mais alem do ii pnd carlos lessa

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Mais Além do II PND O Instituto de Economia da UFRJ X TD. 011/2004 Carlos Lessa Fábio Sá Earp Série Textos para Discussão Universidade Federal do Rio de Ja neiro Instituto de Economia

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Economia

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  • Mais Alm do II PND

    O Instituto de Economia da UFRJX TD. 011/2004

    Carlos Lessa Fbio S Earp

    Srie Textos para Discusso

    Universidade Federal do Rio de J a neiro Instituto de Economia

  • MAIS ALM DO II PND

    O INSTITUTO DE ECONOMIA DA UFRJx

    Carlos Lessa*

    Fabio S Earp**

    A BUROCRACIA DESENVOLVIMENTISTA E OS DESDOBRAMENTOS DA

    ESTRATGIA DE INDUSTRIALIZAO AUTORITRIA

    No incio da dcada de 70 o Brasil andava na contramo da economia

    internacional. Enquanto aqui se vivia na euforia das maiores taxas de crescimento da

    histria combinadas com uma inflao aceitvel, na faixa dos 20% anuais, o resto do

    mundo chapinhava na crise do sistema de Bretton Woods, com a transio para um

    sistema de cmbio flexvel cujos desdobramentos eram imprevisveis. A turbulncia

    internacional s comeou a ser sentida nestas plagas quando se refletiu no brutal

    aumento do preo do petrleo.

    A crise de 1973 teve alguns elementos de originalidade. Primeiro, a potncia

    hegemnica estava perdendo competitividade para seus prprios aliados; segundo, a

    elevao do preo do petrleo foi acompanhada pelos aumentos de preos de todas as

    matrias primas, o que gerou inditos excedentes financeiros em mo de pases

    perifricos. A escassez de projetos nesta periferia fez com que a maior parte destes

    excedentes fosse aplicada no sistema financeiro privado internacional, que entrou em

    uma conjuntura expansiva. O Brasil no teve dificuldade para implantar os projetos

    necessrios sustentao do crescimento da economia s custas de uma intensificao

    do endividamento, ainda que com as taxas de risco (spreads) elevadas e taxas de juros

    flutuantes, corrigidas semestralmente o que ento no era considerado um problema.

    Nestas condies foi possvel ao governo brasileiro recusar um ajuste ortodoxo e

    acelerar para um ambicioso programa de industrializao. O II PND propunha a

    internalizao dos ramos industriais produtores de bens intermedirios e de capital

    tpicos da Segunda Revoluo Industrial, em alguns ramos a aproximao da fronteira

    x Este trabalho foi publicado na Coleo Documentos, n 1, Srie Economia Pensamento Brasileiro Contemporneo, Instituto de Estudos avanados da USP, em abril de 2001. * Professor Titular do Instituto de Economia da UFRJ, Decano do Centro de Cincias Jurdicas e Econmicas da UFRJ. ** Professor Adjunto do Instituto de Economia da UFRJ.

  • tecnolgica e um ambicioso aumento das exportaes. 1 O plano foi o produto de uma

    elite burocrtica que via a autonomia industrial como o pr-requisito para a soberania

    nacional. Tal burocracia esclarecida tinha sido influenciada pela vasta literatura de

    Economia do Desenvolvimento (ainda que eventualmente viesse a perseguir seus

    autores, por razes polticas) e pretendia retirar o Brasil do rol dos subdesenvolvidos

    para integr-lo ao seleto clube das potncias. Este parecia ser um sonho possvel para

    um pas que recentemente ostentara as maiores taxas de crescimento do mundo o

    autobatizado milagre - e que atingira o posto de oitava maior economia mundial. 2 Este

    segmento burocrtico desenvolvimentista tinha como coordenador o prprio Presidente

    da Repblica, o general Geisel (quadro formado no Conselho Nacional do Petrleo

    durante o governo Vargas), e como mentores e executores os ministros Reis Velloso e

    Severo Gomes.

    Governos necessitam de think tanks, organizaes independentes engajadas em

    pesquisa multidisciplinar que buscam lastrear as polticas pblicas e que esto fora do

    alcance da competncia da burocracia. Um think tank realiza pesquisas distintas das

    acadmicas por sua preocupao em atender demandas do governo, funcionando como

    um espao intermedirio entre acadmicos e policy-makers.3

    Este tipo de organismo no era novidade no Brasil. J nos anos 30 tivera incio a

    realizao de estudos sistemticos para dar suporte ao desenho de planos setoriais (ao,

    automobilstica, etc.) e projetos pblicos (CSN, Cia. Hidroeltrica de S. Francisco, etc.).

    Durante o Estado Novo o Conselho Tcnico de Economia e Finanas e o Conselho

    Federal de Comrcio Exterior nuclearam grupos interdisciplinares com aquela

    finalidade. Aps a II Guerra Mundial houve uma multiplicao de equipes. Surgiram

    rgos estaduais de planejamento a partir da iniciativa pioneira da Comisso de

    Planejamento Econmico da Bahia. A Constituio de 1946 deu origem a duas

    importantes agncias de desenvolvimento regional: a Comisso do Vale do S. Francisco

    e a Superintendncia do Plano de Valorizao da Amaznia. No incio dos 50 a

    Assessoria Econmica do segundo governo Vargas realizou a reviso do Plano

    Rodovirio Nacional, do programa de eletrificao e equacionou a questo do petrleo.

    A Comisso Mista Brasil-Estados Unidos estimulou a elaborao de projetos de infra-

    1 Para uma avaliao do II PND ver Lessa (1988). 2 Os economistas em muito contriburam para incorporar as mensuraes internacionais de performance econmica em um mundo de sonho, onde se compara PIBs, taxas de crescimento e taxas de inflao de diferentes pases como se tais ndices representassem fenmenos da mesma natureza, ignorando as diferenas entre distintos vetores de preos relativos e as dificuldades metodolgicas para compatibiliz-los.

  • estrutura e foi semente do futuro BNDE, que nasceu com grupos setoriais voltados para

    os setores de infra-estrutura e de indstria pesada. Para o aperfeioamento dessas

    equipes atuaram, entre outros, os cursos do Conselho Naciona l de Economia e do

    Centro de Desenvolvimento Econmico CEPAL-BNDE. No final dos anos 50 o xito

    do Plano de Metas e dos Grupos Executivos e Conselho de Desenvolvimento havia

    inspirado em praticamente todos os nveis da hierarquia pblica a organizao de

    grupos de pesquisa e planejamento para a tomada de deciso. Em 1964 parte destes

    organismos foi desestruturada ou reorganizada, sendo seu espao ocupado pela FGV,

    pelo IPEA, pelo IPE/USP e instituies estaduais - como a Fundao Joo Pinheiro.

    A Fundao Getlio Vargas foi criada nos anos 40, no Rio de Janeiro, por

    inspirao do DASP, para formar os quadros necessrios modernizao administrativa

    do aparelho de Estado. Mas logo as pesquisas de indicadores de preos e desempenho

    econmico tornaram-se o carro-chefe da casa; Eugenio Gudin e Otavio Gouveia de

    Bulhes trouxeram seu prestgio pessoal a FGV, que passou a congregar boa parte dos

    profissionais de economia do pas. Suas pesquisas foram irrigadas por financiamentos

    de organismos como a Fundao Rockfeller e o Ministrio da Agricultura dos EUA.

    Suas publicaes ocuparam desde logo posio de destaque, principalmente Conjuntura

    Econmica e a Revista Brasileira de Economia. Aps 1964, na gesto Campos-Bulhes,

    este centro de pesquisa foi o laboratrio onde foi gestada a poltica de ajuste

    macroeconmico. Aps um relativo afastamento do centro decisrio pelo Delfinato, nos

    governos Costa e Silva e Mdici, a FGV voltou ao centro da gesto monetria no

    Governo Geisel, em funo da presena de Mario Henrique Simonsen no ministrio.

    O IPEA foi fundado em 1964 no mbito do Ministrio do Planejamento para

    realizar os estudos que embasassem as atividades de planejamento econmico e social

    (que na poca no era ainda classificado entre os pecados mortais). Uma das

    caractersticas que o diferenciava da maioria dos rgos anteriores era o fato de

    remunerar convenientemente sua equipe e de ter mais ancorada a idia de planejamento,

    alm de contar com recursos suficientes para fazer pesquisas e difund- las, atravs de

    seus relatrios, livros e revistas, sobretudo a Pesquisa e Planejamento Econmico.

    Alm disso, enviou diversos tcnicos para cursos de doutorado no exterior, os quais se

    vieram a perfilar-se entre os economistas mais conhecidos do pas. O IPEA no se

    limitou a atender demandas diretas do governo, tendo igualmente promovido um salto

    qualitativo na pesquisa em estudos setoriais e em histria econmica atravs de

    3 Loureiro (1997a:203-4) .

  • levantamentos estatsticos que aperfeioaram a informao sobre a economia brasileira.

    Em paralelo s atividades de pesquisa tambm formou tcnicos em planejamento,

    atravs do CENDEC que reproduziu os padres do Centro de Desenvolvimento

    CEPAL-BNDE - e teve papel decisivo sobre o ensino de ps-graduao, atravs do

    financiamento das atividades da ANPEC.

    O IPE-USP foi fundado em 1964 com recursos da USAID, da Fundao Ford e

    da Aliana para o Progresso. Igualmente recebeu recursos do BID para promover cursos

    de especializao destinados a formar pessoal para os bancos de desenvolvimento que

    se haviam multiplicado na esfera estadual. O prestgio da casa aumentou fortemente a

    partir das gestes de Delfim Netto frente de secretarias estaduais e ministrios, quando

    seus professores foram guindados a alguns dos mais importantes cargos pblicos. A

    produo de indicadores econmicos sempre permitiu sua exposio mdia, e as

    publicaes de carter acadmico se difundiam atravs da revista Estudos Econmicos.

    O IPEA, a FGV e o IPE no estavam capacitados para estudar as especificidades

    da estrutura industrial e tecnolgica que estava sendo implantada pelo II PND. Em

    particular no acompanhavam a poltica de informtica, considerada decisiva para o

    encaminhamento do pas rumo gerao de tecnologia de ponta. Este era um universo

    desconhecido, que se manifestava atravs de vagas bandeiras, como autonomia

    tecnolgica, que ningum sabia precisamente como poderiam ser transformadas em

    realidade via poltica cientfica e tecnolgica, cujos objetivos, linhas de atuao e

    instrumentos necessitavam ser delineados e avaliados. Havia, portanto, todo um campo

    de conhecimento a ser desbravado e nenhuma instituio capacitada ou interessada em

    faz-lo.

    O organismo que comeou a desempenhar este papel foi a FINEP; porm este

    no era um centro de pesquisas, mas o rgo encarregado de financiar estudos ligados

    modernizao tecnolgica do pas. Tinha uma burocracia com caractersticas de

    excelncia, em parte treinada em cursos de ps-graduao no exterior, alm de

    articulada ao corpo tcnico do IPEA. Nos anos 70 suas necessidades de pesquisa nos

    campos de economia industrial e da tecnologia eram atendidas por equipes

    complementadas por pesquisadores recrutados nas universidades. A FINEP

    compreendeu as limitaes deste tipo de arranjo e forneceu a inspirao, os recursos e

    alguns de seus quadros para a criao de um centro de ensino de ps-graduao e

    pesquisa em economia na UFRJ. Este no foi um projeto meramente burocrtico; a

    articulao com a universidade passou pela incorporao de uma srie de variveis

  • especificamente acadmicas e foi preservada sua autonomia em relao ao cotidiano

    poltico dos policy-makers.

    A dcada de 70 assistiu a uma expanso do ensino superior nas maiores

    economias do mundo. Nos Estados Unidos aumentaram o nmero e a variedade de

    cursos, tanto pb licos quanto particulares. Na Europa, expandiu-se quase que

    exclusivamente a universidade pblica. No Brasil a oferta de cursos e vagas em

    estabelecimentos privados conheceu um boom (raramente acompanhado pela qualidade

    do ensino), em paralelo a um crescimento menos intenso da rede pblica estadual e

    federal. A expanso do ensino de graduao gerou uma relativa desvalorizao destes

    diplomas e o aumento da demanda pela ps-graduao.

    Os cursos de mestrado e doutorado tm custos tradicionalmente elevados, o que

    no Brasil levou sua concentrao em universidades pblicas, geralmente articulados a

    centros de pesquisa. Estes centros tinham distintos graus de articulao com o poder

    poltico e uma carncia de quadros qualificados. A partir de 1964 esta situao agravou-

    se quando parte dos pesquisadores de ponta do pas partiu para o exlio. O regime

    militar cuidou de substitu- los por jovens formados em mestrados e doutorados nos

    Estados Unidos e na Europa, financiados pela CAPES e pelo CNPq em nmero

    reduzido para as necessidades do pas, mas muito elevado diante do padro anterior.

    Quando os exilados foram reincorporados pela abertura lenta e gradual promovida por

    Geisel a pesquisa e o ensino de ps-graduao j tinham sido fortemente alterados pela

    incorporao de novas idias e novos padres de trabalho, implantados pelas levas

    crescentes de novos mestres e doutores vindos do exterior.

    O ensino de ps-graduao e a pesquisa esto sempre articulados. Um centro de

    pesquisa pode no ter um curso formal, mas o contato entre pesquisadores de diferentes

    geraes funciona como um sistema informal de transmisso intergeracional de

    conhecimento. De maneira similar, dificilmente um centro de ensino deixar de utilizar

    seus recursos humanos para desenvolver algum tipo de pesquisa. Assim, parece-nos

    razovel associar estas duas atividades na anlise de cada centro. Ambas foram

    beneficiadas pelo aumento das verbas para financiamento institucional verificadas ao

    longo do regime militar. As instituies foram apoiadas em bloco e autonomamente

    decidiam seu programa de ensino e pesquisa.

    Os centros de ps-graduao e pesquisa (doravante denominados CPGP) tinham

    graus distintos de articulao com o governo. Talvez se possa dizer que a tolerncia

    para com dissidentes polticos variava na razo inversa da proximidade com o governo

  • federal. Muitos dos pesquisadores dos CPGP, sobretudos aqueles mais distantes do

    poder, vincularam-se politicamente grande frente de oposio articulada em torno do

    MDB e, a partir do final dos 70, ao PT. Esta frente teve como principais bandeiras a luta

    pela democratizao e pela distribuio da renda. Este cenrio acabou levando os

    economistas ao centro do debate poltico, o que fizeram para l transplantando as suas

    prprias divergncias disciplinares.

    A CONTROVRSIA NO MUNDO DOS ECONOMISTAS

    Os economistas sempre esto de alguma forma ligados aos detentores do poder

    poltico ou queles que pretendem conquist- lo. So os mais importantes dos

    conselheiros do Prncipe neste final de sculo.4 Sendo simultaneamente ligados

    universidade, fazem com que o debate econmico tenha sempre uma dupla face. De um

    lado, h uma controvrsia estritamente acadmica, cuja compreenso restrita queles

    que dominam os cdigos e corpos tericos especializados. De outro, participam do

    debate poltico mais geral, articulado aos diversos grupos de interesses, desempenhando

    o papel de falar, como peritos, em nome da Cincia para legitimar as propostas de seus

    aliados e deslegitimar aquelas de seus adversrios. A histria da Repblica foi

    temperada por debates polticos acerca de temas econmicos que opunham papelistas e

    metalistas, industrialistas e agraristas, desenvolvimentistas e monetaristas.

    O saber econmico divide-se em diversas escolas de pensamento que vivem em

    permanente tenso. O sucesso de cada escola depende da vitria em uma srie de

    debates que lhe permitem arregimentar adeptos, travados tanto no interior tanto no

    interior da tribo de especialistas quanto entre estes e seus aliados leigos. Como um dos

    autores desenvolveu em outros trabalhos,5 os diferentes graus de especializao entre os

    participantes destes debates fazem com que as idias sejam apresentadas em quatro

    verses com distintos graus de complexidade. A primeira verso, que chamaremos V1,

    trata dos fundamentos da doutrina e constitui seu hard core; um construto hermtico,

    acessvel apenas queles que dedicaram longos anos ao estudo. A segunda verso, V2,

    trata das mesmas questes com mais simplicidade, examinado menos variveis e sendo

    acessvel a qualquer profissional que tenha passado com sucesso pelo treinamento-

    padro. Esta , portanto, a lngua franca da profisso, s podendo ser chamado de

    economista quem dela entenda e nela seja capaz de se expressar. A terceira verso, V3,

    a propedutica, ainda mais simplificada e apresentada com graus progressivos de

    4 Este tema est desenvolvido em Lessa (2000). 5 S Earp (1996, 2000).

  • complexidade aos estudantes; seu meio de expresso por excelncia so os manuais

    universitrios e o sucesso no aprendizado conduz ao domnio da V2. Finalmente temos

    a verso massificada, que expe os problemas na forma hiper-simplificada destinada

    compreenso do grande pblico, a V4; esta a que se envolve nos debates polticos de

    cada momento.

    caracterstico de dois sculos de pensamento debruado sobre o econmico

    que nenhuma das escolas derrote as adversrias de forma inequvoca e definitiva ao

    contrrio, o debate entre os grandes vetores continuamente realimentado. Os centros

    acadmicos ou se filiam institucionalmente a uma destas perspectivas ou so eclticos e

    internalizam uma viso ecumnica das controvrsias.

    Um profissional depois que domina a V2 dificilmente se dispe a enfrentar o

    longo perodo de estudo necessrio compreenso de outra linha de pensamento.

    Mesmo os acadmicos, que dispem de tempo e recursos para dedicar ao estudo da V1,

    nos momentos em que se sentem insatisfeitos com as deficincias da escola de

    pensamento em que foram treinados, costumam encontrar tamanhas falhas nas linhas

    tericas alternativas que acabam por preferir manter-se fiis quelas j conhecidas.

    Desta forma o engajamento terico do economista normalmente decidido nos bancos

    escolares e nos primeiros anos do exerccio da profisso. O aparecimento de novas

    idias raramente lana razes na gerao j formada, encontrando a maior parte de sua

    audincia nos estudantes. Justamente por isto to importante para uma escola de

    pensamento econmico controlar uma instituio de ensino e pesquisa, bem como os

    meios de divulgao de seus trabalhos. Tudo isto implica na permanente luta por

    recursos que no Brasil como na Europa vm quase que exclusivamente do poder

    pblico. Uma escola de pensamento depende crucialmente de suas alianas com a

    burocracia capaz de alocar recursos.

    A burocracia tambm depende dos acadmicos para o detalhamento de estudos e

    para a formao de novos quadros que garantam a manuteno dos projetos atuais,

    evitando solues de continuidade. Mais ainda, precisa do apoio legitimador da

    universidade, pois a aura da Cincia ainda tem algum grau de sacralidade para os leigos

    e no caso da economia, antes da coleo de fracassos de poltica econmica dos

    perdidos anos 80 e dos ordaliosos 90, esta aura era das mais respeitveis.

    At a dcada de 60 eram tnues e no sistemticas as relaes entre a burocracia

    de elite e o sistema de ensino de economia. A atividade acadmica reduzia-se aos cursos

    de graduao, criados a partir de meados dos anos 40 na Universidade do Brasil (mais

  • tarde UFRJ) e na USP. Na primeira avaliao do ensino de economia no pas, feita na

    Conferncia de Itaipava, em 1966, por representantes das principais instituies de

    ensino da disciplina,6 os resultados no foram animadores. Verificou-se que o ensino na

    maioria dos cursos era de baixssimo nvel e os melhores profissionais eram formados

    em universidades no exterior ou nas escolas prticas onde se concentrava a elite

    intelectual da burocracia - SUMOC, BNDE e umas poucas mais. Concluiu-se tambm

    que era indispensvel criar centros de excelncia capazes de fornecerem a professores e

    pesquisadores uma formao qualitativamente diferente. Em um primeiro momento a

    nfase foi concedida aos cursos de mestrado, ficando o doutorado para ser feito no

    exterior.7

    Os dois primeiros centros de ps-graduao foram a Escola de Ps-Graduao

    em Economia da FGV-RJ e o curso de mestrado em economia do IPE-USP, criados em

    meados dos anos 60. Neles foram concentrados recursos externos, oriundos sobretudo

    da AID e da Fundao Ford, ao mesmo tempo em que foram assinados acordos

    bilaterais com universidades norte-americanas para a vinda de professores visitantes e o

    envio de estudantes para cursos de doutorado. E foi fundada a ANPEC, associao de

    CPGPs em economia que se propunha a criar padres de excelncia de ensino que iam

    da estrutura curricular seleo unificada de candidatos.

    A EPGE e o IPE foram os primeiros cursos de ps-graduao, aproveitando o

    apoio do governo federal e de organismos internacionais. Mas no foram os nicos;

    faltava um espao para os economistas da longa tradio da economia poltica. O

    principal ponto de concentrao para estes personagens foi o Departamento de

    Economia da UNICAMP; para onde confluram muitos dos economistas do

    desenvolvimento ligados CEPAL, naquele momento entregues tarefa de tentar

    repensar as bases tericas para uma economia poltica do desenvolvimento brasileiro. A

    presena do MDB no governo do estado de So Paulo proporcionou as bases polticas

    que garantiram a ampliao do financiamento ao novo CPGP.

    A UNICAMP apresentou-se como escola de pensamento capaz de contestar a

    todos os nveis as propostas oriundas da FGV, tornando-se o centro de uma elite

    intelectual alternativa. O cerne do debate terico hard, ao nvel V1, gira em torno da

    aplicabilidade do modelo de equilbrio geral tal como formulado por Kenneth Arrow e

    6 Entre outros l estiveram presentes Antonio Delfim Netto, Joo Paulo dos Reis Velloso, Julien Chacel, Isaac Kerstenetzky, Maria da Conceio Tavares e Mario Henrique Simonsen. Ver Bianchi (1997). 7 Com o tempo o elevado custo do doutorado externo estes cursos passaram a ser internalizados e, por vezes, complementado com uma bolsa sanduche.

  • Grard Debreu no inicio dos anos 50 (voltaremos ao ponto). A postura da UNICAMP

    consistiu na busca de um paradigma alternativo, fruto de um mlange entre o

    keynesianismo, a economia do desenvolvimento e as diversas correntes de crtica da

    economia poltica. Mas o centro dos esforos jamais foi este debate estratosfrico e sim

    o nvel V2, de aplicao dos mais variados elementos tericos histria para forjar uma

    nova anlise dos rumos do desenvolvimento brasileiro. Apresentar um caminho para o

    Brasil em meio crise era o objetivo central dos campineiros; da sua escolha pela

    pesquisa na macroeconomia e na economia poltica, bem como sua forte ligao com

    os partidos de oposio. Ainda que no tendo desenvolvido o material didtico voltado

    para a formao de estudantes, ao nvel V3, a UNICAMP foi competente ao apresentar

    mdia uma estratgia compreensvel para o grande pblico, a verso V4, articulada ao

    movimento pela redemocratizao. A expresso deste pensamento crtico em terras

    fluminenses fez-se inicialmente atravs do Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro.

    Mas ao IERJ faltavam o ensino e a pesquisa, restando o plpito para propagar sua V4; o

    IERJ no tinha produo intelectual nem formava quadros.

    A contestao foi recebida diferentemente pela USP e pela FGV. A USP

    simplesmente absorveu mais uma corrente, como freqente nas grandes escolas de

    formao ecltica. Ao contrrio a FGV, pequena escola com pensamento monoltico,

    partiu para o combate e tentou impedir a participao do curso de ps-graduao da

    UNICAMP na ANPEC. Foi derrotada, em boa parte pelo peso poltico da USP, e

    durante alguns anos manteve-se afastada da ANPEC.8

    No final dos anos 70 havia no seio da burocracia esclarecida a conscincia de

    que todos os momentos do desenvolvimento brasileiro giravam em torno do processo de

    industrializao, e que no estgio ento vivido pelo Brasil era vital tentar ao menos

    compreender e se possvel acompanhar a especificidade dos processos industriais bem

    sucedidos e a revoluo tecnolgica j iniciada. Seria, assim, preciso trabalhar na

    fronteira entre a micro e a macro, repensando os paradigmas existentes e avaliando em

    cada caso histrico as diversas perguntas e respostas para aplic-las seletivamente ao

    caso brasileiro. Era preciso compreender o processo e formar quadros, articulando a

    economia, a poltica e a engenharia, o que nenhum dos CPGP existentes era capaz de

    fazer. A UNICAMP e a USP formavam scholars; a FGV formava gestores de poltica

    monetria e finanas. Nestas circunstncias, quem formaria os quadros do Estado

    8 interessante notar que o representante da USP no conselho da ANPEC e defensor da entrada da UNICAMP era Affonso Celso Pastore, ferrenho monetarista e um dos alvos prediletos da crtica campineira... (Bianchi, 1997).

  • desenvolvimentista? No que se refere pesquisa, quem centraria esforos em economia

    industrial e da tecnologia?

    A oportunidade para concentrao de esforos surgiu quando a FINEP decidiu

    financiar a montagem do Instituto de Economia Industrial da UFRJ. O Rio de Janeiro

    apareceu como o lugar ideal para o novo centro. Nesta cidade estavam situadas as sedes

    das grandes empresas estatais (Petrobrs, Eletrobrs, Vale frente de todas) o think tank

    do planejamento estatal (o IPEA) e os principais rgos de financiamento pblico (o

    BNDES, a FINEP, parte do MIC). Alm disso, o Rio sempre foi um centro de

    concentrao de oposicionistas ao regime militar e existia entre os estudantes uma

    grande demanda insatisfeita por um curso de ps-graduao com perfil heterodoxo.

    Algumas tentativas tinham sido feitas de criar substitutos no mbito da COPPE

    geralmente mal sucedidos pela incapacidade de concentrarem o nmero e a diversidade

    de economistas necessrios para atender aos diversos campos de ensino e pesquisa que

    compem a profisso. O ltimo destes cursos foi o mestrado em Economia da

    Tecnologia, aberto no programa de engenharia de Produo, que tinha como proposta

    exatamente o tipo de estudos demandados pela burocracia para levar a cabo o II PND,

    mas no contava com os recursos humanos nem financeiros necessrios. A criao de

    um CPGP no velho casaro da Urca resolveria estes problemas.

    A Faculdade de Economia da UFRJ tinha o prestgio derivado de ter sido o

    primeiro curso de economia criado no pas e dos inmeros personagens de destaque que

    passaram por seus corpos docente e discente. A faculdade operava apenas como um

    centro de ensino de graduao; seus professores lecionavam em tempo parcial e alguns

    realizavam pesquisas individuais em outros organismos. No incio da dcada de 70 a

    instituio viveu sob vigilncia dos organismos de segurana poltica e o ensino decaiu;

    na segunda metade da dcada ocorreu uma renovao no comando da instituio e em

    seu quadro docente. A introduo da pesquisa e da ps-graduao criou um centro

    capaz de competir sob certos aspectos com vantagem com a FGV, qual faltava o

    ensino de graduao.9 O mesmo modelo estava sendo seguido na poca pela PUC/RJ,

    formada por um grupo de economistas ligados ao IPEA e alguns dissidentes da FGV

    9 Os problemas derivados da interveno fizeram com que o programa de ps-graduao e pesquisa fosse formalmente independente da Faculdade de Economia e Administrao. Durante os primeiros anos funcionou como um ramo da COPPE e posteriormente foi criado um Instituto de Economia Industrial com admistrao completamente separada da FEA -ainda que muitos de seus professores e pesquisadorea lecionassem no curso de graduao da mesma. Apenas em 1996, com a juno do IEI com o curso de graduao em economia foi criado o Instituto de Economia, reunindo atividades de pesquisa e ensino de graduao e ps-graduao nesta disciplina, agora sem qualquer ligao com os cursos de Administrao de Empresas e Cincias Contbeis.

  • com um enfoque menos ortodoxo que o desta ltima.

    Os professores que fundaram o IEI compunham-se de um pequeno ncleo de

    concursados da Faculdade de Economia da UFRJ a que se juntaram pesquisadores

    oriundos da COPPE, da UNICAMP e da burocracia de elite, sobretudo da FINEP, alm

    de alguns socilogos e cientistas polticos. Esta composio e o momento poltico

    vivido fizeram com que o novo centro j nascesse no fogo da luta poltico- ideolgica,

    em 1979, e que adquirisse projeo como centro crtico s polticas de estabilizao de

    porte recessivo implantadas a partir de 1980.

    A NOVA CONJUNTURA DOS ANOS 80

    No final dos anos 70 o regime pretendia conciliar uma redemocratizao

    controlada e um salto industrial e tecnolgico financiado por recursos externos. Ao

    longo da dcada de 70 os Estados Unidos viram sua hegemonia econmica ser

    perigosamente contestada pela transformao de seus aliados polticos em rivais

    industriais e financeiros. A resposta norte-americana ao final da dcada foi uma

    elevao substancial de sua taxa de juros, que atraiu capitais de todo o mundo para o seu

    mercado. A conseqncia foi uma subida em cascata das taxas de juros em todo o

    mundo, apanhando no contrap os pases que, como o Brasil, se tinham endividado a

    taxas flutuantes. Foi o dobre de finados para aquela etapa de polticas

    desenvolvimentistas dos pases da periferia.

    O incio dos anos 80 foi portanto um perodo em que a inverso do fluxo

    internacional de capitais tornou obrigatrio o reequacionamento das polticas

    econmicas. Os pases endividados deixaram de receber as entradas lquidas, perderam

    reservas e ficaram merc dos credores. A alternativa seria a moratria, que

    transformaria um problema econmico em conflito geo-poltico. Em qualquer dos casos

    ficavam interrompidos os processos de industrializao e consequentemente bloqueado

    o caminho para a autonomia tecnolgica. Mas as consequncias foram muito mais

    profundas no que tange sustentao poltica do regime.

    No Brasil em 1980-82 a poltica econmica abandonou a face

    desenvolvimentista e concentrou as atenes em um processo de ajuste. Houve bruscas

    variaes de preos relativos, alterando os fluxos de rendas e o valor dos patrimnios; a

    inflao disparou e o conflito distributivo passou a girar em torno do prazo e da frmula

    de indexao dos contratos. Com isto a populao passou em simultneo a sentir os

    efeitos de perdas de renda/riqueza e de profunda insegurana quanto ao futuro. A crena

  • mtica na capacidade da economia brasileira ser uma ilha de tranqilidade no mar

    tormentoso da crise mundial , como fora considerado por um ministro nos anos 70, foi

    substituda pelo ingresso em uma longa etapa de desesperana.

    O resultado da mudana no imaginrio popular foi sentida j nas eleies de

    1982. As oposies souberam catalizar o sentimento popular, venceram nos principais

    estados, colocaram na defensiva o regime militar e transformaram a redemocratizao

    em uma questo de curto prazo. E a promessa de mudana na poltica econmica

    desempenhou um papel decisivo neste processo. Para enfrentar a crise as oposies

    acenavam com a possibilidade de retomar o crescimento e em paralelo distribuir a renda

    e combater a misria absoluta, rompendo com a metfora delfiniana que pretendia

    primeiro aumentar o bolo para depois distribu- lo. Tudo isto seria feito s custas dos

    credores internacionais e capitaneado por um novo ator, que deixava a coxia para

    ocupar o primeiro plano da cena: o economista da oposio.

    A desarticulao das polticas industriais e o afastamento de seus mentores de

    cargos no governo desvinculou a proposta original do IEI dos novos policy-makers. Em

    contrapartida aumentou a articulao informal com os partidos polticos. A vinculao

    aos partidos de oposio colocou a escola, ao lado da UNICAMP, no papel de think

    tank do PMDB e do PT para as eleies de 1982. Em especial o documento Esperana e

    Mudana, programa de reformas proposto pelos peemedebistas, foi forjado no seio dos

    dois institutos de economia dissidentes. A partir de ento os professores destas

    instituies passaram a ter maior acesso mdia e transformaram-se em personalidades

    de renome nacional, encarnando a possibilidade de uma mudana radical na poltica

    econmica.

    Mas os rumos da democratizao no foram exatamente os esperados. A

    composio de interesses presente no gabinete de Tancredo Neves e mantido no

    primeiro momento do governo Sarney tinha tal grau de heterogeneidade que

    inviabilizava a definio e aplicao de qualquer poltica econmica coerente. Os

    ministros da rea econmica lutavam por propostas polares - a Fazenda sob Francisco

    Dornelles pregando um programa de ajuste recessivo e o Planejamento sob Joo Sayad

    pregando um ajuste heterodoxo que no comprometesse o crescimento.

    Depois de um perodo catico venceu o grupo que propunha o tratamento

    heterodoxo e a pasta da Fazenda foi entregue a Dilson Funaro, que para l levou uma

    equipe mista, oriunda da UNICAMP e da PUC/RJ. O efmero sucesso do Cruzado

    elevou ao mximo o prestgio dos economistas de oposio. Seu fracasso, bem como o

  • do Plano Bresser que o sucedeu, reduziu drasticamente a credibilidade destes

    economistas.

    O IEI foi obrigado a adaptar-se ao afastamento do centro decisrio. O ltimo

    esgar do alinhamento com o PMDB ocorreu na campanha do deputado Ulisses

    Guimares presidncia da repblica, em 1989, quando alguns de seus professores

    elaboraram os programas econmico e de polticas sociais do candidato; a derrota

    fragorosa e posterior morte do Dr. Ulisses extinguiram esta via. No caso do

    engajamento com o PT, professores da casa tinham e continuam tendo participao na

    elaborao das plataformas do partido em eleies de todos os nveis. A escola

    permaneceu como um centro crtico da poltica econmica, mas deixou de desempenhar

    junto mdia o papel de propositor de polticas alternativas. claro que seus

    professores sempre ocuparam diversos cargos pblicos, mas em funo de sua projeo

    pessoal, sem que o vnculo institucional tenha tido destaque na mdia.

    Boa parte do esforo intelectual do IEI, ainda que sem abandonar dos estudos de

    economia industrial, passou a partir de ento a ser direcionado para o aprofundamento

    da comprenso do processo de transformao por que passava a economia mundial, para

    a avaliao dos mecanismos de ajuste preconizados pelo Consenso de Washington e

    para a busca da alternativas que no provocassem um processo de desindustrializao

    no pas. Isto implicou em um aumento da convergncia com a UNICAMP, mas no

    contribuiu para a aproximao com as autoridades que nos anos 90 conduziram a

    poltica econmica do pas - pelo contrrio. Isto no significa que a casa tenha deixado

    de desempenhar o papel de think tank. Seus grupos de pesquisa continuam estreitamente

    ligados a rgos pblicos Mas deixou de ser um think-tank do poder executivo federal e

    passou a atuar a nvel setorial. E, sobretudo, teve que acomodar-se ao papel de centro

    que se valoriza mais pela atividade acadmica do que pelos seus laos com a burocracia.

    Isto no significa que a casa tenha deixado de desempenhar o papel de think tank . Seus

    grupos de pesquisa continuam estreitamente ligados a rgos pblicos Mas deixou de

    ser um think-tank do poder executivo federal e passou a atuar a nvel setorial. E,

    sobretudo, teve que acomodar-se ao papel de centro que se valoriza mais pela atividade

    acadmica do que pelos seus laos com a burocracia.

    O IE E A ACADEMIA: UM CENTRO DO PLURALISMO HETERODOXO

    Marginalizado no cenrio poltico, o IEI expandiu-se no plano acadmico,

    abrindo seu programa de doutorado em 1988 e participando ativamente do debate no

    interior da disciplina. Antes de mais nada, o IEI destacou-se no debate terico pela

  • contestao ao pensamento ortodoxo no nvel V1, ao contestar a aplicao dos

    elementos centrais do modelo Arrow-Debreu. Os elementos analticos do debate terico

    de mais alto nvel no so formulados no Brasil, mas nos pases centrais; os centros

    ortodoxos e heterodoxos da periferia atuam como reprodutores e qualificadores destas

    idias. O debate centra-se na inaplicabilidade da racionalidade substantiva anlise

    econmica, onde preponderam casos de racionalidade limitada, proposta por Herbert

    Simon em 1958 e que lhe rendeu o prmio Nobel. Sob racionalidade limitada no se

    realiza o equilbrio geral e muito menos faz sentido falar em expectativas racionais,

    elementos centrais para a maior parte das anlises realizadas pelo mainstream.

    Esta postura crtica repete-se em todas as atividades de ensino e nas pesquisas

    realizadas na casa, sobretudo nos campos j consolidados da economia industrial, da

    economia da energia e da economia do trabalho, onde a abordagem heterodoxa

    proporciona maior aderncia aos fenmenos concretos, evitado o vcio ricardiano.10 Nos

    primeiros tempos a principal contribuio terica da casa foi a introduo do conceito

    de complexo industrial, derivao aperfeioada do conceito francs de filire, aos casos

    concretos da economia brasileira. Igualmente importantes foram os estudos sobre

    tecnologia de informtica e automao industrial, que culminaram com a construo da

    matriz tecnolgica da informtica, em parceria com a COPPE. 11 A partir do momento

    em que a burocracia desenvolvimentista perdeu fora o IE foi levado a diversificar o

    escopo e a clientela para suas pesquisas. Na ltima dcada os pesquisadores da casa

    aumentaram sua participao em novos campos de anlise, como energia, meio

    ambiente, informao, regulao econmica, scio-economia do Rio de Janeiro e

    entretenimento. muito provvel que o ecumenismo do quadro de professores tenha

    facilitado esta adaptao flexvel. O reflexo desta diversificao foi a retirada do

    sobrenome Industrial do Instituto de Economia, em 1996.

    Ainda que esta recente mudana no escopo das pesquisas no possa at o

    momento ser objeto de demonstrao emprica, o perfil tradicional da casa e sua

    penetrao no mercado acadmico podem ser mensurados. Em um levantamento feito a

    partir dos trabalhos apresentados nos Encontros anuais da ANPEC entre 1980 e 1995

    10 O vcio ricardiano implica em aplicar concluses vlidas em alto nvel de abstrao, como o modelo Arrow-Debreu, a casos concretos, em que existem muito mais variveis, sem as indispensveis mediaes tericas. Esta a principal falha metodolgica do mainstream. 11 Quando este estudo foi concludo, em 1989, tinha ficado claro que a poltica de informtica estava em seus estertores, o que impediu o desdobramento do projeto.

  • observa-se que o IE ocupou o segundo lugar em nmero de trabalhos selecionados,12

    tendo participao destacada nas reas de organizao industrial, mudana tecnolgica e

    crescimento/desenvolvimento econmico.

    Um outro indicador da pesquisa da casa a capacidade de produzir publicaes

    acadmicas. Um CPGP precisa criar revistas que divulguem suas vises. Os centros

    mais bem sucedidos tm duas revistas, uma dedicada a anlise de conjuntura e/ou

    estudos aplicados (nvel V4) e outra a estudos de maior flego (nveis V1 e V2). O

    modelo foi implantado no Brasil pela FGV, com a Conjuntura Econmica e a Revista

    Brasileira de Economia. A USP ficou durante dcadas limitada ao segundo caso, com

    sua Estudos Econmicos; h poucos anos lanou sua Economia Aplicada. A UNICAMP

    apenas h poucos anos lanou sua Economia e Sociedade, difundindo sua viso de V1 e

    V2. J o IE ficou durante 19 anos limitado a seu Boletim de Conjuntura, que difunde

    sua V2 mas tem um pblico reduzido; apenas em 1998 lanou sua Revista de Economia

    Contempornea, que comea a ser reconhecida entre os pares. Ou seja, a pesquisa do IE

    ocupou um nicho de mercado e foi bem divulgada no meio acadmico.

    Vejamos agora o lado do ensino. A rejeio ao mainstream no implicou na

    adeso a um paradigma alternativo, ainda inexistente, mas a uma multiplicidade de

    correntes heterodoxas, como a ps-keynesiana, a neo-schumpeteriana, a regulacionista

    francesa e os novo e velho institucionalismo. Talvez a mais importante evidncia do

    carter pluralista da escola seja a diversidade de origem de seus professores,

    dificilmente encontrada no pas. Isto nos conduz a uma anlise comparativa entre o IE e

    os CPGPs concorrentes, a partir de alguns indicadores simples.

    Uma anlise deste corte deve comear avaliando o porte do centro, que ir

    determinar a amplitude de seu leque de pesquisas e abordagens. Centros pequenos

    tendem a concentrar recursos em poucas reas de pesquisa e a terem um pensamento

    tendente ao monoltico; professores de centros maiores tm mais oportunidades de

    aderirem a diferentes vises do que deve ser o trabalho na profisso. Existem no Brasil

    trs grandes CPGPs de economia, todos com mais de 50 doutores: o IE/UFRJ, o

    IE/UNICAMP e o IPE/USP. Levaremos em conta mais quatro CPGPs de porte mdio,

    12 Quem mais apresentou papers na ANPEC foi o IPE/FEA/USP, com 125 trabalhos; em seguida o IE/FEA/UFRJ, com 102,5; PIMES/UFPE, cm 72,5; IE/UNICAMP, com 72; IPEA/INPEs, com 53; UNB, com 49; UFF, com 43; CEDEPLAR/UFMG, com 30; PUC/RJ, com 29,5; CAERN/UFCE, com 23,5; EPGE/FGV, com 22,5; FGV/SP, com 22,5, UFBA, com 20; NAEA/UFPA, com 19; UFRGS, com 18,5, UFPR, com 7; outros, com 238,5, perfazendo um total de 948 trabalhos apresentados de 1980 a 1995 (Anuatti, 1997:190).

  • os da FGV-RJ, PUC-RJ, UFMG e UnB.

    Alm disso, na medida em que a maioria dos economistas define sua adeso a

    uma corrente terica durante seu curso de doutorado, quanto mais variada formao de

    seus professores e pesquisadores maior tende a ser o pluralismo. Utilizaremos trs

    indicadores para tentar medir a heterogeneidade do corpo de professores de cada centro:

    (i) o grau de endogenismo, isto , a proporo dos profissionais que fizeram seu

    curso de doutorado na prpria instituio, medindo a tendncia reproduo do

    pensamento da casa;

    (ii) o grau de abertura ao exterior, medido pela proporo dos profissionais que

    fizeram seu doutorado alm-fronteiras;

    (iii) o grau de americanizao, medido pelo percentual de professores formados

    nos EUA; conforme j abordado em artigo anterior13 os cursos de doutorado nos EUA

    tendem a ser mais uniformes em torno do mainstream do que os europeus, onde tendem

    a imperar vises pluralistas.

    Dos 65 doutores lotados no IE apenas 18% formaram-se na casa, tendo os

    demais a seguinte origem: 20% da UNICAMP, 23% de outros centros universitrios

    brasileiros, 29% de centros europeus e 12% de centros norte-americanos.14 Assim, o

    grau de endogenia baixa, com 18%, e o grau de abertura ao exterior razovel - 42%.

    Destes ltimos, menos de um tero obteve seus doutorados nos EUA e os restantes na

    Europa. A elevada participao de doutores oriundos da UNICAMP demonstra a

    importncia conferida tradio do pensamento latino-americano.

    ORIGEM DOS PROFESSORES DOUTORES EM CPGPs EM ECONOMIA

    (DISTRIBUIO PERCENTUAL)

    CPGP O prprio CPGP

    Outros no Brasil

    EUA Europa Outros

    IE/UFRJ 18 43 12 29 -

    13 S Earp (1996 a). 14 Dos professores da casa, 13 obtiveram seus doutorados na UNICAMP; 12 no IE/UFRJ; 6 na COPPE/UFRJ; 5 em Londres; 4 em Sussex; 3 na FGV/RJ; 2 em cada um dos seguintes centros: Paris, Cambridge, cole de Hautes tudes en Sciences Sociales, Poltica/USP, IUPERJ, California, New School of Social Research; e um em cada uma das seguintes: Toulouse, Grenoble, P. M. France, Illinois, Rutgers, Chicago, Pennsylvannia, Oxford, Reading, Wales, Histria/UFF e Educao/UFRJ. Todas as informaes sobre doutoramento de professores foram retiradas dos sites das respectivas instituies na Internet.

  • UNICAMP 70 21 3 3 1

    USP 58 6 26 9 -

    FGV 10 15 75 - -

    PUC-RJ - 9 73 18 -

    UFMG - 38 25 38 -

    UNB - 4 50 43 4

    Fonte: Pesquisa realizada nos sites de cada instituio, a partir da ANPEC.

    Para se ter uma idia da excepcionalidade deste quadro passemos a uma

    comparao com outros centros de economia. Dos 67 doutores que lecionam na

    UNICAMP o grau de endogenia de 70% e o grau de abertura ao exterior de apenas

    9%.15 Estes dados resultam de uma poltica voltada para o desenvolvimento de uma

    economia poltica latino-americana, capaz de repensar a proposta cepalina. Igualmente

    elevado o grau de endogenia do outro CPGP de grande porte, a USP,16 onde dos 53

    doutores cerca de 58% formaram-se na prpria casa; j o grau de abertura ao exterior

    bem maior do que o da UNICAMP, com 35% e o grau de americanizao

    significativo - 26%. Assim, os trs maiores centros tm perfis bastante diferenciados e o

    IE aquele que apresenta menor endogenia e maior abertura ao exterior.

    Quadro inverso ao dos maiores centros aquele encontrado em CPGPs com

    menor nmero de docentes, como a FGV-RJ, 17 a PUC-RJ, 18 a UFMG19 e a UnB,20 onde

    imperam baixssima endogenia e altssimo grau de abertura ao exterior. Os dois

    primeiros buscam a maioria dos seus quadros nos Estados Unidos, refletindo sua opo

    pelo ensino do pensamento de fronteira do mainstream. Os dois ltimos dividem seu

    corpo de professores entre os oriundos de centros europeu e norte-americanos, sendo

    15 Cerca de 47 professores oriundos da UNICAMP, 5 da USP, 2 da EHESC, da ESALQ, de Cornell, 1 de Paris, de Londres, da Histria-USP, da C. Sociais -USP, da PUC-SP, da C. Sociais -UNICAMP, da Argentina, da FGV-SP, da FCEAO. 16 Dos 53 doutores h 31 oriundos da prpria casa, 4 de Yale, 2 de North Carolina, de Cornell, da FFLCH/USP, de Paris e de Vanderbilt, 1 de Chicago, de Cambridge, do MIT, da Plejanov (Moscou), de Aix-Marseille, da John Hopkins, da ECA/USP e de Illinois. 17 So 5 oriundos de Princeton, 4 de Chicago, 2 de Pennsylvania, de Illinois, da USP e da FGV-RJ, 1 de IMPA e de Minnesotta. 18 So 2 oriundos de Harvard, do MIT e da California e 1 de Londres, de Cabridge, de Stanford, de Chicago e do IMPA. 19 So 3 doutores oriundos de Londres, 2 da UNICAMP, de New York, 1 da California, Michigan, de Paris, de Gemboux, de Warwick, da Histria-USP, da EPGE, do IUPERJ e da UFRJ.

  • que a UFMG ainda tem importante participao de professores formados no Brasil.

    Desta forma, observa-se que a UFRJ tem um quadro de professores bastante

    diferenciado em relao aos CPGP de qualquer porte. Esta composio implica na

    seleo do corpo de professores visitantes. Todo CPGP recm-fundado traz professores

    e pesquisadores estrangeiros; o IEI no foi exceo e trouxe economistas de diversas

    correntes heterodoxas, como os neo-schumpeterianos de Sussex e os regulacionistas

    franceses. O posterior envio de professores para cursos de doutorado, bolsas

    sanduche e ps-doutorado consolidou esta aproximao.

    Como se pode encontrar um indicador que avalie este ponto? Uma caracterstica

    do pensamento econmico heterodoxo a concentrao de esforos nos estudos nas

    reas de economia poltica, histria econmica e histria do pensamento econmico. O

    IE tinha, em 1992, cerca de 55% de sua bibliografia concentrada nestas reas, ficando

    com 45% nas reas quantitativa e de teoria econmica.21 Alm disso sempre se deu

    muita importncia na casa ao estudo de textos clssicos, em lugar de se recorrer apenas

    a manuais recentes. Esta uma caracterstica do ensino de economia europeu, em

    contraposio quele praticado nos Estados Unidos,22 e transformou-se em uma marca

    registrada da casa.

    Esta caracterstica do ensino atrai uma boa parte dos bons alunos de segundo

    grau interessados em economia para o curso de graduao do IE, bem como graduados

    de todo o pas para seus cursos de ps-graduao.23 O nico curso no Rio que tem poder

    de atrao comparvel o da PUC; o fato, porm, de seu curso ser muito direcionado ao

    ensino do mainstream afasta aqueles interessados em uma formao mais diversificada,

    como a oferecida pelo IE. Os resultados destes alunos na maioria dos concursos - do

    Provo ANPEC, passando por BNDES, Banco Central, etc. - indicam que os

    resultados so satisfatrios.

    Estes aspectos positivos no devem obscurecer os problemas da instituio. O

    20 So 5 doutores oriundos de Illinois, 3 de Vanderbilt, de Londres e de Kent, 2 de Paris, 1 de Oxford, de Cambridge, de Birmingham, de Bruxelas, da Pennsylvania, de Harvard, da George Washington, de winscosin, de Cornell, da John Hopkins, da West Indias e da USP. 21 O nico centro com caraterstica semelhante era o CEDEPLAR/UFMG, com valores de 60% -40%; vale a comparao com a PUC/RJ (4% -96%), a USP (12-88%) e a UNB (15%-85%). Os dados so de Gustavo Franco, citados em Anuatti (1997:196). 22 Sobre este ponto ver S Earp (1996a). 23 Observe-se que a concorrncia por estudantes de mestrado no Rio de Janeiro mais acirrada do que em qualquer outra cudade do pas. Existem quatro centros ligados ANPEC (IE, PUC, FGV e UFF), alm

  • mais importante deles o fato de ter pouca visibilidade para o grande pblico - o nvel

    V4 da difuso de idias. Uma das razes que nenhum de seus produtos tem destaque

    na mdia. Ao contrrio, centros como a FGV e a USP publicam ndices de preos que

    freqentam os telejornais, enquanto professores da UNICAMP apresentam-se

    regularmente em programas de televiso. A participao de professores do IE na mdia

    eventual e a falta de continuidade impede a consolidao da marca. Ainda mais, a

    participao de professores da casa em cargos pblicos de destaque geralmente no

    associada a sua ligao funcional.

    J para o pblico estudantil o alcance da viso da casa (a V3) limitado

    atuao docente de seus ex-alunos. O IE no criou manuais que identificassem a

    imagem da casa junto ao grande pblico estudantil; este um campo em que a PUC

    (com a Ordem do Progresso), a FGV (com os livros de Macroeconomia e

    Microeconomia de Mrio Henrique Simonsen) e a USP (com diversos ttulos, a partir da

    boa aceitao de seu Manual de Economia) obtiveram grande sucesso. Mesmo a

    participao de professores do IE em obras coletivas de grande repercusso no divulga

    uma marca da casa. Desta maneira o IE pode perder nos prximos anos parte de seu

    pblico para novos cursos privados de boa qualidade, como o do IBMEC e o da FGV,

    repetindo ao nvel da graduao um fenmeno que j ocorre na ps-graduao, onde os

    melhores alunos distribuem-se entre o IE e seus concorrentes.

    O enfrentamento destes problemas decisivo para que o IE consiga manter-se

    em uma posio de destaque em um meio no qual a sobrevivncia de cada CPGP

    depende cada vez mais de sua capacidade de alavancar recursos junto a uma clientela

    diversificada.

    UM POST SCRIPTUM CINCO ANOS DEPOIS

    Este artigo foi escrito em 1999, e desde ento ocorreram ao menos duas

    mudanas importantes, cujas conseqncias sero extremamente benficas para o IE,

    caso sejam mantidas. Em primeiro lugar, diversos professores da casa comearam a

    publicar manuais de grande aceitao; podemos citar as obras sobre economia

    internacional (um sucesso, com vendas de aproximadamente 15 mil exemplares),

    economia industrial, economia monetria, teoria dos jogos, lgebra linear e regulao da

    dos cursos de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e o de Economia Agrcola da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

  • concorrncia.24 Esta uma tendncia que parece ter vindo para ficar h outros livros

    do gnero em preparao.

    O outro fato a insero de professores da casa no executivo federal do governo

    petista. Merecem ser mencionados a presidncia e uma das diretorias do BNDES, duas

    importantes assessorias no Ministrio do Planejamento e um posto de conselheiro no

    CADE. No cenrio internacional, professores da casa ocupam a uma diretoria da

    CEPAL e a Diretoria executiva do BID. Esta insero decorre das alianas polticas

    construdas pelos professores da casa e abre perspectivas para o aumento do prestgio e

    de parcerias possveis.

    BIBLIOGRAFIA:

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    da difuso das idias econmicas, in Ensaios FEE, ano 21, n. 2.

    ENTREVISTAS

    Elisa Muller

    Fabio Erber

    Jos Ricardo Tauille

    Leonarda Misumeci