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    Relao

    Fisioterapeuta-Paciente e a Integrao Corpo-mente:

    um Estudo de CasoPhysiotherapist-

    Patient Relationship and the Body-mind Integration: a Case Study

    Relacin Fisioterapeuta-Paciente y la Integracin

    Cuerpo-mente: un Estudio de Caso

    Arti

    go

    Clris Regina Elias de Moraes Canto &

    Lvia Mathias Simo

    Universidade de So Paulo

    306

    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO, 2009, 29 (2), 306-317

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    Relao Fisioterapeuta-Paciente e a Integrao Corpo-mente: um Estudo de Caso

    Clris Regina Elias de Moraes Canto & Lvia Mathias Simo

    Resumo: A relao fisioterapeuta-paciente usualmente caracterizada por momentos de tenso, originados da co-existncia de seus diferentes mundos subjetivos, constitudos por concepes e valores diversos, incluindo-se aqueles atinentes relao corpo-mente. Neste artigo, abordamos, atravs de relato de pesquisa com delineamento de estudo de caso, algumas das questes relacionadas s tenses intersubjetivas nesse contexto. Apresentaremos resultados da anlise do dilogo entre uma fisioterapeuta e sua paciente que evidenciam suas perspectivas conflitantes quanto relao corpo-mente, com desdobramentos especficos para o processo teraputico assim como para aspectos gerais da vida cotidiana e profissional das participantes da relao. A anlise do dilogo tambm evidenciou que a busca pela soluo dos conflitos gerou, em alguns momentos, novas perspectivas na abordagem das participantes quanto aos temas dos dilogos e prpria relao fisioterapeuta- paciente. Pensamos que a reflexo e discusso desses aspectos nos campos da interdisciplinaridade entre Psicologia e fisioterapia podem gerar novas perspectivas de abordagem das relaes envolvidas nesses contextos de atuao profissional.Palavras-chave: Dilogo. Construo de conhecimento. Psicologia. Fisioterapia.

    Abstract: The physiotherapist-patient relationship is usually characterized by moments of tension, yielded by the existence of their different subjective worlds. These worlds are constituted by the physiotherapists and patients different conceptions and values, included those concerning the mind-body relationship. In this paper we approach some questions related to the intersubjective tensions in this context, taking advantage of a case study. The analysis of the dialogue shows that the physiotherapists and the patients conflicting perspectives with respect to mind-body relation have implications for their professional and ordinary lives. It also shows that their quest for solving those conflicts brought, at some moments, new perspectives on the subject of the dialogues as well as on their ongoing relationship. We think that the interdisciplinary reflection and discussion of these aspects in the domains of psychology and physiotherapy can generate new perspectives for approaching the relationships involved in the respective professional contexts.

    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO,

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    Apesar de o avano cultural e tecnolgico ter possibilitado a cura para muitas patologias, notam-se, ainda, freqentes discusses sobre as dificuldades para se dar conta das mltiplas demandas da relao profissional-paciente. No intuito de colaborar para essa discusso, destaca-se o objetivo desta pesquisa: abordar, atravs de um estudo de caso, algumas das questes relacionadas s relaes corpo-mente nesse contexto dialgico, buscando contribuir para discusses interdisciplinares entre pesquisadores e profissionais de ambas

    as reas envolvidas, no sentido de gerar novas perspectivas de abordagem dessas relaes.

    Relao fisioterapeuta-paciente

    Desde muito tempo, estuda-se a relao entre corpo e alma. Inicialmente, o corpo foi considerado exclusivamente instrumento da alma, mas, com o dualismo cartesiano, corpo e alma passam a ser considerados duas substncias diferentes e independentes. Essa forma de pensar influenciou e influencia

    Keywords: Dialogue. Knowledge construction. Psychology. Physiotherapy.

    Resumen: La relacin fisioterapeuta-paciente es comnmente caracterizada por momentos de tensin, originados de la co-existencia de sus diferentes mundos subjetivos, constituidos por concepciones y valores diversos, incluyndose aquellos tocantes a la relacin cuerpo-mente. En este artculo, abordamos, a travs de relato de pesquisa con delineamento de estudio de caso, algunas de las cuestiones relacionadas a las tensiones nter subjetivas en ese contexto. Presentaremos resultados del anlisis del dilogo entre una fisioterapeuta y su paciente que evidencian sus perspectivas conflictivas en cuanto a la relacin cuerpo-mente, con desdoblamientos especficos para el proceso teraputico as como para aspectos generales de la vida cotidiana y profesional de las participantes de la relacin. El anlisis del dilogo tambin evidenci que la bsqueda por la solucin de los conflictos engendr, en algunos momentos, nuevas perspectivas en el abordaje de las participantes en cuanto a los temas de los dilogos y a la propia relacin fisioterapeuta- paciente. Pensamos que la ponderacin y discusin de estos aspectos en los campos de la interdisciplinaridad entre Psicologa y fisioterapia pueden generar nuevas perspectivas de abordaje de las relaciones involucradas en esos contextos de actuacin profesional.Palabras clave: Dilogo. Construccin de conocimiento. Psicologa. Fisioterapia.

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    at hoje o pensamento mdico-cientfico ocidental, que passa a conceber o corpo fragmentado em duas partes: fisiolgico e psicolgico, destinando a diferentes especialistas o cuidado de cada uma de suas partes. Nasce, aqui, a dificuldade da fisioterapia em considerar a dialogia corpo-mente, com implicao direta na relao fisioterapeuta-paciente.

    Para o fisioterapeuta, tratar o paciente representa, muitas vezes, uma rotina: ele j est familiarizado com as doenas, seus sintomas, as reaes dos pacientes e as restries do tratamento, o que o leva a preocupar-se somente com a soluo da queixa fsica do paciente. Expectativas e emoes diante da limitao fsica e do prprio tratamento no so, comumente, consideradas relevantes pelo profissional para o sucesso do tratamento. preciso considerar que a experincia de estar prximo ao sofrimento de outros (in)sensibiliza os profissionais que, por vezes, se recusam a conhecer as circunstncias de vida do paciente, evitando o confronto com seus sentimentos, isso talvez pela crena de que sua formao profissional no abarque esses possveis aspectos da vida humana (Boesch, 1977), o que legitimado, em parte, pela estrutura curricular dos cursos de formao profissional. Existe tambm a idia compartilhada por pacientes, familiares e profissionais de que o afastamento emocional facilitador da objetividade que acompanha a competncia para a cura. Assim, conforme Boesch, o profissional desenvolve mecanismos de defesa que, dentre outras consequncias, tendero a substituir o indivduo pelo caso clnico, convertendo a relao fisioterapeuta-paciente em mais uma experincia tcnica, reforando o pensamento dicotmico corpo-mente e favorecendo o carter rotineiro da atividade do profissional, ao evitar que ele se veja, a cada contexto socioemocional dos diversos pacientes, diante do desconhecido, do imprevisvel, para o qual ele no se sente preparado.

    J para o paciente, as modificaes decorrentes do processo de doena se iniciam antes de ele procurar o profissional. O paciente passa por um perodo de durao variada entre os primeiros sinais da doena e a rendio em aceitar o papel de doente, papel esse que tem seu significado varivel de acordo com a cultura na qual o indivduo se insere, podendo ser visto como fraqueza e equiparado ao fracasso, o que causa transtornos sociais, econmicos e emocionais e envolve o paciente e tambm sua famlia (Boesch, 1977). Portanto, nesse perodo, ele busca preservar sua autonomia funcional, tentando superar e minimizar a importncia dos sintomas. Assim, para o paciente, a doena no um fato corriqueiro, com manifestaes conhecidas e solues previsveis, mas uma ameaa sua integridade, no apenas fsica mas tambm psicossocial, o que lhe impe um olhar intuitivamente mais integrado quanto relao corpo-mente.

    Nessa perspectiva, os papis do fisioterapeuta e do paciente so construdos com base nas elaboraes cognitivo-afetivas pessoais das sugestes culturais. Essa construo um processo interativo que evidencia a assimetria inerente s relaes sociais em geral. Da parte do profissional, inclui a elaborao de mensagens culturais com relao ao que esperado da pessoa que ocupa aquele lugar: estabelecimento de regras, regulao de experincias e direo de comportamentos. So expectativas exigentes, mas prazerosas, porque propiciam algum sentimento de poder. J o papel de paciente exige colocar-se no lugar de doente, o que pouco prazeroso e bastante ameaador.

    A relao fisioterapeuta-paciente denota, ento, a existncia de perspectivas diferentes e irredutveis com respeito relao eu-mundo da fisioterapia: uma vivida pelo paciente que envolve expectativas e medos baseados em aspectos sociais, culturais e emocionais de seu momento de vida e

    preciso considerar que a experincia

    de estar prximo ao sofrimento de

    outros (in)sensibiliza os profissionais que, por vezes,

    se recusam a conhecer as

    circunstncias de vida do paciente,

    evitando o confronto com

    seus sentimentos, isso talvez pela crena de que sua formao

    profissional no abarque esses

    possveis aspectos da vida humana

    (Boesch, 1977).

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    outra pelo profissional da sade que tem suas preocupaes voltadas para o caso clnico , o que gera tenso, caracterstica das relaes interpessoais baseadas no dilogo, conforme Markov (1997). E no bojo desse desequilbrio cognitivo e afetivo, conforme a perspectiva de Simo (2000), que pode se dar a emergncia de novos conhecimentos tanto sobre possibilidades e prognsticos para o quadro clnico como sobre maneiras de maximizar possibilidades interativas que os efetivem no tratamento. Assim, a vivncia de uma contradio experimentada internamente poder levar tomada de conscincia de que uma determinada idia ou expectativa com que fisioterapeuta ou paciente operavam no lhes serve mais, o que acarreta sua transformao e, mais amplamente, seu desenvolvimento.

    A dialogia fisioterapeuta-paciente

    A reflexo advinda da idia de que a vida de um indivduo aps algum evento benfico ou malfico nunca tem sua forma original restaurada nos remete ao potencial de mudana do ser humano: o vir a ser, conforme Boesch (1991); essa idia freqentemente vivenciada nas relaes entre fisioterapeuta-paciente diante de um episdio de doena, em que o desejo de continuar igual ao que se era se potencializa, pois h a ameaa de mudar para pior, que se torna assustadora para o paciente, para o fisioterapeuta e at mesmo para os grupos culturais aos quais pertencem. Dessa forma, comum o paciente dizer: Gostaria que minha vida voltasse a ser exatamente como era e o terapeuta reforar: Procuraremos deixar sua vida como se nada tivesse acontecido.

    Esse tipo de discurso traz a presena do futuro, como antecipao e imaginao, orientando a ao presente, isto , o indivduo est constantemente movendo-se

    do que no minsculo presente em direo ao ainda no determinado momento futuro (Abbey & Valsiner, 2003). Esse movimento determina o novo presente, sendo a base para a prxima incerteza do futuro, que ento superada, infinita e irreversivelmente, o que ocorre por mediao semitica, isto , por um mecanismo funcional que transforma o futuro esperado (incerto, com possibilidades mltiplas) na possibilidade realizada e certamente acontecida (Simo, 2002), denotando um desenvolvimento baseado na incerteza. Quando em um tratamento fisioteraputico, avanamos em exerccios com maior dificuldade, e usual que a primeira atitude do paciente seja a rejeio ao exerccio novo, segurando-se naquilo que j capaz de fazer, em vez de enfrentar algo que no tem certeza se alcanar. Ao realizarmos esse avano, oportunizamos ao indivduo vivenciar essa ambivalncia e encontrar mecanismos internos para a resoluo desta, contribuindo para o desenvolvimento tanto no nvel fisioteraputico (melhora fsica) como no nvel pessoal (melhora das capacidades de resoluo de conflitos que envolvem incertezas e de projeo de um determinado futuro). Vale lembrar que a escolha do profissional e a permanncia com este passam pelo sucesso ou insucesso da resoluo desses conflitos, o que inclui empatia e confiana (Boesch, 1991). Tomando as proposies de Boesch

    (1991) e Simo (2002), a empatia se torna uma necessidade: fisioterapeuta e paciente precisam ser capazes de ler as intenes, discernir sentimentos, compreender gestos e captar os significados manifestos e latentes da linguagem de ambos, a fim de avaliar sua importncia para os prprios objetivos, antecipando aes e reaes, e de inferir sua avaliao sobre o outro. Ao entrar em contato com manifestaes de algum sentimento experimentado pelo outro, fisioterapeuta e paciente aprendem as razes de esse sentimento ocorrer no outro e, em conseqncia, a conotao daquele sentimento para si prprio se alarga (Boesch, 1991).

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    A dialogia na corporeidade

    Para que uma pessoa se exprima enquanto corpo que realiza seus prprios desejos, necessrio que ela cresa no em sua individualidade absoluta, mas em suas relaes com os outros e com o mundo (Gonalves, 1994); aqui, particularmente, em sua relao com o fisioterapeuta. O contexto da fisioterapia, que busca a Reeducao Postural Global (RPG), toca a contnua (re)construo de um corpo, uma morada onde realizar a centralizao e a unidade da pessoa (Denys-Struyf, 1995). Assim, nossos estados de tenso, nossas emoes, nossa maneira de ser, se exprimem atravs do sistema msculo-aponevrtico, influenciando nossa postura e nossos gestos, em uma relao dialgica. Portanto, a imagem do corpo passa pelas funes centrais da personalidade, enquanto representatividade do indivduo para o mundo (Abraham, 1963), sendo, um fenmeno social (Schilder, 1980), revelando instantneos na vida de uma pessoa (Denys-Struyf, 1995).

    Quando o paciente se olha no espelho prtica freqente da RPG , a imagem que faz de si reveladora das representaes que faz a seu prprio respeito, que d ao indivduo um conhecimento sobre si mesmo e sobre a conscincia de sua prpria perceptibilidade (La Taille, 2002), ou seja, no v apenas o reflexo de seu Eu, v sempre um personagem imaginrio, localizado em um enredo de planos futuros e visto do ponto de vista do fisioterapeuta. Portanto, essas representaes de si mesmo e as auto-avaliaes do paciente diante do fisioterapeuta em relao sua corporeidade e a seu comportamento tm vnculo estreito com os olhares judicativos deste e o de si mesmo, direcionando a interao; esse mesmo olhar judicativo recai sobre o fisioterapeuta como profissional. No entanto, a busca sempre por representaes positivas uma das motivaes bsicas das condutas humanas, conforme La Taille.

    Estudo de caso

    Participantes

    Participaram deste estudo um indivduo (nomeado neste estudo paciente [P]), sexo feminino, 49 anos, com queixa de dor na regio da coluna lombar, encaminhado fisioterapia para RPG por mdico ortopedista do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), So Paulo, com diagnstico de lombalgia, e um profissional fisioterapeuta do HIAE (nomeado neste estudo fisioterapeuta [P]), sexo feminino, 32 anos, com formao em RPG, atuando nessa especialidade e nessa instituio h cinco anos. Escolheu-se para esta pesquisa a anlise do dilogo dessa paciente, pois, desde o primeiro momento de contato, a fisioterapeuta observou, da parte desta, comportamento mais reflexivo que o usual quanto ao tratamento e sua relao com a vida cotidiana, o que aumentaria a possibilidade de se obter informaes relevantes, da perspectiva da paciente, sobre as questes que escolhemos nos debruar neste estudo.

    Obteno e registro das informaes

    A coleta das informaes realizou-se em uma sala para RPG do HIAE, que continha um espelho, alm do mobilirio usual. As sesses foram individuais, com intervalo mdio de sete dias entre elas.

    As informaes foram obtidas no processo interativo fisioterapeuta-paciente, atravs de entrevista dirigida pela fisioterapeuta. O acesso participante se deu aps parecer favorvel da comisso de tica do HIAE e conseqente autorizao da instituio. Solicitou-se tambm a concordncia da participante, atravs de assinatura do Termo de Consentimento Voluntrio, em participar da pesquisa, esclarecendo-se que sua aceitao no era obrigatria para que se procedesse ao tratamento. Aps essa assinatura, iniciou-se a coleta dos dados pessoais (nome, idade

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    e antecedentes clnicos) da participante e a mesma foi indagada pela fisioterapeuta quanto sua sintomatologia. Com base em narrativa feita pela participante, e orientada por seu enquadre profissional, a fisioterapeuta passou aos procedimentos teraputicos, incluindo a auto-avaliao da postura diante do espelho.

    Os relatos da fisioterapeuta e da paciente durante o processo interacional nas 10 sesses do tratamento foram registrados em fitas cassete, com uso de um gravador comum. Posteriormente, foram transcritos pela pesquisadora, mantendo-se a forma de dilogo e seqenciados com as denominaes de F para a fisioterapeuta e P para a paciente.

    Procedimento de anlise

    A anlise das informaes iniciou-se com a imerso da pesquisadora nos dados, deixando aflorar os sentidos possveis quanto apreenso das expectativas, motivaes e interesses em relao ao tratamento fisioteraputico, assim como em relao s concepes de integrao corpo-mente. Evitou-se encapsular as informaes em categorias, classificaes ou tematizaes de dados definidas a priori, utilizando-se uma orientao microgentica (Catan, 1989) na tarefa interpretativa dos sentidos das falas. Duas questes nortearam a interpretao do dilogo escolhido: O que estaria levando P ou F a fazer/dizer isso? e Tendo uma delas (P ou F) feito/dito isso, o que aconteceu com ambas?

    Resultados e discusso

    A anlise do dilogo entre F e P nas 10 sesses identificou um processo de construo de novos significados relativos ao processo fisioteraputico bem de questes que tocam a corporeidade. Evidenciou-se o papel e o valor das trocas e negociaes no espao teraputico, o que sugeriu que o trnsito de

    significaes se constitui em canal mpar na prpria elaborao pessoal das participantes a respeito de si prpria, da outra e das razes que as colocaram ali. Notou-se, em muitos momentos, a presena de ambigidade nos sentidos das falas das participantes quanto a aspectos que ambas consideravam relevantes no tratamento, e mudanas de opinies, principalmente quanto ao significado atribudo por uma s aes da outra e quanto s reflexes sobre suas vivncias.

    Os relatos de P apontaram mudanas de comportamento que no ficaram estritos apenas resoluo da queixa que a levou ao tratamento a dor , passando para um mbito mais amplo da vida, incluindo sua auto-imagem e sua relao com novas propostas de vida. Com isso, queremos dizer que, se viver sem dor era o objetivo ltimo do tratamento, h tambm que se considerar o fato de que P passou a perceber-se de forma diferente, em muitos sentidos melhor, assim como os outros tambm passaram a perceb-la dessa forma. Nessa medida, o objetivo da RPG pde ser estendido a questes que tocam a qualidade de vida nas relaes interpessoais e consigo mesmo.

    Nesse processo dinmico, F ocupou o lugar de organizadora das atividades teraputicas, confirmando a P seu lugar de pessoa nica, isto , com problemas, razes e expectativas que, embora possam ser colocadas no fundo da generalidade dos conhecimentos da rea cientfica da sade, so ao mesmo tempo exclusivamente individuais em sua manifestao. P, de sua parte, permitiu que F apreendesse aspectos importantes do tratamento, a partir da perspectiva interacional eu-outro, o que a fez refletir e imprimir mudanas em seu comportamento profissional e pessoal.

    A seguir, sintetizamos momentos significativos do dilogo durante as sesses para ilustrar o discutido na seo Introduo - para ntegra da pesquisa ver Canto (2006).

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    Primeira sesso

    P afirmou ter uma dor nas costas constante, constncia essa que foi questionada por F, gerando um momento de tenso e indicando a existncia de duas perspectivas diferentes quanto ao carter constante da dor referida por P. Talvez essa tenso tenha sido gerada pela falta de confiana de uma na outra: sem uma experincia prvia, P no sabia de fato se F iria ajud-la; ela apenas supunha que a outra merecesse sua confiana, pois pressupunha seu preparo profissional, que lhe culturalmente sinalizado, por exemplo, pela pertena de F a uma instituio de sade.

    No intuito de resolver a tenso, F fez novo questionamento sobre as condies fsicas de piora da dor; com isso, P experimentou a disposio e a preocupao da profissional, mas reafirmou que suas costas doam o tempo todo, apesar de demonstrar estar mais aberta reflexo sobre o tema ao iniciar sua fala com Uhmmm... Nesse questionamento, F fez relao do quadro lgico com a questo espacial (posies corporais) e P respondeu em termos temporais: doem o tempo todo, sugerindo dificuldade em transpor os limites temporais para os espaciais, que, no presente caso, pode ser considerado o prprio corpo. Nota-se, aqui, a freqente inabilidade do profissional em indicar seu objetivo com clareza, na pergunta, assim como a do paciente em se expressar frente a ele e em delimitar seus sintomas, dando a sensao de falta de conhecimento de seu prprio corpo e de ateno para com suas prprias dificuldades, talvez evitando defrontar-se com elas.

    Explorando mais a queixa de P, F indagou-lhe sobre as condies de alvio da dor, e P identificou uma posio corporal, solucionando a tenso e oportunizando nova etapa para o tratamento. Vale lembrar que a dificuldade de P em atender s solicitaes de F pode ser entendida por esta como falta de reconhecimento de sua capacidade, fato que

    gerou sentimentos negativos em resposta s percepes desse comportamento. Mas, no fosse essa dificuldade, talvez a investigao de F fosse mais rpida e superficial e no resultasse em novas informaes.

    Na sequncia, F buscou saber se P utilizava essa posio corporal para alvio da dor; ela respondeu que no, pois seu dia a dia era atribulado. Intuitivamente, F atribuiu essa condio a um excesso de atividade profissional, o que no foi validado por P, ao afirmar ser o sono ruim o fator limitante. Nota-se o aparecimento da novidade, mudando a direo do raciocnio de F e oportunizando a aquisio de novos conhecimentos sobre o quadro clnico de P.

    F, diante da novidade, indagou a P sobre o possvel fator desencadeador do sono ruim, sugerindo uma inter-relao entre estados emocionais e fsicos e tambm interesse por sua histria de vida. Demonstrando mais confiana e empatia, P afirmou que foi aps o trmino de seu casamento e o crescimento dos filhos que seus problemas de sono apareceram, denotando uma noo integrada de si, estabelecendo relao estreita entre aspectos fsicos e emocionais na sua condio sintomtica.

    Mesmo tendo identificado a dificuldade de sono de P, F explicitou ser necessrio retomar o assunto que a trouxe ao tratamento (dor nas costas), no dando feedback s novas informaes adquiridas, o que mostra dificuldade em lidar com temas que no tm relao direta com sua formao profissional (no caso, questes emocionais), embora o contato tenha acontecido. Ilustra, tambm, que o pensamento integrado corpo-mente fazia parte do raciocnio de F, mas no gerou atitudes integradas em benefcio direto a P.

    Em seguida, F solicitou a P uma auto-avaliao postural. Nesta, P afirmou no ter uma tima postura, por conta de eventos emocionais negativos em sua vida, indicando

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    mais uma vez pensamento corpo-mente integrado. F, apesar de se assentar em aspectos objetivos (alteraes de postura visivelmente identificveis), solicitou uma reflexo simblica a P: O que a senhora quer dizer quando afirma no ter uma tima postura?, provavelmente por j ter aprendido que ela dava maior retorno verbal quando os aspectos simblicos eram levados em conta, ou seja, passava a agir de acordo com o modo como experimentava as aes e reaes de P na prpria situao de interao. Alm disso, P alegou que o tema postural era ligado esttica, e, portanto, no importava em seu momento de vida. No entanto, a auto-imagem negativa relatada anteriormente nos sugere que P, inconscientemente, considera, sim, a questo esttica, pois ver-se melhor ou pior posturalmente no constitui algo de carter somente cognitivo, e, sim, afetivo-emocional.

    Nesse momento do dilogo, notou-se a presena de duas perspectivas diferentes quanto s condies teraputicas para a melhora: P queria ficar sem dor, mas negava-se a aceitar mudanas para que isso ocorresse, talvez para se proteger de temas dolorosos ou ocultar sentimentos que julga no serem pertinentes ao conhecimento de F. J o ficar sem dor, para F, exigiria mudanas na postura e na qualidade do sono. Vale lembrar, aqui, que no se trata de idealizar que as perspectivas de F e P possam ser idnticas, e sim, que haja negociao entre elas para se chegar a uma resoluo.

    Diante desse desequilbrio, F dedicou-se a explicar mais sua perspectiva, o que possibilitou a continuidade da comunicao, sugerindo-nos que houve o reconhecimento, por parte de F e P, da necessidade de se movimentarem juntas na busca de um objetivo comum. P demonstrou compreender o ponto de vista de F, mas deixou claro que no acreditava em uma mudana postural, pois no tinha motivao para tal. Isso no pode ser analisado em termos de resistncia

    mudana ou de medo da transformao como acontecimentos isolados; deve ser entendido no contexto emocional de P, pois, em outro momento, ela deixou claro que, por no ter sua famlia presente, sua vida havia perdido o significado, no sendo importantes as mudanas. F, valendo-se da percepo desse contedo emocional, buscou mudar a concepo de P, argumentando que o fato de ela ter procurado auxlio para sair de uma condio fsica de dor para uma sem dor j denotava motivao pela mudana. Esse momento mostra uma tentativa de negociao de F em busca da (re)construo de novas concepes quanto auto-estima de P, incluindo um incentivo emocional na direo do cuidar de si mesma, o que contribui simultaneamente para sua sade fsica e mental, benefcio aparentemente pequeno quando comparado ao que um acompanhamento profissional especializado poderia promover; entretanto, oportuniza pequenas mudanas, teis no momento, para a continuidade do tratamento, mas com possvel valor cumulativo.

    Vale destacar tambm que, quando P disse ter uma postura ruim e por isso merecer a ateno dos filhos, tal fato nos sugeriu que essa condio ruim era privilegiada e at mesmo mantida por ela no intuito de chamar a ateno dos filhos, pois, em muitos outros momentos, F chamou-lhe a ateno para possveis causas da dor que estavam nela, no nvel corporal-objetivo e, no entanto, P se referia a causas que estavam fora dela, no nvel mental-psicolgico, subjetivo, portanto. No entanto, F atribuiu a postura ruim de P vida moderna, no valorizando as questes emocionais, assumindo assim uma concepo desintegrada da unidade corpo-mente. A soluo desse conflito, diferentemente dos citados anteriormente, no gerou em ambas as participantes aes de reflexo e explorao de significados: F talvez tenha se baseado no pensamento dicotmico de que essas percepes emocionais de P no pudessem interferir negativamente em seus

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    procedimentos; j para P, o importante era que seus filhos soubessem da sua condio de dor, encontrando na m postura uma prova cabal para isso. As intenes, possivelmente inconscientes, de cada uma delas no entravam em sintonia e, portanto, no geraram reflexo na busca de consenso ou de aprofundamento de discenso.

    Segunda sesso

    P relatou que as alteraes posturais observadas na sesso anterior por F lhe fizeram mal emocionalmente, indicando uma noo integrada de corpo e mente; no entanto, usou o termo coisa para denomin-las, como algo que no lhe pertencesse, mas como algo que havia se abatido sobre ela, denotando fragilidade na sua forma integrada de pensar. F no valorizou esse relato, dicotomizando corpo e mente, muito talvez por sua formao profissional no abarcar amplas discusses sobre a unicidade corpo-mente.

    Outro tema abordado foi a realizao de exerccios, que, por sua vez, gerou momentos de desequilbrio, como os vistos na sesso anterior. F, por j ter familiaridade com a resistncia de P s suas proposies, tentou valid-las usando argumentos mais amplos no contexto sade-doena, como, por exemplo, o significado de ser um profissional da sade e o papel de uma instituio de sade. Utilizou, tambm, uma linguagem mais prxima de P, direcionando suas aes na integrao corpo-mente, como no convite para que ela sentisse o efeito do exerccio em seu corpo, voltando sua ateno para si mesma, em vez de buscar as causas de seu sentir nos outros, no que os outros lhe fazem ou deveriam fazer-lhe. P respondeu positivamente a esse novo falar de F, mostrando que o convencimento se dava atravs da sensao corporal, isto , a linguagem do corpo era capaz de modificar seu comportamento.

    Ao final dessa sesso, P se mostrou satisfeita com os resultados obtidos, o que atribuiu somente ao trabalho de F, talvez sustentada por uma condio cultural em que aos profissionais da sade atribuda a responsabilidade absoluta pelo sucesso ou no do tratamento. F, diferentemente de P, ciente da necessidade da disponibilidade interativa de ambas as partes para o sucesso do tratamento, torna claro essa condio a P e recebe a compreenso desta.

    Terceira sesso

    P chamou F pelo nome, indicando maior empatia e confiana em relao a ela e at mesmo mais disposio para o tratamento. Seus relatos, nessa sesso, mantiveram estreita ligao entre sentir dor e a necessidade de ter os filhos ao lado, ao se autodenominar invlida. Essa denominao foi contestada por F, possibilitando a P repensar sua concepo de invalidez e, ao mesmo tempo, permitiu a F formular um possvel significado para esse conceito no mundo de P.

    Quarta sesso

    No incio da sesso, F mostrou maior envolvimento com as questes emocionais de P, mas no manteve esse sentimento, o que fez com que P propusesse a realizao dos exerccios para sua distrao, deixando transparecer que o pensamento dicotmico corpo-mente no lhe agradava. F atendeu a solicitao, disponibilizando-se a contemplar uma perspectiva diferente da sua sem, no entanto, abrir mo da prpria, quando colocou que sua funo profissional no abarcava a distrao. Esse momento foi desafiador para a discusso das diferentes motivaes do fazer fisioterapia para P, realizar os exerccios tinha o efeito de distrao, nos sugerindo uma descrena pelo efeito mecnico do exerccio sobre o corpo; j para F, relevante era o efeito do exerccio no corpo de P - mostrando-nos mais uma vez, que, mesmo a partir de

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    perspectivas diferentes, como era de se esperar, o consenso em realizar os exerccios foi alcanando.

    Quinta sesso

    Nessa sesso, P afirmou sentir-se melhor com a realizao do tratamento, sugerindo-nos maior percepo de si mesma. Afirmou tambm que esse sentir-se melhor havia sido notado por seu filho, indicando que os benefcios do tratamento tinham ido alm do corpo e alcanado suas relaes familiares, possibilitando a ela abandonar a idia de precisar estar doente para receber ateno. Outro momento que contribuiu para a idia de que P passou a estar disponvel para propostas novas, diferentemente das sesses iniciais, foi quando F alertou P sobre a necessidade de realizar exerccios em casa, fato inaceitvel anteriormente, e ela respondeu que tentaria cumprir.

    Sexta sesso

    O final dessa sesso destacou um momento de tenso bastante nico: P afirmou que F no fazia s fisioterapia, fazia tambm psicoterapia. Imediatamente, F a contestou, alegando que sua formao profissional no permitia prticas psicoteraputicas. No entanto, P colocou que o fato de F escut-la, sem avali-la ou critic-la, j a ajudava muito, o que fez com que F passasse a agir como ouvinte na continuidade do dilogo, mostrando ter incorporado a relevncia dessa atitude.

    Stima a nona sesses

    Nessas sesses, os relatos de P e F foram bastante recorrentes aos analisados at aqui, no merecendo destaque na presente discusso.

    Dcima sesso

    Essa sesso foi marcada por tentativas de negociao e validao de opinies sobre a

    continuidade ou no do tratamento: P afirmou ser necessrio continuar o tratamento para sua dor no voltar; F contestou, alegando que suas condies fsicas permitiam o encerramento, mas, buscando contemplar a opinio de P, e no impor a sua, props que as sesses passassem a ser quinzenais, e no mais semanais. No mesmo intuito, P aceitou a proposta, solucionando o conflito.

    Contribuies semitico-construtivistas para a prtica interativa fisioterapeuta-paciente

    No dilogo analisado, notamos que as decises de F para agir foram tomadas ora com a participao, ora sem a participao de P. Quando F, em colaborao com P, identificou o que sups serem as necessidades de P, e passou a agir nessa direo, houve mudanas nas atitudes de P, assim como melhora em sua condio fisioteraputica. J as atividades propostas por F que no se assentavam na explorao de informaes e construo conjunta de suposies com P a respeito do tratamento (expectativas, avaliaes, etc.) parecem no ter resultado em novas significaes para ambas. Tais propostas parecem, em alguns momentos, ter inclusive criado dificuldades na relao paciente-fisioterapeuta, retardando o progresso no tratamento fisioterpico.

    Houve, portanto, diferenas qualitativas no processo de tratamento, dependendo do envolvimento conjunto de F e P na explorao de informaes e na construo de suposies sobre as intenes, os motivos e os demais aspectos subjetivos que instruam seus fazeres e dizeres nas sesses. Ressalta-se, ento, a importncia do atendimento fisioteraputico ser individual, pois s assim fisioterapeuta e paciente podem, efetivamente, dedicar-se prtica da construo e da reflexo sobre significados que dizem respeito no s meta do dilogo mas tambm posio relativa e momentnea dos interlocutores naquele dilogo, conforme Simo (2004).

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    Merece destaque tambm a presena recorrente, nas sesses, de aes verbais de F pautadas na dicotomia corpo-mente, onde, ao centrar-se nos aspectos tcnicos da profisso, fez tambm pouca aluso s repercusses sobre as possveis intervenes de P, evidenciando, nesses momentos, pouca abertura participao desta. possvel que esse tipo de atitude, comum s prticas profissionais na rea de sade, se ancore na nfase dada durante a prpria formao profissional aos aspectos mais objetivos e instrumentais, considerados importantes para a consistncia cientfica e profissional, havendo pouca disponibilidade para discusso e reflexo das questes atinentes aos aspectos subjetivo-emocionais a envolvidos. Adicionalmente, nas formaes e prticas profissionais, podem estar tambm envolvidas relaes de poder, em que o corpo se torna um objeto que o profissional conhece e o paciente, no (e por isso vem ao profissional). Essas questes esto, por sua vez, vinculadas ao sistema comum de crenas culturais, que tambm se faz presente na gnese da profisso do fisioterapeuta (Rocha, 2002).

    Em consonncia com os estudos de Neville et al. (1999) e Van Houdenhove (2002), identificamos, no caso analisado, certa falta de disponibilidade de F para as questes emocionais no trato do paciente, o que comprometia o desenvolvimento da prpria relao e, em conseqncia, o alcance do sucesso teraputico. Saber ouvir uma postura de respeito com o outro, para que se estabelea uma comunicao que permita construir relaes compartilhadas, nas quais se evidencie a realidade trazida pelo cliente, para a compreenso de seu viver e adoecer (Mariotti, 2000).

    Essas constataes inquietam e fazem-nos questionar o foco de interveno e ateno do fisioterapeuta: o corpo e sua motricidade. A ao da fisioterapia est voltada para o outro;

    com o nosso corpo, atuamos sobre o corpo do outro. E, quando falamos em atuar sobre o corpo do outro, falamos em reconhecer que o corpo do outro sua expresso de vida, pois esse corpo, enquanto corporeidade, existe na relao com os outros, construda e reconstruda no ser e se fazer fisioterapeuta/paciente (Simo, 2002). Por outro lado, dada a multiplicidade de conceitos envolvidos nas diversas abordagens psicolgicas sobre as relaes eu-outro bem como a complexidade envolvida nas escolhas terico-metodolgicas, no difcil imaginar porque tais perspectivas dificilmente esto includas na formao do fisioterapeuta. Parece-nos, entretanto, que se trata de uma incluso que deve ser intensificada na formao profissional, o que implica tambm maior interdisciplinaridade.

    Em sntese, a pesquisa aqui ilustrada com a anlise de um caso embasa nossa considerao do processo fisioteraputico como espao interativo. Fisioterapeuta e paciente, juntos, esto mergulhados em diferentes dimenses interativas, e desempenham funes inerentes aos papis que lhes so reservados no processo teraputico, mas permanecem em contnuas (re)significaes no contexto intersubjetivo, que envolve relacionamentos humanos destinados ao cuidado e cura e atuam de modo nico ao compor as dimenses do corpo e da mente. Acreditamos que as consideraes aqui destacadas so representativas da realidade profissional que conhecemos. Se as trazemos, para argumentar que esse um contexto que nos preocupa, e acreditamos ser necessrio abord-lo na formao dos futuros fisioterapeutas. Trata-se, a nosso ver, de manter as especificidades da formao em fisioterapia sem omitir uma perspectiva humanizadora do processo sade-doena, ou seja, de exercer uma atuao reflexiva como profissionais das cincias mdicas na fronteira com as cincias humanas.

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    Clris Regina Elias de Moraes Canto* Mestre em Psicologia experimental pelo Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo;Fisioterapeuta do Hospital Israelita Albert Einstein.

    Lvia Mathias SimoProfessora Livre-Docente do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo; Bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq

    *Endereo para envio de correspondncia:Rua Csar Vallejo, 300, Ap.211 - Real Parque, So Paulo SP Brasil, CEP: 05685-000E-mail: [email protected]

    Recebido 26/02/2008 Reformulado 16/01/2009 Aprovado 20/01/2009

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