular.

§ 3º Na hipótese dos parágrafos anteriores, sob pena de nulidade, não poderá o alienante em cujo favor se operou a resolução voltar a negociar seus direitos sobre a unidade autônoma, sem a prévia indenização aos titulares, de que trata o § 2º.

§ 4º No caso do parágrafo anterior, se os ex-titulares tiverem de recorrer à cobran-ça judicial do que lhes dor devido, somente poderão garantir o seu pagamento a unidade e respectiva fração de terreno objeto do presente artigo.

Art. 43. Quanto o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:

[...]

III – em caso de falência do incorporador, pessoa física ou jurídica, e não ser possível à maioria prosseguir na construção das edificações, os subscritores ou candidatos à aquisição de unidades serão credores privilegiados pelas quantia que houverem pago ao incorporador, respondendo subsidiariamente os bens pes-soais deste;”

Em torno da interpretação do primeiro dispositivo legal aludido, esta Cor-te Superior já teve diversas oportunidades de se posicionar acerca da melhor exegese da solução estatuída, concordando com a posição esposada pelo emi-nente Ministro Ari Pargendler, no seu voto-vista, em julgamento realizado nesta Colenda Turma, no Recurso Especial nº 960.748/RJ, do qual transcrevo a parte que interessa ao presente julgamento:

As normas embutidas nos parágrafos, e são variáveis, devem ser interpretadas à luz do respectivo caput, que expressamente se reporta aos efeitos da rescisão do contrato de alienação do terreno ou de fração ideal sobre as cessões ou promes-sas de cessão de direitos correspondentes à aquisição do terreno.

Quer dizer, os dois primeiros parágrafos do art. 40 se reportam à construção: direito sobre a construção (§ 1º) e indenização da parcela de construção que o adquirente tiver adicionado à unidade (§ 2º), e os dois últimos dizem respeito a implicações resultantes da falta de pagamento da respectiva indenização: restri-ção ao poder de negociar a unidade cujo contrato foi objeto de rescisão (§ 3º) e garantias reservadas ao adquirente para o pagamento da indenização (§ 4º).

Na mesma linha, a ilustre Ministra Nancy Andrighi procedeu à mesma leitura do disposto no art. 40 e seus parágrafos, quando do julgamento do Re-curso Especial nº 535.438/SP, verbis:

152 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Depreende-se que o citado dispositivo tem por finalidade resguardar o direito dos adquirentes das unidades autônomas e evitar o enriquecimento ilícito do proprietário do terreno, em havendo rescisão do contrato de alienação do terreno ou de fração ideal.

Em tal hipótese, não só o terreno, como também o direito sobre a parte da edifi-cação que já foi construída, serão transmitidos para o alienante, em cujo favor se operou a resolução, já que ficam também rescindidas as cessões ou promessas de cessão de direitos correspondentes à aquisição do terreno – aquelas feitas a cada um dos ex-titulares de direito à aquisição de unidades autônomas.

Dessa forma, não poderá o mencionado alienante voltar a negociar seus direitos sobre as unidades autônomas sem a prévia indenização de cada um dos ex--titulares da parcela de construção que haja adicionado à respectiva unidade.

Vê-se, assim, que a sistemática protetiva imposta pelo art. 40 da Lei nº 4.951/1964, mormente a constante nos seus §§ 3º e 4º, busca resguardar direitos correspondentes a aquisição das unidades autônomas, evitando-se o enriquecimento sem causa do proprietário do terreno, em cujo favor se operou a rescisão contratual.

Impõe-se, assim, a restrição ao poder de negociar a unidade cujo contra-to fora objeto de rescisão, garantindo ao seu antigo adquirente o pagamento da respectiva indenização.

Cumpre ressaltar que a condição para o reembolso aos adquirentes ocor-re desde que tenha havido acréscimo, ou construção, ou investimento no ter-reno.

Esse sistema de proteção legal aos adquirentes de unidades imobiliárias no regime das incorporações converge com a principiologia do sistema de pro-teção dos consumidores (CDC), tutelando a boa-fé do contratante mais vulnerá-vel econômica e juridicamente.

De outro lado, a partir da leitura do disposto no art. 43 e seus incisos, es-pecialmente do inciso invocado pelos recorrentes (III), para hipótese de falência do incorporador, como já adiantei, tenho que não são incompatíveis, mas com-plementares, eis que ambos são sistemas jurídicos de proteção dos adquirentes das unidades autônomas.

O enunciado normativo do dispositivo legal aludido eleva o crédito dos adquirentes das unidades autônomas a qualidade de credores privilegiados, pe-las quantias pagas ao incorporador.

Somam-se, destarte, os mecanismos de proteção dos adquirentes de uni-dades autônomas, que foram lesados pela quebra da incorporadora.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������153

Mesmo a circunstância da habilitação do adquirente no processo de fa-lência como credor privilegiado não isenta o proprietário do terreno da restrição legal existente sobre o imóvel, ficando condicionada qualquer nova alienação ao pagamento da respectiva indenização.

Dessa forma, não merece acolhida a alegação de violação ao disposto no art. 43, inciso III, da Lei nº 4.591/1964, conforme a interpretação a ele conferi-da pelo Tribunal de origem, reconhecendo que houve a alienação do imóvel, objeto da rescisão, sem que se tivesse ocorrido o pagamento da indenização.

Enfim, a habilitação do crédito do adquirente da unidade autônoma no processo falimentar do incorporador não autoriza que o proprietário do terreno aliene o objeto da rescisão sem que haja o devido pagamento da respectiva indenização, sob pena de seu enriquecimento sem causa.

Essa é a interpretação mais razoável dos mecanismos legais de tutela dos interesses dos adquirentes das unidades autônomas frente a duas situações fáticas críticas, consistentes na rescisão contratual da permuta do terreno sobre o qual se ergueria a obra e na falência do incorporador.

Nesse sentido:

DIREITO CIVIL – CONTRATO – PERMUTA – DESCUMPRIMENTO DE CLÁU-SULA CONTRATUAL – OBRA NÃO CONCLUÍDA – VENDA DAS UNIDADES A TERCEIROS DE BOA-FÉ – RESCISÃO DO CONTRATO – REINTEGRAÇÃO NA POSSE – DEFERIMENTO – ART. 40, § 2º, LEI Nº 4.591/1964 – EXEGESE – CO-MUNICAÇÃO AOS TERCEIROS INTERESSADOS – RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DOS RÉUS NÃO CONHECIDO

I – Em contrato de permuta, no qual uma das partes entra com o imóvel e outra com a construção, não tendo os proprietários do terreno exercido atos de incor-poração – uma vez que não tomaram a iniciativa nem assumiram a responsabi-lidade da incorporação, não havendo contratado a construção do edifício – não cumprida pela construtora sua parte, deve ser deferida aos proprietários do imó-vel a reintegração na posse.

II – O deferimento, no entanto, fica condicionado às exigências do § 2º do art. 40 da Lei das Incorporações, Lei nº 4.591/1964, para inclusive resguardar os interes-ses de eventuais terceiros interessados.

III – Os terceiros deverão ser comunicados do decidido, podendo essa comunica-ção ser feita extrajudicialmente, em cartório.

(REsp 489.281/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Rel. p/ Ac. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., J. 03.06.2003, DJ 15.03.2004, p. 276)

O Superior Tribunal de Justiça, no paradigma acima citado, da relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, em julgamento realizado nesta Colenda Terceira Turma (Recurso Especial nº 535.438/SP), foi, inclusive, além, aplican-

154 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

do a restrição legal, deste sistema protetivo do adquirente, em hipótese em que não ocorrera a rescisão propriamente dita, por analogia, buscando proibir a comercialização das novas unidades autônomas sem antes serem indenizados os adquirentes da primeira construtora falida.

Se esta Corte Superior já corroborou a aplicação da vedação da alie-nação do imóvel, objeto de rescisão, pelo proprietário a novo construtor, por analogia, com mais razão incide tal restrição em favor dos antigos adquirentes enquanto não lhes for paga a devida indenização.

Nesse sentido:

Processo Civil e civil. Recurso especial. Fundamento inatacado. Incorporação imobiliária. Aplicação por analogia de dispositivo. Possibilidade. Peculiaridades do caso concreto.

É inadmissível o recurso especial se existe fundamento inatacado capaz, por si só, de manter a conclusão do julgado.

Diante das peculiaridades do caso concreto, em que se constatou irregularidades decorrentes da ausência de contrato de promessa de venda ou de permuta das frações ideais do terreno, permitindo à incorporadora promover a incorporação, o que ensejou a rescisão dos contratos de promessa de compra e venda de uni-dades autônomas, salientando-se que a incorporadora é proprietária de parte do terreno, é possível a aplicação por analogia do art. 40, § 3º, da Lei das Incorpo-rações, para impossibilitar a alienação pela incorporadora das unidades autôno-mas até que esta restitua aos respectivos ex-titulares os valores das parcelas de construção que adicionaram à unidade. Recurso especial não conhecido. (REsp 535.438/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., J. 20.05.2004, DJ 14.06.2004, p. 217)

Destaco o voto-vista, do eminente Ministro Castro Filho, o seguinte trecho:

“Nesse linha de raciocínio, tenho ser perfeitamente cabível a aplicação analó-gica do art. 40 da Lei nº 4.591/1964 ao caso em análise, ante a presença desse elemento de identidade essencial, fundamental, entre o fato jurídico que deu origem aos dispositivo e a situação nos autos, representado pela proteção do di-reito dos ex-titulares de haverem do alienante o valor das parcelas de construção que adicionaram à respectiva unidade, simplesmente para que, com a rescisão contratual, todos retornem à situação anterior à celebração do contrato, sob pena de se prestigiar o enriquecimento indevido da incorporadora.”

Esse é o panorama legal e jurisprudencial que envolve o caso dos autos, devendo-se reconhecer a existência de restrição à nova alienação do terreno, enquanto não for paga a devida indenização aos ex-adquirentes.

Voltando os olhos ao caso específico dos autos, em especial ao processo falimentar, já analisando a argumentação dos proprietários no sentido de que

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������155

estavam munidos de uma sentença judicial de rescisão contratual e de ofícios judiciais para levantamentos dos gravames, destaco alguns aspectos.

O primeiro deles diz respeito ao fato da existência de benfeitorias, ou seja, acréscimos, construções e investimentos no terreno, objeto da rescisão contratual, conforme se extrai do requerimento de rescisão feita ao juízo fali-mentar pelos recorrentes (e-STJ fl. 70).

Por essa situação, já se depreende um enriquecimento sem causa aos proprietários que obtiveram um acréscimo patrimonial com recursos dos ex--adquirentes das unidades autônomas, pois receberam o terreno dado em per-muta com melhorias.

Extrai-se da sentença, verbis (e-STJ fl. 313):

De outro lado, a construtora assumiria uma obra já iniciada, onde já havia sido empregado o capital dos autores, sem que para isso pagasse mais aos proprietá-rios ou aos autores qualquer quantia. Como se observa no “Instrumento Público de Ajuste para a Realização de Empreendimento, sob o regime de ‘Condomínio Fechado’ (cláusula 4.1 – fl. 118), as unidades que seriam dadas aos proprietários do solo não participariam do rateio, porque seriam dadas em sub-rogação pela compra do imóvel como pagamento do preço, ali incluídos os custos com as benfeitorias já existentes. Isso significa que as benfeitorias foram inteiramente aproveitadas pela nova construtora, em seu benefício e em benefício dos proprie-tários do terreno, como evidente enriquecimento ilícito em desfavor dos autores”.

O segundo diz respeito ao fato de a sentença falimentar em momento algum ter garantido aos proprietários o pleno exercício de domínio do terreno, objeto da rescisão, tanto que ressalvou ao final que eventual benfeitoria realiza-da pela falida, se for o caso, deverá ser ressarcida (e-STJ fl. 83).

Com isso, a sentença falimentar não eximiu os proprietários do terreno da restrição legal contida no § 3º do art. 40 da Lei nº 4.591/1964.

Aliás, sequer poderia fazê-lo, sob pena de impor ônus a quem do proces-so não participou.

O terceiro fato diz respeito a promoção do ilustre representante do Minis-tério Público, assinalando que, até aquele momento, não havia nenhum outro credor habilitado, senão o que promoveu o processo falimentar e os proprie-tários do terreno que abriram mão do seus créditos para postular a rescisão contratual (e-STJ fl. 79)

Assim, rescindir o contrato de permuta, por si só, não causa dano, sequer é um procedimento indevido.

A vedação legal consta na nova alienação sem que se indenizem os ex--adquirentes das unidades autônomas.

156 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Essas peculiaridades do caso são suficientes para justificar a rejeição das preliminares articuladas no presente recurso especial.

Primeiramente, são partes legítimas para responder a presente demanda os sucessores dos proprietários do terreno, objeto da rescisão do contrato, que foi novamente alienado sem a devida indenização legal aos ex-adquirentes. Portanto, alienado o imóvel que continha restrição legal, devem responder pe-los danos causados.

Da mesma forma, a arguição de prescrição da pretensão indenizatória não merece acolhimento.

Não há como considerar como termo inicial da pretensão dos autores a sentença falimentar.

Não foi esse o fato que originou a pretensão indenizatória, fundamentada no § 3º do art. 40.

Como já aludido, a decisão do juízo falimentar que decretou a rescisão do contrato, por si só, não causou danos aos ex-adquirentes das unidades au-tônomas.

O dano adveio do descumprimento do descumprimento da vedação le-gal de nova alienação do imóvel objeto de rescisão (terreno) sem o pagamento da devida indenização aos ex-adquirentes.

Portanto, o marco inicial da pretensão dos ex-adquirentes não é a data da sentença que rescindiu a permuta do terreno, mas o momento da sua ciência da realização da nova alienação do terreno sem o pagamento da indenização.

Ressalto que a nova alienação se deu, novamente, por contrato de per-muta, entregando os proprietários o terreno e recebendo em troca seis apar-tamentos, com a singela diferença de que, ao invés do apartamento 702 do primeiro contrato, receberiam o apartamento 602, justamente o adquirido pelos autores, conforme se extrai da sentença (e-STJ fl. 313):

Observe-se que no primeiro contrato de promessa de venda com obrigação de construir celebrado entre os proprietários e a construtora anterior (fl. 36) recebe-riam eles, como pagamento da venda, seis unidades (101, 102, 301, 302, 701, 702).

No segundo contrato, celebrado pelos proprietários com a nova construtora (quinto réu), eles receberam também seis unidades (101, 102, 301, 302, 701, 602), dentre elas a unidade que havia sido alienada aos autores, ou seja, a unida-de 602, em substituição à 702. Não teriam, portanto, nenhum prejuízo.

De outro lado, a construtora assumiria uma obra já iniciada, onde já havia sido empregado o capital dos autores, sem que para isso pagasse mais aos proprietá-rios ou aos autores qualquer quantia.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������157

Como se observa no “Instrumento Público de Ajuste para a Realização de Em-preendimento, sob o regime de ‘Condomínio Fechado’ (cláusula 4.1 – fl. 118), as unidades que seriam dadas aos proprietários do solo não participariam do rateio, porque seriam dadas em sub-rogação pela compra do imóvel como pagamento do preço, aí incluídos os custos com as benfeitorias já existentes”.

Isso significa que as benfeitorias foram inteiramente aproveitadas pela nova cons-trutora, em seu benefício e em benefício dos proprietários do terreno, com evi-dente enriquecimento ilícito em desfavor dos autores.

Portanto, a violação do direito subjetivo dos autores de serem indeni-zados, com fundamento no art. 40, § 3º, da Lei nº 4.951/1964, ocorreu no momento da perfectibilização do contrato de permuta, ou seja, quando a nova construtora entregou os seis apartamentos sem indenizar os ex-adquirentes.

Conforme indicado no recurso especial dos réus, isso ocorreu em 22 de julho de 2008, tendo sido a presente demanda ajuizada em 10 de agosto de 2009.

Assim, ainda não havia transcorrido o prazo de prescrição trienal da pre-tensão indenizatória dos requerentes.

Ante todo exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso es-pecial.

É o voto.

certidão de julgAmento terceirA turmA

Número Registro: 2013/0328121-5 Processo Eletrônico REsp 1.537.012/RJ

Números Origem: 00112381320098190061 112381320098190061 201324557106

Pauta: 20.06.2017 Julgado: 20.06.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Durval Tadeu Guimarães

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AutuAção

Recorrente: Gerci da Penha Melichar e outros

158 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Advogados: Ricardo Adolfo Labanca Bastos e outro(s) – RJ077661 David Perrucho Silvae e outro(s) – RJ113649

Recorrido: Paulo Cézar Lopes Queiróz e outro

Advogado: Luiz Carlos da Silva Loyola e outro(s) – RJ032511

Interes.: Construtora Algarve de Teresópolis Ltda.

Assunto: Direito civil – Coisas – Promessa de compra e venda

sustentAção orAl

Dr. Ricardo Adolfo Labanca Bastos, pela parte Recorrente: Gerci da Penha Melichar

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Pre-sidente), Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2699

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0128273‑71.2013.4.02.5101 (2013.51.01.128273‑7)Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da SilvaApelante: Shana Cristina Coelho da HoraAdvogado: Valdir Paes Loureiro e outroApelado: CEF – Caixa Econômica Federal e outroAdvogado: Octavio Caio Mora y Araujo de Couto e Silva e outroOrigem: 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro (01282737120134025101)

ementA

ProceSSual cIvIl – SIStema fINaNceIro ImobIlIárIo – alIeNação fIducIárIa – coNSolIdação da ProPrIedade – leI Nº 9.514/1997 – lItIScoNSórcIo NeceSSárIo eNtre a cef e o arremataNte do Imóvel – SeNteNça aNulada

1. Lide envolvendo o pedido de declaração de nulidade do proce-dimento de execução extrajudicial de imóvel objeto de contrato de financiamento imobiliário firmado pelo autor, em que houve a con-solidação da propriedade do bem em nome da CEF. Alegou o de-mandante não ter sido intimado para a purga da mora ou das datas de realização dos leilões, requisitos previstos na Lei nº 9.514/1997.

2. Diante do inadimplemento da mutuária, o bem foi objeto de con-solidação da propriedade em nome da CEF e arrematado em leilão por terceiro que não integra a lide, em data anterior ao ajuizamento desta ação.

3. O terceiro adquirente deve obrigatoriamente figurar no polo pas-sivo da demanda, tratando-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que o pedido de declaração de nulidade dos atos do procedimento extrajudicial levado a efeito pela CEF, inclu-sive da consolidação da propriedade do bem em nome da empresa pública, e dos atos, registros e averbações subsequentes, caso julgado procedente, surtiria efeitos na arrematação realizada. Nesse sentido: TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 199702010270225, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva no afast. Rel., e-DJF2R 15.4.2008; TRF 2ª R., 6ª T.Esp., AC 199751010126281, Rel. Fed. José Antonio Neiva, e-DJF2R 23.07.2008.

160 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

4. Sentença anulada de ofício. Análise de mérito prejudicada.

AcÓrdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, conhecer da apelação e, de ofício, anular a sentença recorrida, restando prejudicado o mérito do recurso, na forma do relatório e do voto, constantes dos autos, que passam a integrar o julgado.

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2017 (data do julgamento).

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

relAtÓrio

Cuida-se de recurso de apelação interposto por Shana Cristina Coelho da Hora contra a sentença de fls. 180/188, proferida pelo Juízo da 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a qual julgou improcedente o pedido de declaração de nu-lidade da consolidação da propriedade em nome da Caixa Econômica Federal (CEF)de imóvel objeto de contrato de mútuo com alienação fiduciária, bem como de eventuais averbações e registros imobiliários subsequentes a esse ato.

Em pedido originário, narrou a autora, em apertada síntese, ter firma-do, em 14.11.2006, contrato por instrumento particular de compra e venda de unidade isolada, mútuo com obrigações, baixa de garantia e constituição de alienação fiduciária, figurando a CEF como credora/ interveniente quitante, de financiamento imobiliário com a CEF em 30.05.2012, tomando conhecimen-to posteriormente da consolidação da propriedade do imóvel em nome da ré, procedimento que, no entanto, não teria atendido os requisitos previstos na Lei nº 9.514/1997, como a notificação para a purga da mora, impedindo a instau-ração do contraditório e da ampla defesa. Alegou que, dessa forma, são nulos os atos praticados no procedimento extrajudicial, assim como os registros e averbações que se seguiram à consolidação da propriedade em nome da CEF.

Em suas razões recursais, reitera a nulidade do procedimento extraju-dicial e da consequente consolidação da propriedade do imóvel em nome da CEF, assim como dos atos subsequentes, fundamentando sua pretensão na au-sência de notificação pessoal para a purga da mora e da data de realização dos leilões. Postula a reforma da sentença, com o julgamento de procedência do pedido inicial.

Contrarrazões às fls. 200/205 e 207/209.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������161

Intimada a CEF a regularizar a representação processual (fl. 215), houve o cumprimento da determinação às fls. 217/219.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

voto

O Exmo. Sr. Desembargador federal Marcelo Pereira da Silva: (Relator)

Consoante relatado, trata-se de recurso de apelação interposto por Shana Cristina Coelho da Hora contra a sentença de fls. 180/188, proferida pelo Juízo da 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a qual julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade da consolidação da propriedade em nome da Caixa Econômica Federal (CEF) de imóvel objeto de contrato de mútuo com alienação fiduciária, bem como de eventuais averbações e registros imobiliários subse-quentes a esse ato.

Versa o pedido originário sobre a declaração de nulidade do procedi-mento de execução extrajudicial de imóvel objeto de contrato de financiamento imobiliário firmado pelo autor, em que houve a consolidação da propriedade do bem em nome da CEF. Alegou o demandante não ter sido intimado para a purga da mora ou das datas de realização dos leilões, requisitos previstos na Lei nº 9.514/1997.

O contrato celebrado entre as partes (fls. 6/19) foi firmado em 14.11.2006, no valor de R$ 49.600,00, a ser pago em 240 parcelas mensais, pelo Sistema de Amortização Constante (SAC), a taxa de juros nominal de 8,1600% e efetiva de 8,4722% ao ano, com a primeira parcela no valor de R$ 602,61, constituindo--se a alienação fiduciária nos termos da Lei nº 9.514/1997.

Verifica-se, outrossim, que, diante do inadimplemento da mutuária, o bem foi objeto de consolidação da propriedade em nome da CEF e posterior-mente arrematado (13.08.2013) em leilão por Alexandre Venetillo Mello, con-forme averbação na matrícula do imóvel, nº 130.534. do 4º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro (fl. 92). O registro da arrematação é datado de 02.01.2014.

Em ação de imissão na posse, distribuída em 12.03.2014 ao juízo da 1ª Vara Cível da Regional de Santa Cruz/RJ (Processo nº 0005996-50.2014.8.19.0206), foi deferida liminar de imissão na posse em favor do adquirente, confirmada na sentença e mantida pelo Tribunal de Justiça/RJ, em decisão monocrática transi-tada em J. 11.06.2015.

162 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Nesse contexto, considerando o pedido formulado neste feito, de decla-ração de nulidade dos atos do procedimento extrajudicial levado a efeito pela CEF, inclusive da consolidação da propriedade do bem em nome da empresa pública, e dos atos, registros e averbações subsequentes, eventual procedência do pedido afetaria o patrimônio de terceiro adquirente, o qual, observa-se, ar-rematou o bem em 13.08.2013, anteriormente ao ajuizamento desta ação (em 15.08.2013).

Assim, o arrematante, titular da propriedade do imóvel, inclusive quan-do do ajuizamento da ação, deve obrigatoriamente figurar no polo passivo da demanda, tratando-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que a nulidade alegada na inicial, caso julgada procedente, surtiria efeitos na arrematação realizada por terceiro.

Tal posicionamento já foi adotado em julgamento de minha Relatoria, em julgamento de apelação cível, cuja ementa colaciono a seguir:

PROCESSO CIVIL – SFH – NULIDADE DO LEILÃO – LITISCONSÓRCIO NE-CESSÁRIO – ALEGAÇÕES GENÉRICAS – EMENDA À INICIAL – AUSÊNCIA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – 1. Os Apelantes afir-maram expressamente em sua petição inicial que o imóvel objeto do contrato de financiamento teria sido executado, deixando de informar, no entanto, se o imóvel teria sido arrematado por terceiro ou adjudicado pela Caixa Econômica Federal. 2. Em caso de arrematação do imóvel, torna-se indispensável a presen-ça do arrematante no feito, agindo o Juízo a quo corretamente ao determinar a inclusão de eventual arrematante no pólo passivo, mormente diante do alegado na petição inicial e da alegação dos Autores de que a CEF estaria sonegando informações a respeito do arrematante do imóvel. 3. Os argumentos apresenta-dos pela parte autora apenas revelam alegações genéricas e incompletas, sem qualquer referência ao caso concreto, impondo-se a manutenção da sentença recorrida que indeferiu a petição inicial. 4. Apelação desprovida. (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 199702010270225, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva no afast. Rel., e-DJF2R 15.04.2008).

No mesmo sentido:

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – SFH – NULIDADE EXECUÇÃO EX-TRAJUDICIAL – NECESSIDADE INCLUSÃO NO FEITO DAQUELE QUE ARRE-MATOU O IMÓVEL – 1. Na demanda onde se pretende anulação de arremata-ção, é o arrematante litisconsorte necessário, porquanto decisão judicial poderá, a toda evidência, influir em sua esfera jurídica, tornando imperioso o chama-mento do mesmo para compor a relação processual. 2. Apelo parcialmente pro-vido para, anulando a sentença, determinar a baixa dos autos à vara de origem a fim de que o autor proceda à citação dos litisconsortes passivos necessários. (TRF 2ª R., 6ª T.Esp., AC 199751010126281, Rel. Fed. José Antonio Neiva, e-DJF2R 23.07.2008).

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������163

Perfaz-se necessária, portanto, a anulação da sentença de fls. 180/188, para que, retornados os autos ao Juízo de origem, seja determinado à autora emendar a inicial, a fim de incluir no pólo passivo da demanda o titular do direi-to de propriedade do imóvel objeto da consolidação da propriedade promovida em nome da CEF.

Ante o exposto, Conheço da apelação para, de ofício, Anular a sentença, com o retorno dos autos à origem, restando Prejudicada a análise do mérito do recurso.

É como voto.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2700

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosÓrgão: 6ª Turma CívelAgravo de Instrumento nº 0703131‑77.2017.8.07.0000Agravante(s): Incorporação Garden Ltda. e Incorporadora Borges Landeiro S.A.Agravado(s): Hamilton Fernando de OliveiraRelator: Desembargador Jose Divino de OliveiraAcórdão nº 1029607

ementA

ProceSSo cIvIl – agravo de INStrumeNto – Imóvel – coNdomíNIo edIlícIo – hIPoteca – deSmembrameNto – maNIfeStação PrÉvIa – credora hIPotecárIa – NeceSSIdadeI – Constituído o condomínio edilício, o credor, o devedor hipotecá-rios ou os proprietários das respectivas unidades possuem o direito subjetivo e potestativo de requerer ao juiz o fracionamento da hipo-teca incidente sobre o imóvel para que cada unidade autônoma seja gravada em valor proporcional ao crédito, conforme art. 1.488, § 1º, do Código Civil.

II – O desmembramento da hipoteca depende de prévia manifestação do credor hipotecário acerca de eventual diminuição da garantia.

III – Não foi fixada multa por eventual descumprimento da obrigação, daí porque não há, por hora, de cogitar-se de valor excessivo.

IV – Deu-se parcial provimento ao recurso.

AcÓrdão

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 6ª Turma Cível do Tribu-nal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Jose Divino de Oliveira – Re-lator, Esdras Neves – 1º Vogal e Alfeu Machado – 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador Esdras Neves, em proferir a seguinte decisão: Co-nhecido. Parcialmente provido. Unânime., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 05 de julho de 2017.

Desembargador Jose Divino de Oliveira Relator

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������165

relAtÓrio

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto pela Incorporação Garden Ltda. e outra contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Ceilândia.

No cumprimento de sentença requerido por Hamilton Fernando de Oliveira, o magistrado determinou o desmembramento da garantia hipotecá-ria que recai sobre o Empreendimento Borges Landeiro Garden, para que seja individualizada quanto da dívida incide sobre o imóvel situado na Torre “B”, Residencial Giardini (Conjunto II), apartamento nº 1007.

As agravantes alegam, em síntese, que a ordem é desarrazoada e im-possível de ser cumprida, pois somente a credora hipotecária pode efetuar o desmembramento e a individualização da hipoteca. Aduzem que, em sendo assim, deve a credora hipotecária, a Caixa Econômica Federal, ser incluída no polo passivo da ação, enfatizando que, nos termos do contrato, o gravame so-mente será liberado após o seu adimplemento total da dívida. Por fim, alegam que o valor da multa aplicado é excessivo, tornando iminente o risco de dano irreparável. Pedem a atribuição de efeito suspensivo e a reforma da decisão impugnada.

A liminar foi indeferida.

As informações foram dispensadas.

O agravado não apresentou resposta ao recurso.

É o relatório.

votos

O Senhor Desembargador Jose Divino de Oliveira – Relator:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No cumprimento de sentença requerido por Hamilton Fernando de Oliveira, o magistrado determinou o desmembramento da garantia hipotecá-ria que recai sobre o Empreendimento Borges Landeiro Garden, para que seja individualizada quanto da dívida incide sobre o imóvel situado na Torre “B”, Residencial Giardini (Conjunto II), apartamento nº 1007.

As agravantes alegam, em síntese, que a ordem é desarrazoada e im-possível de ser cumprida, pois somente a credora hipotecária pode efetuar o desmembramento e a individualização da hipoteca. Aduzem que, em sendo assim, deve a credora hipotecária, a Caixa Econômica Federal, ser incluída no polo passivo da ação, enfatizando que, nos termos do contrato, o gravame so-

166 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

mente será liberado após o seu adimplemento total da dívida. Por fim, alegam que o valor da multa aplicado é excessivo, tornando iminente o risco de dano irreparável.

A hipoteca é considerada indivisível por força de lei, conforme se infere do art. 1421 do Código Civil, de maneira que o pagamento parcial da dívida hipotecária não tem o condão de diminuir a garantia.

Não obstante, excepcionalmente, o ônus pode ser dividido, se o imó-vel dado em garantia vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício.

É o que estabelece o art. 1.488, § 1º, do Código Civil, verbis:

Art. 1.488. Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito.

§ 1º O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus, provan-do que o mesmo importa em diminuição de sua garantia.

[...]

Como visto, o desmembramento do ônus hipotecário constitui procedi-mento de iniciativa do credor e do devedor (hipotecários) ou dos proprietários das respectivas unidades, que possuem o direito subjetivo e potestativo de re-querer ao juiz o fracionamento da hipoteca incidente sobre o imóvel para que cada unidade autônoma seja gravada em valor proporcional ao crédito, poden-do o primeiro se opor, se provar a diminuição de sua garantia.

Verifica-se, portanto, que, sendo norma de exceção ao princípio da indi-visibilidade da hipoteca, é essencial a manifestação do credor.

No caso em exame, a credora hipotecária não foi intimada acerca da intenção de se desmembrar a hipoteca, o que impede o agravante de cumprir a obrigação imposta pelo juízo a quo.

Assim, o implemento da providência não depende apenas de atuação da recorrente, sendo necessária a prévia manifestação da Caixa Econômica Federal acerca de eventual diminuição da garantia, nos termos do § 1º do art. 1.488 do Código Civil.

Nesse sentido, precedente desta 6ª Turma em caso idêntico:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – IMÓVEL – DESMEMBRAMENTO DE HIPOTECA – CONDOMÍNIO EDILÍCIO – CREDORA HIPOTECÁRIA – MANIFESTAÇÃO PRÉVIA

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������167

I – O desmembramento da hipoteca incidente sobre imóvel pode ser requerida ao Juiz, após a constituição do condomínio edilício, art. 1.488 do CC, o que não se confunde com a indivisibilidade da garantia.

II – A intimação da credora hipotecária para se manifestar sobre eventual di-minuição da garantia constitui requisito para a determinação judicial de des-membramento do ônus, por isso deve ser parcialmente reformada a r. decisão agravada.

III – Agravo de instrumento parcialmente provido.

(Acórdão nº 994580, 20160020423860AGI, Relª Vera Andrighi 6ª T.Cív., Data de Julgamento: 08.02.2017, Publicado no DJe 21.02.2017, p. 846/895)

Ressalte-se que apenas a ação específica objetivando o fracionamento do ônus é que deveria tramitar na

Justiça Federal, porquanto necessariamente figuraria no polo passivo a referida empresa pública federal.

Por fim, ao contrário do que foi asseverado pelas agravantes, não foi fi-xada multa por eventual descumprimento da obrigação, daí porque não há, por hora, de cogitar-se de valor excessivo.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para determinar que o cumprimento da ordem de desmembramento da hipoteca depende de mani-festação da Caixa Econômica Federal sobre eventual diminuição da garantia.

É como voto.

O Senhor Desembargador Esdras Neves – 1º Vogal

Com o relator

O Senhor Desembargador Alfeu Machado – 2º Vogal

Com o relator

decisão

Conhecido. Parcialmente provido. Unânime.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2701

Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0325.14.000894‑8/001Numeração 0008948‑Apelante(s): Pedro Fernandes Cardoso e outro(a)(s), Elza Fernandes de Araujo CardosoRelator do Acordão: Des.(a) Antônio Bispo Comarca de ItamarandibaData do Julgamento: 13.07.2017Data da Publicação: 21.07.2017

ementA

aPelação cível – ação de uSucaPIão – heraNça – abertura de INveNtárIo – falta de INtereSSe de agIr ParcIal – ProSSeguImeNto do feIto em relação à área Não obJeto de heraNça

A ação de usucapião não é a via adequada na hipótese em que a parte autora da ação da usucapião é também herdeira necessária, pois a usucapião é modo originário de aquisição e não se pode adquirir algo que originariamente já foi adquirido por intermédio da herança. Por outro lado, quanto ao imóvel de área pertencente a terceiro, não se trata de pretensão de retificação de área, mas sim de prescrição aqui-sitiva do restante da área. Assim sendo, a ação de usucapião é a via adequada em relação a referida área remanescente, estando presente o interesse de agir dos autores.

AcÓrdão

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento ao recurso.

Des. Antônio Bispo Relator

voto

Pedro Fernandes Cardoso e outro(a)(s) interpuseram recurso de apelação da sentença proferida às fls. 33/35, nos autos da ação de usucapião extraordi-nária rural.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������169

A decisão recorrida extinguiu o feito, sem resolução de mérito, com fun-damento no art. 267, VI, do CPC/1973. Além disso, condenou os autores ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade em razão da gratui-dade da justiça deferida.

Os autores, apelantes, nas razões de fls. 36/44, alegam que a ação de usucapião é a via processual correta para declaração de domínio sobre a área do excedente imobiliário.

Sustentam que não pretendem usucapir em razão de erro no registro, que poderia ser submetido ao procedimento da Lei de Registros Públicos, mas sim pretendem o reconhecimento da propriedade da área sobre a qual exercem a posse mansa, pacífica e ininterrupta, com ânimo de dono.

Argumentam que a gleba sobre a qual é exercida a posse é quase vinte vezes maior que a porção de terras registrada em cartório, não se tratando de mero erro de registro.

Afirmam que o bem objeto da presente ação foi objeto de ação de arrola-mento e partilha (autos nº 0325.11.002051-9), cuja sentença homologatória da partilha foi proferida em 03.10.2012, tendo transitado em J. 18.10.2012, tendo sido atribuído quinhões aos herdeiros.

Transcrevem jurisprudência.

Ao final, requerem o provimento do recurso para que a sentença seja cassada, determinando-se o regular prosseguimento do feito.

Sem preparo, uma vez deferida gratuidade da justiça, fl. 35. Recurso re-cebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, fl. 50.

Sem contrarrazões, uma vez ainda não formada a relação processual.

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça no sentido de ausência de qualquer motivação jurídica para sua intervenção, fls. 57/58.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Os apelantes ajuizaram ação de usucapião em face da apelada.

Inicialmente, há que se consignar que o presente recurso deve ser julga-do com base no Código de Processo Civil de 1973, vigente á época da senten-ça. Nesse sentido, dispõe o art. 14 do Código de Processo Civil de 2015:

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

A usucapião é modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse da coisa em determinado tempo, exteriorizando sem oposição de terceiro o ânimo de quem detenha o domínio.

170 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Sobre o tema, segue a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unido posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade”. (in Direitos reais, Salvador: JusPodivm, 2012, p. 397).

Como requisitos à aquisição da propriedade por meio de usucapião são necessários a posse mansa e pacífica com ânimo de dono pelo tempo previsto na lei. Além desses, os requisitos suplementares do justo título e boa-fé, tratan-do-se da usucapião ordinária, o requisito da moradia na usucapião urbana e, associado a esta, o requisito de trabalho na usucapião rural.

Todavia, mostra-se possível usucapir, também, somente pela longa dura-ção da posse (quinze ou dez anos), dispensando os requisitos formais do justo título e boa-fé, através da usucapião extraordinária, conforme dispõe o art. 1238 do CC:

“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, pos-suir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de tí-tulo e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele reali-zado obras ou serviços de caráter produtivo.”

Como se vê, para a usucapião extraordinária basta a posse contínua, com ânimo de dono, sem interrupção nem oposição, acrescida em alguns casos da qualificação pela função social.

Compulsando os autos, verifico que a os apelantes pretendem adquirir a propriedade do imóvel descrito na inicial através da presente ação de usuca-pião, sob o argumento de que exercem posse sobre o imóvel por mais de trinta e quatro anos.

Contudo, restou claro que o proprietário do imóvel de área de 6,05 ha é o falecido Delisano Fernandes Araújo (fl. 19), que se trata justamente do pai da apelante Elza Fernandes de Araújo Cardoso.

Necessário pontuar que a presente demanda não constitui o instrumento processual apropriado para o reconhecimento da propriedade de bem imóvel que já pertence à apelante em decorrência de sucessão hereditária, situação que enseja a extinção do presente feito sem resolução de mérito, por falta de in-teresse de agir, em relação a tal área, conforme decidido em primeira instância.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������171

A ação de usucapião é o meio adequado para que o possuidor do imóvel possa adquirir, originariamente, a propriedade do bem pela via judicial, caso em que, reconhecido o direito, a respectiva sentença declaratória constituirá título judicial hábil a amparar o registro imobiliário do usucapiente.

Todavia, o mesmo não ocorre com os herdeiros legais em relação a imó-vel objeto de sucessão hereditária, pois, em tal situação, havendo o falecimento do proprietário do imóvel usucapiendo, seus respectivos herdeiros passam a ter, automaticamente e por direito de herança, o domínio e a posse do bem, ainda que em condomínio indiviso com os possíveis demais herdeiros. Quem já pos-sui a coisa por direito de herança não pode pretender adquiri-la por usucapião.

Nesse sentido, dispõem o art. 1.784 do Código Civil:

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”

O fato é que a ação de usucapião, por se tratar de meio de aquisição ori-ginária de propriedade, não constitui a via adequada para regularizar o domínio de imóvel que já fora adquirido através de sucessão hereditária.

Ademais, ao contrário do alegado pelos apelantes, não houve compro-vação nos autos de que bem objeto da presente ação foi objeto de ação de arrolamento e partilha.

Por outro lado, quanto ao imóvel de área 16.45.69 ha, excluída a área de 6,05 ha do falecido Delisano Fernandes Araújo, considero que não se trata de pretensão de retificação de área, mas sim de prescrição aquisitiva do restante da área.

Assim sendo, a ação de usucapião é a via adequada em relação a referida área remanescente, estando presente o interesse de agir dos apelantes.

Mediante tais considerações, dou parcial provimento ao recurso para re-formar parcialmente a sentença, determinando o prosseguimento do feito em relação ao imóvel de área 16.45.69 ha, excluída a área de 6,05 ha do falecido Delisano Fernandes Araújo.

Custas recursais ao final.

Des. José Américo Martins da Costa – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Tiago Pinto – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “Deram parcial provimento ao recurso.”

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2702

Tribunal de Justiça do Estado do ParanáApelação Cível nº 1.601.250‑7 da Comarca de Foz do Iguaçu – 3ª Vara CívelApelante: Samuel KimApelado: Osmar da SilvaRelator: Des. Marques Cury

aPelação cível – ação de deSPeJo c/c cobraNça de aluguÉIS – recoNveNção – coNtrato de locação válIdo – PoSterIor comPromISSo de comPra e veNda verbal – Não recoNhecImeNto – carêNcIa de laStro ProbatórIo – INeXIStêNcIa de QualQuer recIbo coNfIrmaNdo a fINalIdade doS PagameNtoS realIZadoS – ôNuS do Qual Não Se deSINcumbIu o aPelaNte – INdeNIZação Por beNfeItorIaS – reNÚNcIa eXPreSSa em coNtrato – valIdade – art. 35 da leI de locaçõeS – SeNteNça ultra PetIta – INocorrêNcIa – coNdeNação em SINtoNIa com o PedIdo coNStaNte Na INIcIal – decISão maNtIda – recurSo Não ProvIdo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.601.250-7, da 3ª Vara Cível de Foz do Iguaçu, em que é apelante Samuel Kim e apelado Osmar da Silva.

i – relAtÓrio

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de mov. 89.1, que julgou procedente o pedido do autor, declarando rescindido o con-trato de locação, decretando o despejo do requerido e o condenando ao paga-mento dos aluguéis vencidos a partir de julho de 2013 e até a data da efetiva desocupação do imóvel, devidamente corrigidos pela média do INPC/IGP-DI e acrescidos de juros moratórios legais de 1% ao mês da data do vencimento de cada aluguel até o seu efetivo pagamento, além do IPTU vencido nos anos de 2013 a 2015 e do IPTU proporcional ao tempo de ocupação do imóvel, referente a 2016. Por fim, julgou improcedente a reconvenção, e condenou o réu ao pagamento das custas e honorário, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Inconformado, o apelante arguiu que é livre a forma que se faz um ne-gócio jurídico, entre os quais o contrato verbal, comprovado através de pro-vas documentais e testemunhais, devendo ser reconhecido o compromisso de compra e venda e desconsiderado o vínculo locatício. Alegou que o apelado permitiu a realização das benfeitorias e inclusive participou da execução delas,

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������173

criando coisa nova que se aderiu a propriedade preexistente, cabendo indeni-zação ao recorrente, conforme dispõe o art. 1.255 do CC. Aduziu que na inicial o apelado indicou a mora do apelante a partir de 25 de setembro de 2014, não podendo a r sentença condená-lo desde julho de 2013, tornando-se ultra petita. Requereu ao final a concessão do efeito suspensivo ao recurso.

As contrarrazões foram apresentadas no mov. 128.1.

É o relatório.

ii – voto e suA fundAmentAção

Positivo é o juízo de admissibilidade do recurso, pois preenche os pressu-postos objetivos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato im-peditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo) e subjetivos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer).

Inobstante ter a apelação em regra efeito suspensivo, reza o art. 1.012, § 1º do NCPC que: “Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produ-zir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: [...]”

Pois bem, o caso em tela trata-se de ação de despejo c/c cobrança de aluguéis, hipótese não elencada nos incisos do parágrafo primeiro do aludido artigo, mas regulada pela Lei nº 8.245/1991.

E com efeito, referida Lei, em seu art. 58, inc. V, assim dispõe: “Art. 58. Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações de des-pejo, consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação, revisio-nais de aluguel e renovatórias de locação, observar-se-á o seguinte: [...] V – os recurso interpostos contra as sentenças terão efeito somente devolutivo.”

Desta forma, tratando-se o caso de hipótese taxativa, expressa em lei especial, a qual disciplina que o recurso deve ser recebido apenas com efeito devolutivo, deixo de conceder o efeito suspensivo ao recurso.

No mérito, não merece reforma a r. sentença recorrida.

Inicialmente, o apelante almeja ser reconhecido o contrato verbal de compromisso de compra e venda que alega ter firmado com o apelado, aduzin-do que a realização do mesmo restou comprovada através de provas documen-tais e testemunhais.

Não é esta a realidade, no entanto, que se dessume dos autos.

O contrato de locação, firmado entre as partes, foi devidamente juntado no Mov. 1.4, e ausentes quaisquer vícios contidos no mesmo, foi reconhecido como válido pela r. sentença.

174 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Já a realização do suposto contrato de compromisso de compra e venda não restou demonstrada por nenhuma prova documental.

Há sim indícios, colhidos nas declarações das testemunhas colacionadas, que as partes iniciaram as tratativas para formalizar o compromisso de compra e venda, e a entrega do veículo ao apelado soma-se a esta tese.

Contudo, o apelado nega a realização do contrato, e o apelante não foi capaz de juntar sequer um recibo, de qualquer dos pagamentos parciais que alega ter feito, em nome da compra e venda que sustenta ter negociado, não se desincumbindo do ônus de provar, na qualidade de réu, a existência de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor, conforme reza o art. 373, II do NCPC.

Não há, portanto, como saber efetivamente com qual finalidade o carro foi entregue, ou os pagamentos parciais foram feitos, pois o apelado afirma que foram contraprestação da mão de obra que realizou na construção do muro, reformas e ampliações no imóvel, serviços estes que de forma incontroversa tiveram sua execução confirmada nos autos.

Ainda, nesta linha de raciocínio, coaduno com o entendimento expo-sado pelo Douto Juízo a quo, o qual merece transcrição: “Ainda que existam diversos indícios a indicarem a possibilidade de que a partes ajustaram a com-pra e venda do imóvel de forma verbal, não se pode premiar a informalidade. Como aceitar a existência de um contrato de compra e venda sem estipulação de preço, obrigações, responsabilidades e garantias, ainda mais tratando-se de um imóvel financiado??”.

De fato, não há notícia de qualquer providência, por parte do apelante, tomada no sentido de adimplir os encargos relativos ao imóvel, sejam impostos, taxas ou financiamento junto ao agente financeiro, que na qualidade de adqui-rente, seria a parte interessada em resolver, razão pela qual impera a necessi-dade de se confirmar a conclusão contida na r. sentença, qual seja, a de que: “o contrato verbal de compra e venda não restou configurado, pois não saiu do plano das intenções”.

Assim, pela inexistência de lastro probatório a confirmar a tese do recor-rente, o pedido de reconhecimento do compromisso verbal de compra e venda não merece acolhimento.

Melhor sorte não assiste ao apelante no segundo ponto de irresignação por ele levantado, referente a arguição de que o apelado permitiu a realização das benfeitorias, e inclusive participou da execução delas, criando coisa nova que se aderiu a propriedade preexistente, o que possibilita ser ele indenizado pelas mesmas.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������175

Ocorre que mesmo sendo incontroversa a existência das aludidas ben-feitorias, e da efetiva participação do apelado na sua execução, fato é que o contrato de locação celebrado entre as partes prevê expressamente, em sua cláusula quinta1, que o locatário não terá direito a retenção, indenização ou compensação por quaisquer benfeitorias que realize, ainda que úteis ou neces-sárias.

Anuindo a esta disposição, o apelante renunciou ao direito a indeniza-ção que pleiteia em juízo, conforme preconiza o art. 35 da Lei nº 8.245/1991: “Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.”

Desta forma, descabe no caso auferir se as benfeitorias agregaram valor ao imóvel, e nem se fale arguir que a referida disposição contratual é nula ou abusiva, trazendo enriquecimento ilícito ao apelado, pois em sentido contrário já é pacífica a jurisprudência desta Colenda Câmara:

Apelações Cíveis 1 e 2. Ação de cobrança. Locação de imóveis. Carência de ação por falta de interesse de agir. Não caracterizada. Exoneração da fiança. Contrato de locação com prazo determinado. Impossibilidade. Responsabilidade que se mantém. Não aplicação do art. 835 do Código de Processo Civil. Verba honorá-ria fixada no contrato de locação. Possibilidade. O art. 62 da Lei nº 8.245/1991 autoriza a cobrança dos alugueres vencidos antes e no curso do processo. De-semprego, crise econômica, insucesso da atividade empresarial não são, para o Poder Judiciário, caso fortuito ou de força maior capazes para servir como perdão dos saldos de aluguel. Justiça gratuita mantida. Benfeitorias. Cláusula de renúncia à indenização. Possibilidade.

1. “O fiador poderá exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anteriores ao ato amigável, ou à sentença que o exonerar. Não poderá, portanto, pleitear exoneração da garantia enquanto o contrato tiver vigência por prazo determinado. ” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 193)

2. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESPEJO [...] PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS – IMPOSSIBILIDADE – RENÚNCIA EXPRESSA À INDE-NIZAÇÃO – CLÁUSULA CONTRATUAL VÁLIDA – EXEGESE DO ART. 35 DA LEI DO INQUILINATO – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 335 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – VALORES INDEVIDOS – INOCORRÊNCIA – RECUR-SO DESPROVIDO – [...] Havendo cláusula contratual expressa de renúncia ás benfeitoria, não pode o locatário pleitear retenção/indenização por benfeitorias realizadas no imóvel locado. [...]. ” (Ac. un. 10.930, da 12ª C.Cív. do TJPR, na AC

1 Mov. 1.4.

176 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

505.664-4, de Guaratuba, Des. Rel. Tribunal de Justiça Estado do Paraná – Apela-ção Cível nº 1.604.881-42, Costa Barros, in DJ de 10.02.2009). 3. Recurso 1 co-nhecido e provido. 4. Recurso 2 conhecido e não provido. (TJ/PR, Apelação Cível nº 1604881-4, 12ª C.Cív., Rel. Luciano Carrasco Falavinha Souza, J. 15.03.2017)

Por fim, a arguição de sentença ultra petita também não merece acolhi-mento.

Incluso na petição inicial, o apelado juntou o demonstrativo de valores devidos2, discriminando os meses em que o aluguel não fora pago, e deixando claro que foi desde julho de 2013.

Ademais, ao contrário do que quer induzir o recorrente, no corpo da peti-ção inicial, o apelado afirma que o apelante está em mora desde 25 de setembro de 2014, contudo referida mora diz respeito ao prazo, contido na notificação extrajudicial3, para desocupar o imóvel e saldar a dívida preexistente, e não a data a partir da qual o apelante deixou de pagar os aluguéis.

Correta, portanto, a r. sentença ao fixar a condenação a partir de julho de 2013, não havendo que se falar em nulidade ou contradição.

Considerando que as partes foram intimadas da r. sentença antes de 18.03.2016, ou seja, do início da vigência do novo Código de Processo Civil, deixo de majorar os honorários sucumbenciais previstos no art. 85, § 11 do CPC/2015.

Ante o exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao pleito recur-sal, nos termos do voto.

iii – decisão

Acordam os Desembargadores integrantes da 12ª Câmara Cível do Tri-bunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Marques Cury, com voto, e dele participaram o Excelentíssimo Senhor Desem-bargador Luis Espíndola e a Excelentíssima Senhora Juíza Substituta em 2º Grau Angela Maria Machado Costa.

Curitiba, 12 de julho de 2017

Assinado digitalmente Des. Marques Cury Relator

2 Mov. 1.1.3 Mov. 1.11.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2703

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de JaneiroQuarta Câmara CívelApelação Cível: 0049355‑53.2014.8.19.0205Apelante: Wellington Oliveira da Costa Apelado: Luana Pereira James PeixotoRelatora: Desª Myriam Medeiros da Fonseca Costa

aPelação cível – locação – ação de cobraNça – coNtrato com duração PrevISta Para trINta meSeS, doS QuaIS aPeNaS cINco foram cumPrIdoS INtegralmeNte, fIcaNdo o locatárIo INadImPleNte a PartIr do SeXto mêS, atÉ o NoNo, QuaNdo devolveu aS chaveS ao locador – multa Pela reScISão aNtecIPada Que Pode Ser cumulada com a PeNalIdade comPeNSatórIa, Na hIPóteSe de fatoS geradoreS dIStINtoS – PrecedeNte cItado: agrg-areSP 388.570/rJ – NeceSSIdade de redução ProPorcIoNal da multa coNtratual ao temPo reStaNte Para o INQuIlINo PermaNecer No Imóvel, NoS moldeS PactuadoS – art. 4º da leI Nº 8.245/1991 – ProvImeNto do recurSo.

Vistos, relatados e discutidos esta apelação cível de nº 0049355-53. 2014.8.19.0205, em que é apelante Wellington Oliveira da Costa e apelado Luana Pereira James Peixoto.

Acordam os Desembargadores que integram a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos ter-mos do voto da Relatora.

voto

Cuida-se de apelação cível contra a sentença indexada ao nº 177 que jul-gou procedente o pedido para condenar a parte ré ao pagamento dos alugueres e demais encargos contratuais devidos, inclusive, a multa penal pela rescisão unilateral constante do contrato, acrescidos de juros de mora de 01% ao mês, a contar da citação, e correção monetária, calculada a partir da data do venci-mento de cada prestação, a ser calculado em sede de liquidação de sentença com o abatimento do valor dado como caução na assinatura do contrato, qual seja, R$ 2.250,00 (dois mil e duzentos e cinquenta reais), bem como o valor da parcela paga a título de acordo (fl. 100), no valor de R$ 845,03 (oitocentos e quarenta e cinco reais e três centavos).

Inconformado, o réu apela (indexador 191).

178 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Em razões recursais, insurge-se tão somente contra a parte da sentença que lhe impôs a condenação ao pagamento integral da multa rescisória, pug-nando pelo provimento do recurso para a redução proporcional da reprimenda, com base no prazo restante do contrato. Sugere que a multa seja calculada dividindo-se o valor estipulado (três aluguéis) pelo total de meses do contrato, multiplicando-se o valor obtido pelos meses remanescentes até o término do contrato.

Não foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.

A discussão em tela diz respeito à relação de locação, submissa ao regra-mento da Lei nº 8.245/1991, estando a presente ação de despejo fundamentada no inadimplemento, conforme art. 9º, III, da aludida lei, não havendo dúvidas de que as partes mantinham vínculo locatício, que restou devidamente compro-vado pelo contrato indexado ao nº 27.

O ponto nuclear do recurso está em saber se é legítima a multa contra-tual, considerando a rescisão antecipada do contrato, por culpa do locatário, pretendendo o recorrente reduzir a penalidade correspondente a três meses de aluguel, prevista na cláusula 28ª do contrato firmado entre as partes.

Confira-se:

DA MULTA POR INFRAÇÃO

Cláusula 28ª As partes estipulam o pagamento da multa no valor de 03 (três) alu-guéis vigentes à época da ocorrência do fato, a ser aplicado àquele que venha a infringir quaisquer das cláusulas contidas neste contrato exceto quando da ocor-rência das hipóteses previstas na Cláusula 30ª.

Cláusula 29ª Caso venha o locatário a devolverem o imóvel antes do término da vigência do contrato o mesmo pagará a título de multa o valor de 03 (três) aluguéis, vigentes à data da entrega das chaves, sem prejuízo dos dispostos na Cláusula 21ª.

Registro que no contrato de locação é possível cumular a multa morató-ria com a penalidade compensatória, na hipótese de fatos geradores distintos.

Ilustrativamente,

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO DE LOCAÇÃO – CLÁUSULA MORATÓRIA – CLÁU-SULA COMPENSATÓRIA – CUMULAÇÃO – POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM – 1. É possível a cumulação da multa moratória em razão da falta de pagamento de aluguéis com a multa compensatória estipulada no contrato de locação em virtude da devolução do imóvel antes do prazo estipulado para o

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������179

término da locação. Tais fatos geradores, por serem diversos, não configuram, bis in idem. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg-AREsp 388.570/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 16.06.2016, DJe 27.06.2016)

Com efeito, o contrato em exame previu a locação pelo período de 27 de novembro de 2013 a maio de 2016 (cláusula 32ª – doc. 17, fl. 23), entretanto, o locatário deixou de pagar os aluguéis, a partir de maio de 2014, devolvendo as chaves do imóvel ao locador em agosto de 2014, conforme informações constantes da inicial.

Ao caso incide o art. 4º da Lei nº 8.245/1991, segundo o qual se durante o prazo previsto para a duração do contrato o locatário devolver o imóvel, de-verá pagar a multa pactuada, proporcionalmente ao período que faltar para o cumprimento integral do contrato.

Veja que a locação pactuada para trinta meses, durou nove, dos quais apenas cinco meses foram cumpridos integralmente, já que a partir do sexto mês o locatário ficou inadimplente, devolvendo o imóvel ao locador.

Todavia, em que pese o cumprimento mínimo do contrato, a redução da multa, de forma proporcional ao tempo restante do contrato, é medida que se impõe.

Logo, o valor de R$ 2.250,00 (dois mil e duzentos e cinquenta reais), que correspondente a três meses de aluguel, deve ser dividido por trinta meses, o que equivale a R$ 75,00 (setenta e cindo reais), por cada mês. Assim, multipli-cando o valor encontrado (R$ 75,00) pelo número de meses restantes para o tér-mino do contrato, ou seja, 21 meses, a multa proporcional será de R$ 1.575,00 (hum mil e quinhentos e setenta e cinco reais).

Diante dessas considerações, voto no sentido de dar provimento ao re-curso para reduzir a multa pelo descumprimento do contrato para R$ 1.575,00 (hum mil e quinhentos e setenta e cinco reais).

Ajusto os honorários sucumbenciais em 2% em favor do advogado do apelado, observada a gratuidade de justiça.

Rio de Janeiro,

Myriam Medeiros da Fonseca Costa Desembargadora Relatora

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2704

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulApelação Cível nº 70072145634CNJ: 0424757‑27.2016.8.21.7000Décima Sétima Câmara CívelComarca de Porto AlegreApelado: Registro de Imóveis da 6ª ZonaApelante: Ministério PúblicoInteressado: Marciane ChiesaInteressado: 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

aPelação cível – regIStro de ImóveIS – SuScItação de dÚvIda – leI Nº 6.015/1973 – PeNhora deferIda Sobre bem Imóvel regIStrado em Nome de terceIro – reclamatórIa trabalhISta – coNtrato de PromeSSa de comPra e veNda Não averbada JuNto à matrícula do Imóvel – ImPoSSIbIlIdade – dÚvIda ProcedeNte

Compete ao Registrador analisar a existência de obstáculos registrais e nessa linha é de ser chancelada a negativa de registro de penhora em imóvel de titularidade de terceiro estranho à lide, determinada de forma a garantir a observância do princípio da continuidade registral. Arts. 195 e 237 da Lei nº 6.015/1973. Isso porque, segundo o Julgador singular, fundamentos que aqui se agrega, a “decisão judicial que de-termina que se proceda o registro da penhora, independente da pro-priedade, consta no documento oficial, por não alicerçada em título com força jurídica para transferir a propriedade do imóvel ou profe-rida em específico procedimento judicial de suprimento do vontade, não apresenta condições de acesso ao álbum fundiário e autorizar o registro da mencionada constrição judicial.” [...]

Apelo desprovido.

AcÓrdão

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cí-vel do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������181

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Desª Liége Puricelli Pires e Des. Giovanni Conti.

Porto Alegre, 25 de maio de 2017.

Desª Marta Borges Ortiz, Relatora

relAtÓrio

Desª Marta Borges Ortiz (Relatora):

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público com atuação em primeiro grau, em face da sentença que julgou procedente a dúvida apresentada pelo Registro de Imóveis da 6ª Zona para vedar o acesso registral da determinação judicial expedida pelo Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, nos autos do processo nº 0088600-41.2008.5.04.0014.

Adoto o relatório da sentença (fls. 25/28), o qual transcrevo:

“Trata-se de dúvida apresentada pelo Registro de Imóveis da 6ª Zona, rela-tivamente ao acesso registral de determinação judicial expedida pelo Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, nos autos do processo nº 0088600-41.2008.5.04.0014, em que Marciane Chiesa é reclamante e Madeireira Pastori-za e Outros são reclamados, para registro de penhora na matrícula nº 7.129, livro 2/RG; porque, em síntese e principalmente, o imóvel não se encontra registrado em nome de Luis Antonio Sandri. O Ofício em referência determina o registro da penhora, independentemente da propriedade que consta no documento oficial, considerando que no curso do processo o exequente comprovou que a proprie-dade foi adquirida por Luiz Antonio.

Juntados documentos. O Ministério Público opinou pela improcedência.”

O dispositivo sentencial restou assim redigido:

“IV – Assim sendo, julgo procedente a presente dúvida apresentada pelo Registro de Imóveis da 6ª Zona, para vedar o acesso registral da determinação judicial expedida pelo Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, nos autos do pro-cesso nº 0088600-41.2008.5.04.0014, em que Marciane Chiesa é reclamante e Madeireira Pastoriza e Outros são reclamados.”

Nas razões (fls. 30/31v), sustenta que o recurso é adequado, conforme previsão do art. 202, parágrafo único da Lei nº 6.015/1973 c/c art. 1.003, § 5º do Código de Processo Civil. No mérito, aduz que a sentença não se mostrou correta ao obstar o acesso registral da ordem emanada pela 14ª Vara do Traba-lho de Porto Alegre. Entende que a ordem judicial de penhora deve ser cumpri-da, sob pena de afronta à Justiça do Trabalho. Destaca a natureza administrativa

182 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

da sentença proferida no procedimento de dúvida. Cita jurisprudência. Pugna, nestes termos, pelo provimento do recurso de apelação, a fim de que seja deter-minado o cumprimento da ordem contida nos Ofícios nºs 173/2016 e 230/2016 da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, efetivando-se o registro da penhora do imóvel matriculado sob o nº 7.129, do Livro nº 02, do Ofício do Registro Imobiliário da 6ª Zona desta Capital.

O Ministério Público com atuação neste grau recursal apresentou parecer às fls. 34/36, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo interposto pelo Ministério Público.

A reclamante no processo trabalhista nº 0088600-41.2008.5.04.0014, Marciane Chiesa, apresentou manifestação às fls. 39/45, alegando, preliminar-mente, a nulidade do processo, uma vez que não foi citada no presente feito. No mérito, postula a reforma da sentença de primeiro grau, alegando que em-bora o promitente comprador não tenha averbado o contrato de promessa de compra e venda junto à matrícula nº 7.129, do Livro nº 02, do Ofício do Regis-tro de Imóveis da 6ª Zona desta Capital, o exercício da propriedade por este, devedor no âmbito da Justiça do Trabalho, restou devidamente comprovado no âmbito da referida Justiça especializada (o promitente comprador é locador do imóvel em questão, conforme cópia da ação de despejo tombada sob o nº 001/1.12.0023008-7 e juntada ao presente feito).

Em nova manifestação (fls. 126/127), o Ministério Público ratificou o pa-recer anterior, pela manutenção da sentença de fls. 25/28.

Registro que foi observado o disposto nos arts. 931 e 934 do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

votos

Desª Marta Borges Ortiz (Relatora):

O Superior Tribunal de Justiça, em atenção à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, em 18.03.2016, alterou seu Regimento Interno e criou enunciados a abalizar a rotina processual a ser seguida após a vigência do novo Diploma Legal.

Desta forma, para os recursos interpostos contra decisões publicadas an-teriormente à data supra informada, aplicar-se-ão as normas previstas no Códi-go de Processo Civil de 1973.

De outro lado, para aqueles recursos interpostos contra decisões cuja publicação tenha se dado após a vigência do novo código processual, serão aplicadas as normatizações do NCPC.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������183

No presente caso, a sentença vergastada foi disponibilizada no DJe em 08.11.2016 (fl. 29), tendo os recorrentes sido intimados após a entrada em vi-gor no novo código, o que impõe a observação do novo CPC para o trâmite recursal.

O recurso atende aos requisitos de admissibilidade e merece conheci-mento.

Com efeito, o procedimento de suscitação de dúvida registral encontra-se descrito nos arts. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) e prevê a possibilidade de interposição de apelação, pelo Ministério Público, em seu art. 202:

Art. 202. Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.

Nos termos da referida lei (art. 198, III), o oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, perante o juízo competente, no prazo de quinze dias.

No caso dos autos, o apresentante do título para registro foi o Juiz do Trabalho de 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (fls. 19 e 26) e este foi devida-mente notificado (fls. 18 e 23), não havendo qualquer nulidade a ser declarada.

Além disso, como bem salientado pelo Ministério Público com atuação neste grau, não se verifica prejuízo à apelante, uma vez que suas teses foram defendidas nas razões recursais ofertadas pelo Ministério Público de origem e apreciadas pelo magistrado prolator da sentença.

Quanto ao mérito da ação propriamente dito, melhor sorte não assiste à parte recorrente. Dispõem os arts. 195 e 237 da LRP:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outor-gante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

[...]

Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.

Nesta linha, mostra-se correta a negativa de registro de penhora em imó-vel de titularidade de terceiro estranho à lide em que a mesma fora determi-nada, de forma a garantir a observância do princípio da continuidade registral – irregularidade que não pode ser suprida através de contrato particular de pro-messa de compra e venda quando se atenta ao fato de que o promitente com-prador não tenha averbado o contrato de promessa de compra e venda junto à

184 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

matrícula nº 7.129, do Livro nº 02, do Ofício do Registro de Imóveis da 6ª Zona desta Capital.

Com efeito, o instrumento particular de promessa de compra e venda de fls. 20-22 não se constitui em prova hábil da propriedade, que somente se efe-tiva por escritura pública, mormente quando mencionado naquele o condicio-namento da outorga definitiva desta ao pagamento do preço (vide cláusula 5ª).

Neste sentido, jurisprudência firme desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL – REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA SUSCITADA POR OFI-CIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS – ORDEM JUDICIAL DE PENHORA DE BEM REGISTRADO EM NOME DE TERCEIRO – IMPOSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL – I – Contrato de promessa de compra e venda não é prova hábil para provar a propriedade, que somente se efetiva por meio de escritura pública definitiva registrada no ofício de imóveis competente. II – Impossibilidade de registro de penhora em nome de terceiro, que sequer é parte da reclamatória trabalhista da qual a ordem de constrição foi emitida, sob pena de violação ao princípio da continuidade registral. Inteligência dos arts. 195 e 237 da Lei nº 6.015/1973. Apelo desprovido. (TJRS, Apelação Cível nº 70068558659, 17ª C.Cív., Rel. Gelson Rolim Stocker, J. 25.08.2016)

APELAÇÃO CÍVEL – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – REGISTRO DE PENHORA SO-BRE BEM IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE TERCEIRO, PROMITENTE VEN-DEDOR DO BEM – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA CONTINUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS – POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE AVERBAÇÃO DE NOTÍCIA DA PENHORA, COMO FORMA DE RESGUAR-DAR TERCEIROS ADQUIRENTES DE BOA-FÉ – I – Descabe o registro de penho-ra sobre bem imóvel registrado em nome de terceiro, promitente-vendedor em contrato firmado com o executado, contra o qual restou determinada a penhora em ação trabalhista, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da con-tinuidade dos Registros Públicos. Inteligência do art. 195 da Lei nº 6.015/1973. II – É possível, contudo, a averbação de notícia de penhora na matrícula do bem, na forma do art. 360, § 4º, da Consolidação Normativa Notarial e Registral da Corregedoria-Geral da Justiça do RS, como forma de resguardar os interesses de terceiros adquirentes de boa-fé. Apelação parcialmente provida. (TJRS, Apelação Cível nº 70035595727, 17ª C.Cív., Rel. Liege Puricelli Pires, J. 14.10.2010)

Assim, reparo não merece a sentença recorrida, cujos fundamentos trans-crevo, buscando evitar desnecessária tautologia, porquanto inteiramente aceitá-vel a adoção, pelo acórdão, das motivações de julgamento ou parecer jurídico outro, como embasamento deliberativo (conforme já reconhecido pelo c. STJ, verbi gratia, no AgRg-HC 92.894/RS, DJe 17.10.2011):

I – O atual sistema sobre registro de imóveis foi criado com o objetivo de garantir a autenticidade, a confiabilidade, a continuidade, a segurança jurídica e a pro-dução dos efeitos dos atos jurídicos, inter vivos ou mortis causa, declaratórios,

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������185

constitutivos, translativos ou extintivos de direitos reais sobre a propriedade imo-biliária.

Necessário, portanto, para se assegurar a aplicabilidade de tais princípios, obe-diência a requisitos formais dos títulos passíveis de assentamento e à tecnicidade estabelecida pela lei vigente, bem assim às decisões judiciais que impliquem em alteração dos elementos constantes do álbum imobiliário.

II – Assim, um dos princípios em que se funda o Direito Imobiliário Brasileiro é o da continuidade registrária. Maria Helena Diniz (in Sistemas de Registros de Imóveis, Saraiva, 1992, p. 26), assim menciona:

“Continuidade (grundsatz der Voreintragung des Betroffenen), já que o re-gistro constitui um dos modos derivados de aquisição do domínio de coi-sa imóvel, prende-se ele ao anterior; se o imóvel não estiver registrado no nome do alienante, não poderá fazer seu assento em nome do adquirente. Urge providenciar primeiro o registro em nome daquele para depois efetuar o deste. Nenhum assento registral poderá ser portanto, efetuado sem prévia menção ao título anterior, formando o encadeamento ininterrupto das titula-ridades de cada imóvel, concatenando sucessivamente suas transmissões (Lei nº 6.015/1973, arts. 195 e 237; RJTSP, 94:515, 84:4771). Formar-se-á uma sequência sucessiva e contínua de registros imobiliários de modo que o atual deverá fundar-se no anterior (Lei nº 6.015/1973, art. 222, CPC, arts. 993, IV, e 686, I; RT, 574:105); logo, nenhum registro de imóvel poderá ser feito sem que antes esteja lançado o anterior, que o título se refere.”

Não é outro o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado, conforme arestos abaixo referidos (mutatis mutandis):

“APELAÇÃO CÍVEL – REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA SUSCITADA – IN-VIABILIDADE DO REGISTRO DA CARTA DE ADJUDICAÇÃO, EM FACE DA QUEBRA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRARIA – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA – UNÂNIME.” (TJRS, Apelação Cível nº 70010060036, 18ª C.Cív., Rel. Mario Rocha Lopes Filho, J. 31.03.2005)”

O em. Relator, no voto, consigna:

“O princípio da continuidade, previsto nos arts. 195 e 237 da Lei dos Regis-tros Públicos, significa que, em relação a cada imóvel, deverá existir uma cadeia de titularidade, a vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante aparecer no registro como seu titular. A continuidade, registrária permite ao proprietário a aplicação do princípio da disponibilidade, onde nenhuma pessoa pode dispor ou onerar um imóvel que não desfrute.”

“SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE AD-JUDICAÇÃO – AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – IMÓVEL MATRICULADO EM NOME DE PESSOA ESTRANHA À DA ADJUDICATÁ-RIA – PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – IMPOSSIBILIDADE DO REGIS-TRO – EXIBIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO JUNTO AO INSS

186 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

E RECEITA FEDERAL – EXIGÊNCIA LEGAL NÃO CUMPRIDA – DÚVIDA PROCEDENTE – Dentre os princípios fundamentais do registro imobiliá-rio, está o da continuidade, pelo qual se faz imprescindível a obediência à cadeia de titularidades nos assentos pertinentes ao imóvel. Art. 195 da Lei nº 6.015/1973. Não obstante, na espécie, tratar-se o título registrável de carta de adjudicação, admitir o registro seria sacrificar o princípio da continuidade e a credibilidade que advém dos registros públicos. A responsabilidade pelo registro contínuo é do oficial imobiliário, como fiel garantidor do princípio da continuidade. Outrossim, a apresentação dos documentos comprobatórios da inexistência de débitos Previdenciários e fiscais quando da oneração ou alienação de bens imóveis é exigência legal do art. 47 da Lei nº 8.212/1991, não relevando o fato de a adjudicatária ser entidade assistencialista. Recurso de apelação improvido. Unânime. (TJRS, Apelação Cível nº 70007133408, 18ª C.Cív., Rel. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, J. 02.09.2004)”

III – O imóvel, conforme a matrícula nº 7.129, livro 2/RG, do Registro de Imóveis da 6ª Zona, encontra-se registrado em nome de Stedile, Bertolucci & Cia. Ltda. Não está, portanto, em nome de Luis Antonio Sandri, o qual, pelo documento de fls. 20/22, firmou com a referida empresa, apenas e simplesmente, um contrato particular de promessa de compra e venda, sem que a mesma tenha tido acesso ao álbum fundiário.

Não há, pois, comprovação de que Luis Antonio e a citada empresa tenham perfectibilizado a compra e venda do bem, na forma da legislação civil vigente.

Estabelece a Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

“Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a conti-nuidade do registro.”

Inexiste, in casu, título hábil a operacionalizar a transferência da propriedade imobiliária para Luis Antonio Sandri.

Por isso, a decisão judicial que determina que se proceda o registro da penhora, independente da propriedade que consta no documento oficial, por não alicerça-da em título com força jurídica para transferir a propriedade do imóvel ou proferi-da em específico procedimento judicial de suprimento da vontade, não apresenta condições de acesso ao álbum fundiário e a autorizar o registro da mencionada constrição judicial.

Na mesma linha, parecer do ilustre representante do parquet neste grau recursal, Procurador Armando Antônio Lotti:

Ao exame da matéria devolvida nas razões recursais. Não é caso de provimento. De fato, trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis da 6ª

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������187

Zona desta Capital, relativamente ao acesso registral de determinação judicial oriunda do juízo da 14ª Vara do Trabalho desta Capital, autos da reclamatória trabalhista tombada sob o nº 0088600-41.2008.5.04.0014, figurando como re-clamante Marciane Chiesa e reclamados a Madeireira Pastoriza e outros, para registro de penhora na matrícula nº 7.129, do Livro nº 02. Segundo consta, o registro pretendido ofende ao princípio da continuidade, uma vez que o imó-vel constrito não se encontra registrado em nome de Luís Antônio Sandri. Já a missiva oficial expedida pela Justiça Obreira determina o registro da penhora, independentemente da propriedade que consta na matrícula, considerando que, no curso da reclamatória trabalhista, a reclamante comprovou que a propriedade foi adquirida por Luís Antônio.

Tanto estabelecido, o imóvel matriculado sob o nº 7.129, do Livro nº 02, do Ofício do Registro de Imóveis da 6ª Zona desta Capital, tem como proprietário Stedille Bertolucci & Cia. Ltda. Luís Antônio Sandri é, realidade, promitente com-prador do referido bem de raiz, (fls. 20/22), mas não registrou o referido contrato no Álbum Imobiliário. Assim, algumas observações:

Primeira, os títulos judiciais encontram-se previstos no inciso IV do art. 221 da Lei nº 6.015/1973 e estão sujeitos ao mesmo exame a que se submetem os títulos extrajudiciais, podendo, igualmente, serem devolvidos e objeto de dúvida (artigo 198 da Lei nº 6.015/1973). Vale dizer: a origem do título judicial não o isenta do exame de qualificação registrária, cabendo ao registrador apontar hipóteses de incompetência absoluta da autoridade judiciária, aferir a congruência do que se ordena, apurar o preenchimento de formalidades documentais que a lei reputa essenciais e analisar a existência de obstáculos registrários.

Segunda, o exame da legalidade do título levado a efeito pelo Oficial Registrador não significa incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas tão somente a apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e conexão de seus dados com o registro.

Terceira, o registro de penhora incidente sobre promessa de compra e venda que não se faz sensível na matrícula do imóvel ofende, à evidência, o princí-pio da continuidade dos registros. Tal princípio, que encontra supedâneo nos arts. 195, 222 e 237 da Lei nº 6.015/1973, visa impedir o lançamento de qual-quer ato registral sem o registro anterior e a obrigar as referências originárias, derivadas e sucessivas.

Assim, escorreita a conclusão lançada na respeitável sentença das fls. 25/28, da lavra do Doutor Antônio C. A. Nascimento e Silva, no sentido de que a “deci-são judicial que determina que se proceda o registro da penhora, independente da propriedade, consta no documento oficial, por não alicerçada em título com força jurídica para transferir a propriedade do imóvel ou proferida em específico procedimento judicial de suprimento do vontade, não apresenta condições de acesso ao álbum fundiário e autorizar o registro da mencionada constrição judi-cial”. [...]

188 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Pelo exposto, nego provimento do apelo.

É o voto.

Desª Liége Puricelli Pires – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Giovanni Conti

Eminentes colegas.

Acompanho o judicioso voto da culta Relatora.

Com o devido respeito ao apelante, saliento que a negativa de acesso registral não se trata de desrespeito ao digno juízo trabalhista, mas apenas cum-primento da legislação pátria e o princípio básico do direito de propriedade que é o da continuidade registral (arts. 195 e 237 da Lei dos Registros Públicos – Lei nº 6.015/1973).

Caso fosse possível a penhora de imóvel de terceiro, qualquer bem de qualquer cidadão estaria sujeito o registro de gravames, colocando em risco o direito a propriedade (art. 5º, inciso XXII, CF) e a segurança da ordem pública, objetivos fundamentais do registro imobiliário.

Caso o imóvel esteja em nome de interposta pessoa, são cabíveis as me-didas judiciais para regularizar tal situação, transferindo a propriedade para o verdadeiro devedor para fins de constrição judicial.

Assim, acompanho a digna Relatora e voto no sentido de negar provi-mento ao apelo.

É o voto.

Des. Gelson Rolim Stocker – Presidente – Apelação Cível nº 70072145634, Comarca de Porto Alegre: “Negaram provimento ao apelo. Unânime.”

Julgador(a) de 1º Grau: Antonio C. A. Nascimento e Silva

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2705

Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaApelação Cível nº 0001617‑19.2010.8.24.0028, de IçaraRelator: Desembargador Sebastião César Evangelista

ação demolItórIa – dIreIto de coNStruIr e dIreIto de vIZINhaNça – PreteNSão coNvertIda em PerdaS e daNoS – PrelImINareS – legItImIdade atIva coNferIda ao ProPrIetárIo de Imóvel vIZINho Por abuSo ao dIreIto de coNStruIr e vIolação aoS dIreItoS de vIZINhaNça – PreJudIcIal de mÉrIto – INaPlIcabIlIdade do PraZo PrevISto No art. 1.302 – mÉrIto – obra realIZada com INobServâNcIa doS recuoS PrevIStoS No códIgo de obraS muNIcIPal – auSêNcIa comProvação de PreJuíZo ao Imóvel vIZINho – fato coNStItutIvo do dIreIto da Parte autora – SeNteNça reformada – ImProcedêNcIa do PedIdo INIcIal – recurSo coNhecIdo e ProvIdo

O direito de construir, conferido ao proprietário de imóvel, não é ab-soluto, encontrando limitações em regras de vizinhança estabelecidas na legislação civil. Inteligência do art. 1.299 do Código Civil.

Como as normas que estabelecem limitações administrativas ao di-reito de construir criam deveres e direitos para todos, o proprietário de imóvel prejudicado tem direito de ação contra o vizinho que des-cumpre posturas municipais e o fato de a obra ter sido precedida de licença municipal e gozar o imóvel de “habite-se” não lhe retira a le-gitimidade ativa ad causam, uma vez que o vizinho prejudicado pela obra irregular não pode ficar de “mãos atadas” diante de eventual inércia do Município, relativamente ao exercício do poder de polícia. Contudo, a comprovação de prejuízo causado ao imóvel vizinho é pressuposto para a procedência do pedido demolitório, sem o que a ação é de ser julgada improcedente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001617-19.2010.8.24.0028, da comarca de Içara 1ª Vara, sendo Apelante Vilson de Oliveira e outro e Apelado Edemilson Oscar da Rosa e outro.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Desembargador Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz.

190 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Florianópolis, 6 de julho de 2017.

Desembargador Sebastião César Evangelista Relator

relAtÓrio

Cuida-se de Apelação Cível interposta por Vilson de Oliveira e outro da decisão proferida na 1ª Vara da comarca de Içara nos autos do Processo nº 028100016178, sendo parte adversa Edemilson Oscar da Rosa e outro.

A sentença afastou as preliminares de ilegitimidade ativa ad causam e carência de ação, bem como a alegação de prescrição e avançou no mérito, julgando procedente o pedido demolitório, convertendo-o em perdas e danos, condenando-se os réus ao pagamento do valor equivalente ao prejuízo que teriam com a demolição parcial do imóvel indicado. Relegou a apuração do quantum devido à fase de liquidação por arbitramento, na forma do art. 475-C do CPC/1973.

Na fundamentação, consignou-se que o fato de o Município ter concedi-do “habite-se” não afasta a legitimidade dos autores para reclamarem judicial-mente os eventuais prejuízos pela desobediência ao projeto original, examinan-do-se a preliminar de carência de ação juntamente com o mérito. Afastou-se a alegação de prescrição, fundada no art. 1.302 do Código Civil, ao entendimen-to de que a obra, objeto da pretensão demolitória, não recai sobre janela ou sacada, mas sobre uma parede de recuo, situação não contemplada no referido dispositivo. No mérito, consignou-se que a obra executada no imóvel do réu não respeitou a legislação municipal quanto aos recuos laterais, além de ter sido executada em desacordo com o projeto apresentado e licenciado pela munici-palidade, conforme memorando interno apresentado pela Secretaria de Plane-jamento e Controle de Içara, havendo ampliação de 35,09 metros quadrados, além do que estava aprovado. Por fim, justificou-se a condenação em perdas e danos por considerar medida mais razoável à hipótese, uma vez que a adequa-ção importaria em destruição de pelo menos metade da construção.

A parte recorrente, nas suas razões recursais, levantou os seguintes pon-tos de insurgência:

a) preliminarmente, a ausência das condições da ação, quais sejam, a legitimidade ativa ad causam e interesse de agir. Sustentou que somente o Município tem o atributo jurídico para questionar a regu-laridade da obra, uma vez que foi precedida da respectiva licença, atendendo ao que dispõe a legislação municipal, com consequente

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������191

expedição de “habite-se”, não demonstrando os recorridos, por sua vez, os prejuízos concretos trazidos ao seu imóvel;

b) aplicação analógica do prazo prescricional de 1 ano previsto no art. 1.302. Alegou que se o legislador impôs esse prazo para o des-fazimento de janela, sacada, terraço e goteira sobre o prédio vizi-nho, analogicamente é esse o lapso temporal conferido aos apela-dos para contestarem a obra executada, relativamente às paredes que fazem extrema com seu imóvel;

c) no mérito, aduziram que a obra foi construída mediante habite-se, sem qualquer exigência ou questionamento, portanto, foi executada conforme a legislação municipal, não havendo qualquer reforma ou ampliação após a expedição daquela licença, sendo, por isso, descabida a pretensão da parte adversa.

A admissibilidade do recurso foi verificada na origem, na forma do art. 518 do CPC/1973, seguindo-se a intimação da parte adversa.

Em contrarrazões (fls. 159/163), pugnou pela manutenção da sentença.

Este é o relatório.

voto

1. O reclamo atende aos pressupostos de admissibilidade, observando--se, inicialmente, sua tempestividade. Ressalte-se que tanto a admissibilidade do recurso quanto a legalidade da decisão inquinada são analisadas neste jul-gamento sob o enfoque do CPC/1973, vigente à época em que proferida a sen-tença. O CPC/2015 tem aplicabilidade imediata desde 18 de março de 2016 (CPC, arts. 1.045 e 1.046), mas sem efeito retroativo (LINDB, art. 6º, § 1º; STJ, REsp 1.404.796/SP).

2. As preliminares não prosperam.

Colhe-se dos autos que os réus obtiveram a aprovação de projeto de construção e ampliação de obra em terreno de sua propriedade em 2006. Os recorrentes comprovaram que obtiveram da Prefeitura a concessão de “habite--se”, em maio de 2009 (fls. 46/47).

É de se ver que os apelantes, embora reconheçam irregularidade na obra efetuada, entendem que os autores, ora recorridos, não têm legitimidade para pleitear a demolição, pois seria competência exclusiva do Município.

O direito de construir, conferido ao proprietário de imóvel, não é abso-luto, encontrando limitações tanto nas regras de vizinhança estabelecidas na legislação civil, como nas regras administrativas, como se infere do disposto

192 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

no art. 1.299 do Código Civil, in verbis: “O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regu-lamentos administrativos.”

Cabe ao Município estabelecer normas administrativas limitadores do direito de construir através de regras urbanísticas, seja pelo seu plano diretor ou leis de zoneamento. O Código Civil também estabelece algumas limitações ao direito edilício, mas são meramente supletivas às normas administrativas. Assim, as construções devem seguir os parâmetros determinados pela Admi-nistração, como o alinhamento e o recuo com relação às vias públicas e lotes lindeiros, utilização de área máxima de edificação em cada zona etc.

Como já decidido por esta Corte de Justiça:

O cidadão, antes de edificar, deve atentar-se para as normas de direito urba-nístico. Elas estão postas a serviço de toda a coletividade, a bem da garantia de vida harmônica nos grandes conglomerados urbanos, respeitando-se necessida-des vitais como o saneamento básico, os valores paisagísticos, o trânsito livre e a segurança, hoje flagelados pelo somatório complexo da ausência de fiscalização efetiva do Estado e pelas investidas de particulares sobre bens indisponíveis que compõe o ecossistema ambiental. (Apelação Cível nº 2014.044967-6, de Ponte Serrada, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, J. 16.02.2016)

É assente que as regras administrativas “conquanto de ordem pública, geram direito subjetivo aos vizinhos para exigir o cumprimento.” (VENOSA, Silvio de Salva. Código civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 1528)

Como as normas que estabelecem limitações administrativas ao direito de construir criam deveres e direitos para todos, o proprietário de imóvel preju-dicado tem direito de ação contra o vizinho que descumpre posturas municipais e o fato de a obra ter sido precedida de licença municipal e gozar o imóvel de “habite-se” não lhe retira a legitimidade ativa ad causam, uma vez que o vizi-nho prejudicado pela obra irregular não pode ficar de “mãos atadas” diante de eventual inércia do Município, relativamente ao exercício do poder de polícia.

No caso, em tela, segundo memorando apresentado pela Secretaria de Planejamento e Controle, a primeira parte, embora estivesse dentro das normas do Plano Diretor, não obedeceu ao projeto originalmente aprovado, havendo ampliação de 35,09 metros quadrados, do que se presume, inclusive, que a construção dessa área tenha ocorrido após a concessão do “habite-se”. Em rela-ção à parte superior, constatou-se que a edificação do segundo piso não obser-vou o recuo de 1,50 metros, contrariando a legislação municipal, notadamente o art. 103 da Lei nº 842/1991, que regula o uso e a ocupação do solo urbano do Município de Içara, do qual integra a localidade de Balneário Rincão.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������193

Essas irregularidades revelam que ou houve falha na concessão de “ha-bite-se” ou o imóvel sofreu modificações posteriormente que não haviam sido contempladas no projeto original, de modo que a mera concessão daquela li-cença não retira o atributo conferido ao proprietário de imóvel de reclamar em juízo, por meio de ação demolitória, prejuízo decorrentes de obra em terreno vizinho, realizada em desrespeito as normas administrativas.

No caso, não pretendem os autores a cassação do alvará de licença para construir ou do “habite-se” concedido pela Prefeitura, pretensão que sabida-mente caberia ao Município, no exercício do seu poder de polícia. Na verdade objetivam a demolição ou adequação de obra irregular realizada em imóvel vizinho sob a alegação de prejuízo e, para isso, não se pode negar a sua legiti-midade e o interesse de agir para recorrer ao Poder Judiciário.

3. Também não merece acolhida a tese referente à perda do direito pelo decurso de prazo de ano e dia disposto no art. 1.302, caput, do Código Civil, in verbis:

Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; esco-ado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.

Na verdade trata-se de prazo decadencial e não prescricional e, tal como asseverado na sentença, não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que, de acordo com os fatos e fundamentos da inicial, a pretensão demolitória não se restringe à janela, sacada, terraço ou goteira, mas a toda obra que está em des-conformidade com a legislação municipal, incluída uma parede na extrema dos dois terrenos.

Dessa forma, não se aplica o prazo decadencial de ano e dia previsto no artigo acima transcrito, que cuida do direito de construir sob a ótica dos direitos de vizinhança entre prédios contíguos envolvendo janela, terraço ou goteira.

4 No mérito, o pedido de reforma da sentença está fundamentado, em suma, nas alegações de regularidade da obra e ausência de comprovação de prejuízo.

4.1 Sabe-se que a legislação civil proíbe a abertura de janelas ou a edi-ficação de eirado, terraço ou varanda a menos de metro e meio do terreno vi-zinho (CC, art. 1.301). Paralelamente, a Lei Municipal nº 842/1991, que regula o uso e a ocupação do solo urbano do Município de Içara, do qual integra a localidade de Balneário Rincão, em seu art. 103, estabelece que o “afastamento lateral de edificações com mais de um pavimento é de h/5, sendo de no mínimo 1,50m (um metro e cinqüenta centímetros)”.

194 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

O Código de Obras Municipal (Lei nº 841/1991 – fonte: https://leismu-nicipais.com.br/codigo-de-obras-icara-sc), em seus arts. 13, 33, 34 e 61 prevê, ainda, que:

Art. 13. Todas as obras de construção, acréscimo, modificação ou reforma a se-rem executadas no Município de Içara, serão precedidas dos seguintes atos ad-ministrativos:

I – aprovação do projeto;

II – licenciamento da obra.

§ 1º A aprovação e licenciamento da obra de que tratam os incisos I e II, pode-rão ser requeridos simultaneamente, devendo neste caso, os projetos estarem de acordo com todas as exigências deste Código.

§ 2º Incluem-se no disposto neste artigo todas as obras do Poder Público, tendo seu exame preferência sobre quaisquer pedidos.

Art. 33. Para modificações parciais na planta aprovada, que alterem partes es-senciais ou linhas arquitetônicas da edificação, necessário aprovação do projeto modificativo assim como expedição no novo alvará de construção.

Art. 34. Se durante a construção e reconstrução o proprietário pretender modifi-car o plano aprovado, só poderá fazê-lo mediante as formalidades prescritas nos artigos anteriores, depois de pagas taxas proporcionais às modificações.

[...]

Art. 61 Será imposta a pena de demolição total ou parcial, nos seguintes casos:

I – construção clandestina, entendendo-se por tal a que for feita sem prévia apro-vação do projeto, ou sem alvará de licença;

II – construção feita sem observância do alinhamento ou nivelamento fornecido pela Prefeitura, ou sem as respectivas cotas ou com desrespeito ao projeto apro-vado;

III – obra julgada em risco, quando o proprietário não tomar as providências que forem necessárias a sua segurança;

IV – construção que ameace ruína e que o proprietário não queira desmanchar ou não possa reparar, por falta de recurso ou por disposição regulamentar.

É certo no caso em tela que os apelantes edificaram em ofensa às normas urbanísticas do Município de Içara, não respeitando o limite mínimo de recuo lateral em relação ao imóvel vizinho, conforme demonstram as fotografias co-lacionadas nos autos e atestam os documentos fornecidos pelo Município de Içara, em especial o memorando interno nº 270920111 (fl. 84), complementa pelo documento de fls. 12/13, cujos trechos foram citados na sentença:

[...] Ainda no segundo piso, 5,90 metros lineares da construção está no limite lateral do lote e o restante da lateral da edificação está a 1,30 metros da lateral, configurando invasão do recuo lateral. [...] Que no piso superior visivelmente o projeto apresentado e licenciado não foi obedecido na execução da obra ou

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������195

foi posteriormente alterado nos itens que abaixo descrevemos: a) Que o projeto aprovado e as licenças na oportunidade contavam uma área total construída de 62,04 m², enquanto que constatamos aparentemente pela dificuldade de medi-das exatas por falta de acesso construção de aproximadamente 100 m². b) Que o segundo piso tem nas duas extremas 5,90 metros lineares construídos no limite com abertura com lateral extremante com o lote 12, 8,70 metros lineares cons-truídos com afastamento de 1,30 metros das duas extremas do terreno, configu-rando limites de afastamento menores do que preconiza a lei em toda a extensão. c) Que existe um 3º piso não coberto, o qual no projeto previa um telhado onde a parte mais extrema da laje está nos limites do terreno 5,90 metros lineares nas duas extremas, e nos 8,70 metros lineares restantes da laje a 0,75 metros nas duas laterais, configurando limites de afastamento menores do que preconiza a lei em toda a extensão, constando ainda que neste piso tem em toda a extensão lateral redes de proteção contra quedas e uma escada de acesso a este nível também com proteção para o uso, dando ao nível status de terraço. d) Que nos limites frontais os níveis avançam até a extrema do terreno, no fundo com afastamento maior que o legal. [...].

Segundo esse documento, a primeira parte, embora estivesse dentro das normas do Plano Diretor, não obedeceu ao projeto aprovado, havendo amplia-ção de 35,09 metros quadrados, do que se presume que a construção dessa área tenha ocorrido após a concessão do “habite-se”. Em relação à parte superior, constatou-se que a edificação do segundo piso não observou o recuo de 1,50 metros, contrariando a legislação municipal, notadamente o art. 103 da Lei nº 842/1991, que regula o uso e a ocupação do solo urbano do Município de Içara, do qual integra a localidade de Balneário Rincão.

Assim, inegável que a construção final está em desconformidade com o projeto aprovado pela Municipalidade e, por conseguinte, com o “habite-se” concedido em 2009. Os próprios recorrentes reconhecem não terem respeitado o recuo de 1,50 metros entre as divisas do terreno (fl. 104). Contudo, alegam que os autores não restaram prejudicados com isso, o que se passa a analisar.

4.2 No caso em espécie, a despeito de a construção não ter seguido todos os padrões exigidos pela legislação municipal, não houve demonstração do dano concreto causado ao imóvel vizinho, pressuposto indispensável para o pedido formulado na inicial.

Saliente-se que as irregularidades constatadas revelam que ou houve fa-lha na concessão de “habite-se” ou o imóvel sofreu modificações posterior-mente que não haviam sido contempladas no projeto original, de modo que a mera concessão daquela licença não retira o atributo conferido ao proprie-tário de imóvel de reclamar em juízo, por meio de ação demolitória, prejuízo decorrentes de obra em terreno vizinho, realizada em desrespeito as normas administrativas.

196 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Ocorre que não pretendem os autores a cassação do alvará de licen-ça para construir ou do “habite-se” concedido pela Prefeitura, pretensão que sabidamente caberia ao Município, no exercício do seu poder de polícia. Na verdade objetivam a demolição ou adequação de obra irregular realizada em imóvel vizinho sob a alegação de prejuízo e, para isso, não se pode negar a sua legitimidade e o interesse de agir para recorrer ao Poder Judiciário.

É de se salientar que não é qualquer violação que dá ensejo ao embargo ou demolição de obra, devendo recair sobre normas de vizinhança, notada-mente ofensivas à segurança, ao sossego, à privacidade e a saúde das pessoas, essas sim passíveis, acaso comprovado o prejuízo, de ensejar a procedência da demanda.

Nesse sentido leciona Francisco Eduardo Loureiro em comentários ao art. 1.277 do Código Civil, que regula a ação de nunciação de obra nova, in verbis:

[...] o direito de um vizinho reclamar do outro a cessação de certa conduta está subordinado a dois requisitos cumulativos, a saber: a existência de interferência prejudicial que atinja certos interesses previstos em lei; b) que essa interferência decorra de uso anormal do imóvel.

No que se refere ao primeiro requisito, o próprio art. 1.277 circunscreve os inte-resses que podem ser prejudicados pelas interferências: a segurança, a saúde e o sossego. (PELUSO, Cezar; GODOY, Cláudio Luiz Bueno de (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 8. ed. Barueri/SP: Manole, 2014, p. 1.192)

Da jurisprudência desta Corte, mutatis mutantis, traslada-se os seguintes julgados:

NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA – IMPROCEDÊNCIA

1. Revelando-se possível o julgamento da causa com base na análise das provas produzidas, suficientes à formação da convicção (art. 125, II e 130, CPC), correta é a sumarização do rito pelo sentenciamento antecipado da lide (art. 330, II, CPC), nisso não havendo vício de atuação ou cerceamento de defesa (art. 5º, LV, CF e art. 333, II, CPC).

2. Em ação de nunciação de obra nova (art. 934, CPC), não configurada a alega-da violação a posturas municipais e leis de vizinhança, correta é a sentença de improcedência do pedido, não consistindo virtuais prejuízos na luminosidade do prédio vizinho, isoladamente, em fator impeditivo da obra.

3. Recurso desprovido. (AC 2008.007508-7, Desª Maria do Rocio Luz Santa Ritta, de 02.09.2008)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA POR FALTA DE REALIZAÇÃO

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������197

DE PROVA PERICIAL – INOCORRÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ART. 130 DO CPC – PRELIMINAR RECHAÇADA – Não há falar em cerceamento de defesa por falta de realização de prova pericial não requerida pela parte. De mais a mais, conforme o disposto no art. 130 do CPC, compete ao Julgador determinar a rea-lização das provas que entender necessárias para o deslinde da controvérsia, po-dendo indeferir as inúteis, sem que isso implique cerceamento de defesa. NUN-CIAÇÃO DE OBRA NOVA – PREJUÍZO E NOCIVIDADE NÃO COMPROVADOS PELOS AUTORES (ART. 333, I, DO CPC) – DIREITO DE VIZINHANÇA NÃO VIOLADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – Para o êxito da ação de nunciação de obra nova é necessário que a construção realizada no terreno vizinho seja nociva/prejudicial. O prejuízo deve ser concreto e resultar da contrariedade dos direitos de proprietário. Não é, pois, qualquer inconveniente, ainda que o prédio sofra alguma desvalorização, que autorizará o embargo da obra (TJMG, AC 2.0000.00.458313-7/000, Rel. Des. Nilo Lacerda, J. 01.09.2004 e AC 2.0000.00.352019-8/000, Rel. Des. Batista Franco, J. 09.04.2002). Prejuízo comercial, advindo da construção de prédio ao lado com a mesma finalidade, também não enseja o embargo da obra (STJ, REsp 264806/MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 18.12.2000, p. 207). “A ação de nunciação de obra nova, como garantia ao direito de vizinhança, é o procedimento correto para aquele que foi prejudicado pelo mau exercício do direito de construir. Contrário senso, não prejudicando o prédio vizinho e guardando conformidade com os regulamen-tos administrativos, impõe-se seja mantida a obra” (STJ, REsp 70012448239/RS, Rel. Min. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, DJ de 23.01.2008). (TJSC, Apelação Cível nº 2005.016001-9, de Fraiburgo, Rel. Des. Mazoni Ferreira, J. 06.08.2009)

Em caso mais recente, tratando especificamente de ação demolitória:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DEMOLITÓRIA – DIREITO DE VIZINHANÇA – DIS-CÓRDIA GRAVE E DURADOURA ENTRE VIZINHOS, LEVADAS INCLUSIVE AO CONHECIMENTO DA AUTORIDADE POLICIAL – EDIFICAÇÃO DE UM MURO PELA RÉ OCTAGENÁRIA, NA SUA PROPRIEDADE, PARA CONTER O CURSO DAS DESAVENÇAS – PEQUENA PERDA DE ILUMINAÇÃO SEM PROPÓSITO LESIVO, NEM AGRESSIVO, MAS APENAS DEFENSIVO – PROVAS – DESPRO-VIMENTO

“Alguma redução referente à claridade ou à circulação de ar não poderá servir de obstáculo à realização da obra nunciada. Não comprovada irregularidade de construção passível de gerar dano ao terreno vizinho, outra solução não resta que a improcedência da ação de nunciação de obra nova.” (AC 2005.042404-7, minha relatoria, J. 16.11.2009). O vizinho que adota conduta incivil, profere palavrões contra os demais, seus filhos e animais, reiteradamente, praticando atos condenáveis, não há de reclamar se os confinantes erguem tapumes para isolar dele sua propriedade, a fim de viverem em paz. (TJSC, Apelação Cível nº 0001764-96.2010.8.24.0011, de Brusque, Rel. Des. Domingos Paludo, J. 20.10.2016)

198 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Nesse contexto, o simples fato de não haver observância ao recuo mí-nimo de um metro e meio entre as divisas do terreno não enseja, por si só, o embargo ou demolição da obra vizinha.

No caso em análise, o que há, segundo bem apontado na própria sen-tença de procedência, é uma aproximação lateral entre as propriedades dos liti-gantes de meros 20 centímetros contrária à legislação municipal, não restando demonstrado no que isso tenha causado prejuízo ao imóvel dos autores no que se refere ao comprometimento da ventilação e da iluminação natural do terre-no. Tampouco pode se presumir que o descumprimento do recuo implique, por si só, na desvalorização do imóvel.

A título de argumentação, pondera-se, ainda, que há evidências nos au-tos, consubstanciadas em documentos e fotografias trazidas pelas partes, que os próprios autores teriam dado causa aos danos alegados na inicial (suposta difi-culdade de iluminação, invasão de privacidade etc.), ao ampliar o seu imóvel, unindo-o ao dos réus com a construção irregular de uma “garagem”, situação que romperia o nexo de causalidade entre os supostos prejuízos e a obra edifi-cada pelos réus, condição indispensável para a procedência da demanda.

É o que se infere da sentença (transitada em julgado e já em fase de cumpri-mento) proferida nos autos nº 0002107-75.2009.8.24.0028 (028.09.002107-7), da ação de nunciação de obra nova proposta pelos apelados contra os ora re-correntes, assim fundamentada:

Colhe-se dos autos que os autores buscam com o ajuizamento da presente actio o embargo liminar e posterior demolição da obra realizada pelos réus, consistente numa “garagem” que une o prédio dos requeridos ao dos requerentes.

Concedida a liminar, desobedeceram a ordem os requeridos, tendo continuado a construção até a conclusão, conforme se verifica à fl. 96.

Extrai-se, ainda, do documento de fls. 112/113, que o Município de Içara informa que a construção dos réus está irregular, pois a ampliação passou a ocupar 100% do imóvel, contrariando o Plano diretor, que determina tão somente 80%.

Além disso, os proprietários teriam sido autuados por diversas vezes, não toman-do qualquer providência a respeito (fl. 115).

Ademais, na audiência instrutória foi inquirida a testemunha Mário Dagostim, que atestou a irregularidade acima apontada (fl. 128).

Como se não bastasse, os acionados não teriam deixado espaço suficiente a va-gas de estacionamento de carros, proporcionais à área construída, infringindo a mais uma norma municipal.

[...]

Por fim, atinente à indenização pelos prejuízos causados em sua edificação pela obra irregular levantada pelos acionados, os autores não os comprovaram na pre-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������199

sente, pois a “garagem” ainda continua no local. Tais prejuízos, somente serão aferíveis após a retirada da construção, razão pela qual deverão ser cobrados em ação própria para tal fim.

Por tais fundamentos, julgo procedente o pedido da ação denunciação de obra nova cumulada com demolitória, tornando definitiva a liminar de fls. 34/38, de-terminando a demolição da edificação indicada nas fotografias de fls. 28 e 96, às expensas dos réus.

Condeno os demandados nas custas processuais e em honorários advocatícios de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), na forma do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil.

No caso em análise, tem-se que o ônus da prova dos alegados prejuízos ou danos, bem como do nexo de causalidade entre aqueles e a obra edificada pelos réus competia à parte autora (art. 333, inc. I, do CPC/1973; art. 373, I, CPC/2015), que dele não se desincumbiu, não havendo outra solução senão a improcedência do pedido inicial.

4.3 Com a reforma da sentença, devem ser invertidos os ônus sucumben-ciais, condenando-se os demandantes ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00, a teor do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

5. Por todo o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento.

Este é o voto.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2706

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRegistro: 2017.0000520183Apelação Cível nº 1011082‑79.2015.8.26.0068Relator: Desembargador Vito GuglielmiApelante: Oswaldo de Barros Toledo NetoApelada: Sociedade Aldeia da Serra Residencial Morada das EstrelasComarca: Barueri 3ª Vara CívelVoto nº 38.183

cobraNça – loteameNto fechado – multa – ImPoSIção da PeNalIdade a ProPrIetárIo de lote, Pela admINIStradora do loteameNto, em vIrtude do deScumPrImeNto de devereS eStabelecIdoS em regulameNto INterNo – admISSIbIlIdade – reQuerIdo Que voluNtarIameNte aSSocIou-Se à autora, vINculaNdo-Se lIvremeNte a loteameNto com reStrIçõeS Que lhe eram coNhecIdaS – obrIgação coNveNcIoNal do rÉu, PoIS, Que lhe obrIga à obServâNcIa – auSêNcIa, outroSSIm, de IlegalIdade do regulameNto INterNo do loteameNto ou de uSurPação, Pela autora, de atrIbuIçõeS do Poder PÚblIco – multa devIda – SeNteNça maNtIda em relação ao tema – recurSo ParcIalmeNte ProvIdo – obrIgação de faZer – loteameNto – autora, admINIStradora do loteameNto, Que buSca comPelIr JudIcIalmeNte o rÉu, ProPrIetárIo de Imóvel, a Não maIS deSreSPeItar Seu regulameNto INterNo, Sob PeNa de multa comINatórIa – deScabImeNto – autora Que dISPõe de mecaNISmoS PróPrIoS Para comPelIr SeuS aSSocIadoS à obServâNcIa de SuaS NormaS – eveNtual INSufIcIêNcIa deSteS deve Ser tratada INterNa corPorIS, Não lheS ServINdo de SucedâNeo a multa comINatórIa JudIcIal – ImPoSIção da aStreINte Que caracterIZarIa, ademaIS, bIS IN Idem em deSfavor do demaNdado – SeNteNça reformada QuaNto ao PoNto – recurSo ParcIalmeNte ProvIdo.

1. Trata-se de recurso, tempestivo e bem processado, interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente ação sumária de cobrança c/c obrigação de não fazer ajuizada por Sociedade Aldeia da Serra Residencial Mo-rada das Estrelas em face de Oswaldo de Barros Toledo Neto.

A demanda objetiva a condenação do réu ao pagamento de multa, pre-vista nos estatutos da autora, por suposto reiterado descumprimento de deve-res de convivência no residencial que ela administra, consistente em permitir que seus animais domésticos circulem desacompanhados pelas áreas comuns. Pretende, ainda, seja o requerido compelido a não reincidir em tal prática, sob pena de multa a lhe ser cominada.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������201

O Juízo (fls. 124/130) considerou bem demonstrados os reiterados des-cumprimentos, pelo réu, do dever estatutário, imposto a todos os associados da autora, de não deixar que seus animais domésticos circulem sem guia e desa-companhados pelas áreas comuns do loteamento. Observou que, conquanto públicos os logradouros, à demandante foram outorgados pelos associados, e por força de tais estatutos, poderes de fiscalização e sanção, aos quais se en-contra sujeito o réu. Condenou-o, pois, ao pagamento da multa pleiteada, e bem a se abster de reincidir em tal conduta, sob pena de astreinte estipulada em R$ 500,00 para cada novo descumprimento.

Inconformado, o requerido apela (fls. 133/149), sustentando a impro-cedência da demanda. Diz, no sentido, que o residencial em questão não é constituído sob a forma de condomínio, tratando-se de simples loteamento, assim composto por lotes particulares e logradouros públicos. Nessa esteira, acrescenta que a suposta infringência a regras de convívio comum deu-se, a toda evidência, em via pública, sobre a qual não exerce, e não pode exercer, a demandante qualquer ingerência, uma vez que sobre elas compete apenas ao Poder Público fiscalizar, no exercício de seu poder de polícia. Considera, nessa perspectiva, ilegal a norma estatutária supostamente violada, vez que tendente a prover a apelada de poderes que não lhe incumbem e que não lhe são típicos, em verdadeira usurpação daqueles privativos da Administração. Quanto ao pe-dido cominatório negativo, assevera ser descabida a fixação de multa a eventual novo descumprimento. Assinala, no sentido, que tal pedido da demandante encerra verdadeira dupla punição pelo mesmo fato porquanto, em que pese a alegada ilegalidade das disposições estatutárias em questão, estas já preveem o sancionamento à hipótese de violação, consubstanciada em multa. Finalmente, e acaso mantida a sentença, pugna a minoração da verba honorária de sucum-bência. Colaciona doutrina e jurisprudência em suporte às suas razões e conclui pela reforma.

Processado o recurso (fl. 152), vieram aos autos contrarrazões (fls. 155/161).

Intimadas as partes para manifestação acerca da possibilidade de julga-mento virtual, quedaram-se inertes (fls. 165).

É o relatório.

2. Cuida-se de ação de cobrança cumulada com pedido de cominação de obrigação de não fazer, pela qual a autora pretende seja o autor condenado ao pagamento de multa por descumprimento a normas estatutárias de convi-vência no loteamento fechado que administra e, ainda, seja compelido a não reincidir em tal conduta, sob pena de astreinte.

Julgada parcialmente procedente, sobreveio o presente reclamo do de-mandado – que está, com efeito, a merecer parcial acolhida.

202 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Em primeiro lugar, no tocante ao pedido condenatório ao pagamento da multa, tem-se por incensurável a decisão atacada.

O residencial em questão, com efeito, consiste em loteamento fecha-do – não caracterizado como condomínio atípico nos termos do art. 8º da Lei nº 4.591/1964 – no qual a apelada, constituída voluntariamente, atua como ad-ministradora. Tais circunstâncias constam, com efeito, da matrícula do imóvel (Av. 2/M-95.576), da qual se lê que

“que no loteamento denominado ‘Aldeia da Serra Residencial Morada das Estre-las’ do qual o imóvel matriculado faz parte integrante, foram impostas restrições convencionais (normas e regulamentos), no tocante a edificações e urbanísticas, quanto ao uso do solo, minuciosamente especificadas no contrato padrão que integra o processo do loteamento” (fl. 61).

Bem assim, de referidos regulamentos (fls. 96/103) colhe-se, de fato, uma série de normas a disciplinar a organização, fiscalização e o convívio social dos proprietários e ocupantes de lotes no residencial.

Por incontroverso, é bom ainda que se diga, o réu não discute sua quali-dade de associado da ré.

É de Rubens Limongi França a elementar, porém indispensável, lição se-gundo a qual

“São causas eficientes das obrigações a lei, o contrato, a declaração unilateral de vontade, o ato ilícito e o enriquecimento sem causa” (in Manual de Direito Civil, v. 4, tomo I, 2. ed., p. 37, Revista dos Tribunais, 1976).

Assim, e em resumo, vinculou-se o apelante a loteamento com restrições (convencionais ou, por assim dizer, contratuais) de uso da propriedade que lhe eram previamente conhecidas (ou, quando menos, dadas a conhecer). Assumiu, pois, voluntariamente, obrigações inerentes a essa natureza do loteamento com o presumível objetivo, por outro lado, de usufruir de suas vantagens, as quais tampouco se pode negligenciar. Nessas condições, nada há que o isente ou exi-ma, agora, da devida observância e cumprimento. Tampouco, por semelhante raciocínio, se há que falar em ilegalidade do regulamento ou em usurpação de competência da Administração por parte da autora. Isso porque, repita-se, tanto o dever do réu de proceder de determinada maneira quanto, de outro lado, o direito da autora de o fiscalizar decorrem, pura e simplesmente, do que entre si convencionaram livremente.

Estabelecida tal premissa, tem-se que as normas de conduta alegadamen-te vulneradas pelo réu acham-se inscritas no art. 20 do regulamento da autora, mormente em suas alíneas (a) e (i):

“Art. 20. Animais domésticos não proibidos pelo artigo anterior são permitidos, sob as seguintes condições:

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������������203

(a) Todo animal, ao ser conduzido em vias e logradouros públicos, deverá usar obrigatoriamente coleira e guia, adequadas ao seu porte, devendo ser conduzido por pessoa com idade e força suficientes para controlar seus movimentos [...].

(i) Os animais devem ser mantidos nos limites de suas residências [...]” (fl. 99).

O reiterado descumprimento, pelo réu, a tais deveres de procedimento acha-se, outrossim, cabalmente demonstrado pela prova documental, que dá conta de terem sido ao menos 5 (cinco) as ocorrências do tipo, envolvendo os cães de que é proprietário, noticiadas e documentadas circunstanciadamente nos autos (fls. 20/53) tendo inclusive um dos casos, ao que se colhe, resultado em ataque a animal pertencente a terceiro morador. Registre-se ainda que tanto a consumação quanto o teor de tais acontecimentos são questões que não foram objeto de impugnação especificada, pelo que se hão de ter por incontroversas.

A imposição de multa (fls. 54/55), portanto, também ela prevista em re-gulamento, ao valor de um salário mínimo (art. 49, fl. 103), revelou-se acertada. Assim, correto o acolhimento do pedido condenatório formulado pela autora, ficando mantida a sentença quanto ao tema.

Em segundo lugar, é quanto ao pedido cominatório que está a decisão a comportar reforma. E isso precisamente porque, como referido supra, a socieda-de autora no regular exercício de suas funções de fiscalização e administração do loteamento possui meios suficientes e adequados para impor, como de fato impôs, aos associados as condutas de respeito e observância às normas regula-mentares, sancionando eventuais descumprimentos, como no caso.

Ademais, a multa cominatória, correspondente à astreinte do direito fran-cês, é de ser imposta com fundamento no arts. 497, c/c os arts. 536, § 1º, e 537, caput, todos do Código de Processo Civil quando necessária a presença de sua natureza coercitiva, com o fim de compelir a parte a cumprir uma obrigação de fazer ou de não fazer.

Na hipótese, porém, e como mencionado, tal mecanismo é despiciendo: o arcabouço de normas estatutárias e regulamentares da autora – às quais se sujeitam o réu, como visto – existe e acha-se apto à aplicação. Eventual insufi-ciência do valor da multa prevista em seus regulamentos, outrossim, que esteja a supostamente lhe retirar ou diminuir o caráter coercitivo, é matéria a ser tra-tada interna corporis pela autora e exacerba aos limites da presente demanda. O que deve ficar claro, aqui, é que não deve servir, a multa cominatória, como sucedâneo de eventuais insuficiências do mecanismo administrativo de que dispõe a ré para o sancionamento de seus associados; tampouco se afigurando possível lançar-se mão, nesse intento, da utilização cumulada das duas pena-lidades – convencional e judicial –, sob pena de caracterizar-se, mesmo, bis in idem em desfavor do demandado.

204 �������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Nada mais, portanto, é preciso dizer.

Em resumo: ao recurso se provê em parte para afastar a condenação do réu na obrigação de não fazer, com a multa que lhe fora cominada, ficando a decisão mantida quanto ao acolhimento do pedido condenatório.

Recíproca a sucumbência, tendo em vista o resultado, de maneira que serão repartidas as custas e despesas processuais, devendo cada uma das partes, ainda, arcar com a verba honorária dos advogados da parte contrária. Mantém--se o adequado arbitramento desta, por apreciação equitativa, em R$ 1.000,00 tendo em vista os valores exíguos atribuído à causa e bem do proveito econô-mico obtido pelas partes. Assinale-se, a propósito, que o arbitramento assim efetuado, ainda que em montante superior ao da condenação, o é ex lege, na forma do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil.

3. Nestes termos, dá-se parcial provimento ao recurso.

Vito Guglielmi Relato

AcÓrdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1011082-79.2015.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante Oswaldo de Barros Toledo Neto, é apelado Sociedade Aldeia da Serra – Residencial Morada das Estrelas.

Acordam, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Pri-vado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Vito Guglielmi (Presidente), Eduardo Sá Pinto Sandeville e Rodolfo Pellizari.

São Paulo, 21 de julho de 2017.

Vito Guglielmi Relator Assinatura Eletrônica

Parte Geral – Ementário2707 – Ação civil pública – área construída – desocupação – inviabilidade

“Administrativo. Ação civil pública. Apelação. Direito ambiental. Área de preservação. Desocupação. Inviabilidade. Princípio da proporcionalidade. Ausência de dano. 1. O princípio da proporcionalidade aplica-se ao caso, eis que se trata de área urbana consolidada e que a demolição não se apresenta a me-lhor solução para resolver as irregularidades das construções na localidade. Parece mais apropriada uma regularização que dê conta de harmonizar todas as ocupações com a proteção daquele meio ambiente. 2. Apelação improvida.” (TRF 4ª R. – AC 5005404-15.2012.4.04.7004 – 4ª T. – Rel. Cândido Alfredo Silva Leal Junior – J. 19.04.2017)

Comentário Editorial SÍNTESEO cerne da questão para as decisões, tanto da ação inicial quanto ao recurso de apelação foi a propor-cionalidade. Isso porque, segundo colocou ao julgador singular, não seria razoável que se demolisse o imóvel do Apelado sem que o corresse o mesmo com os demais imóveis em situação similar.

A ação civil pública foi sentenciada e assim interposto o recurso de apelação, que julgado, acarretou no acórdão que passamos a trabalhar. A intenção dos autores da ação era que fosse demolida deter-minada edificação e também que fossem reparados os danos ambientais decorrentes da construção em área de preservação permanente sem licença às margens do Rio Paraná.

Para a surpresa dos autores da ação, a sentença da ação proposta foi julgada improcedente com as considerações de que a localidade de Porto Figueira seria uma área urbana consolidada, sendo conhecida regionalmente e ocupada para moradia de pescadores e para lazer; o povoamento da região foi estimulado pelo poder público municipal; não seria correto, isonômico e razoável demolir somente a edificação do réu, sendo necessária, em vez disso, uma regularização fundiária daquela área pelo município.

Inconformado com tais fundamentos de base, um dos litisconsortes ativos, que não o Ministério Pú-blico, apelou ao tribunal com a intenção de reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais, alegando a existência de precedentes existentes e que com a sua existência deverá ser reconhecida a irregularidade da construção, a desocupação e demolição da construção.

Contudo, o voto do relator não foi no sentido da melhor sorte dos apelantes. No embasamento da decisão, para a qual foram utilizados julgados anteriores no sentido do entendimento da relatoria, além da base legal correspondente, como passamos e apreciar:

“[...]

Há quem entenda que política de tal natureza não poderia ser executada em favor de população de alta renda, pois esta teria condições de se realocar por conta própria. Contudo, partilho do entendi-mento de que não se pode ignorar que o direito à cidade sustentável, o qual encontra na regularização fundiária um instrumento relevante, tem natureza difusa, quer dizer, estende-se a pobres e a ricos. Dessa forma, sendo inviável a recuperação da área degradada em face de situação consolidada, a afirmação da isonomia não permite a exclusão da hipótese de regularização.

Não é demais repisar que a ocupação do Porto Figueira, inclusive mediante construções muito próxi-mas à margem do rio, remonta à década de 1960, anterior ao código florestal revogado, de modo que a tolerância da ocupação ribeirinha por tantos anos pelo Poder Público também não exclui a possibili-dade de manutenção da construção da parte ré. Não se pode olvidar também que a ocupação da loca-lidade em questão, em vez de ser reprimida, foi estimulada pelo Poder Público, de modo que se con-solidou como área urbana, com toda a infraestrutura necessária, com pavimentação asfáltica, energia elétrica, água e esgoto, entre outros serviços e obras. Nesse passo, vale atentar, inclusive, para o disposto no Decreto nº 70/2007 do Município de Alto Paraíso/PR, constante de demanda semelhante, ora empregado como prova emprestada (evento 28 – INF8 – autos nº 50053773220124047004), que aprovou a revisão do Zoneamento Ecológico Econômico da Área de Proteção Ambiental – APA Municipal de Alto Paraíso/PR. Referido Decreto, ao tratar das ‘áreas urbanizadas/em processo de urbanização na localidade de Porto Figueira, junto à margem do Rio Paraná, com alguma infraestru-tura de comércio, serviços e de atendimento ao turista’, permitiu a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados. É possível, portanto, que a parte ré continue ocupando o terreno marginal do Rio Paraná, desde que preservando a vegetação existente e promovendo a regeneração onde imprescindível, sempre respeitando fauna e flora ora remanescente. A reparação do dano mediante a recuperação da área, como já referido, não se afigura adequada ao fim de promoção da proteção ao meio ambiente. Há uma situação histórica consolidada, na qual a paisagem original foi total e irreversivelmente descaracterizada, de tal maneira que a demolição da edificação pouca diferença faria. Demais disso, independentemente da legitimidade ou não das legis-lações municipais, é inexorável que o imóvel encontra-se em área urbana consolidada desde longa data, inclusive, com incentivo do Poder Público local, sem que houvesse qualquer ação repressiva por

206 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

parte dos órgãos ambientais. Agora, após mais de quarenta anos de ocupação da área, não pode o mesmo Poder Público simplesmente ignorar a situação fática de Porto Figueira, passando a exigir de seus moradores o abandono de suas residências e o encerramento das atividades comerciais até então exercidas no local. Em verdade, cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos am-bientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas, claro, as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações. Desconsiderar a situação ocupa-cional de Porto Figueira, com a lavratura de autos de infrações, embargos das edificações, exigência de demolição e/ou encerramento das atividades comerciais locais, representa postura que não se coaduna com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, muito menos com a dignidade da pessoa humana. Os assentamentos em área urbana consolidada que ocupem Área de Preservação Permanente (APP) devem ser regularizados com a aprovação de um projeto de regulari-zação fundiária, contanto que não estejam em áreas de risco, conforme dispõem os arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/2012. Além de um diagnóstico da região, o processo para legalizar a ocupação perante o órgão ambiental deverá identificar as unidades de conservação, as áreas de proteção de mananciais e as faixas de APP que devam ser recuperadas. Essa medida, aliás, é a que mais se aproxima da almejada justiça social, que o caso exige. Não se desconhecem as limitações impostas pela legislação ambiental sobre a edificação em área de preservação permanente, nem se está aqui, questionando a constitucionalidade ou legitimidade dos atos normativos emitido pelo Conama. Contudo, a situação específica de Porto Figueira justifica a mitigação das referidas normas ambientais, com manutenção daquela ocupação urbana consolidada, para, quem sabe, estimular o Poder Público a iniciar processo de regularização fundiária daquela área, que possa contemplar a população local, evitando, assim, um conflito social, e que, ao mesmo tempo, garanta o respeito ao disposto no art. 225 da CF/1988, que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por essas razões, os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal na exordial destas Ações Civis Públicas não merecem acolhimento. Cumpre anotar, contudo, que o comando normativo deste julgado não exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pelos órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, cabendo destacar, por fim, que inexiste direito adquirido à degradação ambiental. Restam prejudicadas as demais matérias ventiladas pelas partes em suas manifestações nos autos. 3. Dispositivo. Ante o exposto, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, julgo improcedentes os pedidos veiculados nos autos nºs 5005404-15.2012.404.7004 e 5005714-21.2012.404.7004 e, por via de consequência, revogo a tutela de urgência concedida nesses autos, nos termos da fundamentação supra. Concluo que o princípio da proporcionalidade aplica-se ao caso, eis que se trata de área urbana consolidada e que a demolição não se apresenta a melhor solução para resolver as irregularidades das construções na localidade. Parece mais apropriada uma regularização que dê conta de harmonizar todas as ocupações com a proteção daquele meio ambiente. Portanto, o que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo-se o resultado do processo e não havendo motivos para reforma da sentença, inclusive com relação aos honorários advocatícios sucumbenciais. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.”

Os demais desembargadores acompanharam o ilustre relator e o julgado restou em uma votação unânime pelo não provimento do recurso.

2708 – Ação de cobrança – compra e venda de imóvel – serviços de corretagem

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Compra e venda de imóvel. Serviços de corretagem. Ausência de violação do art. 1.022 do CPC/2015. Inexistência de contrato escrito. Prova testemunhal. Reexame. Impossibilidade. Súmula nº 7 do STJ. Agravo improvido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/1973, porquanto o Tribunal de origem decidiu a matéria de forma fundamentada. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando tenha en-contrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, provi-dência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto no Enunciado Sumular nº 7 deste Tribunal Superior. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.036.508 – (2016/0335252-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 16.05.2017 – p. 864)

2709 – Ação de cobrança – cotas condominiais – legitimidade

“Embargos de declaração. Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança de cotas condomi-niais. Legitimidade. Recurso repetitivo. Contradição. Inexistência. 1. Os embargos de declaração so-mente se prestam a sanar contradição porventura existente no acórdão, não servindo à rediscussão da

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������207

matéria já julgada no recurso. 2. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-REsp 1.376.716 – (2013/0095629-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 978)

2710 – Ação de cobrança – despesas condominiais – aplicação

“Embargos de declaração. Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança de despesas condomi-niais. Aplicação da Súmula nº 211/STJ. Código de Processo Civil de 1973. Simples oposição de embargos de declaração. Prequestionamento. Necessidade. Omissão. Inocorrência. 1. Os embargos de declaração somente se prestam a sanar vício porventura existente no acórdão, não servindo à rediscussão da maté-ria já julgada no recurso. 2. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-Ag-REsp 423.216 – (2013/0362065-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 08.06.2017 – p. 1086)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento ao agravo interno, assim ementado:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA DE DESPESAS CONDOMINIAIS – ENCARGOS – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 211/STJ

1. Não tendo havido o prequestionamento do tema posto em debate nas razões do recurso especial e não tendo sido apontada ofensa ao art. 535 do CPC, incidente o Enunciado nº 211 da Súmula do STJ.

2. Agravo interno a que se nega provimento.”

A embargante sustentou que a decisão é omissa em relação ao seu argumento de que, mesmo que não ventilada expressamente no acórdão, a oposição de embargos de declaração supre a ausência de prequestionamento.

Afirmou que a ausência de apreciação do tema importa em ofensa aos arts. 5º, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal.

O STJ rejeitou os embargos de declaração.

O Relator aduziu que ficou claro que a pretensão da embargante não é a análise de ponto omitido ou algum vício no julgamento, mas a modificação da conclusão da decisão embargada, mediante a revisão dos seus fundamentos, o que é incompatível com a natureza dos embargos de declaração.

O ilustre Jurista Caio Mário da Silva Pereira, ao discursar sobre a Lei nº 4.591/1964, assim nos ensina:

“A Lei nº 4.591/1964 estabelece, no art. 12, que cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, inclusive as com obras que visem a melhorar o edifício, aumentar-lhe a comodidade e o conforto, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. E ao mesmo tempo instituiu o critério de sua fixação, mandando em primeiro plano observar o disposto na Convenção e, em segundo, ou seja, no silêncio desta, a proporcionalidade com a fração ideal de terreno de cada unidade. É ainda a mesma lei que atribui ao síndico a legitimação para arrecadar, amigável ou judicialmente, sujeitando-se os condôminos em atraso aos juros moratórios e à multa de até 20% sobre o débito. Pode este, ainda, ser atualizado com aplicação dos índices de correção monetária, se assim a Convenção condominial dispuser a autorizar.

Incorrendo o condômino em mora, pode-se-lhe ser judicialmente exigido o débito (principal e acessó-rio), subordinado o exercício do direito de ação a certos requisitos. [...]

O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às comina-ções previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicialmente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de sequela. Com efeito, estabelece o art. 4º, parágrafo único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida. O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não pode responder pelos encargos corres-pondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade. [...].” (Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 188-189)

Ainda, vale mencionar o entendimento da ilustre Maria Helena Diniz, in verbis:

“Os direitos e deveres dos condôminos estão definidos nos arts. 1.335 a 1.347 do Código Civil e na ‘convenção do condomínio’ (EJSTJ, 8:76, 12:65, 13:65), que é um ato-regra gerador de direito estatutário ou corporativo, aplicável não só aos que integram a comunidade, como também a todos os que nela se encontrem na condição permanente ou ocasional de ‘ocupantes’. Sendo ela elaborada pelos próprios condôminos, por escrito, deve ser, para ser oponível contra terceiros, registrada no cartório de registro de imóveis, e só se torna obrigatória se for aprovada por 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio (CC, art. 1.333, e parágrafo único).

208 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

[...]

O comunheiro que não pagar sua contribuição no prazo fixado na convenção ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito (CC, art. 1.336, § 1º, AASP, 1897:141; ESTJ, 12:65 e 66).” (Direito civil brasileiro – Direito das coisas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2002. p. 199-202)

2711 – Ação de execução – cédula de crédito rural – prescrição – termo a quo

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de execução. Cédula de crédito rural. Ofensa ao art. 535 do CPC/1973. Não demonstração, de forma clara e precisa. Aplicação da Súmula nº 284/STF. Prescrição. Termo a quo. Última parcela. Acórdão estadual julgado em harmonia com a jurisprudência do STJ. Incidência da Súmula nº 83 desta Corte. Agravo interno desprovido. 1. Nas razões do especial, a recorrente deduz argumentação de que as questões postas nos aclaratórios opostos na origem não foram respondidas, sem pontuar, de forma específica, quais seriam e qual a sua relevância para solução da controvérsia, o que atrai, de forma inarredável, a exegese da Súmula nº 284/STF: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da contro-vérsia’. 2. Em relação ao termo inicial da prescrição das Cédulas de Crédito Rural, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que é o dia do vencimento da última parcela. Outrossim, ‘o vencimento antecipado da dívida não enseja a alteração do termo inicial do prazo de prescrição, que, na hipótese, é a data do vencimento da última parcela’ (AgInt-REsp 1587464/CE, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 09.03.2017, DJe 24.03.2017). Aplicação da Súmula nº 83/STJ, por estar o acórdão em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.032.717 – (2016/0329089-5) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.06.2017 – p. 1769)

2712 – Ação demolitória – obrigatoriedade – perícia ambiental – inviabilidade

“Processual civil. Agravo de instrumento. Ambiental. Tutela antecipada. Demolição e remoção das edifi-cações. Caráter irreversível. Desocupação imediata da área. Fixação de valor. Inviabilidade. Fase proces-sual dos autos originários. Perícia ambiental. Vistoria e fiscalização favoráveis ao agravado. Manutenção das medidas determinadas pelo r. Juízo de origem. 1. Consoante o art. 273 do CPC/1973, a antecipação da tutela poderia ser concedida pelo juiz somente se preenchidos os pressupostos legais, quais sejam, existência de prova inequívoca e da verossimilhança das alegações deduzidas, bem como a ocorrência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. 2. A demolição imediata e integral da Pousada Jund-Pesca, localizada na região de Porto Morrinho, zona rural de Corumbá/MS, caracteriza-se como ato capaz de causar dano de difícil reparação ao agravado. A obrigação imposta com a demolição e remoção de todas as edificações existentes no local se traduz em medida irreversível, impondo-se, portanto, a ado-ção de cautela, até que seja julgado o mérito da ação, com o reconhecimento ou não da ocorrência do dano ambiental e possível reparação/indenização. 3. Considerando-se ainda a atual fase processual dos autos originários em que se está a definir a produção de provas, em especial, perícia ambiental, inviável também, ao menos por ora, o acolhimento do pedido quanto à desocupação imediata da área ou fixação de valor a ser pago pelo uso da área, impondo-se, portanto, a manutenção das medidas indicadas pelo r. Juízo de origem. Nesse sentido, foram determinadas a vistoria e a fiscalização da área pelo Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), providência realizada conforme parecer técnico da equipe de fiscalização do referido instituto, que constatou a instalação de uma Estação de Tratamento de Esgoto – ETE no local, concluindo que a ETE está efetuando o tratamento de esgoto do empreendimento de acordo com sua capacidade de suporte; que não foi observado transbordamento de esgoto no entorno do empreendimento ou no corixo do rio Paraguai e que a Pousada não lança esgoto no rio Paraguai ou em outro curso d’água. 4. Agravo de instrumento improvido e agravo regimental prejudicado.” (TRF 3ª R. – AI 0032291-14.2012.4.03.0000/MS – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 08.05.2017 – p. 217)

Comentário Editorial SÍNTESEA Política Nacional do Meio Ambiente visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Dessa forma, causador da poluição será obrigado, nessa ordem, a reparar o dano, compensar ou indenizar.

O processo que gerou a decisão acima se origina de pedido efetuado pelo Ministério Público Federal, em ação civil pública contra particular, tendo em vista a demolição de empreendimento em área de preservação permanente. Todavia, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida não fora

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������209

acolhido pelo Magistrado julgador a quo, de forma que fora interposto recurso de agravo de instru-mento pelo Parquet, haja vista o seu inconformismo com tal interlocutória.

Salienta-se que o recurso que resultou no acórdão em comento foi interposto sob a égide do Código de Processo Civil de 1973. Dessa forma, não foi pleiteada a tutela de urgência do novo Diploma Processual Civil e sim fora feito o pedido de tutela antecipada. Contudo, tal cautela fora negada pelo juízo singular em decisão não terminativa.

Ressalta-se que o ponto crucial para a negativa do Meritíssimo Magistrado a quo foi a irreversibili-dade que a medida inegavelmente causaria. Ou seja, a determinação de demolição da construção em sede de antecipação de tutela, sem ainda existir o conjunto probatório completo se mostrou com peso excessivo, considerando ainda que fora juntadas aos autos provas documentais no sentido de que o esgoto da pousada tem a correta destinação, de forma a não acarretar danos ao Rio Paraguai. Vejamos trechos da decisão:

“De outra parte, o r. Juízo de origem deferiu a antecipação de tutela para o fim de determinar ao Imasul que vistorie a área, no prazo de 30 dias, para o fim de averiguar se o réu Ocimar Veronezi despeja esgoto no corixo do Rio Paraguai, bem como para que imponha as exigências básicas para a eficiência das fossas sanitárias e as demais pertinentes e, finalmente, para que o réu Ocimar Veronezi finque placa de fácil visualização esclarecendo à sociedade em geral que aquela ocupação encontra-se sob litígio judicial. Consoante o art. 273 do CPC/1973, a antecipação da tutela poderia ser concedida pelo juiz somente se preenchidos os pressupostos legais, quais sejam, existência de prova inequívoca e da verossimilhança das alegações deduzidas, bem como a ocorrência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Humberto Theodoro Júnior, ao tratar especificamente do instituto da Tutela Antecipada, assim expôs: ‘Exige-se, em outros termos, que os fundamentos da pretensão à tutela antecipada sejam relevantes e apoiados em prova idônea. Realmente, o perigo de dano e a temeridade da defesa não podem ser objeto de juízos de convencimento absoluto. Apenas, por proba-bilidade, são apreciáveis fatos dessa espécie. Mas a lei não se contenta com a simples probabilidade, já que, na situação do art. 273 do CPC, reclama a verossimilhança a seu respeito, a qual somente se configurará quando a prova apontar para “uma probabilidade muito grande” de que sejam verdadeiras as alegações do litigante’ (CARREIRA ALVIM. CPC reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 145; J. E. S. Frias, ob.cit., p. 65; DINAMARCO, Cândido. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 143). (Curso de Direito Processual Civil, v. II, Apêndice: Estudos do Autor sobre Temas de Processo de Execução e Processo Cautelar, p. 566/567).

[...]

De outra parte, também não vejo como acolher, ao menos por ora, o pedido quanto à desocupação imediata da área. Importante observar-se o teor das determinações do r. Juízo de origem, que deferiu parcialmente a tutela antecipada requerida, no sentido de que seja efetuada a vistoria e fiscalização da área pelo Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), providência realizada con-forme parecer técnico da equipe de fiscalização do referido instituto (fls. 366/370), que constatou a instalação de uma Estação de Tratamento de Esgoto – ETE no local, figura 1, toda a instalação é aérea para evitar inundação no período de cheia, concluindo que: A ETE está efetuando o tratamento de esgoto do empreendimento de acordo com sua capacidade de suporte; não foi observado transbor-damento de esgoto no entorno do empreendimento ou no corixo do rio Paraguai. Que a Pousada não lança esgoto no rio Paraguai ou em outro curso d’água. Portanto, considerando-se as peculiaridades que envolvem o caso concreto, ao menos neste momento processual, devem ser mantidas as medidas determinadas pelo r. Juízo de origem, mormente diante do caráter polêmico da prova coligida aos autos. Com efeito, como bem frisou o magistrado singular, [...] a prova é ainda controvertida, pois em que pese os reclamos de que o réu efetive lançamento de esgoto no Rio Paraguai fora juntado por ele Projeto de Preservação Permanente da flora do Rancho Jund-Pesca, a teor dos documentos de fl. 293 e seguintes, bem como consta vigente Licença de Operação, proveniente do Imasul, às fl. 63 dos autos.”

Portanto, o Recurso de Agravo de Instrumento restou improvido em uma decisão unânime da Colenda Turma Julgadora.

2713 – Área de preservação permanente – construção – demolição de edificação – inviabilidade

“Ambiental. Construção em área de preservação permanente. Demolição de edificação. Inviabilidade. Área urbana de ocupação histórica. Zona urbana consolidada. Princípio da proporcionalidade. Nulidade do auto de infração lavrado pelo ICMBio. Hipótese na qual a edificação sub judice está localizada em área de preservação permanente (Unidade de Conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambien-tal das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, área de proteção ambiental criada por Decreto do Vice-Presidente da República de 20.09.1997, tratando-se, entrementes, de área urbana de ocupação histórica que remonta,

210 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

pelo menos, à década de 1960, não havendo vegetação no local desde longa data e estando presente toda uma infraestrutura no Distrito, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável. A revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Pla-no Diretor ou Zoneamento Urbano específico. À vista da situação consolidada, portanto, a determinação de remoção das estruturas físicas da residência da parte ré para o fim de recuperação da área não se reveste de qualquer possibilidade de sucesso prático e se mostra em descompasso com o princípio da isonomia, podendo, inclusive, ser mais prejudicial ao meio ambiente, com geração de entulho e maior degradação da paisagem cênica da região. Em suma, é reconhecida a nulidade do Auto de Infração expedido pelo Ins-tituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, em razão da sua desproporcionalidade/irrazoabilidade no caso concreto.” (TRF 4ª R. – AC 5000742-66.2016.4.04.7004 – 3ª T. – Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira – J. 21.02.2017)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator destacamos os presentes julgados:

“[...]

Colaciono precedentes desta Corte sobre a matéria em foco:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EDIFICAÇÃO – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANEN-TE – DEMOLIÇÃO – INVIABILIDADE – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – DANO E DESEQUI-LÍBRIO ECOLÓGICO NÃO CONSTATADOS

1. Não há como acolher a pretensão autoral quando o conjunto probatório não evidencia a relação de causalidade entre eventuais alterações ambientais em Área de Preservação Permanente (não com-provadas faticamente) e a edificação, pelos requeridos, de uma única unidade imobiliária em região urbanizada há anos, na forma reconhecida por autoridades municipais (Prefeitura Municipal de Alto Paraíso/PR).

2. O princípio da proporcionalidade orienta o rechaço da pretensão de desocupação e destruição de moradia fixada há tempos no entorno do Parque Nacional de Ilha Grande, notadamente porque inexistente comprovação de efetivo dano ambiental decorrente da presença da casa e dos moradores na localidade.

3. Apelações improvidas. (AC 5000199-39.2011.404.7004/PR, 3ª T., Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, Julgado em 28.04.2015)

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EDIFICAÇÃO – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANEN-TE – DEMOLIÇÃO – INVIABILIDADE – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – DANO AMBIENTAL NÃO DEMONSTRADO – PREQUESTIONAMENTO

1. Não há como acolher a pretensão autoral quando o conjunto probatório não evidencia a relação de causalidade entre eventuais alterações ambientais em Área de Preservação Permanente (não com-provadas faticamente) e a edificação, pelos requeridos, de uma única unidade imobiliária em região urbanizada há anos, na forma reconhecida por autoridades municipais (Prefeitura Municipal de Alto Paraíso/PR).

2. O princípio da proporcionalidade orienta o rechaço da pretensão de desocupação e destruição de moradia fixada há tempos no entorno do Parque Nacional de Ilha Grande, notadamente porque inexistente comprovação de efetivo dano ambiental decorrente da presença da casa e dos moradores na localidade.

3. Dá-se por prequestionada a legislação invocada, razão pela qual dá-se parcial provimento às apelações. (AC 5005389-46.2012.404.7004/PR, 3ª T., Rel. Juiz Federal Nicolau Konkel Júnior, Julgado em 25.03.2015)

DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – ÁREA URBANA CONSOLIDADA

1. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva (art. 225, § 3º, da Constituição Federal e art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), de sorte que a imposição do dever de reparar não depende da caracterização de dolo ou culpa.

2. Não obstante, há que se considerar que o Distrito de Porto Figueira, onde se encontra a construção da parte ré, diz respeito à área urbana de ocupação histórica que remonta, pelo menos, à década de 1960.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������211

3. Depoimentos tomados em processos similares em torno da mesma área, confirmam a existência histórica de Porto Figueira como área urbana consolidada e centro turístico, confirmando, também, que não havia vegetação no local desde longa data; que há toda uma infraestrutura no referido Dis-trito, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica, água potável, coleta de lixo etc.

4. A revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Plano Diretor ou Zoneamento Urbano específico.

5. A ocupação da área do Porto Figueira ocorre, pelo menos, desde a década de 1960, tempo em que se estruturou como área urbana, perdendo toda a característica de floresta natural. Aliás, essa situação se repetiu em centenas de municípios localizados à beira de cursos d’água, com a conivência e estímulo do Poder Público de todas as esferas.

6. Tendo em vista tratar-se de área de ocupação histórica, há muito urbanizada, é certo que a retirada de uma edificação isolada não surtirá efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adja-cências do local encontram-se edificadas.

7. Dessa forma, sendo inviável a recuperação da área degradada em face de situação consolidada, a afirmação da isonomia não permite a exclusão da hipótese de regularização.

8. O comando normativo deste julgado não exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pe-los órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, cabendo destacar, por fim, que inexiste direito adquirido à degradação ambiental. (AC 5005362-63.2012.404.7004/PR, 3ª T., Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler, Julgado em 25.03.2015)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MEIO AMBIENTE – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMA-NENTE – DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO – INVIABILIDADE – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – ZONA URBANA CONSOLIDADA

Devem ser mitigadas as restrições de construção em Áreas de Preservação Permanente, mormente nas hipóteses de zonas urbanas consolidadas e antropizadas, tendo sido constatado que a total re-cuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas em área de ocupação histórica, sendo certo que a retirada de uma edificação isoladamente, em atenção ao princípio da proporcionalidade, não surtiria efeitos significan-tes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local encontram-se edificadas. (TRF 4ª R., Apelação Cível nº 5005374-77.2012.404.7004, 3ª T., Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por unanimidade, juntado aos autos em 17.08.2015)

2714 – Ação ordinária – arras e comissão de corretagem – devolução

“Agravo interno no agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação ordinária. Pretensão à devolução de arras e co-missão de corretagem. Decisão monocrática que negou provimento ao reclamo, mantida a inadmissão do recurso especial. Insurgência dos réus. 1. Razões do agravo interno que não impugnaram especificamente os fundamentos invocados na decisão monocrática que negou seguimento ao recurso especial. Em cum-primento ao princípio da dialeticidade, deve o agravante demonstrar, de modo fundamentado, o desacerto de cada fundamentos da decisão agravada nos termos do art. 1021, § 1º do NCPC. Incidência do óbice Enunciado na Súmula nº 182 do STJ: ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC[1973] que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’. 2. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag--REsp 794.502 – (2015/0254119-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 08.05.2017 – p. 1411)

2715 – Ação pauliana – dilapidação de patrimônio para fraudar crédito – cerceamento de defesa – não caracterização

“Apelação cível. Código de Processo Civil de 1973 aplicável ao feito. Ação pauliana. Dilapidação de patrimônio para fraudar crédito. Não caracterização de cerceamento de defesa. Comprovação de anterio-ridade de crédito. Insolvência da devedora. Consilium fraudis. Presença dos requisitos autorizadores para propositura da demanda. Alteração da verdade dos fatos. Condenação de ofício da apelada Lamisserra em litigância de má-fé. Multa de 1% do valor da causa. Inversão da sucumbência. Sentença reformada. Re-curso provido. A propositura da ação pauliana enseja a presença dos seguintes requisitos: ‘a) existência de um crédito quirografário, por parte do impugnante; b) insolvência, por parte do devedor; c) anterioridade do crédito ao ato fraudulento’ (LIMA, Alvino. A fraude no direito civil. p. 244 apud THEODORO JÚNIOR,

212 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Humberto. Fraude contra credores, p. 135).” (TJPR – AC 1531023-7 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Prestes Mattar – DJe 19.07.2017 – p. 162)

2716 – Ação pauliana – negócio jurídico anulado – fraude contra credores – requisitos

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação pauliana. Negócio jurídico anulado. Fraude contra credores. Requisitos comprovados. Revisão de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula nº 7 desta Corte. Agravo desprovido. 1. O eg. Tribunal de origem, à luz dos princípios da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado, bem como mediante análise soberana do contexto fático-probatório dos autos, concluiu pela presença de todos os requisitos para reconhecer a fraude contra credores: anterio-ridade, eventus damni e o consilium fraudis, reconhecendo como explícita a intenção de fraudar negócio jurídico celebrado entre pai e filha. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido de-mandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso espe-cial, a teor do que dispõe a Súmula nº 7 deste Pretório. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 896.248 – (2016/0086466-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.06.2017 – p. 1822)

2717 – Ação pauliana – preexistência da dívida – alienação de quota-parte de imóvel para irmã do devedor – inexistência de bens penhoráveis

“Apelação cível. Ação pauliana. Preexistência da dívida. Alienação de quota-parte de imóvel para irmã do devedor. Inexistência de bens penhoráveis. Diversas execuções ajuizadas em face do devedor. Alienação em fraude contra credores. Anulação. I – Para configuração da fraude contra credores, a dívida deve ser anterior ao ato de alienação capaz de levar o devedor ao estado de insolvência, e necessário o consilium fraudis (conluio fraudulento). II – Considerando que, no caso, a dívida já existia ao tempo da alienação de quota-parte de imóvel pelo devedor à sua irmã, e esta, em razão do parentesco, conhecia sua situação de insolvência, pois ausentes outros bens passíveis de penhora e ajuizadas várias execuções em seu des-favor, imperioso o reconhecimento da fraude contra credores e a anulação da compra e venda.” (TJMG – AC 1.0080.15.002782-1/001 – 18ª C.Cív. – Rel. João Cancio – DJe 10.07.2017)

2718 – Ação rescisória – ação demolitória – venda ad corpus e ad mensuram – relação entre vendedor e comprador

“Ação rescisória. Ação demolitória. Venda ad corpus e ad mensuram. Relação entre vendedor e compra-dor. Matéria estranha ao direito de vizinhança. Violação à norma jurídica. Não restando caracterizada a situação prevista pelo art. 966, V, do CPC, deve ser julgada improcedente a ação rescisória, notadamente quando a venda ad corpus não justifica a invasão no lote de vizinho, significando tão somente que na ven-da de determinado imóvel o preço não foi fixado tendo em conta a sua extensão, mas sim por corpo certo. Ação rescisória julgada improcedente.” (TJGO – AR 201692382438 – 2ª S.Cív. – Rel. Sergio Mendonca de Araujo – DJe 27.06.2017 – p. 24)

2719 – Arresto de imóvel – empresa em situação pré-falimentar – possibilidade

“Agravo de instrumento. Civil e processo civil. Arresto de imóvel. Empresa em situação pré-falimentar. Possibilidade. Recurso improvido. 1. Em consulta ao andamento processual do processo de recuperação judicial da empresa no sítio eletrônico deste Tribunal, consta que o pedido de recuperação foi indeferido, inclusive com o julgamento definitivo dos embargos de declaração opostos em face da referida decisão, com a interposição inclusive do recurso de apelação a este Sodalício por parte do ora agravante. 2. Resta patente que a empresa encontra-se em estado pré-falimentar, como bem asseverou o juízo a quo, persis-tindo o risco de lesão grave ao pretenso direito de reparação dos agravados, que deverá ser aferido no bojo da ação em curso no 1º Grau. 3. Eventual alegação de fraude a credores poderá ser aferida pela via da Ação Pauliana ou Revocatória, que é o instrumento processual apto a atacar suposta fraude representada por defeito do negócio jurídico que importa em alienação ou oneração patrimonial de quem está em con-dições de insolvência. 4. Recurso improvido.” (TJES – AI 0001327-16.2017.8.08.0024 – Rel. Des. Manoel Alves Rabelo – DJe 07.07.2017)

2720 – Cédula rural – débitos anteriores – desvio de finalidade – não ocorrência

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Embargos à execução. Cédula de produto rural emitida para quitar débitos anteriores. Desvio de finalidade. Não ocorrência. 1. A jurisprudência do STJ firmou o enten-dimento no sentido de que a emissão de cédula de crédito rural para quitar débitos anteriores do emitente

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������213

não nulifica a cártula como título executivo, não havendo que se falar em desvio de finalidade. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 946.792 – (2016/0175792-2) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 950)

2721 – Comissão de corretagem – ação condenatória – compra e venda de imóvel – embargos de declaração no agravo interno no recurso especial

“Ação condenatória. Comissão de corretagem em compra e venda de imóvel. Acórdão deste órgão fracio-nário negando provimento ao reclamo, mantida a deliberação unipessoal que negou provimento ao apelo nobre insurgência da demandada. 1. Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração são cabíveis apenas para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; ou corrigir erro material. 2. Na hipótese dos autos, o acórdão proferido por este órgão fracionário encontra-se devida e suficiente-mente fundamentado, tendo enfrentado todos os pontos aventados pela parte nas razões do agravo regi-mental, apenas decidindo de forma contrária aos interesses da embargante, o que, à evidência, não con-substancia vício passível de correção por meio de embargos de declaração, mas sim pretensão meramente infringente. 3. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-REsp 1.554.355 – (2015/0216330-1) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 22.06.2017 – p. 2197)

2722 – Comissão de corretagem – permuta de propriedades rurais com torna – dação de imóveis como parte do pagamento – cobrança

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Permuta de propriedades rurais com torna. Dação de imó-veis como parte do pagamento. Comissão de corretagem. Cobrança. Ônus da prova. Testemunhas. Ale-gação de suspeição. Súmula nº 7/STJ. Prequestionamento. Ausência. Agravo interno desprovido. 1. Para chegar-se ao objetivo almejado pelo agravante. Alcançar a condenação dos agravados ao pagamento da comissão que supõe lhe ser devida por força da celebração de contrato de corretagem que teve por objeto a mediação de permuta de imóveis rurais com torna em dinheiro –, seria necessário o revolvimento do ma-terial fático-probatório carreado aos autos, operação vedada nesta instância a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 2. Tendo a eg. Corte local concluído que as testemunhas não são suspeitas por não possuírem interesse direto no resultado da demanda, não tendo tecido nenhuma consideração acerca de eventual inimizade entre as partes, torna-se inviável reexaminar essa fundamentação pelo óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Ausência de prequestionamento dos arts. 533, I, e 884 do Código Civil de 2002, pois não serviram de fundamento à conclusão adotada pela eg. Corte local. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.059.895 – (2017/0039314-8) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.06.2017 – p. 1830)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo interno interposto contra a decisão pela qual se conheceu do agravo para negar-se provimento ao seu recurso especial, por incidência da Súmula nº 7/STJ e por ausência de prequestio-namento dos arts. 533, I, e 884 do Código Civil de 2002.

Sustentou o agravante, primeiramente, a não incidência da Súmula nº 7/STJ quanto à constatação de ofensa ao art. 333, I, do CPC/1973, aduzindo “a incorreta valoração das provas que resultou do fato de se ter entendido que o agravante não comprovou as situações que lastreiam a pretensão deduzida na inicial”.

Neste ponto, ressaltando inexistirem dúvidas quanto à existência do contrato de mediação celebrado entre as partes, sustentam as razões recursais o seguinte, verbis:

“Nisso reside a incorreta valoração da prova que produziu o agravante. Era seu encargo, apenas, demonstrar ter celebrado contrato de intermediação com os agravados, o alcance do resultado útil e o inadimplemento do preço, o que foi feito. Com isso, teria o órgão julgador plenas condições de atender o pedido de arbitramento. Aliás, é patente a incoerência que está a contaminar a premissa na qual se assenta a decisão recorrida.”

Alegou o agravante, também, a não incidência da Súmula nº 7/STJ quanto à constatação de ofensa ao art. 405, § 3º, III, do CPC/1973 e ao art. 228, IV, do Código Civil de 2002, relativamente à questão de a prova testemunhal estar eivada de suspeição, aduzindo, no ponto, que “o acórdão atacado pelo especial reconhece que as testemunhas dos agravados litigam com o agravante em outros autos de processo, o que permite, da mera análise daquela decisão, constatar as suas condições de suspeitos”.

Alegou, ainda, a não incidência da Súmula nº 7/STJ quanto à constatação de ofensa aos arts. 724 e 725 do Código Civil de 2002, defendendo que:

214 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

“Assim, porque contratantes da corretagem, os agravados devem comissão ao agravante. Até porque não há qualquer controvérsia quanto ao aperfeiçoamento útil do negócio celebrado entre os agravados e a família Nametalla Rezek, mediado pelo agravante. Logo, os recorridos são obrigados a pagar comissão pelo contrato celebrado com o recorrente (CC, art. 725).

Concorda-se que a mediação do agravante concorreu para a consecução de negócio imobiliário único e complexo, envolvendo o pagamento em dinheiro e troca de imóveis rurais. Contudo, a cobrança da comissão levada a efeito contra os agravados versa sobre a parte a que estão obrigados a pagar, por também terem sido beneficiados pelo trabalho de corretagem do recorrente.

No mais, não é justo que, em tendo sido contratado tanto pela família Nametalla Rezek quanto pelos agravados, e executado o trabalho para ambos, seja remunerado apenas pelos primeiros, sobretudo porque o montante dos seus honorários pactuados com aquela Agropecuária Nametalla Rezek Ltda., repita-se, não foi apurado levando-se em conta o valor total do negócio, mas, apenas, a diferença entre os imóveis trocados.”

Por fim, reeditando argumentações expendidas quando da interposição do recurso especial, defende a ocorrência do prequestionamento implícito dos arts. 533, I, e 884 do Código Civil de 2002.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

O ilustre Jurista Denis Donoso assim assevera sobre a remuneração do corretor:

“De acordo com o art. 724 do Código Civil, ‘a remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais’. É dizer, pois, que a remuneração do corretor será arbitrada conforme os usos e costumes sempre que não for fixada em lei ou não prevista no contrato, valendo relembrar que este pode ser verbal.

Nas corretagens imobiliárias, por exemplo, a tabela do Creci fixa a remuneração em 6% (seis por cen-to) sobre o valor do contrato principal, sendo este o parâmetro utilizado pela jurisprudência quando a fixação da verba for judicial.

Assim:

‘Mediação. Comissão de corretagem. Cobrança. Fixação em 6%. Tabela Creci 2ª Região. Aplicabili-dade. Os negócios imobiliários possuem características próprias colimando propiciar ao mediador da transação negocial, direito ao recebimento da comissão, via de regra, estimada em 6% conforme ta-bela homologada pelo Creci 2ª Região em 17.10.1996, como remuneração por seu trabalho.’ (TJSP, Apelação sem Revisão nº 642.667-00/7, 2º TACív., Rel. Des. Américo Angélico, J. 04.02.2003; JTA-Lex 199/487)

Nada impede, a nosso ver, que a remuneração seja combinada com base no chamado over pri-ce, isto é, o valor que exceder o pretendido pelo vendedor. Assim, se o vendedor quer o preço de R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela coisa e o corretor conseguir realizar sua venda por R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), a comissão será de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Sendo o direito em questão disponível, basta que haja previsão expressa neste sentido no contrato celebrado entre as partes.” (Aspectos relevantes sobre o contrato de corretagem no Código Civil de 2002. Re-vista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 51, jan./fev. 2008)

2723 – Compra e venda de imóvel – financiamento junto à construtora – notas promissórias – cessão de títulos

“Agravo interno. Embargos de declaração. Recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel. Fi-nanciamento junto à construtora. Notas promissórias. Cessão de títulos ao Banco Banestado. Construtora inadimplente perante outra instituição financeira. 1. Regular prestação jurisdicional configurada, pois as matérias suscitadas foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas, ficando mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão. 2. Inviabilidade de análise de cláusulas contratuais e de incursão na seara fático-probatória para reconhecer a boa-fé alegada, a teor das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 3. As exceções pessoais originariamente oponíveis pelos compradores/devedores ao vendedor passam a ser oponíveis ao endossatário do título de crédito vinculado a contrato de compra e venda de imóvel. Precedentes. 4. Inviabilidade conhecimento do dissídio pretoriano apontado, diante da falta de particularização do dispositivo de lei federal objeto da di-vergência e da ausência de sua demonstração analítica. 5. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-EDcl--Ag-REsp 651.125 – (2015/0008584-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.06.2017 – p. 1094)

2724 – Compromisso de compra e venda – ação de cobrança – ausência de violação

“Agravo interno no agravo em recurso especial. ação de cobrança. Contrato de compromisso de compra e venda. Ausência de violação do art. 1.022 do CPC/2015. Valor residual. Abusividade de cláusulas contra-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������215

tuais. Reexame de cláusulas e prova. Impossibilidade. Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. Agravo improvido. 1. Não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, porquanto o Tribunal de origem decidiu a matéria de forma funda-mentada. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando tiver encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos e a análise das cláusulas contratuais pactuadas entre as partes, providência vedada em recurso es-pecial, conforme o óbice previsto nos Enunciados sumulares nºs 5 e 7 deste Tribunal Superior. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.045.136 – (2017/0012967-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 16.06.2017 – p. 1045)

2725 – Dano moral – imóvel – atraso na entrega – lucros cessantes – demonstração de prejuízo – des-necessidade

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Recurso manejado sob a égide do NCPC. Imóvel. Atraso na entrega. Lucros cessantes. Demonstração de prejuízo. Desnecessidade. Súmula nº 83 do STJ. Precedentes. Ação de indenização por danos morais. Quantum indenizatório. Peculiaridades do caso concreto. Revisão. Pretensão recursal que envolve o reexame de provas. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Recurso manifestamente inadmissível. Incidência da multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC. Agravo interno não provido. 1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A teor da jurisprudência firmada nesta Corte, o descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto de compromisso de compra e venda viabiliza a condenação por lucros cessantes, havendo presunção de prejuízo do promitente comprador. Precedentes. 3. Verificadas as peculiaridades do caso concreto, a alteração das conclusões do acórdão recorrido exige reapreciação do acervo fático-probatório da demanda, o que faz incidir o óbice da Súmula nº 7 do STJ. 4. Em razão da improcedência do presente recurso, e da anterior advertência em relação à incidência do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da res-pectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 5. Agravo interno não provido, com imposição de multa.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.017.163 – (2016/0301152-7) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.06.2017 – p. 2536)

Transcrição Editorial SÍNTESESúmula nº 83 do Superior Tribunal de Justiça:

“Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

2726 – Desapropriação – Incra – regularidade do domínio do imóvel

“Processual civil. Reclamação. Regularidade do domínio do imóvel. Desapropriação. Incra. Não está ha-vendo desobediência a decisão do STJ. Reclamação improcedente. 1. Cuida-se de Reclamação ajuizada por Agropecuária Enea Ltda. contra ato do juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cuiabá/MT que, nos autos da Ação Desapropriatória por Interesse Social nº 0005219-98.1997.4.01.3600, deferiu o ingresso do terceiro interessado Flavio Turquino, entendendo oportuno o esclarecimento, pelo perito judicial, das dúvidas suscitadas quanto ao domínio do imóvel expropriado. 2. Sustenta a reclamante que há desobediência à autoridade da decisão do STJ. 3. Esclareça-se que a correta identificação da área ex-propriada atende ao interesse público, pois o Incra não pode ser compelido a indenizar área maior que a efetivamente expropriada ou pagar a quem não seja seu legítimo titular. 4. Não se identificou que o juízo reclamado tenha inobservado o entendimento firmado no REsp 878.939/MT, pois esse julgamento se limitou a examinar a ‘idoneidade do laudo pericial produzido, ou seja, sua validade como elemento de convicção adotado pelo julgador’, não tendo se debruçado sobre a específica controvérsia quanto aos limites da perícia judicial. 5. É nesse contexto, portanto, que o acórdão determinou a realização de nova perícia para a ‘adequada avaliação do imóvel, observados os critérios aqui fixados e a situação fática registrada laudo anterior (descrição do imóvel, benfeitorias e a cobertura florística apuradas), caso tenha havido alteração com o passar dos anos’. 6. No mais, a autoridade reclamada esclareceu: ‘Ocorre que, no tramitar do feito, este Juízo (fl. 2.116) deferiu o ingresso de Flávio Turquino, na qualidade de terceiro

216 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

interessado, em face da apresentação de documentação que deixa dúvidas acerca da legalidade domínio do imóvel expropriado, situação que, como bem sustentado pelo i. Ministro Relator é de fundamental importância para se averiguar a legitimidade daquele que irá proceder ao levantamento da provável in-denização do imóvel expropriado. Como os autos retornaram à fase instrutória, nada mais adequado que aferir-se na prova pericial a dúvida acerca da regularidade domínio. Descabe, sob este aspecto, alegação de prescrição administrativa (preclusão) quanto à argumentação do tema, haja vista tratar-se de matéria de ordem pública que pode implicar nulidade de decisão futura’ (fl. 1208, grifo acrescentado). 7. Como bem destacado pelo Parquet Federal, ‘há a necessidade, diante da documentação apresentada, de se averiguar a regularidade domínio do imóvel até mesmo para o fim de ser levantado o valor correto da indenização devida’ (fl. 1243, grifo acrescentado). 8. Assim, verifica-se que não está havendo desobediência à decisão do STJ, sendo a Reclamação improcedente.” (STJ – RCL 15.167 – (2013/0377361-0) – 1ª S. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.06.2017 – p. 1110)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de Reclamação ajuizada contra ato do juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciá-ria de Cuiabá/MT, que, nos autos da Ação Desapropriatória por Interesse Social nº 0005219-98.1997.4.01.3600, deferiu o ingresso do terceiro interessado Flavio Turquino, entendendo opor-tuno o esclarecimento, pelo perito judicial, das dúvidas suscitadas quanto ao domínio do imóvel expropriado.

Em suas razões, a demandante sustentou que a decisão impugnada exorbitou os limites do julga-mento proferido no REsp 878.939/MT, quando esta Corte Superior provera o recurso interposto pela ora reclamante para anular “o acórdão recorrido e determinar a realização de nova perícia judicial”, observados os critérios fixados naquela decisão da Superior Instância.

Asseverou, pois, que o esclarecimento das dúvidas dominiais suscitadas pelo terceiro interessado desborda dos limites estabelecidos pelo julgamento do REsp 878.939/MT e constitui objeto estranho à Ação de Desapropriação, que se limita à apuração do valor da justa indenização.

Refere que o Sr. em questão é réu em ação criminal em que o Ministério Público Federal investiga organização criminosa voltada à prática de crimes contra o meio ambiente.

Sustentou, ainda, a consumação da prescrição administrativa para discussão proposta pelo terceiro, tendo em vista que o decreto expropriatório foi editado em novembro/1996, há mais de 15 anos.

Por fim, pleiteou a concessão de liminar inaudita altera parte para que a realização da perícia – que está aprazada para o dia 8 p.v. – a) limite-se à avaliação do imóvel expropriado ou b) seja suspensa até o final julgamento da presente Reclamação.

O STJ verificou que não está havendo desobediência à decisão desta Corte, sendo a Reclamação improcedente.

O Relator assim se manifestou:

“Como bem destacado pelo Parquet Federal, ‘há a necessidade, diante da documentação apresen-tada, de se averiguar a regularidade do domínio do imóvel até mesmo para o fim de ser levantado o valor correto da indenização devida’.

Por fim, parece que a insurgência veiculada na presente Reclamação teria sido mais bem solvida em Agravo de Instrumento, não havendo notícia nos autos de que o expropriado tenha se servido desse mecanismo recursal.”

A ilustre Jurista Bruna Fernandes Coelho discorrendo sobre a desapropriação assim elucida:

“O termo desapropriação está intimamente ligado à palavra propriedade. Essa tem garantia cons-titucional, elencada no art. 5º, XXII, da Carta Magna. O inciso mencionado determina que toda propriedade deve exercer sua função social, podendo o Estado intervir, caso essa prerrogativa não seja cumprida.

A intervenção do Estado se dá de duas formas: restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades relativas ao domínio; e a supressiva, que gera transferência da propriedade além das consequências restritivas.

Pode-se conceituar a desapropriação como o procedimento pelo qual o Estado, por ato unilateral, despoja um indivíduo de sua propriedade mediante prévio aviso e justa indenização, que é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, sem que o proprietário tenha prejuízos. Tal valor é estipulado pela Administração Pública e pode ser contestado pelo proprietário, que tão somente a isto pode opor-se. Tal procedimento, fundado no interesse social e para esse fim, é norma-tizado pelo direito público e ressalta a supremacia estatal sobre o proprietário.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������217

O objetivo da desapropriação é a transferência de um bem mediante indenização, contanto que a finalidade do procedimento, no caso concreto, seja satisfazer o interesse social.

De acordo com o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, há dois tipos de desapropriação no direito brasileiro que admitem indenização: a desapropriação urbanística e a desapropriação rural.

A desapropriação de imóvel urbano está fundamentada no art. 182, § 4º, III, da Lei Maior. O legis-lador constituinte conferiu ao município o poder sobre a política de desenvolvimento urbano. Nesse caso, a competência para desapropriar é do município. Entretanto, o Poder Municipal está subordina-do à Lei Federal, ainda gozando do poder de regulamentar acerca da área incluída no plano diretor. Esse é aprovado na Câmara Municipal e é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes. O plano diretor é instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana e, por conta da previsão constitucional, a propriedade atenderá à sua função social a partir do momento em que atender às exigências municipais.

[...]

O procedimento expropriatório engloba duas etapas: a fase declaratória e a fase executória. A primeira etapa, a declaratória, é a etapa na qual o Poder Público manifesta a sua intenção de adquirir compul-soriamente um determinado bem. Apesar de ser um ato de natureza administrativa, tanto o Poder Exe-cutivo como o Poder Legislativo são legítimos para manifestar a intenção. São competentes para tal:

A União;

Os Estados;

Os Municípios e o Distrito Federal;

O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), investido de tal poder pelo Decreto-Lei nº 512, de 21 de março de 1969.

O objetivo de tal declaração é submeter o bem à força expropriatória do Estado. Entretanto, como a simples declaração não transfere a propriedade do futuro bem expropriado ao Estado, o proprietário do bem mantém o direito de ainda gozar, usar e dispor do bem.” (Comentários acerca da desapropriação. Disponível em: http://online.sintese.com)

2727 – Desapropriação indireta – terras indígenas – indenização – arrendamento – impossibilidade

“Agravo de instrumento. Reintegração de posse. Terras indígenas. Conversão. Desapropriação indireta. Indenização. Arrendamento. Impossibilidade. Agravo de instrumento provido. 1. Ausente o pedido inde-nizatório na possessória, diante do princípio da congruência ou adstrição entre o pedido da parte e a tutela jurisdicional a ser concedida, não vislumbro a possibilidade de sua conversão em ação de desapropriação indireta na hipótese, sob pena de ser proferida decisão além dos limites do pedido ou de natureza diversa daquela que foi pedida, a ensejar sua nulidade. 2. A União e a Funai não podem ser compelidas a firmar contrato de arrendamento rural – de natureza particular, dependente de sua vontade –, se nem há elemen-tos para definir, nos autos subjacentes, quais seriam as áreas ‘irregularmente’ ocupadas pelos indígenas e, consequentemente, a quem se pagaria o arrendamento, tornando a decisão de difícil, para não dizer impossível, cumprimento, o que, na prática, poderia dar azo a eventuais pagamentos indevidos, causando prejuízo ao Erário. 3. A determinação de bloqueio orçamentário da União e da Funai, para pagamento do aludido arrendamento rural, por sua vez, encontra óbice nas regras de execução contra a Fazenda Pública. 4. Agravo de instrumento provido.” (TRF 3ª R. – AI 0032376-29.2014.4.03.0000/MS – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 17.02.2017 – p. 162)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de antecipação de tutela recursal, interposto pela União, contra decisão proferida nos autos da ação de reintegração de posse em face da agravante, da Funai – Fundação Nacional do Índio e Edilberto Antonio, a qual tramita perante a 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS (autos nº 0000760-78.2014.403.6000).

Referida decisão agravada converteu a ação possessória em desapropriação indireta do usufruto, man-tendo os indígenas na posse da gleba litigiosa, observando às partes que a indenização da terra nua e das benfeitorias depende de manifestação dos nus-proprietários; converteu a liminar de reintegração na posse em obrigação da União e da Funai de pagar à autora, na condição de usufrutuária, a título de indenização pelo apossamento definitivo, a renda mensal prevista no contrato de arrendamento, na ordem de R$ 831,30, sujeita ao reajustamento também previsto naquele instrumento, sendo o termo inicial da obrigação a data do apossamento pelos silvícolas – 09.10.2013 – enquanto que o termo final coincidirá com o pagamento do preço total do imóvel aos nus-proprietários, a título de de-sapropriação, ou a data do ato da autoridade competente, declarando o imóvel como terra da União;

218 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

determinou que o pagamento das parcelas vencidas e vincendas deve ser feito pelas rés, independen-temente de precatório, no prazo de 10 dias, sob pena de bloqueio de verbas.

O Juiz a quo proferiu a decisão agravada, de conversão da ação em desapropriação indireta com ordem de pagamento de arrendamento pela União.

A União sustenta, em seu recurso, que, não poderia ter havido a conversão da ação de reintegração de posse em ação de desapropriação indireta, uma vez que, não houve qualquer pedido da autora nesse sentido.

Alega ainda que não cabe qualquer indenização aos proprietários de terras em virtude de reconheci-mento da área como terra tradicionalmente indígena e que não é possível o bloqueio ou sequestro de verbas da União, devendo ser observadas as regras para pagamento de precatórios.

Assim votou o Nobre Relator, dando provimento aos pedidos formulados pela União:

“[...] Afirmou o MM. Juiz a quo a fungibilidade dos procedimentos, a fim de afastar a aplicação do princípio dispositivo e permitir também a indenização pela perda definitiva da posse, de forma imediata, afastando a necessidade de precatório, impondo à União a obrigação de pagamento de arrendamento de terras invadidas por indígenas, como compensação pelos danos causados até que a questão da posse seja definitivamente resolvida, sob pena de bloqueio de valores.

Todavia, conforme apontado pelo Ministério Público Federal em sua manifestação de fls. 426/427, apesar da existência de algumas decisões que admitem a conversão da ação de reintegração de posse em desapropriação indireta, na hipótese, não houve pedido dos autores da ação de indenização pela perda da posse ou da propriedade.

Ausente o pedido indenizatório, diante do princípio da congruência ou adstrição entre o pedido da parte e a tutela jurisdicional a ser concedida, não vislumbro a possibilidade da referida conversão na hipótese, sob pena de ser proferida decisão além dos limites do pedido ou de natureza diversa daquela que foi pedida, a ensejar sua nulidade.

Ainda que se tenha primado pela economia processual, mediante aplicação do princípio da fungibi-lidade, o princípio dispositivo há que ser observado, o que implica a reforma da decisão recorrida.

Outrossim, também não há qualquer supedâneo legal para o estabelecimento da obrigação de pa-gamento de valores a título de arrendamento aos proprietários de terras invadidas, ou que vierem a sê-lo, na região em questão, enquanto não efetivada a demarcação das terras indígenas. O contrato de arrendamento tem natureza bilateral, e dependeria da anuência dos proprietários das terras ocupadas pelos índios, o que não se evidenciou na hipótese dos autos. Da mesma forma que a União ou a Funai também não podem ser compelidas a firmar contrato de arrendamento rural – de natureza particular, dependente de sua vontade, o que, na prática, poderia dar azo a eventuais pagamentos indevidos, causando prejuízo ao Erário.

A determinação de bloqueio orçamentário da União, para pagamento do aludido arrendamento rural, por sua vez, encontra óbice nas regras de execução contra a Fazenda Pública, que deve se nortear pelo art. 100 da Constituição Federal, que instituiu o sistema de liquidação de débitos pela expedição de precatórios (ou, dependendo do caso, pela Requisição de Pequeno Valor – RPV), restando vedada a penhora de seus bens sob qualquer hipótese, bem como afronta os princípios orçamentários estam-pados no art. 167, incs. I e VIII da Lei Maior.

Neste diapasão, escólio de Leonardo José Carneiro da Cunha: ‘Assim, todas as execuções de créditos pecuniários propostos em face da Fazenda Pública – independentemente da natureza do crédito ou de quem se figure como exequente – devem submeter-se ao procedimento próprio do precatório, atendendo-se às regras inscritas nos arts. 730 e 731 do CPC e, igualmente, ao comando hospedado no art. 100 da Constituição Federal’ (in A fazenda pública em juízo, Dialética, 5. ed., p. 245).

Diante de todo o exposto, dou provimento ao agravo, para reformar integralmente a decisão recorrida, afastando a possibilidade de conversão da possessória em desapropriação indireta e imposição de pagamento de arrendamento aos proprietários das terras ainda não demarcadas e ocupadas por indígenas de forma irregular, bem como a determinação de bloqueio orçamentário da agravante. [...]”

2728 – Despejo – contrato de locação – denuncia vazia

“Agravo interno no agravo (art. 544 do CPC/73). Ação de despejo. Contrato de locação. Denúncia vazia. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo. Insurgência da demandada. 1. A convicção forma-da pelo Tribunal a quo acerca da preclusão da matéria atinente à nulidade da notificação e da não sujeição do contrato aos ditames da Lei nº 8.425/1991 decorreu dos elementos existentes nos autos. Para infirmar a conclusão a que chegou o Tribunal de origem acerca da existência de preclusão, por ter tal matéria sido tratada em recurso anteriormente interposto, seria necessário reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, soberanamente delineados pelas instâncias ordinárias, o que é defeso nesta fase recursal a teor

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������219

da Súmula nº 7 do STJ. 2. A análise de eventual ofensa aos arts. 130 e 333 do CPC/1973, tal como posta a questão nas razões do apelo extremo, exigiria reexame de matéria fático-probatória, providência vedada nesta sede a teor do óbice previsto na Súmula nº 7 desta Corte. 3. A incidência do referido óbice sumular impede o exame de dissídio jurisprudencial, porquanto falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 540.726 – (2014/0160167-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 22.06.2017 – p. 2153)

2729 – Despejo – honorários advocatícios – compensação

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Ação de despejo. Compensação de honorários advocatícios. Decisão que obsta recurso especial nos termos do art. 543-C, § 7º, inciso I, do CPC de 1973. Agravo. Não cabimento. Decisão agravada. Fundamentos não combatidos. Enunciado nº 182 da Súmula do STJ. Não provimento. 1. Não cabe o agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 contra decisão que, com base no art. 543-C, § 7º, inciso I, do mesmo Código, nega seguimento a recurso especial. Precedentes. 2. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Enunciado nº 182 da Súmula do STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 774.805 – (2015/0217029-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 08.06.2017 – p. 1092)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão, por meio da qual conheci parcialmente do agravo interno e, nessa parte, neguei provimento.

Sustentaram os agravantes que não existe nenhuma orientação do STJ no sentido de reconhecer a citação de uma empresa na pessoa do ex-sócio quando o sócio atual já era conhecido e possuía nome registrado na junta comercial. Alegaram que os honorários advocatícios arbitrados são irrisórios. Insis-tiram, ainda, na violação do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

O Relator assim asseverou:

“Além disso, quanto às demais questões, observo que a decisão agravada negou provimento ao agravo em recurso sob o óbice da Súmula nº 182/STJ.

Nas razões do agravo interno, no entanto, os agravantes não infirmaram especificamente os funda-mentos da decisão agravada, limitando-se a alegar que os honorários advocatícios arbitrados são irrisórios e que houve violação do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973.

Assim, incide no presente caso o Enunciado nº 182 da Súmula desta Corte: É inviável o agravo do art. 545 do Código de Processo Civil que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.”

Vale trazer as lições de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior:

“As ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, sofreram alterações significativas de modo a torná-las mais dinâmicas e, sobretudo, pacificar-se antigas con-trovérsias jurisprudenciais.

Com efeito, resolveu-se definitivamente a questão da legitimidade passiva para figurar nas ações de despejo. O fiador deveria ser réu na ação de despejo quando sua responsabilidade é apenas pelo pagamento do débito?

Pela nova redação do art. 62, I, da Lei nº 8.245/1991, o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação. Nessa hipótese, citar-se--á o locatário para responder ao pedido de rescisão, e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito.

Assim, o polo passivo contará com o locatário e o fiador. O objeto imediato pretendido nos pedidos é plúrimo: despejo e cobrança. E cada réu responderá pelo objeto mediato que lhe toca (pagamento, no caso do fiador; pagamento e despejo, no caso o locatário).

Por outro lado, o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão do contrato purgando a mora no prazo de 15 (quinze) dias contado de suas citações, desde que promova o pagamento do débito atualizado mediante depósito judicial, incluídos neste valor: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa.

220 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Haja vista que a lei não fez menção sobre o início do prazo para a purgação da mora, entendemos que se aplica a regra dos arts. 214, III, e 191, todos do Código de Processo Civil. Assim, quando houver vários réus (fiador e locatário), o prazo para purgação inicia-se a partir da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido. E se os réus possuírem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos e inclusive purgar a mora.

Eis que o valor a ser depositado corre por conta e risco do locatário ou do fiador, o locador poderá discordar do quantum apurado. Nessa hipótese, o depositante será intimado através de seu advogado para complementar a diferença em 10 (dez) dias.

Não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada (art. 62, IV).

Esse depósito complementar é denominado emenda da mora pela lei. Na sua redação antiga, não se admitia a emenda da mora se o locatário já houvesse utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação.

Agora se arrocharam ainda mais as possibilidades do locatário. A nova redação delimitou que não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação.

Proferida a sentença de procedência do pedido, o juiz determinará a expedição de mandado de des-pejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, com redução para 15 (quinze) dias se: a) entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decorrido mais de quatro meses; ou b) o despejo houver sido decretado com fundamento em mútuo acordo; infração legal ou contratual; falta de pagamento de aluguéis e acessórios; para reparos urgentes determinados pelo Poder Público; ou nas denúncias vazias de contratos ajustados por escrito com prazo superior a 30 (trinta) meses e prorrogados indeterminadamente.

Contudo, nessa última hipótese, e apenas nela (denúncia vazia de contratos com prazo superior a 30 (trinta) meses prorrogado indeterminadamente), será necessária a caução de valor não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução.

Desse modo, tem-se por novidade importante e de destaque pela nova redação da lei: em caso de inadimplência de aluguéis ou acessórios, proferida a sentença de desocupação, essa fixará prazo de 15 dias para desocupação, podendo ser executada provisoriamente independentemente de caução.” (Inovações da lei de locações. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, v. 1, nº 1, São Paulo: IOB, 2011)

2730 – Direito de vizinhança – ação de indenização por danos materiais e morais – legitimidade

“Agravo interno nos embargos de declaração no agravo em recurso especial. Direito de vizinhança. Ação de indenização por danos materiais e morais. 1. Elementos dos autos que comprovam a legitimidade da autora, e a existência de erro de digitação com a conclusão pelo afastamento da prescrição. Inépcia que não foi analisada em primeira instância. Reexame de fatos e provas. Súmula nº 7 desta Corte. 2. Dissídio jurisprudencial prejudicado. 3. Requerimento da parte agravada para aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Improcedência. 4. Agravo improvido. 1. Na hipótese em análise, o Tribunal lo-cal, tomando os elementos de provas dos autos, concluiu pela legitimidade da autora para figurar no polo ativo, pela existência de erro de digitação que afastou a prescrição, bem como que a alegação de inépcia da petição inicial não foi apreciada em primeiro grau. Assim, o acolhimento do inconformismo, segundo as alegações apresentadas pelas insurgentes, demanda revolvimento do acervo fático-probatório dos au-tos, o que é inviável em tema de recurso especial, nos termos do Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 2. Se o Tribunal local concluiu com base no conjunto fático-probatório, impossível se torna o confronto entre o paradigma e o acórdão recorrido, uma vez que a comprovação do alegado dissenso reclama consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento, o que não é possível de ser feito nesta via excepcional, por força da Súmula nº 7 desta Corte. 3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inad-missível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não ocorreu na hipótese examinada. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 955.062 – (2016/0191657-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 18.05.2017 – p. 2460)

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������221

2731 – Direito de vizinhança – ação demarcatória – sobreposição de áreas – prova pericial

“Apelação cível. Direito de vizinhança. Ação demarcatória. Sobreposição de áreas. Prova pericial. Re-gistro público. Antiguidade da cadeia dominial. Recurso desprovido. 1. Na origem, ação demarcatória envolvendo imóveis particulares, localizados na zona urbana de Rio Branco, ambos submetidos a registro imobiliário, cujo mérito fora resolvido pela improcedência dos pedidos autorais, amparada em prova pericial, antiguidade da cadeia dominial e no fato de que fora erguida edificação (casa de carne) em ob-servância da divisa existente entre os imóveis, ‘a evidenciar que respeitava o limite entre as propriedades desconsiderando a área sobreposta, ou a tendo como do réu’. 2. Recurso de apelação que discorre sobre vícios do título imobiliário apresentado pelo apelado e de como tais vícios infirmariam o pretenso direito deste à área em disputa. 3. Segundo a prova pericial, que adotara como metodologia o levantamento topográfico e observara a metragem e confrontações noticiadas nos registros imobiliários respectivos,

há sobreposição de áreas correspondente a 597,57 m2 (quinhentos e noventa e sete metros quadrados e cinquenta e sete decímetros quadrados). 4. Para fins de julgamento da ação demarcatória baseada na divergência entre os registros públicos e o plano da realidade, prestigia-se a cadeia dominial mais antiga. 5. Dessarte, infundados os vícios imputados pela apelante à cadeia dominial do imóvel da apelada, impõe--se sua manutenção como critério definidor da resolução deste litígio, mormente quando o imóvel em questão manteve inalterada sua área e perímetro desde 1972. Ademais, como observado pela sentença, e a despeito da alegação de que uma cerca de madeira separava os imóveis, fizera-se erguer prédio em rigo-rosa observância dos limites dispostos no título apresentado pela apelada. 6. Recurso desprovido.” (TJAC – Ap 0715371-05.2013.8.01.0001 – (4.325) – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Roberto Barros – DJe 19.06.2017 – p. 12)

2732 – Direito de vizinhança – ação de obrigação fazer – placa/letreiro de imóvel comercial – obstru-ção da janela do vizinho

“Processo civil. Direito de vizinhança. Ação de obrigação fazer. Placa/letreiro de imóvel comercial. Obs-trução da janela do vizinho. Aumento da temperatura interna e perda de luminosidade. Redução em suas dimensões. Possibilidade. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. 1. Por se tratar de direito de vizinhança, o art. 1.277 do Código Civil estabelece que: ‘O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o ha-bitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha’. 2. Embora alegue o apelante se tratar de imóvel comercial e que não haja proibição para instalação de placa na fachada do edifício, e ainda, que a motivo das infiltrações no apartamento da apelada não ter sido por causa da afixação da referida placa. Todos esses argumentos não são capazes de afastar o direito da apelada de ter seu imóvel desobstruído com rela-ção à placa instalada na fachada do prédio comercial em que ela reside. 3. Portanto, em que pese referida placa/letreiro não estar instalado na área privativa do imóvel da apelada, esta acabou por invadir espaço da janela do imóvel vizinho, causando-lhe, como já acima esclarecido, perda de luminosidade e elevação da temperatura interna do apartamento. 4. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.” (TJDFT – Proc. 20150110655152APC – (1018718) – 5ª T.Cív. – Rel. Robson Barbosa de Azevedo – J. 29.05.2017)

2733 – Falência – construtora – rescisão do contrato de permuta – nova alienação sem a indenização devida aos antigos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento frustrado – legi-timidade

“Recurso especial. Civil e processual civil. Construção e incorporação imobiliária. Falência da construtora. Rescisão do contrato de permuta do terreno mediante sentença falimentar. Nova alienação sem a indeniza-ção devida aos antigos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento frustrado. Legitimidade. Termo inicial da pretensão indenizatória. Condenação mantida. 1. Polêmica em torno da responsabilidade do proprietário de terreno pelos danos sofridos pelos antigos titulares de promessas de aquisição de unida-des autônomas, que tiveram seus contratos desfeitos pela rescisão mais ampla do contrato de permuta de terreno, decretada pelo juízo da falência, no curso do processo falimentar da incorporadora/construtora, que lhes prometera construir apartamentos antecipadamente pagos. 2. Reconhecimento da legitimidade passiva dos proprietários do terreno para responder pelos danos sofridos pelos antigos adquirentes de uni-dades autônomas, objeto de rescisão contratual, que realizarem nova alienação do imóvel sem a devida indenização, em face do enriquecimento sem causa. Inteligência do art. 40, § 3º, da Lei nº 4.591/1964. 3. O termo inicial da pretensão indenizatória fundamentada no § 3º do art. 40 da Lei de Incorporações ocorre no momento da perfectibilização da nova alienação. 4. No caso de permuta de terreno, quando da entrega dos apartamentos, pois, até esse momento, o antigo adquirente tinha a justa expectativa de ser

222 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

indenizado com a entrega de sua unidade autônoma pela nova construtora, ou pelo antigo proprietário do terreno permutado. 5. Uma das finalidades da incorporação é permitir a venda antecipada de unidades imobiliárias visando a obtenção de recursos para construção e entrega das unidades habitacionais no fu-turo, constituindo um pacto complexo sustentado essencialmente pela confiança e pela boa-fé contratual. 6. Rescindido o contrato de permuta de terreno, onde se realizaria empreendimento imobiliário, pelo juízo falimentar, respondem seus proprietários pela nova alienação do objeto da rescisão, quando não indenizados os antigos adquirentes das unidades autônomas. Inteligência do § 3º do art. 40. 7. A eventual habilitação do adquirente no processo de falência como credor privilegiado não isenta o proprietário do terreno da restrição legal existente sobre o imóvel. 8. A habilitação do crédito do antigo adquirente da uni-dade autônoma no processo falimentar do incorporador não autoriza que o proprietário do terreno aliene o bem objeto da rescisão sem que ocorra o devido pagamento da respectiva indenização. 9. Precedentes jurisprudenciais desta Corte. 10. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.537.012 – (2013/0328121-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 26.06.2017 – p. 1795)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 4.591/1964:

“Art. 40. No caso de rescisão de contrato de alienação do terreno ou de fração ideal, ficarão rescindi-das as cessões ou promessas de cessão de direitos correspondentes à aquisição do terreno.

[...]

§ 3º Na hipótese dos parágrafos anteriores, sob pena de nulidade, não poderá o alienante em cujo favor se operou a resolução voltar a negociar seus direitos sôbre a unidade autônoma, sem a prévia indenização aos titulares, de que trata o § 2º.

[...]”

2734 – Fraude contra credores – necessidade de comprovação do eventus damni e do consilium fraudis – ausência de prova

“Agravo de instrumento. Decisão liminar. Indisponibilidade de imóveis indeferida. Fraude contra credores. Necessidade de comprovação do eventus damni e do consilium fraudis. Ausência de prova da insolvência do devedor e do conhecimento, pelo terceiro, de eventual situação de insolvência do devedor. Recurso desprovido. 1. A fraude contra credores, um vício social dos negócios jurídicos, é caracterizado pelos seguintes elementos: (1) a diminuição ou o esvaziamento do patrimônio do devedor até a sua insolvência (o eventus damni, elemento de índole objetiva) e (2) o intuito malicioso do devedor de causar o dano (o consilium fraudis, elemento de cunho subjetivo), que devem ser comprovados por meio da ação pauliana para que sejam desconstituídos os atos praticados com a mácula de tal vício, mas ‘a simples diminuição do patrimônio do devedor não autoriza por si a revogação do ato, pois o eventus damni só se verifica quando esta diminuição compromete o direito do credor, de maneira tal que o mesmo não possa receber o que lhe é devido’ e há que se demonstrar, ainda, que o terceiro adquirente tinha ciência (ou deveria ter) da má-fé do devedor, sendo, por certo, a hipótese do art. 159 do CC/2002 uma daquelas em que se presume o ânimo fraudulento. 2. In casu, o agravante demonstrou que o agravado responde, como avalista, como codevedor das obrigações contraídas por determinada pessoa jurídica e que o mesmo vendeu (ou seja, firmou um contrato oneroso) um imóvel residencial no valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) e logo em seguida adquiriu outro de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), mas não foi capaz de comprovar, ao menos em cognição sumária, que o devedor foi levado à insolvência por meio de tais contratações (eventus damni) ou que elas se deram com a finalidade de fraudar dívidas existentes ou em vias de se cons-tituir (como é o caso da firmada com o agravante). De outra banda, a ausência de provas de que a segunda agravada – adquirente do imóvel vendido pelo primeiro agravado – seria sua tia, impede, ao menos neste momento processual, a confirmação do parentesco que levaria à presunção de conhecimento, por parte dela, da insolvência do devedor. 4. Ausente a demonstração da probabilidade do direito do agravante de ver anuladas as transações citadas na petição inicial, deve ser mantida a decisão recorrida. 5. Recurso desprovido.” (TJES – AI 0037995-20.2016.8.08.0024 – Rel. Des. Carlos Simões Fonseca – DJe 10.05.2017)

2735 – Imposto de transmissão de bens imóveis – base de cálculo – valor da arrematação – fato gera-dor – registro da transmissão do bem imóvel

“Processual civil e tributário. Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Base de cálculo. Valor da arrematação. Fato gerador. Registro da transmissão do bem imóvel. Sumula nº 83/STJ. 1. O valor da arre-matação é que deve servir de base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Precedentes

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������223

do STJ. 2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da proprie-dade imobiliária, que somente se opera mediante o registro do negócio jurídico no ofício competente. 3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Sumula nº 83/STJ: ‘Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’. 4. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea a do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 02.06.2010. 3. Recurso Especial de que não se conhece.” (STJ – REsp 1.670.521 – (2017/0094317-5) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.06.2017 – p. 1889)

Transcrição EDITORIAL SÍNTESECódigo Tributário Nacional:

“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de ga-rantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.”

2736 – Incorporadora de imóveis – área de preservação permanente – destruição de floresta – sócio--diretor – responsabilidade

“Direito penal. Crimes ambientais da Lei nº 9.605/1998. Destruição de floresta em área de preservação permanente. Incorporadora de imóveis e sócio-diretor. Responsabilidade. Instituição do condomínio. De-soneração. Prescrição. 1. A supressão de floresta típica de área especialmente protegida caracteriza a prática do crime do art. 38 da Lei nº 9.605/1998. 2. Condenação pela prática do delito do art. 38 da Lei nº 9.605, com pena fixada para a pessoa física em 1 (um) ano de detenção, em decisão transitada em julgado para a acusação. 3. Prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, V do CP), lapso temporal este já transcorrido entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, o que leva à declaração de extinção de punibilidade dos acusados, em face da prescrição retroativa. 4. Quanto à repetição da conduta delitiva no mesmo local, após a venda dos lotes e a instituição regular do Condomínio, aos apelados não pode ser atribuída qualquer responsabilidade. Absolvição com supedâneo no art. 386, IV do CPP.” (TRF 4ª R. – ACr 5011604-66.2011.4.04.7200 – 8ª T. – Rel. Leandro Paulsen – J. 28.09.2016)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em for-mação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”

2737 – Locação – ação renovatória – valor do aluguel determinado após perícia

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Civil. Ação renovatória de locação. Valor do aluguel determinado após perícia. Não houve violação ao art. 535 do CPC de 1973. Cerceamento de defesa afastado. Exegese do art. 131 do CPC de 1973. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Decisão mantida. 1. Os vícios a que se refere o art. 535 do CPC de 1973 são aqueles que recaem sobre ponto que deveria ter sido decidido e não o foi, e não sobre os argumentos utilizados pelas partes, sendo certo que não há falar em omissão simplesmente pelo fato de as alegações deduzidas não terem sido acolhidas pelo órgão julgador. Precedentes. 2. O argumento de cerceamento de defesa, pela alegada falta de aprofundamento da prova pericial, não se sustenta, tendo em vista que o acórdão recorrido adotou fundamentação suficiente, deci-dindo integralmente a controvérsia. Com efeito, como destinatário final da prova, cabe ao magistrado, res-peitando os limites adotados pela civilística processual, proceder à exegese necessária à formação do livre convencimento motivado. Exegese do art. 131 do CPC de 1973. Precedentes. 3. Compete às instâncias

224 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

ordinárias exercer juízo acerca dos elementos probatórios acostados aos autos. Rever os fundamentos que levaram o Tribunal de origem à conclusão de que o valor do aluguel está adequado, demandaria nova aná-lise do conjunto probatório, cujo reexame é vedado no âmbito do recurso especial, por encontrar óbice na Súmula nº 7 do STJ. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.031.176 – (2016/0326163-9) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.06.2017 – p. 1970)

2738 – Locação – fiança – execução – imóvel – bem de família do fiador – penhora

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Locação. Fiança. Execução. Imóvel. Bem de família do fiador. Penhora. Possibilidade. Inovação. Impossibilidade. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem enten-dimento firmado no sentido da legitimidade da penhora sobre bem de família pertencente ao fiador de contrato de locação. Precedentes. 2. É inviável a análise de teses alegadas apenas nas razões do agravo interno por se tratar de evidente inovação recursal. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.031.331 – (2016/0326451-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.05.2017 – p. 815)

2739 – Locação – pagamento do débito pelo fiador – sub-rogação – demanda regressiva

“Recurso especial. Contrato de locação. Pagamento do débito pelo fiador. Sub-rogação. Demanda re-gressiva ajuizada contra os locatários inadimplentes. Manutenção dos mesmos elementos da obriga-ção originária, inclusive o prazo prescricional. Arts. 349 e 831 do Código Civil. Prescrição trienal (CC, art. 206, § 3º, I). Ocorrência. Recurso provido. 1. O fiador que paga integralmente o débito objeto de contrato de locação fica sub-rogado nos direitos do credor originário (locador), mantendo-se todos os elementos da obrigação primitiva, inclusive o prazo prescricional. 2. No caso, a dívida foi quitada pela fiadora em 09.12.2002, sendo que, por não ter decorrido mais da metade do prazo prescricional da lei anterior (5 anos – art. 178, § 10, IV, do CC/1916), aplica-se o prazo de 3 (três) anos, previsto no art. 206, § 3º, I, do CC/2002, a teor do art. 2.028 do mesmo diploma legal. Logo, considerando que a ação de execução foi ajuizada somente em 07.08.2007, verifica-se o implemento da prescrição, pois ultrapassado o prazo de 3 (três) anos desde a data da entrada em vigor do Código Civil de 2002 , em 11.01.2003. 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.432.999 – (2013/0368997-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 25.05.2017 – p. 1432)

2740 – Loteamento – ação civil pública – regularização – limitação às obras essenciais – Estatuto da Cidade – dever municipal – observância

“Administrativo. Loteamento. Regularização. Art. 40 da Lei nº 6.766/1979. Estatuto da Cidade. Dever municipal. Limitação às obras essenciais. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Mi-nistério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra o Município de Soledade visando à regularização de loteamento urbano a fim de adequá-lo à legislação nacional, estadual e municipal, com a realização de obras de infraestrutura e a reparação do dano ambiental existente. 2. Em primeiro grau, o pedido foi julgada improcedente. 3. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul deu provimento ao apelo para reconhecer a responsabilidade do Município de Soledade pela regularização do loteamento com as seguintes restrições: ‘regularização quanto a (1) vias de circulação; (2) escoamento de águas pluviais; (3) rede de abastecimento de água potável; (4) rede de energia elétrica, inclusive domiciliar; e (5) esgoto sanitário’. 4. Não é possível afastar peremptoriamente a responsabilidade do Município, devendo esse ser condenado a realizar somente as obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei Lehmann). 5. Existe o poder-dever do Município, mas a sua atuação deve se restringir às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei nº 6.799/1979), em especial à infraestrutura necessária para inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados, não havendo esse dever em relação a parcelas do loteamento irregular ainda não ocupadas, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora. 6. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.594.361 – (2015/0292160-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016 – p. 3981)

Comentário Editorial SÍNTESEExiste o poder – dever do Município em restringir as obras essenciais na implantação de loteamento?

Essa foi a discussão levantada no Recurso Especial, interposto contra acórdão assim ementado:

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������225

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEAMENTO IRREGULAR – OCUPAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – PROVA CARREADA AOS AUTOS – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO

Conforme revela a prova carreada aos autos, o instituidor do parcelamento urbano não realizou as obras de infraestrutura, nem o levou a registro no Oficio imobiliário.

Compete ao Município promover o adequado ordenamento territorial, mediante o controle do uso e parcelamento do solo urbano, por isso, tem o dever de regularizar o loteamento irregular (art. 40 da Lei nº 6.766/1979).

Como parte do local, ocupado irregularmente, se constitui em área de preservação permanente, im-possível a sua regularização, deve o Município ser obrigado a remover os ocupantes.

Dever que se extrai do art. 225 da CF e da Lei nº 6.938/1981.

Limitações e explicitações, estabelecidas pela maioria, quanto ao alcance do comando decisório.

Apelação parcialmente provida.”

O Município de Soledade recorreu da decisão acima relacionada, sob alegação de violação do art. 40 da Lei nº 6.766/1979 argumentando que a responsabilidade pela regularização do loteamento é exclusiva do loteador não podendo o Município ser obrigado a realizá-lo, ainda que exista o dever de fiscalizar tal regularização.

Ao negar provimento ao Recurso Especial, assim manifestou-se o nobre Ministro:

“[...] Prossegui no voto-vista examinando questões mais específicas daquele processo, mas registro que destaquei o entendimento de que o correto seria as instâncias ordinárias apontarem quais as obras a serem realizadas.

Disse, então, ‘pode tratar-se de melhorias necessárias, como ruas e iluminação pública para servir aos loteamentos já ocupados por moradores, hipótese em que caberia ao Município implementá-las. Mas também pode-se estar a referir a vias que atendam lotes ainda não comercializados ou outras obras não essenciais previstas no loteamento aprovado, mas inexistentes no restante da malha urbana, cuja implantação não pode ser imputada ao Poder Público’.

Conclui, dizendo que não é possível afastar peremptoriamente a responsabilidade do Município, de-vendo esse ser condenado a realizar somente as obras essenciais a serem implantadas, em conformi-dade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei Lehmann).

Essa a solução que entendo cabível para o caso concreto. Existe o poder-dever do Município, mas a sua atuação deve se restringir às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei nº 6.799/1979), em especial à infraestrutura neces-sária para a inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados, não havendo esse dever em relação a parcelas do loteamento irregular ainda não ocupadas, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora.

Cumpre ressaltar, nesse ponto, que referido o entendimento foi adotado pela Primeira Seção no julga-mento do REsp 1.164.893/SE, ainda não publicado.

In casu, como se verifica no excerto acima transcrito do acórdão recorrido, o Tribunal a quo adotou o posicionamento supramencionado, pois condenou o ora recorrente a providenciar o que ‘estabelece o § 6º e do art. 2º Lei nº 6.766/1979 a regularização quanto a (1) vias de circulação; (2) escoamento de águas pluviais; (3) rede de abastecimento de água potável; (4) rede de energia elétrica, inclusive domiciliar; e (5) esgoto sanitário’. [...]”

2741 – Loteamento – regularização – obras de infraestrutura – art. 40 da Lei Lehmann – Estatuto da Cidade

“Administrativo. Urbanístico. Loteamento. Regularização. Obras de infraestrutura. Art. 40 da Lei Lehmann. Estatuto da Cidade. Jurisprudência do STJ. Acórdão recorrido. Dever-poder de fiscalização. Fundamento não impugnado. Súmula nº 283/STF. 1. Trata-se de Agravo Regimental de decisão monocrática do e. Mi-nistro Humberto Martins, que deu provimento a Recurso Especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por entender que o art. 40 da Lei nº 6.766/1979 traduz faculdade a ser exercida segundo juízo discricionário do Poder Público municipal. 2. Na origem, o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública contra Alfa Consultoria de Imóveis S/C Ltda., José de Anchieta de Oliveira Lima, Julieta Loureiro de Oliveira Lima, Edson José Galvão Nogueira e o Município de Guaratinguetá, sob o fundamento de que os demandados são responsáveis solidários pela regularização de loteamento clan-destino iniciado no ano de 1986, denominado ‘Granja Patury’, no Bairro Rio Comprido, na zona urbana

226 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

daquela cidade, em área de 103.906,75 m², subdividida em 110 lotes (fl. 11). 3. O Recurso Especial dei-xou de impugnar fundamento autônomo do acórdão recorrido, segundo o qual o Município é responsável solidário, por ter incorrido em omissão no exercício de seu dever-poder de fiscalização administrativa, tendo permitido implantação de loteamento clandestino, em manifesto prejuízo aos adquirentes dos lotes. Por esse motivo, incide o óbice da Súmula nº 283/STF: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’. 4. Agravo Regimental provido para não conhecer do Recurso Especial.” (STJ – AgRg-REsp 1.540.753 – (2015/0119222-2) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 30.06.2017 – p. 1429)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.766/1979:

“Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.

§ 1º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, com os respec-tivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessá-rias para regularizar o loteamento ou desmembramento.

§ 2º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei.

§ 3º No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido.

§ 4º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados.

§ 5º A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3º e 4º desta Lei, ressalvado o disposto no § 1º desse último. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)”

2742 – Loteamento irregular – ação civil pública – falta de estrutura e esgoto – precedentes

“Duplo grau de jurisdição e apelação cível. Ação civil pública. Obrigação de fazer. Loteamento irregular. Falta de infraestrutura de esgoto. Legitimidade ativa do Ministério Público. Reconhecimento. Legitimida-de passiva da empreendedora. Manutenção. Transmissão contratual da responsabilidade pelas obras aos adquirentes. Impossibilidade. Permissão legal superveniente. Sentença mantida. 1. O Ministério Público possui legitimidade para atuar em demandas que objetivem a regularização de loteamento urbano, por se tratar de matéria afeita ao direito urbanístico, do consumidor e do meio ambiente, extrapolando, portanto, os interesses meramente individuais do cidadão. 2. Mesmo na hipótese de já terem sido vendidas unida-des autônomas (lotes) do empreendimento, a empreendedora de loteamento urbano é parte legítima para responder a Ação Civil Pública proposta com objetivo de obter a regularização administrativa de lotea-mento irregular, pois a manutenção do quadro de violação urbanística e/ou ambiental ocasiona, nestes ca-sos, potencial responsabilidade solidária entre os agentes primários e os adquirentes. Precedentes do STJ. 3. Considerando que a norma de regência da matéria exige do empreendedor que dote o loteamento, dentre outras, de infraestrutura de esgotamento sanitário em conformidade com as exigências próprias aplicáveis pelos órgãos públicos fiscalizadores, deve ser mantida sua condenação na obrigação de fazer dessa natureza, principalmente porque na espécie em causa, a legislação permissiva da transferência de tal ônus aos adquirentes somente adveio por meio de modificação legislativa superveniente à constatação do ilícito em causa. Reexame necessário e apelação cível desprovidos.” (TJGO – DGJ 201491531274 – 2ª C.Cív. – Rel. Mauricio Porfirio Rosa – DJe 22.11.2016)

2743 – Loteamento irregular – dano ambiental – imprescritibilidade

“Ação civil pública. Loteamento irregular. Danos ambientais. Imprescritibilidade. 1. Conforme consignado na análise monocrática, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que as infrações ao meio am-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������227

biente são de caráter continuado, motivo pelo qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambien-tais são imprescritíveis. 2. Agravo Interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 928.184 – (2016/0142210-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 01.02.2017)

2744 – Nunciação de obra nova – direito de vizinhança – inexistência de afronta

“Recurso de apelação cível. Nunciação de obra nova. Inexistência de afronta ao direito de vizinhança preconizado nos arts. 1299 e seguintes do código civil. Recurso conhecido e provido. I – A rigor, os arts. 1.299 e seguintes do Código Civil compreendem normas atinentes ao direito de vizinhança, especi-ficamente normas civis que norteiam o empreendimento de construções segundo parâmetros de preserva-ção de intimidade e proteção da propriedade adjacente, evitando que os vizinhos devassem a intimidade uns dos outros, ou mesmo que objetos caiam ou sejam lançados no imóvel lindeiro, sendo que, dentre as proibições sobressai a de abertura de janelas, eirados, terraço ou varanda a menos de um de metro e meio do limite do terreno vizinho. II – Por outro turno, o art. 1.302, parágrafo único, do Código Civil, é preclaro ao consignar que caso haja no imóvel vizinho ‘vãos ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição’ o proprietário do imóvel adjacente poderá, ‘a todo tempo, levantar a sua edificação ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade’. III – Na hipótese, as provas coligidas nos autos não evi-denciam transgressão do Recorrente à qualquer norma de Direito Civil, eis que conforme se depreende da Planta da Construção e Fotografias dispostas nos autos, o mesmo empreendeu as edificações dentro dos limites estabelecidos de sua propriedade, não adentrando na propriedade da Recorrida, bem como não promovendo a abertura de janelas, eirados ou varandas na construção, que possibilite acesso visual ao imóvel da Recorrida, a menos de metro e meio. IV – Em relação ao muro empreendido e que se encontra de frente para as janelas e o fosso de ventilação, o levantamento deste é plenamente possível, ante o disposto no parágrafo único do art. 1.302, do Código Civil, não podendo a Recorrida se insurgir contra a edificação, eis que, na verdade é sua residência que não está edificada a metro e meio da linha divisória. V – Recurso conhecido e provido.” (TJES – Ap 0010429-38.2012.8.08.0024 – Rel. p/o Ac. Subst. Rodrigo Ferreira Miranda – DJe 04.05.2017)

2745 – Nunciação de obra nova – direito de vizinhança – obra em terreno vizinho

“Apelação cível. Direito civil. Nunciação de obra nova. Direito de vizinhança. Obra em terreno vizinho. Dever de promover obras acautelatórias. Responsabilidade objetiva. Dano material e moral. 1. Trata-se de apelação contra decisão que, em nunciação de obra nova, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu a refazer as obras já realizadas quanto às atividades de fundação e estrutura, acautelando os desabamentos iminentes e a pagar indenização a título de danos materiais e morais. 2. O Código Civil, embora não proíba construções contíguas, demonstra, em diversas oportunidades, a necessidade de que a nova construção não cause danos ao prédio vizinho, determinando, inclusive, a realização de obras acau-telatórias, como dever de segurança. Nos autos, o réu não comprova ter realizado obras acautelatórias em relação ao prédio vizinho, conforme preceitua o art. 1.311 do Código Civil. 3. Eventual precariedade do imóvel da autora não desincumbe o réu da obrigação de promover obras preventivas capazes de afastar o comprometimento da segurança do prédio vizinho. Ao contrário, verificada a alegada precariedade, impõe-se ainda maior desvelo, em garantia à sua construção e à do confinante. 4. Não resta dúvida que o direito de construir, como qualquer dos outros poderes do proprietário, está sujeito às cláusulas gerais da função social e do abuso de direito, previstas no Código Civil. O fundamento da responsabilidade, nos casos de direito de vizinhança, não se baseia na culpa, assentando-se efetivamente na responsabili-dade objetiva. 5. Se o ato praticado no imóvel vizinho repercute de modo prejudicial e danoso ao outro, impõe-se o dever de indenizar o dano experimentado, seja ele material ou moral. 6. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20150310216712APC – (1019451) – 2ª T.Cív. – Rel. Sandoval Oliveira – J. 29.05.2017)

2746 – Parcelamento irregular do solo rural – dano ambiental – desmatamento – vegetação nativa – configuração

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Suposta dano ambiental. Desmatamento de vegetação nativa. Área de preservação permanente. Parcelamento irregular do solo rural. Decisão agravada que determinou a indisponibilidade dos bens via Bacen-Jud, Renajud e Infojud. Excesso da medida verificada. Vistorias realizadas pelos órgãos competentes que informam que o suposto dano ambiental seria de baixo impacto. Efetivo prejuízo a ser comprovado após larga instrução probatória. Exclusão de determinadas medidas.

228 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Decisão ultra petita. Não configurada. Decisão em consonâncias com os pedidos insertos na inicial da ação de origem. Cominação de multa. Exigibilidade após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor. Recurso provido em parte. 1. Há fortes elementos de que o agravante foi o responsável pelo corte e supressão de vegetação nativa, em uma área rural denominada ‘Fazenda Tracomal’, em Santa Teresa/ES, sem o devido licenciamento ambiental, segundo se infere do Boletim de Ocorrência (fls. 218/221-v), bem como do Laudo de Fiscalização emitido pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo – Idaf, acostado às fls. 228-v/229-v. 2. Todavia, malgrado se verifica a ocorrência de cortes e supressão de vegetação nativa, bem como intervenções realizadas através da movimentação de solo na área de proprie-dade do ora Agravante, sem o devido licenciamento ambiental, vislumbra-se, a princípio, de acordo com as vistorias já realizadas na localidade pelos órgãos competentes, que os supostos danos ambientais ocor-ridos foram de baixo impacto. 3. Considerando que o efetivo prejuízo ao meio ambiente deverá ser objeto de ampla instrução probatória na demanda de origem e verificado o excesso na indisponibilidade dos bens determinada pela decisão agravada, é de rigor a redução das medidas. 4. No que tange à quebra de sigilo fiscal, a medida é extrema e excepcional, devendo ser comprovada a sua necessidade para o deferimento da diligência. Na espécie, não restou demonstrado a urgência para o deferimento da medida, ademais, os dados lançados pelo Fisco são perenes e estarão disponíveis para investigações futuras, caso necessário. 5. Não há que se falar em decisão ultra petita, porquanto as medidas determinadas pelo provimento judi-cial atacado estão em consonância com os pedidos insertos na inicial da ação de civil pública originária. 6. A multa fixada liminarmente somente se torna exigível a partir do trânsito em julgado da decisão favo-rável ao autor, contudo sua incidência se dá desde o momento em que a ordem judicial é descumprida, a teor do que estabelece o § 2º do art. 12 da Lei nº 7.347/1985. 7. Recurso parcialmente provido.” (TJES – AI 0000243-51.2016.8.08.0044 – Rel. Des. Manoel Alves Rabelo – DJe 20.02.2017)

2747 – Penhora – imóvel em nome de terceiro – inviabilidade

“Civil e processual civil. Violação do art. 535 do CPC/1973. Deficiência na fundamentação. Súmula nº 284/STF. Embargos de terceiro. Penhora. Imóvel em nome de terceiro. Inviabilidade. 1. O Tribunal de origem verificou que a escritura definitiva de compra e venda é anterior à decisão de indisponibilidade do bem proferida em Ação Civil Pública. 2. ‘É admissível a oposição de Embargos de Terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que desprovido regis-tro’ (Súmula nº 84/STJ). 3. O STJ já teve a oportunidade de consolidar jurisprudência no sentido de que, mesmo que não houvesse registro do imóvel em nome de terceiro, a mera celebração de compromisso de compra e venda já constituiria meio hábil a impossibilitar a constrição do bem imóvel (AgRg-AREsp 449.622/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 11.03.2014, DJe 18.03.2014). 4. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.640.698 – (2016/0064188-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.06.2017 – p. 1527)

2748 – Promessa de compra e venda – atraso injustificado na entrega de imóvel – responsabilidade da vendedora – cumulação de danos morais com lucros cessantes – possibilidade

“Agravo interno no recurso especial. Promessa de compra e venda. Atraso injustificado na entrega de imóvel. Ausência de afronta ao art. 1.022 do CPC/2015. Responsabilidade da vendedora. Cumulação de danos morais com lucros cessantes. Possibilidade. Precedentes. Sumula nº 83/STJ. Revisão do julgado. Impossibilidade. Necessidade de análise de cláusula contratual e reexame fático-probatório dos autos. Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. Ausência de indicação de dispositivo de lei federal objeto de interpretação diver-gente. Requisito necessário mesmo em relação à interposição do apelo nobre pela alínea c do permissivo constitucional. Fundamentação deficiente. Incidência da Súmula nº 284/STF. 1. Violação ao art. 1.022 do CPC/2015 não configurada. 2. A revisão das conclusões a que chegou o colegiado estadual – de ser devida a indenização por dano moral por descumprimento contratual, de acordo com as peculiaridades do caso concreto – reclama a interpretação de cláusulas contratuais e a incursão no contexto fático-probatório dos autos, providência inviável no âmbito do recurso especial, ante o teor do óbice inserto nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 3. A incidência da Súmula nº 7/STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na me-dida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução à causa a Corte de origem. 4. A interposição do recurso especial com fundamento na alínea c não dispensa a indicação do dispositivo de lei federal ao qual o Tribunal de origem tenha dado interpretação divergente daquela firmada por outros tribunais. O não cumprimento de tal requisito, como no caso, importa deficiência de fundamentação.

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������229

Incidência da Súmula nº 284/STF. 5. A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que, descum-prido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível o pagamento de indenização por lucros cessantes. Decisão estadual em consonância com o entendimento desta Corte. Aplicação da Sumula nº 83/STJ. 6. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 7. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.632.716 – (2016/0273812-4) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 30.06.2017 – p. 2105)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo interno interposto contra a decisão da lavra deste signatário, que negou provimen-to ao recurso especial da recorrente.

O aludido apelo extremo, fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, foi deduzido no in-tuito de reformar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas assim ementado:

DIREITO CIVIL, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL – APELAÇÕES CÍVEIS – DANOS MATERIAIS – LUCROS CESSANTES (ALU-GUÉIS) – PRESUNÇÃO RELATIVA DE PREJUÍZO – FIXAÇÃO PELO VALOR DE MERCADO, DEVIDOS DESDE A DATA PREVISTA EM CONTRATO PARA ENTREGA ATÉ EFETIVA ENTREGA DO IMÓVEL – JUROS DESDE O VENCIMENTO, MÊS A MÊS E CORREÇÃO DESDE O EFETIVO PREJUÍZO – DANOS MORAIS – ATRASO PROLONGADO – 02 ANOS E 06 MESES – OCORRÊNCIA – FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DO CONSUMIDOR – QUANTUM RAZOÁVEL – CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE O ARBITRAMENTO E JUROS DE MORA DESDE O VENCIMENTO – APELOS CONHECIDOS E PARCIAL-MENTE PROVIDOS

I – Constatado o inadimplemento contratual da construtora (atraso na entrega do imóvel), é des-necessário que a requerente comprove os prejuízos materiais experimentados (lucros cessantes), uma vez que existe presunção relativa de tal prejuízo, sofrido por adquirentes de imóveis. É devido, portanto, à requerente, o valor dos aluguéis mensais, de 28.01.2011 a 24.07.2013, no valor de R$ 2.800,00/mês, com juros desde o vencimento, mês a mês e correção monetária desde o efetivo prejuízo.

II – Mero atraso na entrega de um imóvel não é suficiente, de fato, para causar danos morais ao promitente-comprador. No entanto, quando o atraso se torna por demais prolongado (como no pre-sente caso, em que atingiu o patamar de dois anos e seis meses), tem-se uma extrapolação da esfera dos meros dissabores cotidianos. O atraso prolongado passa a frustrar as legítimas expectativas do consumidor que acreditou estar adquirindo um imóvel com prazo de entrega certo. Um atraso de mais de dois anos e seis meses é conduta abusiva que ofende direitos da personalidade. Quantum inde-nizatório fixado em R$ 10.000,00 que não é irrisório nem teratológico, não comportando redução. Correção monetária desde o arbitramento e juros de mora desde o vencimento.

III – Apelos conhecidos e parcialmente providos. Honorários de advogado majorados para 15% sobre valor atualizado da condenação.”

Nas razões do especial, além de dissídio jurisprudencial, a recorrente alegou que o acórdão im-pugnado incorreu em violação aos seguintes normativos: a) arts. 1.022 e 489 do CPC/2015; e b) art. 52 da Lei nº 4.591/1964.

Sustentou, em suma: (i) negativa de prestação jurisdicional ante a omissão do Colegiado estadual em analisar questões relevantes para o deslinde da controvérsia; (ii) que o mero descumprimento contra-tual não enseja a condenação à indenização por dano moral, sendo imprescindível, para tanto, que a recorrida comprovasse o abalo experimentado a justificar a pretendida indenização, não podendo o dano moral ser arbitrado por presunção; (iii) ser descabida condenação a título de lucros cessantes, por mês de atraso da entrega da obra, em razão da ausência de comprovação do prejuízo, porquanto a recorrida não comprovou “a existência de qualquer proposta imediata para a locação do seu imóvel” (fl. 307, e-STJ); (iv) que, caso seja mantida sua condenação ao pagamento dos lucros cessantes, o valor deve ser reduzido para o menor aplicado para o cálculo de locação de imóvel, no percentual de 0,5% (meio por cento) do valor venal do imóvel; e (v) que o termo inicial para contagem do ale-gado atraso na entrega da obra deveria ter sido a data da emissão do “habite-se”, que demonstra a conclusão da obra, e não a imissão do adquirente na posse do imóvel, como determinou o Tribunal de origem.

Em razão do juízo positivo de admissibilidade, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça, e foi negado provimento ao reclamo, pelos seguintes fundamentos: a) ausência de violação ao art. 1.022 do CPC/2015, porquanto as questões trazidas pela recorrente foram analisadas pelo Tribunal de ori-gem e a decisão encontra-se fundamentada; b) incidência das Súmulas nºs 5 e 7/STJ para reexame da decisão estadual acerca da ausência de justificativas plausíveis para o atraso excessivo da obra e cabimento de indenização por dano moral em razão das peculiaridades do caso concreto examinado;

230 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

c) a aplicação da Súmula nº 7/STJ inviabiliza a análise do dissenso jurisprudencial alegado, em razão da falta de identidade entre os paradigmas apresentados, tendo em conta a situação fática de cada caso; d) incidência da Súmula nº 284/STF, ante a falta de indicação dos artigos tidos por vulnerados em relação ao percentual máximo a ser estipulado para cálculo dos lucros cessantes; e e) aplicação da Sumula nº 83/STJ acerca do cabimento de lucros cessantes em razão do atraso da entrega do imóvel, tendo em vista a decisão encontrar-se no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte.

No presente agravo interno, a ora agravante sustenta: 1) violação do art. 1.022 do CPC/2015, por-quanto não sanadas as omissões apontadas; 2) inaplicabilidade das Súmulas nºs 5 e 7 desta Casa em relação à configuração do dano moral, o qual necessita de fundamentação para que seja arbitrado, haja vista que sua configuração não pode ser presumida e automática em decorrência de mero des-cumprimento contratual; e 3) não incidir o óbice disposto na Súmula nº 284/STF em relação à falta de indicação dos artigos tidos por violados, uma vez que o reclamo, nesse ponto, foi fundamentado em dissídio jurisprudencial.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

O Jurista Sebastião Pereira de Souza nos ilustra o contrato de compra e venda de acordo com a nova codificação, in verbis:

“A compra e venda é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, mas que se aperfeiçoa, como todo acordo de vontade, como um ato jurídico ou na dicção da nova ordem – um negócio jurídico, que requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

Acrescentando, ao negócio jurídico, a coincidência de duas ou mais manifestações unilaterais de vontade, visando o proveito e bem-estar dos contratantes, temos aí, como consequência, o contrato.

A capacidade do agente que libera a sua vontade para contratar é ampla e só encontra limitação no interesse social – art. 421 do Código Civil, guardando as partes, tanto na conclusão como na execu-ção, os princípios da probidade e boa-fé – art. 422.

O princípio da autonomia da vontade, ensina Sílvio Rodrigues, parte do pressuposto de que os contra-tantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato.

1.1 Elementos da compra e venda

Pelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe o preço em dinheiro – art. 481 do Código Civil. O contrato de compra e venda é o meio, o instrumento para se transferir o domínio. Tem efeito meramente obrigacional que se imple-menta com a execução mediante a tradição se coisa móvel – art. 1.267 ou pelo Registro no Cartório do Registro Imobiliário – art. 1.245, se for coisa imóvel. A obrigação do vendedor é de transferir o domínio do objeto contratado. A obrigação do comprador é de pagar o preço.

Segundo expressa disposição no art. 482, a venda é considerada perfeita desde que haja acordo sobre a coisa e sobre o preço. Três, portanto, são os elementos da compra e venda: consensus, pretium e res.

Consensus

O consenso ou consentimento é o resultado do encontro da declaração unilateral de vontades de um lado, do comprador sobre o bem, e, de outro lado, do vendedor sobre o preço. A vontade eivada de vício contamina todo o contrato. Anulável, portanto, é o contrato de compra e venda quando vicia-da a declaração de vontade por erro substancial, dolo e coação nas circunstâncias delineadas nos arts. 138 e seguintes do Código Civil.

Pretium

No contrato de compra e venda, o preço deve ser sério, em dinheiro, não podendo ser irrisório, e que consista numa soma que seja considerada equivalente à coisa, considerando a oferta e procura à época da contratação.

O preço vil pode levar à consideração não de um contrato de compra e venda, mas de doação si-mulada, cujo efeito pode levar à sua anulação como verbi gratia na doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice que pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal, – expressa disposição do art. 550 do Código Civil, considerando, mais ainda, as demais disposições que impedem a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador e, também, a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – arts. 548 e 549. O preço pode ser pago em moeda corrente nacional à vista, em moeda estrangeira pela cotação do dia que converter em moeda nacional ou a prazo, em prestações. Sendo o preço pago com outro bem, compra e venda não é, pois a moldura é do contrato de troca que in thesi os efeitos

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������231

não divergem muito, porque as disposições que se aplicam são as mesmas do contrato de compra e venda, exceto quando se tratar de troca entre ascendentes e descendentes – art. 533 – em que o negócio só depende da intervenção dos outros descendentes e do cônjuge, quando os bens trocados forem de valores desiguais:

‘Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modi-ficações:

I – omissis;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.’

Fica sem efeito o contrato de compra e venda se o terceiro a quem foi deixado arbitrar o preço – art. 485, não aceitar o encargo, salvo se concordarem designar outra pessoa. O preço estipulado pelo terceiro indicado vincula os contratantes, até que se provem vícios na elaboração do laudo que inquinem de nulidade os negócios jurídicos em geral. A nova ordem civil considera lícito às partes fixarem o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determina-ção – art. 487. As partes podem escolher um padrão objetivo e de fonte isenta para a fixação do preço, como v.g. os índices estipulados por órgãos governamentais ou fundações de trato econômico. Ocorre, a meu falível juízo, que o índice ou parâmetro não pode ter origem em entidade de uma das partes, como na compra e venda de imóveis feita entre construtoras e particulares com base em índice Sinduscon/CUB elaborado pelo Sindicato das Empresas Construtoras, porque estaria, de forma transversa, deixando ao arbítrio exclusivo da construtora, através de seu sindicado, entidade defen-sora de seus interesses, a fixação do preço, fato que torna nulo o contrato por força do art. 489. Não havendo convencionado a fixação do preço ou critérios para a sua determinação, e não tendo a coisa tabelamento oficial, dispõe a Lei – art. 488 do Código Civil –, que as partes sujeitarão ao preço cor-rente nas vendas habituais do vendedor – art. 488. Convencionada a compra e venda de um veículo em determinada concessionária do ramo sem fixação do preço, vale o preço que o vendedor aliena a mesma marca nas vendas habituais. Havendo oscilação no preço valerá a média. A dificuldade, porque não elucida a Lei – parágrafo único do art. 488 do Código Civil –, é disciplinar qual o tempo que se deve considerar para tirar a média.

Res

Em regra, ensina Carvalho Santos, são alienáveis todas as coisas que estão no comércio, quer sejam existentes, ou futuras, certas ou incertas, contanto que estas se venham a verificar. Sem a coisa, inexiste contrato, por falta do objeto, elemento essencial. Não há dúvida quando o objeto do contrato de compra e venda se constitui de coisa presente, atual. Do art. 483, disposição nova, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

É futura a compra de determinada quantidade e qualidade da safra agrícola ou de determinado núme-ro de itens da produção industrial, em que o adquirente toma para si o risco de vir existir em qualquer quantidade. A venda no caso é de coisa certa esperada – emptio rei speratae. Vale o contrato para a quantidade produzida e o vendedor tem direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa. Nada produzindo, mesmo em face de caso fortuito ou força maior, o contrato não se forma, a venda é nenhuma, por falta de elemento essencial, o objeto, a coisa contratada – art. 459, parágrafo único, do Código Civil.

‘Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.’

Aleatória é a compra da esperança. A compra da expectativa. O comprador aposta na existência da coisa no termo. Por isso mesmo, o objeto do contrato é a própria esperança, a própria expectativa – emptio spei. Alguém compra toda a safra de feijão ou café que produzir a lavoura do vendedor, assumindo o risco de colher muito ou nada colher. Neste caso, o objeto do negócio não foram os grãos, mas a esperança de colhê-los. Válido é o contrato, a teor da norma do art. 458, mesmo que nada venha a colher.

‘Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.’

232 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

A aparente desproporção das prestações não descaracteriza a comutatividade do contrato e justifica porque ambos os contratantes assumiram igual risco. O vendedor recebeu um preço e ao adimplir o contrato o que entregar pode valer o dobro ou mais. O comprador pagou um preço com uma expecta-tiva de lucro que pode redundar em prejuízo.

É ainda aleatório o objeto concernente à compra de mercadoria já despachada, embarcada e sujeita ao risco do transporte assumido pelo adquirente, mesmo que já não existisse no dia do contrato, no todo ou em parte, por naufrágio do navio ou qualquer outro acidente com o veículo transportador, fazendo jus o vendedor a todo o preço, desde que ignorasse a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa – arts. 460 e 461 do Código.” (A compra e venda no novo Código Civil. Juris SÍNTESE. Porto Alegre: IOB-Thomson, set./out. 2005. 55 CD-Rom)

2749 – SFH – seguro habitacional – prescrição anual

“Processual civil. Agravo regimental no agravo no recurso especial. Recurso manejado sob a égide do CPC/1973. SFH. Seguro habitacional. Prescrição anual. Art. 178, § 6º do CC/2016. Vícios de construção. Cobertura securitária. Reforma do julgado. Análise de matéria fático-probatória e da apólice. Aplicação das Súmulas nºs 5 e 7, ambas do STJ. Agravo interno não provido. 1. Aplica-se o CPC/1973 a este jul-gamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Não tendo o acór-dão recorrido fixado um termo inicial para a contagem do prazo prescricional, não é possível, em recurso especial, reconhecer o advento da prescrição. Ademais, para infirmar a conclusão do acórdão seria neces-sário o reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, soberanamente delineados pelas instâncias ordinárias, o que é defeso nesta fase recursal a teor da Súmula nº 7 do STJ. 3. O acolhimento da pretensão recursal, com a perquirição dos vícios de construção cobertos pelo instrumento contratual, bem como o reconhecimento da possibilidade de desabamento parcial ou total dos respectivos imóveis, demandaria a interpretação do instrumento contratual, bem como a alteração das premissas fático-probatórias esta-belecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em recurso especial, nos termos das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.490.910 – (2014/0274747-8) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.06.2017 – p. 2567)

2750 – Usucapião – bem móvel – veículo automotor

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Usucapião. Bem móvel. Veículo automotor. Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Fundamentação deficiente. Súmula nº 284 do STF. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla e funda-mentada, apenas que contrariamente ao pretendido pela parte, deve ser afastada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo interno a que se nega provi-mento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 859.091 – (2016/0018032-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 03.05.2017 – p. 1359)

2751 – Usucapião – vício de citação – ausência de impugnação

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Usucapião. Vício de citação. Ausência de impugnação dos fundamentos da decisão que não admitiu o recurso especial. Incidência da Súmula nº 182 do Superior Tribunal de Justiça. 1. A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão que não admite o recurso especial atrai a incidência, por analogia, do óbice previsto na Súmula nº 182 desta Corte. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 868.523 – (2016/0062368-4) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 08.06.2017 – p. 1095)

2752 – Usucapião de imóvel – área de preservação permanente – terreno de Marinha – dunas – prova pericial – necessidade

“Administrativo, ambiental e processual civil. Usucapião de imóvel. Terreno de Marinha. Dunas. Área de preservação permanente. Prova pericial. Necessidade. Consoante o disposto nos arts. 130 e 131 do CPC/1973 (vigente à época da prolação da sentença), incumbe ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a produção das provas necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inú-

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������233

teis ou meramente protelatórias. E, diante do acervo probatório, pode apreciá-lo livremente, atendendo aos fatos e circunstâncias do caso concreto, ainda que não alegados pelas partes.A sentença de ação de usucapião constitui título de domínio hábil para fins de registro, junto ao Cartório de Registro Imobiliário competente (art. 1.238 do Código Civil). Nessa perspectiva, não há lugar para a prolação de decisão incerta, consignando ressalvas. É imprescindível conhecer a metragem correta da área, com exclusão da porção que não pode ser usucapida, por integrar o patrimônio público. Diante da necessidade de com-plementação do acervo probatório existente nos autos, impõe-se a anulação da sentença, com o retorno dos autos à origem.” (TRF 4ª R. – AC 5021119-91.2012.4.04.7200 – 4ª T. – Relª Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha – J. 24.08.2016)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...]

Após examinar detidamente os autos, tenho que não há elementos probatórios suficientes para formar um convencimento seguro acerca do litígio.

O Ibama realizou vistoria técnica e elaborou parecer técnico, no qual consta que o imóvel objeto da lide está situado sobre cômoro de duna frontal, considerado Área de Preservação Permanente (APP) e área não edificante pela Lei nº 4.771/1965, além de possivelmente interferir em terreno de marinha (evento 52 do feito originário).

Com efeito, é possível que ao menos parte do imóvel esteja inserida na área das Dunas do Campeche, que é considerada área de preservação permanente também pelo Decreto Municipal nº 112/1985, confrontando, na faixa litorânea, com terrenos de marinha, de domínio da União, os quais, portanto, não poderiam ser usucapidos.

Ocorre que a sentença de ação de usucapião constitui título de domínio hábil para fins de registro, junto ao Cartório de Registro Imobiliário competente (art. 1.238 do Código Civil). Nessa perspectiva, não há lugar para a prolação de decisão incerta, consignando ressalvas. É imprescindível conhecer a metragem correta da área, com exclusão da porção que não pode ser usucapida, por integrar o patrimônio público.

A necessidade de complementação do acervo probatório é reforçada pela alegação da apelante de que: (a) não lhe foi oportunizado participar da vistoria realizada pelo Ibama (cujo laudo embasou o reconhecimento da improcedência do pedido), nem de manifestar-se sobre os documentos novos apresentados, na sequência, pelo Ministério Público Federal; (b) Nenhum confrontante nem as Fazen-das Públicas se manifestaram (Certidão – Evento 44), com a exceção da União, que se manifestou mas não se opôs ao pedido da Apelante, por não haver interferência da área usucapienda com terreno de marinha (evento 22), já que a Apelante requereu a declaração da propriedade apenas da parte alodial do imóvel, excluindo a parte de terreno de marinha (art. 20, VII, CF/1988), e (c) o imóvel não poderia ser classificado como bem público simplesmente por um Decreto Municipal, pois a posse era exercida desde 1965, ou seja, há mais de 49 (quarenta e nove) anos, e inclusive a área está carac-terizada no atual Plano Diretor de Florianópolis (Lei Complementar nº 482/2014) como ARP – Área Residencial Predominante.

Diante desse contexto, é necessária a realização de prova pericial, com posterior contraditório.

A propósito, nessa mesma linha de entendimento:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE USUCAPIÃO – TERRENO DE MARINHA – ÁREA DE MANGUE – PRO-VA PERICIAL – NECESSIDADE

Para se verificar o alcance do imóvel usucapiendo por área de titularidade da União – especialmente pela possível inserção em terreno de marinha, inclusive com os reflexos pertinentes à área de mangue – imprescindível seria a produção de prova pericial. Perfeitamente viável determinar, de ofício, nesta instância, a produção da prova pericial imprescindível, anulando-se a sentença.

(TRF 4ª R., 3ª T., AC 2006.72.16.002461-1, Rel. Juiz Federal Nicolau Konkel Junior, DE 13.01.2010)

ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO – USUCAPIÃO DE IMÓVEL – REABERTURA DA INSTRUÇÃO PRO-BATÓRIA – NECESSIDADE – 1. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determina as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (Código de Processo Civil, art. 130). 2. Hipótese em que a prova produzida nos autos não é suficiente para a formação do convencimento do Juízo, impondo-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução probatória. 3. Apelação da parte autora provida em parte. Prejudicada a apelação da União. (TRF 4ª R., Apelação Cível nº 5004523-32.2012.404.7200, 3ª T., Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, juntado aos autos em 17.12.2015)

234 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

USUCAPIÃO – ILHA DE FLORIANÓPOLIS – REQUISITOS – TERRENO DE MARINHA – DUNAS – PRESERVAÇÃO – PROVA PERICIAL – NECESSIDADE – ANULAÇÃO DA SENTENÇA – 1. É inviável a aquisição da propriedade, por usucapião, da parte do imóvel localizado sobre área de dunas, situada em terrenos de marinha (bens públicos da União), bem como em área de preservação permanente tombada por Decreto Municipal, conforme parecer técnico constante dos autos. 2. Nesse contexto, para verificar a correta localização e metragem do imóvel usucapiendo mostra-se necessária a realiza-ção de prova pericial, a fim de possibilitar a exclusão das áreas em relação às quais não é possível a aquisição por particular, subsistindo interesse jurídico da União e do Município. (TRF 4ª R., Apelação Cível nº 0004074-14.2002.404.7200, 4ª T., Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler, por unanimidade, DE 19.11.2010, Publicação em 22.11.2010)

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento do feito.

É o voto.”

2753 – Usucapião extraordinário – decisão monocrática negando provimento ao reclamo – insurgên-cia recursal

“Agravo interno em recurso especial. Ação de usucapião extraordinário. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo. Insurgência recursal da demandada. 1. A revisão das conclusões da Corte de ori-gem acerca da presença dos requisitos legais necessários para a aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária demandaria a reapreciação do contexto fático e probatório dos autos, prática vedada pela Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. 2. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula nº 7 do STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.624.026 – (2016/0233137-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 01.06.2017 – p. 2714)

2754 – Usucapião extraordinário – embargos de declaração – omissão, contradição ou obscuridade – não ocorrência

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de usucapião extraordinário. Em-bargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Violação do art. 458, II, do CPC. Inocorrência. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 458, II, do CPC. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 5. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 989.820 – (2016/0251724-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 31.05.2017 – p. 848)

Seção Especial – Em Poucas Palavras

Os Benefícios do Novo Código de Processo Civil nas Cobranças Condominiais

MARCO ACCIOLyAdvogado.

Este informativo trata da inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil, inaugurado em 2016, relativa ao procedimento de cobrança de cotas con-dominiais por meio dos mecanismos da Justiça. O tema é de grande proveito para que os condomínios otimizem os seus controles de inadimplência.

códIgo de ProceSSo cIvIl e coNdomíNIo

O Código de Processo Civil, de um modo geral, é um diploma legal que rege diversos tipos de procedimentos a serem seguidos, a fim de organizar a forma como será exercido o direito de ação, direito esse que busca satisfazer um direito material – ocorrido no mundo dos fatos – por meio de um processo eficaz e justo.

Diante do inadimplemento por parte de um condômino, surge para o condomínio um crédito (direito material) que, para ser satisfeito compulsoria-mente, dependerá do exercício do direito de ação, o qual se sujeitará às regras previstas no Código de Processo Civil.

Com a inauguração do novo Código de Processo Civil, em 2016, as re-gras mudaram – e para beneficiar os condomínios.

como era No códIgo aNterIor

Fase de conhecimento:

1. O condomínio entrava com a ação;

2. A pessoa contestava, podendo se opor ou não;

3. Passada a instrução processual, com análise de todas as provas e contraprovas trazidas, o juiz proferia uma sentença constituindo ju-dicialmente o crédito (título judicial).

Fase de execução:

4. Com o título judicial, o devedor é intimado a pagar;

236 ����������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – EM POUCAS PALAVRAS

5. O devedor paga, nomeia bens para leilão, ou o próprio Estado corre atrás dos bens, ou bloqueio de contas, para satisfazer o crédito.

Todo esse trâmite, sobretudo na fase de conhecimento que tinha por fim constituir o título executivo, podia se estender por longos anos.

INovação do cPc/2015

O art. 784, X, do novo Código estabelece que as ações de cobranças condominiais atrasadas se configuram título executivo extrajudicial. Isto é, o que dependia de uma longa fase cognitiva para obter força executiva já tem por força de lei. Sendo assim, toda a “fase de conhecimento”, presente no regime do código anterior, não existe mais em relação à cobrança de cotas condominiais inadimplidas.

O novo processo de cobrança já inicia na fase executiva, dando três dias úteis para os devedores saldarem a dívida ou indicarem bens para leilão.

documeNtoS NeceSSárIoS Para a ação

Para acompanhar a petição elaborada pelo advogado, será imprescindí-vel que se demonstre o débito inadimplido.

1. Título executivo extrajudicial (boleto), com a indicação de sua cor-reta implementação e aprovação (convenção, atas relativas);

2. Demonstrativo de débito atualizado, com a indicação de todas as especificidades do cálculo;

3. Prova da data do vencimento, prevista em ata e/ou convenção.

oS beNefícIoS da otImIZação

Além desta, o novo Código de Processo Civil traz diversas outras mudan-ças no direito processual brasileiro.

No que se relaciona às cobranças condominiais, como se viu, a mudança traz grande celeridade processual, facilitando a vida dos administradores.

Com boa organização operacional e em comunicação com o setor ad-ministrativo do condomínio, o advogado poderá otimizar substancialmente as cobranças condominiais.

Quanto melhor o seu sistema de cobrança, menos atraente é a inadim-plência. As consequências do não pagamento, quando efetivamente ocorrem, desestimulam maus pagadores e prestigia os bons.

Clipping Jurídico

Comprador de imóvel tem direito a receber 80% de valor pago em caso de rescisão contratual

O comprador de um imóvel, que rescindiu contrato de compra e venda e financiamento imobiliário, tem direito a receber de volta 80% do valor já pago. Esse é o entendimento de decisão proferida pela 1ª Vara de Açailândia, publicada na segunda-feira, 17/07, no Diário da Justiça eletrônico. No processo, que tem parte ré o Residencial Açailândia Empreendimentos Imobiliários Ltda., a autora alega que as partes firmaram contrato de compra e venda de imóvel e financiamento imobiliário, sendo as condições de rescisão contratual abusivas. A autora M. N. S. sustenta na ação a ilegalidade dos valores cobra-dos para o pagamento da corretagem e que faz jus à indenização por danos morais e repetição de indébito. Ela pede, ainda, que seja decretada a rescisão contratual com a devolução das parcelas pagas, bem como condenação em repetição de indébito pelo pa-gamento de comissão de corretagem. A sentença explica que a Residencial Açailândia, por meiode advogado, apresentou contestação, suscitando preliminar de impugnação ao valor da causa e indevida concessão de gratuidade da justiça. No mérito, alega o dever de cumprimento do contrato, a validade do negócio, a inexistência de ilegalidades, a legalidade da comissão de corretagem e a ausência de dano moral. “O valor da causa, em demandas desta espécie, deve corresponder à pretensão econômica traduzida na modificação, resolução, resilição ou rescisão do negócio jurídico controvertido (art. 292, II, do Código de Processo Civil). Aqui, a pretensão da parte autora consiste na devolução em dobro do valor pago a título de comissão de corretagem e ainda desfazimento do ne-gócio jurídico entabulado entre as partes com a devolução dos valores pagos, bem como danos morais. Como a pretensão é a de resolução total do contrato, o valor total deste deve refletir o valor da causa. Acolho, portanto, a impugnação do valor da causa, para o fim de modificá-la para R$ 40.800,00”, relata a sentença. E continua: “Da análise do contrato entabulado entre as partes, verifica-se que a cláusula 14ª estabelece o valor da multa compensatória pela rescisão unilateral por iniciativa do devedor em 30% do valor pago. Ademais, prevê retenção, em forma de cláusula penal, de 20% sobre o valor total do contrato. A alíquota aplicada sobre o valor total do contrato, em revés de porcenta-gem incidente sobre o montante efetivamente pago, importa em cláusula penal abusiva. Isso porque a consequência fática desse ajuste seria a retenção integral dos valores pa-gos pela parte autora [...] Com efeito, a cláusula que implica perda total ou parcial do patrimônio do consumidor, sem contraprestação, atenta contra o direito de propriedade e contra a noção causal de nosso direito, que combate o enriquecimento sem causa”. A Justiça citou que, nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante paga-mento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do con-trato e a retomada do produto alienado, baseando-se em súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, o Judiciário decidiu: “Julgo parcialmente procedentes os pedidos da parte autora deduzidos na petição inicial (art. 487, I, Código de Processo Civil), para declarar rescindido o contrato firmado entre as partes, bem como condenar a parte ré a restituir à parte autora 80% dos valores efetivamente pagos, restituição essa que deverá

238 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO

ser feita de modo integral e de imediato, nos termos da Súmula nº 543 do Superior Tribu-nal de Justiça”. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Maranhão)

Reintegração de posse de imóvel de programa de moradia popular deve ser prece-dida de notificação ao arrendatário

O ajuizamento de ação de reintegração de posse no caso de imóvel vinculado ao Progra-ma de Arrendamento Residencial (PAR), promovido pelo Ministério das Cidades e criado para ajudar Municípios e Estados a atenderem à necessidade de moradia da população, deve ser precedido de notificação prévia e pessoal ao arrendatário. Esse foi o entendi-mento adotado pela 6ª Turma do TRF da 1ª Região para negar provimento à apelação da Caixa Econômica Federal (CEF), executor do PAR, da sentença, do Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Mato Grosso, que extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que a instituição autora não comprovou ter sido o réu devi-damente notificado para “purgar a mora” (quitar o débito). Consta dos autos que a CEF celebrou com o acusado contrato de arrendamento residencial com opção de compra, cujo objeto era imóvel que fora adquirido com recursos do PAR, tendo a parte arrenda-tária, que adquiriu o imóvel, deixado de pagar as taxas de arrendamento e as contas de condomínio, situação que acarretou a rescisão contratual. De acordo com o processo, em primeira instância, o pedido de liminar foi deferido e determinada a expedição do mandado de reintegração de posse, o qual, todavia, foi suspenso em razão do depósito da quantia de R$ 1.338,00, correspondente, segundo afirmação do réu, a “cerca de dez meses de taxa de condomínio à razão de R$ 45,00, resultando a cifra de R$ 450,00 e três parcelas mensais no valor de R$ 165,00, perfazendo R$ 495,00”, totalizando, aproxima-damente, R$ 945,00 e com o acréscimo de juros de mora, multa contratual no percen-tual de 2% e honorários advocatícios de 20%, chegando-se à quantia de R$ 1.338,00. O PAR, instituído pela Lei nº 10.188/2001, prevê que o arrendador – a CEF – pode ingressar com ação de reintegração de posse, no caso de inadimplemento no arrendamento, após a notificação do devedor. Em seu voto, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, afirmou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também adotou a tese de que o ajuizamento da ação de reintegração de posse deve ser antecedido da demonstração de que os arrendatários foram notificados previamente, ainda que conste cláusula reso-lutiva no contrato. O magistrado destacou que é legítima a pretensão da CEF quanto à retomada do imóvel, considerando-se que a instituição bancária foi autorizada pela lei e pelo contrato. Por outro lado, registrou o desembargador, na hipótese dos autos, que, “embora o réu tenha deixado de pagar as taxas de arrendamento e de condomínio, é de se observar que o agente financeiro, a pessoa jurídica responsável pela cobrança extraju-dicial, deixou de notificar pessoalmente o arrendatário, fato que pode ser verificado dos documentos constantes dos autos”. Segundo o desembargador, “os atos administrativos anteriores à rescisão do contrato de arrendamento não foram efetivados devidamente com a notificação pessoal do arrendatário”. Sendo assim, o Colegiado negou provimento à apelação da CEF. A decisão foi unânime(Processo nº 0012431-92.2005.401.3600/MT). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������239

Sancionada lei de proteção e defesa do usuário de serviços públicos

A Presidência da República sancionou a Lei nº 13.460/2017, que dispõe sobre a parti-cipação, proteção e defesa dos direitos dos usuários de serviços públicos. A lei, redigi-da com a contribuição do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), prevê também as atribuições e os deveres das ouvidorias públicas, como forma de tratamento, e o prazo de até 30 dias (prorrogáveis por igual período) de resposta final às denúncias, às reclamações, às solicitações, às sugestões e aos elogios dos cidadãos. A Lei nº 13.460/2017 regulamenta o §3º do art. 37 da Constituição Federal, garantindo as formas de participação da sociedade e de avaliação periódica da qualidade dos serviços públicos. Entre os direitos básicos estão: igualdade no tratamento dos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação; atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e as prioridades asseguradas por lei; aplicação de soluções tecnológicas para simplificar processos e procedimentos, entre outros. De acordo com o normativo, os órgãos terão de disponibilizar e atualizar periodicamente uma Carta de Serviço ao Usuário, com informações claras a respeito do serviço prestado, tempo de espera para atendimento, prazo máximo e locais para reclamação, entre outros serviços. As regras valem para serviços prestados por órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, contemplando os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), além de entidades que prestam serviços públicos de forma delegada. O normativo define a ouvi-doria como o canal de entrada das manifestações, bem como orienta que cada Poder e esfera de governo disponha de atos normativos específicos acerca da organização e do funcionamento desses espaços de controle e participação social, que atuam como inter-face entre sociedade e Estado. Outro avanço é avaliação cidadã dos serviços públicos. A lei determina que órgãos e entidades deverão medir, anualmente, o índice de satisfação dos usuários e a qualidade do atendimento prestado. O ouvidor-geral da União, Gilberto Waller Junior, celebrou o avanço histórico para a consolidação da participação social por meio das ouvidorias. “A lei trata de direcionar o foco do Estado novamente ao cida-dão, a fim de compreender e atender da melhor forma as necessidades e expectativas. É fundamental ouvir a sociedade para garantir um serviço de qualidade, ágil e sem buro-cracias”, avaliou. A Lei nº 13.460/2017 entrará em vigor, a contar da data de publicação, em 360 dias para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes. O normativo terá prazos variados para os Municípios pode-rem se adequar. A vigência será em 540 dias, para Municípios entre 100 mil e 500 mil habitantes, e 720 dias para os com menos de 100 mil habitantes. (Conteúdo extraído do site do Ministério da Transparência e CGU)

Embaraços na posse de imóvel precisam de elementos concretos para caracterizar turbação ou esbulho

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um agricultor por entender que a existência de uma ação que discute a posse da área, bem como uma liminar de reintegração, não são, por si só, elementos suficientes para ca-racterizar a turbação de posse. Alegando que houve turbação, o agricultor suspendeu os demais pagamentos referentes à compra da fazenda, de acordo com cláusulas con-

240 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO

tratuais que previam essa suspensão em caso de esbulho ou turbação. Com a decisão, o STJ manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que não reco-nheceu turbação à posse. O TJMT havia reconhecido a inadimplência do agricultor e, em consequência, possibilitou a rescisão do contrato de compra e venda da fazenda e a reintegração da posse em favor dos vendedores. Para a relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, o que se debate no recurso é se houve, de fato, turbação, já que não está em discussão a validade da cláusula contratual que possibilita a suspensão dos pagamentos em caso de embaraço na posse. A turbação, segundo a magistrada, configura-se com a violência praticada contra a vontade do possuidor, perturbando o exercício das faculdades do domínio sobre a coisa possuída, sem acarretar, entretanto, a perda da posse (esbulho). Um ponto-chave para a solução da controvérsia, segundo a ministra, é que a venda foi concretizada com pleno conhecimento sobre outro litígio acerca da posse das terras. “Ao firmar o aditivo contratual, o recorrente tomou ciência, também, de que estava em trâmite ação anulatória de escritura pública de compra e venda por vício, sem que, naquela oportunidade, considerasse a existência dessa ação como qualquer ato turbador à sua posse”, afirmou Nancy Andrighi. No entendimento seguido pelos ministros, não houve embaraço sobre a posse do imóvel suficiente a jus-tificar a suspensão dos pagamentos por mais de uma década. O recorrente ficou três meses afastado da fazenda, até que uma liminar possibilitou a sua manutenção na área comprada até o julgamento da ação que discute a posse das terras. Na visão da relatora, não há impedimento real de usufruto da fazenda capaz de caracterizar a turbação. Além disso, os ministros destacaram que o agricultor exerce pleno domínio sobre a utilização da fazenda, não sendo possível suspender os pagamentos com a justificativa de turbação à posse. O entendimento da Turma é que o acórdão recorrido deve ser mantido, com a rescisão do contrato de compra e venda (por inadimplência) e posterior reintegração de posse em favor dos vendedores, com indenização pelo período ocupado. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Direitos de imóvel público objeto de programa habitacional podem ser partilhados

Na dissolução de união estável, os direitos de concessão de uso em imóvel público recebido pelo casal em decorrência de programa habitacional de baixa renda podem ser submetidos à partilha. No caso dos bens públicos, apesar de não haver alteração da titularidade do imóvel, a concessão tem repercussão econômica que justifica a divisão patrimonial. O entendimento foi adotado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar recurso especial no qual um dos cônjuges defendia a impossibilidade de divisão do imóvel recebido de forma gratuita. Para o recorrente, a meação exigiria titu-laridade onerosa do negócio, mas o patrimônio em discussão havia sido concedido de forma precária pelo governo por meio de plano de habitação para a população carente. O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou que, assim como no casa-mento, o ordenamento jurídico prevê a comunhão de bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável, reconhecendo, portanto, o direito à meação. Além disso, explicou o ministro, o STJ vem admitindo a possibilidade de meação de diversos bens e direitos, como o FGTS, direitos trabalhistas e cotas societárias. Todavia, em relação à ocupação de imóveis públicos, o relator destacou a existência de controvérsias relativas

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������241

ao direito de posse, indenização por benfeitorias, meação e transferência inter vivos ou causa mortis. No caso dos autos, o relator observou que, ainda que não fosse possível fixar o tipo de concessão de uso atribuída ao imóvel, os autos demonstraram que o ato administrativo estatal teve o objetivo de atender às necessidades de moradia da família e considerou elementos como a renda familiar do casal no momento da concessão. “Nessa ordem de ideias, pelas características aventadas, parece que há ou uma concessão do direito real de uso, ou uma de uso especial para fins de moradia; independentemente disso, fato é que a presente concessão concedeu à família dos demandantes o direito privativo ao uso do bem”, afirmou. De acordo com o ministro, não há como afastar a repercussão patrimonial para fins de meação, pois a concessão, ainda que seja reali-zada de forma gratuita, é caracterizada por conferir ao particular aproveitamento do valor de uso em situação desigual em relação aos demais particulares, gerando proveito econômico ao beneficiário. “Na espécie, como se percebe, foi concedido o direito de morar num imóvel (público) e, por conseguinte, absteve-se do ônus da compra da casa própria, bem como dos encargos dos aluguéis, o que, indubitavelmente, acarreta ganho patrimonial extremamente relevante”, concluiu o ministro ao reconhecer a possibilidade de partilha. No voto, que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado, o ministro Salomão também estabeleceu que o juiz de primeiro grau deverá avaliar a melhor forma de efetivação da meação, que poderá, entre outras formas, ocorrer por meio de aliena-ção judicial ou indenização proporcional equivalente à utilização exclusiva do bem. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Senado Federal aprova projeto que facilita o crédito ao proprietário rural

O Plenário do Senado aprovou,na quarta-feira (14/06), o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 212/2015, que autoriza o proprietário de imóvel rural a submeter sua área total ou fração dela ao regime de afetação e institui a Célula Imobiliária Rural (CIR). Esses proce-dimentos facilitam a obtenção de crédito porque dão uma garantia aos credores. O texto volta à Câmara devido às emendas que recebeu do relator, senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). O regime de afetação permite ao produtor rural separar uma parte do seu imóvel para dar como garantia ao pedir um empréstimo. Assim, o produtor não compro-mete toda a propriedade e separa uma fração que tenha valor equivalente ao da negocia-ção. A mesma separação em frações poderá ser feita para emissão de Cédula Imobiliária Rural (CIR), um título de crédito criado pela proposta e que poderia ser negociado na bolsa de valores. “No primeiro caso, o credor pode obter a transferência do imóvel para o seu nome, no caso de inadimplemento. No segundo caso, é realizada a venda do bem, com o pagamento das despesas, da dívida e com o recebimento pelo produtor rural do eventual valor remanescente”, explicou Caiado, em seu relatório favorável à matéria, entregue à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Ainda de acordo com o PLC 212/2015, fica sujeito à condenação por crime de estelionato o produtor rural que mentir sobre a área do imóvel rural ou suas características, instalações e acessórios lançados como patrimônio de afetação. A mesma punição alcança aquele que omitir, na CIR, que o bem está sujeito a outro ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, in-clusive de natureza fiscal e ambiental. Caiado fez algumas emendas, que foram apoiadas pelos partidos que participaram da reunião de líderes. Uma delas inclui a obrigação de

242 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO

registrar a CIR em até 90 dias, sob pena de se tornar sem efeito. A outra diz que o proprie-tário que não emitir a CIR em 90 dias ficará impedido de afetar patrimônio por um ano. E a última acrescenta a necessidade de adimplência em relação a financiamento e crédi-tos rurais contratados, com juros subsidiados. O senador Telmário Mota (PTB-RR) disse que a aprovação do projeto vai ampliar e tornar mais simples e ágil o acesso ao crédito pelo produtor rural. “Esse projeto vai, sem nenhuma dúvida, favorecer tanto o pequeno, quanto o médio, quanto o grande produtor”,disse. O senador José Agripino (DEM-RN) falou que a matéria é muito importante e apresenta uma inovação. Ele explicou que o proprietário de terra não vai mais precisar hipotecar a propriedade inteira. “Você, em cima da propriedade, reserva uma área, separa uma área e emite uma cédula, chamada CIR. Ela tem valor de suporte ao empréstimo que se é levantado sem que a propriedade como um todo seja dada como garantia do empréstimo”, disse. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Validada arrematação em processo trabalhista após a decretação de falência

Com base no Decreto-Lei nº 7.661/1945, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou válida arrematação feita em processo trabalhista após a decretação judicial de falência. De forma unânime, o colegiado também concluiu ser inviável a declaração de ineficácia da alienação judicial por decisão interlocutória no curso do processo fa-limentar. A falência da empresa foi decretada em 1985. Um ano depois, o imóvel foi arrematado em reclamação trabalhista por uma companhia de transportes e, em 1989, foi transferido para outra empresa. Em 2000, no curso do processo de falência, o juiz declarou a nulidade de todos os registros de compra e venda efetuados na matrícula do imóvel após a quebra. A decisão teve como base o art. 40 do Decreto-Lei nº 7.661/1945, que regula os efeitos da decretação da quebra contra o falido, impossibilitando-o de administrar seus bens. O relator do caso no STJ, ministro Moura Ribeiro, lembrou que, em relação à mesma legislação, o art. 52 enumera os atos praticados pelo falido que são tidos como ineficazes, caso eles ocorram após o decreto de falência. Estão entre esses atos as transcrições de transferência de propriedade entre vivos e a averbação relativa a imóveis. No entanto, explicou o relator, nenhum dos dispositivos legais da legislação revogada faz referência à arrematação – ato de alienação coativa, que prescinde da participação do devedor, e ocorre mesmo contra a sua vontade. “Portanto, a ineficácia dos atos de transferência de propriedade, elencados no art. 52, VII e VIII, da antiga Lei de Falências, não abrange a hipótese de arrematação, negócio jurídico celebrado entre o Estado e o adquirente”, apontou o ministro. No voto, que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado, o relator concluiu que, ainda que fosse possível declarar a ineficácia do ato, não caberia ao juízo de falência a decretação incidental de ineficácia do registro imobiliário, “fazendo-se necessário o ajuizamento da ação revocatória pelo síndico ou por qualquer credor, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com ele contratou (arts. 53 e 55 do Decreto-Lei nº 7.661/1945)”. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 01�08�2017

Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

artIgoS doutrINárIoS

• Bem de Família no Novo Código Civil e o Registro de Imóveis Ademar Fioranelli Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• CondomínioEdilícioReduçãodaMultade20%para2% Fernando Henrique Guedes Zimmermann Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• OCondomínioEdilícionoCódigoCivilde2002 Carlos Alberto Bittar Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• AEstatizaçãodosServiçosdeRegistrosdeImóveis Marcos Sousa e Silva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

Índice Alfabético e Remissivo

índice por assunto especial

DOUTRINAS

Direito De Laje

•Direito de Laje: Desafios (Marcelo Weingartene Renato Cymbalista) ...........................................49

•Direito de Laje. Explicando para Quem Quer Entender (Marco Antônio de Oliveira Camargo) ............................................................................57

•Direito de Laje: uma Análise Civil-Constitucio-nal do Direito de Superfície em Segundo Grau (Patricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira)........17

•Direito Real de Laje: Primeiras Impressões (PabloStolze) ...................................................................9

•O Direito de Laje Não É um Novo Direito Real, Mas um Direito de Superfície (Roberto Paulino de Albuquerque Júnior) ........................................45

•Você Sabe o Que É Direito de Laje? (Marcelo Alves Pereira) .......................................................43

Autor

marco antônio De oLiveira camargo

•Direito de Laje. Explicando para Quem Quer Entender ..............................................................57

marceLo Weingarten e renato cymbaLista

•Direito de Laje: Desafios ......................................49

marceLo aLves pereira

•Você Sabe o Que É Direito de Laje? ....................43

patricia Fonseca carLos magno De oLiveira

•Direito de Laje: uma Análise Civil-Constitucio-nal do Direito de Superfície em Segundo Grau ............................................................................17

pabLo stoLze

•Direito Real de Laje: Primeiras Impressões .............9

renato cymbaLista e marceLo Weingarten

•Direito de Laje: Desafios ......................................49

roberto pauLino De aLbuquerque júnior

•O Direito de Laje Não É um Novo Direito Real, Mas um Direito de Superfície .............................45

ACONTECE

Assunto

Direito De Laje

•Direito Real de Laje – Lei nº 13.465/ 2017 (Conversão da MP 759, de 22 de Dezembro de2016) ...................................................................70

índice geral

DOUTRINAS

Assunto

compromisso De compra e venDa

•Tempos de Crise: Controvérsias Envolvendo a Extinção do Compromisso de Venda e Comprade Imóveis (Alexandre Junqueira Gomide) ...........91

conDomínio

•Condomínio: Rediscutindo as Deliberações Já Tomadas em Assembleias (Rodrigo Karpat) ........117

•Quem É o Responsável pelo Reparo na Coluna, na Prumada, na Tubulação e nos Vazamentos no Condomínio? (Alexandre Callé) .........................119

contrato

•O Ativismo Judicial e o Impacto Econômico das Decisões nos Contratos Imobiliários (Eduardo Abreu Biondi) ....................................................125

Fiança

•A Responsabilidade do Fiador em Caso de Prorrogação do Contrato de Locação (Marco Meimes) ...............................................................83

prazo

•Direito Intertemporal – Início do Prazo Du-rante a Vigência do Novo CPC: a Forma do Ato Processual e a Contagem dos Prazos em Dias Úteis (Fabrizzio Matteucci Vicente e Luiz Antonio Scavone Junior) ......................................73

Autor

aLexanDre caLLé

•Quem É o Responsável pelo Reparo na Coluna, na Prumada, na Tubulação e nos Vazamentos no Condomínio? ................................................119

aLexanDre junqueira gomiDe

•Tempos de Crise: Controvérsias Envolvendo a Extinção do Compromisso de Venda e Comprade Imóveis ...........................................................91

eDuarDo abreu bionDi

•O Ativismo Judicial e o Impacto Econômico das Decisões nos Contratos Imobiliários ..................125

Fabrizzio matteucci vicente e Luiz antonio scavone junior

•Direito Intertemporal – Início do Prazo Durante a Vigência do Novo CPC: a Forma do Ato Pro-cessual e a Contagem dos Prazos em Dias Úteis ............................................................................73

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������245 Luiz antonio scavone junior e Fabrizzio matteucci vicente

•Direito Intertemporal – Início do Prazo Duran-te a Vigência do Novo CPC: a Forma do Ato Processual e a Contagem dos Prazos em DiasÚteis ....................................................................73

marco meimes

•A Responsabilidade do Fiador em Caso de Pror-rogação do Contrato de Locação .........................83

roDrigo Karpat

•Condomínio: Rediscutindo as Deliberações Já Tomadas em Assembleias .................................117

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

conDomínio

•Os Benefícios do Novo Código de Proces-so Civil nas Cobranças Condominiais (Marco Accioly) .............................................................235

Autor

marco accioLy

•Os Benefícios do Novo Código de Processo Ci-vil nas Cobranças Condominiais ........................235

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

ação DemoLitória

•Ação demolitória – Direito de construir e di-reito de vizinhança – Pretensão convertida em perdas e danos – Preliminares – Legitimidade ativa conferida ao proprietário de imóvel vizi-nho por abuso ao direito de construir e viola-ção aos direitos de vizinhança – Prejudicial de mérito – Inaplicabilidade do prazo previsto no art. 1.302 – Mérito – Obra realizada com ino-bservância dos recuos previstos no código de obras municipal – Ausência comprovação de prejuízo ao imóvel vizinho – Fato constitutivo do direito da parte autora – Sentença reforma-da – Improcedência do pedido inicial – Recurso conhecido e provido (TJSC) .....................2705, 189

ação De reintegração De posse

•Processual civil e tributário – Imposto de Trans-missão de Bens Imóveis (ITBI) – Base de cálculo – Valor da arrematação – Fato gerador – Re-gistro da transmissão do bem imóvel – Súmula nº 83/STJ (STJ) ..........................................2697, 137

agravo interno

•Agravo interno no agravo em recurso especial – Ação de reintegração de posse – Área ocupada para instalação de estação telefônica e torre de transmissão – Processo de desapropriação não observado – Nulidade do contrato – Esbulho configurado – Intervenção do Ministério Público desnecessária – Carência de fundamentação do acórdão recorrido – Não ocorrência – Agravonão provido .............................................2696, 128

aLienação FiDuciária

•Processual civil – Sistema financeiro imobiliário – Alienação fiduciária – Consolidação da pro-priedade – Lei nº 9.514/1997 – Litisconsórcio necessário entre a CEF e o arrematante do imó-vel – Sentença anulada (TRF 2ª R.) ...........2699, 159

Despejo

•Apelação cível – Ação de despejo c/c cobrança de aluguéis – Reconvenção – Contrato de loca-ção válido – Posterior compromisso de compra e venda verbal – Não reconhecimento – Carência de lastro probatório – Inexistência de qualquer recibo confirmando a finalidade dos pagamen-tos realizados – Ônus do qual não se desincum-biu o apelante – Indenização por benfeitorias – renúncia expressa em contrato – Validade – Art. 35 da lei de locações – Sentença ultra petita – Inocorrência – Condenação em sintonia com o pedido constante na inicial – Decisão man-tida – Recurso não provido (TJPR) .............2702,172

Hipoteca

•Civil – Agravo de instrumento – Imóvel – Con-domínio edilício – Hipoteca – Desmembra-mento – Manifestação prévia – Credora hipote-cária – Necessidade (TJDFT) ....................2700, 164

incorporação imobiLiária

•Recurso especial – Civil e processual civil – Construção e incorporação imobiliária – Fa-lência da construtora – Rescisão do contrato de permuta do terreno mediante sentença falimen-tar – Nova alienação sem a indenização devida aos antigos adquirentes das unidades autôno-mas do empreendimento frustrado – Legitimi-dade – Termo inicial da pretensão indenizatória – condenação mantida (STJ) .....................2698, 144

Locação

•Apelação cível – Locação – Ação de cobran-ça – Contrato com duração prevista para trinta meses, dos quais apenas cinco foram cumpridos integralmente, ficando o locatário inadimplente a partir do sexto mês, até o nono, quando devol-veu as chaves ao locador – Multa pela rescisão antecipada que pode ser cumulada com a pena-lidade compensatória, na hipótese de fatos gera-dores distintos – precedente citado: AgRg-AREsp 388.570/RJ – Necessidade de redução propor-

246 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

cional da multa contratual ao tempo restante para o inquilino permanecer no imóvel, nos moldes pactuados – Art. 4º da Lei nº 8.245/1991 – Provimento do recurso (TJRJ) .................2703, 177

Loteamento

•Cobrança – Loteamento fechado – Multa – Im-posição da penalidade a proprietário de lote, pela administradora do loteamento, em virtu-de do descumprimento de deveres estabeleci-dos em regulamento interno – Admissibilidade(TJSP) .......................................................2706, 200

registro

•Apelação cível – Registro de imóveis – Suscita-ção de dúvida – Lei nº 6.015/1973 – Penhora deferida sobre bem imóvel registrado em nome de terceiro – Reclamatória trabalhista – Contrato de promessa de compra e venda não averba-da junto à matrícula do imóvel – Impossibili-dade – Dúvida procedente (TJRS) .............2704, 180

usucapião

•Apelação cível – Ação de usucapião – Heran-ça – Abertura de inventário – Falta de interesse de agir parcial – prosseguimento do feito em relação à área não objeto de herança (TJMG) ................................................................2701, 168

EMENTÁRIO

Assunto

ação civiL púbLica

•Ação civil pública – área construída – desocu-pação – inviabilidade ..............................2707, 205

ação De cobrança

•Ação de cobrança – compra e venda de imóvel – serviços de corretagem .........................2708, 206

•Ação de cobrança – cotas condominiais – legi-timidade ..................................................2709, 206

•Ação de cobrança – despesas condominiais –aplicação .................................................2710, 207

ação De execução

•Ação de execução – cédula de crédito rural –prescrição – termo a quo .........................2711, 208

ação DemoLitória

•Ação demolitória – obrigatoriedade – perícia ambiental – inviabilidade ........................2712, 208

área De preservação

•Área de preservação permanente – constru-ção – demolição de edificação – inviabilidade ................................................................2713, 209

ação orDinária

•Ação ordinária – arras e comissão de correta-gem – devolução .....................................2714, 211

ação pauLiana

•Ação pauliana – dilapidação de patrimônio para fraudar crédito – cerceamento de defe-sa – não caracterização ...........................2715, 211

•Ação pauliana – negócio jurídico anulado – frau-de contra credores – requisitos ................2716, 212

•Ação pauliana – preexistência da dívida – alie-nação de quota-parte de imóvel para irmã do devedor – inexistência de bens penhoráveis ................................................................2717, 212

ação rescisória

•Ação rescisória – ação demolitória – venda ad corpus e ad mensuram – relação entre ven-dedor e comprador ..................................2718, 212

arresto

•Arresto de imóvel – empresa em situação pré--falimentar – possibilidade .......................2719, 212

céDuLa ruraL

•Cédula rural – débitos anteriores – desvio de fi-nalidade – não ocorrência .......................2720, 212

comissão De corretagem

•Comissão de corretagem – ação condenatória – compra e venda de imóvel – embargos de de-claração no agravo interno no recurso especial ................................................................2721, 213

•Comissão de corretagem – permuta de pro-priedades rurais com torna – dação de imóveiscomo parte do pagamento – cobrança .....2722, 213

compra e venDa

•Compra e venda de imóvel – financiamento junto à construtora – notas promissórias – ces-são de títulos ...........................................2723, 214

compromisso De compra e venDa

•Compromisso de compra e venda – ação decobrança – ausência de violação .............2724, 214

Dano moraL

•Dano moral – imóvel – atraso na entrega – lu-cros cessantes – demonstração de prejuízo – desnecessidade ........................................2725, 215

Desapropriação

•Desapropriação – Incra – regularidade do domínio do imóvel ................................................2726, 215

•Desapropriação indireta – terras indígenas – in-denização – arrendamento – impossibilidade ................................................................2727, 217

Despejo

•Despejo – contrato de locação – denuncia vazia ................................................................2728, 218

•Despejo – honorários advocatícios – compen-sação .......................................................2729, 219

RDI Nº 40 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������247 Direito De vizinHança

•Direito de vizinhança – ação de indenização por danos materiais e morais – legitimidade ................................................................2730, 220

•Direito de vizinhança – ação demarcatória – so-breposição de áreas – prova pericial ........2731, 221

•Direito de vizinhança – ação de obrigação fazer – placa/letreiro de imóvel comercial – obstru-ção da janela do vizinho .........................2732, 221

FaLência

•Falência – construtora – rescisão do contrato de permuta – nova alienação sem a indenização devida aos antigos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento frustrado –– legitimidade ..........................................2733, 221

FrauDe contra creDores

•Fraude contra credores – necessidade de com-provação do eventus damni e do consiliumfraudis – ausência de prova .....................2734, 222

itbi

• Imposto de transmissão de bens imóveis – base de cálculo – valor da arrematação – fato gerador – registro da transmissão do bemimóvel .....................................................2735, 222

incorporaDora De imóveis

• Incorporadora de imóveis – área de preservação permanente – destruição de floresta – sócio--diretor – responsabilidade ......................2736, 223

Locação

•Locação – ação renovatória – valor do aluguel determinado após perícia ........................2737, 223

•Locação – fiança – execução – imóvel – bemde família do fiador – penhora .................2738, 224

•Locação – pagamento do débito pelo fiador –sub-rogação – demanda regressiva ..........2739, 224

Loteamento

•Loteamento – ação civil pública – regulariza-ção – limitação às obras essenciais – Estatuto da Cidade – dever municipal – observância ................................................................2740, 224

•Loteamento – regularização – obras de infra-estrutura – art. 40 da Lei Lehmann – Estatutoda Cidade ................................................2741, 225

•Loteamento irregular – ação civil pública – faltade estrutura e esgoto – precedentes .........2742, 226

•Loteamento irregular – dano ambiental – im-prescritibilidade .......................................2743, 226

nunciação De obra nova

•Nunciação de obra nova – direito de vizinhança – inexistência de afronta ..........................2744, 227

•Nunciação de obra nova – direito de vizinhança – obra em terreno vizinho ........................2745, 227

parceLamento

•Parcelamento irregular do solo rural – dano ambiental – desmatamento – vegetação nativa – configuração ............................................2746, 227

penHora

•Penhora – imóvel em nome de terceiro – invia-bilidade ...................................................2747, 228

promessa De compra e venDa

•Promessa de compra e venda – atraso injustifica-do na entrega de imóvel – responsabilidade da vendedora – cumulação de danos morais com lucros cessantes – possibilidade ...............2748, 228

sFH

•SFH – seguro habitacional – prescrição anual ................................................................2749, 232

usucapião

•Usucapião – bem móvel – veículo automotor ................................................................2750, 232

•Usucapião – vício de citação – ausência de impugnação .............................................2751, 232

•Usucapião de imóvel – área de preservação per-manente – terreno de Marinha – dunas – prova pericial – necessidade ..............................2752, 232

•Usucapião extraordinário – decisão monocrá-tica negando provimento ao reclamo – insur-gência recursal ........................................2753, 234

•Usucapião extraordinário – embargos de de-claração – omissão, contradição ou obscuri-dade – não ocorrência .............................2754, 234

CLIPPING JURÍDICO

•Comprador de imóvel tem direito a receber 80% de valor pago em caso de rescisão con-tratual ................................................................237

•Direitos de imóvel público objeto de programahabitacional podem ser partilhados ...................240

•Embaraços na posse de imóvel precisam de elementos concretos para caracterizar turbaçãoou esbulho .........................................................239

•Reintegração de posse de imóvel de programa de moradia popular deve ser precedida de noti-ficação ao arrendatário ......................................238

•Sancionada lei de proteção e defesa do usuá-rio de serviços públicos .....................................239

•Senado Federal aprova projeto que facilita o crédito ao proprietário rural ...............................241

•Validada arrematação em processo trabalhista após a decretação de falência ............................242