2 corintios

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NOVO TESTAMENTO 1 C omentário B íblico E xpos it ivo --------------------------------------------------------------------------------------------------- W arren W. W iersbe

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Comentário do N.T

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Page 1: 2 CORINTIOS

NOVO TESTAMENTO 1

C o m e n t á r i o B í b l i c o E x p o s i t i v o---------------------------------------------------------------------------------------------------

W a r r e n W . W i e r s b e

Page 2: 2 CORINTIOS

C o m e n t á r io B íblico

Exp o sit ivo

Novo TestamentoVolume I

W arren W. W iersbe

Page 3: 2 CORINTIOS

S u m á r i o

M a t e u s ...............................................................................................................0 7

M a r c o s ...........................................................................................................1 4 2

L u c a s ............................................................................................................... 2 1 8

J o ã o .................................................................................................................3 6 4

A t o s .................................................................................................................5 1 8

R o m a n o s ....................................................................................................... 6 6 7

1 C o r ín t io s ....................................................................................................741

2 C o r ín t io s .................................................................................................. 8 2 0

G á l a t a s ........................................................................................................... 8 9 1

Page 4: 2 CORINTIOS

2 CORÍNTIOS

ESBOÇOTema-chave: O encorajamento de DeusVersículos-chave: 2 Corintios 4:1, 6

I. PAULO EXPLICA SEU MINISTÉ­RIO - CAPÍTULOS 1 - 7

A. Triunfante - 1 - 2B. Glorioso - 3C. Sincero - 4D. Confiante - 5E. Amoroso - 6 - 7

II. PAULO INCENTIVA A GENERO­SIDADE - CAPÍTULOS 8 - 9

(Por ocasião da coleta de uma oferta paraos cristãos judeus.)A. Princípios da "oferta da graça" - 8B. Promessas para os "ofertantes dagraça" - 9

III. PAULO REAFIRMA SUA AUTO­RIDADE - CAPÍTULOS 10 - 13

A. O guerreiro que ataca a oposição - 10

B. O pai espiritual que protege a igreja - 11:1-15

C. O "iouco" que se gloria de seu sofrimen­to - 11:16 - 12:10

D. O apóstolo que exerce sua autoridade em amor - 12:11 - 13:14

CONTEÚDO1. Abatidos, mas não derrotados

(2 Co 1:1-11)....................................... 8212. Não precisamos fracassar

(2 Co 1:12-2:1 7).............................. 8273. De glória em glória

(2 Co 3)............................................... 8334. Coragem para os conflitos

(2 Co 4:1 -5:8)...................................8395. Motivação para o ministério

(2 Co 5:9-21).......................................8456. De coração para coração

(2 Co 6 - 7)..........................................8517. A graça de ofertar - Parte 1

(2 Co 8)...............................................8578. A graça de ofertar - Parte 2

(2 Co 9)............................................... 8639. Desencontros ministeriais

(2 Co 10).............................................86910. O pai sabe o que é melhor

(2 Co 11).............................................87511. Um pregador no paraíso

(2 Co 12:1-10)..................................... 88112. Preparem-se!

(2 Co 12:11 - 13:13)..........................886

Page 5: 2 CORINTIOS

Abatidos, M as N ão D erro tad o s

2 C o rín tio s 1 :1-11

/ / “T " odos parecem imaginar que nãoI tenho altos e baixos, apenas uma

inabalável e elevada vastidão de ininter­ruptas realizações espirituais, com alegria e serenidade incessantes. De modo algum! Com freqüência, me encontro completa­mente miserável, e tudo parece sombrio ao extremo."

Essas palavras são de um homem que, em sua época, era conhecido como "o maior pregador do mundo de língua inglesa", John Henry Jowett, que pastoreou grandes igre­jas, pregou para congregações enormes e escreveu livros que se transformaram em sucessos de venda.

"Passo por depressões do espírito tão assustadoras que peço a Deus que jamais experimentem tais extremos de infelicidade."

Essas palavras são de um sermão de Charles Haddon Spurgeon, cujo ministério extraordinário em Londres o transformou em um dos maiores pregadores ingleses de todos os tempos.

O desânimo não faz acepção de pes­soas. Na verdade, parece atacar com mais freqüência os bem-sucedidos do que os fracassados; isso porque, quanto mais alto chegamos, maior pode ser a queda. Não nos surpreendemos quando lemos que o gran­de apóstolo Paulo passou por "tribulações acima das [suas] forças" e "[desesperou] até da própria vida" (2 Co 1:8). Por mais excelente que fosse em caráter e ministé­rio, Paulo era um ser humano como todos nós.

O apóstolo poderia ter evitado essas dificuldade, se não houvesse recebido um

1 preocupasse com as pessoas. Havia funda­do a igreja de Corinto e ministrado nessa cidade por um ano e meio (At 18:1-18). Quando surgiram problemas sérios na igre­ja depois de sua partida, enviou Timóteo para lidar com os coríntios (1 Co 4:17) e lhes escreveu a epístola que chamamos de1 Coríntios.

Infelizmente, a situação piorou e Paulo teve de fazer uma "visita dolorosa" a Co­rinto a fim de confrontar aqueles que esta­vam criando os problemas dentro da igreja (2 Co 2:1 ss). Ainda assim, não houve solu­ção. Então, escreveu uma carta enérgica que foi entregue aos coríntios por Tito, um dos colaboradores do apóstolo (2 Co 2:4­9; 7:8-12). Depois de muita aflição, Paulo finalmente se encontrou com Tito e rece­beu a boa notícia de que o problema havia sido resolvido. Foi então que escreveu a carta que chamamos de 2 Coríntios.

O apóstolo redigiu esta epístola por vá­rios motivos. Em primeiro lugar, desejava encorajar a igreja a perdoar e restaurar o membro que havia causado todo o tumulto (2 Co 2:6-11). Também desejava explicar sua mudança de planos (2 Co 1:15-22) e reafirmar sua autoridade apostólica (2 Co 4:1, 2; 10 - 12). Por fim, desejava incenti­var a igreja a participar da oferta especial que estava levantando para os cristãos ne­cessitados da Judéia (2 Co 8 - 9).

Uma das palavras-chave desta epístola é consolar ou encorajar. O termo grego significa "chamar para junto de alguém a fim de ajudar". No original, o verbo é usa­do dezoito vezes e o substantivo onze vezes nesta carta. Apesar de todas as tribu­lações que havia passado, pela graça de Deus Paulo pôde escrever uma carta reple­ta de encorajamento.

Qual era o segredo da vitória de Paulo ao passar por pressões e tribulações? Seu segredo era Deus. Quando nos encontra­mos desanimados e prontos para desistir, devemos mudar o foco da atenção de nós mesmos para Deus. Partindo de sua pró­pria experiência difícil, Paulo mostra como encontrar ânimo em Deus. O apóstolo lem-

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822 2 CO R ÍN T IO S 1:1-11

1 . L em b r em -se d o q u e D eu s é para v o c ê s (2 Co 1:3)Paulo começa sua carta com uma doxologia. Por certo, não podia cantar sobre suas cir­cunstâncias, mas poderia cantar sobre o Deus que está no controle de todas as cir­cunstâncias. Paulo havia aprendido que o louvor é um elemento importante para alcan­çar a vitória sobre o desânimo e a depres­são. O louvor é tão transformador quanto a oração.

Louvem-no porque e/e é Deus! En­contramos a expressão "Bendito seja Deus" em outras duas passagens do Novo Testa­mento - em Efésios 1:3 e 1 Pedro 1:3. No caso de Efésios 1:3, Paulo louva a Deus por aquilo que o Senhor fez no passado, quan­do "nos escolheu nele [em Cristo]" (Ef 1:4) e nos abençoou "com toda a sorte de bên­ção espiritual". Em 1 Pedro 1:3, Pedro louva a Deus pelas bênçãos do futuro e por "uma viva esperança". Mas, em 2 Coríntios, Paulo louva a Deus pelas bênçãos do presente, por aquilo que Deus estava fazendo naquele instante e lugar.

Durante os horrores da Guerra dos Trin­ta Anos, o pastor Martin Rinkart serviu ao Senhor fielmente em Eilenburg, na Saxônia. Chegou a realizar quarenta funerais em um só dia, em um total de mais de quatro mil ao longo de seu ministério. No entanto, em meio a essa experiência arrasadora, escre­veu uma "cartilha da graça" para seus filhos e que, hoje, usamos como hino de ação de graças.

Agora agradecemos por tudo ao nossoSenhor,Com nosso coração, nossas mãos e nos­sa voz.Àquele que fez maravilhas sem par.No qual seu mundo se compraz!

Louvem-no porque ele é o Pai de nosso Se­nhor Jesus Cristo! É por causa de Jesus Cris­to que podemos chamar Deus de "Pai" e nos aproximar dele como seus filhos. Deus vê em nós seu Filho e nos ama como ama seu Filho (Jo 17:23). Somos "amados de Deus" (Rm 1:7), pois é "para louvor da glória de

sua graça, que ele nos concedeu gratuita­mente no Amado" (Ef 1:6).

Tudo o que o Pai fez por Jesus durante seu ministério aqui na Terra, também pode fazer por nós hoje. Somos preciosos para o Pai, pois seu Filho é precioso para ele, e so­mos cidadãos do "reino do Filho do seu amor" (Cl 1:13). Somos valiosos para o Pai, e ele cuidará para que as pressões da vida não nos destruam.

Louvem-no porque ele é o Pai de mise­ricórdias! Para o povo judeu, a expressão pai de significa "aquele que dá origem a". Satanás é o pai da mentira (Jo 8:44), pois é nele que as mentiras têm origem. De acordo com Gênesis 4:21, Jubal foi o pai dos instru­mentos musicais, pois deu origem à flauta e à harpa. Deus é o Pai das misericórdias, pois todas as misericórdias provêm dele e podem ser recebidas somente dele.

Em sua graça, Deus nos dá o que não merecemos e, em sua misericórdia, não nos dá o que merecemos. "As misericórdias do S en h o r são a causa de não sermos consumi­dos" (Lm 3:22). A Bíblia fala da riqueza das misericórdias de Deus (SI 5:7; 69:16), da sua tema misericórdia (Tg 5:11) e da grandeza da sua misericórdia (Nm 14:19). Também fala da multidão das suas misericórdias (SI 51:1; 106:7, 45).

Louvem-no porque e/e é o Deus de toda consolação! No texto original, as palavras conforto e consolação (do mesmo radical grego) e suas correlatas são usadas pelo menos onze vezes em 2 Coríntios 1:1-11. Não devemos pensar em consolo em ter­mos de "comiseração", pois a comiseração pode nos enfraquecer ao invés de fortale­cer. Deus não passa a mão em nossa cabe­ça e nos dá um doce ou brinquedo para nos distrair das dificuldades. Antes, coloca sua força em nosso coração para que pos­samos enfrentar as tribulações e vencê-las. A palavra conforto vem de duas palavras em latim que significam "com força". A palavra grega quer dizer "acompanhar e ajudar". Éo mesmo termo usado para o Espírito Santo ("o Consolador") em João 14 a 16.

Deus pode nos encorajar com sua Pa­lavra e por meio de seu Espírito, mas, por

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2 CORÍNT IOS 1:1-11 823

vezes, usa outros cristãos para nos dar o âni­mo de que precisamos (2 Co 2:7, 8; 7:6, 7). Que bom seria se todos nós pudéssemos ser chamados de "Barnabé - filho de exor­tação [estímulo]"! (At 4:36).

Quando ficamos desanimados por cau­sa de circunstâncias difíceis, é fácil olhar para nós mesmos e para nossos sentimentos, ou concentrar a atenção nos problemas. Mas o primeiro passo que devemos dar é olhar pela fé para o Senhor e descobrir tudo o que Deus é para nós. "Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do S e n h o r , que fez o céu e a terra" (SI 121:1, 2).

2 . Lembrem-se d o q u e D eu s fa z p o r v o cê s (2 Co 1 :4 a , 8-11)Deus permite as tribulações. A língua grega possui dez palavras principais para sofrimen­to, e Paulo usa cinco delas nesta epístola. As mais freqüentes são thlipsis, que significa "estreito, confinado, sob pressão" e é traduzida aqui por sofrimentos (2 Co 2:4), angústias (2 Co 1:4 [no singular]; 2:4; 6:4; 12:10) e tribulação (2 Co 1:4, 8; 4:17; 7:4; 8:2). Paulo sentia-se cercado de circunstân­cias difíceis e só lhe restava olhar para o alto.

Em 2 Coríntios 1:5, 6, o apóstolo usa o termo pathema, "sofrimentos", também em­pregado para os sofrimentos de nosso Salva­dor (1 Pe 1:11; 5:1). Há certos sofrimentos que suportamos simplesmente porque so­mos humanos e estamos sujeitos à dor; mas há outros sofrimentos que nos sobrevêm porque somos parte do povo de Deus e desejamos servir ao Senhor.

Não devemos jamais pensar que as difi­culdades são acidentais. Tudo o que acon­tece ao cristão é por determinação divina. Tratando-se das tribulações da vida, uma pes­soa só pode ter três perspectivas. Se nossas provações são resultado do "destino" ou do "acaso", tudo o que nos resta fazer é desis­tir. Ninguém é capaz de controlar o destino ou o acaso. Se nós temos o controle sobre tudo, vemo-nos em uma situação igualmen­te desesperadora. Mas, se Deus está no con­trole e confiamos nele, podemos contar com

Deus nos encoraja em meio a todas as tribulações ensinando-nos por meio de sua Palavra. É ele quem permite que passemos por provações.

D eus está no controle das tribulações (v. 8). "Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida". Paulo sentia-se oprimido como um animal de carga levando um peso grande demais. No entanto, Deus sabia exa­tamente quanto Paulo poderia suportar e manteve a situação sob controle.

Não sabemos a natureza dessa "tribula­ção", mas foi intensa o suficiente para levar Paulo a pensar que morreria. É impossível dizer se o perigo foi decorrente das amea­ças de seus muitos inimigos (ver At 19:21ss;1 Co 15:30-32), de uma doença grave ou de um ataque específico de Satanás; mas sabemos que Deus controlou as circunstân­cias e protegeu seu servo. Quando Deus coloca seus filhos na fornalha, mantém sem­pre a mão no termostato e os olhos no ter­mômetro (1 Co 10:13; 1 Pe 1:6, 7). Paulo pode ter se desesperado da vida, mas Deus não se desesperou de seu servo.

D eus nos capacita para suportarm os as tribulações (v. 9). A primeira coisa que faz é mostrar quanto somos fracos por nós mes­mos. Paulo era um servo hábil e experiente que havia passado por vários tipos de prova­ções (ver 2 Co 4:8-12; 11:23ss). Por certo, possuía experiência suficiente para encarar e superar inúmeras dificuldades.

Deus, porém, quer que confiemos nele- não em nossos dons ou habilidades, em nossas experiências ou "recursos espirituais". É quando nos sentimos seguros de nós mes­mos e capazes de enfrentar o inimigo que sofremos as piores quedas. "Porque, quan­do sou fraco, então, é que sou forte" (2 Co 12 : 10).

Ao morrermos para o ego, o poder da ressurreição de Deus começa a operar. Foi Quando Abraão e Sara já estavam fisicamen­te amortecidos que o poder da ressurreição de Deus lhes permitiu ter o filho prometido

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não implica permanecer em complacência ociosa, manter os braços cruzados enquan­to Deus faz tudo. Podemos estar certos de que Paulo orou, estudou as Escrituras, con­sultou seus colaboradores e creu na obra de Deus. O Deus que ressuscita os mortos é suficiente para qualquer dificuldade da vida! Deus é capaz, mas é preciso que nos coloquemos a sua disposição.

Paulo não nega seus sentimentos, e Deus também não deseja que neguemos nossas emoções. "Em tudo fomos atribulados: lutas por fora, temores por dentro" (2 Co 7:5). A expressão "sentença de morte", em 2 Co- ríntios 1:9, pode ser uma referência a um veredicto oficial, talvez a uma ordem de pri­são e execução de Paulo. É importante lem­brar que os judeus incrédulos estavam à caça de Paulo e desejavam se livrar dele (At 20:19). Não devemos deixar de fora da lista os "perigos entre patrícios" (2 Co 11:26).

Deus nos livra das tribulações (v. 10). Quer olhasse para trás, quer a seu redor, quer adiante, Paulo via a mão de livramento do Senhor. O termo que o apóstolo usa signifi­ca "livrar de uma situação de perigo, salvar e proteger". Deus nem sempre nos livra ime­diatamente e nem sempre age da mesma forma. Tiago foi decapitado, no entanto Pe­dro foi liberto da prisão (At 12). Os dois fo­ram libertos, mas de maneiras diferentes. Por vezes, Deus nos livra das tribulações, mas em outras ocasiões nos livra em meio às tribulações.

Deus livrou Paulo em resposta a sua fé, bem como à fé do povo de Corinto que estava orando pelo apóstolo (2 Co 1:11). "Clamou este aflito, e o S en h o r o ouviu e o livrou de todas as suas tribulações" (SI 34:6).

Deus é glorificado por meio de nossas tribulações (v. 11). Quando Paulo relatou o que Deus havia feito por ele, um grande coro de louvor e ação de graças elevou-se dos santos e alcançou o trono de Deus. Nossa realização suprema aqui na Terra é glorifi­car o nome de Deus, e, por vezes, alcançar essa realização envolve sofrimento. O "be­nefício que nos foi concedido" refere-se ao livramento de Paulo da morte, sem dúvida um benefício maravilhoso!

Paulo nunca se envergonhou de pedir aos cristãos que orassem por ele. Em pelo menos sete de suas epístolas, menciona sua grande necessidade de apoio em oração (Rm 15:30-32; Ef 6:18, 19; Fp 1:19; Cl 4:3; 1 Ts 5:25; 2 Ts 3:1; Fm 22). Paulo e os cristãos de Corinto estavam ajudando uns aos outros (2 Co 1:11, 24).

Um missionário amigo meu me contou do livramento miraculoso de sua filha de uma enfermidade que havia sido diagnosticada como terminal. Exatamente na época que a menina se encontrava mais doente, vários amigos nos Estados Unidos estavam orando pela família e Deus respondeu às orações e curou a menina. O maior apoio que po­demos dar aos servos de Deus é ajudá-los em oração.

O termo sunupourgeo, traduzido por "ajudando-nos também vós", só é usado nesta passagem do Novo Testamento em grego e é constituído de três palavras: com, sob, trabalho e retrata trabalhadores carre­gando um fardo, trabalhando juntos para cumprir sua tarefa. É um grande estímulo saber que o Espírito Santo nos assiste em nossas orações e nos ajuda a carregar nos­sos fardos (Rm 8:26).

Se nos entregamos a Deus, cremos nele e obedecemos a suas ordens, ele realiza seus propósitos em meio às tribulações da vida. As dificuldades podem aumentar nossa fé e fortalecer nossa vida de oração. Podem nos aproximar de outros cristãos que estejam dividindo o fardo conosco e podem ser usa­das para glorificar a Deus. Assim, quando nos vemos cercados pelas provações da vida, devemos nos lembrar do que Deus é para nós e do que faz por nós.

3 . Lembrem-se d o q ue D e u s fa z p o r m eio de vo cês (2 C o 1 :4b-7 )Em tempos de sofrimento, quase todos temos a tendência de pensar apenas em nós mesmos e de nos esquecer dos outros. Em vez de sermos canais, transformamo-nos em cisternas. No entanto, um dos motivos de passarmos por tribulações é para que aprendamos a ser canais de bênção para consolar e encorajar a outros. Podemos

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2 C O R Í N T I O S 1:1-11 825

encorajá-los, pois recebemos o encorajamen­to de Deus.

Um de meus pregadores favoritos é George W. Truett, que pastoreou a Primeira Igreja Batista de Dallas, Texas, durante qua­se cinqüenta anos. Em um de seus sermões, faiou de um casal de incrédulos, cujo bebê morreu de repente. O pastor Truett realizou o funeral e, posteriormente, teve a alegria de levar os pais a Jesus Cristo.

Vários meses depois, uma jovem mãe perdeu o bebê; mais uma vez, Truett foi cha­mado a consolar a família. No entanto, nada do que ele dizia parecia ajudar. No culto do funeral, porém, a mãe recém-convertida aproximou-se da moça que havia acabado de perder o filho e disse:

- Também passei por isso e entendo você. Deus me chamou e, através da escuri­dão, fui até ele. Deus tem me consolado e fará o mesmo por você!

Disse Truett: "O consolo que a primeira mãe ofereceu à outra foi mais significativo do que qualquer coisa que eu poderia ter feito por ela em dias e meses, pois a primei­ra mãe havia trilhado com os próprios pés o mesmo caminho de sofrimento".

Paulo, porém, deixa claro que não é pre­ciso experimentar exa tam ente a mesma provação a fim de ter capacidade de com­partilhar com outros o encorajamento que Deus dá. Quem sente o consolo de Deus na vida pode "consolar os que estiverem em qualquer angústia" (2 Co 1:4b). É evidente que, se passamos por provações semelhan­tes, estas poderão ajudar a nos identificar­mos ainda mais com os outros e a entender melhor como se sentem; mas nossas expe­riências não alteram o consolo de Deus. Seu consolo é sempre suficiente e eficaz, quais­quer que tenham sido nossas experiências.

Mais adiante, em 2 Coríntios 12, Paulo dá um exemplo desse princípio. Ele recebeu um espinho na carne - algum tipo de sofri­mento físico que o afligia constantemente. Não sabemos ao certo o que era esse "espi­nho na carne", nem precisamos saber. O que sabemos é que Paulo experimentou a graça de Deus e, então, compartilhou esse encora-

provação, a declaração: "A minha graça te basta" (2 Co 12:9) é uma promessa da qual podemos nos apropriar. Se Paulo não ti­vesse sofrido, não teríamos essa promessa registrada.

O sofrimento humano não é fácil de entender, pois há mistérios referentes ao modo de Deus operar que só compreen­deremos no céu. Por vezes, sofremos em de­corrência de nosso pecado e rebelião, como no caso de Jonas. Em outras ocasiões, sofre­mos para não cair em pecado, como no caso de Paulo (2 Co 12:7). O sofrimento pode aperfeiçoar nosso caráter (Rm 5:1-5) e nos ajudar a compartilhar do caráter de Deus (Hb 12:1-11).

Mas o sofrimento também nos ajuda a ministrar a outros. Em toda igreja, há sem­pre cristãos maduros que sofreram e experi­mentaram a graça de Deus, pessoas que podem dar grande estímulo à congregação. As dificuldades pelas quais Paulo passou não foram um castigo por algo que ele havia fei­to, mas sim uma preparação para algo que ainda faria - ministrar aos necessitados. Só podemos imaginar as provações que o rei Davi teve de suportar a fim de nos deixar o grande encorajamento que encontramos nos Salmos.

Em 2 Coríntios 1:7 fica claro que sem­pre havia a possibilidade de a situação se inverter: os cristãos em Corinto passariam por provações e receberiam a graça de Deus, a fim de encorajar a outros. Deus, às vezes, chama determinada igreja a passar por cer­tas tribulações para lhe conceder uma gra­ça especial e abundante.

O ânimo que Deus nos dá pela graça nos ajudará, se aprenderm os a suportar. "Su­portar com paciência" é uma evidência de fé. Amargurar-se ou criticar a Deus, rebelar- se em vez de se sujeitar a ele, fará com que nossas provações deixem de trabalhar em nosso favor, voltando-se contra nós. A ca­pacidade de suportar dificuldades pacien­temente sem desistir é uma das marcas da maturidade espiritual (Hb 12:1-7).

Antes de trabalhar p o r m eio de nós, Deus precisa trabalhar em nós. É muito mais fácil

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826 2 C O R ÍN T IO S 1:1-11

(2 Pe 3:18). Aprender a verdade de Deus e assimilá-la em nossa mente é uma coisa, mas viver a verdade de Deus e incorporá-la a nosso caráter é outra bem diferente. Deus permitiu que o jovem José passasse por tre­ze anos de tribulação antes de fazer dele o segundo no governo do Egito; e que grande homem José se tomou! Deus sempre nos pre- para para o que tem reservado para nós, e parte desse preparo consiste em sofrimento.

Diante disso, as palavras de 2 Coríntios 1:5 são extremamente importantes: até mes­mo nosso Senhor Jesus Cristo teve de so­frer! Quando sofremos dentro da vontade de Deus, participamos dos sofrimentos do Salvador. Não se trata, aqui, de seus "sofri­mentos vicários" na cruz, pois somente ele poderia morrer por nós como substituto sem pecado algum (1 Pe 2:21-25). Paulo se refe­re à "comunhão dos seus sofrimentos" (Fp 3:10), às provações que suportamos, pois, como Cristo, dedicamo-nos fielmente a obe­decer à vontade do Pai. Esse é o sofrimento "por causa da justiça" {Mt 5:10-12).

Mas, à medida que aumenta o sofrimen­to, também aumenta o suprimento da gra­ça de Deus. O verbo transbordar lembra a enchente de um rio. "Antes, ele dá maior graça" (Tg 4:6). Trata-se de um princípio im­portante a ser com preendido: Deus tem graça em abundância para todas as nossas necessidades, mas não a concede de ante­mão. Pela fé, nos aproximamos do trono da graça "a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna" (Hb 4:16). O termo grego signi­fica "socorro quando necessário, ajuda no devido tempo".

Li sobre um cristão devoto que foi preso por sua fé e condenado a ser queimado na fogueira. Na noite antes da execução, ficou imaginando se teria graça suficiente para se transformar em uma tocha humana; assim, testou sua coragem colocando o dedo na

chama de uma vela. Claro que se queimou e, ao sentir a dor, removeu imediatamente o dedo do fogo. Estava certo de que não poderia enfrentar o martírio sem falhar. No entanto, no dia seguinte, Deus lhe deu a graça de que precisou, e ele deu um teste­munho jubiloso e triunfante diante de seus inimigos.

Agora, podemos entender melhor 2 Co­ríntios 1:9, pois, se tivéssemos como arma­zenar a graça de Deus para emergências, nossa tendência seria confiarmos em nós mesmos, não no "Deus de toda a graça" (1 Pe 5:10). Todos os recursos que Deus nos dá podem ser guardados para uso futuro - di­nheiro, alimento, conhecimento etc. - , mas a graça de Deus não pode ser armazenada.

Antes, ao experimentar a graça de Deus diariamente, e/a é investida em nossa vida na forma de um caráter piedoso (ver Rm 5:1 - 5). Esse investimento gera dividendos quan­do surgem novas dificuldades, pois o caráter piedoso permite suportar a tribulação para a glória de Deus.

O sofrimento cria uma relação de "ca­maradagem", pois pode ajudar a promover a nossa aproximação de Cristo e de seu po­vo. Mas se começarmos a nos afundar em autocomiseração, isso fará com que o sofri­mento não resulte em envolvimento, mas sim em isolamento. Construiremos muros, não pontes.

O mais importante é voltar toda a aten­ção para Deus, não para si mesmo. E preci­so lembrar quem Deus é para nós - "O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação!" (2 Co 1:3). Também se deve lembrar do que Deus faz por nós - ele é capaz de lidar com nossas tribulações e de fazê-las cooperar para nosso bem e para a glória dele. Por fim, convém lembrar do que Deus faz por meio de nós - e permitirmos que nos use como estímulo para outros.

Page 11: 2 CORINTIOS

2 foram os recursos espirituais que o levaram a perseverar?

N ã o P rec isa m o s F racassar

2 C o rín tio s 1 :1 2 - 2:1 7

Em seu livro Profiles in courage [Perfis de coragem], John F. Kennedy escreveu:

"Grandes crises produzem grandes homens e grandes feitos de coragem". Apesar de ser verdade que a crise ajuda a transformar uma pessoa, também é verdade que a crise con­tribui para revelar seu caráter. Pilatos enfren­tou uma grande crise, mas a forma como lidou com ela não lhe deu nem coragem nem grandeza. A maneira de lidar com as dificul­dades da vida depende, em grande parte, do tipo de caráter do indivíduo, pois o que a vida faz conosco depende do que ela encontra dentro de nós.

Nesta carta extremamente pessoal, Pau­lo abre o coração para os coríntios (e para nós) e revela as tribulações pelas quais ha­via passado. Para começar, havia sofrido as críticas severas de algumas pessoas de Corinto por ter precisado mudar seus pla­nos e, aparentemente, não ter cumprido sua promessa. Os mai-entendidos que ocorrem entre os cristãos podem causar feridas pro­fundas. Além disso, Paulo também teve de enfrentar o problema da oposição a sua au­toridade apostólica na igreja. Um dos mem­bros - talvez um dos líderes - teve de ser disciplinado, o que foi motivo de grande tristeza para Paulo. Por fim, o apóstolo en­frentou circunstâncias difíceis na Ásia (2 Co 1:8-11), uma tribulação tão severa que o le­vou a se desesperar da vida.

O que impediu que Paulo falhasse? Ao enfrentar crises semelhantes, outros teriam desmoronado! No entanto, Paulo triunfou sobre as circunstâncias e, a partir delas, re­digiu uma epístola que até hoje ajuda o po-

1 . U m a c o n s c iê n c ia limpa (2 Co 1:12-24)O termo consciência é originário de duas palavras latinas: com e scire, que significa "saber". A consciência é a capacidade inte­rior que "sabe com" nosso Espírito e dá sua aprovação quando fazemos o que é certo, mas acusa quando fazemos o que é errado. A consciência não é a Lei de Deus, mas dá testemunho dessa Lei. É uma janela que dei­xa passar a luz, e se a janela vai ficando cada vez mais suja por causa de nossa desobe­diência, a luz também se torna cada vez mais fraca (ver Mt 6:22, 23; Rm 2:14-16).

Paulo usa o termo consciência mais de vinte vezes em suas epístolas e em seu mi­nistério de pregação registrado no Livro de Atos. "Por isso, também me esforço por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos homens" (At 24:16). Quando uma pes­soa tem consciência pura, também tem in­tegridade, é sincera e confiável.

Os cristãos acusavam Paulo de falsidade e de indiferença porque o apóstolo havia sido obrigado a mudar seus planos. A princípio, prometera que passaria o inverno em Corinto, "se o Senhor o permitir" (1 Co 16:2-8). Paulo desejava coletar as ofertas que os coríntios haviam juntado para os cristãos judeus po­bres e dar à igreja o privilégio de enviá-las, e a seus colaboradores, para Jerusalém.

Grande parte do pesar e perturbação de Paulo devia-se ao fato de ter sido necessário mudar de planos. Entendo esses sentimen­tos do apóstolo, pois mesmo em meu minis­tério limitado, sou obrigado, por vezes, a mudar alguns planos e até mesmo cancelar reuniões - isso sem ter a meu favor a autori­dade apostólica! Como disse Will Rogers: "Os planos nos colocam facilmente em situações complicadas, mas como é difícil sair delas!" Paulo mudou seus planos e pla­nejava fazer duas visitas a Corinto. Uma a caminho da Macedônia e outra quando vol­tasse de lá. Acrescentaria, então, a oferta dos coríntios àquela das igrejas da Macedônia e

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Infelizmente, nem o plano B foi aprovei­tado, pois o coração amoroso de Paulo não podia suportar outra visita dolorosa (2 Co 1:23; 2:1-3). Paulo havia informado a igreja das mudanças no itinerário da viagem, mas nem isso calou a oposição. Os coríntios o acusaram de seguir a "sabedoria humana" (2 Co 1:12), de ignorar a vontade de Deus (2 Co 1:1 7) e de fazer planos só para agra­dar a si mesmo. A seu ver, Paul dizia ou escrevia uma coisa, mas, na verdade, que­ria dizer outra! Seu sim era não, e seu não era sim.

Os mal-entendidos no meio do povo de Deus muitas vezes podem ser difíceis de es­clarecer, pois um mal-entendido com freqüên­cia puxa outro. Uma vez que começamos a questionar a integridade de outros ou des­confiar de suas palavras, abre-se a porta para todo tipo de problema. Mas, a despeito de qualquer coisa que seus acusadores pudes­sem dizer, Paulo manteve-se firme, pois sua consciência estava limpa. Suas cartas, seu discurso e sua vida eram coerentes. Afinal, ao fazer os primeiros planos, acrescentara a condição: "se o Senhor permitir" (1 Co 16:7, e notar Tg 4:13-17).

Quando temos a consciência limpa, vi­vemos em função da volta de Jesus Cristo (2 Co 1:14). O "Dia de Jesus" refere-se à ocasião em que Cristo virá para levar sua Igreja para o céu. Paulo estava certo de que, no tribunal de Cristo, se regozijaria por cau­sa dos cristãos de Corinto e eles se rego­zijariam por causa dele. Quaisquer que sejam os mal-entendidos que tenhamos hoje, quando estivermos diante de Jesus Cristo, tudo será perdoado, esquecido e transformado em glória, para o louvor de Je­sus Cristo.

Quando temos a consciência limpa, le­vamos a vontade de Deus a sério (2 Co 1:15-18). Paulo não fazia planos de modo descuidado ou impensado; antes, buscava a orientação do Senhor. Por vezes, não ti­nha certeza do que Deus desejava que fizesse (At 16:6-10), mas sabia esperar no Senhor. Sua motivação era sincera, tenta­va agradar ao Senhor, não aos homens. Quando consideramos como o transporte

e a comunicação naquele tempo eram difí­ceis, é de se admirar que Paulo não tenha enfrentado mais problemas com sua agen­da lotada.

Jesus nos instrui a ser claros e sinceros no que dizemos: "Seja, porém, a tua pala­vra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno" (Mt 5:37). Somente uma pessoa de caráter duvidoso cerca sua res­posta com uma porção de palavras desne­cessárias. Os coríntios sabiam que Paulo era um homem de caráter irrepreensível, pois era um homem de consciência limpa. Du­rante seus dezoito meses de ministério no meio deles, Paulo havia se mostrado fiel e não havia mudado desde então.

Quem tem a consciência limpa glorifica a Jesus Cristo (2 Co 1:19, 20). Não se pode glorificar a Cristo e, ao mesmo tempo, ser dissimulado. Fazer isso ofende a consciên­cia e desgasta o caráter; todavia, mais cedo ou mais tarde, a verdade virá à tona. Os coríntios haviam recebido a salvação porque Paulo e seus amigos haviam lhes pregado o evangelho de Jesus Cristo. Como seria pos­sível Deus revelar a verdade por meio de instrumentos dissimulados? O testemunho e a conduta do servo de Deus devem andar juntos, pois a obra por ele realizada flui da vida que leva.

Tratando-se de Jesus Cristo, não existe sim e não. Ele é o "sim eterno" de Deus para os que crêem nele. "Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio" (2 Co 1:20). Jesus Cristo revela e cumpre as promessas e nos capacita a fim de po­dermos nos apropriar delas! Uma das bên­çãos da consciência limpa é que não temos medo de ficar face a face com Deus nem com os homens; também não temos medo de nos apropriar das promessas que Deus nos dá em sua Palavra. Paulo não "manipula­va" a Palavra de Deus a fim de apoiar su­postas práticas pecaminosas em sua vida (ver 2 Co 4:2).

Por fim, quando temos a consciência lim­pa, também nos relacionamos devidamen­te com o Espírito de Deus (2 Co 1:21-24).

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O termo confirmar é de origem comercial e se refere à garantia de cumprimento de um contrato. A confirm ação significava que o vendedor garantia a autenticidade e quali­dade do produto que vendia ou, ainda, que prestaria o serviço conforme o prometido.

O Espírito Santo nos garante que Deus é confiável e cumprirá todas as suas promes­sas. Paulo cuidava para não entristecer o Espírito Santo e, uma vez que o Espírito não lhe ind icava o contrário , sabia que seus motivos eram puros e que sua consciência estava limpa.

Todos os cristãos foram ungidos pelo Espírito (2 Co 1:21). No Antigo Testamento, as únicas pessoas que recebiam a unção de Deus eram os profetas, os sacerdotes e os reis. Ao nos sujeitarmos ao Espírito, ele nos capacita a levar uma vida piedosa e a servir a Deus de maneira aceitável (1 Jo 2:20, 27).

O Espírito também nos selou (2 Co 1:22; Ef 1:13), de modo que pertencemos a Cris­to, que nos tomou para si. O testemunho do Espírito dentro de nós garante que so­mos filhos legítimos de Deus (Rm 5:5 ; 8 :9 ). O Espírito tam bém garante sua proteção, pois somos sua propriedade.

Por fim, o Espírito Santo nos capacita a servir a outros (2 Co 1:23, 24), não como "ditadores espirituais" que dizem aos outros o que fazer, mas com o servos que procuram ajudar os outros a crescer. O s falsos mestres que se infiltraram na igreja de Corinto eram culpados de ser ditadores (ver 2 Co 11). Com isso, o coração do povo havia se distancia­do de Paulo, aquele que se sacrificara tanto por eles.

O Espírito é o penhor de Deus (garantia, frança, caução) de que, um dia, estaremos com ele no céu e teremos um corpo glorifi­cado (ver Ef 1 :14). Ele nos permite desfrutar as bênçãos do céu no coração hoje! Uma vez que o Espírito Santo habitava nele, Pau­lo poderia ter a consciência limpa e enfren­tar mal-entendidos com amor e paciência. Se viverm os para agradar às pessoas, ficare­mos deprimidos quando não nos entende­rem; mas, se vivermos para agradar a Deus, poderem os enfrentar mal-entendidos com coragem e fé.

2. U m c o r a ç ã o c o m p a s s iv o (2 Co 2:1-11)Um dos membros da igreja de Corinto cau­sou grande sofrimento a Paulo. Não sabe­mos ao certo se foi o mesmo homem sobre o qual Paulo escreveu em 1 Coríntios 5, o homem que vivia abertamente em pecado com sua madrasta, ou se foi outra pessoa, alguém que desafiou em público sua autori­dade apostólica. Paulo havia passado rapi­damente pela igreja de Corinto para tratar desse problema (2 Co 12:14; 1 3 :1 )e também havia lhes escrito uma carta muito triste so­bre essa situação. Em tudo isso, o apóstolo revelou um coração com passivo. Vejam os as evidências do amor de Pauío.

O am or coloca os outros antes de si (w . 1-4). Paulo não pensava nos próprios sentimentos, mas sim nos sentimentos dos outros. No m inistério cristão , os que são m otivo de m aior alegria tam bém podem causar grandes tristezas, como é o caso nesta situação. Paulo escreveu uma carta severa, resultante da angústia de seu coração e en­volta em am or cristão. Seu grande desejo era que a igreja obedecesse à Palavra, disci­plinasse o transgressor e trouxesse de volta a pureza e a paz para a congregação.

"Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enga­nosos" (Pv 27 :6 ). Paulo sabia que suas pala­vras iriam ferir pessoas que amava, e isso enchia seu coração de dor. No entanto, sa­bia também (como todos os pais amorosos) que há grande diferença entre ferir alguém e lhe fazer mal. Às vezes, os que nos amam precisam nos ferir a fim de nos impedir de fazermos mal a nós mesmos.

Paulo poderia ter exercido sua autorida­de apostólica e ordenado que as pessoas o respeitassem e lhe obedecessem ; mas pre­feriu ministrar com paciência e amor. Deus sabia que a m udança de pfanos de Paulo havia sido motivada por seu desejo de pou­par a igreja de mais sofrimento (2 Co 1:23,24). O amor sempre leva em consideração os sentimentos dos outros e procura colo­car o bem dos outros acim a de tudo.

O amor também procura ajudar os ou­tros a crescer (w . 5, 6). Convém observar

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que Paulo não menciona o nome do homem que se opôs a ele e dividiu a congregação. Mas o apóstolo disse à igreja que deveria disciplinar esse homem para seu próprio bem. Se a pessoa à qual se refere é o trans­gressor mencionado em 1 Coríntios 5, estes versículos indicam que a igreja reuniu-se e disciplinou o homem e que ele se arrepen­deu de seus pecados e foi restaurado.

A verdadeira disciplina é sinal de amor (ver Hb 12). Alguns pais mais jovens com "idéias modernas" sobre a criação de filhos recusam-se a disciplinar crianças desobe­dientes, pois afirmam que as amam demais para corrigi-las. Mas, se realmente amassem os filhos, fariam justamente o contrário.

A disciplina dentro da igreja não é as­sunto visto com bons olhos, tampouco é uma prática amplamente difundida. Muitas igrejas varrem os problemas para debaixo do tapete em vez de obedecer às Escrituras e de confrontar a situação com ousadia "se­guindo a verdade em amor" (Ef 4:15). A "paz a qualquer custo" não é um princípio bíbli­co, pois não pode haver paz espiritual ver­dadeira sem pureza (Tg 3:13-18). Problemas varridos para debaixo do tapete costumam se multiplicar e criar conflitos ainda maiores mais adiante.

Na verdade, o homem confrontado por Paulo e disciplinado pela igreja beneficiou- se dessa atenção carinhosa que recebeu. Quando eu era criança, nem sempre gosta­va de ser disciplinado por meus pais. Hoje, porém, posso olhar para trás e agradecer a Deus por eles terem me amado o suficiente a ponto de me causar dor e, desse modo, impedir que eu fizesse mal a mim mesmo. Hoje entendo o que significam as palavras que eles diziam sempre: "Isso dói mais em nós do que em você".

O amor perdoa e encoraja (w, 7-11). Paulo instou a congregação a perdoar o homem e fundamentou essa admoestação em motivos incontestáveis. Em primeiro lu­gar, deveriam perdoar o homem por amor a e/e, "para que não seja o mesmo consumi­do por excessiva tristeza" (2 Co 2:7, 8). O perdão é o remédio que ajuda a curar o coração ferido. É importante que a igreja

afirme e demonstre claramente seu amor pelo membro arrependido.

Em meu próprio ministério pastoral, tenho participado de reuniões em que membros disciplinados foram perdoados e restaura­dos à comunhão, e essas ocasiões foram pontos altos e solenes de minha vida. Quan­do uma igreja garante a uma irmã ou a um irmão perdoado que o pecado foi esqueci­do e a comunhão restaurada, pode-se sentir a presença do Senhor de maneira especial nessa experiência maravilhosa. Depois que os pais disciplinam um filho, devem lhe as­severar seu amor e perdão; do contrário, a disciplina fará mais mal do que bem.

A igreja deve reafirmar seu amor pelo irmão perdoado por amor ao Senhor (2 Co 2 :9 ,10 ). Afinal, a disciplina é tanto uma ques­tão de obediência ao Senhor quanto uma obrigação para com o irmão. O problema não era apenas entre o irmão em pecado e o apóstolo entristecido, também era entre um irmão em pecado e um Salvador entris­tecido. O homem havia pecado contra Pau­lo e contra a igreja, mas, acima de tudo, havia pecado contra o Senhor. Quando líderes acanhados da igreja tentam "caiar" situações em vez de enfrentá-las com honestidade, sua atitude entristece o coração do Senhor.

Paulo apresenta um terceiro motivo: de­vem perdoar o transgressor por amor à igre­ja (2 Co 2:11). Quando existe na igreja um espírito de rancor por causa de pecados não tratados de forma bíblica, Satanás encontra uma brecha para trabalhar no meio dessa congregação. Quando nutrimos um espíri­to rancoroso, entristecemos o Espírito Santo e "[damos] lugar ao diabo" (Ef 4:27-32).

Um dos "artifícios" de Satanás é acusar cristãos que pecaram de modo a levá-los a crer que não há esperança para eles. Recebi telefonemas e cartas de pessoa pedindo mi­nha ajuda, pois se encontram sob opressão e acusação satânicas. O Espírito Santo nos convence do pecado, de modo que os con­fessemos e busquemos a purificação em Cristo; mas Satanás nos acusa de pecado pa­ra que entremos em desespero e desistamos.

Quando uma irmã ou um irmão transgres­sor é disciplinado de acordo com a Bíblia e

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se arrepende, a congregação deve perdoá- lo e restaurá-lo com o m em bro, e a questão deve ser esquecida e nunca mais voltar à baila . Se uma congregação - ou algum a pessoa dessa com unidade - possui espíri­to rancoroso , Satanás usará essa atitude com o ponto de partida para novos ataques à igreja.

Paulo conseguiu superar os problemas que enfrentou porque tinha a consciência limpa e o coração compassivo. No entanto, um terceiro recurso espiritual contribui para sua vitória.

3 . U m a fé c o n q u i s t a d o r a (2 Co 2:12-17)Para o povo da Ásia, parecia que os planos de Paulo se desintegravam . O n d e estava Tito? O que estava acontecendo em Corinto? Paulo tinha portas abertas para ministrar em Trôade, mas não sentia paz no coração para usar essas oportunidades. Em termos huma­nos, parecia que a batalha havia chegado ao fim e que Satanás havia vencido.

Exceto por uma coisa: Paulo possuía uma fé conquistadora! Foi capaz de irromper em louvor e escrever: "G raças, porém, a Deus" (2 Co 2 :14 ). Este cântico de louvor nasceu da certeza de Paulo, pois confiava no Senhor.

Paulo tinha certeza de que Deus o con­duzia (v. 14a). As circunstâncias não eram agradáveis, e Paulo não poderia explicar os desvios e decepções ao longo do caminho, mas tinha certeza de que Deus estava no controle. O cristão pode sempre ter certeza de que Deus age de modo que tudo coope­re para o bem , desde que o am emos e que se jam o s o b ed ien tes a sua vontade (Rm 8 :2 8 ). Essa promessa não é uma desculpa para a indiferença, mas sim um estímulo para a confiança.

Um amigo meu estava prestes a se en­contrar com um líder cristão do outro lado da antiga Cortina de Ferro e acertar os deta­lhes sobre a publicação de um livro, mas tudo deu errado. M eu amigo acabou sozinho em um lugar perigoso imaginando o que deve­ria fazer em seguida, quando, "por acaso", fez contato com um desconhecido que o levou diretamente ao próprio líder com o qual

desejava se encontrar! Foi a providência de Deus operando e cum prindo Romanos 8 :28 .

Paulo tinha certeza de que Deus o con­duzia em triunfo (v. 14b). Vem os aqui o retrato do "triunfo rom ano", o tributo es­pecial que Roma oferecia a seus generais conquistadores.

Se um comandante conquistasse vitória absoluta sobre o inimigo em solo estrangei­ro e matasse pelo menos cinco mil solda­dos inimigos, apropriando-se do território em nome do imperador, tinha direito, então, a um "triunfo romano". Durante esse desfile, o comandante andava em uma carruagem de ouro cercado de seus oficiais. O desfile incluía, ainda, uma exib ição dos espólios da batalha bem com o dos soldados inimigos cativos. O s sacerdotes rom anos tam bém participavam queimando incenso para pres­tar tributo ao exército vitorioso.

O cortejo seguia determinado percurso pela cidade e terminava no C ircus M axim us, onde cativos indefesos entretinham o povo lutando contra anim ais selvagens. Para os cidadãos de Roma, um triunfo romano com ­pleto era sempre uma ocasião especial.

De que maneira essa parte da história aplica-se aos cristãos aflitos de hoje? Jesus Cristo, nosso grande com andante supremo, veio a um território estrangeiro (este mun­do) e derrotou com pletam ente o inimigo (Satanás). Em vez de matar cinco mil pes­soas, deu vida a mais de cinco mil - mais de três mil em Pentecostes e mais de dois mil logo depois de Pentecostes (At 2 :41 ; 4 :4 ). Jesus Cristo tomou para si os espólios da batalha - as almas perdidas sob a escravi­dão do pecado e de Satanás (Lc 11:14-22; Ef 4 :8 ; C l 2 :15). Q ue vitória magnífica!

O s filhos do general vitorioso caminha­riam atrás da carruagem do pai compartilhan­do a alegria da vitória; lutamos para vencer. Nem na Ásia nem em Corinto a situação parecia vitoriosa para Paulo, mas ele acredi­tava em Deus, e o Senhor transform ou a derrota em vitória.

Paulo tinha certeza de que,> â medida que o conduzia, Deus também o usava (w. 14c-17). O perfume do incenso que os sa­cerdotes rom anos queim avam durante o

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desfile tinha conotação diferente para cada pessoa. Para os soldados triunfantes, signi­ficava vida e vitória; mas para os inimigos conquistados, significava derrota e morte. Estavam a caminho do lugar onde seriam mortos pelas feras.

Usando a imagem do incenso, Paulo apresenta um retrato do ministério cristão. Vê os cristãos como incenso, exalando a fra­grância de Jesus Cristo com sua vida e seu trabalho. Para Deus, somos o bom perfume de Cristo. Para os outros santos, somos uma fragrância de vida; mas, para os incrédulos, somos cheiro de morte. Em outras palavras, a vida e o ministério cristão são questões de vida ou morte. Nossa maneira de viver e de trabalhar pode significar vida ou morte para o mundo perdido.

Não é de se admirar que Paulo pergun­tasse: "Quem, porém, é suficiente para estas

coisas?" (2 Co 2:16). Ele próprio responde no capítulo seguinte: nossa suficiência vem de Deus (2 Co 3:5). O apóstolo lembra os coríntios de que seu coração era puro, sua motivação, sincera. Afinal, não havia neces­sidade de ser astuto para "mercadejar" a Palavra de Deus, pois seguia o cortejo do Salvador vitorioso! Os outros poderiam não entendê-lo, mas Deus conhecia seu coração.

Não precisamos fracassar! As circunstân­cias podem nos desanimar, e as pessoas podem opor-se a nós e nos entender mal; no entanto, temos em Cristo os recursos es­pirituais para vencer a batalha: uma cons­ciência limpa, um coração compassivo e uma fé conquistadora.

"Se Deus é por nós, quem será contra nós? [...] Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou" (Rm 8:31, 37).

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D e G ló ria em G ló ria2 Coríntios 3

O nde quer que encontrem os algo ge­nuíno, também encontraremos alguém

promovendo falsificações. Até avaliadores de obras de arte já foram enganados por "obras­primas" falsificadas, e editores bem-intencio­nados publicaram "manuscritos inestimáveis" só para descobrir, depois, que eram forjados. H enry W ard Beecher estava certo quando disse: "U m a mentira sempre precisa de uma verdade à qual se apegar".

Assim que o evangelho da graça de Deus com eçou a se espalhar entre os gentios, tam­bém surgiu um "evangelho" falsificado, uma mistura de Lei e graça. Essas idéias equivo­cadas eram propagadas por um grupo de pessoas ze losas conhecidas com o "judai- zan te s" . Paulo escreveu sua Epístola aos Gálatas para refutar suas doutrinas, e o ve­mos fazer referência a eles em várias oca­siões em 2 Coríntios.

A principal ênfase dos judaizantes era a fé em Cristo mais a observância da Lei (ver At 15:1ss). Também ensinavam que o cris­tão é aperfeiçoado em sua fé ao obedecer à Lei de M oisés. Seu "evangelho de legalis- m o" granjeou muitos adeptos, uma vez que a natureza humana prefere esforçar-se para a lcançar ideais religiosos em lugar de sim­plesmente crer em Jesus Cristo e permitir que o Espírito Santo opere. É muito mais fácil me­dir a "religião" do que a verdadeira retidão.

Paulo considerava esses falsos mestres "m ercadores" da Palavra de Deus (ver 2 Co 2 :17 ), "charlatães religiosos" que se apro­veitavam de pessoas ignorantes. Rejeitava seus métodos distorcidos de ensinar a Bíblia (2 C o 4 :2 ) e desprezava sua tendência de se vangloriar dos convertidos (2 Co 10:12-18).

Um dos m otivos pelos quais os coríntios não haviam cum prido o com prom isso que assumiram com a oferta especial era o fato de os judaizantes terem "roubado" a igreja (2 C o 11:7-12, 20 ; 12 :14).

De que maneira Paulo refuta as doutri­nas e práticas desses falsos mestres legalistas? Mostrando a glória insuperável do ministério do evangelho da graça de Deus. Em 2 Co­ríntios 3, Paulo com para o ministério da an­tiga aliança (a Lei) e o m inistério da nova aliança (a graça) e com prova a superiorida­de do ministério da nova aliança. Vejam os os contrastes que o apóstolo apresenta.

1 . T á b u a s d e p e d r a - c o r a ç õ e s h u m a n o s (2 Co 3:1-3)O s judaizantes gabavam-se de ter "cartas de recom endação" (2 C o 3 :1 ) de pessoas im­portantes da igreja de Jerusalém e cham a­vam a atenção do povo para o fato de que Paulo não tinha credencia is desse tipo. É triste quando uma pessoa mede seu valor por aquilo que outros dizem a seu respeito, não por aquilo que Deus sabe sobre ela. Paulo não precisava de qualquer credencial dos líderes da igreja: sua vida e seu ministé­rio eram as únicas credenciais necessárias.

Quando Deus deu a Lei, escreveu-a em tábuas de pedra colocadas dentro da arca da aliança. M esm o que os israelitas pudes­sem ler as duas tábuas, essa experiência não transformaria a vida deles. A Lei é algo exte­rior, e as pessoas precisam de poder interior para que sua v ida se ja transfo rm ada . O legalista pode nos admoestar com suas in- junções - "Faça isso!" ou "N ão faça aqui­lo!" - , mas não é capaz de nos dar poder para obedecer. Se obedecem os, muitas ve­zes não o fazem os de coração e acabam os em uma situação pior do que antes!

O ministério da graça transforma o cora­ção . O Espírito de Deus usa a Palavra de Deus e a escreve no coração. O s coríntios eram pecadores perversos quando Paulo os encontrou pela primeira vez, mas seu minis­tério do evangelho da graça de Deus havia transform ado a vida deles com pletam ente (ver 1 Co 6:9-11). Sua experiência da graça de Deus certam ente significava muito mais

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para eles do que as cartas de recomenda­ção que os falsos mestres portavam. Os cris­tãos de Corinto estavam gravados, em amor, no coração de Paulo, e o Espírito de Deus escrevera a verdade no coração dos corín­tios, transformando-os em epístolas vivas de Cristo.

A prova de um ministério bem-sucedido não são as estatísticas ou o que a imprensa diz, mas sim as vidas transformadas. É muito mais fácil um legalista gabar-se, pois pode "medir" seu ministério por parâmetros ex­teriores. O cristão que ministra paciente­mente pelo Espírito de Deus deve deixar os resultados nas mãos do Senhor. Como é triste que os coríntios tenham seguido judaizantes presunçosos e magoado o homem que lhes mostrara o caminho para serem salvos do julgamento!

2. M o r t e - V id a (2 Co 3:4-6)Paulo apressa-se em dar glória a Deus, não a si mesmo. Depositava sua confiança em Deus, do qual provinha sua suficiência. Ape­sar de ser um homem brilhante e culto, o apóstolo não dependia da própria capaci­dade, mas sim do Senhor.

É claro que, de acordo com o discurso dos legalistas, qualquer um era capaz de obedecer à Lei e de se tornar espiritual. Um ministério legalista é uma forma de alimen­tar o ego das pessoas. Quando enfatizamos a graça de Deus, precisamos dizer às pes­soas que são pecadoras e que não podem se salvar. O testemunho de Paulo era: "Mas, pela graça de Deus, sou o que sou" (1 Co 15:10). Ninguém é suficientemente capaz de ministrar ao coração de outros. Tal sufi­ciência só vem de Deus.

Ao ler este capítulo, observam-se as de­signações diferentes que Paulo usa para a antiga e para a nova aliança ao contrastá- las. Em 2 Coríntios 3:6, "a letra" refere-se à Lei da antiga aliança, enquanto "o espírito" refere-se à mensagem de graça da nova aliança. Paulo não contrasta duas aborda­gens à Bíblia, uma "interpretação literal" e outra "espiritual". Lembra seus leitores de que a Lei da antiga aliança não é capaz de dar vida; é um ministério de morte (ver Gl 3:21).

O evangelho dá vida aos que crêem por causa da obra de Jesus Cristo na cruz.

Paulo não sugere que a Lei foi um erro ou que seu ministério não era importante. Pelo contrário! O apóstolo sabia que o peca­dor precisa ser condenado pela Lei e cons­cientizado de seu total desamparo antes de ser salvo pela graça de Deus. João Batista proclamou uma mensagem de julgamento, preparando o caminho para Jesus e para sua mensagem de graça salvadora.

Um ministério legalista traz morte. Os pregadores que se especializam em regras e em regulamentos mantêm sua congre­gação sob uma nuvem escura de culpa, que acaba com sua alegria e poder e tam­bém com a eficácia de seu testemunho para Cristo. Os cristãos que estão sempre se me­dindo, comparando "resultados" e compe­tindo uns com os outros logo descobrem que se tornaram dependentes da carne, não do poder do Espírito. Jamais existiu qual­quer norma ou preceito capaz de trans­formar a vida de uma pessoa; nem mesmo os Dez Mandamentos têm esse poder. So­mente a graça de Deus, m inistrada pelo Espírito de Deus, pode transformar peca­dores em epístolas vivas que glorificam Je­sus Cristo.

Paulo não inventou a doutrina da nova aliança para essa ocasião. Como estudioso perspicaz das Escrituras, o apóstolo certa­mente havia lido Jeremias 31:27-34, bem como Ezequiel 11:14-21: No Novo Testa­mento, Hebreus 8 a 10 é a passagem-chave a ser examinada. A Lei da antiga aliança, com sua ênfase sobre a obediência exterior, foi uma preparação para a mensagem da graça da nova aliança, com sua ênfase sobre a transformação interior do coração.

3. G l ó r ia d e s v a n e c e d o r a - g l ó r ia c r e s c e n t e (2 Co 3:7-11)Esse parágrafo é o cerne do capítulo e deve ser estudado em relação a Êxodo 34:29-35: Paulo não nega a glória da Lei da antiga aliança, pois certam ente houve glória na transmissão da Lei e na observância dos cul­tos no tabernáculo e no templo. O que afir­ma, porém, é que a glória da nova aliança

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da graça é extrem am ente superior, e dá vá­rios motivos para apoiar sua afirm ação.

A glória da nova aliança representa vida espiritual, não m orte (vv. 7, 8). Q uando M oisés desceu do m onte, depois de con­versar com Deus, seu rosto resplandecia com a glória de Deus. Essa foi uma parte da gló­ria revelada na transmissão da Lei, e certa­m ente tal m an ife stação im p ress io n o u o povo. Em seguida, Paulo argumenta do me­nor para o m aior: se houve glória na trans­missão da Lei que trazia morte, quanto não deve haver em um ministério que traz vida!

Legalistas com o os judaizantes gostam de engrandecer a glória da Lei e de m inimi­zar suas lim itações. Em sua epístola às igre­jas da G alácia , Paulo ressalta as deficiências da Lei: ela não é capaz de justificar o peca­dor (G l 2 :16 ), não tem poder de conceder o Espírito Santo (G l 3 :2 ), de dar uma herança (G l 3 :18 ), de dar vida (G l 3 :21 ) nem de dar liberdade (G l 4 :8-10). A glória da Lei é, na verdade, a glória de um ministério de morte.

A glória da nova aliança representa ju s­tificação, não condenação (w . 9 ,10). A Lei não foi dada com o propósito de salvar, pois a obediência à Lei não pode dar salvação. A lei produz condenação, servindo de espelho que revela a verdadeira aparência de nosso rosto im undo. No entanto, não podem os usar o espelho para lavar o rosto.

O ministério da nova aliança produz jus­tificação e transforma vidas para a glória de Deus. A m aior necessidade do homem é ser justificado pela fé em Jesus Cristo. "Pois, se a justiça é mediante a Lei, segue-se que mor­reu Cristo em vão" (G l 2 :21 ). A pessoa que tenta v iver debaixo da Lei acaba sofrendo cada vez mais com a culpa, o que pode gerar um sentim ento de desespero e de rejeição. É quando crem os em Cristo e vivem os pela graça de Deus que experim entam os aceita­ção e alegria.

Em 2 Coríntios 3 :10 , Paulo afirm a que a Lei "perdeu sua glória" diante da glória insu­perável do ministério da graça de Deus. Não há com paração . Infelizmente, algumas pes­soas não conseguem se "sentir espirituais" a m enos que carreguem consigo um peso de culpa. A Lei produz culpa e condenação,

pois é com o um "escrito de dívida" (C l 2 :14 ), um tutor que nos disciplina (G l 4:1-5) e um jugo pesado demais de suportar (G l 5 :1 ; At 15 :10).

A glória da nova aliança é permanente, não temporária (v. 11). O tempo do verbo nesta passagem é crítico : "o que se desva­necia". Paulo escreveu em um período his­tó rico de so b rep osição das eras. A nova a liança da graça fora introduzida na histó­ria, mas os cultos no templo continuavam a ser realizados, e a nação de Israel ainda vi­via debaixo da Lei. No ano 70 d .C ., a cida­de de Jerusalém e o templo seriam destruídos pelos romanos, m arcando desse modo o fim do sistema religioso judaico .

O s judaizantes desejavam que os cris­tãos de Corinto voltassem a v iver sob o jugo da Lei, que "m esclassem " as duas alianças. "Por que voltar ao que é tem porário e que se desvanece?", pergunta o apóstolo. "Vivam na glória da nova a liança que é cada vez maior." A glória da Lei é apenas a glória da história passada, enquanto a glória da nova aliança é a glória da experiência presente. Com o cristãos, podemos ser "transformados, de glória em glória" (2 C o 3 :18 ), uma trans­form ação que a Lei jam ais terá o poder de realizar.

A glória da Lei se desvanecia no tempo de Paulo, e, hoje, essa glória só pode ser encontrada nos relatos da Bíblia. A nação de Israel não tem templo nem sacerdócio . Se construíssem um templo, a glória Shekiná não habitaria no santo dos santos. A Lei de M oisés é uma religião com um passado ex­trem am ente glorioso, mas que não tem gló­ria alguma no presente. A luz se foi, e tudo o que resta são sombras (Cl 2 :16 , 17).

Paulo destacou que o m inistério da gra­ça é interior (2 C o 3:1-3), que v iv ifica (2 Co 3 :4-6) e que im plica uma glória cada vez m aior (2 C o 3:7-11). Agora, apresenta um último contraste a fim de provar a superiori­dade do ministério da graça da nova aliança.

4 . O c u l t a ç ã o - r e v e l a ç ã o (2 Co 3:12-18)A Bíblia é, basicam ente, um "livro de ilus­traçõ es", pois em prega sím bolos, sím iles,

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metáforas e outros recursos literários para transmitir sua mensagem. Neste parágrafo, Paulo usa a experiência de Moisés e seu véu para ilustrar a liberdade gloriosa e a revela­ção da vida cristã sob a graça. Paulo vê na experiência de Moisés um significado espi­ritual mais profundo do que o que nós po­deríamos ver ao ler Êxodo 34:29-35.

O acontecimento histórico (vv. 12, 13). Quando fazemos parte de um ministério de glória crescente, podemos ser ousados em nossas declarações, e Paulo não disfarça o seu destemor. Ao contrário de Moisés, Pau­lo não tem o que esconder.

Quando Moisés desceu do monte onde havia estado em com unhão íntim a com Deus, seu rosto brilhava com um reflexo da glória divina. Enquanto Moisés falava com o povo, os israelitas podiam ver essa glória em seu rosto e se impressionavam com ela. No entanto, Moisés sabia que a glória desvane­ceria, de modo que, ao terminar de instruir o povo, cobriu o rosto com um véu. Com isso, evitou que vissem a glória desapare­cer, pois, afinal, quem deseja seguir um lí­der cuja glória está sumindo?

O termo traduzido por "terminação", em 2 Coríntios 3 :13 , tem dois sentidos: "pro­pósito" e "final". O véu evitou que o povo visse o "final" da glória enquanto esta des­vanecia. No entanto, também os impediu de entender o "propósito" por trás dessa gló­ria desvanecedora. A Lei havia acabado de ser instituída, e o povo ainda não estava pre­parado para descobrir que esse sistema glo­rioso era apenas temporário. Ainda não lhes havia sido revelado que a Lei era uma pre­paração para algo maior.

A aplicação nacional (w. 14-17). Paulo nutria especial amor por Israel e um desejo ardente de ver a salvação de seu povo (Rm 9:1-3). Por que o povo judeu rejeitou seu Cristo? Como missionário aos gentios, Pau­lo vira muitos gentios crerem no Senhor, mas os judeus - seu próprio povo - rejeitavam a verdade e perseguiam Paulo e a igreja.

O motivo dessa rejeição era a presença de um "véu espiritual" sobre a mente e o coração dos judeus. Seus "olhos espirituais" haviam sido cegados, de modo que, ao ler

as Escrituras do Antigo Testamento, não con­seguiam enxergar a verdade sobre seu Mes­sias. Apesar de as Escrituras serem lidas sis­tematicamente nas sinagogas, o povo judeu não compreendia a mensagem espiritual que Deus havia lhes dado. A causa dessa ceguei­ra era a própria religião judaica.

Existe alguma esperança para os filhos perdidos de Israel? Sem dúvida! "Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor [crendo em Jesus Cristo], o véu lhe é retira­do" (2 Co 3:16).

Em cada uma das três igrejas que pas­toreei, tive a alegria de batizar judeus que creram em Jesus Cristo. É impressionante como a mente deles se abre para as Escritu­ras depois que nascem de novo. Um desses convertidos comentou comigo:

- É como se escamas tivessem sido re­movidas de meus olhos. Pergunto-me por que os outros não conseguem enxergar o que estou vendo agora!

O véu é removido pelo Espírito de Deus, e os que crêem recebem visão espiritual. Nenhum pecador - seja ele judeu ou gen­tio - pode se entregar a Cristo sem o minis­tério do Espírito de Deus. "O ra, o Senhor é o Espírito" (2 Co 3:17). Trata-se de uma de­claração arrojada da divindade do Espírito Santo: ele é Deus. O s judaizantes que inva­diram a igreja em Corinto dependiam da Lei para transformar a vida das pessoas, mas so­mente o Espírito de Deus tem o poder de realizar uma transformação espiritual. A Lei só traz escravidão, mas o Espírito nos dá uma vida de liberdade. "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espíri­to de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai" (Rm 8:15).

Como nação, o Israel de hoje é espiri­tualmente cego; mas isso não significa que judeus, como indivíduos, não possam ser salvos. A Igreja de hoje precisa recuperar seu senso de responsabilidade com os judeus. Somos devedores ao povo de Israel, pois por meio dele recebemos todas as nossas bênçãos espirituais. "Porque a salvação vem dos judeus" (Jo 4:22). A única maneira de "quitarmos" essa dívida é compartilhando o

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evangelho com esse povo e orando por sua salvação (Rm 10:1).

A aplicação pessoal (v. 18). "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, so­mos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito." Este versículo é o ponto culminan­te do capítulo e apresenta uma verdade tão maravilhosa que me admira tantos cristãos não perceberem sua presença ou, simples­mente, não fazerem caso dela. Podemos compartilhar da imagem de Cristo e ser trans­formados, "de glória em glória", pelo minis­tério do Espírito de Deus!

Sob a antiga aliança, somente Moisés su­biu ao monte e teve comunhão com Deus; mas sob a nova aliança, todos os cristãos têm o privilégio de desfrutar a comunhão com o Senhor. Por meio de Jesus Cristo, podemos entrar no santo dos santos (Hb 10:19, 20) - e nem precisamos escalar uma montanha!

O "espelho" é um símbolo da Palavra de Deus (Tg 1:22-25). Ao olhar para a Palavra de Deus e ver o Filho de Deus, o Espírito nos transforma à imagem de Deus. No entanto, é importante não esconder coisa alguma de Deus. É preciso ser abertos e honestos com ele sem "usar um véu".

O termo traduzido por transformados é o mesmo usado nos relatos da transfigura­ção de Cristo (Mt 1 7; Mc 9) e traduzido por transfigurado. Descreve uma mudança exte­rior resultante de um processo interior. A palavra m etam orfose é uma transliteração desse termo grego. A metamorfose descre­ve o processo pelo qual um inseto passa do estágio de larva para pupa e, posteriormen­te, se transforma em inseto maduro. As mu­danças ocorrem de dentro para fora.

Moisés refletia a glória de Deus, mas nós irradiamos essa glória. Quando meditamos sobre a Palavra de Deus e vemos dentro dela o Filho de Deus, somos transformados pelo Espírito! Tornamo-nos mais semelhantes ao Senhor Jesus Cristo à medida que crescemos "de glória em glória". Esse p rocesso maravi­lhoso não p o d e ser realizado pela observân-

mas a glória da graça de Deus continua a aumentar em nossa vida.

É importante lembrar que Paulo apresen­ta um contraste não apenas entre a antiga e a nova aliança, mas também entre o ministé­rio da antiga aliança e o ministério da graça. O objetivo do ministério da antiga aliança era obedecer a uma norma exterior, mas essa obediência não tem poder para mudar o caráter humano. O objetivo do ministério da nova aliança é nos tornar cada vez mais semelhantes a Jesus Cristo. A Lei pode nos levar a Cristo (Gl 3:24), mas somente a graça pode nos tornar semelhantes a Cristo. Os pre­gadores e mestres legalistas levam os ouvin­tes a se conformar com certas normas, mas não têm poder de transformá-los à semelhan­ça do Filho de Deus.

A Lei é o meio pelo qual se realiza o ministério da antiga aliança; o ministério da nova aliança, por sua vez, é realizado pelo Espírito de Deus, que usa a Palavra de Deus. (Ao falar de "Lei", não nos referimos ao Anti­go Testamento, mas sim a todo o sistema le­gai apresentando por Moisés. Sem dúvida, o Espírito pode usar tanto o Antigo quanto o Novo Testamento para nos revelar Jesus Cristo.) Uma vez que foi o Espírito Santo quem escreveu a Palavra, ele pode nos ins­truir a respeito dela. Além disso, o Espírito habita em nós e nos capacita a obedecer­mos à Palavra de todo coração. Não se trata de uma obediência legal motivada pelo medo, mas de uma obediência filial motiva­da pelo amor.

Por fim, o ministério da antiga aliança redunda em escravidão, enquanto o minis­tério da nova aliança redunda em liberdade no Espírito. O legalismo condena a pessoa à imaturidade eterna, e os imaturos preci­sam de regras e de regulamentos para viver (ver Gl 4:1-7). Deus não deseja que seus fi­lhos sejam obedientes por causa de um có­digo exterior (a Lei), mas sim em função de seu caráter (que é interior). Os cristãos não vivem debaixo da Lei, mas isso não significa que não têm Lei alguma! O Espírito de Deus escreve a Palavra de Deus em nosso cora­ção, e obedecemos ao Pai por causa da nova

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O legalismo continua a exercer sua atra­ção sobre as pessoas. Vemos seitas que vão atrás de cristãos professos e de membros da igreja da mesma forma que os judaizantes do tempo de Paulo. Devemos aprender a re­conhecer essas seitas e a rejeitar seus ensina­mentos. No entanto, também há igrejas que pregam o evangelho, mas que têm a tendên­cia legalista de perpetuar a imaturidade de seus membros, condenando-os a viver sob a culpa e o medo. Congregações desse tipo gastam tempo demais se preocupando com tudo o que é exterior e deixam de tratar da

vida interior. Exaltam as regras e condenam o pecado, mas deixam de engrandecer o Se­nhor Jesus Cristo. Infelizmente, ainda pode­mos ver o ministério do Antigo Testamento em algumas igrejas do Novo Testamento.

Em seguida, Paulo explica dois aspectos do próprio ministério: é triunfante (2 Co 1 - 2) e é glorioso (2 Co 3). As duas coisas an­dam juntas: "Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos" (2 Co 4:1).

Quando o ministério envolve a glória de Deus, não desistimos!

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C o r a g em P a r a o s C o n flito s

2 Coríntios 4:1 - 5:8

O tema-chave desta seção é repetido em2 Coríntios 4:1 e 16: "Não desfalece­

mos" e "Não desanimamos". Literalmente, Paulo está dizendo: "não entregamos os pontos!" Na situação em que Paulo se en­contrava, não faltavam motivos para o desâ­nimo e, no entanto, o grande apóstolo não desistiu. O que o impediu de desanimar diante dos conflitos da vida? Ele sabia o que possuia em Jesus Cristo! Em vez de se quei­xar sobre o que não tinha, Paulo alegrou-se com o que estava a seu dispor - e podemos fazer o mesmo.

1 . T e m o s u m m in is t é r io g l o r io s o (2 Co 4:1-6)As primeiras palavras de Paulo neste capítu­lo podem ser traduzidas por: "Portanto, con­siderando que temos este tipo de ministé­rio". Que tipo de ministério? O tipo descrito no capítulo anterior: um ministério glorioso que oferece às pessoas vida, salvação e jus­tificação; um ministério capaz de transfor­mar vidas. Esse ministério é uma dádiva que recebemos de Deus. Ele nos é concedido pela misericórdia de Deus, não por algum mérito nosso (ver 1 Tm 1:12-17).

A maneira de encarar o ministério ajuda a determinar a maneira de cumpri-lo. Se con­sideramos nosso serviço para Cristo um far­do, não um privilégio, trabalharemos como escravos e faremos apenas o que é absolu­tamente necessário. Há quem chegue a con­siderar o serviço cristão um castigo de Deus. Ao refletir sobre o fato de que era um minis­tro de jesus Cristo, Paulo sentia-se sobrepu­jado pela graça e pela misericórdia de Deus.

4 algumas conseqüências práticas para sua vida.

im pedia o apóstolo de desistir (v. 1).Paulo confessa aos coríntios que suas pro­vações na Ásia o haviam levado à beira do desespero (2 Co 1:8). Apesar de seus gran­des dons e vasta experiência, Paulo era um ser humano, sujeito às respectivas fragilida- des. Mas como desanimar quando estava envolvido num ministério tão maravilhoso? Acaso Deus teria lhe confiado esse ministé­rio só para que fracassasse? Claro que não! O chamado divino é sempre acompanhado da capacitação divina; Paulo sabia que Deus o sustentaria até o final.

Um pastor metodista, desanimado, escre­veu ao grande pregador escocês Alexander Whyte para pedir seu conselho. Deveria abandonar o ministério? "Nunca pense em desistir de pregar!", Whyte lhe escreveu de volta. "Os anjos ao redor do trono invejam o seu trabalho maravilhoso!" Esse é o tipo de resposta que Paulo teria escrito, palavras sobre as quais todos nós devemos refletir quando temos a impressão de que nosso trabalho é em vão.

Im pedia o apóstolo de se tornar um im ­postor (w . 2-4). "Pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulteran­do a Palavra de Deus; antes, nos recomen­damos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade" (2 Co 4:2). Sem dúvida, ao escre­ver essas palavras, Paulo está se referindo aos judaizantes. Muitos falsos mestres de hoje afirmam que suas doutrinas são basea­das na Palavra de Deus, mas tais mestres usam a Palavra de maneira enganosa. Po­demos provar qualquer coisa pela Bíblia, distorcendo as Escrituras fora de contexto e rejeitando o testemunho da própria cons­ciência. A Bíblia é uma obra literária, sobre a qual devem ser aplicadas as regras funda­mentais de interpretação. Se as pessoas tra­tassem outros livros da maneira como tratam a Bíblia, jamais aprenderiam coisa alguma.

Paulo não tinha o que esconder, nem em sua vida pessoal nem em sua pregação

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se prestava à dissimulação nem à distorção da Palavra. Os judaizantes eram culpados de distorcer as Escrituras para que se encai­xassem em suas interpretações preconcebi­das, e as pessoas ignorantes eram culpadas de seguir esses falsos mestres.

Se Paulo era um pregador tão fiel da Palavra, por que mais pessoas não criam em sua mensagem? Por que os falsos mestres eram tão bem-sucedidos em granjear con­vertidos? Porque Satanás cega a mente do pecador, e o ser humano decaído tem mais facilidade em acreditar em mentiras do que em crer na verdade. "Mas, se o nosso evan­gelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplan­deça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus" (2 Co 4:3, 4).

Paulo já havia explicado que a mente dos judeus encontrava-se "velada" pela cegueira de seu coração (Rm 11:25; 2 Co 3:14-16). A mente dos gentios também está encoberta! Os que estão perdidos não são capazes de entender a mensagem do evangelho. Sata­nás não deseja que a luz gloriosa da salva­ção resplandeça no coração dos pecadores. Como deus desta era e príncipe deste mun­do (Jo 12:31), Satanás mantém os pecado­res em trevas. O mais triste é que Satanás usa mestres religiosos (como os judaizantes) para enganar as pessoas. Muitos dos que hoje pertencem a seitas eram membros de igrejas cristãs.

Impedia o apóstolo de promover a si mesmo (vv. 5, 6). O fato momentoso de Pau­lo ter recebido seu ministério de Cristo o im­pedia de desistir e de enganar, mas também o guardava de promover a si mesmo (2 Co 4:5, 6). "Porque não pregamos a nós mes­mos" (2 Co 4:5). Os judaizantes gostavam de pregar sobre si mesmos e de se gabar de suas realizações (2 Co 10:12-18). Não eram servos que tentavam ajudar o povo, mas sim ditadores que exploravam o povo.

Sem dúvida, Paulo era um homem que praticava a verdadeira humildade. Não con­fiava em si mesmo (2 Co 3:1-5), não recomen­dava a si mesmo (2 Co 3:1-5) nem pregava a

si mesmo (2 Co 4:5), Procurava levar as pessoas a Jesus Cristo e edificá-las na fé. Teria sido fácil Paulo formar um "fã clube" para si mesmo e se aproveitar, como os que viviam em função de associações com pes­soas importantes. Era assim que os judaizan­tes agiam, mas Paulo rejeitava esse tipo de ministério.

O que acontece quando falamos de Je­sus Cristo aos pecadores? A luz começa a resplandecer! Paulo compara a conversão à criação descrita em Gênesis 1:3. Como a Terra em Gênesis 1:2, o pecador encontra- se sem forma e vazio, mas quando crê em Cristo, torna-se nova criatura (2 Co 5:17). Então, Deus começa a formar e preencher a vida da pessoa que crê em Cristo, e ela passa a dar frutos para o Senhor. A injun- ção divina "Haja luz!" faz todas as coisas novas.

2. T em o s u m t e s o u r o v a l io s o (2 Co 4:7-12)Da glória da nova criação, Paulo passa à humildade do vaso de barro. O cristão é apenas um "vaso de barro"; é o tesouro dentro do vaso que lhe dá seu valor. A ima­gem do vaso aparece com freqüência nas Escrituras, e podemos aprender várias lições com ela.

Em primeiro lugar, Deus nos criou da maneira como somos, a fim de podermos realizar a obra que planejou para nós. Ao falar sobre Paulo, Deus afirmou: "porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios" (At 9:15). Nenhum cristão deve se queixar a Deus de sua falta de dons ou de capacida­des, nem por causa de suas limitações ou deficiências. O Salmo 139:13-16 indica que a própria estrutura genética humana está nas mãos de Deus. Cada um de nós deve acei­tar a si mesmo e ser autêntico.

O mais importante sobre o vaso é ser limpo, estar vazio e disponível para o servi­ço. Cada um de nós deve procurar tornar-se um "utensílio para honra, santificado e útil a seu possuidor, estando preparado para toda boa obra" (2 Tm 2:21). Somos vasos para que Deus nos use. Somos vasos de barro

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para que possamos depender do poder de Deus, não de nossas forças.

É preciso concentrar-se no tesouro, não no vaso. Paulo não temia o sofrimento nem as tribulações, pois sabia que Deus guarda­ria o vaso enquanto este guardasse o tesou­ro (ver 1 Tm 1:11; 6:20). Deus permite as tribulações; ele as controla e as usa para sua glória. Deus é glorificado por meio de vasos frágeis. J. Hudson Taylor, o missionário que levou o evangelho ao interior da China, cos­tumava dizer: "Todos os gigantes na fé fo­ram homens fracos que fizeram grandes coisas por Deus, pois contaram com sua presença".

Por vezes, Deus permite que nossos va­sos sejam sacudidos de modo a derramar parte do tesouro e enriquecer a outros. O sofrimento revela não apenas a fraqueza hu­mana, mas também a glória de Deus. Neste parágrafo, Paulo apresenta uma série de paradoxos: vasos de barro - poder divino; a morte de Jesus - a vida de jesus; a morte em ação - a vida em ação. A mente natural não é capaz de compreender esse tipo de verdade espiritual, portanto não consegue compreender como o cristão triunfa sobreo sofrimento.

Assim como se deve concentrar no te­souro, não no vaso, também se deve concen­trar no Mestre, não no servo. Se sofremos, é por amor a jesus. Se morremos para nosso ego, é para que a vida de Cristo seja revela­da em nós. Se passamos por tribulações, é para que Cristo seja glorificado. Ao servir a Cristo, a morte opera em nós, mas a vida opera naqueles para os quais ministramos.

Nas palavras muito acertadas de John Henry Jowett: "O ministério que nada custa nada realiza". Certa vez, um pastor amigo meu e eu ouvimos um jovem pregar um sermão eloqüente, ao qual faltou alguma coi­sa. Comentei essa impressão com meu ami­go e ele respondeu: "Aquilo que faltou só aparecerá depois que o coração desse rapaz tiver sido quebrantado. Depois que passar por algum sofrimento, terá uma mensagem digna de ser ouvida".

Os judaizantes não sofriam. Em vez de

igrejas. Em vez de se sacrificarem por seu povo, faziam o povo se sacrificar por eles (2 Co 11:20). Os falsos mestres não possuíam um tesouro para repartir. Tinham apenas al­gumas peças de museu da antiga aliança; antiguidades gastas que jamais poderiam enriquecer a vida de alguém.

Sei por experiência própria que muitas igrejas não fazem idéia do preço que um pastor paga a fim de ser fiel ao Senhor e de servir a seu povo. Esta é uma de três seções de 2 Coríntios dedicadas a relatar os sofri­mentos de Paulo. As outras duas são 6:1-10 e 11:16 - 12:10: A prova do verdadeiro mi­nistério não está em suas condecorações, mas sim em suas escoriações. "Quanto ao mais, ninguém me moleste; porque eu tra­go no corpo as marcas de Jesus" (Gl 6:17).

Como perseverar? Lembrando que so­mos privilegiados por possuir o tesouro do evangelho em vasos de barro!

3. T em o s u m a fé c o n f ia n t e (2 Co 4:13-18)A expressão espírito da fé significa "atitude ou perspectiva de fé". Paulo não se refere ao dom específico de fé (1 Co 12:9), mas à atitude de fé que todo cristão deve ter. O apóstolo identifica-se com o servo de Deus que escreveu o Salmo 116:10: "Eu cria, ain­da que disse: estive sobremodo aflito". O verdadeiro testemunho de Deus baseia-se na fé em Deus, a fé que vem da Palavra de Deus (Rm 10:17). Não há nada que emudeça tan­to o cristão quanto a incredulidade (ver Lc 1:20 ).

De que Paulo sentia-se tão seguro? De que não tinha coisa alguma a temer nem da vida nem da morte! Acabou de relacionar algumas provações de sua vida e ministério e, agora, afirma que sua fé concedeu-lhe vitória em meio a todas elas. Vejamos as certezas que o apóstolo tinha por causa de sua fé.

Estava certo da vitória final (v. 14)» SeJesus conquistou a morte, o último inimigo, por que temer qualquer outra coisa? Os se­res humanos fazem de tudo para sondar o sentido da morte e se preparar para ela, no

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para a morte. Uma pessoa só está verda­deiramente preparada para viver quando também está preparada para morrer. A men­sagem jubilosa da Igreja primitiva era a vitó­ria de Cristo sobre a morte, e precisamos voltar a essa ênfase vitoriosa. É interessante observar, ainda, que Paulo vislumbra uma reunião futura do povo de Deus ao dizer que "aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará convosco". A morte é o grande divisor, mas em Cristo temos a certeza de que seu povo será reunido em sua presença (1 Ts 4:13-18).

Estava certo de que Deus seria glorifi­cado (v. 15). Este versículo é paralelo a Ro­manos 8:28 e nos dá a certeza de que os sofrimentos não são desperdiçados: Deus usa a dor para ministrar a outros e também para glorificar seu nome. De que maneira Deus é glorificado em nossas tribulações? Ao nos conceder a "graça abundante" de que precisamos para manter a alegria e as forças quando vêm as dificuldades. Tudo o que começa com a graça conduz à glória (ver SI 84:11; 1 Pe 5:10).

Estava certo de que suas tribulações cooperariam para seu bem (vv. 16, 17). "Não desanimamos", era o testemunho con­fiante de Paulo (ver 2 Co 4:1). Que importa se o "ser exterior" se deteriora quando o "ser interior" experimenta renovação espiri­tual diária? Paulo não sugere, aqui, que o corpo não é importante nem que devemos ignorar seus sinais de aviso e necessidades. Uma vez que nosso corpo é o templo de Deus, devemos cuidar dele. No entanto, não podemos controlar a deterioração natural do corpo humano. Quando pensamos em todas as provações físicas que Paulo supor­tou, não nos admiramos de ele ter escrito essas palavras.

Como cristãos, devemos viver um dia de cada vez. Nenhuma pessoa, por mais rica ou competente que seja, pode viver dois dias de cada vez. Deus provê "de dia em dia", à medida que oramos a ele (Lc 11:3). Ele nos dá as forças de que precisa­mos de acordo com o que cada dia exige de nós (Dt 33:25). Não se pode cometer o

erro de tentar "armazenar bênçãos" para emergências futuras, pois Deus dá a graça de que precisamos, quando precisamos (Hb 4:16). Quando aprendemos a viver um dia de cada vez, certos do cuidado de Deus, sentimos alívio de boa parte das pressões da vida.

De metro em metro se vive, sempre a duras penas!De centímetro em centímetro, as coisas são serenas!

Quando vivemos pela fé em Cristo, adquiri­mos uma perspectiva correta do sofrimento. Convém observar os contrastes que Paulo apresenta em 2 Coríntios 4:17: leve tribula­ção - peso de glória; trabalhando contra nós- trabalhando em nosso favor. O apóstolo refere-se a valores eternos. Compara as tri­bulações presentes com a glória futura e descobre que suas provações, na verdade, trabalham a seu favor (ver Rm 8:18).

Não devemos interpretar esse princípio equivocadamente e pensar que o cristão pode viver como bem entender e esperar que, no final, tudo se transforme em glória. Paulo escreve sobre tribulações que sofria dentro da vontade de Deus e enquanto reali­zava a obra do Senhor. Deus pode transfor­mar o sofrimento em glória, e é exatamente isso o que ele faz; mas Deus não pode trans­formar pecado em glória. O pecado deve ser julgado, pois não possui glória alguma.

Deve-se relacionar 2 Coríntios 4:16 com 3:18, pois os dois versículos referem-se à re­novação espiritual do filho de Deus. Em si mesmo, o sofrimento não tem poder para nos tornar homens e mulheres mais santos. A menos que nos entreguemos ao Senhor, busquemos sua Palavra e confiemos que ele irá operar, o sofrimento só servirá para pre­judicar nossa vida cristã. Em meu ministério pastoral, tenho visto pessoas que se tornam críticas e amarguradas e que vão de mal a pior, em vez de se desenvolverem "de gló­ria em glória". Precisamos desse "espírito da fé" que Paulo menciona em 2 Coríntios 4:13.

Ele estava certo de que o mundo invisí­vel era real (v. 18). A. W. Tozer costumava

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lembrar que o mundo invisível descrito na Bíblia era o único "mundo real". Se olhásse­mos para o mundo visível da maneira como Deus quer, jamais nos sentiríamos atraídos pelo que oferece (1 Jo 2:15-1 7). O s grandes homens e mulheres de fé mencionados em Hebreus 11 chegaram aonde chegaram por­que "viram o invisível" (Hb 11:10,13,14,27).

As coisas deste mundo parecem tão reais porque podemos vê-las e senti-las, mas são todas temporárias e estão condenadas a de­saparecer. Somente as coisas eternas da vida espiritual permanecerão. Mas não devemos levar essa verdade a extremos e pensar que a esfera "material" e a "espiritual" são opos­tas. Quando usamos as coisas materiais de acordo com a vontade de Deus, ele as trans­forma em coisas espirituais, que passam a fazer parte de nosso tesouro no céu (falare­mos mais sobre isso em 2 Co 8 - 9). Valori­zamos as coisas materiais porque podem ser usadas para promover as coisas espirituais, não por aquilo que são em si mesmas.

Como olhar para o que é invisível? Pela fé, ao ler a Palavra de Deus. Nunca vimos Cristo nem o céu, no entanto sabemos que são reais, pois é isso o que a Palavra de Deus diz. A fé é "a convicção de fatos que se não vêem" (Hb 11:1). Abraão manteve-se afas­tado de Sodoma, pois olhou para a cidade celestial; Ló, por outro lado, escolheu Sodo­ma, pois vivia de acordo com o que podia ver, e não pela fé (Gn 13; Hb 11:10).

É evidente que o mundo perdido pensa que somos estranhos - talvez até loucos -, pois insistimos na realidade de um mundo invisível de bênçãos espirituais. Os cristãos, porém, estão dispostos a viver de acordo com valores eternos, não com preços tem­porários.

4. T e m o s u m a es p er a n ç a (2 Co 5:1-8)"Tendo este ministério [...] Temos, porém, este tesouro [...] tendo o mesmo espírito da fé [...] temos da parte de Deus um edifício" (2 Co 4:1, 7, 13; 5:1). Que testemunho ma­ravilhoso esse de Paulo sobre a realidade da fé cristã!

Esse "edifício de Deus" não é o lar celes-

sim seu corpo glorificado. Paulo fazia ten­das (At 18:1-3) e, nesta passagem, usa uma tenda para retratar nosso corpo aqui na Terra. A tenda é uma estrutura frágil e temporária, sem grande beleza; mas o corpo glorificado que receberemos será eterno, belo e jamais apresentará sinais de fraqueza ou decom­posição (ver Fp 3:20, 21). Paulo via o corpo humano como um vaso de barro (2 Co 4:7) e uma tenda temporária; mas sabia que, um dia, os cristãos receberiam um corpo glori­ficado e maravilhoso, próprio para a glória do céu.

É interessante acompanhar o testemunho de Paulo ao longo deste parágrafo.

Sabemos (v. 1). Como sabemos? Sabe­mos porque cremos na Palavra de Deus. Nenhum cristão precisa consultar cartoman­tes, médiuns ou usar de recursos esotéricos para descobrir o que o futuro lhe reserva do outro lado da morte. Deus diz tudo o que, precisamos saber por meio de sua Palavra. A declaração de Paulo - "Sabemos" - é li­gada ao "sabendo" de 2 Coríntios 4:14, que, por sua vez, diz respeito à ressurreição de Jesus Cristo. Sabemos que ele está vivo; logo, sabemos que a morte não tem poder sobre nós. "Porque eu vivo, vós também vivereis" (Jo 14:19).

Não precisamos temer, se nossa tenda ("tabernáculo") se desfizer. O corpo é ape­nas a casa onde vivemos. Quando um cris­tão morre, o corpo vai para a sepultura, mas0 Espírito vai para junto de Cristo (Fp 1:20­25). Quando Jesus Cristo voltar para buscar os seus, ressuscitará o corpo em glória, e o corpo e o espírito serão reunidos para uma eternidade gloriosa no céu (1 Co 15:35-58;1 Ts 4:13-18).

Gememos (w. 2-5). Paulo não está ex­pressando um desejo mórbido de morrer. Na verdade, sua declaração mostra justamen­te o contrário: está ansioso para que Jesus Cristo volte, a fim de que possa "ser revesti­do" com o corpo glorificado. O apóstolo apresenta três possibilidades usando a ima­gem do corpo como uma tenda: (1) vivo - residindo na tenda; (2) morto - fora da ten­da, "nu"; (3) revestido - a transformação do

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estar vivo na Terra quando Jesus Cristo voltas­se, de modo que não precisasse experi­mentar a morte. O apóstolo usa uma imagem semelhante em 1 Coríntios 15:57-58, e fala sobre "gemer" em Romanos 8:22-26.

Em 2 Coríntios 5 :1 , refere-se ao corpo glorificado: "temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus", e 2 Coríntios 5:2 o chama de "nossa habitação celestial". Esta última contrasta com nosso corpo mortal, que veio do pó da ter­ra. "E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial" (1 Co 15:49). É impor­tante observar que o motivo de Paulo ge­mer não era o fato de se encontrar em um corpo humano, mas o fato de ansiar por ver Jesus Cristo e de receber um corpo glorifi­cado. Gemia pela glória!

Isso explica por que a morte não é moti­vo de pavor para os cristãos. Paulo chama sua morte de "partida" (2 Tm 4:6). Um dos significados desse termo grego é "desmon­tar a tenda e mudar para algo novo". Mas como podemos estar certos de que um dia teremos um novo corpo, semelhante ao cor­po glorificado de nosso Salvador? Podemos ter essa certeza porque o Espírito habita em nós. Paulo fala do selo e do penhor do Espí­rito em 2 Coríntios 1:22 (ver também Ef 1:13, 14). A presença do Espírito Santo no corpo do cristão é um "adiantamento" que garante a herança futura, inclusive um corpo glorifica­do. No grego moderno, o termo traduzido por "penhor" significa "aliança de noivado". A Igreja é a noiva de Jesus Cristo, que aguar­da o dia em que o Noivo virá buscá-la para as núpcias.

Confiamos sempre (w. 6-8). O povo de Deus está em um de dois lugares: no céu

ou na Terra (Ef 3:15). Nenhum cristão está na cova, no inferno ou em algum lugar "in­termediário", entre o céu e a Terra. Os cris­tãos na Terra estão em sua "casa terrestre deste tabernáculo", enquanto os cristãos que faleceram "[deixaram] o corpo". Os cris­tãos na Terra estão "ausentes do Senhor", enquanto os cristãos no céu "[habitam] com o Senhor".

Era essa certeza que permitia a Paulo não temer o sofrimento, as tribulações e os perigos. Isso não significa que o apóstolo tentava o Senhor correndo riscos desne­cessários, mas sim que estava disposto a "perder a vida" por amor a Cristo e pelo ministério do evangelho. Cam inhava pela fé, não de acordo com o que podia ver. O lhava para as coisas eternas invisíveis, não para as coisas temporais visíveis (2 Co 4 :18). Para Paulo, o céu não era apenas um desti­no; era sua motivação . Como os heróis da fé em Hebreus 11, olhava para a cidade celestial e conduzia a vida de acordo com valores eternos.

Ao recapitular esta seção de 2 Coríntios, podemos ver com o Paulo tinha coragem para enfrentar conflitos sem perder o ânimo. Tinha um ministério glorioso que transforma­va vidas. Tinha um tesouro valioso dentro do vaso de barro que era seu corpo e dese­java compartilhar esse tesouro com um mun­do falido. Tinha fé confiante que vencia o medo e uma esperança que era tanto um destino quanto uma motivação.

Não é de se admirar que Paulo declaras­se: "Somos mais que vencedores" (Rm 8:37).

Todo o que crê em Jesus Cristo tem es­ses mesmos bens maravilhosos e, por meio deles, pode encontrar coragem para enfren­tar os conflitos.

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M o t iva ç ã o P a ra o M in istério

2 Coríntios 5:9-21

Aquilo em que cremos e o modo de ex­pressarmos tais convicções são duas

coisas que andam juntas. Paulo costuma­va associar dever e doutrina, pois aquilo que Deus fez por nós deve nos motivar a fazer algo por Deus. Nas palavras de Phil­lips Brooks: "Não há verdade no cristia­nismo que não seja filha do amor e mãe do dever".

Como disse uma senhora a seu pastor:- Tirando todos aqueles "portantos" no

final, o sermão foi maravilhoso!Mas Paulo teria concordado com o pas­

tor, pois usa "portanto" e outras conjun­ções semelhantes com freqüência em suas cartas. Aliás, podemos encontrar alguns exemplos delas em 2 Coríntios 5 nos ver­sículos 9, 11, 16, 17: Paulo passa da expli­cação para a aplicação, e seu tema é a motivação para o ministério. Seus inimigos o haviam acusado de usar o ministério do evangelho com propósitos egoístas, quan­do, na realidade, eram e/es que estavam "mercadejando" as boas-novas (ver 2 Co 2:17; 4:2).

Qual é o ministério do cristão? Persua­dir os pecadores a se reconciliar com Deus (2 Co 5:11, 20). Jamais se deve forçar as pessoas a crer em Cristo nem coagi-las usan­do de abordagens escusas. "Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem se baseia em dolo" (1 Ts 2:3). O obreiro cristão deve ter não apenas uma mensagem correta a transmitir, mas também motivações corretas para levar a cabo seu ministério.

Nesta seção, Paulo fala de três motiva-

5 1. O t e m o r d o S e n h o r (2 Co 5:9-13)"E assim, conhecendo o temor do Senhor" (2 Co 5:11). Trata-se de um tipo de atitude que, com freqüência, está em falta no minis­tério. O famoso estudioso da Bíblia B. F. Wescott escreveu certa vez: "Cada ano me faz estremecer diante da ousadia com que as pessoas falam de coisas espirituais", e Phillips Brooks costumava nos advertir so­bre os "ministros escarnecedores" que, ao zombar da Bíblia, roubam desse livro parte de sua glória e poder. Observamos, muitas vezes, uma falta de reverência nos encon­tros da igreja, de modo que não é de causar espanto que as gerações mais jovens não estejam levando as coisas de Deus a sério.

Paulo explica essa motivação comparti­lhando o próprio testemunho por meio de três declarações enérgicas.

Esforçam o-nos (v. 9). Isso significa que "somos ambiciosos". Existe um tipo de am­bição que é egoísta e mundana, mas tam­bém há uma ambição santa que honra ao Senhor. A grande ambição de Paulo era ser agradável a Jesus Cristo. Os judaizantes mi­nistravam para agradar os homens e granjear apoio para sua causa; mas Paulo ministrava somente para agradar Jesus Cristo (Gl 1:10). Um ministério que procura satisfazer os ho­mens é carnal e complacente e não pode ser abençoado por Deus.

O termo traduzido por "agradáveis" é usado em vários lugares no Novo Testamen­to e cada uma dessas referências ajuda a compreender melhor o que agrada ao Se­nhor. Ele se compraz de nós quando lhe ofe­recemos nosso corpo como sacrifício vivo (Rm 12:1) e quando vivemos de modo a aju­dar outros e evitar que tropecem (Rm 14:18). Deus se agrada de seus filhos quando se separam do mal a seu redor (Ef 5:10) e tam­bém quando levam suas ofertas a ele (Fp 4:18). Agrada-se dos filhos que se sujeitam aos pais (Cl 3:20), e também dos cristãos que permitem que Jesus Cristo realize sua vontade perfeita em sua vida (Hb 13:20, 21).

Não há nada de errado em cultivar uma ambição piedosa. "Esforçando-me [sendo ambicioso], deste modo, para pregar o evan-

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essa ambição piedosa que o impelia a pregar e a levar a mensagem do evangelho aonde ela ainda não havia chegado. Paulo elogia os cristãos de Tessalônica que "[diligen­ciaram] por viver tranqüilamente" (1 Ts4:11). Se, ao serem conduzidos pelo Espírito, os cristãos se empenhassem tanto na vida com Cristo como se esforçam nos negócios ou nos esportes, o evangelho causaria impacto ainda maior sobre o mundo perdido. Como disse um recém-convertido:

- Quero ser tão zeloso para com Deus quanto era para com o diabo!

De fato, sua vida foi grandemente usada por Deus.

Importa que todos nós compareçamos (v. 10). Nem todo cristão tem grandes ambi­ções quanto à vida com o Senhor, mas todos terão de comparecer diante do Senhor, e o tempo de se preparar para esse encontro é agora. O tribunal de Cristo é o acontecimen­to futuro no qual o povo de Deus ficará dian­te do Salvador, e suas obras serão julgadas e recompensadas (ver Rm 14:8-10). Paulo era ambicioso em seu trabalho para o Senhor, pois desejava comparecer diante de Cristo confiante, não envergonhado (1 Jo 2:28).

O termo "tribunal" vem da palavra gre­ga bema, a plataforma encontrada nas cida­des gregas onde se faziam discursos ou de onde os magistrados comunicavam suas decisões (ver Mt 27:19; At 12:21; 18:12). Também era o lugar do qual se distribuíam os prêmios aos vencedores dos Jogos Olím­picos. Esse "tribunal" não deve ser confun­dido com o "grande trono branco" do qual Cristo julgará os perversos (Ap 20:11-15). Pela obra que Cristo, em sua graça, realizou na cruz, os cristãos não serão julgados por seus pecados (Jo 5:24; Rm 8:1); no entanto, terão de prestar contas de suas obras e ser­viços para o Senhor.

O tribunal de Cristo será um lugar de revelação, pois o termo traduzido por com­parecer também significa "ser revelado". Ao longo de nossa vida e trabalho aqui na Ter­ra, é relativamente fácil esconder coisas e fingir; mas o verdadeiro caráter de nossas obras será exposto diante dos olhos pers­crutadores do Salvador. Ele revelará se nossas

obras foram boas ou más ("vãs"). A revelação envolverá tanto o caráter de nosso serviço (1 Co 3:13) quanto as motivações que nos impeliram (1 Co 4:5).

Também será um lugar de prestação de contas, no qual daremos um relatório de nos­sos ministérios (Rm 14:10-12). Se fomos fiéis, será, ainda, um lugar de recompensa e de reconhecimento (1 Co 3:10-15; 4:1-6). Para os que foram leais, será uma ocasião de re­gozijo , ao glorificar ao Senhor devolvendo- lhe tais recompensas em adoração e louvor.

O desejo de receber recompensas é uma motivação legítima para servir ao Senhor? O fato de Deus prometer recompensas é prova de que essa não é uma motivação pecaminosa, apesar de não dever ser a maior de todas. Assim como os pais se alegram ao ver os filhos conquistarem reconhecimento, também o Senhor se agrada quando seu povo é digno de reconhecim ento e de recompensa. O mais importante não é a re­compensa em si, mas a alegria de agradar a Cristo e de honrá-io.

Persuadimos os homens (w. 11-13). Se Deus julga seu povo, o que será feito dos perdidos? "E, se é com dificuldade que o justo é salvo, onde vai comparecer o ímpio, sim, o pecador?" (1 Pe 4:18). A palavra temor não significa medo, pavor, horror. Afinal, vamos nos encontrar com nosso Salvador que nos ama. No entanto, Paulo não faz pouco do caráter atemorizante dessa oca­sião. Estaremos diante de Cristo, "e nisto não há acepção de pessoas" (Cl 3:23-25). Cristo ordenou que levássemos o evangelho a to­das as nações, e devemos lhe obedecer. Alguém perguntou ao Duque de Wellington o que pensava das missões estrangeiras, ao que ele respondeu com outra pergunta: "O que o Comandante lhe ordenou?"

De que maneira o cristão pode se pre­parar para o tribunal de Cristo? Em primeiro lugar, devemos manter a consciência pura (2 Co 5:11). Sem dúvida, alguns dos inimi­gos de Paulo em Corinto diziam: "Esperem até Paulo se ver diante do Senhor!" Mas Paulo não tinha medo, pois sua consciência estava limpa (ver 2 Co 1:12). A verdade a respeito de cada um de nós será revelada, e

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Jesus Cristo nos elogiará por aquilo que lhe agradou.

Em segundo lugar, devem os ter cuidado para não depender do louvor dos homens (2 C o 5 :12 ). Este versícu lo é re lacionado a2 Coríntios 3 :1 , em que Paulo refere-se às "cartas de recom endação" que os judaizan- tes tanto estimavam. Se vivem os apenas em função do louvor dos hom ens, não recebe­rem os o louvor de Deus no tribunal de Cris­to. Buscar apenas a apreciação hum ana é exaltar a reputação acim a do caráter, e, di­ante de Cristo , o caráter é que contará. Na verdade, os coríntios deveriam elogiar Pau­lo! Em vez disso, "prom oviam " os judaizan- tes, que se gloriavam nas aparências (ver 2 Co 11 :18 ), mas que não possuíam um coração espiritual.

Por fim , devem os ignorar a crítica dos hom ens (2 C o 5 :13 ). O s inimigos de Paulo o consideravam louco. O apóstolo afirmou que havia agido com o um ensandecido ao perseguir a Igreja (At 26 :11 ), mas seus inimi­gos diziam que havia perdido o ju ízo desde sua conversão (At 26 :24 ). No entanto, tam­bém houve quem dissesse que Jesus Cristo era louco , de m odo que Paulo estava em boa com panhia (ver M c 3 :2 1 ). Em outras palavras, o apóstolo d iz: "Se eu sou louco, é para seu bem e para a glória de Deus, por­tanto, vale a pena!"

Q uando Dw ight L. M oody ministrava na Escola Bíblica Dominical que organizou na igre­ja em Chicago, as pessoas costum avam cha­má-lo de "M oody, o M aluco". Aos olhos do m undo que não conhecia a salvação, M oody era "m aluco" de haver abandonado um ne­gócio bem-sucedido para trabalhar em uma Escola Bíb lica Dom inical e evangelizar; mas o tem po mostrou que sua decisão foi sábia. H o je , não nos lem bram os do nom e das pes­soas que zom baram dele, mas conhecem os D . L. M oody e nos recordam os dele com grande respeito.

Todo cristão deve exam inar a própria v ida com freqüência , a fim de averiguar se está pronto para o tribunal de C risto . O de­sejo de apresentar um bom relatório para C risto é um a m otivação justa para o servi­ço cristão .

2 . O a m o r d e C r is t o (2 Co 5:14-17)Com o é possível em oções tão opostas quan­to o temor e o am or habitarem no m esm o coração? Sem dúvida, podem ser encontra­das no coração dos filhos que am am os pais, no entanto os respeitam e acatam sua auto­ridade. "Servi ao S e n h o r com temor e alegrai- vos nele com trem or" (SI 2 :11 ).

A expressão "o am or de Cristo" significa am or por nós no contexto de sua m orte sa c r if ica l. "N ó s am am os po rque e le nos am ou prim eiro" (1 Jo 4 :19 ). Ele nos amou quando não éramos dignos de ser amados, quando éram os ím pios, pecadores e seus inimigos (ver Rm 5:6-10). Q uando morreu na cruz, Cristo provou seu am or pelo mun­do (Jo 3 :1 6 ), pela igreja (Ef 5 :2 5 ) e pelos pecadores com o indivíduos (G l 2 :2 0 ). Ao refletir sobre os motivos pelos quais Cristo morreu, não podem os fazer outra co isa se­não amá-lo também.

Ele m orreu para que m orrêssem os (v. 14). O tem po do verbo confere-lhe o senti­do de "então , todos m orreram ", uma verda­de exp licada em mais detalhes em Rom anos 6, que trata da identificação do cristão com Jesus C risto . Q uando Cristo m orreu, m or­rem os nele e com ele. Portanto, a antiga v ida não deve ter poder algum sobre nós ho je . "Estou c ru c ifica d o com C ris to " (G l 2 :1 9 ).

M orreu para que vivêssemos (w . 15-17).Este é o aspecto positivo de nossa identifi­cação com Cristo : não apenas m orrem os com ele, mas também fom os ressuscitados com ele para que pudéssem os andar em "novidade de vida" (Rm 6 :4 ). Um a vez que morremos com Cristo, vencem os o pecado e, uma vez que vivem os com Cristo , pode­mos dar frutos para a glória de Deus (Rm 7:4 ).

Ele m orreu para que v ivê sse m o s por meio dele: "D eus [enviou] o seu Filho uni­génito ao m undo, para viverm os por meio dele" (1 Jo 4 :9 ). Essa é nossa experiência de salvação, a vida eterna pela fé em Jesus C ris­to. M as também morreu para que vivêsse­mos para ele, não para nós mesmos (2 C o 5 :15 ). Esta é nossa experiência de serviço .

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Alguém disse bem que "Cristo morreu pe­los nossos pecados para que pudéssemos viver a vida dele para ele". Como é possível um pecador que recebeu a salvação conti­nuar vivendo de maneira egoísta?

Em 1858, Francês Ridley Havergal visi­tou a Alemanha com o pai, que se tratava de um problema nos olhos. Durante sua estadia na casa de um pastor, viu um cruci­fixo na parede e, logo abaixo dele, as pala­vras: "Fiz isto por ti. O que fizeste por mim?". Mais que depressa, pegou um pedaço de papel e escreveu um poema baseado nes­sas palavras; no entanto, não gostou do que havia escrito e jogou o papel na lareira. O papel permaneceu intocado! Posteriormen­te, seu pai a incentivou a publicar o que havia escrito, e hoje cantamos essas pala­vras com uma música composta por Phillip P. Bliss.

Morri na cruz por ti Morri pra te livrar Meu sangue, sim, verti E posso te salvar.Morri, morri na cruz por ti Que fazes tu por mim?

Cristo morreu para que vivêssemos por meio dele e para ele, e também para que vivêsse­mos com ele, "que morreu por nós para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos em união com ele" (1 Ts 5:10). Por causa do Calvário, os cristãos vão para o céu viver com Cristo para sempre!

Ele morreu para que pudéssemos mor­rer e para que pudéssemos viver. Mas morreu também para que pudéssemos participar da nova criação (2 Co 5:16, 17). Nosso novo relacionamento com Cristo nos leva a de­senvolver uma nova relação com o mundo e com as pessoas ao nosso redor. Não enca­ramos mais a vida como antes. Conhecer a Cristo "segundo a carne" significa avaliá-lo do ponto de vista humano. Mas os "dias da sua carne" já passaram (Hb 5:7), pois ele subiu ao céu e se encontra glorificado à destra do Pai.

Adão foi o cabeça da antiga criação, e Cristo (o último Adão, 1 Co 15:45) é o Cabeça

da nova criação. A antiga criação caiu em pecado e em condenação como resultado da desobediência de Adão. A nova criação representa retidão e salvação por causa da obediência de Jesus Cristo (ver Rm 5:12-21 para uma explicação sobre o primeiro e o último Adão). Uma vez que fazemos parte da nova criação, tudo é novo.

Em primeiro lugar, temos uma nova vi­são de Cristo. Infelizmente, a música e a arte enfatizam excessivamente Cristo "segundo a carne". Os fatos relacionados à vida de Jesus aqui na Terra são importantes, pois a mensagem cristã é fundamentada na histó­ria. No entanto, devemos interpretar a man­jedoura à luz do trono. Não adoramos o bebê em uma manjedoura, mas sim o Salva­dor glorificado no trono.

Uma vez que todas as coisas "se fize­ram novas", também desenvolvemos uma nova maneira de olhar as pessoas ao nosso redor. Passamos a vê-las como pecadoras pelas quais Cristo morreu. Não as vemos mais apenas como amigas ou inimigas, clien­tes ou colegas de trabalho; antes, as vemos com os olhos de Cristo, como ovelhas per­didas que precisam de um pastor. Quando somos constrangidos pelo amor de Cristo, temos o desejo de compartilhar esse amor com outros.

Durante uma eleição presidencial parti­cularmente controversa, um dos líderes da igreja apareceu na Escola Bíblica Dominical com um broche na lapela promovendo um dos candidatos. O pastor o deteve e acon­selhou que não usasse o broche enquanto estivesse na igreja.

- Por quê? Afinal ele é um excelente candidato! - argumentou o homem.

- Suponhamos, porém, que um mem­bro não cristão do outro partido veja o bro­che - disse o pastor. - Será que isso não o incomodará e servirá de empecilho para que ouça a Palavra e seja salvo?

Com certo mau humor, o homem tirou o broche e, por fim, abriu um sorriso e co­mentou:

- Creio que preciso me lembrar de que as pessoas não são republicanas ou demo­cratas. São pecadoras que precisam de um

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Salvador, e isso é mais importante do que vencer as eleições.

No entanto, também devemos olhar para os demais cristãos como parte da nova cria­ção e não os avaliar de acordo com seu ní­vel de instrução, raça, situação financeira ou classe social. "Dessarte, não pode haver ju­deu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Cl 3:28).

3 . A c o m is s ã o d e C r ist o (2 Co 5:18-21)A idéia central deste parágrafo é a reconci­liação. A rebelião do homem tornou-o inimi­go de Deus e rompeu sua comunhão com ele. Por intermédio da obra que realizou na cruz, Jesus Cristo reconciliou Deus e o ho­mem, e, num gesto amoroso, Deus voltou sua face para o mundo. O significado bási­co do termo grego traduzido por "reconci­liar" é "mudar completamente". Refere-se a um relacionamento transformado entre Deus e o mundo perdido.

Deus não precisa se reconciliar com o homem, pois isso já foi feito por Cristo na cruz. É o homem pecador que precisa se re­conciliar com Deus. A "religião" é a tentati­va medíocre do ser humano de se reconciliar com Deus, uma série de esforços condena­dos ao fracasso. A Pessoa que nos reconci­lia com Deus é Jesus Cristo, e o lugar dessa reconciliação é a cruz.

Outra idéia importante desta seção é a imputação. Trata-se de um termo da área financeira e que significa, simplesmente, "co­locar na conta de alguém". Quando faze­mos um depósito bancário, o computador (ou o funcionário) transfere esse valor para nossa conta ou crédito. Quando Jesus mor­reu na cruz, todos os pecados lhe foram imputados, ou seja, foram colocados em sua conta. Cristo foi tratado por Deus como se houvesse, de fato, cometido esses pecados.

Em decorrência disso, todos esses peca­dos foram pagos, e Deus não nos condena por eles, pois cremos em Cristo como Salva­dor. Além disso, Deus deposita a justiça de Cristo em nossa conta! "Aquele que não co­

para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Co 5:21).

A reconciliação baseia-se na imputação: tendo em vista que os requisitos da Lei san­ta de Deus foram todos preenchidos na cruz, Deus pode ser reconciliado com os peca­dores. Os que crêem em Jesus Cristo como Salvador jamais terão os pecados imputados contra eles outra vez (SI 32:1, 2; Rm 4:1-8). No que diz respeito a seus registros, têm parte na justiça de Jesus Cristo!

Encontramos uma bela ilustração dessa verdade na pequena carta que Paulo escre­veu a seu amigo Filemom. Onésimo, o escra­vo de Filemom, roubou algo de seu senhor e fugiu para Roma. Onésimo poderia ter sido crucificado por seus crimes, mas, pela providência de Deus, encontrou Paulo e se converteu. Paulo escreveu a Epístola a File­mom para encorajar seu amigo a perdoar Onésimo e recebê-lo de volta. "Recebe-o, como se fosse a mim mesmo" (Fm 17); "E, se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta" (Fm 18). Paulo estava disposto a pagar a conta (im­putação) para que Onésimo e Filemom se reconciliassem.

Como essa doutrina maravilhosa da re­conciliação nos serve de motivação para servir a Cristo? Somos embaixadores com uma mensagem. Deus nos incumbiu do mi­nistério e da palavra de reconciliação (2 Co 5:18, 19).

O império romano possuía províncias de dois tipos: as províncias senatoriais, consti­tuídas de povos pacíficos, que não se en­contravam em guerra com Roma. Haviam se rendido e se sujeitado ao imperador. E as províncias imperiais, que não eram pacíficas; representavam um perigo, pois, se tivessem oportunidade, certamente se rebelariam contra Roma. Assim, Roma precisava enviar embaixadores a essas províncias com fre­qüência, a fim de garantir que tais rebeliões não ocorreriam.

Uma vez que os cristãos são embaixa­dores de Cristo, isso significa que este mun­do encontra-se rebelado contra o Senhor. No que se refere a Deus, o mundo é uma

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seus embaixadores para declarar paz, e não guerra. "Rogamos que vos reconcilieis com Deus". Somos representantes de Jesus Cris­to (Jo 20:21; 2 Co 4:5). Se os pecadores nos rejeitam e à nossa mensagem, na verdade é a Jesus Cristo que estão rejeitando. Que gran­de privilégio ser embaixadores do céu para os pecadores rebeldes deste mundo!

Quando eu ainda era um jovem pastor, às vezes sentia vergonha de fazer visitas e de confrontar as pessoas com a verdade de Cristo. Então, me ocorreu que, como embai­xador do Rei dos reis, eu era, de fato, extre­mamente privilegiado! Não havia motivo para me envergonhar. Na realidade, as pes­soas a quem eu visitava deveriam sentir-se

gratas por um dos embaixadores de Cristo procurá-las!

Deus não declarou guerra contra o mun­do; a cruz foi sua declaração de paz. Um dia, porém, o Senhor irá declarar guerra e, então, será tarde demais para os que rejei­taram o Salvador (2 Ts 1:3-10). Satanás pro­cura destruir tudo neste mundo, mas Cristo e sua Igreja realizam um ministério de re­conciliação, reintegrando todas as coisas e conduzindo-as de volta a Deus.

O ministério não é uma tarefa simples. A fim de ter sucesso, devemos ser motiva­dos pelo temor de Cristo, o amor de Cristo e a comissão que recebemos dele. Que gran­de privilégio é servir ao Senhor!

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D e C o r a ç ã o P a r a C o r a ç ã o

2 CORÍNTIOS 6 - 7

Estes dois capítulos encerram, de modo sincero e honesto, a explicação de Pau­

lo acerca de seu ministério. O apóstolo diz aos leitores que, apesar das tribulações, ti­nha um ministério vitorioso (2 Co 1 - 2) e glorioso (2 Co 3) e que não poderia sequer pensar em desistir. Seus inimigos o haviam acusado de usar o ministério em benefício próprio, mas ele havia provado que seu mi­nistério havia sido sincero (2 Co 4) e fun­damentado na fé em Deus (2 Co 5). Resta agora, apenas, desafiar o coração dos corin- tios e assegurá-los de seu amor; e é isso o que o apóstolo faz com grande amor por meio de três apelos.

1. Um p e d id o d e a p r e c ia ç ã o (2 Co 6:1-10)A obra Principies of psychology [Princípios de psicologia], de William James, foi con­siderada um clássico e, sem dúvida, foi um trabalho pioneiro em sua área. Mas o autor reconheceu que seu livro sofria de uma "enorme omissão". De acordo com ele: "O princípio mais profundo da natureza hu­mana é o anseio por apreciação"; no en­tanto, James não trata desse princípio em sua obra.

Ao ler 2 Coríntios, temos a forte impres­são de que a igreja não dava o devido valor ao ministério que Paulo havia realizado en­tre eles. Deviam estar defendendo o após­tolo, mas, em vez disso, o obrigavam a se defender. Os coríntios vangloriavam-se dos judaizantes que invadiram a igreja, no en­tanto esses falsos mestres não fizeram coisa alguma por eles. Assim, Paulo os lembra do

Paulo, o evangelista (vv. 1, 2). Paulo é quem havia chegado a Corinto com as boas novas do evangelho e, por meio de seu mi­nistério, fundara a igreja de Corinto. Havia cumprido seu papel de "embaixador" des­crito em 2 Coríntios 5:18-21. O s coríntios foram levados a Cristo por Paulo, não pelos judaizantes.

Mas Paulo não estava certo de que to­dos na igreja que se diziam salvos eram, de fato, filhos de Deus (ver 2 Co 13:5). Em seu apelo para receber a graça de Deus, o após­tolo cita Isaías 49:8. Como resultado da obra reconciliadora de Cristo na cruz (2 Co 5:18, 19), hoje é, verdadeiramente, "o dia da sal­vação". Não há garantia alguma de que qual­quer pecador terá oportunidade de ser salvo amanhã. "Buscai o S e n h o r enquanto se pode achar" (Is 55:6).

Um pastor conversava com uma moça que insistia que tinha tempo de sobra para tomar uma decisão sobre Jesus Cristo. Ele lhe deu uma folha de papel e perguntou:

- Você assinaria uma declaração de que está disposta a adiar sua salvação por um ano?

Ela respondeu que não. Seis meses? Tam­bém não. Um mês? Hesitou, mas a resposta foi não outra vez. Então, ela começou a per­ceber a insensatez de sua argumentação, pois a garantia da oportunidade de salva­ção era apenas para o dia de hoje; assim, entregou a vida a Cristo sem demora.

Paulo> o exemplo (vv. 3-10). Um dos grandes obstáculos para o avanço do evan­gelho é o péssimo exemplo dado por pes­soas que se dizem cristãs. O s incrédulos gostam de usar as incoerências dos cristãos- especialmente pastores - como desculpa para rejeitar Jesus Cristo. Paulo tinha o cui­dado de não fazer coisa algum que pudesse servir de tropeço tanto a incrédulos quanto a cristãos (ver Rm 14). Não desejava que seu ministério fosse desacreditado ("censu­rado") de qualquer maneira por causa de algo em sua vida.

O apóstolo lembra os leitores das pro­vações que suportou por eles (2 Co 6:4, 5). Havia passado por tudo com paciência e

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dificuldades. As aflições são tribulações que nos pressionam, circunstâncias que pesam sobre nós. As privações são as dificuldades diárias da vida, e as angústias são as expe­riências que nos colocam contra a parede e que nos deixam sem saída. O termo grego significa "um lugar estreito".

No entanto, mesmo os não salvos pas­sam por esse tipo de experiência, de modo que Paulo relaciona algumas das tribulações que sofreu por causa da oposição de ou­tros: açoites, prisões e tumultos. Tais coisas lhe sobrevieram em função de seu serviço fiel ao Senhor. Em seguida, cita os sacrifí­cios que fez voluntariamente por amor ao ministério: trabalhos {labores fatigantes), vi­gílias (noites insones) e jejuns (privar-se deliberadamente de alimentos). É evidente que Paulo não havia anunciado tais coisas publicamente. O apóstolo só as menciona nesta epístola aos coríntios para deixar cla­ro seu amor por eles.

Além disso, os lembra dos instrumentos que usara em seu ministério (2 Co 6:6, 7). Pureza significa "castidade" (ver 2 Co 11:2). Longanimidade refere-se à paciência com pessoas difíceis, enquanto a paciência (2 Co 6:4) diz respeito à capacidade de suportar circunstâncias difíceis. Paulo dependeu do poder do Espírito para manifestar os frutos do Espírito como bondade e amor sincero. Usou a Palavra de Deus para transmitir co­nhecimento espiritual e vestiu a armadura de Deus (ver Ef 6:1 Oss) para se proteger dos ataques de Satanás.

Por fim, lembra seus leitores do seu tes­temunho (2 Co 6:8-10), relacionando uma série de paradoxos, pois sabia que nem to­dos o compreendiam, nem a seu ministério. Os inimigos de Paulo haviam relatado que o apóstolo era um enganador sem honra algu­ma. No entanto, Deus havia declarado que Paulo era um homem honrado e sincero. Muitos sabiam quem Paulo era, mas pou­cos o conheciam de fato.

Paulo teve de pagar um alto preço para ser fiel em seu ministério! No entanto, os coríntios não deram o devido valor ao queo apóstolo havia feito por eles. Entristece­ram o coração dele, mas, ainda assim, ele

permaneceu "sempre alegre" em Jesus Cris­to. Tornou-se pobre para que pudessem ser ricos (ver 1 Co 1:5; 2 Co 8:9). O termo gre­go traduzido por "pobre" significa "penúria completa, como aquela de um mendigo".

Paulo estava errado em pedir a aprecia­ção dos coríntios? Creio que não. Muitas igrejas têm a tendência de não valorizar o ministério sacrifical de seus pastores, missio­nários e líderes fiéis. Paulo não exigia louvo­res para si, mas sim lembrava seus amigos em Corinto que havia pago um alto preço para lhes ministrar.

E evidente que, com todo esse testemu­nho pessoal, Paulo refutava as acusações maliciosas dos judaizantes. Acaso e/es ha­viam sofrido por amor ao povo de Corinto? Que preço e/es haviam pago para lhes minis­trar? Como a maioria dos líderes de seitas hoje em dia, esses falsos mestres roubavam os frutos do trabalho alheio em vez de pro­curar ganhar seus próprios convertidos.

Alguém disse bem que: "O único lugar em que podemos encontrar 'gratidão' é no dicionário". Demonstramos gratidão aos que nos ministram?

2 . U m a s ú p l ic a p o r s e p a r a ç ã o (2 Co 6 :1 1 - 7 :1 )Apesar de todos os problemas e tristezas que a igreja lhe causou, Paulo ainda amava pro­fundamente os cristãos de Corinto. Falou- lhes com franqueza e amor, e agora lhes pedia com toda ternura que abrissem o co­ração para ele. Sentiu-se como um pai cujos filhos o privassem do amor que merece (ver1 Co 4:15).

Essa falta de amor por Paulo devia-se ao coração dividido dos coríntios. Faísos mes­tres roubaram o coração deles, arrefecendo seus sentimentos para com o apóstolo. Eram como uma filha noiva, prestes a se casar, que fora seduzida por um pretendente in­digno (ver 2 Co 11:1-3). Os coríntios faziam concessões desonrosas ao mundo, de modo que Paulo suplica que se separem para Deus, da mesma forma que uma esposa fiel reser­va-se para o marido.

Infelizmente, nos últimos anos, a doutri­na importante e essencial da separação tem

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sido mal-entendida e aplicada indevida­mente. Em seu zelo excessivo, alguns cris­tãos sinceros transformaram a separação em isolamento, a ponto de criar uma comu­nhão tão restrita que não são capazes de conviver uns com os outros. Em uma rea­ção a esse radicalismo, há quem vá para outro extremo, derrubando todas as barrei­ras e tendo comunhão com qualquer um, sem levar em consideração as convicções ou o estilo de vida dos outros. Apesar de sua prática do amor cristão ser louvável, não podemos nos esquecer que até mes­mo o amor cristão deve usar de discerni­mento (Fp 1:9-11).

Paulo apresenta três argumentos para tentar convencer esses cristãos de que de­vem manter-se separados daquilo que é con­trário à vontade de Deus.

A natureza do cristão (vv. 14-16). É a natureza que determina a associação. Uma vez que o porco tem a natureza de porco, associa-se com outros porcos no chiqueiro. Uma vez que a ovelha tem a natureza de ovelha, rumina o capim junto com o rebanho no pasto. O cristão possui natureza divina (2 Pe 1:3, 4), portanto, deve ter o desejo de se associar com o que agrada ao Senhor.

O conceito de "jugo desigual" vem de Deuteronômio 22:10: "Não lavrarás com junta de boi e jumento". O boi era um ani­mal limpo para o povo de Israel, enquanto o jumento era impuro (Dt 14:1-8); seria erra­do, portanto, colocar ambos debaixo do mesmo jugo. Além disso, esses animais pos­suem naturezas opostas e sequer são ca­pazes de trabalhar adequadamente em conjunto. Seria cruel atá-los um ao outro. Do mesmo modo, é errado o cristão encon­trar-se sob o mesmo jugo que os incrédulos.

É importante observar os substantivos que Paulo usa: sociedade, comunhão, har­monia e união. Cada uma dessas palavras refere-se à presença de algo em comum. O termo "concórdia" (ou harmonia) dá origem a nossa palavra "sinfonia" e se refere à bela música resultante quando os músicos lêem a mesma partitura e seguem o mesmo re­gente. Que confusão seria se cada músico

Nessas palavras, vemos o que Deus an­seia para seu povo. Ele deseja que comparti­lhemos uns com os outros (sociedade) e que tenhamos em comum (comunhão) as bên­çãos da vida cristã. Deseja que desfrutemos harmonia e união ao viver e trabalhar jun­tos. Quando tentamos andar com o mundo e com o Senhor ao mesmo tempo, rompe­mos a comunhão espiritual e criamos dis­córdia e divisão.

Paulo vê um contraste gritante entre cris­tãos e não cristãos: justiça e iniqüidade; luz e trevas; Cristo e o Maligno; crente e incré­dulo; o santuário de Deus e os ídolos. Como seria possível unir esses opostos? A própria natureza do cristão requer que seja separa­do do que é profano. Quando uma pessoa salva se casa com uma pessoa não salva, cria uma situação impossível, e o mesmo se aplica às sociedades nos negócios e à "co­munhão" religiosa.

Convém observar que, em 2 Coríntios 6:16, o pronome é plural: nós. Assim, Pau­lo está se referindo à igreja local como um todo, não ao cristão individual, como no caso de 1 Coríntios 6:19, 20. Deus habita na igreja local, pois os cristãos são o povo de Deus (ver Êx 6:7; 25:8; Lv 26:12; Ez 37:26, 27). Quando a igreja local abre mão de seu testemunho, é como se o templo fosse profanado.

A ordem das Escrituras (v. 17). Grande parte desta citação é de Isaías 52:11, mas também há paralelos em Ezequiel 20:34, 41. Isaías refere-se à nação cativa deixando a Babilônia e voltando para a própria terra, mas a aplicação espiritual diz respeito à separa­ção do povo de Deus hoje.

A ordem de Deus para seu povo é "retirai- vos", indicando um ato decisivo da parte deles. "Separai-vos" sugere devoção a Deus com um propósito especial. A separação não é apenas um ato negativo de se retirar. De­vemos nos separar do pecado e para Deus. "Não toqueis coisas impuras" é uma adver­tência quanto à contam inação. Para os israelitas do Antigo Testamento, tocar um cadáver ou ter qualquer contato com o flu­xo de uma ferida inflamada provocava a

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hoje não se contamina espiritualmente pelo toque, mas o princípio é o mesmo. Não devemos nos associar com o que pode com­prometer nosso testemunho ou nos levar à desobediência.

O preceito divino da separação pode ser encontrado ao longo de todas as Escrituras. Deus advertiu Israel a não se misturar com as nações pagãs na terra de Canaã (Nm 33:50-56); no entanto, os israelitas deso­bedeceram repetidamente à sua Palavra e foram disciplinados por causa disso. Os pro­fetas suplicaram ao povo incessantemente para que deixassem os ídolos pagãos e se dedicassem inteiramente ao Senhor. Por fim, Deus teve de enviar Israel para o cativeiro na Assíria e Judá para o cativeiro na Babi­lônia. Jesus rejeitou a falsa "separação" dos fariseus, advertiu os discípulos sobre o fer­mento (falsa doutrina) dos fariseus e sadu- ceus e orou pedindo que Deus os guardasse da contaminação do mundo (Mt 16:6, 11; Jo 17:14-17).

Em suas cartas às igrejas, os apóstolos também enfatizaram a pureza doutrinária e pessoal. O cristão pode estar no mundo, mas deve cuidar para não se tornar como o mun­do. A Igreja também deve se separar dos que rejeitam a doutrina dada por Cristo e os apóstolos (Rm 12:1, 2; 16:17-20; Cl 3:1, 2; 1 Tm 6:10, 11; Tt 2 :14; 1 Pe 4:3-6; 1 Jo 4 :6 ). Até mesmo no Livro de Apocalipse podemos encontrar uma ênfase sobre a im­portância de o povo de Deus separar-se do que é falso e contrário à vida de santidade (Ap 2:14-16, 20-24; 18:4ss).

Em nosso desejo de manter a pureza doutrinária e pessoal, não devemos nos tor­nar egocêntricos a ponto de ignorar os ne­cessitados a nosso redor. Jesus foi "santo, inculpável, sem mácula, separado dos peca­dores e feito mais alto do que os céus" (Hb 7:26), no entanto, foi "amigo de publicanos e pecadores!" (Lc 7:34). Como um médico experiente, devemos praticar o "contato sem contam inação". De outro modo, acabare­mos nos isolando das pessoas para as quais mais precisamos ministrar.

A promessa de bênção de Deus (6:17 - 7:1). Quando cremos em Jesus Cristo como

Salvador, Deus se torna nosso Pai, mas não pode ser um Pai para nós, a menos que lhe obedeçam os e que tenhamos com unhão com ele. Deus anseia por nos receber em amor e nos tratar como seus filhos e filhas queridos. A salvação significa que comparti­lhamos a vida do Pai, mas a separação signi­fica que desfrutamos plenamente o amor do Pai. Jesus prometeu esse amor mais profun­do em João 14:21-23.

Deus abençoa os que se separam do pecado e para o Senhor. Abraão deixou Ur dos caldeus, e Deus o abençoou. Então, em um ato de transigência, Abraão foi para o Egito, e Deus teve de discipliná-lo (Gn 11:31- 12:20). Enquanto Israel se manteve sepa­rado das nações pecadoras de Canaã, Deus o abençoou; mas, depois que começou a se misturar com os pagãos, Deus teve de discipliná-lo. Tanto Esdras quanto Neemias precisaram ensinar ao povo novamente o que significava manter-se separado (Ed 9 - 10; Ne 9:2; 10:28; 13:1-9, 23-31).

Todos temos algumas responsabilidades espirituais decorrentes das promessas que Deus nos dá em sua graça (2 Co 7:1). Deve­mos nos purificar, de uma vez por todas, de tudo o que nos contamina. Não basta pedir a Deus que nos purifique. Devemos limpar a vida e nos livrar do que contribui para o pecado. Nenhum cristão pode julgar o ir­mão ou irmã; cada um sabe dos problemas no próprio coração e vida.

Muitas vezes, os cristãos tratam dos sin­tomas, não das causas. Confessamos repe­tidamente os mesmos pecados, pois não chegamos à raiz do problema para nos pu­rificar. Talvez haja alguma "concupiscência da carne", algum "pecado de estimação" que alimenta a velha natureza (Rm 13:14). O u talvez se trate de alguma "torpeza do espírito", uma atitude pecaminosa. O filho pródigo cometeu pecados da carne, mas seu irmão mais velho "virtuoso" cometeu pecados do espírito. Não era sequer capaz de se relacionar com o próprio pai (ver Lc 15:1 1-21).

No entanto, nossa purificação é apenas metade da responsabilidade; também de­vemos "[aperfeiçoar] a nossa santidade no

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tem or de Deus" (2 C o 7 :1 ). Trata-se de um processo constante, à m edida que cresce­mos na graça e no conhecim ento (2 Pe 3 :18). É im portante ser equilibrados. O s fariseus eram zelosos quanto à purificação, mas não se dedicavam a aperfe içoar sua santidade. M as é tolice tentarmos aperfeiçoar a santi­dade, se ainda há pecados m anifestos em nossa vida.

Paulo pediu apreciação e separação e, agora, faz um último apelo em sua tentativa de recuperar o am or e a devoção dos cris­tãos de Corinto.

3 . U m p e d id o de r e c o n c i l i a ç ã o (2 Co 7:2-16)"Alarga-se o nosso coração"; "Dilatai-vos tam­bém vós" (2 C o 6 :11 , 13). "Acolhei-nos em vosso co ração" (2 C o 7 :2 ). "Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo?" (Am 3 :3 ). Se os coríntios purificassem a vida e a congregação, Deus os receberia (2 C o 6:1 7) e poderiam voltar a ter com unhão com Paulo.

A ênfase desta seção é sobre o m odo de Deus encorajar Paulo depois de o após­tolo ter passado por tantas provações na Ásia e em Trôade (ver 2 C o 1 :8-10; 2 :12 , 13). Na verdade, esses vers ícu los apresentam três palavras de estím ulo.

Paulo encoraja a igreja (w . 2-4). A igreja havia recebido Tito ; agora, deveria receber Paulo (2 C o 7 :13). Paulo pede que confiem nele, pois nunca lhes fez nenhum mal. Sem dúvida, trata-se de uma referência aos falsos mestres que acusaram Paulo, especialm ente no caso do term o explorar (ver 2 Co 11 :20). A oposição o acusava de se apropriar indevi­dam ente do dinheiro da oferta m issionária.

Por que é tão difícil convencer as pes­soas de que as amamos? O que mais Paulo poderia fazer para persuadi-los? Estava dis­posto a m orrer por eles, se fosse necessário , pois os levava em seu coração (ver 2 Co 3:1 ss; 6 :11-13 ). Gabava-se deles a outros ("m uito me glorio por vossa causa"), mas eles o criticavam .

M as, apesar desses problemas, Paulo ti­nha motivos de sobra para encorajar a igreja,

e havia surgido a oportunidade de restabe­lecer os v íncu los e restaurar a com unhão. Isso nos leva à segundo palavra de estímulo.

Tito encoraja Paulo (w . 5-10). O primei­ro encorajam ento que Paulo recebeu foi re­encontrar T ito depois de passarem algum tempo separados. Naquele tem po, não era fácil com unicar-se nem viajar, e Paulo teve de depender da providência de Deus para que seus planos quanto à visita de T ito a Corinto funcionassem . (M esm o com o nos­sos m eios de transporte e de com unicação m odernos, con tinuam o s d ep en den d o da providência de Deus.)

No entanto, Paulo tam bém foi encora­jado pelo relato de Tito acerca de sua re­cepção pela igreja de Corinto . O s coríntios leram a "carta dolorosa" de Paulo, arrepen­deram-se de seus pecados e discip linaram os m em bros que haviam criado problemas. Infelizm ente, algumas versões da Bíblia tra­duzem duas palavras gregas com o "arrepen­der", pois cada uma delas tem significado diferente. O termo "arrependo", em 2 C o ­ríntios 7 :8 , significa "lam ento"; o "arrepen­dim ento", em 2 Coríntios 7 :10 , quer dizer "ser contristado".

Paulo havia escrito uma carta severa aos coríntios e lam entava ter sido obrigado a fazê-lo. M as a carta cum prira seu propósito, eles haviam se arrependido, e Paulo alegrou- se com isso. Seu arrependim ento não foi apenas um "rem orso" passageiro ; foi um entristecim ento piedoso por seus pecados. "Porque a tristeza segundo Deus produz ar­rependim ento para a sa lvação , que a nin­guém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz m orte" (2 C o 7 :10 ). Essa diferença fica clara no contraste entre judas e Pedro, judas "se arrependeu" (se encheu de remor­so) e com eteu suicídio , enquanto Pedro cho­rou e se arrependeu verdadeiram ente de sua queda (M t 26 :75 - 27 :5 ).

O s cristãos precisam se arrepender? Je­sus diz que sim (Lc 17:3, 4), e Paulo concorda com ele (2 C o 12 :21). Dentre sete igrejas da Ásia M enor relacionadas em Apocalipse 2 e3, quatro foram cham adas ao arrependim en­to. Arrepender-se significa , sim plesm ente,

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os cristãos desobedientes precisam arrepen­der-se, não a fim de receber a salvação, mas de restaurar sua comunhão mais íntima com Deus.

Os coríntios encorajaram Tito (w. 11- 16). Esforçaram-se ao máximo para fazer a vontade de Deus. Em primeiro lugar, rece­beram Tito e o revigoraram com sua comu­nhão (2 Co 7:13). Alegraram seu coração ao mostrar que tudo o que Paulo havia dito a respeito deles era verdade. Aceitaram a mensagem de Paulo e tomaram as providên­cias necessárias;

Em 2 Coríntios 7:11, Paulo descreve a maneira de tratarem a questão da discipli­na. "Porque quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que, segundo Deus, fostes contristados! Que defesa, que indig­nação, que temor, que saudades, que zelo, que vindita! Em tudo destes prova de estar­des inocentes neste assunto." Paulo animou- se quando Tito lhe contou como os coríntios haviam se arrependido e mostrado zelo e preocupação em fazer o que era certo. Paulo

garantiu-lhes que o propósito de sua carta não era apenas repreender o transgressor e ajudar os ofendidos, mas também provar seu amor pela igreja. Aquela situação causara grande sofrimento a Paulo, mas seu sofrimen­to havia valido a pena, pois o problema fora resolvido.

E extremamente difícil restaurar um re­lacionamento rompido. É o que Paulo pro­cura fazer em 2 Coríntios, especialmente nos capítulos 6 e 7. Infelizmente, há muitos rela­cionamentos rompidos hoje - nos lares, igre­jas e ministérios - , e estes só poderão ser reparados e fortalecidos quando as pessoas encararem seus problemas com honestidade e os tratarem de maneira bíblica e em amor, esforçando-se para colocar a vida em ordem com Deus.

Ao examinarmos nossa vida, devemos tomar o propósito de fazer parte da solu­ção, não do problema. É preciso demonstrar apreciação, praticar a separação e encora­jar a reconciliação, a fim de que Deus nos use para restaurar relações rompidas.

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A G raça de O fertar - P arte 1

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Um dos principais ministérios da terceira viagem missionária de Paulo foi reco­

lher uma "oferta especial" aos cristãos neces­sitados da Judéia. Paulo já os havia ajudado dessa m aneira anteriormente (At 11 :27-30), e se alegrou em poder fazê-lo novamente. É bastante sugestivo que tenha sido Paulo a se lem brar da "bem-aventurança esquecida" de Jesus Cristo : "M ais bem-aventurado é dar que receber" (At 20 :35 ).

A lém da assistência material aos pobres, Paulo tinha outras bênçãos em mente. De­sejava que essa oferta fortalecesse a unida­de da Igreja pela partilha de recursos dos gentios com as congregações de judeus do outro lado do mar. Para o apóstolo, os gen­tios eram "devedores" dos judeus (Rm 15 :25­28 ), e a coleta especial era uma forma de pagar essa dívida.

Essa oferta também deveria servir de evi­dência aos cristãos judeus (alguns dos quais ainda se mantinham extrem am ente zelosos com respeito à Lei) de que Paulo não era ini­migo dos judeus nem de M oisés (At 2 0 :1 7ss). Logo no início de seu ministério, Paulo ha­via prometido lembrar-se dos pobres (G l 2 :6 ­10), e havia se esforçado para cum prir essa promessa; mas, ao mesmo tempo, esperava que a generosidade dos gentios acabasse com a desconfiança dos judeus.

Infelizm ente, os coríntios não faziam a parte deles. C om o tantas pessoas, fizeram prom essas, mas não as cum priam . N a verda­de, um ano inteiro fora desperd içado (2 Co 8 :1 0 ) . O m otivo dessa procrastinação era a falta de esp iritua lidade da igreja. Q u an ­do uma igreja não é espiritual, tam bém não

judaizantes, que provavelmente arrancavam do povo o m áxim o de dinheiro que podiam (2 C o 11:7-12, 20 ; 12 :14).

Pau lo sab ia que seria d ifíc il fa ze r os coríntios participarem , de modo que elevou seu apelo ao mais alto nível espiritual possí­vel: ensinou-lhes que contribuir era um ato de graça. Pauio usa nove palavras diferentes para referir-se à oferta, mas a que emprega com mais freqüência é graça. Contribuir é, verdadeiram ente, um ministério e um ato de comunhão (2 C o 8 :4 ) que ajuda a outros, mas a m otivação deve vir da presença da graça de Deus no coração. Paulo sabia que essa coleta era uma dívida que os gentios tinham para com os judeus (Rm 15:27) e tam­bém um fruto de sua vida cristã (Rm 15 :28); no entanto, ia além : era a obra da graça di­vina no coração humano.

É maravilhoso quando os cristãos partici­pam da graça de contribuir, quando crêem verdadeiram ente que é mais bem-aventura­do dar do que receber. Com o podem os des­cobrir se estamos "ofertando peia graça"? Paulo indica uma série de evidências de que nossa contribuição é motivada pela graça.

1 . C o n t r ib u ím o s a p e sa r d a s c i r c u n s t â n c ia s (2 Co 8:1, 2)A s ig re jas da M aced ô n ia que Pau lo usa com o exem plo haviam passado por grandes d ificuldades, no entanto haviam contribuí­do generosam ente. N ão apenas sofreram "a fliçõ es" , m as tam bém exp erim entaram "m uita prova de tribulação" (2 C o 8 :2 ). En­contravam-se em profunda pobreza, expres­são que significa "m iséria absoluta". O termo grego descreve um mendigo que não tem co isa algum a, nem m esm o esperança de receber algo. É possível que sua situação di­fícil fosse decorrente, em parte, de sua fé cristã, pois talvez tenham perdido empregos ou sido exclu ídos das associações com er­ciais por se recusaram a ter qualquer envol­vim ento com a idolatria.

No entanto, suas circunstâncias não os impediram de contribuir. Pelo contrário : de­ram com alegria e generosidade! Nenhum com putador é capaz de analisar essa fórmu-

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profunda + graça = alegria e generosidade abundantes! Isso nos traz à memória o para­doxo do ministério de Paulo: "pobres, mas enriquecendo a muitos" (2 Co 6:10). Tam­bém nos lembra as ofertas generosas reco­lhidas para a construção do tabernáculo (Êx 35:5, 6) e do templo (1 Cr 29:6-9).

Quando experimentamos a graça de Deus em nossa vida, não usamos as circuns­tâncias difíceis como desculpa para deixar de contribuir. Existem, por acaso, circunstân­cias que nos incentivam a ofertar? Em meu primeiro pastorado, nossa igreja se deparou com a grande necessidade de construir um novo templo; alguns dos membros, porém, se opuseram ao programa de construção por causa da "situação econôm ica". Ao que parece, as siderúrgicas planejavam entrar em greve, e algumas refinarias estavam prestes a fechar as portas; o sistema ferroviário pas­sava por dificuldades... e parecia um momen­to arriscado para construir. No entanto, um número suficiente de pessoas que acredita­vam na prática de "ofertar pela graça" ma­nifestou-se, e foi possível construir o novo templo - apesar das greves, falências, de­missões e outros problemas econômicos. A graça de ofertar é exercitada apesar das circunstâncias.

2. C o n t r ib u ím o s c o m e n t u s ia s m o (2 Co 8:3, 4)É possível contribuir com generosidade, mas sem entusiasmo.

- O pastor disse que devo contribuir até doer - disse o membro sovina de uma igre­ja. - Sinto dor só de pensar em contribuir.

Ao contrário da igreja de Corinto, as igre­jas da Macedônia não precisaram ser incen­tivadas nem lembradas da necessidade em questão. Mostraram-se totalmente dispostas a participar da coleta. Na verdade, rogaram para ser incluídas! (2 Co 8:4). Com que fre­qüência ouvimos faiar de cristãos que im­ploram para alguém levantar uma oferta em sua igreja?

Sua contribuição foi voluntária e espon­tânea. Foi feita pela graça, não por pressão. Ofertaram porque sentiram o desejo de fazê- lo e porque haviam experimentado a graça

de Deus. A graça liberta não apenas dos pecados, mas também de nós mesmos. A graça de Deus abre nosso coração e nossa mão. Nossa oferta não é o resultado de um processo frio e calculista, mas sim de um co­ração ardendo de alegria!

3 . C o n t r ib u ím o s s e g u n d o o ex em p lo d e Je s u s (2 Co 8:5-9)Jesus Cristo é sempre o exemplo supremo a ser seguido pelo cristão em seu serviço, so­frimento ou sacrifício. Como Jesus Cristo, os cristãos da Macedônia entregaram-se a Deus e aos outros (2 Co 8:5). Se nos entregarmos a Deus, não teremos dificuldade em consa­grar ao Senhor nossos bens materiais e em dedicar a vida aos outros. E impossível amar a Deus e ignorar a necessidade do próxi­mo. Jesus Cristo entregou-se por nós (Gl 1:4; 2:20). Acaso não devemos nos entregar a ele? Cristo não morreu por nós para que vi­vêssemos para nós mesmos, e sim para que vivêssemos para ele e para os outros (2 Co 5:15).

Como o sacrifício de Cristo, a oferta dos macedônios foi motivada pelo amor (2 Co 8:7, 8). Que repreensão aos coríntios extre­mamente ricos em bênçãos espirituais (1 Co 1:4, 5)! Estavam tão envolvidos com os dons do Espírito que deixaram de lado as graças do Espírito, inclusive a graça de ofertar. As igrejas da Macedônia viviam em "profunda pobreza" (2 Co 8:2), no entanto superabun- daram em sua grande riqueza. Os coríntios possuíam uma profusão de dons espirituais, no entanto se mostraram negligentes em cumprir a promessa de contribuir com a coleta.

Não devemos jamais argumentar que o ministério de nossos dons espirituais é um substituto para a contribuição generosa.

- Leciono na Escola Bíblica Dominical, portanto não preciso contribuir.

Isso não é uma explicação, mas sim uma desculpa. O cristão que se lembra de que os dons são dádivas de Deus terá motivação para ofertar e não se "esconderá" atrás de seu ministério. Há pastores e missionários que argumentam que, pelo fato de dedica­rem todo seu tempo ao serviço do Senhor,

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não têm obrigação algum a de contribuir. Paulo afirma justam ente o contrário: uma vez que fom os abençoados por Deus de modo m aravilhoso, devem os ter um desejo ainda maior de ofertar!

Paulo toma o cu idado de deixar claro que não está ordenando que contribuam . Na verdade, contrasta a atitude dos mace- dônios com a postura dos coríntios. Ressal­ta que os m acedônios seguiam o exem plo de Jesus: eram pobres e, no entanto, contri­buíram . O s corín tios d iziam que am avam Paulo; agora, ele pedia que provassem esse am or participando da oferta. A contribuição pela graça é uma prova de am or a Cristo, aos servos de Deus que nos ministram e aos que têm necessidades específicas que temos cond ições de suprir.

Por fim, sua oferta foi sacrificial (2 C o 8 :9 ). Em que sentido Jesus é rico? Sem dúvida, em sua pessoa, pois é o Deus eterno. É rico em suas posses e em sua posição com o Rei dos reis. É rico em seu poder, pois é capaz de fazer qualquer coisa. No entanto, apesar de ter todas essas riquezas - e muitas ou­tras - , e/e se fez pobre.

O tem po do verbo indica que se trata de uma referência a sua encarnação , seu nascim ento em Belém . Uniu-se à humanida­de e assumiu form a humana. Deixou seu tro­no para se tornar um servo. Colocou de lado todas as suas posses de modo a não ter se­quer um lugar onde descansar a cabeça. Sua experiência suprem a de pobreza foi quan­do se fez pecado por nós na cruz. O infer­no é a penúria eterna, e, na cruz, Jesus Cristo se tornou o mais miserável dos miseráveis.

Por que ele fez isso? Para que nos tor­nássem os ricos! Isso indica que, antes de conhecerm os Jesus Cristo , éramos pobres e estávam os com pletam ente fa lidos. Agora que crem os nele, porém , com partilham os de todas as suas riqueza! Somos filhos de Deus e "herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo" (Rm 8 :17 ). D iante desse fato, como nos recusar a dar a outros? Cristo se fez po­bre para nos enriquecer! O que nos impede de seguir seu exem plo, com o fizeram as igre­jas da M acedônia, que de sua profunda po-

4 . C o n t r ib u ím o s de b o a v o n t a d e (2 Co 8:10-12)Há grande diferença entre prometer e cum­prir. Um ano antes, os coríntios garantiram a Tito que participariam da coleta especial (2 Co 8 :6), mas não haviam cumprido sua promes­sa. Convém observar que, em 2 Coríntios 8:10-12, Paulo enfatiza a voluntariedade. Con­tribuir pela graça é um gesto que deve vir de um coração disposto e não pode ser resulta­do de coerção nem de constrangimento.

A o longo de meu ministério, presenciei muitos apelos para levantar ofertas. O uvi his­tó rias absu rd as de n ecess id ad e s in a c re ­ditáveis. Forcei-me a rir de piadas velhas e gastas que deveriam me ajudar a contribuir. Fui rep reen d id o , enverg onhad o e quase am eaçado, mas devo confessar que nenhu­ma dessas abordagens me levou a contri­buir além do que eu havia p lanejado. Na verdade, em várias ocasiõ es acabe i o fer­tando menos, de tão desgostoso que fiquei com essas técn icas m undanas. (N o entan­to, nunca cheguei a fazer com o M ark Twain que, segundo seu próprio relato, certa vez, ficou tão aborrecido com um apelo que, além de não contribuir conform e planejara, ainda tirou uma nota de dentro do prato que estava sendo passado!)

Devem os ter cuidado para não confun­dir disposição com ação, pois as duas coi­sas devem andar juntas. Se a d isposição é sincera e está dentro da vontade de Deus, deve ser "[levada] a term o" (2 C o 8 :1 1 ; Fp 2 :12 , 13). Paulo não afirm a que a disposi­ção é um substituto para a ação, pois não é. No entanto, se nossa contribuição é moti­vada pela graça, darem os de boa vontade, não porque fomos forçados a fazê-lo.

Deus vê a oferta que vem do coração, não apenas das mãos. Se o coração desejava dar com mais generosidade, mas não teve meios, Deus vê esse desejo e providencia para que seja devidamente registrado. Mas se as mãos dão mais do que o coração deseja, Deus tam­bém vê e registra o que está no coração, por maior que tenha sido a oferta das mãos.

Um amigo meu estava saindo para uma viagem de negócios, quando a esposa o lem-

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dinheiro para as despesas da casa. Pouco antes da coleta de ofertas na igreja, ele co­locou algum dinheiro na mão da esposa. Ela pensou que era a oferta semanal deles e colocou tudo no prato de coleta. Na verda­de, aquele era o dinheiro para as despesas da semana inteira.

- Pois bem - disse meu amigo - , entrega­mos ao Senhor, e ele registrou nossa oferta.

- Quanto você pretendia dar? - pergun­tou o pastor, e meu amigo falou a quantia. - Então foi isso que Deus registrou - disse o pastor, - pois ele vê a intenção do coração!

Deus não vê a porção, mas sim a pro­porção. Se podíamos dar mais e não o fize­mos, Deus sabe. Se desejávamos dar mais e não tínhamos como, Deus também sabe. Quando contribuímos voluntária e alegre­mente, de acordo com o que temos, oferta­mos pela graça.

5 . C o n t r ib u ím o s p e la fé (2 Co 8:13-24)Paulo não está sugerindo que os ricos de­vam ficar pobres para que os pobres fiquem ricos. Seria imprudente um cristão contrair dívidas a fim de aliviar a outros de seus com­promissos financeiros, a menos, é claro, que tivesse os meios para arcar com essa res­ponsabilidade e pagar a dívida. Paulo vê no procedimento todo uma "igualdade": os gentios foram espiritualmente enriquecidos pelos judeus, de modo que os judeus deve­riam ser materialmente enriquecidos pelos gentios (ver Rm 7 5:25-28). Além disso, as igrejas gentias daquela época desfrutavam mais riquezas materiais, enquanto os cristãos da Judéia sofriam privações. Um dia, a situa­ção poderia se inverter, e os judeus pode­riam ajudar os gentios.

É Deus quem promove essa igualdade, e, para ilustrar esse princípio, Paulo usa o milagre do maná (Êx 16:18). Não importava quanto maná os israelitas juntassem a cada dia, sempre tinham o que precisavam. Os que tentavam guardar o maná descobriam que isso não era possível, pois o alimento se deteriorava e cheirava mal (Êx 16:20). A lição é clara: devemos guardar o que preci­samos, compartilhar o que podemos e não

tentar acumular as bênçãos de Deus. Se crer­mos em Deus e obedecermos à sua Palavra, ele suprirá todas as nossas necessidades.

Nossa motivação para dar é a bênção espiritual de Deus em nossa vida, mas a me­dida de nossa contribuição deve ser a bên­ção material de Deus. Paulo deixa isso claro em sua primeira carta aos coríntios: "cada um de vós ponha de parte, em casa, confor­me a sua prosperidade" (1 Co 16:2). Paulo não apresenta uma fórmula matemática, pois a contribuição pela graça não se limita ao dízimo (10%). Trata-se de uma contribuição sistemática, mas não legalista. Não se satis­faz com o mínimo, qualquer que seja.

Uma vez que é Deus quem faz "o balan­ço do livro-caixa", não podemos acusar Pau­lo de pregar algum tipo de comunismo. Na verdade, 2 Coríntios 8:13 é uma declaração direta contra o comunismo. O chamado "co­munismo" da Igreja primitiva (At 2:44-47; 4:32-37) não tem qualquer relação com os sistemas econôm icos m odernos. Como muitos dos cristãos de hoje, os primeiros cristãos compartilharam voluntariamente aquilo que tinham, sem forçar outros a parti­cipar. Foi uma situação temporária, e o fato de Paulo precisar levantar uma oferta espe­cial para suprir as necessidades do povo da Judéia mostra que não se esperava que esse "comunismo" fosse imitado pelas gerações futuras de cristãos.

A oferta pela graça é uma questão de fé: obedecemos a Deus e cremos que ele su­prirá nossas necessidades, enquanto aju­damos a suprir as necessidades de outros. Assim como os israelitas juntavam o maná todos os dias, também devemos depender de Deus e lhe pedir: "o pão nosso de cada dia dá-nos hoje" (Mt 6:11). Não devemos desperdiçar o que Deus nos dá nem acumu­lar bens egoisticamente. Dentro da vontade de Deus, é correto poupar. (Na sexta-feira, os israelitas guardavam maná suficiente para comer no sábado, e o alimento não estraga­va [Êx 1 6:22-26].) Mas fora da vontade de Deus, a riqueza que acumulamos nos preju­dicará (ver Tg 5:1-6).

Começando em 2 Coríntios 8:16, Paulo muda repentinamente de enfoque e passa

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de princípios espirituais profundos a alguns conselhos práticos sobre a forma de fazer a coleta especial. Apesar de ser verdade que ofertar pela graça é uma questão de fé, tam­bém é verdade que esse tipo de oferta não é aleatório. O cristão que com partilha com outros deve se certificar de que sua contri­bu ição está sendo adm inistrada de m odo honesto e apropriado.

Ao longo dos anos, tenho tentado incen­tivar o povo de D eus a apoiar m inistérios idôneos. M uitas vezes, tenho de alertar um m em bro da igreja para não contribuir com algum a organização irresponsável, só para descobrir depois que a pessoa ignora meu aviso. Então, alguns m eses depois, essa mes­ma pessoa me procura d izendo:

- M andei um cheque para aquela institui­ção e descobri que não passa de uma fraude!

- Eu avisei para você não contribuir - respondo calm am ente.

- O Senhor conhece o meu coração - argum enta o contribuinte ludibriado. - Ape­sar de o dinheiro ter sido desperdiçado, re­ceberei crédito por isso no céu.

A co n tribu ição pela graça não é uma prática insensata. M esm o na igreja local, as pessoas que lidam com o dinheiro devem ter certas qualificações. Paulo era extrem a­mente cuidadoso com os fundos que rece­bia, pois não desejava ficar conhecido com o um "santo larápio". A s igrejas que participa­ram da o ferta esco lheram representantes para v ia jar com Paulo e se certificar de que tudo seria feito com honestidade, decência e ordem .

Em uma classe de Escola Bíb lica Dom ini­cal de uma das igrejas que pastoreie, obser­vei que havia apenas um rapaz recolhendo as ofertas, contando o dinheiro, registrando o valor e depois levando tudo para o escri­tório. D o modo mais delicado possível, suge­ri que estava se co locando em uma situação arriscada, pois se alguém o acusasse de al­guma coisa, não teria com o provar que ha­v ia lidado honestam ente com o dinheiro.

- C o n fio em você - disse. - M as não confio nas pessoas que o podem estar ob­servando e tentando encontrar motivos pa-

Em vez de seguir meu conselho, o rapaz se exasperou e saiu da igreja.

H om ens e m ulheres de todo m inistério cristão - seja a igreja local, uma organiza­ção m issionária ou cam panha evangelística- devem ter as seguintes qualificações a fim de lidar com o dinheiro de Deus.

Um desejo dado p o r D eus de servir (w . 16, 17% Paulo não "recrutou" T ito ; o rapaz sentiu no coração o desejo de ajudar a co­letar a oferta especial. É com um nas igrejas locais ver hom ens e mulheres serem co loca­dos para trabalhar na tesouraria sem terem um desejo sincero de servir a D eus dessa maneira. Acim a de tudo, a pessoa que lida com o dinheiro do Senhor deve ter o cora­ção em ordem com Deus.

U m senso de resp onsa bilid ad e para com as almas perdidas (v. 18). Não sabe­m os quem era esse irm ão, m as agradece­mos a Deus por testem unhar do evangelho. Talvez fosse um evangelista; pelo m enos, era conhecido nas igrejas com o alguém que se sentia respo nsáve l pe las a lm as perd idas. M uitas igrejas locais co locam aqueles que têm mais facilidade de testem unhar para tra­balhar nas áreas de evangelism o e missões, o que é certo ; mas algumas dessas pessoas também devem ser co locadas na tesouraria ou no conselho curador, a fim de garantir prioridades corretas. Sei de com issões que aprovaram quantias exorbitantes para cons­tru çõ es e equ ipam entos, m as que se re­cusaram a dar um centavo para m inistérios evangelísticos.

Certa vez , um jovem pastor desanim ado veio pedir meu conselho.

- O pessoal da tesouraria da igreja está m orrendo de m edo. Por causa da situação eco n ô m ica , recusam -se a liberar recursos para qualquer co isa... Enquanto isso, temos fundos sobrando no banco!

M esm o sem conhecer ninguém da tesou­raria dessa igreja, posso d ize r um a co isa : essas pessoas precisavam sentir responsabi­lidade pelas almas perdidas.

Um desejo de honrar a D eus (v. 19). M uitas vezes, os relatórios financeiros glori­ficam a igreja ou um certo grupo de contri-

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da igreja, não existe divisão entre "secular e sagrado", "negócios e ministério". Tudo o que fazem os são "negócios sagrados" e ministério para o Senhor. Quando os estatu­tos da igreja dizem que os diáconos (ou presbíteros) devem cuidar de "questões es­pirituais" da congregação, enquanto os curadores tratam de "questões materiais e fi­nanceiras", faz uma distinção que não é bí­blica. Não há nada mais espiritual dentro da igreja do que usar o dinheiro com sabedoria para o ministério.

Podemos glorificar a Deus usando o que ele nos concede da forma como quer. Se as pessoas que cuidam das finanças da igreja não tiverem o desejo de glorificar a Deus, logo estarão usando seus recursos de manei­ras que envergonharão o nome do Senhor.

Uma reputação de honestidade (w. 20- 22). Paulo deixa claro que ficaria feliz com a companhia dos representantes das igrejas colaboradoras, pois desejava evitar qualquer acusação. Não basta dizer: "O Senhor sabe o que estamos fazendo!" Devemos nos cer­tificar de que as pessoas também sabem o que fazemos. Gosto da maneira como J. B. Phillips traduz 2 Coríntios 8:21: "Naturalmen­te, desejamos evitar até o mais leve sopro de crítica na distribuição das ofertas e ser intei­ramente honestos não apenas aos olhos de Deus, mas também aos olhos dos homens".

Pessoalmente, não contribuiria para um missionário ou obreiro cristão que não é li­gado a alguma organização ou instituição idônea. Também não daria minha oferta a qualquer ministério que não presta contas a seus contribuintes. Não estou dizendo que obreiros cristãos free-lance sejam irresponsá­veis; mas teria mais confiança se seus minis­térios fossem ligados a alguma organização que supervisionasse o sustento financeiro.

É interessante observar a ênfase de 2 Co­ríntios 8:22 sobre o zelo. Se há uma qualida­de essencial para cuidar das finanças é o zelo. Sei de igrejas cujos tesoureiros não mantiveram um registro atualizado das recei­tas e despesas e que entregaram relatórios

anuais feitos com total desleixo, alegando que "estavam ocupados demais para man­ter o livro-caixa atualizado". Se esse era o problema, não deveriam sequer ter aceitado o cargo!

Um espírito cooperativo (vv. 23, 24).Tito não apenas se dedicava de coração a seu ministério (2 Co 8:16), mas também sa­bia como trabalhar em equipe. Paulo o cha­ma de "companheiro e cooperador". Tito não era como o membro de certa comissão da qual ouvi falar. Na primeira reunião, esse indivíduo disse:

- Enquanto eu estiver nesta comissão, nenhuma votação será unânime!

Os membros da tesouraria não são do­nos do dinheiro; ele pertence ao Senhor. Os tesoureiros são apenas despenseiros que ad­ministram os fundos com honestidade e pru­dência a serviço do Senhor. É importante observar que Paulo também considera a comissão um grupo de servos das igrejas. A coleta dessa oferta especial foi um esfor­ço cooperativo das igrejas gentias, e Paulo e os representantes serviram apenas de "mensageiros" dessas igrejas. O termo gre­go é apostolos, do qual vem nossa palavra "apóstolo - aquele que foi enviado com uma comissão especial". Esses cristãos consagra­dos sentiam-se compelidos a trabalhar para a igreja de modo honesto e bem-sucedido.

Ofertar pela graça é uma aventura emo­cionante! Quando aprendemos a contribuir "pela graça [...] mediante a fé" (da mesma forma como fomos salvos - ver Ef 2:8, 9), começamos a experimentar uma libertação maravilhosa das coisas e das circunstâncias. Começamos a controlar as coisas ao invés de ser controlados por elas, desenvolvendo novos valores e prioridades. Não medimos mais a vida ou as demais pessoas com ba­se no dinheiro e nos bens. Se o dinheiro é o maior indicador de sucesso, Jesus era um fracassado, pois era um Homem pobre!

A contribuição pela graça nos enriquece, à medida que enriquecemos a outros e que nos tornamos mais semelhantes a Cristo.

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A G raça de O fertar - P arte 2

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Co n s id e ra n d o quanto D e u s tem nos dado, é estranho que nós, cristãos, pre­

cisem os de incentivo para contribuir. D eus havia enriquecido os coríntios de m aneira m aravilhosa, no entanto hesitavam em com ­partilhar o que tinham com outros. Não es­tavam acostum ados a ofertar pela graça, de m odo que Paulo teve de lhes exp licar esse co nce ito . D epo is dessa exp licação , Paulo tentou m otivá-los a p a rt ic ip a r da o fe rta especia l com partilhando c inco palavras de estím ulo re lacionadas à contribu ição pela g raça.

1* N o s s a c o n t r i b u i ç ã o e s t im u la r á a o u t r o s (2 Co 9:1-5)Apesar de não ser correto os cristãos com ­petirem entre si no serviço do Senhor, deve­mos "[considerar] tam bém uns aos outros, para nos estim ularm os ao am or e às boas obras" (H b 10 :24 ). Q uando vem os o que Deus faz na vida de outros e por m eio deles, devem os nos esforçar para também lhe ser­vir melhor. H á uma linha muito tênue que divide a im itação carnal e a em ulação espiri­tual, e devem os ser cautelosos. No entanto, o zelo cristão pode ser uma form a de insti­gar a igreja e de m otivar as pessoas para orar, trabalhar, testem unhar e contribuir.

É interessante observar que Paulo usou o ze lo dos co rín tios para desafiar os ma- ced ô n io s , m as agora usava as ig rejas da M acedônia para desafiar os coríntios! Um ano antes, os coríntios haviam se com pro­metido, com todo entusiasmo, a participar da oferta, mas até então não haviam tom ado qualquer providência nesse sentido. As igre-

e Paulo tem ia ter se gloriado dos coríntios em vão.

O apóstolo enviou Tito e outros irmãos a Corinto a fim de incentivá-los a participar da oferta. M uito mais importante do que o dinheiro , em si, eram os benefícios espiri­tuais que a igreja desfrutaria, se contribuís­se em resposta à graça de Deus em sua vida. Paulo havia escrito à igreja anteriorm ente para d izer com o realizar a coleta das contri­bu ições (1 Co 16:1-4), de m odo que não tinham desculpas para sua dem ora. Paulo desejava que a contribuição total estivesse preparada quando ele e sua com issão es­pecial chegassem , para que não houvesse co letas de últim a hora na igreja, dando a impressão de uma im posição.

Com isso, Paulo desejava evitar qualquer constrangimento para si m esm o e para a igre­ja , caso a oferta não estivesse pronta. A fi­nal, havia vários representantes das igrejas da M acedônia na com issão especial (ver At 20 :4 ). Paulo havia se gloriado da igreja de Corinto para os m acedônios e tem ia que o havia feito em vão.

Ao que parece, Paulo não v ia nada de errado ou de não espiritual em pedir que as pesso as assum issem o co m p ro m isso de ofertar. Não lhes d izia quanto deveriam pro­meter, mas esperava que cum prissem sua promessa. Q uando uma pessoa faz uma as­sinatura de uma linha telefônica, por exem ­p lo , se co m pro m ete a pagar ce rto va lo r m ensalm ente. Se é aceitável assum ir com ­promissos desse tipo para coisas com o telefo­nes, carros e cartões de crédito, certam ente deve ser aceitável fazer o m esm o para a obra do Senhor.

É im portante observar as palavras que Paulo usa ao escrever sobre a coleta. É uma "assistência a favor dos santos", um serviço para os irmãos em Cristo . Tam bém é uma "expressão de generosidade" (2 C o 9 :5 ), ou seja, uma dádiva generosa. É possível que Paulo este ja in sinuando que os co rín tio s devem dar mais do que haviam planejado?

No entanto, o apóstolo tom a cu idado para não co lo ca r qualquer pressão sobre eles. D ese ja que sua dádiva seja um a "ex-

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desprendim ento] e não de avareza [algo extraído deles à força]". Os apelos que pres­sionam a pessoa a ofertar não fazem parte da contribuição pela graça.

Nosso grande incentivo para contribuir é o fato de que isso agrada ao Senhor, mas não há nada de errado em praticar o tipo de oferta que estimula outros a contribuir. Isso não significa que devem os anunciar aos quatro ventos aquilo que fazemos como in­divíduos, pois esse tipo de prática violaria um dos princípios fundamentais da contri­buição, que é dar ao Senhor em segredo {Mt 6:1-4). Paulo está escrevendo às igrejas; e não é errado uma congregação anunciar qual foi sua oferta coletiva. Se nossa motiva­ção é a vanglória, não estamos ofertando pela graça. Mas, se nosso desejo é estimu­lar a outros a compartilhar, então a graça de Deus pode operar por meio de nós e ajudar a outros a contribuir.

2. N o s s a c o n t r ib u iç ã o n o s a b e n ç o a r á (2 Co 9:6-11)"Dai, e dar-se-vos-á" {Lc 6 :38) - essa foi a promessa que Jesus fez e que continua va­lendo nos dias de hoje. A "boa m edida recalcada" que ele usa para nos dar nem sempre é em dinheiro ou bens materiais, mas sempre vale muito mais do que o que de­mos. Ofertar não é algo que fazemos, mas algo que somos. É um estilo de vida para o cristão que compreende a graça de Deus. O mundo simplesmente não entende uma declaração com o a que encontramos em Provérbios 11:24: "A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais; ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á em pura perda". Na contribuição pela graça, nossa motivação não é "conseguir" alguma coisa, mas as bênçãos de Deus que recebem os são alguns dos benefícios adicionais.

A fim de que nossa contribuição nos abençoe e edifique, devemos ter o cuidado de seguir os princípios explicados por Paulo nesta seção.

O princípio do crescimento; ceifamos na medida em que semeamos (v. 6). Esse princípio não precisa ser explicado em de­talhes, pois o vemos em funcionamento em

nossa vida diária. O agricultor que planta muitas sementes terá maior probabilidade de colher uma safra abundante. O investidor que coloca uma grande soma de dinheiro no banco, sem dúvida, receberá mais divi­dendos. Quanto mais investirmos na obra do Senhor, mais "frutos" teremos (Fp 4:10-20).

Sempre que somos tentados a nos es­quecer desse princípio, devemos nos recor­dar de que Deus demonstrou para conosco generosidade suprem a. "Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?" (Rm 8 :32). Tanto em sua natureza quando em sua graça, Deus é um Doador generoso; o que deseja ser piedoso deve seguir o exem­plo divino.

O princípio da intenção: ceifamos o que semeamos pelos motivos certos (v. 7). Para o agricultor, a motivação não faz dife­rença alguma! Se ele plantar sementes boas e o tempo cooperar, terá sua colheita, quer esteja trabalhando pelo lucro, por prazer ou por orgulho. Não importa de que maneira pretende usar o dinheiro que receber - a colheita provavelmente virá.

No entanto, o mesmo não se aplica ao cristão: a motivação ao contribuir {ou em qualquer outra atividade) é de importância vital. Nossa contribuição deve ser feita de coração, e a motivação do coração deve ser agradável a Deus. Não devemos ser "contri­buintes tristes", que dão de má vontade, ou "contribuintes zangados", que dão porque precisam ("por necessidade"); antes, de­vemos ser "contribuintes contentes", com ­partilhando com alegria o que temos, pois experimentamos a graça de Deus. "O gene­roso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre" (Pv 22:9).

Se não podemos dar com alegria (o ter­mo grego usado nessa passagem é o radical de nossa palavra hilariante), devemos abrir o coração ao Senhor e pedir que nos conceda sua graça. Sem dúvida, Deus pode abençoar a oferta entregue por senso de dever, mas não abençoará o que dá a oferta a menos que seu coração esteja em ordem. Ofertar pela graça significa que Deus abençoa não

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apenas a contribuição , mas tam bém o con­tribuinte, e que este se torna uma bênção a outros.

O princípio do imediatísmo: colhemos até mesmo enquanto estamos semeando (w . 8-11). O agricultor precisa esperar pela co­lheita, mas o cristão que contribui pela graça com eça a colher imediatamente. Por certo, nossa contribu ição traz benefícios a longo prazo, mas também há bênçãos imediatas.

Em prim eiro lugar, com eçam os a com ­partilhar a graça abundante de Deus (2 Co 9 :8 ). A s "declarações universais" desse ver­sículo são extraordinárias: toda graça; sem­pre ; em tudo, ampla suficiência ; em toda boa obra. Isso não significa que Deus enriquece todos os cristãos com coisas materiais, mas significa que os cristãos que dão ofertas pela graça sem pre terão tudo de que precisarem , quando precisarem . A lém disso, a graça de Deus enriquece o servo do Senhor, moral e esp iritua lm ente , de m odo que cre sce em caráter cristão. Em sua cam inhada e em sua obra, depende inteiram ente da su ficiência de Deus.

É perturbador ver quantos cristãos, hoje em d ia, dependem in te iram ente uns dos outros no que se refere a seus recursos espi­rituais. O s pastores não conseguem preparar um serm ão a menos que o tom em em pres­tado de um livro ou fita. O s líderes da igreja ficam transtornados quando surgem proble­mas e só descobrem o que fazer depois que ligam para dois ou três pastores conhecidos. M uitos m em bros da igreja precisam consul­tar o pastor sem analm ente para não esm o­recer na fé.

O term o suficiência significa "recursos interiores adequados" (ver Fp 4 :1 1 ) . Jesus Cristo nos capacita a enfrentar as exigências da vida. Com o cristãos, precisam os ajudar e encorajar uns aos outros, mas não devem os depender uns dos outros. Nossa dependên­cia deve ser apenas do Senhor. Somente ele pode nos dar aquela "fonte a jorrar" no co­ração que nos torna suficientes para a vida (Jo 4 :1 4 ).

Não com partilham os apenas a graça de Deus, mas tam bém sua justiça (2 C o 9 :9 ).

112 :9 . Esse salmo descreve o hom em justo que não receia co isa algum a, pois seu cora­ção é sincero e temente a Deus. Paulo não sugere que passam os a ser merecedores da justiça porque ofertamos, pois o único m eio de ser justificados é pela fé em Jesus Cristo . N o entanto, quando nosso coração está em ordem , nossa contribu ição será usada por D eus para to rnar nosso ca rá te r ju sto . A contribu ição pela graça constró i o caráter cristão .

Colhem os o que sem eam os e participa­mos da m ultip licação m aravilhosa que Deus realiza daquilo que damos e fazem os (2 C o 9 :10 ). O agricultor deve decid ir a porção de grãos que precisará arm azenar com o alim en­to e a porção que usará com o sem ente. Se a colheita foi pouca, terá m enos grãos tanto para alimento com o para o plantio. M as o cristão que acred ita na con tribu ição pela graça não precisa preocupar-se com essa decisão : D eus supre todas as suas neces­sidades. H á sempre "pão" espiritual e mate­rial para a alim entação e "sem ente" espiritual e material para o plantio.

Nessa passagem, Paulo se refere a Isaías 55 :10 , 11, trecho que usa a "sem ente" e o "pão" para falar tanto da Palavra de Deus quanto da colheita literal no cam po. É im­possível dividir a vida cristã em "secu lar" e "sagrada". A contribu ição financeira é um ato tão espiritual quanto cantar hinos ou dis­tribuir folhetos evangelísticos. O dinheiro é semente. Se ofertarmos de acordo com os princípios da graça, ele se m ultiplicará para a glória de Deus e suprirá muitas necessida­des. Se o usarm os de outras form as além daquela que D eus deseja , a co lhe ita será escassa.

Por fim , à m edida que sem earm os, sere­mos enriquecidos e enriquecerem os a outros (2 C o 9 :11 ). O agricultor co lhe benefícios físicos im ediatos ao trabalhar em seu cam ­po, mas para receber os frutos da colheita, precisa esperar. O cristão m otivado pela gra­ça co lh e as b ên ção s do en riq u ec im en to pessoal na própria vida e caráter, e esse en­riq uecim ento transform a-se em b en e fíc io para outros. O resultado final é glória para

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de ressaltar que a contribuição pela graça não é um sistema de crédito; redunda em ação de graças a Deus. Somos apenas canais que Deus usa para suprir as necessidades de outros.

Mas 2 Coríntios 9:11 ensina mais uma verdade: Deus nos enriquece para que nos­sa contribuição seja ainda mais abundante. Uma das alegrias de ofertar pela graça é poder dar cada vez mais. Tudo o que temos- não apenas nossa renda - pertence a Deus, é dado por Deus e usado por Deus para realizar sua obra. Somos enriquecidos em tudo, pois compartilhamos tudo com ele e com os outros.

Com o pastor, tenho observado jovens cristãos aplicarem esses princípios da con­tribuição pela graça e começar a crescer. É uma grande alegria vê-los crer em Deus e ofertar motivados pela graça. Ao mesmo tempo, também tenho visto outros cristãos simplesmente sorrirem ao ouvir falar desses princípios e, aos poucos, se tornarem cada vez mais pobres. Alguns "prosperam" finan­ceiramente, mas sua renda acaba sendo sua ruína e não os enriquece de fato. Recebem sua recompensa, mas perdem as oportuni­dades de enriquecimento espiritual.

Ofertar pela graça significa que cremos, realmente, que Deus é o grande Doador e que usamos os recursos materiais e espiri­tuais de acordo com essa convicção. É im­possível ser mais generoso do que Deus!

3 . N o s s a c o n t r ib u iç ã o s u p r ir á n e c e s s id a d e s (2 C o 9 :1 2 )Paulo introduz uma nova palavra para a contribuição: assistência. O termo refere-se ao "serviço sacerdotal" e, desse modo, Pau­lo mais uma vez eleva a prática de ofertar ao nível mais alto possível. Considera essa coleta um "sacrifício espiritual" apresenta­do a Deus, da mesma forma que um sacer­dote apresentava um sacrifício no altar.

O s cristãos não oferecem mais animais como sacrifício a Deus, pois a obra de Cris­to na cruz declarou o fim do sistema levítico (Hb10:1-14). Mas, se forem entregues em nome de Jesus, as ofertas materiais que le­vamos para o Senhor tornam-se "sacrifícios

espirituais" (Fp 4:10-20; Hb 13:15, 16; 1 Pe 2 :5 ).

No entanto, a ênfase em 2 Coríntios 9:12 é sobre o fato de que sua oferta supriria as necessidades dos cristãos carentes na Ju- déia. "Porque o serviço desta assistência não só supre a necessidade dos santos, mas também redunda em muitas graças a Deus" (2 Co 9:12). O s cristãos gentios poderiam ter encontrado várias desculpas para não contribuir, como, por exemplo: "a escassez de alimentos e a pobreza na Judéia não são culpa nossa!"; ou "as igrejas mais próximas da Judéia é que deveriam ajudar"; ou ainda, "cremos na importância de ofertar, mas tam­bém acreditamos que devemos cuidar pri­meiro de nossos necessitados".

Quando um cristão começa a inventar desculpas para não contribuir, sai automati­camente da esfera da contribuição pela gra­ça. A graça nunca procura um motivo: busca apenas uma oportunidade. Se há uma neces­sidade a ser suprida, o cristão controlado pela graça fará o que estiver a seu alcance para supri-la.

"Por isso, enquanto tivermos oportuni­dade, façam os o bem a todos, mas prin­cipalmente aos da família da fé" (G l 6:10). Paulo admoesta os cristãos ricos "que pra­tiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir" (1 Tm 6 :18). A maioria de nós não se considera rica, mas para os padrões de muitas partes do mundo, somos, de fato, abastados.

No entanto, não somos nós que deve­mos receber a glória; o Senhor é que deve ser glorificado (Mt 5:16). Muitos darão gra­ças a Deus porque nossas contribuições supriram suas necessidades. Podemos não ouvir essas ações de graça aqui na Terra hoje, mas as ouviremos no céu quando a Igreja estiver reunida.

Convém observar aqui o uso que Paulo faz do conceito de abundância ao escrever esta epístola. Ele começa a carta com um sofrimento abundante igualado por um con­solo abundante (2 Co 1:5). Também fala de graça abundante (2 Co 4:15) e de alegria e generosidade abundantes (2 Co 8 :2 ). Por causa da abundância da graça de Deus,

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po dem os "[su p e rab u n d ar] em toda boa obra" (2 Co 9 :8 ). Para o apóstolo, a vida cristã é abundante, pois Jesus Cristo nos dá sufi­ciência em todas as situações.

Nossa contribuição deve ter com o obje­tivo suprir as necessidades, não subsidiar luxos. Há carências importantes a ser supri­das, e nossos recursos não podem ser des­perdiçados. Por certo, a necessidade, em si, não é o único motivo de contribuirm os, pois sem pre vai haver mais necessidades do que um cristão ou uma igreja será capaz de su­prir; no entanto, a carência propriamente dita é im portante . A lgum as necessidades são maiores do que outras, e algumas são mais estratégicas do que outras. Precisam os de inform ações exatas e de discernim ento es­piritual ao procurar suprir as muitas carên­cias a nosso redor hoje.

4 . N o s s a c o n t r i b u i ç ã o g l o r if i c a r á a D e u s (2 Co 9:13)"Assim brilhe tam bém a vossa luz diante dos hom ens, para que vejam as vossas boas obras e g lorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (M t 5 :16 ). Esse é um dos aspectos mais adm iráveis da contribuição na igreja: nenhum indivíduo leva a glória que perten­ce som ente a Deus.

Q u a is seriam os m o tivos de ag rade­cim ento dos cristãos judeus? Sem dúvida, louvariam a Deus pela generosidade das igre­jas gentias ao suprir suas necessidades físi­cas e m ateriais. M as tam bém louvariam a Deus pela submissão espiritual dos gentios, sua obediência ao Espírito de Deus que lhes deu o desejo de contribuir. D iriam : "Esses gentios não apenas pregam o evangelho, mas também o praticam !"

A expressão e para todos, no final des­te versícu lo (2 C o 9:1 3), é sugestiva. O s cris­tãos judeus dariam graças porque outros tam bém recebiam a assistência das igrejas gentias. Cada pequena congregação auxi­liada seria grata por essa ajuda e pela aju­da dada a outros. Em vez de perguntar: "Por que nós não recebem os m ais?", louvariam a D eus porque outros necessitados seriam ajudados. É assim que funcio na a co n tri­buição pela graça.

Pode ser bastante proveitoso a igreja analisar se alguém está dando graças a Deus por nossa obediência e generosidade. Não há ze lo ou adoração que com pense pelas oportunidades perdidas de servir a outros e de suprir suas necessidades práticas. Não são atividades mutuamente exclusivas. A fim de que nossa luz brilhe de maneira intensa e constante, deve haver um equilíbrio entre com partilhar o evangelho e atender às ne­cessidades práticas. Alguém disse bem que é difícil pregar o evangelho a um hom em faminto (ver Tg 2 :15 , 16).

Lembro-me de ler sobre um cristão rico que, em seu culto dom éstico diário, orava pelas necessidades dos m issionários que sua igreja sustentava. Certo dia, depois que o pai term inou de orar, o filho pequeno lhe disse:

- Pai, se eu tivesse seu talão de cheques, poderia responder a suas orações!

Q u e m enino perspicaz!

5 . N o s s a c o n t r i b u i ç ã o p r o m o v e r á a u n iã o d o p o v o d e D e u s (2 Co 9:14, 15)Por certo, este era um dos principais objeti­vos de Paulo ao desafiar as igrejas gentias a ajudar os cristãos judeus. O s legalistas da igreja haviam acusado Paulo de opor-se aos judeus e à Lei. As igrejas gentias encontra­vam-se afastadas da "igreja m ãe" em Jerusa­lém, tanto em term os geográficos quanto culturais. Paulo desejava evitar uma divisão da igreja, e essa oferta faz ia parte de seu plano de prevenção.

De que maneira a oferta criaria vínculos mais estreitos entre as congregações de cris­tãos judeus e gentios? Em primeiro lugar, era uma expressão de amor. O s gentios não ti­nham obrigação de contribu ir (apesar de Paulo considerar essa oferta o pagamento de uma "dívida espiritual"; ver Rm 15:25-27), mas o fizeram pela graça de Deus. O s ju­deus, por sua vez, se sentiriam mais ligados a seus irmãos e irmãs gentios.

Outro vínculo espiritual seria a oração. "Enquanto oram eles a vosso favor, com gran­de afeto , em v irtud e da superabundante graça de Deus que há em vós" (2 Co 9 :14 ).

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As igrejas gentias estavam "comprando" as orações das igrejas da Judéia? De maneira alguma! Paulo vislumbrava uma expressão espontânea de amor, louvor e oração ao com­partilhar a oferta com os cristãos da Judéia.

Tive a experiência de visitar vários cam­pos missionários e de ouvir os cristãos des­ses lugares dizerem:

- Estamos orando por vocês.Lembro-me de conversar com um cristão

muito devoto da Europa Oriental que disse:- Estamos orando por vocês nos Estados

Unidos, pois ser um cristão autêntico é mui­to mais difícil para vocês do que para nós.

Quando lhe pedi que explicasse, ele sor­riu e disse:

- Vocês têm uma vida relativamente fácil, e o conforto pode ser prejudicial à vitalida­de espiritual. Na Europa Oriental, sabemos quem são nossos amigos e quem são nos­sos inimigos. Onde vocês vivem, é fácil ser enganado. Por isso, oramos por vocês!

Tanto os cristãos judeus quanto os gen­tios seriam conduzidos para mais perto de Jesus Cristo. "Graças a Deus pelo seu dom inefável!" (2 Co 9:15). Em Jesus Cristo, to­das as distinções humanas são apagadas, e deixamos de ver uns aos outros como ju­deus ou gentios, ricos ou pobres, doadores e recebedores. "Porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3:28).

É triste quando nossa oferta torna-se um substituto para nossa vida. Certa vez, um lí­der da igreja queixou-se para mim:

- Darei o que você quiser para missões, só não me obrigue a ouvir um missionário falar!

Quando um cristão pratica a contribui­ção pela graça, seu dinheiro não é um subs­tituto para sua preocupação nem para seu serviço. Primeiro ele entrega a vida ao Se­nhor (2 Co 8:5), então, entrega seus bens. Sua oferta pode ser considerada um símbo­lo de seu coração submisso. Quando a con­tribuição é motivada pela graça de Deus, não há como separar a oferta do doador.

Sugiro uma nova leitura de 2 Coríntios 8 e 9, observando a ênfase sobre a graça de Deus. Se nossas igrejas e ministérios voltas­sem à prática de contribuir pela graça, não haveria tantos apelos nos pressionando a ofertar, não seriam criados tantos artifícios para levantar fundos e o povo de Deus não se queixaria tanto. Antes, haveria dinheiro suficiente para os ministérios que, verdadei­ramente, glorificam o nome de Deus. Creio também que os não cristãos do mundo pres­tariam mais atenção.

Somos salvos porque Deus acredita na contribuição pela graça.

Até que ponto nós acreditamos nessa prática?

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D esen c o n tro s M in isteria is

2 CORÍNTIOS 10

Sem pre que recebo uma carta com críti­cas de um leitor ou de um ouvinte do

program a de rádio, costum o colocá-la em um arquivo específico , onde a deixo guar­dada até estar preparado para responder. H ouve ocasiões em que escrevi respostas apressadas e depois me arrependi. Ao espe­rar, me permito um tempo para pensar e orar, "ler nas entrelinhas" e preparar uma reposta que traga o m áxim o de benefíc ios e que cause o m ínimo de estragos.

O Espírito conduziu Paulo a usar uma abordagem bastante sábia ao escrever aos coríntios. O apóstolo dirige-se a uma igreja dividida (1 C o 1:11ss), uma igreja que resis­tia à sua auto ridade , seduzida por falsos mestres. Assim , a primeira co isa que Paulo faz é exp licar seu ministério, de modo a não d e ixar dúvidas quanto a sua sinceridade. Em seguida, incentiva o povo a participar da oferta, pois sabe que esse desafio o aju­dará a crescer na vida espiritual. Contribuir pela graça e viver pela graça são duas coi­sas que andam juntas.

Agora, na última seção da carta, Paulo desafia os rebeldes da igreja - inclusive os falsos m estres - e reafirm a seu m inistério apostólico. Ao ler 2 Coríntios 10 a 13, vê-se Paulo se referindo diretamente a seus acusa­dores (2 C o 10 :7 , 10-12; 11 :4 , 20-23, por exem p lo ) e respondendo a suas incrim i­nações falsas. Não esconde o fato de que os ju d a izan tes na igreja são m inistros de Satanás que desejam destruir a obra de Deus (2 C o 11:12-15).

Em 2 Coríntios 10 a 13, há uma palavra que Paulo usa vinte vezes no original e que

leitura desses capítulos nos dá a impressão de que Paulo estava se vangloriando, mas não é o caso . Paulo gloriou-se "em D eus por nosso Senhor Jesus Cristo", não em si m esm o nem em suas realizações (Rm 5 :11 ; G l 6 :14 ; Fp 3 :3). Gabou-se dos coríntios a outros, m as ta lvez o tivesse feito em vão (2 C o 7 :4 , 14; 8 :24 ).

É im portante lem brar que Paulo não se defendia pessoalm ente; antes, defendia seu m inistério e sua autoridade apostó lica . Não se envolveu em uma "com petição de perso­nalidades" com outros m inistros. Seus inim i­gos não hesitavam em acusá-lo falsam ente nem em promover a si mesmos (2 C o 11 :1 2). Foi a atitude m undana dos co rín tios que obrigou Paulo a se defender, refrescando- lhes a m em ória sobre a vida e o m inistério dele . Paulo jam ais hesitava em falar de Je­sus Cristo , mas se recusava a falar de si m es­mo, a m enos que houvesse bons motivos para isso.

Por fim , quando Paulo gloriou-se, limitou suas asserções ao ministério que Deus ha­via lhe dado (2 C o 10 :13) e enfatizou seus sofrimentos, não seu sucesso. Q uando sua carta foi lida na reunião dos coríntios, deve ter envergonhado os que haviam criticado Paulo - e deve ter feito os judaizantes pare­cerem tolos.

O primeiro passo de Paulo ao reafirmar seu m in istério foi co rrig ir algum as idé ias equivocadas com referência a seu trabalho. As pessoas não entendiam três áreas impor­tantes do ministério.

1. AS BATALHAS ESPIRITUAIS(2 Co 10:1-6)A acusação (w . 1, 2). Não é difícil identifi­car a acusação . Liderados pelos judaizantes, os rebeldes da igreja afirmaram que Paulo era corajoso quando escrevia de longe, mas era fraco e acanhado quando estava pessoal­mente com os coríntios (ver tam bém 2 C o 10:9-11). O s judaizantes mostravam-se sem ­pre arrogantes em suas atitudes - e eram extrem am ente benquistos pelo povo (2 C o 11 :20 ). O m odo de v ida "incoerente" de Paulo é semelhante a sua abordagem "rela-

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Ao fundar a igreja em Corinto, o propó­sito de Paulo era exaltar a Cristo, não a si mesmo (1 Co 2:1-5). Os cristãos costumam crescer de acordo com o contexto em que nascem. Quando nascem na fé dentro de um ambiente de liderança ditatorial, crescem dependentes da sabedoria humana e da for­ça. Quando nascem em um ambiente de humildade e de amor, aprendem a depen­der do Senhor. Paulo desejava que seus con­vertidos confiassem no Senhor, não no servo dele; assim, evitou deliberadamente enfatizar a própria autoridade e capacidade.

É impressionante ver como os coríntios continuavam ignorantes, mesmo depois de tudo o que Paulo lhes havia ensinado. Não percebiam que o verdadeiro poder espiritual encontra-se na "mansidão e benignidade" (2 Co 10:1), não na imposição e opressão. A própria atitude de Paulo nesses primeiros versículos já é suficiente para desarmar sua oposição. (Na verdade, o fato de usar seu nome é bastante sugestivo, pois Paulo signi­fica "pequeno".) Se Paulo era fraco, então Jesus Cristo também havia sido, pois demons­trou mansidão e benignidade (Mt 11:29). No entanto, Jesus também podia ser severo e até se enfurecer quando preciso (ver Mt 15:1, 2; 23:13-33; Mc 11:15-17; Jo 2:13-16). Paulo os advertia com amor. "Por favor, não me obriguem a visitar vocês e a mostrar como posso ser enérgico!"

A resposta (w. 3-6). Sua resposta revela a verdadeira natureza da luta espiritual. In­fluenciados por falsos mestres, os coríntios julgavam o ministério de Paulo só pela apa­rência, por isso não conseguiam enxergar o poder presente em sua obra. Estavam ava­liando o apóstolo "segundo a carne" (2 Co 10:3), não segundo o Espírito. Assim como algumas das "grandes personalidades reli­giosas" de hoje, os judaizantes impressiona­vam o povo com suas habilidades e palavras poderosas e com suas "cartas de recomen­dação" dos líderes da igreja.

Paulo usava uma abordagem diferente, pois, apesar de ser um homem como outro qualquer, não dependia do poder humano, mas sim do poder divino, das armas espi­rituais que o Senhor havia lhe dado. Suas

batalhas não eram segundo a carne, porque não lutava contra carne e sangue (ver Ef 6:1 Oss). Não se pode lutar nas batalhas espi­rituais usando armas carnais.

O termo milícia, em 2 Coríntios 10:4, sig­nifica "campanha". Paulo não estava apenas en vo lv id o em uma briga qualquer em Corinto; o ataque do inimigo nessa cidade fazia parte de uma grande campanha mili­tar, O s poderes do inferno continuam ten­tando destruir a obra de Deus (Mt 16:18), e é importante não ceder nenhum território ao inimigo, nem mesmo uma só igreja!

Todos têm certas barreiras mentais de resistência, e esses muros (como as mura­lhas de Jericó) devem ser destruídos. O que são essas barreiras? São raciocínios que se opõem à verdade da Palavra de Deus. O orgulho da inteligência que exalta a si mes­ma. É importante entender que Paulo não está atacando a inteligência, mas sim o inte­lectualismo, a atitude pedante das pessoas que pensam saber mais do que de fato sa­bem (Rm 12:16). Paulo havia enfrentado a "sa­bedoria dos homens" ao fundar a igreja em Corinto (1 Co 1:18ss), e ela havia reapareci­do com a chegada dos judaizantes.

A atitude de humildade de Paulo era, na verdade, uma de suas armas mais podero­sas, pois o orgulho dá espaço para Satanás agir. Vemos claramente que, com sua man­sidão, o Filho de Deus possuía muito mais poder do que Pilatos (ver Jo 19:11). Paulo usava armas espirituais para destruir a opo­sição - oração, a Palavra de Deus, o amor, o poder do Espírito operando em sua vida. Não dependia da personalidade, das habili­dades humanas e nem de sua autoridade como apóstolo. No entanto, uma vez que a congregação tivesse se sujeitado ao Senhor, o apóstolo estava preparado para disciplinar, se necessário, os transgressores.

Muitos cristãos, hoje em dia, não têm cons­ciência de que a Igreja está envolvida em uma batalha, e os que entendem a seriedade dessa batalha cristã nem sempre sabem como agir em combate. Tentam usar méto­dos humanos para derrotar forças demonía­cas, métodos estes condenados a fracassar. Quando Josué e seu exército marcharam ao

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redor de Jericó durante um a sem ana, os habitantes da cidade que observavam pensa­ram que os israelitas eram loucos. Q uando o povo de Israel confiou em Deus e obede­ceu a suas o rdens, derrubou as grandes muralhas e conquistou o inimigo (Js 6:1-20).

Q uando pastoreava uma igreja em Ch i­cago, costum ava me encontrar toda sema­na com três pastores amigos meus, e, juntos, fazíam os nossas "orações de combate". Apro­priávamo-nos das promessas de Deus para elim inar qualquer idéia equivocada que im­p ed isse as p esso as de se en tregarem a Deus, e o Senhor fez grandes coisas na vida daqueles por quem intercedem os. Um a vez que as barreiras da mente são destruídas, a porta do coração pode ser aberta.

2. A AUTORIDADE ESPIRITUAL(2 Co 10:7-11)Um a das lições mais difíceis que os discípu­los de Cristo tiveram de aprender foi que, no reino de Deus, a posição e o poder não são evidência de autoridade. Jesus advertiu seus seguidores a não seguir o exem plo de liderança dos gentios que gostavam de exer­cer sua autoridade sobre outros e de agir com o se fossem muito importantes (ver M c 10:35-45). Nosso exem plo é Jesus Cristo, que ve io com o servo e m inistrou aos outros. Paulo seguiu esse exem plo.

No entanto , os co rín tio s não haviam desenvolvido uma mentalidade espiritual o suficiente para discernir o que Paulo fazia. Contrastaram sua mansidão com a persona­lidade poderosa dos judaizantes e chegaram à conclusão de que Paulo não possuía auto­ridade alguma. Sem dúvida, escrevia cartas enérgicas; mas sua aparência física era fra­ca e seu d iscurso não im pressionava nin­guém. Em vez de exercitarem discernim ento espiritual, julgavam pelas aparências.

Certa vez, alguns amigos e eu ouvimos um pregador cuja mensagem inteira era cons­tituída de "palavras poderosas" e de uma ou outra citação da Bíblia (normalmente, fora de contexto) e de várias referências a aconteci­mentos mundiais e "sinais dos tempos". Ao sairmos da reunião, um de meus amigos dis­se: "1 Reis 19:11 descreve perfeitamente o

que acabam os de ver: 'O S e n h o r não estava no vento'". No entanto, as pessoas a nosso redor comentavam que aquele era "o sermão mais m aravilhoso" que já haviam ouvido . D uvido que, dez m inutos depois, fossem capazes de se lem brar de qualquer co isa concreta que aquele pregador havia dito.

Paulo não negava que possuía autorida­de, mas se recusava a exercitá-la de forma não espiritual. O propósito de sua autorida­de era edificar os cristãos, não destruí-los, e é preciso muito mais habilidade para cons­truir do que para demolir. A lém disso, a edi­ficação requer amor (1 C o 8 :1 ); e os coríntios interpretaram o amor e a m ansidão de Pau­lo com o sinais de fraqueza.

A diferença entre Paulo e os judaizantes era que Paulo usava sua autoridade para for­ta lece r a igreja, enquanto os ju d a izan tes usavam a igreja para fortalecer a autoridade deles.

Ao longo de muitos anos de ministério pastoral e itinerante, sempre me admiro com a maneira de algumas igrejas locais tratarem seus pastores. Se um hom em dem onstra am or e verdadeira humildade, resistem à sua liderança e lhe causam grande tristeza. O pastor seguinte costum a ser um "ditador", que "governa sobre a igreja" - e consegue tudo o que quer. É benquisto pela m aioria e coberto de elogios! Jesus Cristo também foi tratado com desprezo, de modo que talvez não devamos nos admirar que isso continue a acontecer.

O s opositores na igreja acusavam Paulo de não ser, verdadeiram ente, um apóstolo; pois, se fosse mesmo um apóstolo, provaria seu direito de receber esse título exercendo sua autoridade. Por outro lado, se Paulo houvesse imposto sua autoridade, também teriam criticado sua atitude. É isso o que acontece quando os membros da igreja não têm m entalidade espiritual e avaliam o mi­nistério do ponto de vista do mundo.

No entanto, as acusações desses rebel­des voltaram-se contra eles próprios. Se Paulo não era apóstolo, não passava de uma frau­de e nem sequer era cristão. Mas, se isso fos­se verdade, a igreja de Corinto também não poderia ser considerada autêntica. Paulo já

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havia deixado claro que era impossível sepa­rar seu ministério de sua vida pessoal (2 Co 1:12-14). Se ele era um enganador, os corín- tios eram os enganados!

O apóstolo também ressalta que não há contradição alguma entre sua pregação e suas cartas. Mostrou-se enérgico em suas cartas, pois foi o que a ocasião pediu. Sem dúvida, teria preferido muito mais poder lhes escrever com ternura, mas palavras brandas não teriam cumprido o propósito desejado. Mesmo quando escrevia cartas "graves e fortes", ele o fazia por amor. Em outras pala­vras, Paulo está dizendo: "É melhor se pre­pararem para minha próxima visita, pois, se for necessário, mostrarei como posso ser enérgico".

A maneira de um cristão usar a autorida­de revela sua maturidade espiritual e seu caráter. Uma pessoa imatura torna-se arro­gante no uso da autoridade, mas uma pessoa madura cresce ao exercer sua autoridade e promove o crescimento de outros a seu re­dor. Assim como um pai sensato, o pastor prudente sabe quando esperar com paciên­cia e amor e quando agir com rigor e firmeza. Uma pessoa madura não usa sua autorida­de para exigir respeito, mas para conquistá- lo. Os líderes maduros sofrem enquanto aguardam para agir, enquanto os líderes imaturos agem de maneira impetuosa e fa­zem os outros sofrer.

Os falsos mestres dependiam de "cartas de recomendação" para provar sua autori­dade, mas Paufo havia recebido uma comis­são divina do céu. Sua vida e seu trabalho eram "credenciais" suficientes, pois deixa­vam claro que a mão de Deus estava sobre ele. Paulo poderia ter a ousadia de escrever: "Quanto ao mais, ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Je­sus" (Gl 6:17).

Quando minha esposa e eu vamos à In­glaterra, sempre procuramos organizar nos­sa agenda de modo a ter um tempo para visitar Londres. Gostamos especialmente de fazer compras na Selfridge's e na Harrod's, as duas principais lojas de departamento de Londres. H. Gordon Selfridge, que construiu a grande loja que leva o seu nome, sempre

atribuiu seu sucesso ao fato de ser um líder, não um "chefe". O líder diz: "Vamos lá!", enquanto o chefe diz: "Vão vocês!". O che­fe sabe como as coisas devem ser feitas; o fíder mostra como fazê-las. O chefe inspira medo; o líder inspira entusiasmo baseado no respeito e na boa vontade. Quando algo sai dos eixos, o chefe sabe sempre em que ou quem jogar a culpa. O líder, entretanto, sabe como colocar as coisas de volta nos eixos. O chefe usa sempre "eu" em seu dis­curso. O líder prefere dizer "nós". A filoso­fia administrativa de Selfridge não era muito diferente da filosofia de liderança do após­tolo Paulo.

3. A AVALIAÇÃO DO MINISTÉRIOesp ir itu a l (2 Co 10:12-18)Suponho que a maior causa dos problemas da igreja seja o hábito de "avaliar o ministé­rio". Se o trabalho da igreja é a obra de Deus, e se essa obra é um milagre de Deus, como podemos medir um milagre? Em sua ava­liação das sete igrejas citadas em Apocali­pse 2 e 3, Jesus as mediu com parâmetros muito diferentes daqueles que essas igrejas usavam para sua avaliação. A igreja que pen­sava ser pobre foi considerada rica; a igreja que se gabava de sua riqueza foi declarada pobre (Ap 2:8-11; 3:14-22).

Algumas pessoas avaliam o ministério ex­clusivamente através de estatísticas. Apesar de ser verdade que a Igreja primitiva costu­mava registrar números {At 2:41; 4:4), tam­bém é verdade que fazer parte da igreja naquela época era muito mais difícil e perigo­so (ver At 5:13). Anos atrás, uma das maiores denominações dos Estados Unidos escolheu como tema anual "Mais um milhão em '64- e todos dizimistas!" Ouvi um pastor im­portante dessa denominação comentar: "Se arranjarmos mais um milhão igual ao último que conseguimos, estaremos perdidos!" Quantidade não é garantia de qualidade.

Parâmetros falsos (v. 12). Os judaizantes eram especialistas em avaliar seu ministério, pois é muito mais fácil medir uma religião com várias atividades exteriores do que uma fé que envolve a transformação interior. O legalista pode quantificar o que faz ou deixa

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de fazer, mas somente o Senhor pode ver o crescim ento espiritual no coração do cris­tão. Por vezes, os que mais crescem se sen­tem os mais ínfim os.

Em certo sentido , os ju d a izan tes per­tenciam a um a "so c ied ade de adm iração m útua", que determ inava os próprios parâ­m etros e os aplicava na avaliação de todos ao seu redor. E evidente que os membros desse grupo eram bem-sucedidos, enquan­to os de fora não passavam de fracassados. Paula não fazia parte dessa "sociedade" e, portanto, era considerado um fracassado. Se esses líderes houvessem usado Jesus Cristo com o seu parâmetro (ver Ef 4 :12-16), tudo teria sido diferente.

Parâmetros verdadeiros (w . 13-18). Pau­lo propõe três perguntas que podem os fazer a nós m esm os quando procuram os avaliar nosso ministério de acordo com a vontade de Deus.

Estou no lugar que Deus reservou para mim? (w. 13, 14). Deus determinou uma "es­fera de ação" em que Paulo deveria traba­lhar: havia sido com issionado para ser o apóstolo aos gentios (At 9 :1 5 ; 2 2 :21 ; Ef 3). Tam bém deveria ir a lugares onde nenhum outro apóstolo havia ministrado antes; deve­ria ser um "pregador pioneiro" aos gentios.

Paulo usa de certo "sarcasm o santo" em sua defesa. "A área que Deus dem arcou para mim incluía até m esm o vocês coríntios!" (ver 2 C o 10:13). O s Judaizantes não haviam le­vado o evangelho a Corinto. Assim com o os líderes de seitas hoje, entraram em cena de­pois que a igreja havia sido fundada (ver Rm 15:15-22).

As igrejas e os ministros não estão com ­petindo entre si; cada um com pete consigo m esm o. Deus não irá nos avaliar com base nos dons e nas oportunidades que deu a grandes pregadores com o Charles Spurgeon ou Billy Sunday. Ele irá avaliar nosso traba­lho de acordo com a incum bência que deu a cada um de nós. D eus exige fidelidade acim a de todas as coisas (1 Co 4 :2 ).

A lguns encontros de pastores ou con­gressos de denom inações têm um ar intimi­dante, pois as pessoas que estão no palco

os números mais im pressionantes. Pastores m ais jo ven s e m in istros m ais idosos que trabalham em cam po s restritos e d ifíce is muitas vezes voltam para casa sentindo-se culpados, pois seu trabalho fiel parece não produzir muitos frutos. Alguns desses obrei­ros desanim ados tentam im plantar progra­mas e prom over seu trabalho de todas as m aneiras. O resultado é mais decepção e, por vezes, o desejo de deixar o ministério. Se ao m enos soubessem que Deus avalia o m inistério deles de acordo com o lugar onde os co locou , e não tom ando com o referên­cia alguma outra cidade, se sentiriam mais encorajados a não abandonar a obra e a perseverar fiéis em seu serviço .

Deus é glorificado por meio de meu mi­nistério? (vv. 15-17). Trata-se de m ais uma "provocação santa" aos judaizantes, que rou­bavam convertidos de outros obreiros, dizen­do que eram frutos de seu próprio trabalho. Paulo jam ais se vangloriava do trabalho alheio nem invadia o território de outros obreiros. Todo o seu trabalho consistia, na verdade, na atuação de Deus por meio dele, e, portanto, toda glória deveria ser dada a Deus.

Certa vez, ouvi uma palestra sobre com o form ar uma grande Escola Bíb lica Dom inical. Tudo o que o palestrante disse era correto e, sem dúvida, havia funcionado em alguns ministérios maiores nos Estados Unidos. O único problema era que aquele homem nun­ca havia formado sua própria Escola Bíblica Dominical! V is ita ra vários desses grandes m inistérios e entrevistara pastores e m em ­bros das equipes, usando esses dados para desenvolver o curso que oferecia. Term ina­da a pa lestra , um a p o rção de gente foi procurá-lo para fazer perguntas e pedir au­tógrafos. Por acaso, eu estava ao lado de um pastor que havia form ado uma das igre­jas mais respeitáveis (e m aiores) dos Esta­dos Unidos.

- Esse povo todo deveria estar falando com você - com entei com ele. - Você tem experiência prática e sabe muito m elhor do que ele com o fundar um a Esco la B íb lica D om in ical.

- Deixe-o aproveitar os holofotes - co-

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-Estamos todos fazendo a mesma obra, e o que importa é que Deus seja glorificado.

Paulo acrescenta outro toque de "ironia santa" quando diz que a única coisa que o impedia de ir "além das fronteiras" deles era a falta de fé dos coríntios. Se tivessem se sujeitado a sua liderança e sido obedientes à Palavra, poderia ter alcançado mais almas perdidas; no entanto, criaram tanta confu­são que se viu obrigado a gastar tempo de seu ministério missionário resolvendo os pro­blemas da igreja. Em outras palavras, o após­tolo está dizendo: "Eu teria estatísticas mais impressionantes a apresentar, se vocês não tivessem atrapalhado meu trabalho".

Paulo cita Jeremias 9:24 em 2 Coríntios 10:17, uma declaração que já havia usado em 1 Coríntios 1:31: Os coríntios tinham a tendência de se gloriar nos homens, especial­mente agora que os judaizantes haviam as­sumido o controle da igreja. Quando os coríntios ouviram os "relatórios" daquilo que esses mestres haviam feito e viram suas "car­tas de recomendação", deixaram-se encan­tar por eles. Em decorrência disso, Paulo e seu ministério ficaram parecendo pequenos e fracassados.

No entanto, a prova final não está nos relatórios anuais. A prova final se dará no tri­bunal de Cristo "e, então, cada um receberá seu louvor da parte de Deus" (1 Co 4:5). Deus não pode ser glorificado quando os homens levam toda glória. "Eu sou o S en h o r , este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura" {Is 42:8).

Isso não significa que pastores bem-suce­didos e ministérios prósperos estejam privan­do Deus da sua glória. Glorificamos o Pai quando crescemos e damos "muitos frutos" (Jo 15:1-8). Mas devemos ter cuidado para que sejam "frutos" que vêm da vida espiri­tual, não "resultados" que apareçam quando manipulamos pessoas e forjamos estatísticas.

Meu trabalho é digno dos elogios do Senhor? (v. 18). Podemos elogiar a nós mes­mos ou receber elogios de outros e, ainda assim, não ser dignos da aprovação de Deus. De que maneira Deus aprova nosso traba­lho? Ele testa o que fazemos. O termo "aprova­do" em 2 Coríntios 10:18 significa "aprovar através de verificação". Nossas obras serão avaliadas no tribunal vindouro de Cristo (1 Co 3:1 Oss), mas já estão sendo testadas no pre­sente. Deus permite que a igreja local passe por dificuldades a fim de que sua obra seja verificada e aprovada.

Ao longo dos anos, tenho visto ministé­rios passando por provações como perdas financeiras, invasões de falsas doutrinas, surgimento de líderes arrogantes que dese­jam ser "donos da igreja" e desafios decor­rentes de mudanças. Algumas dessas igre­jas se desintegraram e quase morreram, pois sua obra não era espiritual. Outros ministé­rios cresceram em função dessas prova­ções e se tornaram mais puros e fortes e, em meio a todas as dificuldades, Deus foi glorificado.

Sem dúvida, devemos manter registros e preparar relatórios sobre nossos ministérios, mas precisamos ter cuidado para não cair na "armadilha das estatísticas" e pensar que os números são a única medida de uma obra. Cada situação é singular, e nenhum ministé­rio pode ser avaliado com base em outro trabalho. O mais importante é estar onde Deus nos colocou, fazendo sua vontade para que seu nome seja glorificado. De acordo com os parâmetros de Deus, a motivação é tão importante quanto o crescimento. Se procuramos glorificar e agradar somente a Deus e se não temos medo da avaliação que ele faz de nosso coração e de nossa vida, não precisamos temer a análise e as críticas dos homens.

"Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor" (2 Co 10:17).

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O P ai S abe o Q ue É M elh o r

2 CORÍNTIOS 1 1

Como pastores cristãos, de que maneira podem os convencer os membros de

nossa congregação de que verdadeiram en­te os amamos?

Esse era o problema que Paulo enfrenta­va ao escrever esta epístola. Se lembrasse o povo do trabalho que havia realizado no meio deles, poderiam responder: "Paulo está se gabando!" Se não dissesse coisa alguma sobre seu m inistério em Corinto , os judai- zantes poderiam d izer: "Estão vendo, nós falamos que Paulo não fez coisa alguma!"

Afinal, que atitude Paulo tomou? O após­tolo foi orientado pelo Espírito de Deus para usar uma imagem muito bela - uma com pa­ração - que certam ente tocaria o coração dos cristãos em Corinto. Comparou-se a um "pai espiritual" cuidando de sua família. H a­via usado essa imagem anteriormente para lembrar os coríntios de que, com o "pai", ele os havia gerado por meio do evangelho e que podia discipliná-los se julgasse necessá­rio (1 C o 4:14-21). Eram seus filhos amados, e desejava o melhor para eles.

Paulo lhes o ferece três provas de seu am or paternal.

1 . S e u z e l o p e l a ig r e j a (2 Co 11:1-6, 13-15)O verdadeiro amor não é cium ento, mas tem o direito de ser zeloso para com o objeto da afeição. Um marido que zela pela espo­sa ressente-se, com razão, e resiste a qual­quer rivalidade que am eace o amor mútuo do casal. Um verdadeiro patriota tem todo o direito de ser zeloso para com sua liberda­de e de lutar para protegê-la. Sem elhante­mente, um pai (ou mãe) zela pelos filhos e

10 procura protegê-los de qualquer coisa que possa lhes fazer mal.

Vem os aqui a imagem de um pai am oro­so, cuja filha está noiva e prestes a se casar. Sente que é seu privilégio e dever mantê-la pura, a fim de poder apresentá-la a seu mari­do com alegria, não com pesar. Paulo vê a igreja local com o essa noiva, prestes a se casar com Jesus Cristo (ver Ef 5 :22ss e Rm 7 :4 ). Esse casam ento só ocorrerá quando Cristo voltar para buscar sua noiva (Ap 19 :1­9). Enquanto isso, a igreja - e isso significa os cristãos com o indivíduos - deve manter- se pura e se preparar para o encontro com seu Amado.

O perigo, portanto, é que ela seja infiel ao noivo. A mulher que está noiva tem um compromisso de amor e de lealdade a um só homem, o noivo. Se ela se entrega a qual­quer outro homem, é culpada de infidelida­de. O termo traduzido por "sim plicidade", em 2 Coríntios 11 :3, significa "sinceridade, devoção única". Um coração dividido con­duz a uma vida corrom pida e a um relacio­namento destruído.

A imagem do am or e do casam ento, bem com o da necessidade de fidelidade, é usa­da com freqüência nas Escrituras. O profeta Jeremias via o povo de Judá perder seu amor por Deus e os advertiu: "Assim diz o S e n h o r :

Lembro-me de ti, da tua afeição quando eras jovem , e do teu am or quando noiva, e de com o me seguias no deserto, numa terra em que se não sem eia" (Jr 2 :2 ). A nação de Judá havia perdido aquele am or da lua-de-mel e era cu lpada de idolatria . Jesus usou essa mesma imagem ao advertir a igreja de Éfeso: "Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro am or" (Ap 2 :4 ).

A pessoa por trás do perigo é Satanás, retratado aqui com o uma serpente, uma re­ferência a G ênesis 3. Convém observar que, ao escrever sua carta aos coríntios, Paulo fala em várias ocasiões sobre nosso adver­sário, o diabo. Adverte que Satanás usa de vários subterfúgios para atacar os cristãos. Pode colocar um peso indevido sobre a cons­ciência de cristãos que pecaram (2 C o 2 :10 ,11), cegar a mente dos incrédulos (2 C o 4 :4 ), iludir a mente dos cristãos (2 C o 11 :3) e até

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mesmo esbofetear o corpo dos ministros de Deus (2 Co 12:7).

O texto concentra-se na mente, pois Sa­tanás é um mentiroso e procura nos fazer dar ouvidos a suas mentiras, pensar sobre elas e acreditar nelas, exatamente como fez com Eva. Primeiro questionou a palavra de Deus ("É assim que Deus disse...?"); depois, negou a palavra de Deus ("É certo que não morrereis"); por fim, a substituiu pela pró­pria mentira ("como Deus, sereis conhece­dores do bem e do mal") (ver Gn 3:1, 4, 5).

Sem dúvida, Satanás é astuto e sabe que os cristãos não aceitarão suas mentiras de imediato; assim, usa uma isca em seu anzol para tornar mais atraente o que ele tem a oferecer. Satanás não passa de um imitador: copia o que Deus faz e depois tenta nos convencer de que tem algo melhor a ofere­cer. Para isso, usa falsos obreiros que fingem servir a Deus, mas que, na verdade, estão servindo a Satanás.

Satanás possui um falso evangelho (Gl 1:6-12) no qual há outro salvador e outro espírito. Infelizmente, os coríntios haviam recebido prontamente esse "novo evange­lho" - uma mistura de Lei e graça que, na verdade, não era evangelho coisa nenhuma. Existe somente um evangelho, e, portanto, só pode haver um Salvador (1 Co 15:1ss). Quando cremos no Salvador, recebemos o Espírito Santo de Deus em nós, é há um só Espírito Santo.

Os pregadores desse falso evangelho (que continuam a existir hoje) são descritos em 2 Coríntios 11:13-15. Afirmavam possuir autoridade divina como servos do Senhor, mas sua autoridade era falsa. Chamavam os verdadeiros servos de Deus de impostores, como fizeram com Paulo em sua época. Chegavam ao extremo de se considerar "super-apóstolos", muito maiores que Paulo. Usavam sua retórica astuta para encantar os cristãos ignorantes e, ao mesmo tempo, di­ziam que Paulo não era um orador com­petente (2 Co 11:6; 10:10). Como é triste quando cristãos instáveis são influenciados pelo "belo discurso" dos ministros de Sata­nás, em vez de permanecerem firmes nas verdades fundamentais do evangelho que

lhes foram ensinadas por pastores e mes­tres fiéis.

"Não são, de maneira alguma, 'super- apóstolos'!", advertiu Paulo. "Na verdade, são pseudo-apóstolos - falsos profetas! Sua motivação não é glorificar o nome de Deus, mas obter benefícios para si mesmos gran­jeando convertidos. Seus métodos são enga­nosos" (ver 2 Co 2:17; 4:2). Essa passagem apresenta a idéia de uma isca sendo usada para pegar peixes. Esses mestres oferecem aos membros da igreja uma vida cristã "su­perior" àquela descrita no Novo Testamen­to, uma vida que consiste em uma mistura antibíblica de Lei e graça.

Em vez de serem movidos pelo poder do Espírito Santo, o poder desses ministros vem de Satanás. Em três ocasiões, Paulo usa o termo "transformar" para se referir à obra desses homens (ver 2 Co 11:13-15). A pala­vra grega significa, simplesmente, "disfarçar, mascarar". Pode-se observar uma mudança exterior, mas não há qualquer mudança inte­rior. Como o próprio Satanás, seus obreiros nunca mostram seu verdadeiro caráter; estão sempre usando algum disfarce e se escon­dendo por trás de algum tipo de máscara.

Enquanto eu escrevia este livro, vários "ministros mascarados" bateram à minha por­ta. Um deles, uma jovem muito atraente, tentou me explicar que trabalhava em prol da paz mundial; no entanto, quando a con­frontei, admitiu que fazia parte de uma seita. Dois jovens bem vestidos apresentaram-se dizendo: "Estamos aqui como representan­tes de Jesus Cristo!" Mais que depressa, os informei de que conhecia o grupo que re­presentavam e fechei a porta, sem sequer dizer "Adeus". Para os que consideram esse tipo de atitude uma indelicadeza, convém ler 2 João 5-11 e obedecer à sua instrução.

Paulo provou seu amor pela igreja prote­gendo-a de ataques dos falsos mestres; no entanto, os membros "caíram na conversa" desses judaizantes e abriram as portas para eles. Os coríntios haviam "abandonado o primeiro amor" e não mais se dedicavam de todo coração a Jesus Cristo. O problema mais sério não era sua oposição a Paulo, mas sim seu distanciamento de Cristo.

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2. Su a g e n e r o s id a d e p a r a c o m a ig r e j a (2 Co 11:7-12)Um pai am oroso procura suprir as necessi­dades da família, e Paulo sacrificou-se a fim de m inistrar à igreja de Corinto. Enquanto estava nessa c idade, o apóstolo trabalhou com as próprias mãos confeccionando ten­das (A t 18:1-3) e até recebeu ofertas de ou­tras igrejas para que pudesse evangelizar os coríntios. Em outras palavras, os coríntios não tiverem de pagar coisa alguma para receber os benefícios do ministério apostólico des­se grande homem de Deus.

A maioria dos coríntios não deu o devi­do valor aos sacrifícios que Paulo fez por eles. Na verdade, os judaizantes usaram a política financeira de Paulo com o "prova" de que não era um verdadeiro apóstolo. Afi­na l, se fosse m esm o um ap ó sto lo , te ria aceitado ser sustentado por eles.

Paulo já havia exp licad o sua posição quanto a esse assunto numa carta anterior (1 C o 9). Ressaltou que era um apóstolo ge­nuíno, pois havia visto o Cristo ressurreto e recebido dele sua com issão. Paulo tinha o direito de pedir sustento material, com o tam­bém o têm os servos fiéis de Deus hoje; no entanto, havia deliberadam ente aberto mão desse direito, a fim de que ninguém o acusas­se de usar o evangelho simplesmente com o um m eio de ganhar d inheiro . O apóstolo abriu m ão de seu d ireito de sustento ma­terial por am or ao evangelho e aos pecado­res perdidos, que poderiam considerar um tropeço qualquer coisa que lhes desse a im­pressão de que se tratava de um "em preen­dimento religioso".

No entanto, os judaizantes eram os cul­pados de "m ercadejar o evangelho" visan­do o lucro pessoal. Paulo havia lhes pregado o evangelho "gratuitamente" (2 Co 11:7, li­teralm ente, "sem qualquer custo"), mas os falsos mestres pregavam um falso evangelho- e roubavam da igreja (2 C o 11:20). Paulo usa um toque de ironia em 2 Coríntios 11 :8 : "D espoje i outras igrejas, recebendo salário, para vos poder servir". Agora, os judaizantes estavam , de fato, despojando os coríntios.

Um pai am oroso não co loca fardos so­bre os filhos. Antes, sacrifica-se para que os

filhos tenham tudo de que precisam . É difícil ensinar a uma criança a diferença entre "pre­ços" e "valores". As crianças parecem não fazer idéia do que significa para os pais ter de sair todos os dias para prover o sustento da família. Quando um de meus sobrinhos era bem pequeno, ouviu seus pais conversan­do sobre a com pra de alguns eletrodomésti­cos grandes e não conseguiu entender por que não podiam sim plesm ente sair e com ­prar o que queriam .

- Por que você não escreve num desses pedaços de papel? - perguntou apontan­do para o talão de cheques do pai. Ainda não entendia que era preciso haver d inhei­ro no banco para cobrir o que o pai escre­veria no "pedaço de papel".

Paulo não trata da questão de dinheiro a fim de se gabar. Na realidade, está usando todos os meios possíveis para calar a jactân­cia dos judaizantes. O apóstolo sabia que absolutamente ninguém poderia acusá-lo de cob iça ou de egoísmo (ver At 20:33-35, o testemunho de Paulo para a igreja de Éfeso). Suas mãos estavam lim pas, e ele desejava elim inar qualquer oportunidade de que seus inimigos o acusassem .

O termo "pesado" em 2 Coríntios 11 :9 m erece consideração especial (ver também 2 C o 12 :13 , 14). No grego, significa, literal­mente, "ficar entorpecido". O termo vem da imagem de uma enguia elétrica entorpecen­do a vítim a com seu choque elétrico. Um a parte entorpecida do corpo poderia ser um peso para a vítima. Paulo não havia usado de subterfúgios enganosos para pegar os cristãos de surpresa , atacá-los ou roubar deles. Tanto em sua pregação do evangelho quanto em sua maneira de lidar com as finan­ças, havia sido sempre aberto e honesto.

Em minhas viagens, por vezes me depa­ro com certas situações em igrejas locais que me deixam com o coração pesado. H á con­gregações que praticam ente não dem ons­tram qualquer apreciação por pastores fiéis que se sacrificam pelo crescim ento da igre­ja . Alguns deles recebem muito menos do que merecem e trabalham muito mais do que devem, no entanto a igreja não parece ter qualquer am or por eles. Seus sucessores,

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entretanto, são tratados como reis! Sem dúvi­da, haverá um acerto de contas no tribunal de Cristo.

Certa vez, ouvi W. A. Criswell falar sobre um casal de missionários muito dedicado que voltou aos Estados Unidos no mesmo navio que trazia Theodoro Roosevelt para casa depois de um dos seus safáris na Áfri­ca. Havia vários repórteres no cais, esperan­do para ver Roosevelt, entrevistá-lo e tirar fotos dele; mas ninguém estava lá para rece­ber os missionários veteranos que passaram a vida servindo a Cristo na África.

Naquela noite, enquanto descansavam em um hotel muito simples em Nova Iorque, os missionários relembraram sua chegada na cidade e o marido mostrou-se um tanto amargurado.

- Não é justo - disse à esposa. - Roose­velt volta para casa depois de uma tempora­da caçando e o país inteiro vai recebê-lo. Nós dois voltamos para casa depois de anos de serviço e não há uma viva alma para nos recepcionar.

A resposta da esposa não podia ser mais acertada:

- Não se esqueça, meu amor: nós ainda não estamos em casa.

Paulo apresentou duas provas de seu amor pelos coríntios: seu zelo pela igreja - protegendo-a da "infidelidade espiritual" - e sua generosidade para com a igreja - re- cusando-se a aceitar o sustento material de­les. Em seguida, mostra outra prova.

3. S u a p r e o c u p a ç ã o c o m a ig reja (2 Co 11:16-33)A chave para esta seção extensa é 2 Coríntios1 1:28, que pode ser parafraseado como: "Sem dúvida, passei por muitas provações, mas a maior delas, o fardo mais pesado de todos, é minha preocupação com as igre­jas!" O termo traduzido por preocupação significa "pressão, tensão, ansiedade". As outras experiências haviam sido "exteriores" e ocasionais, mas o peso das igrejas era in­terior e constante.

"Só entendemos plenamente o amor de nossos pais por nós quando também nos tornamos pais", disse Henry Ward Beecher,

com toda razão. Quando nosso filho mais velho ainda era bem pequeno, colocou um brinquedo dentro da tomada e tomou um tre­mendo choque. Há pouco tempo, viu que seu filho estava prestes a fazer a mesma coi­sa, e sua reação explosiva quase matou o pobre menino de susto.

- Agora sei como você e a mamãe se sentiam quando eu era criança - ele me dis­se ao telefone. - Ser pai é uma experiência não apenas cheia de alegrias, mas também repleta de sustos.

Antes de relacionar os vários tipos de tribulações pelas quais passou, Paulo faz questão de explicar por que está se "glo­riando" dessa forma. O apóstolo nunca teve dificuldade alguma de se gloriar de Cristo e falar dos sofrimentos dele, mas sempre evi­tou falar das próprias experiências doloro­sas como servo de Deus. Paulo e João Batista pensavam da mesma forma: "Convém que ele [Cristo] cresça e que eu diminua" (Jo 3:30). "Aqueíe, porém, que se gloria, glorie- se no Senhor" (2 Co 10:1 7).

Foi a falta de maturidade e de espirituali­dade dos coríntios que obrigou Paulo a escre­ver sobre si mesmo e a se "gloriar" dessas experiências. O apóstolo começou esta seção (2 Co 11:1) pedindo desculpas por se gloriar, e repete essa idéia em 2 Coríntios 11:16: Em2 Coríntios 11:17, Paulo não nega a inspira­ção de suas palavras; antes, admite que, ao se gloriar, está sendo muito diferente de Cris­to (ver 2 Co 10:1). No entanto, foi algo que precisou fazer para provar seu amor pelos coríntios e protegê-los daqueles que deseja­vam fazê-los desviar dos caminhos de Deus.

Para começar, os falsos mestres não ti­nham vergonha de se gloriar, e os coríntios não tinham medo de aceitar essa jactância. Temos a impressão de que Paulo está dizen­do: "Uma vez que a 'nova moda' em sua congregação é contar vantagem, então vou fazer o mesmo". Ê possível que Paulo tives­se em mente o princípio de Provérbios 26:5: "Ao insensato responde segunda a sua estultícia, para que não seja ele sábio aos seus próprios olhos".

Além disso, Paulo só estava se gloriando para o bem da igreja, enquanto os falsos

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m estres se gloriavam visando o benefício próprio, ou seja, aquilo que poderiam obter da igreja. A m otivação de Paulo era pura; a m o tivação deles era ego ísta . 2 C o rín tio s 11 :20 apresenta uma listra das diversas ma­neiras com o os judaizantes estavam se apro­veitando da igreja:

Escravizando - ensinavam uma doutrina legalista contrária ao evangelho da graça.

Devorando - "abocanhavam " tudo o que podiam da igreja; aproveitavam-se do privi­légio de receber sustento material.

Detendo - Nesse caso, o verbo tem o sentido de "enganar". A imagem é de um pás­saro preso em um a arm adilha ou de um peixe enroscado num anzo l. "Lançaram a isca e fisgaram vocês!"

Exaltando - Exaltavam a si mesmos, não ao Senhor Jesus Cristo ; gostavam de ser hon­rados e tratados com o líderes.

Esbofeteando - É provável que se trate de uma referência a ataques verbais, não a v io lênc ia fís ica ; os juda izantes não hesita­vam em hum ilhar os coríntios em público.

Paulo term ina sua exposição das atitu­des e ações nada espirituais dos juda izan­tes com um pouco de "iron ia insp irada": "Ing loriam ente o confesso , com o se fôra­m os fracos [dem ais para tais co isas]" (2 Co 11 :21 ). O s coríntios pensavam que a man­sidão de Paulo era um sinal de fraqueza , quando, na verdade, era parte de sua for­ça . No entanto , pensavam que a arrogân­cia dos juda izantes era sinal de poder. Por vezes, os cristãos podem ser extrem am en­te ignorantes!

Em se tratando de sua herança judaica, os falsos mestres eram iguais a Paulo; mas, em se tratando do m inistério de C risto , o "superapóstolo" era Paulo, não os judaizan­tes. Vejam os agora o que Paulo sofreu por am or à causa de Cristo e por sua preocupa­ção com as igrejas.

Sofrimentos p o r am or a Cristo (w . 23- 25a). Se Paulo não fosse apóstolo, não teria p assado por essas tr ib u la çõ e s . Recebeu "açoites sem m edida", tanto de judeus quan­to de gentios. Em três ocasiões, apanhou com varas e, em cinco ocasiões, recebeu trinta e nove açoites dos judeus. O Livro de

Atos relata um açoitam ento (1 6 :2 2 ) e um apedrejam ento (At 14 :19).

Paulo sabia, desde o in ício de seu m inis­tério, que sofreria por am or a Jesus (A t 9 :15 ,16), e Deus lhe reafirm ou esse fato no de­correr do m inistério (A t 2 0 :2 3 ). A quele que fez outros sofrerem por sua fé teve de so­frer aflições na própria pele por essa m es­ma fé.

D ificu ld a d e s natura is (vv. 25Ò-33).Q u a se q u alq uer v ia jan te d aq u e la ép o ca havia passado por pelo m enos uma dessas situações d ifíce is; no entanto, não podem os deixar de pensar que foram causadas pelo inimigo em um a tentativa de im pedir a obra do Senhor. Atos 27 relata um dos três nau­frágios; não sabem os co isa aigum a sobre os outros dois. Só podem os imaginar quan­tos de seus p e rten ces pesso ais de va lo r Paulo perdeu nesses percalços.

U m a vez que estava sem pre v ia jando , Paulo expunha-se, com freqüência, a perigos desse tipo. O s judaizantes visitavam lugares seguros; Paulo viajava para lugares difíceis. No entanto, o apóstolo não era um v ia jan­te com um , mas sim um hom em m arcado. Possuía inimigos tanto no m eio dos judeus quanto dos gentios, e alguns deles o teriam assassinado com prazer.

Em 2 Coríntios 11 :27 Paulo descreve as conseqüências pessoais de todas essas via­gens d ifíce is . Em m eu p ró prio m in istério itinerante lim itado, desfruto a conveniência de autom óveis e aviões, no entanto, devo con fessar que as v iagens são cansativas . Paulo enfrentou desconfortos e dificuldades muito maiores! Não é de se admirar que es­tivesse exausto e cheio de dores. Passava longos períodos sem alimento, sem água e sem dorm ir e, por vezes, não tinha roupas suficientes para mantê-lo aquecido.

Sem dúvida, outros via jantes passaram por experiências desse tipo , mas Paulo su­portou-as por am or a Cristo e à igreja. Sua prioridade não era aquilo que estava a seu redor, mas o que estava dentro dele : a preo­cupação com todas as igrejas. Por que ele se im portava tanto? Porque se identificava plenam ente com os outros cristãos (2 C o 11 :29 ). Tudo o que acontecia a "seus filhos"

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afetava seu co ração , e ele não poderia abandoná-los.

No auge da narrativa de seus sofrimen­tos, Paulo fala da experiência humilhante em Damasco, quando - o grande apóstolo - teve de ser retirado da cidade às escondi­das dentro de um cesto passado por sobre o muro! (2 Co 11:32, 33). Será que algum dos judaizantes tinha uma história dessas para contar? Claro que não! Mesmo ao rela­tar seus sofrimentos, Paulo cuidou para que Cristo, não ele próprio, fosse glorificado.

É impossível ler esses versículos sem ad­mirar a coragem e a devoção do apóstolo Paulo. Cada provação deixou marcas em sua vida, e, no entanto, ele foi em frente servin­do ao Senhor: "Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo" (At 20:24).

Paulo certamente provou seu amor pela igreja. Era chegada a hora de a igreja provar seu amor por ele. Q ue possamos sempre dar o devido valor aos sacrifícios de outros no passado que nos permitem desfrutar hoje as bênçãos do evangelho.

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U m P reg a d o r n o P ara íso

2 C o r ín t io s 1 2 : 1 - 1 0

Esta seção é o ponto culm inante da defe­sa de Paulo de seu apostolado e de seu

amor pelos cristãos de Corinto. A princípio, havia se mostrado relutante em falar de suas experiências pessoais, mas era o único modo de resolver o problem a. Na verdade, para evitar exaltar a si mesmo, Paulo usa a tercei* ra pessoa do singular em vez da primeira. C om partilha com seus le itores três expe­riências com Deus.

1 . G l ó r ia : D e u s o h o n r o u (2 Co 12:1-6)O s judaizantes estavam ansiosos para rece­ber honras e se gabavam de suas "cartas de recom endação" (2 C o 3:1 ss). Paulo, no en­tanto, não procurava a honra dos homens; deixava que Deus o honrasse, pois é somen­te essa honra que importa.

Em primeiro lugar, Deus honrou Paulo dando-lhe visões e revelações. No dia de sua conversão, Paulo viu Cristo glorificado (At 9 :3 ; 22 :6 ). Teve uma visão de Ananias mi­nistrando-lhe (At 9 :12) e outra na qual Deus o cham ou para pregar aos gentios (At 22 :17).

Ao longo de seu ministério, recebeu vi­sões de Deus que o guiaram e encorajaram, com o no caso de seu cham ado para ir à M acedônia (At 16:9). Em m eio às dificulda­des do ministério em Corinto, Deus também encorajou Paulo com uma visão (At 18:9 ,10). Depois de ser preso em Jerusalém , o apóstolo voltou a ser encorajado por uma visão de Deus (At 23 :11 ). Em outra ocasião, um anjo lhe apareceu no meio da tempesta­de e lhe garantiu que todos os passageiros do navio onde ele se encontrava seriam sal­vos (At 27 :23 ).

11 Além dessas visões especificas relaciona­das a seu cham ado e ministério, o apóstolo também recebeu do Senhor certas verdades divinas (ver Ef 3:1-6). Deus lhe deu uma com ­preensão profunda de seu plano para esta era, e, sem dúvida, Paulo entendeu os mis­térios de Deus.

O Senhor também honrou Paulo levan­do-o para o céu e, depois, enviando-o de volta à Terra. Essa experiência maravilhosa ocorreu quatorze anos antes de ele escre­ver esta carta, ou seja, por volta do ano 43 d .C . e corresponde ao período entre sua partida de Tarso (At 9 :30 ) e a visita que re­cebeu de Barnabé (A t 11 :25 , 26). Não há registro algum dos detalhes desse aconteci­mento, e de nada adianta especular.

O s rabinos judeus costum avam referir- se a si mesmos na terceira pessoa do singu­lar, e Paulo adota essa abordagem ao expor esse acontecim ento aos seus amigos (e ini­migos) em Corinto. Foi uma experiência tão maravilhosa que o apóstolo não estava cer­to de se Deus o havia levado fisicam ente para o céu ou se seu espírito havia deixado o corpo. (Q ue contraste entre ser descido por uma cesta e ser "arrebatado até ao terceiro céu "!) N essa passagem , Paulo reafirm a a realidade do céu e mostra que Deus pode leva r seu povo para lá. O terceiro céu corresponde ao "paraíso", o céu dos céus, onde Deus habita em glória. G raças à ciên­cia moderna, o ser humano pode visitar o céu de nuvens (voando acima das nuvens) e o céu dos corpos celestes (andando na Lua), mas o ser hum ano não é cap az de chegar ao céu de Deus sem ajuda divina.

O mais interessante é que Paulo guar­dou essa experiência para si durante cator­ze anos! Ao longo desses anos, havia sido esbofeteado por seu "espinho na carne" e, talvez, levado as pessoas a se perguntarem por que sofria tam anha aflição. É possível que os judaizantes tenham adotado a mes­ma posição que os amigos de Jó e dito: "Essa aflição é castigo de Deus" (na verdade, era um a dádiva de D eus). Ta lvez alguns dos am igos m ais chegados de Paulo tenham procurado animá-lo dizendo: "Coragem , Pau­lo, um dia você estará no céu!". Ao que Paulo

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teria respondido: "Na verdade, já estive no céu e, por isso, tenho esse espinho!"

Deus honrou Paulo concedendo-lhe vi­sões e revelações e levando-o ao céu; no entanto, honrou seu servo ainda mais per­mitindo que ele ouvisse "palavras inefáveis" enquanto estava no céu. Paulo ouviu segre­dos divinos compartilhados no céu; coisas proferidas por Deus e pelos seres celestiais, mas impronunciáveis pelos seres humanos.

Acaso os judaizantes também poderiam relatar experiências desse tipo? Moisés, cujo relacionamento com Deus era tão íntimo, só se encontrou com o Senhor no alto da montanha; mas Paulo encontrou-se com o Senhor no paraíso. Havia exercitado gran­de disciplina espiritual durante aqueles ca­torze anos, pois não relatou a experiência a ninguém. Sem dúvida, essa visão da gló­ria de Deus deu forças ao apóstolo em sua vida e ministério. Quer estivesse na prisão, no abismo ou em viagens perigosas, sabia que Deus estava com ele e que tudo esta­va bem.

Iremos para o céu somente quando mor­rermos ou quando Jesus voltar. No entan­to, podemos encontrar grande estímulo no fato de que hoje estamos assentados com Cristo nos lugares celestiais (Ef 2:6). Temos uma posição de autoridade e de vitória aci­ma de todas as coisas (Ef 1:21, 22). Apesar de não termos visto a glória de Deus da mesma forma que Paulo, compartilhamos no presente dessa glória divina (Jo 1 7:22) e, um dia, entraremos no céu e contemplaremos a glória de Cristo (Jo 1 7:24).

Uma honra como essa teria enchido a maioria das pessoas de orgulho. Em vez de permanecerem caladas durante catorze anos, teriam espalhado o acontecimento para o mundo todo imediatamente e se tor­nado famosas. Mas Paulo não se orgulhou. Apenas disse a verdade - não se tratando, portanto, de vanglória - e deixou que os fa­tos falassem por si mesmos. Sua grande preo­cupação era que ninguém roubasse de Deus a glória que lhe era devida a fim de dá-la ao apóstolo. Desejava que outros julgassem sua pessoa e seu trabalho com honestidade (ver Rm 12:3).

Como foi possível Paulo ter uma expe­riência tão maravilhosa e, ainda assim, perma­necer tão humilde? Isso se deveu à segunda experiência que Deus lhe deu.

2. B o n d a d e : D eu s o h u m il h o u (2 Co 12:7, 8)Deus sabe como equilibrar nossa vida. Se ti­vermos apenas bênçãos, poderemos nos tor­nar orgulhosos; assim, permite que também tenhamos fardos. A experiência maravilhosa de Paulo no céu poderia ter arruinado seu ministério na Terra; em sua bondade, Deus permitiu que Satanás esbofeteasse Paulo, a fim de evitar que se tornasse orgulhoso.

O mistério do sofrimento não será inteira­mente resolvido nesta vida. Por vezes, sofre­mos pelo simples fato de sermos humanos. Nosso corpo muda à medida que envelhe­cemos e que nos tornamos mais suscetíveis aos problemas normais da vida. O mesmo corpo que nos dá prazer também nos causa dores. Os mesmos membros da família e amigos que nos alegram também magoam nosso coração. Faz parte da "comédia hu­mana", e a única maneira de escapar é dei­xar de ser plenamente humano, algo que ninguém deseja fazer.

Às vezes, sofremos porque somos insen­satos e desobedecemos ao Senhor. Nossa rebelião pode nos afligir, ou o Senhor pode escolher nos disciplinar em amor (Hb 12:3ss). O rei Davi sofreu grandemente por causa de seu pecado; as conseqüências foram dolorosas, como também o foi a disciplina de Deus (ver 2 Sm 12:1-22; SI 51). Em sua graça, Deus perdoa nossos pecados; mas, em sua soberania, nos permite colher o que semeamos.

O sofrimento também é um instrumen­to de Deus para construir um caráter pie­doso (Rm 5:1-5). Sem dúvida, Paulo era um homem rico em caráter cristão, pois permi­tiu que Deus o moldasse e transformasse por meio de experiências dolorosas de sua vida. Quando caminhamos à beira do mar, observamos que, nos lugares protegidos da água, as pedras são pontiagudas, mas nos lugares onde as ondas batem, são lisas e arredondadas. Deus pode usar as "ondas

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e vagalhões" da vida para nos polir, se assim0 permitirmos.

Paulo recebeu o espinho na carne para guardá-lo de pecar. Experiências espirituais em ocionantes - com o ir para o céu e voltar- costumam inflar o ego humano, e o orgu­lho conduz a inúmeras tentações. Se o or­gulho tivesse tomado conta do coração de Paulo, aqueles catorze anos teriam sido re­pletos de fracassos ao invés de sucessos.

Não sabem os o que era o espinho na carne do apóstolo. O termo traduzido por "esp inho" significa "um a estaca afiada usa­da para tortura ou em palação". Era uma afli­ção física de algum tipo que causava dor e agonia ao apóstolo. Alguns estudiosos da Bíblia acreditam que Paulo sofria de um pro­blem a de v isão (ver G l 6 :11 ), mas não é possível determ inar com certeza. É m elhor não saber exatam ente a natureza desse "es­pinho", pois, quaisquer que sejam os nos­sos sofrim entos, podem os aplicar as lições que Paulo aprendeu e, assim , também ser encora jados.

Com o havia feito no caso de Jó, Deus permitiu que Satanás afligisse Paulo (ver Jó1 - 2). Apesar de não entendermos plena­mente a origem do mal no universo nem os propósitos que Deus tinha em mente quan­do permitiu que o mal viesse a existir, sabe­mos que Deus controla o mal e que pode usá-lo até para a glória de seu nome. Sata­nás não pode afligir um cristão sem a per­missão de Deus. Tudo o que o inimigo fez a Jó e a Paulo foi dentro da vontade de Deus.

Satanás recebeu permissão de "esbofe­tear" Paulo. O termo significa "bater, acertar com o punho". O tempo do verbo indica que essa dor era constante ou repetitiva. Q uan­do param os para pensar que Paulo tinha cartas a escrever, viagens a fazer, sermões a pregar, igrejas a visitar, perigos a enfrentar enquanto m in istrava , podem os entender com o se tratava de um problema sério. Não é de admirar que o apóstolo orasse três ve­zes (com o Jesus havia feito no jardim [M c 14:32-41]) pedindo que a aflição fosse re­movida (2 Co 12 :8).

Q uando Deus permite o sofrimento em nossa vida, há várias maneiras de lidar com

ele. Alguns ficam amargurados e colocam a culpa em Deus por privá-los de sua liberda­de e prazer. O utros sim plesm ente "desis­tem " e não recebem bênção alguma por meio dessa experiência, pois não a enfren­tam com coragem. Outros rangem os dentes, colocam uma m áscara de valentia, determi­nados a "suportar até o fim ". Apesar de ser uma reação corajosa, normalmente ela es­gota todas as forças necessárias para a vida diária, e, depois de um tempo, não é raro ocorrer um colapso.

Paulo pecava ao pedir que fosse livrado dos ataques de Satanás? Creio que não. E normal um cristão pedir que Deus o livre de enfermidades e de dores. Deus não prome­teu curar todos os cristãos que lhe pedirem em oração, mas nos incentiva a levar até ele nossos fardos e necessidades. Paulo não sabia se esse "espinho na carne" era uma provação tem porária ou uma experiência permanente com a qual teria de conviver.

Há quem acredite que um cristão aflito envergonha o nom e de Deus. D e acordo com essas pessoas: "Se vo cê obedece a Deus e se apropria de tudo o que tem direi­to em C risto , nunca ficará doente". Não encontrei esse ensinamento em parte algu­ma da Bíblia. Por certo, Deus prometeu ao povo de Israel bênçãos especiais e prote­ção dentro da antiga aliança (D t 7 :12ss), mas em momento algum prometeu aos cristãos do Novo Testamento que seriam imunes a enfermidades e sofrimentos. Se Paulo tinha acesso a uma "cura instantânea" em função de seu relacionamento com Cristo, então por que não lançou mão desse recurso para si mesmo e para outros, com o, por exemplo, Epafrodito? (Fp 2 :25ss).

Q ue contraste gritante entre as duas ex­periências do apóstolo! Passou do paraíso à dor, da glória ao sofrimento. Provou a bên­ção de Deus no céu e sentiu os golpes de Satanás na Terra. Passou do êxtase à agonia, no entanto as duas coisas andam juntas. Uma só experiência de glória o preparou para as experiências constantes de sofrimento, pois sabia que Deus podia suprir sua necessidade. Paulo havia sido elevado ao céu, mas apren­deu que o céu também podia vir até ele.

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3 . G r a ç a : D eu s o a j u d o u (2 Co 12:9, 10)Essa experiência dolorosa contém duas men­sagens. O espinho na carne era a mensa­gem de Satanás a Paulo, mas Deus tinha outra mensagem para seu servo, uma men­sagem acerca da graça. O tempo do verbo em 2 Coríntios 12:9 é importante: "Então ele [Deus] me disse de uma vez por todas". Deus deu a Pauio uma mensagem que fi­cou com ele. Não lhe foi permitido compar­tilhar conosco as palavras que ouviu no céu; mas pôde compartilhar as palavras que Deus lhe deu na Terra - palavras de grande estí­mulo para nós hoje.

Foi uma mensagem de graça. Mas o que é graça? É a provisão de Deus para tudo de que precisamos, quando precisamos. Al­guém disse bem que Deus, em sua graça, nos dá o que não merecemos e, em sua misericórdia, deixa de nos dar o que mere­cemos. Outra pessoa definiu a graça como "as riquezas de Deus disponíveis à custa de Cristo". "Porque todos nós temos recebido da sua plenitude [de Cristo] e graça sobre graça" (Jo 1:16).

Foi uma mensagem de graça suficiente. A graça nunca está em falta. Deus é sufi­ciente para nosso ministério espiritual (2 Co 3:4-6), para nossas necessidades materiais (2 Co 9:8) e para nossas necessidades físicas (2 Co 12:9). Se a graça de Deus é suficiente para nos salvar, sem dúvida é suficiente para nos guardar e fortalecer em nossos momen­tos de sofrimento.

Foi uma mensagem de graça fortalecedo- ra. Deus nos permite enfraquecer, para que possamos receber sua força. Trata-se de um processo contínuo: "Porque o [meu] poder se aperfeiçoa [está se aperfeiçoando] na [sua] fraqueza" (2 Co 12:9). A força que sabe que é forte, na verdade é fraqueza, mas a fraqueza que sabe que é fraca, na verdade é força.

Na vida cristã, muitas das bênçãos que recebemos vêm por meio da transformação, não da substituição. Ao orar três vezes ro­gando que sua dor fosse removida, Paulo pediu uma substituição: "dá-me saúde em vez de enfermidade; livramento, em vez de

dor e fraqueza". Por vezes, Deus supre a necessidade pela substituição; em outras ocasiões, supre pela transformação. Ele não remove a aflição, mas nos dá sua graça, de modo que a aflição trabalhe em nosso favor, não contra nós.

Enquanto Paulo orava sobre seu proble­ma, Deus lhe deu uma compreensão mais profunda daquilo que fazia em sua vida. Paulo descobriu que o espinho na carne era uma dádiva de Deus. Que presente mais estranho! Havia apenas uma coisa a fazer: Paulo devia aceitar esse presente e permitir que Deus cumprisse seus propósitos. Deus desejava guardar Paulo de se exaltar, e esse foi o meio que lhe aprouve usar para cum­prir esse propósito.

Quando Paulo aceitou sua aflição como uma dádiva de Deus, permitiu, com isso, que a graça de Deus operasse em sua vida. Foi então que Deus lhe falou e lhe garantiu a sua graça. Sempre que passamos por afli­ções, convém gastar mais tempo estudando a Palavra de Deus; podemos estar certos de que Deus falará a nosso coração. Ele sem­pre tem uma mensagem especial a seus fi­lhos quando estão aflitos.

Deus não ofereceu qualquer explicação a Paulo; em vez disso, lhe deu uma promes­sa: "A minha graça te basta". Não vivemos de explicações; vivemos de promessas. Nos­sos sentimentos mudam, mas as promessas de Deus são sempre as mesmas. As promes­sas geram fé, e a fé fortalece a esperança.

Paulo apropriou-se da promessa de Deus e se valeu da graça que lhe foi oferecida; esse passo transformou em triunfo o que, antes, havia parecido uma tragédia. Deus não mudou a situação removendo a aflição; mudou-a acrescentando um ingrediente novo: a graça. Nosso Deus é "o Deus de toda graça" (1 Pe 5:10) e está assentado no "trono da graça" (Hb 4:16). A Palavra de Deus é a "palavra da sua graça" (At 20:32) e, de acordo com sua promessa, ele "dá maior graça" (Tg 4:6). Sob qualquer ponto de vis­ta, a graça de Deus é suficiente para todas as nossas necessidades.

No entanto, Deus não nos concede sua graça simplesmente para que possamos

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"suportar" os sofrimentos. Até mesmo os não convertidos podem demonstrar enorm e ca­pacidade de suportar a dor. A graça de Deus deve perm itir que nos elevem os a cima de todas as circunstâncias e sentimentos e fa­zer com que nossas aflições trabalhem em nosso favor, para nosso bem . Deus deseja construir nosso caráter de modo a nos tor­nar mais semelhantes ao nosso Salvador. A graça de Deus permitiu que Paulo não ape­nas aceitasse suas aflições, mas se glorias­se nelas. Seu sofrimento não era um tirano que o controlava, mas um servo que traba­lhava para ele.

Q u e benefícios Paulo colheu desse so­frimento? Em primeiro lugar, experim entouo poder de Cristo em sua vida. Deus trans­formou a fraqueza de Paulo em força. O ter­mo traduzido por repousar significa "abrir uma tenda sobre algo". Paulo considerava seu corpo uma tenda frágil (2 Co 5:1 ss), mas a glória de Deus havia entrado nessa tenda e a transformara num santo tabernáculo.

Além disso, o apóstolo foi capaz de se gloriar em suas enferm idades. Isso não sig­nifica que preferia a dor à saúde, mas que aprendeu a se beneficiar das enfermidades.O que determinou essa diferença? Ele "[sen­tiu] prazer nas fraquezas" e problemas, não porque era em ocionalm ente desequilibrado e gostava da dor, mas porque sofria por amor a Jesus Cristo. G lorificava a Deus com seu m odo de aceitar e de lidar com as experiên­cias difíceis da vida.

Nas palavras de P. T. Forsyth: "É mais for­m idável orar pedindo a conversão da dor do que sua rem oção". Paulo conquistou a vitória, não pela substituição, mas pela trans­form ação. Descobriu a suficiência da graça de Deus.

A partir da experiência de Paulo, pode­mos aprender várias lições práticas.

1. Para o cristão devoto, o espiritual é mais importante que o físico. Não se trata de uma sugestão de que devem os ignorar o aspec­to físico, pois nosso corpo é templo do Es­pírito de D eus. S ignifica, porém , que não devem os procurar fazer de nosso corpo um fim em si. Ele é um instrum ento de D eus

Deus faz para desenvolver nosso caráter cris­tão é muito mais importante do que a cura física sem caráter.

2. Deus sabe equilibrar em nossa vida as bênçãos e os fardos, o sofrimento e a glória. A vida é parecida com a fórm ula de um re­m édio: se os ingredientes são tomados se­paradamente, podem causar a morte, mas, quando misturados da m aneira correta e na devida proporção, podem nos ajudar.

3. Nem toda enfermidade é causada pelo pecado. De acordo com a argumentação dos amigos de Jó, ele havia pecado, por isso esta­va sofrendo. No entanto, essa linha de racio­cínio estava completamente errada no caso de Jó e também não se aplica a Paulo. Há ocasiões em que Deus permite aflições de Satanás, a fim de realizar, por meios delas, seus propósitos maravilhosos em nossa vida.

4. O pecado é pior que a enfermidade; e o pior pecado de todos é o orgulho. A pessoa saudável que se rebela contra Deus está em piores condições do que a pessoa aflita que se subm ete a Deus e que desfru­ta sua graça. É um paradoxo - uma evidên­cia da soberania d ivina - Deus ter usado Satanás, o mais orgulhoso de todos os se­res, para conservar a humildade de Paulo.

5. A aflição física não deve ser um impedi­mento para o serviço cristão eficaz. O s cris­tãos de hoje têm a tendência de ser cheios de caprichos e de usar qualquer pequeno desconforto ou dor com o desculpa para não ir à igreja ou para recusar alguma oportuni­dade de servir ao Senhor. Paulo não permitiu que seu espinho na carne fosse uma pedra de tropeço. Antes, deixou que Deus transfor­masse esse espinho em uma pedra de apoio.

6. Podemos sempre descansar na Palavra de Deus. Ele sem pre tem uma mensagem de encorajam ento para nós em tempos de tribulação e de sofrimento.

M adam e G uyon, a grande mística fran­cesa, escreveu certa vez a uma amiga aflita: "Ah! se você soubesse do poder inerente à agonia que é aceita!"

Paulo conhecia esse poder, pois confia­va na vontade de Deus e dependia da graça de Deus, e esse mesmo poder nos é ofere-

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Quando Paulo se aproxima do final da carta, seu amor aos coríntios o leva a tazer um último apelo. Não desejava que

sua terceira visita à igreja deles fosse outra experiência dolorosa para ambas as partes. Havia aberto o coração, explicado seu mi­nistério, respondido a suas acusações e ins­tado que se sujeitassem à Palavra de Deus e que obedecessem ao Senhor. O que mais lhe restava dizer ou fazer?

Nesta última seção da epístola, Paulo usa três abordagens, na tentativa de motivar os coríntios à obediência e à submissão.

1 . V e r g o n h a (2 Co 1 2 : 1 1 - 2 1 )É bom quando as pessoas são capazes de se envergonhar de suas atitudes e atos erra­dos. Quando uma pessoa culpada não sente mais vergonha, é sinal que seu coração está endurecido, e sua consciência, cauterizada. "Serão envergonhados, porque cometem abominação sem sentir por isso vergonha; nem sabem que coisa é envergonhar-se. Portanto, cairão com os que caem; quando eu os castigar, tropeçarão, diz o S e n h o r " {Jr 6 :15).

Em primeiro lugar, Paulo chama a aten­ção dos coríntios por seu menosprezo (2 Co 12:11-13). Deveriam elogiar o apóstolo em vez de obrigá-lo a gloriar-se de si mesmo. No entanto, estavam se gabando dos "supe- rapóstolos", os judaizantes, que haviam con­quistado sua afeição e que controlavam a igreja.

Por acaso Paulo era inferior a esses ho­mens? De maneira alguma! Os coríntios vi­ram Paulo trabalhar; na verdade, lhe deviam a alma. O apóstolo havia realizado no meio

deles sinais miraculosos que provavam seu apostolado (Hb 2:1-4). Havia perseverado em seu ministério em Corinto apesar de todas as perseguições exteriores e proble­mas interiores. Além do mais, não havia dado despesa alguma à igreja. Paulo volta a usar de certa ironia ao escrever: "Porque, em que tendes vós sido inferiores às de­mais igrejas, senão neste fato de não vos ter sido pesado? Perdoai-me esta injustiça" (2 Co 12:13).

Um dos perigos que corremos na vida cristã é de nos acostumarmos às bênçãos. Um pastor dedicado ou um professor de Escola Bíblica Dominical pode fazer tanta coisa por nós que acabamos não dando o devido valor a seu ministério. (Devo ser jus­to e dizer que, por vezes, os pastores tam­bém não dão o devido valor aos membros de sua igreja.) Essa atitude levou Paulo a cham ar a atenção dos coríntios por seu desapreço (2 Co 12:14-18).

Apesar das dificuldades envolvidas, Pau­lo havia sido fiel em visitar os coríntios e estava prestes a voltar para vê-los (ver 2 Co1 3:1). Em vez de ficarem gratos, os coríntios criticaram Paulo por sua mudança de planos.O apóstolo não havia aceitado nenhuma contribuição da igreja para seu sustento; antes, havia se sacrificado por essa congrega­ção. No entanto, os coríntios não estavam dispostos a mostrar sua apreciação compar­tilhando suas riquezas com outros. Parecia que, quanto mais Paulo os amava, menos eles retribuíam seu amor! Essa atitude devia- se ao fato de não terem amor sincero por Cristo (2 Co 11:3). Paulo estava disposto a "se gastar e se deixar gastar" a fim de ajudar a igreja.

Os judaizantes haviam empregado méto­dos astutos para explorar a igreja (ver 2 Co 4 :2 ), mas Paulo fora sincero e os havia trata­do sem dolo algum. O único "artifício" usa­do pelo apóstolo havia sido sua recusa em receber deles seu sustento. Com isso, os havia desarmado e impedido de acusá-lo de estar interessado somente em dinheiro. Ne­nhum dos colaboradores enviados por Pau­lo havia explorado os coríntios de algum modo nem se aproveitado deles.

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É triste quando os filhos não apreciam o que os pais fazem por eles. Também é triste quando os filhos de Deus não dão o devido valor ao que seus "pais espirituais" fazem por eles. Q ual é a causa dessa falta de apre­ciação? Paulo trata dessa questão no pará­grafo seguinte: a falta de consagração (2 Co 12 :19-21). H avia pecados terríveis dentro daquela igreja, e Paulo desejava que fossem tratados e abandonados de uma vez por todas antes que chegasse. Do contrário, sua visita seria mais uma experiência dolorosa.

É provável que alguns membros da igre­ja dissessem: "Se Paulo vier nos visitar outra vez, criará mais problemas!" Paulo deixa cla­ro que seu desejo é resolver os problemas e forta lecer a igreja. O s pecados dentro da igreja devem ser encarados com honestida­de e tratados com coragem. Varrê-los para debaixo do tapete só piora a situação. O pecado dentro da igreja é com o um câncer no corpo humano: deve ser extirpado.

Vejamos as transgressões das quais a igre­ja era culpada, que deveriam ter sido con­fe ssad as e d e ixa d a s . Eram cu lp ad o s de altercações ("contendas") porque invejavam a outros. Tinham ataques de raiva ("iras"). Promoviam fofocas e tramas ("intrigas") no m eio da congregação. Tudo isso tinha com o origem sua presunção e uma idéia exage­rada de im portância ("orgulho") e resultava em desordem ("tumultos") dentro da igreja (2 Co 12 :20). Se com pararm os essa lista de pecados com 1 Coríntios 13, verem os o que estava em falta na congregação: amor.

Ao lado desses "pecados do espírito" (2 C o 7 :1 ), também havia os pecados vul­gares da carne - "im pureza, prostituição e lascívia". Paulo tratou dessas questões em1 Coríntios 5 e 6, mas alguns dos transgres­sores persistiam em sua desobediência. Em vez de se entregarem à nova vida, permi­tiam que a velha natureza os contro lasse novamente (1 C o 6:9-11).

Paulo não estava ansioso para fazer essa terceira visita. Tem ia não encontrar a igreja nas cond ições em que desejava e que eles também se frustrassem em suas expectativas com relação ao apóstolo. M as Paulo pro­m eteu que, m esm o estando hum ilhado e

profundamente entristecido (neste caso , o verbo chorar se refere a "prantear os mor­tos"), ainda assim usaria sua autoridade para colocar as coisas em ordem . Seu amor por eles era grande demais para ignorar os pro­blemas e permitir que continuassem a en­fraquecer a igreja.

O s coríntios deveriam estar envergonha­dos, mas não estavam. A fim de garantir a clareza de sua mensagem, Paulo usa outra abordagem.

2. A d v e r t ê n c ia (2 Co 13:1-8)Esta passagem contém duas advertências.

"Preparem-se1" (w . 1-4). Ao tratar do pecado na igreja local, devemos saber dos fatos, não apenas dos boatos. Paulo cita D euteronôm io 1 9 :15 , e encontram os pa­ralelos em Números 35 :30 , M ateus 18 :16 e1 Tim óteo 5 :19 : A presença de testemunhas ajudaria a garantir a veracidade, especialm en­te tendo em vista a total desarm onia em que se encontrava aquela com unidade cristã.

Se os membros da congregação de Co­rinto tivessem seguido as instruções dadas por Jesus em M ateus 18:15-20, teriam con­seguido resolver a m aioria dos problem as por conta própria. Já vi pequenos desenten­dimentos na igreja se transformarem em pro­blemas enormes e com plicados, só porque os cristãos não obedeceram às instruções de Cristo . O pastor e a congregação não devem se envolver em uma questão até que os indivíduos em conflito tenham buscado sinceramente uma solução.

O s judaizantes na igreja haviam acusa­do Paulo de ser um homem fraco (ver 2 Co 10:7-11). Sua abordagem ao ministério era autoritária e d itato ria l, enquanto a abor­dagem de Paulo era mansa e hum ilde (ver2 Co 1:24). Agora, Paulo assevera que, caso se/a necessário, pode ser enérgico. Sua ad­vertência é: "N ão os pouparei!", e usa um termo que significa "poupar na batalha". Em resumo, Paulo declarava guerra a qualquer um que se opusesse à autoridade da Pala­vra de Deus.

"Então, que Paulo prove ser um verda­deiro apóstolo!", desafiaram seus oponen­tes; ao que o apóstolo respondeu: "Assim

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como Jesus Cristo, quando pareço fraco é que sou forte". Na cruz, Jesus Cristo mani­festou fraqueza; mas a cruz ainda é "poder de Deus" (1 Co 1:18). Paulo já explicou seu método de guerra espiritual (2 Co 10:1-6) e advertiu seus leitores a que olhassem além da aparência superficial das coisas.

Pelos padrões do mundo, tanto Jesus quanto Paulo foram fracos; mas, pelos pa­drões do Senhor, ambos foram fortes. O obreiro sábio e maduro sabe quando ser "fra­co" e quando ser "forte" ao tratar dos pro­blemas de disciplina na igreja local.

Um pastor amigo meu, que agora está no céu, costumava pregar de maneira muito tranqüila e usava uma abordagem semelhan­te em seu ministério pessoal. Depois de ou­vir um de seus sermões, uma visitante disse:

- Fiquei esperando para ver quando ele começaria a pregar de verdade!

Estava acostumada a ouvir pastores pre­gando aos brados, gerando mais calor do que luz. No entanto, meu amigo construiu uma igreja forte, pois sabia quais eram os verdadeiros paradigmas do ministério. Sa­bia como ser "fraco em Cristo" e também sabia como ser "forte".

De que maneira as pessoas avaliam o ministério nos dias de hoje? Pela retórica poderosa ou pelo conteúdo bíblico? Pelo caráter cristão ou por aquilo que a mídia diz? Muitos cristãos seguem os padrões do mundo ao avaliar os ministérios, quando, na verdade, deveriam prestar atenção aos pa­drões de Deus.

"Examinai-vos" (w. 5-8). Este parágrafo é uma aplicação do termo prova que Paulo usa em 2 Coríntios 13:3: "vocês têm me exa­minado", escreve o apóstolo, "mas por que não examinam a si mesmos?" Tenho obser­vado em meu ministério que os que exami­nam e condenam os outros mais depressa são, muitas vezes, os mesmos que têm den­tro de si os pecados mais sérios. Aliás, uma forma de melhorar nossa imagem é conde­nar outra pessoa.

Em primeiro lugar, Paulo diz aos coríntios que devem examinar seu coração a fim de determinar se são, de fato, nascidos de no­vo e membros da família de Deus. Você tem

o testemunho do Espírito Santo no coração? (Rm 8:9, 16). Ama seus irmãos e suas irmãs em Cristo? (1 Jo 3:14). Pratica a justiça? (1 Jo 2:29; 3:9). Venceu o mundo e, portanto, leva uma vida de separação piedosa? (1 Jo 5:4). Essas são apenas algumas perguntas que podemos aplicar a nossa vida para nos cer­tificarmos de que somos filhos de Deus.

Em uma das igrejas que pastoreei, tínha­mos um adolescente que era o centro de quase todos problemas do grupo de jovens. Era um músico talentoso e membro da igre­ja, mas, ainda assim, problemático. Durante um retiro de que ele participou nas férias, os líderes da mocidade e eu combinamos de orar juntos por ele todos os dias. Em uma das reuniões do retiro, levantou-se e anun­ciou que havia sido salvo naquela semana! Sua profissão de fé cristã, até então, não passara de uma farsa. Esse rapaz experimen­tou uma mudança dramática em sua vida e, hoje, serve ao Senhor fielmente.

Sem dúvida, muitos dos problemas da igreja de Corinto eram causados por pes­soas que se diziam salvas, mas que, na verda­de, nunca haviam se arrependido nem crido em Jesus Cristo. Nossas igrejas estão cheias de gente assim hoje. Paulo as chama de re­provadas, que significa "falsificadas, desacre­ditadas depois de uma prova". O apóstolo volta a usar essa palavra em 2 Coríntios 13:6,7, enfatizando a importância de uma pes­soa saber com certeza que é salva e vai para o céu (ver 1 Jo 5:11-13).

Em 2 Coríntios 13:7, Paulo deixa claro que não desejava que os coríntios fossem reprovados no teste só para mostrar que es­tava certo. Também não desejava que levas­sem uma vida piedosa só para o apóstolo poder se gabar deles. Não se importava de ser criticado por causa deles, desde que es­tivessem obedecendo ao Senhor. Não se preocupava com a própria reputação, pois o Senhor conhecia seu coração; estava, sim, preocupado com seu caráter cristão.

O mais importante é a verdade do evan­gelho e a Palavra de Deus (2 Co 13:8). Paulo não diz aqui que é impossível atacar a ver­dade ou obstruí-la, pois era exatamente isso o que estava acontecendo naquela época

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na igreja de Corin to . Antes, afirm a que ele e seus colaboradores desejavam que a ver­dade p reva lecesse a todo custo , estando determ inados a não obstruir essa verdade, e sim a propagá-la. No final, a verdade de D eus prevalecerá, então por que se opor a ela? "N ão há sabedoria , nem inteligência, nem m esm o conselho contra o S e n h o r " (Pv 21 :3 0 ).

3. E n c o r a j a m e n t o (2 Co 13:9-13)Em p rim e iro lugar, P au lo e n c o ra jo u os coríntios com suas orações pessoais em fa­vor deles (2 C o 13 :9 ). O term o traduzido por pedir tem o sentido de "orar". O após­tolo orava pedindo perfeição, o que não sig­nifica uma perfeição absoluta e im pecável, mas sim "m aturidade espiritual". O termo faz parte de um grupo de palavras gregas que quer d izer "ser adequado, estar equipado". Com o term o técn ico m édico, significa: "C o r­rigir uma fratura óssea, co locar no lugar um m em bro retorcido". Tam bém pode signifi­car "preparar um navio para uma viagem " e "equ ipar um exército para a batalha". Em M ateus 4 :2 1 , é traduzido por "consertando as redes".

Um dos ministérios de nosso Senhor res- surreto é aperfe içoar seu povo (Hb 13 :20 , 21) . Ele usa a Palavra de Deus (2 Tm 3:16,17), na com unhão da igreja local (Ef 4 :1 1 ­16), a fim de preparar o povo para a vida e o serviço (1 Pe 5:10) . À m edida que os cris­tãos oram uns pelos outros {1 Ts 3 :10) e aju­dam uns aos outros pessoalm ente (ver G l 6:1, em que o verbo "corrig ir" é uma tradu­ção desse m esm o term o "aperfe içoar"), o Senhor exaltado ministra a sua Igreja e a ca­pacita para o m inistério.

E im possível haver crescim ento cristão e um m inistério equilibrado em iso lam ento . Alguém disse que criar um cristão sozinho é tão im possível quanto cria r um a abelha so z in h a . O s c ris tão s p e rten cem uns aos outros e precisam uns dos outros. A fim de se tornar uma criança equilibrada e normal, um bebê precisa crescer dentro de uma famí­lia amorosa. A ênfase de hoje sobre o "cristão com o indivíduo" separado de seu lugar na

perigosa. Som os ovelhas e, portanto, deve­mos fazer parte de um rebanho. Somos mem­bros do m esm o corpo e devem os ministrar uns aos outros.

Em 2 Coríntios 13:10, Paulo dá aos co­ríntios mais um encorajam ento - a Palavra de Deus. O apóstolo escreveu esta carta pa­ra suprir as necessidades im ediatas de uma congregação local, mas hoje podem os nos beneficiar desse conteúdo, pois faz parte da Palavra inspirada de Deus. A epístola tem a m esma autoridade que a presença do pró­prio apóstolo. O grande desejo de Paulo era que a o b ed iên c ia da co n g reg ação a sua carta resolvesse os problem as pendentes, de modo que não precisasse exercer autorida­de quando fosse visitar essa igreja.

Por vezes , o m inistro da Palavra deve derrubar antes de edificar (ver Jr 1:7-10). O agricultor deve arrancar as ervas daninhas antes de plantar as sem entes e de ter uma colheita farta. Paulo teve de destruir o racio­cín io incorreto dos coríntios (2 C o 10:4-6) antes de poder construir a verdade em seu coração e em sua m ente. A atitude negativa dos coríntios obrigou Paulo a destruir, mas seu grande desejo era construir.

Em meu próprio m inistério, passei por duas construções e duas reformas de tem­plos e, apesar río todos os percalços, creio que é mais fácil construir. É muito mais sim­ples e barato levantar uma estrutura nova num terreno vazio do que derrubar paredes e tentar reform ar um a co nstrução antiga. Sem elhantem ente, é muito mais fácil ensi­nar a Palavra a um recém -convertido do que tentar m udar o pensam ento errado de um cristão mais velho. C once itos equivocados podem im pedir o acesso à verdade, e é pre­ciso que o Espírito de Deus derrube todas as barreiras da mente.

Paulo incentiva os cristãos a cultivar a gra­ça, o amor e a paz (2 C o 13:11, 12). O ter­mo traduzido por "adeus" significa "graça", um a form a com um da saudação naquela época. A ordem "aperfeiçoai-vos" é relacio­nada à oração de Paulo 2 Coríntios 13:9 e dá a idéia de "sejam m aduros, restaurados e preparados para a v ida". Consolai-vos sig-

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os seus pecados e problemas, tinham todo o direito de se animar.

"V ivei em paz" era uma admoestação necessária, pois havia divisão e dissensão na igreja (ver 2 Co 12:20). Se praticassem o amor e buscassem a unidade, as guerras cessariam, e eles desfrutariam de paz em sua comunhão. "Sede do mesmo parecer" não significa que todos deveriam concordar so­bre tudo, mas que deveriam concordar em não discordar nas questões secundárias.

Nosso Deus é "o Deus de amor e de paz" (2 Co 13:11). Será que o mundo a nos­so redor é capaz de perceber essa realidade pela forma como vivemos e conduzimos os negócios da igreja? "Vejam como amam uns aos outros!", foi o que o mundo perdido dis­se sobre a Igreja primitiva, mas há muito tem­po a Igreja não tem se mostrado digna desse tipo de elogio.

Desde a Antiguidade, o beijo ("ósculo") é uma forma de saudação e um gesto de amor e de comunhão, sendo trocado entre membros do mesmo sexo. A Igreja primitiva costumava usar o beijo da paz e o beijo do amor como prova de sua afeição e de preo­cupação uns pelos outros. Era um "ósculo santo", santificado por sua devoção para com Jesus Cristo. O s membros da Igreja pri­mitiva muitas vezes beijavam os recém-con- vertidos depois que estes eram batizados, como sinal de que os recebiam de braços abertos na comunhão.

A comunhão diária com o povo de Deus é importante para a igreja. Devem os nos saudar mesmo quando não estamos em uma reunião da igreja, demonstrando preocupa­ção uns pelos outros. Ao dar essa admoesta­ção em 2 Corintios 13:12, Paulo certamente apontava, de maneira enérgica, para um dos

problemas mais sérios da igreja: sua divisão e falta de consideração uns pelos outros.

A bênção final em 2 Corintios 13:13 é uma das prediletas das igrejas. Enfatiza a Trin­dade (ver Mt 28:19) e as bênçãos que po­demos receber pelo fato de pertencermos a Deus. A graça do Senhor Jesus Cristo nos traz à memória seu nascimento, quando ele se fez pobre a fim de nos tornar ricos (ver 2 Co 8 :9 ). O amor de Deus nos leva ao Calvário, onde Deus deu seu Filho como sacrifício por nossos pecados (Jo 3:16). A comunhão do Espírito Santo nos lembra Pentecostes, quan­do o Espírito de Deus veio e formou a Igreja (At 2).

O s cristãos de Corinto, naquela época, e todos os cristãos hoje precisam encareci- damente das bênçãos da graça, do amor e da comunhão. Os judaizantes daquela épo­ca, assim como as seitas de hoje, enfatizavam a Lei em vez da graça, a exclusividade em vez do amor e a independência em vez da comunhão. Se ao menos o povo tivesse vi­vido pela graça e o amor de Deus, a com­petição na igreja de Corinto e as divisões resultantes teriam sido evitadas.

A Igreja é um milagre e pode ser susten­tada somente pelo ministério de Deus. Não há talento, capacidade ou plano humano capaz de transformar a Igreja no que ela deve ser. Somente Deus pode fazer isso. Se cada cristão depender da graça de Deus, cami­nhar em amor a Deus e participar da comu­nhão do Espírito, não andando na carne, será uma parte da solução, não do problema. Estará vivendo essa bênção e sendo uma bênção a outros!

Devemos pedir a Deus que nos transfor­me em cristãos desse tipo. Sejamos encora­jados e encorajemos a outros!