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ÁREAS CENTRAIS, PROJETOS URBANÍSTICOS E VAZIOS URBANOS* Lilian Fessler Vaz** Carmen Beatriz Silveira*** City Centers, Urban Projects and Non-Built Urban Areas What should be done with non- built areas loeated in the heart of eities? This is the main question this article addresses its e lf to. After reviewing the international experience on the subject, the authors diseuss the projects which have been proposed to deal with the problem in Rio de Janei- ro, some of which are currently under way. As a re sult, one is able to contextualize Rio 's projeets in the light of a much broader contexto Introdução Dentre as muitas transformações em curso, as verificadas nas centralidades de diferentes tipos - as áreas centrais com seus Central Business Districts, centros históricos e periferias de usos mistos, assim como as "novas centralidades" - têm merecido estudos recentes. Também têm merecido pro- jetos recentes. Na área do urbanismo vêm surgindo artigos e publicações sobre essas intervenções baseadas em projetos urbanos que visam a revitalização ou requalificação destas diferentes áreas e a capacitação das cidades para au- mentar o seu grau de competitividade no ranking mundial. No caso europeu, há vários exemplos de projetos para revitalização dos centros existentes assim como de criação de novas central idades a partir de diferentes terrains vagues (vazios industriais, portuários e ferroviários). Tanto os "vazios urbanos" quanto os "projetos urbanos" fazem parte da agenda das * Este texto é produto do projeto de pesquisa "Processos de transformação em áreas centrais metropolitanas - o espaço construído nas políticas, planos e projetos urbanos". Apoio CNPq, UFRJ, FAPERJ e FUJB. Foi apresentado, numa primeira versão, ao VIII Encontro Nacional da ANPUR (1999). ** Professora do PROURB/FAU - UFRJ. *** Doutoranda do IPPUR - UFRJ.

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ÁREAS CENTRAIS, PROJETOS URBANÍSTICOSE VAZIOS URBANOS*

Lilian Fessler Vaz**Carmen Beatriz Silveira***

City Centers, Urban Projects and Non-Built Urban Areas

What should be done with non-built areas loeated in the heart ofeities? This is the main question thisarticle addresses its e lf to. Afterreviewing the international experienceon the subject, the authors diseuss the

projects which have been proposed todeal with the problem in Rio de Janei-ro, some of which are currently underway. As a re sult, one is able tocontextualize Rio 's projeets in the lightof a much broader contexto

Introdução

Dentre as muitas transformações em curso, as verificadas nascentralidades de diferentes tipos - as áreas centrais com seus Central BusinessDistricts, centros históricos e periferias de usos mistos, assim como as "novascentralidades" - têm merecido estudos recentes. Também têm merecido pro-jetos recentes. Na área do urbanismo vêm surgindo artigos e publicações sobreessas intervenções baseadas em projetos urbanos que visam a revitalização ourequalificação destas diferentes áreas e a capacitação das cidades para au-mentar o seu grau de competitividade no ranking mundial.

No caso europeu, há vários exemplos de projetos para revitalização doscentros existentes assim como de criação de novas central idades a partir dediferentes terrains vagues (vazios industriais, portuários e ferroviários). Tantoos "vazios urbanos" quanto os "projetos urbanos" fazem parte da agenda das

* Este texto é produto do projeto de pesquisa "Processos de transformação em áreas centraismetropolitanas - o espaço construído nas políticas, planos e projetos urbanos". Apoio CNPq,UFRJ, FAPERJ e FUJB. Foi apresentado, numa primeira versão, ao VIII Encontro Nacionalda ANPUR (1999).** Professora do PROURB/FAU - UFRJ.*** Doutoranda do IPPUR - UFRJ.

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discussões recentes no campo da forma urbana. BUSQ UETS (I 996) destacaa importância dos vazios para a análise, os projetos e a gestão urbana contem-porânea. O autor comenta o grande número de projetos em grande escala, depropostas de infill, de reciclagem e reabilitação destes "espaços intersticiais''.Cabe portanto uma exploração neste campo da relação entre as centralidadese os vazios, os projetos e as intervenções.

Neste papa propõe-se analisar estas relações numa perspectiva histó-rica para o caso da cidade do Rio de Janeiro e tecer algumas comparaçõescom outros casos recentes. Na cidade do Rio de Janeiro há tempos vêm sendodesenvolvidos diferentes projetos para vazios no interior ou na proximidade desua área central. Através da história dos planos e projetos urbanísticos para acidade, percebe-se que grande parte deles são apresentados para certas áreasconsideradas deterioradas ou vazias, muitas vezes decorrentes de intervençõesurbanísticas anteriores (VAZ E SILVEIRA, 1998). Algumas das áreas perma-necem vazias, como intervenções inacabadas, apesar dos vários projetos queprometeram recuperá-las, propostos ao longo de várias décadas. Recente-mente, a este quadro de vazios antigos vem se somando o esvaziamento deimóveis de diferentes usos, além do esvaziamento demográfico de diversaszonas consolidadas.

Notas sobre o contexto internacional

A área central' vem passando por diferentes modos de intervenção noseu processo de modernização. SIMÕES JR. (1994: 13-18) identifica um modelohaussmaniano, um modelo modernista e um modelo de revitalização ao longoda história. O primeiro, também designado de "embelezamento urbano", temcomo referencial a remodelação das cidades de Paris e Viena, a partir demeados do século passado; o segundo - a "renovação urbana" - se apóia nosideais do modernismo, em particular os expressos na Carta de Atenas de 1933;e o terceiro - a "revitalização urbana" -, desencadeado nas últimas décadas,rejeita os excessos do modernismo, recupera elementos históricos, simbólicos,sociais e ecológicos do local, compatibilizando-os com a modernização.

1Compreende-se a área central constituída de um núcleo e de um anel periférico, conforme explicitadoem texto anterior: "O processo de centralização urbana que deu origem à Área Central resultounuma organização espacial composta basicamente de duas frações: o centro de gestão de toda li

estrutura urbana ou metropolitana, isto é, o núcleo central (rore. Central Business District 011

CBD, Área Centrai de Negócios ott ACN); e a zona periférica ao centro (frame, ZOlla de transição,de obsolescência ou deteriorada, periferia imediata], formando uma franja de usos di versificadosc separando o CBD dos demais bairros". VAZ E SILVEIRA (1993), apoiado no conceito deCORRÊA (1989).

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Outros autores identificam como formas históricas de intervenção emáreas centrais a "renovação urbana clássica" (cujo ponto principal consistiu nosaneamento e reconstrução de áreas encortiçadas); a renovação dos centrosantigos, a preservação do patrimônio urbanístico e a renovação urbana ecoló-gica (AGSEB, 1994: 14). Certamente a abordagem conceitual e o referencialempírico alteram a identificação e a denominação destas categorias, que po-dem vir a se constituir em novos conceitos. Assim, por exemplo, a tensão entrea preservação do patrimônio construído e a sua renovação fez surgir aexpres são "renovaç ão preserv adora" (MES ENTIER, 1992), que pressupõepolíticas de preservação do patrimônio histórico edificado com desenvolvimentoeconômico. Possivelmente as descrições, críticas e análises das atuais propos-tas de intervenção sobre os vazios também levarão ao surgimento de novostermos.

Apresentam-se, a seguir, algumas abordagens e respectivos referenciaisempíricos que tratam de tendências recentes de reestruturação assim como deprojetos urbanísticos recentes para as áreas centrais de metrópoles européias.Neste contexto acentua-se a tendência à formação de urbanizações difusas,considerando-se que "a cidade já não é o centro de 'concentração', de 'inter-câmbio', de 'central idade', senão um elemento a mais em um amplo sistemadifuso" (BUSQUETS, 1996). Outra tendência que tem sido estudada nestaúltima década é a da formação de policentralidades. Essa última vem sendotrabalhada por autores como GOTTDIENER (1993), que, estudando cidadesnorte-americanas, já se referia a novos padrões de crescimento polinucleado,e SOJA (1994), que analisou essas reestruturações no caso da cidade de LosAngeles. Assim como Soja, PESCH (1997) mostra no contexto europeu con-temporâneo que estas tendências de reestruturação urbana e a emergência denovas centralidades fora da cidade e grandes implantações nos vazios intersticiaisnos obrigam a rever os conceitos de centro e de periferia,' e a própria relaçãocentro/periferia, pois esses termos já não correspondem aos fenômenos dacidade de poucas décadas atrás,

Pesch e outros autores vêm buscando conciliar a abordagem geográficae analítica com o olhar urbanístico e projetual. É o caso de BUSQUETS (1996)que, entre outros autores, afirma que no contexto urbano ocidental recentepode-se identificar simultaneamente dois tipos de processos: por um lado, ummovimento centrífugo, de forças que pressionam do centro para o exterior dacidade: e por outro, um movimento centrípeto, de forças que pressionam daperiferia para o centro da cidade. Se no primeiro as atividades comerciais, de

, Centro é utilizado aqui no sentido de oposição à periferia. como cidade interior, a cidade comseu centro e bai rros, sem os subúrbio" e peri ferias.

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serviços e residenciais encontram terras disponíveis nas periferias, no movi-mento centrípeto as atividades em busca de localização no núcleo encontramos espaços intersticiais, que permaneceram vazios e/ou obsoletos no interior dacidade existente. São os vazios interiores, os terrains vagues. Derivando deforças contraditórias, esses processos às vezes resultam de operações simila-res que apostam na disponibilidade de solo urbano infra-estruturado no exteriorda cidade ou na reestruturação de áreas no seu interior. Verifica-se então, nasgrandes cidades, a ocorrência de uma série de projetos e intervenções emgrande escala, supondo atuações de infill (preenchimento de vazios, recupe-ração do tecido urbano), de reciclagem, de reabilitação, de transformação deespaços intersticiais que permaneceram certo tempo sem atividade, portantocomo terrains vagues.

São várias as cidades em que se vêm observando essas transformaçõese esses projetos urbanos para grandes vazios: áreas portuárias, ferroviárias,industriais, militares, entre outras. Talvez o caso da cidade de Berlim seja oexemplo mais insólito da presença de vazios que emergiram após a queda domuro, com a reunificação das duas Alemanhas, e, também, o exemplo maisconhecido de profusão de grandes projetos e de processos de intervenção e deocupação desses vazios. No entanto, dentre vários exemplos na Europa, na,

Asia e nas Américas, a cidade de Barcelona costuma ser tomada como oexemplo precursor e paradigmático.

A reestruturação urbanística de Barcelona na década de 1980, em grandeparte, apóia-se na articulação e na valorização de algumas dezenas de terrainsvagues no interior da cidade. Busquets apresenta, ainda, três blocos temáticosque exemplificam outras transformações urbanas recentes, esboçando algumascaracterísticas dos projetos urbanos em curso: 1. a obsolescência de grandesequipamentos industriais; 2. a transformação dos velhos portos; 3. as estaçõesferroviárias e seus espaços de serviços.

Em relação ao primeiro bloco, destaca centros de produção como oLingotto da Fiat em Turim, o Boulogne-Billancourt da Renault em Paris ou aBicocca da Pirelli em Milão, paradigmas de um processo mais geral: a recu-peração destes enclaves em suas respectivas cidades significa superar a quedada obsolescência, porém também a possibilidade de recuperação da base eco-nômica da cidade e de sua população. Complementando, Busquets defende anecessidade de um processo heterodoxo para romper as rígidas condiçõesurbanísticas prévias propondo uma estratégia de trama flexível, aberta a novosusos urbanos.

Quanto ao segundo bloco, deve-se ressaltar que a localização dos velhosportos tem, muitas vezes, relação com a fundação da cidade e, na sua origem,cidade e porto constituíam duas peças da mesma engrenagem. Por estes

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motivos, o autor assinala a necessidade de reinterpretar essas partes centraisdos portos como uma peça a mais da cidade futura. Há duas tradições nagestão de portos que afetam a sua transformação: a dos portos europeus,geralmente com administração única, e a dos norte-americanos, mais fragmen-tária. O autor exemplificá os casos de Manhattan, São Francisco, Boston,Baltimore e Seattle nos Estados Unidos, onde há uma forte tendência deutilização intensiva do "velho porto" para mercado, restaurantes, espaços defestivais lúdicos e espetaculares marinas. Na Europa. identifica dois tipos dis-tintos: as Docklands, em Londres, e o Kop van Zuid, em Rotterdam. Nestesprocessos de transformação portuária, destaca, ainda, um terceiro modelo nasconurbações japonesas e em outras cidades asiáticas, que propõe o aproveita-mento da obsolescência do velho porto para a recriação de um novo solo e umanova fachada urbana.

O terceiro bloco corresponde aos espaços ferroviários internos às cida-des: a estação deixa de ser o espaço teatral de chegada daquelas catedraisde transporte do século XIX e se converte em ponto de intercâmbio entremodos de transporte de âmbito e escala diferentes. Desenvolve-se umanova central idade que tende a ser aproveitada pela criação de serviços eescritórios nos terrenos baldios liberados pelo antigo uso ferroviário. Trata-se de uma reestruturação funcional e as estações tornam-se novos objetosurbanos com a valorização dos novos espaços centrais. O autor apresentaexemplos de projetos ocorridos em Londres - uma dezena de estações reno-vadas: em Paris - outras 12 estações; além de Berlim, Lyon, Milão, Madri,Lisboa, Estocolmo.

Outros autores observaram estes fenômenos e se referem a outrasexperiências européias como Stuttgart e Colônia, americanas como emManhattan e asiáticas como Hong Kong e Cingapura, assinalando, ainda, novosaspectos da questão. São ainda destacados os aspectos positivos e negativosdos muitos projetos que foram implementados e que se tornaram novascentralidades, zonas de usos mistos - residenciais, comerciais, culturais e delazer -, parques em geral, parques tecnológicos, parques temáticos, áreas deexposições e de eventos, entre outros. Cabem aí histórias de sucessos mastambém de situações estacionárias e de promessas de grandes realizações que,por diferentes motivos não se concretizaram, permanecem em obras ou vãosendo revistas e reavaliadas. Dentre os bem sucedidos, além dos já reconhe-cidos, ADRIAN (I997) lista os exemplos de Paris - la Villete, Rive Gauchee Pare de Bercy -, de Nova York - waterfront de Battery Park - e deMaastricht - waterjront com o museu Bonenfant. São exemplos de fracassos,as London Docklands, a feira de Leipzig, a Expo de Sevilha. Em muitos casosos resultados dos empreendimentos semi-realizados redundaram em áreas e

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prédios vazios (PESCH et al.,1997). O sinal de alerta a respeito desses novosvazios projetados teve início com a paralisação do desenvolvimento das docasde Londres e com o esvaziamento da Expo Sevilha, acentuou-se com a criseeconômica de 1997, quando se difundiu a preocupação com a ocupação dasnovíssimas torres e empreendimentos nas cidades do Sudeste asiático.

O esvaziamento da cidade tradicional e consolidada não apresenta ape-nas uma face, mas várias: o das edificações industriais, das comerciais e dashabitacionais, além dos conhecidos vazios das zonas periféricas, daquele dasáreas monofuncionais (VAZ, 1998) e atualmente, o das grandes intervençõese/ou implantações. Deve-se considerar, portanto, os novos e os velhos vazios.LEIRA (1999: 28) refere-se à "dinâmica do abandono de áreas, dos edifíciosvazios, dos vazios urbanos, dos vazios periféricos", assinalando ainda que oprocesso de esvaziamento está presente em várias cidades e é magnificado emSão Paulo, em cuja gênese estaria essa dinâmica do abandono. São Paulo"nunca teve tantos imóveis vagos, tantos edifícios para alugar". Segundo ourbanista, para enfrentar a questão na área central seria necessário não ape-nas a sua requalificação, mas também a requalificação dos edifícios, umaexigência lógica contra o fenômeno especulativo da demolição indiscriminada.

Com relação aos projetos para os vazios, PESCH (1997), aponta umparadoxo: quanto mais as cidades parecem se dissolver na paisagem e nasredes telemáticas e a urbanidade se perder num ambiente urbano difuso, maisas perdas procuram ser compensadas por grandes projetos. ADRIAN (1997),observando também o contexto das cidades européias, refere-se ao adensamentointerior, isto é, ao processo de renovação de grandes áreas geralmente coman-dadas pelo capital, e chama a atenção para o perigo de exclusão social queestas implantações trazem em seu bojo. Sendo encaradas como conglomeradosde objetos para renda, essas áreas e as atividades que nela se desenvolvemexcluem todos os que não tem renda suficiente para participar.

A esse respeito comentou BAUDRILLARD (1996) que se constroem"cidades inteiras de escritórios ou de apartamentos destinadas a permanecereternamente vazias diante da crise ou da especulação". Seriam as "ghost-towns": cidades que se assemelham a imensas máquinas que se reproduzemlia si mesmas ao infinito - fantasmas de um investimento desenfreado e de umdesinvestimento ainda mais rápido". Na sua visão crítica perspicaz, PESCH(1997: 16) acrescenta que os fracassos de alguns dos grandes projetos fizeramcom que a preferência das grandes e pequenas empresas se dirigisse (no casoinglês e norte-americano) para o desenvolvimento de centros comerciais emzonas tradicionais e de preservação histórica como Covent Garden e Soho, quese tomaram os novíssimos modelos urbanísticos.

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Aspectos da transformação da área central do Rio de Janeiro

Fundada na segunda metade do século XVI sobre um sítio marcado pelaforte presença das águas, dos morros, das florestas e dos pântanos, a ocupaçãourbana da cidade do Rio de Janeiro se desenvolveu por intermédio da conquistade solos urbanizáveis, com o arrasamento de morros e aterros de áreasalagadiças. Tal processo se desencadeou no século XVII, quando a cidadecomeçou a expandir-se pela várzea e perdurou por longo período. As condi-ções do ambiente físico disponível exigiram essa ação de dominação da natu-reza. A cada novo período de expansão da malha urbana tornava-se necessárioum árduo trabalho de aterro em diversos trechos da cidade.

A partir de meados do século XIX, contudo, concomitantemente aocrescente processo de expansão, o agravamento das condições de vida urbanano antigo núcleo suscitou a realização de grande número de projetos urbanís-ticos que tinham o propósito de alterar o uso e a ocupação do solo, sobretudono trecho correspondente a atual área central. A partir da virada do século,encerrou-se então um longo período de permanência e iniciou-se um períodode renovação urbana, a partir de diversas intervenções que passaram a trans-formar a fisionomia da cidade-capital do país, mormente na área central e seusarredores.

O quadro exposto a seguir sintetiza as formas de intervenção na áreacentral da cidade do Rio de Janeiro" destacando-se algumas das suas conse-qüênc ias mai s sign ificat ivas para a sua con figuraç ão es paci aI. Pode-se esboçartrês fases identificadas com processos de intervenção expressando concepçõesbás icas semel han tes:

I, séculos XVII/XIX ~ período de ocupação/dominação da natureza;2. décadas 1900/1970 ~ período de renovação urbana;3. décadas 1980/1990 - período de preservação/revitalização urbanas.Centrando a atenção a partir da primeira década deste século, assinala-se

que, além de promover o desaparecimento de marcos e ambientes históricose da moradia, as intervenções não se completaram em vários trechos, isto é,muitas áreas desapropriadas e demolidas ainda hoje permanecem desocupadas:os vazios intersticiais (vide mapa), Tratam-se de vazios originados deste pro-cesso histórico, cuja permanência decorre muitas vezes de questões de ordem

4 Convém esclarecer que por área central da cidade do Rio de Janeiro compreendemos o centrocomercial. financeiro, cultural e de informações, e o, seus arredores. onde se localizam áreas depequeno comércio. de indústrias de pequeno porte c residenciais. Nela encontramos, além don ücleo vertical izado, áreas preservadas pelo Pat rimônio Cu Itural, de uso misto. ass] m como áreasantigas deterioradas e arrasadas, e ainda grandes vazios. compondo um território singular a partirdo qual se seguem os bairros das zonas portuária, industriais e residenciais.

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jurídica, relativas à propriedade" ou à legislação urbanística, outras vezes emrazão da perda da dinâmica urbana preexistente. A reação a essa açãodemolidora se instalou em meados da década de 1970, quando surgiu um novopensamento, pautado na preservação e revitalização da cidade. Esta novaconcepção de planejamento veio a consolidar-se na década de 1980, impulsio-nando a implementação de planos e ações tendo em vista a recuperaçãourbana. Em resumo, o século XX vem se constituindo como um nítido períodode intervenções na área central, em distintos trechos e em diversos momentos,fundamentadas em discursos sobre a cidade e sobre a intervenção na cidade,igualmente diversos.

Curiosamente, apesar do longo período de intervenções visando a expan-são física do centro, já desde as primeiras décadas iniciava-se o processo deesvaziamento de atividades industriais, e, a partir de 1960, o esvaziamento deatividades políticas e administrativas com a transferência da capital para Brasília,a criação do Estado da Guanabara, e a posterior fusão com o Estado do Riode Janeiro. Mesmo assim, a metrópole carioca manteve a condição de núcleoaglutinador de atividades terciárias e pólo irradiador de cultura, de modas -inclusive urbanísticas - e modos de vida. Esse esvaziamento foi se acentuando,atingindo seu ápice na década de 1980, com a crise econômica, quando sematerializaram as evidências da pobreza - degradação do espaço físico de ummodo geral, com o crescimento da população de rua, do comércio informal, daviolência urbana (VAZ E SILVEIRA, 1998),

No presente estudo, evidenciam-se as principais transformações urbanasocorridas na área central que culminaram no momento atual de implementaçãode uma série de projetos urbanísticos para áreas degradadas e/ou para vaziosurbanos. Mais precisamente, tratam-se das duas últimas administrações muni-c ipai s, promotoras de intervenções .li ign ificati vas que precon izam a reconquistado centro do Rio. Nesta fase de implementação do Plano Estratégico, arevalorização da área central visa a sua retomada como centralidade urbana,simultaneamente ao estímulo das novas ccntralidades, decorrentes da descen-tralização das atividades antes exclusivas do centro (vide mapa anterior).

No momento há diversos projetos em andamento, mas poucos estãofinal izados. Enq uant o não se cone ret izam as atuai s intervenções propostas, osvazios mantêm-se subutilizados e contribuem para acentuar a tendência à de-gradação do ambiente. A efetiva ocupação desses vazios por meio da

.' Como as desapropriações e intervenções torarn realizadas por diferentes instâncias do poderpúblico - federal. estadual e rnunici pal, conforme o status da cidade no momento histórico (Distri toFederal, Estado da Guanabara ou capital do estado e sede do Município do Rio de Janeiro) - osterrenos remanescentes. atuais vazios, pertencem também a diferentes órgãos e instâncias dopoder. Outros, ainda. são disputados na justiça,

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implementação de projetos habitacionais, por exemplo, ainda constitui um de-safio ao poder público municipal. Entre as dificuldades detectadas, encontra-seo progressivo deslocamento populacional da área central e dos bairros maisantigos, consolidados, para as áreas de expansão urbana recentes.

O gráfico abaixo ilustra alguns aspectos relativos à expansão urbana,em particular a redução da população na área central e seu entorno. Porintermédio da evolução percentual da população nas Áreas de Planejamen-to - APs - (vide gráfico), nas duas últimas décadas e no último qüinqüênio,verifica-se uma diminuição do seu crescimento para. a cidade como um todo,mas pode-se constatar uma mobilidade intra-urbana, através do significativoincremento demográfico nas APs 4 e S, Barra e Zona Oeste, respectivamente.

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A tendência de diminuição da população moradora na área central, maisespecificamente, deve-se, também, à legislação urbanística que proibiu o usoresidencial no núcleo central e tornou-o restritivo na sua periferia imediata(decreto 3221 I976, vigente até 1994, quando foi promulgada lei municipal per-mitindo esse uso em toda a área central). Este fato e a atuação do Estado,m ed ian te pro j eros/i ntervenções u rba nas qu e pro movera m ex pu1são pro gress ivada população residente na área central. constituíram causas fundamentais dadegradação e formação de vazios. A premissa de um centro de atividadesexclusivamente vinculadas ao setor terciário, de expansão quase ilimitada,

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embasou planos, projetos, decretos e ações do poder público durante pratica-mente um século. A tradicional concepção de centro circundado por áreasdegradadas, sobre as quais o CBD deveria crescer, tantas vezes invocada parajustificar intervenções, ironicamente, parece agora que se inverteu: a degrada-ção e os vazios é que avançam sobre o núcleo, e não o contrário, enquantofocos de centralidades emergem em pontos distantes.

Esse processo de modernização, com suas transformações e permanên-cias, conduziu à configuração atual da área central da metrópole do Rio deJaneiro e à percepção de algumas de suas conseqüências que se apresentamcomo problemas: a presença dos vazios, a ausência da habitação e a degra-dação dos espaços públicos.

Em relação aos vazios, estudo recente sobre a área central do Rio deJaneiro (NEVES, 1996) também relaciona a sua gênese às intervenções urba-nas ocorridas nesta área. Vale registrar que o autor relaciona a área de vazioscom os terrenos ocupados por edifícios residenciais na Il Região Administra-tiva - 11 RA -, ou bairro Centro, Considerando a área correspondente aosedifícios residenciais, verifica que em apenas 50% dos vazios identificadosseria possível assentar uma população correspondente à residente hoje nobairro Centro." Ainda no tocante às edificações, assinala-se o crescentenúmero de escritórios vazios, por vezes edifícios inteiros.

Outro aspecto relevante que pode ser considerado nesta problemáticaenvolvendo os vazios urbanos e os espaços públicos está presente na análisede Castro (1995: 7-9), relacionando o poder público e o mercado. Ao mencio-nar a violência urbana que aumenta a insegurança, realça a valorização dos"investimentos em atividades 'protegidas' como shopping centers e condomí-nios fechados, ensejando o agravamento do apartheid e, obviamente, os lucrosespeculati vos". O autor as sinala, ainda, que "a superconcentração de ati vidadesnos shoppings acarreta uma precoce decadência de áreas comerciais bemservidas de infra-estrutura urbana e, em conseqüência, precipita novas carên-cias nas áreas 'beneficiadas' pelos novos empreendimentos". Ou seja, além dadescentralização de atividades antes exclusivas dos centros, os novos objetosurbanos e arquitetônicos produzidos exclusivamente pelo mercado induzem aoesvaziamento das áreas centrais, contribuindo para o surgimento de novostrechos em decadência.

" De acordo com essa pesquisa, o poder público é proprietário de cerca de 56% desses vazios. Oexame dessas observações reserva, ao poder público, um significativo papel ainda a ser desempenhadono equacionameruo do problema dos vazios. Sendo. simultaneamente "produtor" e detentor deporção significativa destes espaços na I! RA. há que se avaliar as possibilidades de realização deprojetos e intervenções com o intuito de reverter o processo de formação de vazios, contribuindoefetivamente para a revitalização da área central.

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A esta decadência convergem ainda, o empobrecimento da população eo aumento da violência urbana. Levando-se em conta estudos recentes sobreas questões sociais das metrópoles brasileiras, como a análise de RIBEIRO(1996: 45) que enfatiza os "resultados sociais" da década de 1980 para asmetrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro, verifica-se que estas são conside-radas lugares da pobreza urbana, se comparadas com as demais regiões me-tropolitanas do país. Segundo a autora, constata-se acentuada perda da quali-dade de vida, sobretudo no Rio de Janeiro, onde a proporção de pobres na suapopulação total aumentou de 27,20/0, em 1980, para 32,2%, em 1990.

Complexam-se e ampliam-se, desta maneira, os problemas relativos àárea central, envolvendo não somente a dimensão urbanística e da políticaurbana, mas também a econômica, a social e a cultural. Aliado ao quadroacima esboçado, destaca-se o desinteresse do mercado imobiliário que atua,preferencialmente, nas periferias e nas novas centralidades, optando pelo re-torno financeiro mais previsível a curto e a médio prazo. Face a esse contexto,predominam as incertezas quanto às possibilidades dos atuais investimentos dopoder público, em termos de projetos urbanísticos, para reverter tal processo.

Reconhecendo a dimensão do problema exposto, com base na compreensãode que lia degradação do centro contribui para a degradação do valor da pôlis"(DUPAS, 1998), e da necessidade de preservar "o núcleo original gerador desimbologia da cidade" (LIMA, 1998), considera-se que somente um esforço emescala amplamente significativa, em termos de política e projetos urbanísticos,poderá exercer um papel relevante para a revitalização da área central dametrópole carioca.

Cabe aqui colocar a apreensão quanto a uma nova onda de importaçãode modelos urbanísticos para a cidade, como ocorrido anteriormente (visto noquadro-resumo), e considerando-se ainda a prática internacional contemporâ-nea de produção de projetos de grandes intervenções nos vazios urbanos.Tendo em vista que no Rio de Janeiro se apresentam os vazios que vêm sendocolocados em destaque em todo o mundo: uma enorme zona portuária em suamaior parte obsoleta, imensas áreas ferroviárias e outras, abandonadas, adja-centes ao CBD, é de se prever que estas áreas se tornem objetos de novosprojetos. Mas quando se recorre a uma perspectiva histórica, percebe-se, tam-bém, que no Rio de Janeiro vêm sendo produzidos vazios desde várias décadase justamente através de muitos destes planos e projetos ambiciosos, visionáriose pouco realistas.

A seguir apresenta-se, em breves comentários, um panorama da práticaurbanística atual na cidade. A atividade em questão vem sendo impulsionadapelo poder público municipal através de diferentes programas e intensa divul-gação. Destacam-se os conhecidos programas Rio-Cidade e Favela-Bairro,

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que recolocaram a discussão dos espaços urbanos no cotidiano da populaçãodevido às dezenas de intervenções pontuais de requalificação de eixos comer-ciais e de urbanização de favelas,

Os projetos urbanísticos da Prefeitura para a área central do Rio deJaneiro, em curso nas duas últimas administrações municipais, visam interven-ções destinadas a contribuir para o desenvolvimento socioespacial dessa área.Por meio de grandes investimentos, de consultorias com técnicos estrangeirosde renome," de alguns concursos públicos de projetos urbanísticos pontuais,iniciativas das novas subprefeituras do centro e da zona portuária, programasde diferentes Secretarias Municipais (Urbanismo, Habitação, DesenvolvimentoSocial) ou ainda, através de instituições como a RFFSA (Rede FerroviáriaFederal S.A.) e a CEF (Caixa Econômica Federal), entre outras, além deparcerias com entidades privadas, o poder público municipal vem promovendoum conjunto considerável de projetos para a área central. Com o intuito deviabilizar estas atuações, a Prefeitura aprovou a chamada "Lei do Centro", lei2.236, de 14/10/94, - publicada no Diário Oficial do Município do Rio deJaneiro em 26 de abril de 1995 - que, entre outros aspectos, propõe: permissãoe estímulo ao uso residencial, valorização e conservação das edificações e dosconjuntos arquitetônicos de interesse cultural e paisagístico.

Entre as várias intervenções realizadas ou em andamento, algumas abran-gem trechos mais amplos da área central e arredores," além de alguns projetosdestinados ao incentivo do uso habitacional, como o projeto de reabilitação decortiços (Programa Novas Alternativas da SMH), projetos habitacionais loca-lizados," objetivando o preenchimento de vazios e a recomposição do tecidourbano da periferia do centro.

Está em andamento, portanto, uma vasta gama de projetos e interven-ções na área central. Pode-se analisá-los por meio de uma reflexão a respeitodo seu significado econômico para o município, ou seja, das motivações rela-tivas à criação de novas áreas capazes de estimular a dinâmica do capitalimobiliário; podem ser investigadas as semelhanças destes investimentos com

1 Como é o caso de Nuno Portas (Porto). Jordi Borja e Oriol Bohigas (Barcelona)., Como é o caso do Proj cto Sás (proxi midades do edi fício atual da Prefei tura, área de tecido urbanoantigo cortada pelo eixo das avenidas Mem de Sá, Estácio de SÚ e Salvador de SÚ); Tcleporto:Waterfron! (!itoral, desde o Aeroporto Santos Dumont até a Igrej a da Candclária): Rio Mar (J iruralsul, desde o Aeroporto Santos Dumont até o bairro do Leblon): Praça Tiradentes (recuperação dapraça e de diversos imóveis nas proximidades): Rio-Cidade (Avenida Presidente Vargas) e Rio-Cidade (Avenida Rio Branco e adjacências). Outras, de âmbito mais restrito, visam a recuperaçãode pequenas praças (Cruz Vermelha) e trechos de rua (São José) ou outros espaços públicos (PraçaBarão do Rio Branco. entorno da Estação Ferroviária Central do Brasil, mergulhão da Praça XV deNovembro) (AZEVEDO e G. da CUNHA. 1997)." Projetos para o Morro da Saúde, para a Enseada da Gamhoa e para o Morro da Conceição.

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outros verificados no contexto internacional; pode-se, ainda, pensar nas decor-rências funcionais destas intervenções relacionando-as ao espaço metropolitanocarioca no seu conjunto; enfim, pode-se averiguar que tendências, em termosde desenho urbano, estão sendo privilegiadas atualmente. Assim, assinalandoalguns estudos que podem ser desenvolvidos a respeito desses projetos e in-tervenções, enfatiza-se que o momento atual abre novos campos para a inves-tigação da área central. No âmbito da pesquisa "Processos de transformaçãoem áreas centrais metropolitanas - o espaço construído nas políticas, planos eprojetos urbanos", ora em desenvolvimento, após uma análise histórica da ci-dade, bem como de alguns estudos sobre os projetos e atuações do poderpúblico na área central no decorrer deste século, apenas delineou-se o contextorecente, apontando as diversas intervenções que ainda carecem de umareflexão adequada.

Interessa salientar o grande desafio que representam essas ações urba-nísticas, as quais constituem iniciativas destinadas a reverter o esvaziamentoda área central como um todo. Vale evidenciar que se trata de propostaambiciosa, se levar-se em conta a sua pretensão de modificar uma tendênciade ocupação e desenvolvimento urbano que vem se estruturando ao longo dahistória da cidade, sobretudo nos últimos cem anos, período em que as inter-venções na área central foram decisivas para a sua transformação socioespacial.Além de acompanhar o processo em curso, propondo-se estudos criteriosossobre os propósitos e os condicionamentos destas atuações, toma-se necessá-rio observar os seus resultados e conseqüências. Entretanto, pode ser feitauma primeira constatação a respeito do quadro esboçado, destacando-se aausência de projetos mais específicos destinados a enfrentar os desafiosmaiores, isto é, os grandes vazios ainda existentes.

Para finalizar, pode-se dizer que no Rio de Janeiro, atualmente, essasignificativa produção de projetos urbanísticos e de várias propostas e interven-ções para a área central (desde os grandes programas, de inúmeras interven-ções pontuais, passando pelas propostas e projetos médios e pequenos,atomizando obras por toda a cidade) tem tido boa acolhida, em geral, mastambém tem recebido diversas críticas, principalmente no âmbito acadêmico.Estas visam diferentes esferas de atuação do poder público como o não aten-dimento a demandas sociais e ao privilegiamento de ações voltadas para omercado, o que acompanha uma tendência mais ampla, de âmbito nacional einternacional. No que diz respeito especificamente à área central, a atuação dopoder público vem sendo, por um lado, ambiciosa e intensa e, por outro, cui-dadosa, evitando, de uma maneira geral, os enormes projetos das décadaspassadas nem sempre bem sucedidos. Mas a resposta do mercado continuatambém pontual, cuidadosa e reticente. Há que se aguardar os desdobramentos

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futuros deste quadro, assim como aprofundar as pesquisas para uma melhorcompreensão do tema.

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