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Uma histria holandesa no Brasil I

Os Capixabas HolandesesUma histria holandesa no BrasilTon Roos e Margje Eshuis

Traduo da lngua holandesa Op een dag zullen ze ons vinden Ruth Stefanie Berger

I Uma histria holandesa no Brasil

Europa Pases Baixos - Zeeland

Uma histria holandesa no Brasil I

IntroduoNs conhecemos a nossa histria atravs das que nos foram contadas luz de velas ou lamparinas pelos mais idosos. Eles nos falavam sobre a Holanda, sobre a longa viagem que fizeram e sobre os primeiros anos no meio da mata, conta Abro Laurett, na pequena cidade de Santa Leopoldina. A partir de 1858 at 1862 mais de 700 holandeses emigraram para o Brasil. Tiveram a coragem de deixar a terra natal na provncia Zeeland e assinaram um contrato com a promessa de que receberiam terras, haveria trabalho suficiente para todos e boas possibilidades para o futuro de seus filhos. A realidade era bem diferente. A maioria foi parar no estado do Esprito Santo, entre morros ngremes cobertos com mata virgem, com plantas e animais desconhecidos. Debaixo de um sol escaldante para o qual a pele branca dos emigrantes no estava preparada, tiveram que construir uma nova existncia. Uma tarefa gigantesca para pessoas que vinham dos Pases Baixos, dos polderes (terras que foram drenadas e ficam protegidas por diques) muito planos, onde o horizonte infinito, o ar e as nuvens que pairam sobre as pastagens so impressionantes e o espao enorme. Eram pequenos grupos que, assim como vrias outras famlias europias, embarcaram em navios em Anturpia e emigraram para o Brasil. Essa se tornou uma emigrao esquecida e eles, um povo esquecido. Smoor, Boone, Louwers, Krijger, Heule, Theunisse, la Gasse, Schijve, Valkenier, so apenas alguns nomes de holandeses, descendentes dos imigrantes de Zeeland no estado do Esprito Santo. Na colnia Santa Leopoldina os pioneiros de Zeeland construram a prpria comunidade chamada Holanda. Mas tambm no sul do Esprito Santo e no extremo norte na divisa com a Bahia, no vale do Rio Mucuri eles comearam uma nova vida. Ainda restam poucas lamparinas em Holanda. Na maioria das casas hoje se v a iluminao fria da televiso. As histrias dos pioneiros no so mais contadas e esto ameaadas de carem no esquecimento. Os descendentes conhecem muito pouco a prpria histria, se autodenominam holandeses, mas quase nunca ouviram falar de Zeeland. Com este livro, queremos manter vivos os relatos das famlias de Zeeland no Esprito Santo, porque a histria no feita somente de grandes momentos de governos ou membros do clero, mas principalmente de pessoas que tentam construir sua sociedade. Para no esquec-los e fazer jus a sua luta por uma nova existncia registramos aqui todos os nomes. Muito se perdeu de sua histria: artigos antigos, documentos, fotos e anotaes foram levados para os tmulos ou destrudos por insetos. As histrias que ainda eram contadas em Holanda e nossa experincia no perodo de 1976 a 1983, quando trabalhamos na comunidade de Holanda, formaram a base para mais pesquisa. Eles vivem em meio a descendentes de pomeranos, alemes, suos, austracos e brasileiros. No

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foi fcil encontrar os nomes dos holandeses nos arquivos, uma vez que estes frequentemente eram registrados como alemes ou pomeranos. A histria dos holandeses no Esprito Santo ainda no havia sido escrita. Esperamos que, com este livro, possamos colaborar com o relato dessa histria e, quem sabe, algum capixaba holands se anime em aprofundar um pouco mais esta pesquisa. Estamos muito agradecidos pela confiana que tivemos dos Holandeses Capixabas, pelos seus relatos e, s vezes, recordaes emocionantes, pelas fotos e documentos antigos que colocaram a nossa disposio e pela contribuio de Anivaldo Kuhn, sempre muito envolvido com a histria dos holandeses. Os funcionrios do Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo (APEES), em especial Cilmar Franceschetto, nos estimularam e ajudaram a compilar os dados histricos. Estamos agradecidos a Frans Buysse, que em 1981 fez uma pesquisa na Comunidade Holanda para os seus estudos em antropologia e nos permitiu o acesso a esse material. Agradecemos aos nossos amigos e amigas no Brasil e na Holanda, em especial: Ronald Mansur, jornalista de A Gazeta em Vitria, que acompanhou o projeto com muito interesse e ofereceu material espontaneamente; Gerard van de Velde de Zuidzande, conhecedor da lngua e histria da Terra de Cadzand; Dennis van Tiel, Rob e Huub Zeeman, Joyce e Deborah Neys, fundadores da Fundao Holandinha em vista, que nos ajudaram a encontrar o caminho e nos apoiaram na realizao do livro. Nosso profundo agradecimento especialmente para o jornalista e escritor Stijn Jaspers pelas idias e conselhos valiosos dados durante a redao do livro. O nosso muito obrigado tambm a nossa amiga Ruth Stefanie Berger que traduziu Op een dag zullen ze ons vinden para a verso em portugus Os Capixabas Holandeses. Ton Roos e Margje Eshuis (Antnio e Margarida)

Uma histria holandesa no Brasil I

ndiceIntroduo Apresentao I Ficar ou partir 1. Invasores de Zeeland No Amazonas Na Baa de Todos os Santos Em Pernambuco No Esprito Santo 2. Esprito Santo Colnias s margens dos rios ACC 3. Crise em Zeeland Febres brasileiras 4. A Deus dar Terra a vista II Em situao precria 5. Colnia Rio Novo Visita de Dom Pedro II Visita do baro suo Ajuda para uma famlia holandesa Rio Novo do Sul 6. No Vale do Mucuri Colnia Militar do Urucu Companhia do Mucuri Grito de socorro ao consulado Veja o sofrimento dos holandeses Um aviso Descendentes III A comunidade Holanda 7. Colnia de Santa Leopoldina Nada de terras grtis 8. Enfrentando a mata Tendo escravos como mestres As primeiras casas Ilustres visitas No h mais terras para os holandeses 9. Lutando por uma comunidade prpria Mdicos dos pobres Calvinistas e Luteranos Capela e escola em Holanda 3 6 7 7 7 8 8 9 10 10 12 14 15 19 22 25 28 28 30 32 33 34 35 38 39 40 41 43 43 48 50 52 54 56 60 60 62 64 66 10. O perodo do caf Zoetementos Vendas e vendistas Jogos e divertimentos Euforia em Santa Leopoldina Contato com a Holanda Uma nova capela Orao de Ano Novo A venda, o centro econmico A crise do caf 11. Indo para novas terras 12. O perodo da mandioca Embaixo, em cima e atrs do morro Preso nas mos do vendista A igreja dividida Deus sabe o que faz So Joo de Garrafo, a terra fria Holandeses marcantes Grupos de base 13. Saindo do isolamento Aes A casa comunitria Visita do embaixador Pastor e lavrador 14. A grama pisada volta a se erguer sempre Holanda e Holandinha Santa Leopoldina So Joo do Garrafo De volta Terra de Cadzand Eplogo 15. Os Capixabas Holandeses Nomes, datas e fotos antigas de famlias Anexos 1. Folheto da Associao Colonial do Rio Novo 2. Contrato de travessia 3. Colnias no sul do Brasil 4. Recenseamento do Brazil de 1920 Bibliografia Fotos e ilustraes Diagramao 69 69 70 71 72 76 77 80 82 84 85 89 89 92 93 95 99 99 101 103 105 107 109 110 111 111 115 116 117 118 120 122 145 150 152 155 157 159 160

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PrefcioResultado de dedicada pesquisa em busca da histria de vida de um povo, TON ROOS e MARGJE ESHUIS, presenteiam brasileiros e holandeses com o livro Os Capixabas Holandeses, uma histria holandesa no Brasil. Decifrando motivos e razes que levaram os holandeses a migrarem, e destacando as dificuldades dos primeiros anos da chegada aqui no Brasil, o presente livro retrata o caminho dos colonos holandeses que se localizaram em grande parte no municpio de Santa Leopoldina, em especial nas comunidades rurais de Holanda e Holandinha, sendo os obstculos do incio da vida por aqui enfrentados com muita coragem e determinao. Com este livro, a gerao atual de descendentes de holandeses ter a oportunidade de resgatar a sua histria de vida e a sua auto-estima. Hoje, no corao desses descendentes, que ainda tm na agricultura sua principal atividade econmica, nascem novas perspectivas de vida com o resgate da cultura, da histria, e com a obra de asfaltamento da estrada para Holandinha, que atrair inmeros turistas e visitantes em busca das belezas naturais da regio. Como pai da pequena Ana Elisa Lahass Rocha, uma das tantas capixabas descendentes de holandeses, sinto uma grande alegria em testemunhar e apoiar o resgate da histria dos holandeses no Esprito Santo. Obrigado TON ROOS E MARGJE ESHUIS. Santa Leopoldina, 14 de julho de 2008. Fernando Castro Rocha, Prefeito Municipal.

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Ficar ou partir. Invasores de ZeelandNo sudeste da Holanda est localizada a provncia de Zeeland, intimamente ligada com o mar. A provncia tem boa parte de sua rea abaixo do nvel do mar e atravs dos sculos sofreu enchentes que modificaram sua paisagem. Os Zeeuwen, como so chamados os habitantes da provncia, retomavam suas terras do mar, que muitas vezes invadia grandes extenses da provncia, construindo diques atravs dos quais os polderes (terras drenadas e protegidas por diques) eram formados. Dessa forma, as ilhas e pennsulas se ligam e conseguem, ter a sua disposio pequenos portos para a pesca. Os polderes que secaram possuem um solo de barro muito frtil, ideal para a agricultura. O mar , ao mesmo tempo, amigo e inimigo dos Zeeuwen. O braso de Zeeland retrata um leo que luta contra as ondas e os seguintes dizeres: Luctor et Emergo (Luto e emerjo). Atravs da navegao os Zeeuwen tm uma longa histria com o Brasil. J em 1560 se arriscaram nas costas brasileiras e estiveram envolvidos em todas as invases holandesas no Brasil. Navegadores de Zeeland disfaravam seus navios como se fossem mercantes portugueses para conseguirem atracar em um ou outro porto. No Amazonas Em 1616 um grupo de colonizadores de Zeeland parte do porto de Vlissingen com o Gouden Haan (Galo de Ouro), um pequeno e rpido veleiro, e tem o rio Amazonas como destino. O capito Pieter Adriaenszoon tinha como misso subir o rio Amazonas at onde fosse possvel, contactar os moradores ribeirinhos, fazer negcios e procurar por ouro e pedras preciosas. Os Zeeuwen, juntamente com holandeses, so os responsveis pelas primeiras colnias holandesas no Brasil. Na chegada eles recebem a ajuda dos ndios que, com suas canoas, transportam os mantimentos do veleiro para as margens do rio. Durante os meses seguintes mais navios com colonizadores chegaram. No entanto, depois de um ano

O braso de Zeeland

Os navios mercantes holandeses Petrus e Paulus

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os colonizadores so descobertos. Um espio relatou aos portugueses ter visto trs embarcaes holandesas navegando rio acima e que alguns comerciantes circulavam entre os moradores das vilas com mercadorias e estes j falavam muito bem a lngua dos ndios. Seis anos depois os holandeses, juntamente com outros intrusos, foram expulsos da regio do rio Amazonas. Os povoados so destrudos. O veleiro Gouden Haan levado para terra e incendiado. Com um dos ltimos navios os soldados fogem para alto mar e deixam os colonos em situao desesperadora. Quando, em 1621, a Companhia das ndias Ocidentais (West Indische Companhie WIC) fundada, um dos empreendedores, Jan de Moor, no havia esquecido os 70 colonizadores nas margens do Amazonas. Ele pede que os dirigentes da WIC retirem essas famlias de sua difcil posio. Os dirigentes atendem ao seu pedido e ordenam que eles sejam levados de volta. Em 1623 os sobreviventes dessa aventura colonizadora s margens do rio Amazonas chegam sos e salvos ao porto de Vlissingen. Na Baa de Todos os Santos A Baa de Todos os Santos vista pelos senhores da WIC como o corao do Brasil. Os senhores da WIC decidem atacar o Brasil para poderem importar acar e pau-brasil. Em sua opinio a populao indgena reagiria bem a amizade dos holandeses, uma vez que a populao branca vinda de Portugal os explora terrivelmente. Duas vezes por ano criminosos de prises portuguesas so despejados no litoral da Bahia. Em 1623 lanado na Holanda um livro de Dierick Ruiters entitulado Toortsche der zee-vaert que certamente influenciou a deciso da WIC de invadir Salvador. O livro desse autor de Zeeland possua dados interessantssimos sobre o Brasil e principalmente sobre todos os pontos importantes e caminhos de acesso cidade. Os portugueses prenderam Dierick Ruiters no Rio e tentaram transferi-lo para Pernambuco. Mas ele acabou chegando Baa de Todos os Santos. Depois de sua libertao escreveu esse livro que se tornou um timo guia militar. Os navios da WIC partem para Salvador, que tomada no dia 10 de maio de 1624. A invaso no durou muito tempo. Quase um ano depois, na Pscoa, surge na costa uma frota de 52 navios. Num primeiro instante os holandeses pensaram que seria a j esperada segunda frota que viria para ajud-los. Mas, para seu espanto, os navios que apareceram tinham a bandeira espanhola. Os espanhis abriram fogo provocando pnico e desordem. Um tamborileiro enviado at o capito espanhol na tentativa de negociar, mas teve como resposta: Abram as portas da cidade imediatamente. Em Pernambuco Os veleiros da WIC partem em direo costa sul-americana e esperam a passagem de navios portugueses e espanhis car-

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regados de riquezas para intercept-los e saque-los. A carga de ouro, prata, acar, sal e tambm de pau-brasil. Em 1630 a WIC conquista Pernambuco, que passa a ser chamada de Nova Holanda. Johan Maurits, conde de Nassau_Siegen nomeado governador e a sede do governo Mauritsstad (atual Recife). Essa invaso parece tornar-se um grande sucesso para os comerciantes de Zeeland. O comrcio de escravos, no qual os Zeeuwen tm um papel importante, ganha grande impulso a partir de ento. Isto era necessrio, pois os holandeses queriam colocar novamente em funcionamento os moinhos de acar conquistados dos portugueses, mas a maioria dos escravos havia fugido, o que tornaria tal tarefa impossvel. Maurcio de Nassau foi pressionado a conseguir bano vivo suficiente para esse fim. A princpio, os holandeses calvinistas condenam o comrcio de escravos, mas as vantagens comerciais so grandes e alguns telogos importantes comeam a dizer que o comrcio de escravos no est mais contra os princpios calvinistas desde que seja feito somente com nocristos. O domnio holands vai at o ano de 1654. No Esprito Santo Tambm na costa do Esprito Santo aparecem os piratas holandeses e de Zeeland. O ataque mais sangrento foi o de 1625. No dia 12 de maro eles invadem Vitria sob comando de Piet Heyn. Os sinos da igreja tocam e a populao convocada para se defender. No somente os soldados portugueses, mas tambm os civis de Vitria, os padres jesutas e um grupo de ndios liderados pelos caciques Japi-Au e Gato Grande defendem sua cidade e lutam contra os holandeses que so obrigados a recuar. Dois dias depois uma nova tentativa feita com 300 homens. Eles querem chegar cidade alta de Vitria pelas escadas. L mora Maria Ortiz, uma mulher de 20 anos de idade que organiza, juntamente com outras mulheres da vizinhana, uma defesa bastante original. Ser que ela sabia do ataque? Ser que ela conseguiu arrancar esse segredo de algum soldado de Piet Heyn durante uma visita noturna? Quando os homens de Heyn comeam a subir as escadarias, as mulheres jogam gua fervente, paus, pedras e carvo em brasa pelas janelas nas cabeas dos soldados. Dessa forma elas impedem que os holandeses cheguem ao ponto estratgico de Vitria na cidade alta. Assim, se ganha tempo e um esquadro de soldados sob o comando de Salvador Correia de S chega para salv-los. Estes conseguem derrotar e expulsar Piet Heyn da baa de Vitria. A rua onde Maria Ortiz conseguiu deter os holandeses hoje em dia se chama Escadaria Maria Ortiz. Ela considerada uma herona desde ento. Ao mesmo tempo, na Holanda, Piet Heyn ainda considerado um homem com um pequeno nome, mas de grandes atos. Depois de quinze anos os Holandeses surgem de novo na costa do Esprito Santo. Sob o comando de coronel Coen eles tentaram

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Os Holandeses querem conquistar o Convento da Penha

escalar o monte da Penha. Conta a lenda no Brasil que eles retrocederam porque uma grande armada veio do cu para defender o convento contra os brbaros Holandeses. O santurio transformava-se em poderoso castelo defendido por um esquadro de soldados, enquanto, a p e cavalo, descia muita gente, com as armas luzentas e bem preparadas. Entretanto, a ermida estava deserta e a prpria imagem de Nossa Senhora fora removida cautelosamente para o convento de So Francisco, em Vitria. No Convento da Penha existe um quadro que retrata essa invaso dos holandeses. Em 1653 os piratas holandeses aparecem mais uma vez. Ajudados por um traidor portugus, eles conquistam o Convento da Penha, o saqueiam e levam figuras de santos, obras de arte e escravos. Duzentos anos depois da expulso dos holandeses do Brasil, famlias de Zeeland partem novamente com destino ao Esprito Santo. Dessa vez no para roubar, saquear e fugir, mas para tentar construir uma nova vida.

. Esprito Santo

Colnias s margens dos rios A primeira proposta sobre a necessidade de se colonizar o Esprito Santo foi feita no dia 3 de maio de 1825 pelo Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte. Segundo o padre e poltico, a menor das provncias do novo reino oferece timas condies para o estabelecimento de colnias s margens dos seus rios. De acordo com ele, os ndios no tm importncia alguma para o comrcio, e a agricultura e os escravos esto ficando caros demais j que

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o transporte deles pelo mar est muito controlado. Ele prope importar casais e assent-los s margens dos rios, porque estes so o caminho para o interior. Ele mesmo chama as margens do Rio Doce de o paraso do Brasil. Esses casais e famlias podem formar colnias, cultivar os morros ainda arborizados e construir uma infra-estrutura. Os grandes fazendeiros podem arrendar pedaos de terra para si. O Esprito Santo conta ento com 24.000 habitantes, dos quais 12.100 so escravos da frica. Metade da populao negra. A outra metade formada de ndios civilizados, mestios e portugueses. Por isso, o governador Rubim acha necessrio branquear a populao. Ns temos que aumentar o nmero de brancos na populao desse pas diz o governador. Isto possvel permitindo a entrada de brancos europeus no-portugueses, mesmo que muitos no sejam catlicos, mas protestantes. Depois da independncia no dia 7 de setembro de 1822, comea uma onda de milhares de emigraes para o Brasil e o branqueamento da populao tem incio. Entre os anos de e so criadas dez colnias no Esprito Santo: 1813 Colnia Agrcola de Santo Agostinho, s margens do rio homnimo. Atual municpio de Viana. Foi a primeira colnia oficial agrcola criada no Brasil logo aps a chegada da famlia real. 1847 - Colnia de Santa Isabel, s margens do rio Jucu, colnia oficial; 1855 - Fransilvnia, s margens do rio Doce, um projeto particular iniciado, mas que logo foi falncia; 1854 - Colnia Rio Novo, s margens do rio Novo, colnia particular at 1861 quando ento encampada pelo Governo Imperial e se torna oficial; 1856 - Colnia Santa Leopoldina, s margens do rio Santa Maria da Vitria, colnia oficial; 1865 - Colnia Pima, s margens do rio Iconha, colnia particular; 1867 - Colnia Juparan, s margens da lagoa Juparan e do rio Doce, colnia particular; 1874 - Colnia Nova Trento, em terrenos do italiano Pietro Tabacchi, atual Municpio Aracruz. 1879 - Colnia Castello, s margens do rio Benevente, colnia oficial; 1887 - Colnia Santa Leocdia, s margens do rio So Mateus. (dados extrados da base de dados do Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo)

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ACC Para recrutar famlias na Europa, criada pelo ministro Luiz Pereira de Couto Ferraz a Associao Central de Colonizao (ACC), atravs de uma lei no dia 2 de abril de 1855. A ACC composta de acionistas nacionais e estrangeiras e tem como objetivo importar imigrantes pelo mar, agricultores, fazendeiros e artesos, que queiram vir ao Brasil por conta prpria ou por meio de subsdios. Do Estatuto da Associao Central de Colonizao: (Decreto 1854, 2 de abril de 1855 do ministro Luiz Pereira de Coutta Ferraz) Art. 3: Tem por fim: a importao de emigrantes morigerados, agricultores e industriosos, que espontnea ou subsidiadamente queiram vir para o Imprio. Art. 4: Suas operaes sero: 1. Promover e avaliar a emigrao, convidando, engajando, transportando e tratando de estabelecer os colonos, e encarregando-se da encomenda dos que tiveram vir por conta do Governo, Companhias, ou Particulares, mediante contratos. 2. Abrir correspondncia com negociantes nos pases estrangeiros e com as Companhias e Sociedades de emigrao e colonizao ali estabelecidos. 3. Ter a bem dos interesses da colonizao agentes nos diferentes pases, donde convenha atrair a emigrao. 4. Solicitar ao Governo Imperial as necessrias providncias para que tais agentes sejam coadjuvados pelos Consulares Brasileiros. 5. Procurar a conceituar a emigrao para o Brasil. 6. Comprar terras devolutas, distribuindo as a colonos por meio de arrendamento aforamento ou venda em prazo determinado por cada lote de 250 mil braas quadrados. 7. Estabelecer navegao para o transporte dos colonos dos pontos de partida at o desembarque definitivo nos lugares de seu destino. 8. Ter um lugar apropriado para o desembarque e acomodaes onde sejam recebidas e tratadas convenientemente enquanto no acharam destino, dando-lhes: casa e comida por preo razovel, dirigindo, facilitando-os ao seu emprego no pas. 9. Fazer adiantamento de despesas que solicitarem aos proprietrios ou colonos. Art.5: A colonizao se far em regra por famlias, e especialmente agricultores. A ACC comea a se divulgar nas cidades porturias da Europa. Eles estimulam a emigrao para o Brasil assegurando que o transporte, assentamento e acomodao dos emigrantes so organizados e pagos pelo governo, por empresas ou particulares. O Contato feito com comerciantes e escritrios de emigrao

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Mapa Esprito Santo

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no exterior. A associao ir, na chegada dos emigrantes, cuidar da recepo, acomodao e alimentao por um preo justo e tambm acompanh-los at o seu destino. A ACC tambm ir, se necessrio, emprestar dinheiro para qualquer custo extra que os emigrantes possam ter. Para estimular os grandes proprietrios de terras, discutida uma proposta de lei na Assemblia do Esprito Santo durante a sesso do dia 23 de julho de 1856, na qual uma compensao financeira seria dada aos fazendeiros que trouxessem colonos da Europa.

Zeeland, o celeiro da Holanda

. Crise em Zeeland

A Terra de Cadzand na provncia Zeeland cantada como o celeiro da Holanda. Batatas e beterrabas so os produtos mais importantes. Em 1845 a colheita de gros foi um insucesso e tambm o das batatas, numa situao agravante. Trigo e batatas eram os mais importantes produtos naquela poca. Para os lavradores, as batatas so a principal fonte de alimentao e as poucas que ainda existem so exportadas. O trigo caro demais. Esse fato ocasiona irregularidades e conflitos com os agricultores. Desemprego e salrios muito baixos so a consequncia e acabam levando as pessoas pobreza e misria. Os cidados nobres vem essas pessoas pobres como mendigos, anti-sociais e fisicamente incapazes pelos quais algo tem que ser feito. A igreja, que tem como uma de suas obrigaes a ajuda aos pobres, no tem sido capaz de reduzir o sofrimento dos seus fiis mais necessitados. West Zeeuws-Vlaanderen passa a ser considerada uma rea-problema pelo governo devido crescente inquietao social. Gerard van de Velde, nascido em Cadzand em 1930, conhece bem a histria de West Zeeuws-Vlaanderen: Depois de 1840 tudo aqui desabou. Foi horrvel. Em toda a Holanda a situao era pssima. Batatas eram o principal alimento. Ento, quando alm de tudo tivemos a praga nas batatas, que nos trouxe dois anos de colheitas fracassadas, a situao ficou insuportvel. Bandos andavam pela nossa regio procurando por comida e onde ainda havia uma ou outra batata no cho, eles as roubavam. No inverno eles invadiam fazendas procura de alimentos. Depois da colheita, tudo era armazenado nos stos. Com um espeto eles faziam buracos no sto e, os gros que escorriam eram apanhados em sacos. As pessoas roubavam por causa da fome. Por causa da pobreza so criadas escolas de tecelagem e de costura em Sintepier, como

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era chamada Nieuwvliet antigamente, e tambm em Groede e Sluis. Quando voc obrigado a escrever uma carta para a igreja pedindo esmolas, voc se torna muito dependente dela. No pode mais se expressar com toda a liberdade porque os fazendeiros esto em toda a parte. Eles fazem parte da administrao da igreja, da diaconia, da administrao das escolas. A crise se tornou to insuportvel que principalmente famlias com crianas resolveram partir. Febres brasileiras Nesse perodo de Associao Central de Colonizao para o Brasil crise, Brasil tenta debaixo da proteo do Governo Imperial Brasileiro atrair cada vez mais famlias para as Direo Geral, II. Beaucourt Paris colnias recm-criEmigrao para o Brasil adas. O esforo da Associao Central Faz-se saber a todas as famlias que quiseraem segurar a sua de Colonizao prosperidade para o futuro que uma companhia vem de tem resultado. A formar-se, tendo por fim mandar para esta terra extravaganpropaganda feita temente frtil emigrantes comuns. L chegados, a compachega s cidades nhia ceder a cada um 100.000 braas quadradas de terra j porturias da Eucultivada, como assim morada, lugares para animais e outras ropa. Os escritrios pertinncias, instrumentos de agricultura e gado de toda a quade emigrao em lidade! Anturpia recebem esclarecimentos do Carpinteiros, pedreiros, marceneiros, etc., podem ganhar l consulado brasipelo menos 13 francos por dia, e alm disso trabalhar nas suas leiro. Em vrios terras. grandes jornais europeus aparecem Do Comar os emigrantes so acompanhados at o seu desas propagandas. tino, e na chegada ao Rio sero recebidos pelos agentes da Panfletos da ACC companhia, bem tratados e introduzidos de l nas suas terras, so distribudos dando-lhes todas as instrues necessrias para a agricultura. pelo escritrio de Para dar idia das vantagens que os emigrantes tero nesta recrutamento e terra, e cuja explicao mida fora muito longa, diremos simagncia de emigraplesmente que l a caa e a pesca, que em qualquer outra parte o Beaucourt em severamente proibida ou tem de ser paga muito cara, um Paris. Esse escritrio divertimento franco e proveitoso ao colono. contratou outro escritrio de emigraAqueles que queiram aproveitar-se desta ocasio favorvel o em Anturpia, mandem alistar-se sem demora, porque a companhia obrigao Steinmann&cia se s por 50.000 pessoas e a primeira partida est fixa o dia 25 para conseguir de maro. Cada pessoa crescida tem de depor como segurana famlias na Blsomente a quantia de 65 francos, que lhe ser restituda na gica e na Holanda. sua chegada; e, se traz meninos menores de dez anos, s 52 Oficiais de recrufrancos. tamento circulam pelas cidades com Para gozar de todas as vantagens nomeadas e no nomeadas os panfletos de prose h de pagar companhia s no segundo ano uma quantia paganda da ACC. proporcionalmente pequena.

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Alm dos panfletos da ACC, extensiva propaganda feita em portugus, francs e alemo para a colnia particular de Rio Novo, no Esprito Santo. Esses panfletos so distribudos pelos escritrios de emigrao Beaucourt em Paris, Steinmann em Anturpia e Paravicini na Sua. Tambm a companhia Hansa em Hamburgo publica essa propaganda. Com descries bastante pitorescas so apresentadas as inmeras vantagens de se instalar na colnia Rio Novo. Do folheto de Caetano Dias, da Associao Colonial do Rio Novo: - O imprio do Brasil est de braos abertos para receber milhares de indivduos e famlias que vivem em absoluta misria no momento. Eles tero uma vida tima e desfrutaro do abenoado solo brasileiro. Vocs no tm meios para fazer essa mudana? Pois bem, eu mesmo ou por intermdio de terceiros, ofereo a vocs esses recursos que podero ser pagos de volta sem pressa com o fruto do seu trabalho. s margens de rios do Esprito Santo existe uma colnia criada sob a administrao da Associao colonial do Rio Novo. Essa colnia est preparada para receber em seus braos todas as pessoas de ambos os sexos, vindos da

O folheto de recrutamento para a colnia Rio Novo em trs lnguas

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Europa e que queiram fazer parte da populao dessa colnia. Falta a vocs coragem de tomarem a deciso de deixar sua terra natal? Pois bem, veja a sua terra natal como um lugar impossvel de criar com qualidade tantas crianas e reconhea que vocs devem sentir a mesma dor pela qual muitos outros j passaram antes de vocs: a de ter que deixar o lugar no qual vocs nasceram para finalmente poderem usufruir, pelo resto dos seus dias, das vantagens que esse grande pas tem a oferecer.As timas condies que a Associao colonial do Rio Novo oferece aos colonos so: - Dinheiro necessrio para a viagem; um pedao de 4500 braas quadradas de terras cultivadas para arrendar; uma casa confortvel; uma pequena plantao de caf, milho, mandioca e feijo; galinhas e porcos para comear atividade pecuria; e todos os produtos que so necessrios at a primeira produo prpria. Desta, ser descontado o necessrio para o pagamento dos adiantamentos dados. O que mais um agricultor sem terra pode querer? Ele no tem dinheiro em espcie para dar a sua famlia uma condio estvel. Ele no pagar pela sua viagem e, chegando nova terra, j existe uma casa confortvel pronta para morar e parte das terras j est cultivada. Ele s precisa colher e at essa colheita acontecer, a Associao fornece quantidades suficientes de alimentos para sobreviverem. Alm disso, ainda so feitos clculos que provam que os novos colonos tero um lucro de pelo menos 1500 tleres por ano com a sua terra. Em um ano, o agricultor ser uma pessoa independente e poder viver com conforto com a sua famlia. (Veja anexo 1) Na igreja e nos bares no se fala em outra coisa: as chamadas febres brasileiras. Os prs e os contras so analisados. Como o vai-e-vem das mars, as famlias so jogadas de um lado para o outro entre a dvida de ficar ou partir. Os lavradores acham que uma tima oportunidade de finalmente se tornarem donos da prpria terra. Outros dizem: No v para l, pois voc ter que comer as razes das rvores. Cada um tem seus prprios motivos para agarrar essa chance e fugir da misria. Agricultores sem trabalho e dependentes da caridade da igreja e da diaconia tm a chance de comear o prprio negcio. Pais sonham com um futuro melhor para os filhos. Filhos de fazendeiros partem, pois no existem mais terras a serem distribudas e porque desejam se tornar fazendeiros. Por causa da recesso econmica, pessoas da classe mdia e artesos tambm decidem partir. s vezes brigas em famlia uma razo para ir embora. Mes solteiras que so discriminadas querem comear uma nova vida. Um ou outro foge da justia. Pessoas com dvidas vem a possibilidade de esca-

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par dos cobradores e jovens solteiros saem em busca de aventuras. Negociaes e at brigas ocorrem pelos contratos da Colnia Rio Novo e da ACC que so oferecidos pelo escritrio de Steinmann & CIA em Anturpia. Daniel Steinmann aprendeu a profisso no escritrio de emigrao de Strauss, que mantinha negcios bastante obscuros. Ele montou o seu prprio escritrio de emigrao em 1854 e navega com veleiros fretados para Nova Yorque, Brasil e Argentina. Um dos recrutadores do escritrio de Steinmann & CIA em Anturpia o construtor de moinhos Abraham de Groote em Sintepier (Nieuwvliet), bem no meio da Terra de Cadzand, in West Zeeuws-Vlaanderen. Dessa regio que partiu a maioria dos Zeeuwen para o Brasil. Com certeza existem muitas dvidas, discusses entre casais, entre pais e filhos e no crculo familiar. E se a despedida fica difcil, est escrito nos panfletos: Reconheam que vocs precisam passar pela dor de ter que sair da sua terra natal, assim como tantos outros j passaram. Quando o contrato est assinado e o adiantamento pago, no h mais volta. Para as pessoas nas vilas da Terra de Cadzand sempre um grande acontecimento quando novamente um grupo de emigrantes se rene na praa antes da partida. Famlia, amigos e pessoas interessadas se juntam e, no meio de uma montanha de bagagem, as pessoas se despedem com lgrimas nos olhos sabendo que a

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ausncia ser para sempre. As primeiras famlias partem em 1858 de Schouwen Duiveland e Zuid Beveland. Em maro de 1859 sai o primeiro grupo do oeste de ZeeuwsVlaanderen. Eles partem com o Gemse de Anturpia em direo ao Rio de Janeiro. At 1862 vrios grupos de famlias deixam a Holanda em direo ao Brasil.

GOESSCHE COURANT 28 de fevereiro de 1859 Notcias internas A emigrao para o Brasil aumenta na regio de Kadzand. Depois que algumas pessoas j haviam partido para l anteriormente, algumas famlias, a maioria de Zuidzande compostas por mais ou menos 30 pessoas, hoje se preparam para irem tambm. Todos pertencem classe trabalhadora menos abastada. Para a travessia eles precisam pagar apenas f 5.

. A Deus dar

Trs dias de caminhada o que os emigrantes da Terra de Cadzand tm pela frente at chegar cidade porturia de Anturpia, na Blgica. Crianas pequenas e bagagem vo na carroa. As noites so passadas em celeiros que encontram pelo caminho. As famlias chegam a uma cidade catica. Milhares de emigrantes de toda a Europa povoam o cais e o centro da cidade. Um prdio de madeira na Praa Rainha Astrid o ponto final. De l se chega ao cais do Reno (Rijnkaai), o local de embarque. As pessoas so colocadas em abrigos baratos enquanto esperam a hora de subir a bordo de algum navio. Todo escritrio de emigrao de alguma importncia ou companhias de navegao possuem esse tipo de

Emigrantes sobem a bordo

0 I Uma histria holandesa no Brasil

acomodao. Em geral, essas acomodaes so casas que foram reconstrudas com quartos superlotados e condies de higiene precrias. Fiscalizao desses locais no existe. Alguns administradores racionam a gua potvel para incentivar a venda de cerveja e bebidas alcolicas em geral. Com a chegada dos emigrantes tambm aparecem figuras bastante suspeitas que oferecem seus servios. Eles querem cuidar da bagagem, providenciar tudo para a grande viagem, inclusive alimentos, e se oferecem para trocar as economias desses emigrantes. O comrcio intercontinental em Anturpia floresce. Nesse perodo inicial da emigrao ainda no existem navios apropriados e equipados para esse tipo de transporte. Existe sim uma Comisso de Inspeo que controla as condies de navegao e acomodaes dos navios e checa os mantimentos, passaportes e documentos. A comisso tambm supervisiona as condies fsicas dos emigrantes. Um oficial de sade faz um simples exame mdico pela manh entre seis e 7 horas no cais de embarque. Para escapar desse controle de emigrao, acontecem muitas irregularidades. Proprietrios de navios deixam que emigrantes embarquem clandestinamente em Vlissingen ou os registram como falsos passageiros de cabines, aos quais a inspeo no se aplica. Muitas vezes tambm h quebra de contrato adiando a partida ou colocando uma embarcao menor para a viagem. E, quando existe alguma vantagem para o proprietrio do navio, tenta-se mudar o destino de algumas famlias na ltima hora. Os mais abastados podem se permitir uma cabine e so chamados de passageiros. Aos emigrantes designado um lugar em um entrecobertas (espaos entre as cobertas do navio) extremamente desconfortvel e eles so vistos como carga.

Entrecobertas do navio

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A viagem de Anturpia ao Rio de Janeiro uma verdadeira provao. Os primeiros navios de emigrantes esto aptos para a navegao, mas isso tudo que se pode falar deles. Os primeiros barcos a vapor j aparecem nos portos, mas as empresas de emigrao ainda navegam com velozes barcos a vela. Com a concorrncia, velocidade muito importante. Barcos com o mesmo destino partem ao mesmo tempo e seus capites fazem da viagem uma verdadeira corrida. O brigue (antigo barco a vela) holands Reinhardt de 235 toneladas tendo como capito B. van den Sprinkel, gasta 62 dias na travessia. J o brigue ingls Herald com 210 toneladas e sob comando do capito M.M. Galicheu, leva 59 dias. Cada mudana na direo do vento exige tambm rpidas mudanas nas velas para manter ou aumentar a velocidade. Quando h ameaa de tempestade, os capites deixam para diminuir as velas na ltima hora, sob grandes riscos. Os passageiros da coberta superior, 12 no mximo, viajam na primeira classe com bastante luxo em cabines esplendidamente decoradas e arrumadas e com refeies muito fartas. As centenas de emigrantes ficam amontoados um em cima do outro no entrecobertas. Eles tinham assinado um contrato de travessiano qual estava escrito: a companhia fornece espaosos lugares para dormir no entrecobertas, gua potvel e, se necessrio, medicamentos. Mas eles tm que providenciar roupa de cama e mantimentos para a viagem. (Veja anexo 2) Durante as tempestades, as escotilhas so fechadas e o ambiente fica muito abafado. A ventilao s acontece atravs de algumas fendas. Quando o mar est agitado, tudo o que no est amarrado voa pelos ares. Com toda essa aflio, os emigrantes rezam e cantam salmos. Descendentes ainda se lembram da cano: Senhor, o navio sobe e desce, esperamos que Deus nos proteja. Num perodo de seis anos, entre 1847 e 1853, 59 embarcaes foram a pique no Oceano Atlntico. Os navios maiores tm um mdico inspetor a bordo. Ele tem a liderana sobre os emigrantes e pode, quando no h cooperao ou quebra das regras do navio, punir os infratores retendo uma parte da comida. s seis horas da manh servido o ch. O fogo usado para ferver a gua apagado rapidamente devido ao risco de incndios. Depois disso hora de ventilar o ambiente. Com tempo bom as roupas de cama so penduradas ao ar livre, o entrecobertas varrido e escovado e s oito horas servido o caf da manh. O mdico faz a ronda para ver se h doentes. gua para beber distribuda todos os dias. Alm do ch e do caf, cada adulto recebe um litro e meio de gua. Tomar um bom banho no faz parte da rotina. Uma ou duas vezes por semana possvel se lavar um pouco com um balde. Somente quando chove se tem gua doce. As roupas so lavadas na gua do mar e penduradas no cordame do barco para secar. No meio do dia, quando o capito determina a posio do navio com um sextante, as pessoas se

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amontoam ao seu redor para ver qual distncia j foi percorrida. s oito horas da noite as crianas devem ir dormir e todos os outros devem estar deitados em seus alojamentos (caixas de madeira com sacos de palha) s 22 horas. Ningum pode dormir no convs. Homens casados se alternam durante a noite para vigiar o entrecobertas. Eles ficam de olho em tudo e devem evitar irregularidades, ajudar os doentes, cuidar das lmpadas, abrir ou fechar as escotilhas de acordo com as instrues do mdico e prevenir incndios. Como recompensa eles recebem uma cachacinha ou um caf pela manh. Aos domingos todos os emigrantes so examinados pelo mdico. Ele observa se todos esto asseados, com roupas limpas e com boa aparncia. Depois dessa inspeo, os emigrantes participam de um culto. Dois meses vivendo num navio com pouqussimo espao deve ter ocasionado muitas brigas e problemas. Os emigrantes tm muito tempo para pensar sobre a nova vida que os espera no Brasil. Eles mostram seus contratos e panfletos de recrutamento uns aos outros e os comparam. As mais loucas histrias circulam entre os viajantes sobre a vida no Brasil com ndios e escravos negros. As crianas passam o tempo ensinando novas brincadeiras umas as outras e jovens se apaixonam a bordo do navio. O veleiro s vezes se afasta da rota por causa de tempestades ou falta de vento, o que aumenta o tempo de viagem e faz com que a comida tenha que ser racionada. No meio do oceano, com o sol brilhando forte e sem trgua, as condies de higiene s pioram e frequentemente existem epidemias de diarria e virose entre os emigrantes. Para idosos e crianas a viagem especialmente difcil. Pessoas adoecem e nem todos sobrevivem a essa cruel jornada. A tristeza e o luto tomam conta dos viajantes quando um adulto ou uma criana vem a falecer. O morto ento enrolado em lonas juntamente com carvo de pedra para dar peso e colocado em uma tbua lisa. Acompanhado de um texto bblico e uma orao, o corpo desliza, em nome de Deus, para o mar. Terra a vista O calor do sol tropical j est ficando insuportvel no navio. As pessoas esto no fim de suas foras fsicas e emocionais. Mas, o grito terra a vista faz renascer a esperana e d novas foras aos emigrantes. Todos correm para o convs. As crianas se atropelam para tambm poderem ver alguma coisa. As pessoas gritam de emoo ao verem a estreita faixa de terra no horizonte. Um ou outro mais pessimista duvida que seja mesmo o Brasil. Quanto mais o navio se aproxima da terra, mais nervosas as pessoas vo ficando. Devagar o veleiro entra na baa da Guanabara, rodeada por morros cobertos com densa vegetao e praias de areias muito brancas onde as ondas do mar azul se quebram. A agitao no cais se torna visvel. Escravos negros carregam e descarregam com pequenos botes os navios que no conseguem atracar no cais.

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Depois que o capito joga a ncora, um funcionrio do porto vem a bordo para verificar os documentos e para o primeiro controle mdico. Os emigrantes j esto com suas coisas arrumadas, contratos no bolso, felizes por poderem desembarcar. O navio muito grande para poder atracar no cais. Atravs de uma escada de cordas eles tm que fazer uma baldeao nada segura, do veleiro para um barco a remo. A bagagem ser desembarcada mais tarde. Cansados e aborrecidos da viagem, o grupo de emigrantes de Schouwen Duiveland e Zuid Beveland chega no dia 20 de maio de 1858. Finalmente em terra firme, eles ainda sentem o balano do navio nas pernas. A Associao Central de Colonizao ajuda os emigrantes na chegada e providencia alojamento na Casa de Imigrantes onde eles tm que ficar de quarentena e fazerem uma avaliao mdica. A Agncia Central de Imigrao os registra e consegue um destino para os que ainda no o tem. No cais h uma enorme confuso com centenas de famlias de emigrantes, agentes de emigrao, comerciantes, cambistas e mendigos numa babel de lnguas. Diversas colnias particulares, fazendas e empresas recrutam famlias no porto mesmo. Os imigrantes que querem comprar terras podem se dirigir ao Instituto de distribuio das terras devolutas ao imigrante. Os Zeeuwen que tm um contrato do escritrio de Beaucourt e Steinmann so recebidos bem friamente pela ACC devido aos contratos serem meio suspeitos. Eles so chamados de Colonos Beaucourt. A ACC providencia o transporte para seus destinos: - A Colnia do Rio Novo - Colnia militar do Urucu - Colnia de Santa Leopoldina. A maioria das famlias de Zeeland mencionada nos registros de chegada do estado do Esprito Santo e nos relatrios sobre o vale do Mucuri. Mas algumas famlias ainda no foram localizadas depois de sua partida de Anturpia. Ser que elas foram trabalhar nas fazendas de caf nos estados do Rio ou de So Paulo? Ou talvez tenham pegado um barco para o Rio Grande do Sul no sul do Brasil e se estabeleceram em uma das colnias de l? Ou ser que morreram durante a viagem? (Veja anexo 3)

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II

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Em situao precria

Mapa da Colnia do Rio Novo, 1866.

. Colnia Rio Novo

No dia 24 de junho de 1858 chegaram ao porto de Itapemirim com o barco Dom Afonso, do Rio de Janeiro, 10 famlias holandesas e sete belgas para a Colnia Rio Novo. Atrs das terras planas com vegetao muito rica eles vem no horizonte colinas ainda cobertas por mata virgem. Ao se aproximarem um pouco mais a paisagem caracterizada por enormes rochas das quais uma chama ateno em especial: o Frade e a Freira, uma formao rochosa que conhece muitas lendas. Segundo os moradores da regio, havia um frade e uma freira que se amavam, mas Deus do cu os perdoou e eternizou o seu amor em duas montanhas de granito. Os Zeeuwen e os belgas so recebidos, a princpio, em Pau dAlho em um barraco onde podiam se recuperar um pouco da viagem. Novos contratos devem ser assinados em que o arrendamento e as questes financeiras so regularizadas. Os novos proprietrios das terras tm o dever de pagar uma quantia anual

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o Frade e a Freira

e vitalcia pelo arrendamento; os donos das terras mencionadas devem pagar os emprstimos e adiantamentos em parcelas com a colheita; os adiantamentos que forem fornecidos a famlias e solteiros aps a chegada, devero ser pagos depois de 6 meses com juros de 6%; a Associao no receber nada pela alimentao e subsistncia at a primeira colheita, mas a partir dessa data as famlias ou indivduos devem se sustentar por conta prpria. Depois de todos os procedimentos burocrticos, os imigrantes so levados at as margens do rio So Caetano, um pequeno afluente do rio Pau dAlho, onde 10 pedaos de terra foram medidos para os Zeeuwen e sete para os belgas. Em 1854, quatro anos antes da chegada dos emigrantes de Zeeland, fundada a Associao Colonial Agrcola do Rio Novo pelo comerciante de escravos portugus Major Caetano Dias da Silva e alguns investidores. Ele j havia comeado uma fazenda de canade-acar onde trabalhavam alguns escravos negros, quando, um ano depois, recebeu de Dom Pedro II o direito de explorar uma grande rea ao longo do rio Itapemirim e fundar a Colnia Rio Novo. A colnia to extensa que ele acredita poder importar milhares de colonos e que todos podero ter um bom pedao de terra. Comea ento o desmatamento a partir da velha fazenda Pau dAlho, chamada assim por causa de uma planta muito comum em todo o Brasil e que vista como um sinal de fertilidade do solo. Com a medio e demarcao das terras, o exrcito entra em conflito com os ndios e alguns fazendeiros que moram l. Mas o governo do Rio de Janeiro manda j em 1856, 100 chineses para a colnia de Caetano Dias. Ele lhes d pequenos pedaos de terra que devem ser cultivados e em troca eles devem dar a ele uma parte a combinar da colheita. Os emigrantes so vistos e tratados como escravos pelos supervisores, uma vez que estes no estavam acostumados a agir de outra maneira. Nos estatutos da nova Associao do major Caetano, forma como o povo chama essa fundao, o diretor tem como dever, segundo o artigo quarto: A importao de famlias estrangeiras, acomod-las em pedaos de terra com 8 a 12 ha, dos quais eles podem se tornar donos quando provado que esto aptos para isso e quando as condies forem favorveis. E segundo o artigo sexto: Atrair de todas as formas disponveis colonos de dentro e fora do pas; contratar tra-

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balhadores suficientes de dentro e fora do pas para trabalharem ao lado dos escravos ajudando no trabalho da Associao. Para cumprir essa exigncia, Caetano Dias da Silva mandou imprimir panfletos em trs lnguas com os quais Steinmann em Anturpia, Beaucourt em Paris e Paravicini na Sua saram em busca de candidatos para a colnia. Em Pau dAlho j havia 12 famlias suas e alguns franceses e alemes antes da chegada dos Zeeuwen. Pelas histrias ouvidas deles, os holandeses e os belgas talvez j estivessem duvidando das promessas de um futuro prspero em um pedao de terra frtil, mas o que eles vem agora deve ser uma enorme decepo. As colnias so pedaos de mata virgem e no esto limpas conforme dizia o contrato. Eles mesmos devem desmatar sua propriedade. No h uma casa confortvel pronta para morar, mas apenas uma cabana com folhas de palmeira como telhado. No existe plantao de caf nem de mandioca, nenhum porco ou galinha, nada das belas promessas que estavam no contrato. As colnias tambm no esto de acordo com a lei agrria, na qual est especificado qual o tamanho que devem ter e como devem ser medidas. Segundo Caetano Dias isso acontece devido falta de medidores profissionais. As colnias tambm no so distribudas de acordo com a lei, que especifica que os imigrantes recm-chegados devem poder escolher a sua colnia de terra pelo preo vigente. A direo da Associao omissa e no faz

Estrada de rodagem de Cachoeiro de Itapemirim a Rio Novo - 1908

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nada contra essa injustia. No h mdicos e nem remdios, no existe nenhuma escola, capela e assistncia religiosa. Os emigrantes esto nas garras de Caetano Dias e seu filho. Das 176 pessoas que chegaram a Pau dAlho saudveis da Europa, mais da metade havia morrido em novembro de 1858. Visita de Dom Pedro II Dois anos depois da chegada dos holandeses, no dia 7 de fevereiro de 1860 chega a Rio Novo Dom Pedro II e sua comitiva a convite do Major Caetano. So 9 horas da noite quando o Imperador chega a Pau dAlho. Os fazendeiros ricos da regio limpam e arrumam suas manses para receber o monarca. Eles tm muitas expectativas com essa ilustre visita. O baro de Itapemirim ordena que seus 120 escravos negros coloquem um tapete de folhas perfumadas e decorado com flores no acesso at a entrada de mrmore, onde dois lees de porcelana em tamanho natural aguardam os visitantes. Seu palcio com biblioteca, sala de bilhar e mveis feitos da mais cara madeira de pau-rosa est pronto para a recepo. Imaginem a frustrao quando eles vem o imperador passar a toda velocidade sem parar! Acometido por um leve infarto, o imperador no pde interromper a sua viagem. Dom Pedro II anota em seu relatrio: Os colonos que vi tm quase todos cara de doente, queixando-se de molstias, falta de mdico, cemitrio, padre e capela. Tambm ouvi de alguns que o contrato, que alis no pude examinar, no fra cumprido quanto a princpio de derrubada e casa para morar nos prazos. Outras reclamaes eram: falta de transporte e os preos exorbitantemente altos na venda de um comerciante e de Caetano. O solo mais frtil do que em outras colnias. Alm de um presente aos pobres de Rio Novo, Os catlicos recebem um sino para a sua capela ainda a ser construda e os protestantes um clice de ouro para a Santa Ceia. Visita do baro suo Mais uma visita oficial a colnia Rio Novo. O botnico, mdico e filsofo Baro Johann Jakob von Tschud chega no dia 15 de novembro de 1860, enviado ao Brasil pelo governo suo para visitar os seus compatriotas que se estabeleceram em diversas colnias no Esprito Santo. O baro acha que a colnia est mal organizada. A malria e outras doenas tropicais assolam o lugar e no h mdicos nem remdios. No existem escolas nem assistncia religiosa. H sim terras muito frteis. A direo funciona muito mal. Major Caetano Dias da Silva mora a maior parte do tempo no Rio de Janeiro e tem constantes desentendimentos com os investidores. Durante a sua ausncia, seu filho assume o cargo de vice-diretor,

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para o qual, segundo o baro, ele no est nem um pouco preparado. Gustav Broom, administrador da colnia, o nico que trata bem os colonos, mas a sua autoridade muito limitada. A contabilidade ruim e confusa. Nenhum dos colonos sabe qual a sua situao e quanto ainda deve Associao. Tudo que recebem anotado num livro, sem controle algum e por isso, fcil de ser fraudado e motivo de revolta dos imigrantes. O baro descreve exemplos de abusos sexuais com rfs que so estupradas e ficam grvidas. Meninos rfos so colocados para trabalhar juntamente com escravos na fazenda. O que o baro acha mais imoral o fato de que a propaganda distribuda na Europa por Caetano Dias garante em contrato que, para cada imigrante e sua famlia, existe um pedao de terra de 7,5 a 15ha limpo inclusive com plantao de caf e uma casa confortvel para morar. As pessoas deveriam ser indenizadas pela propaganda escandalosamente enganosa e pela maneira injusta com que foram recebidas, segundo o baro von Tschudi. Sobre os holandeses e os belgas ele escreve: No pude visitar os assentamentos dos colonos belgas e holandeses, j que no existe um caminho que nos leve at eles a cavalo. Ao retornar para a fazenda Pau dAlho encontrei ali um grande nmero destes colonos esperando-me para contar suas reclamaes e desejos. As queixas eram quase as mesmas que as dos outros colonos e dirigiam-se sobretudo contra Caetano Dias e seu filho inescrupuloso. Suas maiores queixas contavam relacionadas brutalidade e violncia deste ltimo, ao abastecimento irregular e deficiente e ao estado deteriorado dos gneros alimentcios procomidos no contrato, falta de uma igreja, de escola e de um tratamento mdico decente. Todos elogiaram a fertilidade do solo e confessaram que tinham muita esperana no futuro, caso a colnia passasse a ser propriedade do Governo. O baro transmitiu as reclamaes dos Zeeuwen e dos belgas em seu relatrio e pediu que um pastor da Sua fosse enviado para a colnia Rio Novo. Os investidores da Associao do Major Caetano no Rio de Janeiro no tm nenhum retorno dos seus investimentos e resolvem no pagar mais nada. Caetano Dias comea a enfrentar grandes dificuldades financeiras. A colnia est cada vez mais decadente e o major no mais encontrado na fazenda, pois est sempre no Rio de Janeiro tentando levantar algum dinheiro. H revoltas de escravos. Muitos deles fogem e so recapturados e massacrados de forma cruel pelo filho de Caetano. proibido por lei marcar escravos a ferro quente, mas um anncio no jornal oferece 25000 ris de recompensa para quem achar dois escravos fugidos do major Caetano Dias da Silva marcados a ferro com as iniciais C.D.S no antebrao e costas. As coisas andam to ruins na colnia que o major, j sem saber o que fazer, procura a ajuda do governo e recebe um emprstimo. Mas a nica soluo colocar a colnia sob a administrao do governo.

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Ajuda para uma famlia holandesa Depois da visita de Dom Pedro II o imprio assume a administrao da colnia no dia 7 de outubro de 1861. A Associao Major Caetano Dias tinha 929 colonos em 1859 e na poca da transferncia ao governo do imprio este nmero foi reduzido para 387 colonos. A misria e o sofrimento na qual as famlias de Zeeland vivem enorme. Carlos Kraus, o novo diretor da agora colnia do governo Rio Novo, pede em uma carta de 1862 apoio ao presidente da provncia: Julgo, demais nesta ocasio, meu dever, reclamar clemncia do governo a favor duma famlia holandesa e dum cego Chins chamado Atim. O chefe da famlia holandesa, Renier Van Gastel, no primeiro tempo de sua chegada nesta colnia perdeu a sua mulher e todos os seus filhos capazes para sustentar os outros e hoje, velho, vivo e doente nem ele nem os seus 4 filhos que ainda existem (homens atropeados como seu pai) podem ganhar a vida do seu trabalho, e vivem de esmola, e de pequenos servios, dum modo lamentvel. Reinier van Gastel tinha 54 anos e era cesteiro quando partiu com a mulher e 7 filhos de Zierikzee. Uma rua no Rio Novo - 1910 Muitas famlias ainda vivem nas primeiras acomodaes, barracos caindo aos pedaos com folhas de palmeiras como telhado

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e o cho duro e muitas vezes enlameado por causa da chuva. As estradas so pssimas. No h uma capela catlica como foi procomido e o dinheiro que foi mandado pelo governo para a construo da mesma no suficiente. O padre celebra a missa em sua prpria casa e tambm para as reunies de orao dos protestantes no h lugar. Eles se renem na casa do pastor evanglico Pflger, que tambm mora em uma cabana coberta com folhas e em pssimo estado. O novo diretor avisa o governo que se nada for feito, o pastor ir embora e os colonos vo achar isso horrvel. Diariamente vrios homens vo at a direo com o pedido de poderem sair de suas terras e trabalhar como diaristas em outro lugar. Suas famlias vivem na misria, passam fome. O diretor, no entanto, v um grande problema nessa situao, pois assim os colonos ameaam se livrar das dvidas que tm com a colnia. As constantes reclamaes no decorrer dos anos so respondidas pelo governo com montanhas de cartas e documentos sem nenhum resultado. Depois de 15 anos de misria as famlias fogem para outras regies deixando para trs suas dvidas. Ainda em 1875 um grupo de imigrantes entra com uma denncia na polcia de Itapemirim sobre a pssima administrao da direo, de como eles foram explorados e abandonados no meio da mata com suas famlias e tiveram que trabalhar em pssimas condies. Contam que muitos deles tiveram de comer burros mortos, ratos e urubus para no morrerem de fome e reclamam da falta de mdicos e remdios e de como imigrantes mendigam para sobreviver, das doenas que dizimaram famlias inteiras. Alguns anos depois de o governo assumir o controle da colnia, a populao comeou a crescer novamente. No dia 6 de maro de 1880 a colnia Rio Novo passa a ser um distrito da cidade de Itapemirim e em 1893 um municpio independente com o nome de Rio Novo do Sul. Em 1858, 60 holandeses chegaram A colnia Rio Novo tinha em 1861 54 holandeses num total de 1862 35 1865 19 1866 9 1867 15 1871 ? 1875 20 1877 13 1879 ?

855 habitantes 378 595 616 709 958 2062 3092 5000

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Rio Novo do Sul No ano de 2000, Rio Novo do Sul uma simptica e animada cidadezinha com 12.000 habitantes, descendentes principalmente de italianos, suos, alemes, franceses e holandeses. Na poca do imprio, devido ao grande nmero de habitantes das mais diferentes culturas e nacionalidades, a cidade era considerada uma das torres de Babel do Brasil colonial. As famlias de Zeeland nunca conseguiram comprar as terras prometidas. Independente de quanto o pai, a me e as crianas trabalhassem no campo, eles sempre ficaram dependentes da Associao e no conseguiam alcanar nenhuma melhora financeira. Essas pessoas deixaram a Holanda em busca de um futuro melhor para seus filhos, mas em 1867 ainda no havia uma escola para as 200 crianas em idade escolar. O portugus no era ensinado. As crianas dos pioneiros tinham que ajudar no trabalho na roa e por isso ficavam isoladas em seu prprio crculo social, sem possibilidades de melhoria. Nos antigos registros da populao aparecem nomes como Margarida van Gastel, Joo Hollander, Pedro de Bruyn e Kooyman, testemunhas silenciosas dos emigrantes de Zeeland. Testemunha viva a famlia Wanguestel em Cachoeiro de Itapemirim. Eles so descendentes do cesteiro Reinier van Gastel e Johanna Smit e seus sete filhos, para os quais foi feito um pedido de ajuda.

Rio Novo do Sul, a estrada BR101 corta a cidade

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Em frente prefeitura de Rio Novo do Sul existe um busto de Caetano Dias da Silva sobre um pedestal. Qual a inteno de se colocar essa imagem em um pedestal num local onde passam todas as pessoas? Ser uma homenagem dos moradores da cidade ao major ou um apelo para que os primeiros anos negros da histria da Colnia Rio Novo no sejam esquecidos? Atravessando a cidade, no lugar onde as famlias de Zeeland lutaram com a natureza e tentaram construir uma nova existncia, passa agora o trfego pesado da BR 101. A rodovia uma importante via ao longo do litoral brasileiro. Muitos migrantes ainda passam por l em busca de uma nova vida. Famlias que, devido seca, misria e pobreza, partem do norte para o sul do pas. Muitas pessoas param em Rio Novo do Sul para admirar o Frade e a Freira.

. No vale do Mucuri

Cuidado, seno eu te mando para o Mucuri!, avisavam os pais quando os filhos eram desobedientes, pois ser mandado para o Mucuri era a pior coisa que poderia acontecer a algum. Foi o que aconteceu ao grupo de 162 holandeses e belgas. Eles chegaram no mes de julho de 1858 a So Jos do Porto Alegre, ao norte do Esprito Santo na divisa com o estado da Bahia. Assinaram um contrato com a Associao Central de Colonizao em Zeeland, Anturpia ou no Rio de Janeiro. Porque e por quais motivos essas famlias foram para o Mucuri e as outras para Rio Novo no est claro. Uma lista foi trazida pelo frei franciscano Olavo Timmers (19011990) que trabalhou como missionrio naquela regio e que em 1966 estava de licena na Holanda. Ele foi o primeiro a divulgar a presena desses holandeses no vale do Mucuri. Os nomes ele tinha copiado de um relatrio da Companhia do Mucuri feito quatro anos depois da chegada em 1862. O relatrio inclua 12 casais e 51 crianas, todos da provncia de Zeeland vindos de Schouwen Duiveland e Zuid Beveland. A inteno era a de que os Colonos Beaucourt reforassem a populao da Colnia Militar do Urucu. Essa colnia militar fica no caminho de Santa Clara a Filadlfia, atualmente Nanuque e

Mapa das colnias do Mucuri e a estrada Santa Clara - Filadelfia - 1866

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Nanuque, antigamente Santa Clara, s margens do Rio Mucuri - 1900

Tefilo Otoni. O que estas famlias tiveram de enfrentar difcil at de imaginar. A Companhia do Mucuri responsvel pelo transporte a partir do Rio de Janeiro. Com uma pequena embarcao e alguns barcos rebocados para a bagagem eles navegam pelo rio Mucuri em direo ao interior at chegarem a primeira grande cachoeira, no assentamento Santa Clara. L eles so acomodados em um galpo. A ltima etapa da viagem deve ser feita a p. A bagagem vai em carros de boi. Esse primeiro contato com a mata atlntica cruel para as famlias de Zeeland. Os seus corpos, pele, olhos e ouvidos no esto preparados para isso. rvores imponentes, um emaranhado de folhas ligadas por cips no deixam os raios do sol passarem, arbustos e todo tipo de obstculos impedem a passagem. Mosquitos e estranhos insetos os rodeiam e formam verdadeiras nuvens que tentam penetrar via boca e nariz. As roupas compridas e quentes de Zeeland os protegem um pouco. Por causa do calor e do perigo de serem de repente atacados por ndios que se escondem na mata, eles caminham noite por trilhas recm desmatadas. Depois de terem se arrastado dessa forma por noites a frio, os imigrantes finalmente chegam Colnia Militar do Urucu. A viagem durou seis dias desde a partida do porto. Colnia Militar Urucu O diretor da Colnia Militar, capito Manoel Joaquim de Barros, se encontra acamado, seriamente doente, e sem condies de organizar o alojamento dos holandeses. Eles dependem ento dos escrpulos de militares de baixo escalo. Os imigrantes dormem como soldados em casernas em camas de madeira, mulheres e crianas separadas dos homens. Comida racionada devido seca predominante. Alguns homens so levados ainda mais adiante na mata praticamente impenetrvel, com todo tipo de insetos rastejantes, puladores e voadores. Eles realmente esto no inferno verde. Os soldados indicam: desta rvore at aquela sua propriedade e daquela at a outra a do seu vizinho. Machados e enxadas so distribudos. Famintos, os imigrantes tm que limpar uma parte da mata sem nenhum outro recurso, sem a fora dos cavalos ou bois. Nunca antes eles viram rvores to grandes e to perto uma das outras. Um gigante desses, mesmo depois de ter sido cortado dos dois lados, ainda fica de p, pois a copa est ligada a outras rvores atravs de cips. Para conseguirem abrir uma clareira na

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mata s vezes preciso cortar de seis a 12 rvores. Uma rajada de vento ou oscilao de uma das rvores pode fazer com que todas venham abaixo ao mesmo tempo com um estrondo que pode ser escutado h quilmetros do local. Estalidos de galhos que caem, um redemoinho de folhas e poeira. Uma revoada de pssaros. Situao assustadora. Sem recursos os Zeeuwen simplesmente no conseguem fazer o servio. Do quartel no vem nenhum tipo de ajuda. At que finalmente Tefilo Otoni, o diretor da Companhia do Mucuri, coloca alguns escravos e bois disposio. Esses escravos so experientes. O que no pode ser usado da madeira derrubada queimado. Depois disso, as razes desses gigantes da mata, que muitas vezes tm centenas de anos, precisam ser retiradas e o solo preparado para o plantio. Somente depois de tudo isso que se pode comear a semear, plantar e esperar pela chuva. Enquanto isso, eles constroem casinhas com troncos e argila e, se tudo correr bem, alguns meses depois j ser possvel colher feijo e milho. At esse dia, comida seria distribuda. Apesar de suas preces e splicas, a chuva no chega. A conseqncia disso a falta de alimentos e tambm de leite para as crianas. As pessoas so atormentadas pela malria, febre amarela e tifo, sofrem com feridas provocadas por bichos de p, carrapatos e outros insetos desconhecidos. Na Colnia Militar, alm de soldados brasileiros, eles encontram alguns ndios, trabalhadores chineses contratados e imigrantes de Madeira. Imigrantes chegam a todo o momento sem controle algum, todos com o mesmo sonho de uma vida prspera num paraso tropical. O sonho se transforma em um pesadelo com doenas, mortalidade infantil, desiluso, alcoolismo, fome e morte. Suas foras, energia e coragem desaparecem como que engolidos pela terra. Como isso pde acontecer? O que aconteceu antes disso? Quem foi responsvel por esse drama? Companhia do Mucuri O governo do estado de Minas Gerais concedeu em 1847 a Tefilo Benedito Otoni e Honrio Benedito Otoni uma licena para comearem uma companhia de navegao e um comrcio no vale do Mucuri. A companhia recebe todo tipo de incentivo e concesses para colonizar a regio, como o monoplio de navegao a vapor no rio Mucuri, concesso de dez lguas de testada por uma de fundo para estabelecimento da colonizao, permisso para abrir estradas e cobrar pedgio, 80 anos de iseno de impostos estaduais, e permisso para construir um quartel nas matas do mucuri para 30 homens com a obrigao de l conservar trinta praas da Fora Pblica para proteger a Companhia contra os selvagens. Tefilo Otoni quer transformar o lugar em uma regio germnica. As margens do Mucuri nascer um paraso. Essa a sua mensagem, assim como, j em 1825, Padre Marcelino havia chamado as margens dos rios no Esprito Santo paraso brasileiro. Tefilo Otoni constri uma pequena aldeia como centro

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do empreendimento e, como liberal que , chama a mesma de Filadlfia, que quer dizer amor ao irmo, irm, ao prximo e humanidade. A empresa enfrenta a mata Atlntica com grande ambio. A empreitada se torna um confronto com um novo mundo, um choque de culturas. Eles no tm apenas que enfrentar a mata fechada e quase impenetrvel, mas tambm ndios de diferentes tribos chamados de botocudos devido ao botoque, um disco redondo usado nos lbios e orelhas. A floresta no est to intocada quanto parece. O que para os brancos parece um mundo desabitado na verdade o habitat de vrias comunidades indgenas. Tefilo Otoni tenta ganhar a confiana dos botocudos dandolhes comida e ferramentas. Mas, mesmo contra a vontade de Tefilo Otoni, os soldados expulsam os ndios com violncia. Eles os vem como perigosos e animalescos canibais e como guerreiros brbaros. Segundo Otoni, os soldados se comportam de maneira ilegal e dominam a regio com violncia desmedida. Na caserna prevalece uma completa anarquia. Tefilo Otoni relata: Para vergonha do mundo civilizado, esses soldados inescrupulosos do aos botocudos roupas contaminadas por sarampo e outras doenas contra as quais os ndios no tm resistncia. Eles os caam como se fossem animais e atacam suas aldeias de manh bem cedo quando eles ainda esto dormindo. Roubam suas armas e massacram os homens, abusam das mulheres e crianas e as levam como escravos. Para a sua companhia do Mucuri, Tefilo Otoni manda recrutar trabalhadores na Alemanha atravs do escritrio Schlobach & Morgenstern em Leipzig. Dois anos antes da chegada dos Zeeuwen, chegam os primeiros imigrantes da Alemanha e da Sua. Eles tm que construir a estrada de 170 km entre Filadlfia e Santa Clara. Somente aps o trmino da estrada que recebem um pedao de terra de 15 alqueires. Quando a Associao Central de Colonizao (ACC) tambm comea a recrutar pessoas na Europa, os agentes de emigrao avisam Otoni de que a Companhia do Mucuri deve fazer maiores investimentos para poder cumprir as promessas feitas pela ACC aos imigrantes. Quando a primeira remessa de emigrantes da ACC chega, Otoni acusa os recrutadores da Associao de escolherem pessoas ao acaso. Ele tambm culpa o governo Imperial: no intuito de auxiliar a Companhia do Mucuri, remeteu para a Colnia Militar do Urucu 162 proletros,

ndios Botocudos no rio Doce 1909

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holandeses e belgas, que so conhecidos como Colonos Beaucourt, e que foram recrutados em bares e botequins em Anturpia. Pessoas que tinham sido tiradas de prises, povo instvel, funcionrios de parques de diverso, marinheiros fugidos, aventureiros, mulheres indistintos, fteis e assim por diante. E o pior de tudo que nem so agricultores, segundo Tefilo Otoni. Considerando a lista com nomes de famlias de 1862 que Frei Olavo Timmer trouxe durante a sua licena em 1966, esses dados no parecem estar corretos no que diz respeito aos holandeses de Zeeland. Havia tambm artesos entre eles como sapateiros, carpinteiros e cesteiros. Otoni pede que os holandeses e os belgas mostrem seus contratos e informa que nem ele nem o governo podem assumir a responsabilidade sobre os contratos emitidos na Europa pela agncia Beaucourt, somente sobre os contratos assinados no Rio de Janeiro. Ele, como diretor da Companhia do Mucuri, era responsvel somente pelo transporte dos holandeses e belgas e no pela Colnia Militar do Urucu. A maioria aceita essa explicao e entrega a ele os panfletos, o regulamento e propaganda do ACC, e finalmente a traduo de anncios publicados na Europa em nome de Beaucourt. Alguns rasgam seus contratos em pedacinhos bem frente de seus olhos. Tefilo Otoni continua no seu memria justificativa em 1859: - No ficaria completa a notcia sobre a colonizao do Mucuri se eu no dissesse alguma coisa sobre a colnia Militar do Urucu. A colnia s tem recebido duas expedies de colonos. Uma de 28 famlias com 153 pessoas importadas da Madeira em 1855. Outra de 162 holandeses e belgas importadas em 1858 conhecidos por colonos Beaucourt, e que vieram com promessas no autorizadas e impossveis de realizar. Devia- se lhes dar dinheiro casa roa plantada animais domsticos de todas as qualidades, e ainda mais coisas. Os colonos foram enviados Colnia Militar do Urucu, cada um sem dvida, vista dos anncios dos dulcamaras que os expediram fantasiava que ia receber, uma dessas alegres, asseadas e confortveis casinhas, assentadas sobre lindas colinas que dominam os campos de verdura das margens do Escaut (Schelde), e tornam to pitorescas as imediaes de Haia, ou de Amsterd na Holanda. Com a bela casa contavam decerto receber uma vaca taurina o galinheiro povoado e cavalo para passeio. Tudo isto fora aspirao modesta vista da expectativa em que saram da Europa. Mas que acharam foi apenas para abrigo um quartel e a tarimba dos soldados brasileiros que lhes foram provisoriamente cedidos e uma casa fechada s de trs lados com paus-a-pique, e coberta com cascas de ip, e de pau darco. Indicou-se-lhes nas vizinhanas as terras (mais virgens) que deviam cultivar como sua propriedade, e onde tinham de levantar as suas choupanas. Quanto seria horrorosa a decepo fcil de avaliar.. -

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Nas imediaes da Colnia Militar reside Sr. Gabriel Verdier Savaron. Ele informa Tefilo Otoni, passando pela Colnia Militar, e queixando-se de fome os holandeses e belgas os convidou por vezes a irem para sua casa oferecendo-lhes comida. Grito de socorro ao consulado Os holandeses e belgas tomam a iniciativa de escrever uma carta ao ministro do Imprio e aos consulados holands e belga relatando seus problemas, reclamando e protestando contra a direo da Colnia Militar do Urucu. Essas cartas so entregues a Tefilo Otoni e ele as leva aos consulados no Rio de Janeiro com uma carta sua em anexo. Alguns trechos da carta de Tefilo Otoni: Ilmo Senhor Eduardo Pecher, Digno cnsul da Blgica, no Rio de Janeiro E Senhor cnsul da Holanda, Alguns colonos belgas e holandeses fizeram-me portador das cartas inclusas, declarando-me que continham suas queixas e reclamaes contra a administrao da colnia militar do Urucu: na mesma ocasio me entregaram para o Exmo. Sr. Ministro do Imprio um memorial que nesta data encaminho tambm ao seu destino. Na carta Tefilo Otoni descreve as dificuldades no apoio financeiro que os holandeses e belgas receberam e que, graas a sua interveno, os pagamentos agora esto regularizados. E continua: e agora sem dvida melhoraram muito de condio porque vem chegando o tempo da colheita, que promete ser abundante, e os colonos tero vveres mais baratos. Achei um grande nmero de doentes: a mortalidade tem sido considervel. As causas principais so a falta de conforto da vida para esta pobre gente; a maior parte no trouxe nem caixa, nem colcho nenhum fazia idia do que a cultura foram pessimamente escolhidos. A remessa de colonos belgas e holandeses que veio h seis meses para a colnia militar igual numericamente a uma remessa de portugueses que esto l instalados h quatro anos. E, no entanto morreram s no ltimo semestre mais belgas e holandeses do que morreram portugueses em quatro anos! Est claro que os compatriotas de V.S. e os holandeses que com eles vieram tinham em si mesmos, e no tanto na administrao, ou na localidade a causa eficiente da sua desgraa. Em todo o caso porm so infelizes a que cumpre socorrer, remediando o que se pode remediar, isto , a parte que a administrao da colnia por falte de recursos, ou mesmo por desleixo possa ter tido na desgraa dos colonos. Fiz o que podia fazer e mandei meu irmo dr. Ernesto Otoni, mdico, para a colnia a fim de ajudar os doentes. Tambm mandei ajuda para o desmatamento da floresta para que eles pudessem plantar com mais facilidade. Sabendo quanto V.S. se interessa pelos seus compatriotas levo o exposto sua ilustrada considerao. Deus quarde a V.S. muitos anos. Filadlfia, 15 de janeiro de 1859. Assinado, Tefilo Benedito Otoni, diretor da Companhia do Mucuri. Idntica ao senhor cnsul da Holanda.

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Desta forma, Tefilo tenta se isentar de qualquer culpa. No entanto ele entende que seu dever ajud-los e remediar o que pode ser remediado. Mas essa tambm a obrigao da administrao da Colnia Militar do Urucu. Infelizmente, segundo o Arquivo Nacional em Den Haag, os dados sobre esse perodo da embaixada holandesa no Rio de Janeiro foram perdidos devido a circunstncias climticas. Veja o sofrimento dos holandeses Em Santa Clara, com 500 habitantes, explode uma epidemia de tifo com ataques de febre muita alta. Idosos e crianas sofrem muito, sentindo a ameaa da morte certa. Aqueles que ainda tm foras fogem em massa do vale do Mucuri. No dia 27 de janeiro de 1859, meio ano depois da chegada dos Zeeuwen, chega ao porto de So Joo de Porto Alegre o mdico e naturalista alemo Dr Robert Av-Lallemant. Ele encontra trinta colonos fugindo, alguns j morrendo. Os colonos falam que ele deve primeiro socorrer os holandeses. Tambm em Santa Clara diversos emigrantes insistem para que ele veja o sofrimento, principalmente dos holandeses na Colnia Militar do Urucu, com os prprios olhos. O irmo de Tefilo Otoni, Dr Ernesto Otoni, lhe diz que ele ver e ouvir coisas muito tristes entre os holandeses. Chegando a Santa Clara e presenciando a aflio das pessoas que lutam contra a morte, ele envia cartas para o governo no Rio de Janeiro, a ACC e a Europa relatando a situao que encontrou no Mucuri. Ele retrata em seu relatrio Viagem ao Norte do Brasil uma imagem profunda e tocante sobre o sofrimento das pessoas e o publica em abril de 1859 no Rio de Janeiro. Do relatrio de Dr Lallemant: - Sra Johana Koole, (esposa de Cornelis Koole) estava sentada sozinha e pensativa em seu rancho com trs filhos. Quando entrei na sua casa, se que se pode chamar aquilo de casa, ningum tomou conhecimento de mim ou do meu acompanhante, o que fez com que eu dissesse a Dr Ernest: essa holandesa parece ser mentalmente perturbada. Mas eu conquistei a sua confiana rapidamente e ela me contou, num acesso de raiva, todo o sofrimento pela qual tinha passado, como quatro de seus sete filhos morreram por falta de comida, crianas de quatro, seis, sete e dez anos e como a mesma coisa havia acontecido com uma segunda mulher. Isto aconteceu maioria das famlias em menor grau. Ela tambm contou como o nervoso comandante da Colnia militar expulsou com ameaas e palavres horrveis as mes que bateram em sua porta implorando por ajuda. Por toda parte havia doentes, principalmente com as pernas enfraquecidas e feridas profundas nas mesmas. Famlias inteiras estavam de cama, ou pelo menos no que deveria ser uma cama. Nenhum mdico os havia visitado, nenhuma alma caridosa os havia procurado. -

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Dr Lallemant escreve sobre a Companhia do Mucuri como o matadouro humano e que Tefilo Otoni abusa do precioso sangue alemo para substituir o suor dos escravos africanos. Ele escreve sobre os imigrantes infelizes logrados do Mucuri, pelos negociantes de carne humana na Alemanha. Ele jura acabar com tudo isso E aconselha que as pessoas fujam o mais rpido possvel desse inferno e deixem o vale do Mucuri. Como resultado dessas cartas, o governo do Rio de Janeiro manda um representante e um navio a vapor militar, o Tiet, para o Mucuri a fim de buscar os colonos que esto doentes e transportar os fugitivos. O navio chega no dia 5 maro. Depois da chegada no Rio de Janeiro, alguns colonos continuaram a viagem para os estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. (Veja anexo 3) Sete meses aps a chegada dos 162 holandeses e belgas, 36 j haviam morrido. Quatro mulheres j eram vivas: Cathrina Krijgsman, Elisabeth Vermeulen, Cornelia Wagemaker e a j mencionada Johana de Cornelis Koole. A famlia Jacob Hagestein de Bommenede tinha sete pessoas quando partiram e em 1862 cinco haviam morrido. Os relatrios de Lallemant tm grandes conseqncias para Tefilo Otoni. Em 1861 o governo assume a direo da Companhia Vale do Mucuri. Na Europa cresce a resistncia contra a emigrao para o Brasil e em especial para o Mucuri. O choque e o horror so grandes: cuidado menino, seno eu te mando para o Mucuri. Um aviso Ser que a carta enviada pelos holandeses ao cnsul da Holanda no Rio de Janeiro juntamente com a carta de Tefilo Otoni chegou ao governo na Holanda? Circular 82, 16 de julho 1860. O secretrio do rei na Provncia Zeeland enviou, a pedido do ministro de relaes exteriores, uma circular n 82 do dia 16 de julho de 1860, A, no7830, primeira instncia direcionada aos senhores prefeitos e vereadores das comunidades na provncia de Zeeland, um aviso a respeito dos pedidos de ajuda feitos por emigrantes no exterior para poderem retornar Holanda. Essa nota aparece uma semana depois no jornal de Goessche Courant:

Circular 82, 16 de julho 1860

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GOESSCHE COURANT Segunda-feira, de julho de 0 Notcias nacionais De tempos em tempos so feitos pedidos ao governo para que, pessoas de origem holandesa que se mudaram para outros pases na condio de emigrantes e que no tiveram suas expectativas correspondidas no exterior, tenham suas despesas pagas para que possam retornar para a Holanda. Esse o caso em especial daqueles que emigraram para o Brasil. Como no possvel dar uma resposta positiva a esses pedidos, pode-se concluir que essas pessoas acabam em situao precria e de extrema pobreza e necessidade. Ainda que a responsabilidade da partida para l seja toda deles, pode ser que alguns tenham mais cuidado ao decidirem abandonar tudo e morar em outro pas, quando so expressamente avisados de que no possvel, por parte do governo holands, oferecer qualquer tipo de ajuda no exterior se, por um acaso se encontrarem em dificuldades l. Por isso, o ministro da Casa Civil pede que as autoridades locais dem especial ateno ao caso e procurem dar o aviso mencionado acima para todos os casos de emigrantes do quais tenham conhecimento, para que se possa tomar todas as providncias de maneira correta e justa

Os pedidos dos holandeses da Colnia Militar do Urucu foram enviados ao governo holands para livr-los de sua difcil situao. Em 1632 Jan de Moor pleiteou tambm ajuda aos colonos que ficaram para trs em situao precria s margens do rio Amazonas. Eles foram salvos pela WIC. Dessa vez os pedidos so em vo. O governo holands no reagiu como se esperava e lava as mos em relao aos emigrantes porque a responsabilidade toda deles por estarem nessa situao, como Tefilo Otoni j havia escrito em sua carta ao consulado. O aviso aparentemente no alcanou as pessoas da Terra de Cadzand no oeste de Zeeuws-Vlaanderen, pois l mais de 500 pessoas j juntaram suas coisas para tentar a sorte no Brasil. Descendentes O povoado Filadlfia, centro das colnias no Mucuri, recebeu em 1881 o nome de seu fundador Tefilo Otoni. Hoje, a cidade com 250.000 habitantes conhecida por suas pedras preciosas.

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A carteira de identidade de Warley wan der Maas Krettli

A Praa Germnica faz lembrar o sonho de Tefilo Otoni de fazer da regio do Mucuri um territrio alemo. Os holandeses de Zeeland eram vistos como alemes e includos no processo de germanizao atravs do casamento e da Igreja e escola evanglica alem. Uma escultura no meio da praa irradia orgulho germnico. Santa Clara fica na comunidade de Nanuque, assim chamada por causa de uma das tribos que vivia na serra dos Aimors, os NakNanucks. Da estrada de 170 km entre Filadlfia e Santa Clara, resta um pedao de 200 metros como evidncia dessa histria; foi uma das primeiras e mais movimentadas estradas do imprio. Os Zeeuwen que sobreviveram tragdia no vale do Mucuri se misturaram aos descendentes de imigrantes alemes, italianos ou chineses. Alguns se casaram com membros da famlia Jan Krettli, um suo, contratado por Tefilo Otoni para atuar como intrprete em lngua alem e ser supervisor dos holandeses. O senhor e a senhora Krettli-van der Maas ainda hoje possuem terras nos arredores da Colnia Militar Urucu, atual vila de Carlos Chagas. A famlia van der Maas uma numerosa e conhecida famlia da regio de Tefilo Otoni. Alguns nomes de famlias holandesas ainda vivem no vale do Rio Mucuri, s vezes com pequenas modificaes: Brouwer, Colen (Koole), Hoogestein(Hagesteyn), Jonker, Krijgsman, Vandermaas (van der Maas), Vanderree (van der Ree), Vermeulen, Wagemaker. Muitos descendentes dos Holandeses no sabem que possuem razes em Zeeland e no possuem mais nada dos seus ancestrais. Lembranas da Holanda e de Zeeland foram apagadas. Documentos e fotos antigas se perderam no decorrer dos anos. Senhora van der Maas-Kretli: Eu no sei nada sobre a Holanda ou Zeeland. A nica coisa que sei que meu pai contava que eles eram muito pobres e que meu av decidiu ir procura de novas terras. Eles tomaram posse de um pedao de mata, derrubaram as rvores e recomearam a plantar. Quando voc desmatou um pedao da selva, planta e tambm mora l, voc tem direito a esse pedao de terra. Algumas vezes os ndios incendiavam as colnias dos imigrantes. Os holandeses mais conhecidos na regio so os irmos franciscanos. Essa ordem vive e trabalha em Tefilo Otoni desde 1905 e muito ativa na igreja, no ensino e no hospital. Missionrio Frei Olavo Timmers, falecido em 21 de abril de 1990, escreveu um livro sobre a histria e o desenvolvimento da regio na ocasio do centenrio da cidade de Tefilo Otoni.

III

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A comunidade Holanda

Mapa de Santa Leopoldina - 1866

. Colnia Santa Leopoldina

16 de junho de 1859. Um barulhento apito anuncia a chegada da embarcao Mucury baa de Vitria com dezenas de emigrantes para o Esprito Santo. Entre eles, h doze famlias de Zeeland da Terra de Cadzand, West Zeeuws-Vlaanderen, 27 adultos e 35 crianas. A bombordo eles vem o Convento Nossa Senhora da Penha bem no alto do morro, o mesmo que j havia sido saqueado por holandeses no passado. Mais a frente, a estibordo, fica Vitria com o palcio da provncia localizado na cidade alta, de onde os homens de Piet Heyn foram expulsos das escadarias. Os holandeses entram no Esprito Santo navegando no meio dos poderes do Imprio: a Igreja e o Estado. No interior, atrs dos morros no horizonte, o seu futuro os espera. No cais as novas famlias de emigrantes so divididas de acordo com sua lngua e pas de origem e so levados para diferentes abrigos. Pela milionsima vez os Zeeuwen tm que explicar que eles no vm da Alemanha, mas sim da provncia de Zeeland na Holanda. A espera de 3 semanas at finalmente poderem

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Entrada da baa de Vitria - 1860

continuar viagem at as terras prometidas. Eles passam os dias na ilha Vitria, que era chamada de Ilha do Mel pelos ndios. Os ndios cultivavam milho e mandioca na ilha e chamavam a sua terra de capixabas, que significa a pele protegida da terra. Mas a populao no-indgena deu aos ndios que l moravam o nome Capixaba e mais tarde todos os moradores da cidade e do estado do Esprito Santo passaram a ser conhecidos assim. Dessa forma, os Zeeuwen se tornaram Os Capixabas Holandeses. necessrio observar que os holandeses chegaram antes da inaugurao da Hospedaria dos Imigrantes da Pedra D'gua na entrada da baa. Ela foi inaugurada em 1889 em uma rea pertencente ao municpio de Vila Velha, bem prxima Prainha onde em 1535 desembarcaram os primeiros colonizadores sob o comando do donatrio Vasco Fernandes Coutinho. O desembarque dos holandeses se dava diretamente no porto de Vitria e os alojamentos, quando existiam, localizavam-se em barraces nas circunvizinhanas da capital. Sob a liderana de um inspetor/tradutor as famlias so levadas para o cais onde algumas canoas esto prontas para partir. A palavra canoa usada pelos ndios Aruak para especificar as embarcaes de madeira que eles usam para navegar nos rios. As canoas

O jornal Correio da Victria anuncia a chegada dos emigrantes - 1859

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de madeira usadas para transportar os imigrantes e sua bagagem tm a mesma estrutura e forma das usadas pelos ndios, porm so maiores: 16 metros de comprimento, 1.70 de largura e 1 metro de profundidade. possvel transportar 100 sacas de caf com elas. Agora a bagagem dos holandeses carregada. Os mais jovens ajeitam-se por cima de tudo e os mais velhos podem se sentar nos quatro, s vezes, cinco bancos. Um grande pote de ferro colocado a bordo para as refeies. Quando a mar sobe o mestre toma o seu lugar atrs na canoa. Musculosos proeiros, homens que com seus remos empurram a canoa rio acima, tomam seus lugares direita e esquerda na proa. O mestre d um sinal e um dos homens, antes da partida, toca o buzo, um chifre de boi de 60 a 70 cm de comprimento. Um som grave e longo ecoa sobre as guas, atravs do qual conhecedores sabem identificar qual canoa est partindo. Com os remos os proeiros empurram o barco e do incio viagem de 60 quilmetros sobre o rio Santa Maria. Simultaneamente, num mesmo ritmo, eles empurram a canoa rio acima. Nos primeiros quilmetros eles navegam atravs de terras planas. Em muitas partes a mata foi queimada para dar lugar a grandes plantaes de cana-de-acar. Conforme eles avanam em direo ao interior, os morros vo ficando mais ngremes e a mata cada vez mais densa. Da mata virgem os holandeses ouvem o canto desconhecido de pssaros tropicais e os gritos de macacos. De vez em quando, um dos proeiros comea a cantar e acompanhado pelos outros que cantam em duas vozes no refro. Cada canoa tem o seu cantor. J escureceu quando a canoa chega fazenda de Jos Cludio de Freitas, no lugar onde o rio Mangara desgua no rio Santa Maria. O mestre ancora a canoa e pega o correio, papis valiosos e remessas de dinheiro dentro de sua caixa para serem entregues na fazenda. Ele um homem de confiana. As pessoas descansam, comem algo e tentam dormir na canoa na primeira noite na mata atlntica. Os gritos dos bichos e pssaros da mata anunciam um novo dia. Eles ainda tm meio dia de viagem at a Cachoeira Grande que impede que eles continuem navegando o rio. Neste local o diretor da colnia mandou construir o centro administrativo da mesma: sua casa, armazns, algumas acomodaes provisrias para trabalhadores e comerciantes e um barraco de madeira que serviria de acomodao inicial para 50 famlias de imigrantes. Quando os holandeses chegam no dia 10 de julho de 1859, so

A antiga fazenda Mangara de Jos Claudio de Freitas

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Cachoeiro de Santa Leopoldina - 1910

confrontados com uma pequena rebelio. O diretor da colnia, Ir. Amelio Pralon, cercado por imigrantes alemes enraivecidos. Eles no querem partir para as terras que lhes foram destinadas porque acham a regio muito montanhosa e tambm porque no conseguem achar as demarcaes dos seus lotes de terra. Tambm se recusam a carregar sua bagagem, gritam exigindo dinheiro e bois, no querem trabalhar para a provncia e reclamam que na Alemanha muito mais havia sido prometido a eles. Sobre os holandeses recm-chegados, o diretor Pralon escreve uma carta ao presidente da provncia, Dr. Pedro Leo Veloso datada de 10 de julho de 1859: Os holandeses, no entanto, se mantm tranqilos e esto prontos para tudo. Assim que recebem o dinheiro pelo qual esperam curiosos, compram alimentos. Eles reclamam sim sobre os utenslios de cozinha e sobre os equipamentos que, em sua maioria, esto quebrados e necessitam de conserto. A nova colnia s margens do rio Santa Maria ocupa uma regio de 567 Km2 e dividida em trs ncleos com diferentes distritos. No mapa da regio, linhas retas foram traadas para dividir a terra em colnias, pedaos de terra de 25 30 hectares, sem levar em conta os morros ngremes e rochas enormes. As colnias so interligadas por estreitos caminhos no meio da mata e so

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numeradas. Cada famlia e cada filho solteiro com mais de 20 anos tem direito a um dos pedaos numerados de terra. A rea destinada aos holandeses recebe o nome de Holanda. Depois da recepo no barraco, os chefes de famlia e os homens solteiros recebem um pequeno mapa da regio com o nmero da colnia a eles designada. Com algun