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PRINC˝PIOS DE SEMIOTCNICA E DE INTERPRETA˙ˆO DO EXAME CL˝NICO DO ABDMEN PRINCIPLES OF SEMIOTECHNIC AND INTERPRETATION OF THE ABDOMEN CLINICAL EXAMINATION Ulysses G. Meneghelli & Ana L. C. Martinelli Docentes. Divisªo de Gastroenterologia. Departamento de Clnica MØdica. Faculdade de Medicina de Ribeirªo Preto - USP. CORRESPOND˚NCIA: Ulysses G. Meneghelli. Divisªo de Gastroenterologia. Departamento de Clnica MØdica.Faculdade de Medicina de Ribeirªo Preto -USP. Campus UniversitÆrio de Monte Alegre. CEP 14049-900 Ribeirªo Preto - SP. Fax (16) 633.6695 e.mail: [email protected] MENEGHELLI UG & MARTINELLI ALC. Princpios de semiotØcnica e de interpretaªo do exame clnico do abdmen. Medicina, Ribeirªo Preto, 37: 267-285, jul./dez 2004. RESUMO: O propsito desta publicaªo Ø o de levar aos alunos de Graduaªo em Medicina alguns conhecimentos bÆsicos sobre como fazer e como interpretar o exame clnico do abd- men. Para alcanar o objetivo, procurou-se desenvolver os vinte e oito objetivos enunciados pela coordenadoria do Curso de Semiologia MØdica do Departamento de Clnica MØdica da Faculda- de de Medicina de Ribeirªo Preto (USP) e que sªo exigidos dos respectivos alunos, juntamente com a avaliaªo do desempenho prÆtico. O conteœdo abrange, de forma sumÆria, os principais tpicos da inspeªo, ausculta, palpaªo e percussªo do abdmen. UNITERMOS: Exame Clnico. Semiologia. Inspeªo. Auscultaªo. Palpaªo. Percussªo. Abdomen. 267 Medicina, Ribeirªo Preto, Simpsio SEMIOLOGIA 37: 267-285, jul./dez 2004 Captulo IX A descriªo que serÆ feita limita-se a trazer ele- mentos para a execuªo e compreensªo dos vinte e oito itens constantes do Roteiro de Objetivos do exa- me do abdmen do Curso de Semiologia Geral (RCG 314), ministrado pelo Departamento de Clnica MØdi- ca da Faculdade de Medicina de Ribeirªo Preto (USP), no ano de 2003, aos alunos do terceiro ano mØdico. Considerando que o curso Ø muito condensado, dis- pondo os alunos de restrito tempo para o estudo nos compŒndios, procurou-se direcionar o aprendizado da semiologia do abdmen para um conjunto de vinte e oito objetivos bem definidos, que representariam o m- nimo necessÆrio para o futuro mØdico iniciar seu trei- namento na ciŒncia e na arte do exame fsico desse segmento do corpo humano. Evidentemente, Ø, ape- nas, uma base terica para o indispensÆvel ensino prÆ- tico, intensivo, ministrado por docente experimentado, e para pequenos grupos de alunos (mÆximo de sete). No final, indicam-se algumas obras que serviram de referŒncia para esta apresentaªo e que podem servir como fonte de informaıes complementares ao leitor. Na semiologia do abdmen, sªo empregados os tradicionais mØtodos de inspeªo, ausculta, palpaªo e percussªo, de preferŒncia na ordem indicada. OBJETIVOS 1 Delimitar, a partir dos referenciais adequados, as regiıes topogrÆficas da face anterior do abdmen (epigÆstrio, mesogÆstrio, hipogÆs- trio, hipocndrios, flancos, fossas ilacas e qua- drantes superiores e inferiores) A divisªo topogrÆfica do abdmen Ø necessÆria para o mØdico fazer referŒncia acerca da localizaªo e irradiaªo de dores ou de outros sintomas abdomi-

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Page 1: 9 Princípios de semiotécnica

PRINCÍPIOS DE SEMIOTÉCNICA E DE INTERPRETAÇÃODO EXAME CLÍNICO DO ABDÔMEN

PRINCIPLES OF SEMIOTECHNIC AND INTERPRETATION OFTHE ABDOMEN CLINICAL EXAMINATION

Ulysses G. Meneghelli & Ana L. C. Martinelli

Docentes. Divisão de Gastroenterologia. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.CORRESPONDÊNCIA: Ulysses G. Meneghelli. Divisão de Gastroenterologia. Departamento de Clínica Médica.Faculdade de Medicina deRibeirão Preto -USP. Campus Universitário de Monte Alegre. CEP 14049-900 Ribeirão Preto - SP. Fax (16) 633.6695 e.mail:[email protected]

MENEGHELLI UG & MARTINELLI ALC. Princípios de semiotécnica e de interpretação do exame clínico doabdômen. Medicina, Ribeirão Preto, 37: 267-285, jul./dez 2004.

RESUMO: O propósito desta publicação é o de levar aos alunos de Graduação em Medicinaalguns conhecimentos básicos sobre como fazer e como interpretar o exame clínico do abdô-men. Para alcançar o objetivo, procurou-se desenvolver os vinte e oito objetivos enunciados pelacoordenadoria do Curso de Semiologia Médica do Departamento de Clínica Médica da Faculda-de de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e que são exigidos dos respectivos alunos, juntamentecom a avaliação do desempenho prático. O conteúdo abrange, de forma sumária, os principaistópicos da inspeção, ausculta, palpação e percussão do abdômen.

UNITERMOS: Exame Clínico. Semiologia. Inspeção. Auscultação. Palpação. Percussão.Abdomen.

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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio SEMIOLOGIA37: 267-285, jul./dez 2004 Capítulo IX

A descrição que será feita limita-se a trazer ele-mentos para a execução e compreensão dos vinte eoito itens constantes do Roteiro de Objetivos do exa-me do abdômen do Curso de Semiologia Geral (RCG314), ministrado pelo Departamento de Clínica Médi-ca da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP),no ano de 2003, aos alunos do terceiro ano médico.Considerando que o curso é muito condensado, dis-pondo os alunos de restrito tempo para o estudo noscompêndios, procurou-se direcionar o aprendizado dasemiologia do abdômen para um conjunto de vinte eoito objetivos bem definidos, que representariam o mí-nimo necessário para o futuro médico iniciar seu trei-namento na ciência e na arte do exame físico dessesegmento do corpo humano. Evidentemente, é, ape-nas, uma base teórica para o indispensável ensino prá-tico, intensivo, ministrado por docente experimentado,e para pequenos grupos de alunos (máximo de sete).

No final, indicam-se algumas obras que serviram dereferência para esta apresentação e que podem servircomo fonte de informações complementares ao leitor.

Na semiologia do abdômen, são empregados ostradicionais métodos de inspeção, ausculta, palpaçãoe percussão, de preferência na ordem indicada.

OBJETIVOS

1� Delimitar, a partir dos referenciais adequados,as regiões topográficas da face anterior doabdômen (epigástrio, mesogástrio, hipogás-trio, hipocôndrios, flancos, fossas ilíacas e qua-drantes superiores e inferiores)

A divisão topográfica do abdômen é necessáriapara o médico fazer referência acerca da localizaçãoe irradiação de dores ou de outros sintomas abdomi-

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nais na descrição da anamnese, bem como para indi-car o local dos achados do exame físico do abdômen.Há duas formas clássicas de divisão do abdômen; umaque o divide em nove áreas e outra que o divide emquatro áreas. O clínico pode aplicar a que lhe parecermais fiel e clara para descrever o sintoma ou o acha-do do exame físico.

Para a delimitação das nove áreas tradicionais(epigástrio, mesogástrio, hipogástrio, hipocôndrios,flancos, fossas ilíacas), usualmente, são utilizadas trêslinhas horizontais, duas oblíquas e duas arqueadas,como pode ser observado na Figura 1.

Os elementos anatômicos a serem considera-dos para a divisão topográfica do abdômen são: a basedo apêndice xifóide, as bordas do gradeado costal (ân-gulo de Sharpy), as extremidades das décimas coste-las, as espinhas ilíacas ântero-superiores, os ramoshorizontais do púbis e as arcadas inguinais.

A linha horizontal superior tangencia a base doapêndice xifóide, a média une as extremidades dasdécimas costelas (aproximadamente, no ponto em queas linhas hemiclaviculares, direita e esquerda, cruzam-se com as rebordas costais) e a inferior liga as espi-nhas ilíacas, ântero-superiores.

As linhas oblíquas são quase verticais e vão daextremidade da décima costela até a extremidade doramo horizontal do púbis, respectivamente à direita eà esquerda.

As linhas arqueadas acompanham os rebordoscostais direito e esquerdo.

O nome das nove regiões topográficas do ab-dômen, delimitadas segundo as linhas acima descri-tas, são: epigástrio, mesogástrio, hipogástrio, hipocôn-drios (direito e esquerdo), flancos (direito e esquerdo)e fossas ilíacas (direita e esquerda), conforme indica-do na Figura 1.

Considerando o esquema citado, quando umdeterminado fenômeno interessa as áreas 1,2 e 3 podeser referido como localizado no andar superior do ab-dômen; igualmente, as áreas 4,5 e 6 compõem o an-dar médio e as áreas 7,8 e 9 o andar inferior do abdô-men.

A segunda maneira de dividir topograficamen-te o abdômen, que pode facilitar a referência a dadosda anamnese ou do exame físico, é a divisão em qua-drantes, tomando-se, como referência, uma linha ho-rizontal e outra vertical, que se cruzam exatamentena cicatriz umbilical. Dessa forma, o abdômen é divi-dido em quadrantes superiores, direito e esquerdo, equadrantes inferiores, direito e esquerdo.

2- Descrever a forma do abdômen, reconhe-cendo as de apresentação clínica mais fre-qüentes: plano, escavado, globoso, batráquio,avental

O abdômen pode apresentar variações de for-ma, segundo idade, sexo e estado de nutrição, do esta-do dos músculos da parede abdominal, além da condi-ção fisiológica da gravidez. As alterações da forma doabdômen podem, entretanto, adquirir significado diag-nóstico. Dependem de alterações que ocorrem tantono conteúdo da cavidade abdominal, como de altera-ções da parede abdominal, particularmente na muscu-latura e no subcutâneo. Podem ser de dois tipos: simé-tricas e assimétricas. As enunciadas neste item sãodo tipo de alterações simétricas.

O abdômen plano pode ser considerado comouma forma normal, muito embora o termo plano não

Figura 1 � Divisão topográfica do abdômen [Porto, 1992 1] . Ospontos de referência estão mencionados no texto. As áreasdefinidas são as seguintes: 1 - hipocôndrio direito; 2 �epigástrio; 3 � hipocôndrio esquerdo; 4 � flanco direito; 5 �mesogástrio ou umbilical; 6 � flanco esquerdo; 7 � fossa ilíacadireita; 8 � hipogástrio ou suprapúbica; 9 � flanco esquerdo.

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

seja apropriado para uma conformação curvilínea. Otermo é relativo ao perfil do abdômen ao longa da li-nha mediana. Freqüentemente, o abdômen tem o per-fil em forma de S deitado e aberto, com a parte maisbojuda localizada na região epigástrica. A forma podeser considerada �plana� e não tem significado clínico.

Escavado, também chamado de retraído, é oabdômen que se caracteriza por encurtamento no sen-tido ântero-posterior, assumindo um aspecto côncavo,com os rebordos costais, as espinhas ilíacas e a sínfisepúbica bem visíveis. É observado em pacientes muitoemagrecidos, caquéticos e desidratados.

Globoso é o abdômen global e uniformementecrescido, com aumento predominante do diâmetroântero-posterior. O abdômen de obesos, de pacientescom grandes ascites, com grande distensão gasosadas alças intestinais, com grandes crescimentos do fí-gado e do baço ou com cistos gigantes de ovário sãodo tipo globoso. Uma variante do globoso é o piriforme,caracterizado pelo aumento de volume, mas, o bomtônus da musculatura da parede deixa o abdômen �ar-mado�, praticamente sem aumento do diâmetro trans-versal. É observado nas grávidas.

Abdômen de batráquio é aquele cuja forma secaracteriza, estando o paciente em decúbito dorsal,pela dilatação exagerada dos flancos, que lhe dá au-mento do diâmetro transversal e, visto de cima, umaconformação circular.

A forma em avental é observada, quando ogrande acúmulo de tecido adiposo no subcutâneo fazcom que o abdômen caia sobre as coxas, quando opaciente está em pé. É, portanto, observado nos gran-des obesos. Uma variante do abdômen em avental é opendular. Esse tipo tem, também, o aspecto de aven-tal, mas, diferentemente deste, resulta de uma grandefraqueza da musculatura do andar inferior do abdô-men, não necessariamente associada à obesidade. Acausa mais comum do abdômen pendular é a flacidezabdominal do puerpério.

3� Reconhecer abaulamentos e retrações locali-zadas e citar as principais causas dessas anor-malidades

Tais anormalidades são modificações assimé-tricas da forma do abdômen e sempre têm significadopatológico. Em geral, as assimetrias são dadas porabaulamentos localizados.

Os abaulamentos localizados podem ser devi-dos a: distensões ou crescimentos localizados de al-ças intestinais (meteorismo, megacólon chagásico),

hérnias na parede abdominal, aumentos de tamanhode órgãos maciços (hepatomegalia, esplenomegalia),tumores (de qualquer dos órgãos abdominais ou pélvi-cos, linfomas e também retroperitoneais, como os re-nais), cistos (do ovário, hidáticos) e ao útero grávido.

É importante anotar a forma e a região em queestá o abaulamento. Dados da palpação, percussão eausculta serão fundamentais para o esclarecimentoda anormalidade.

As retrações localizadas são eventualidadesraras. A mais comum é observada no epigástrio depacientes magros com evidente ptose visceral, parti-cularmente, quando se põe de pé.

4� Reconhecer a ocorrência de peristaltismo vi-sível, estabelecendo seu significado clínico

Normalmente, não se observa, no abdômen, apresença dos movimentos peristálticos dos diversossegmentos do tubo gastrointestinal, subjacente. Entre-tanto, em pacientes com escasso ou nenhum tecidoadiposo, além de músculos adelgaçados (emagreci-dos ou caquéticos), pode-se identificar movimentosperistálticos das alças delgadas. Nesses casos, esta-rão sendo observados apenas movimentos peristálticos,normais.

A importância clínica da detecção do peristal-tismo visível no abdômen reside no fato de que podeindicar obstrução localizada no antro gástrico, no in-testino delgado ou nos cólons. Para melhor precisãodiagnóstica, é necessário que se defina o local, o sen-tido e a freqüência (no de movimentos / min) com queocorrem os movimentos peristálticos. É de suma im-portância, também, que sejam identificados fenôme-nos acústicos e outros sintomas acompanhantes, comoserá comentado abaixo.

O sinal, nem sempre, está presente. No casode obstrução do intestino delgado, deve ser procura-do, de preferência, durante as crises de dores que oacompanham. Quando suspeitado, mas não presenteno momento do exame, pode-se estimular o apareci-mento do peristaltismo, mediante sucessivas e brevescompressões na parede abdominal.

- Peristaltismo visível, indicativo de obstruçãono antro gástrico: a extensão da contração dependedo grau de dilatação que adquiriu o estômago, poden-do interessar epi, meso e até hipogástrio; o sentido domovimento costuma ser oblíquo, de cima para baixo eda esquerda para a direita, iniciando-se abaixo do re-bordo costal, esquerdo, migrando lentamente, muitasvezes desenhando, em relevo, a forma do órgão na

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superfície do abdômen; a característica mais marcan-te do movimento peristáltico do estômago é sua fre-qüência: 3 ondas/ min, a mesma do ritmo elétrico debase da musculatura lisa do órgão, que limita a fre-qüência máxima de contrações. O sinal acústico e osintoma acompanhante dependem da estase gástrica,causada pela obstrução. O sinal acústico é a patinhaçãoe o sintoma é o vômito de estase, caracterizado peloreconhecimento de alimentos ingeridos muitas horasantes, mais de seis, no material vomitado.

As causas mais comuns de obstrução da re-gião do antro gástrico são o câncer gástrico e as úlce-ras pépticas, estenosantes.- Peristaltismo visível, indicativo de obstrução no in-

testino delgado: o movimento localiza-se na regiãoumbilical ou em sua imediações, não tem direçãoconstante e pode-se observar mais de uma onda,ocorrendo simultaneamente, em pontos diferentes,tornando praticamente impossível estabelecer suafreqüência. Os fenômenos acompanhantes decor-rem da luta do intestino para vencer o obstáculo. Asdores fortes costumam aparecer e desaparecer comas ondas peristálticas e serem acompanhadas poraumento da intensidade dos ruídos hidroaéreos, quepodem assumir timbre metálico ou serem audíveis àdistância, sem o auxílio do estetoscópio. Se a obs-trução estiver no intestino delgado, proximal, podemocorrer vômitos escuros de odor fecalóide.

As causas mais comuns de obstrução do intes-tino delgado são: na criança, anomalias congênitas,intussuscepção, divertículo de Meckel, �bolo� de ás-caris e corpos estranhos; no adulto, aderências poroperações prévias, hérnias encarceradas, doença deCrohn, tumores benignos e malignos, compressõesextrínsecas.- Peristaltismo visível, indicativo de obstrução nos có-

lons: a localização pode ser em qualquer das regi-ões em que se projetam os cólons na parede abdo-minal, e a direção do movimento é a mesma do trân-sito normal. É mais evidente o peristaltismo visíveldo cólon transverso. A presença de dilatação, comono caso do megacólon chagásico, facilita a percep-ção do movimento intestinal. O movimento visíveldos cólons costuma ser lento, como o do estômago,porque, nem sempre, é verdadeiramente peristáltico.O fenômeno acústico presente pode ser aumentodos ruídos hidroaéreos e o sintoma acompanhantecostuma ser parada da emissão de fezes e gazes.

As causas mais comuns de obstrução dos có-lons são o câncer de cólon e o megacólon chagásico,especialmente, se foi formado fecaloma.

5� Descrever as características de localização darede venosa, visível e do sentido da correntesangüínea na circulação colateral, decorrenteda obstrução dos seguintes sistemas venosos:porta, cava inferior, cava superior e mistos

O reconhecimento de circulação colateral, noabdômen, é dado de muita importância para o estabe-lecimento do diagnóstico de obstrução que pode ocor-rer nos principais sistemas venosos do organismo. Asveias que conduzem um caudal aumentado de sanguecaracterizam-se pela dilatação e tortuosidade. A nãovisualização dessas veias, na parede abdominal, nãoexclui a possibilidade de presença de circulação cola-teral, pois pode ser explicada pela presença de espes-so tecido adiposo ou edema local.

A clara determinação do sentido da correntesangüínea é de fundamental importância para que sesaiba qual dos sistemas referidos está obstruído. Ou-tros achados do exame físico e das informações obti-das pela anamnese deverão entrar, também, no pro-cesso de raciocínio diagnóstico.

Deve ser entendida como colateral a circula-ção venosa, que apresenta um caudal anormalmenteaumentado, podendo haver ou não a inversão do sen-tido normal da corrente sangüínea. É imprescindívelque se conheça em que regiões se situam as conexõesentre os sistemas venosos e o sentido normal da cor-rente sangüínea das veias subcutâneas do abdômen.

A conexão do sistema portal com a circulaçãovenosa, superficial, do abdômen faz-se pelas veiasparaumbilicais, que desembocam na veia portal, es-querda; essas veias são operantes durante a vida intra-uterina, porém fecham-se a partir do nascimento, maspodem ser permeadas, se ocorrer hipertensão portal.As conexões entre o sistema cava inferior e o supe-rior, existentes na periferia do abdômen, situam-se,aproximadamente, na linha transversal que passa pelacicatriz umbilical.- Circulação colateral do tipo portal � é o tipo de cir-

culação colateral, que mais freqüentemente se ob-serva na prática médica. Ocorre, quando se estabe-lece obstáculo ao fluxo venoso, proveniente do tubodigestivo e do baço, em direção ao fígado.

Considerando como referência os sinusóideshepáticos, na dependência do local em que está o obs-táculo ao fluxo portal, a hipertensão portal pode ser:pré-sinusoidal, sinusoidal ou pós-sinusoidal. A pré-si-nusoidal pode ocorrer em situação pré-hepática (exem-plo, trombose de veia porta) ou intra-hepática, no es-paço porta (exemplo, esquistossomose mansônica); a

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

sinusoidal depende de obstáculo dos próprios sinusói-des, portanto, na intimidade do parênquima hepático(exemplo, cirrose hepática); a pós-sinusoidal pode serdevida a obstáculo nas veias centrolobulares (exem-plo, doença venoclusiva) ou nas veias supra-hepáticas(exemplo, síndrome de Budd-Chiari). À exceção dahipertensão pré-sinusoidal, pré-hepática, quando o re-gime de hipertensão não afeta o ramo esquerdo daveia porta, nas demais, a hipertensão reinante força avazão pelas veias paraumbilicais, que levam o sangueportal para a região umbilical, periférica. Nas hiper-tensões portais, pós-sinusoidais, a elevação da pres-são no ramo esquerdo da veia porta não é muito ex-pressivo, razão pela qual a circulação colateral podeser pequena.

Na periferia, o sangue portal chega à regiãoumbilical e adjacências, onde existe a conexão entreos dois sistemas cava, acima descritos. Em conse-qüência, o sangue venoso, proveniente do ramo es-querdo da veia porta, toma um ou outro caminho, nadependência do local em que aflorou.

Assim, a circulação colateral, visível acima dacicatriz umbilical, drena em direção ascendente para osistema cava superior, enquanto que a que está abaixodo mesmo ponto drena para baixo, em direção à cavainferior. Em outras palavras, a circulação colateral,visível, do tipo porta caracteriza-se por manter o sen-tido normal da circulação venosa, periférica, do abdô-men, sempre em direção centrífuga em relação aoumbigo (Figura 2); apenas o caudal está aumentado.Em geral, as veias dilatadas costumam ser melhor per-

cebidas em território acima da cicatriz umbilical. Quan-do as veias tortuosas e engrossadas, tornam-se exu-berantes em torno do umbigo, caracteriza-se o que éconhecido como cabeça de medusa (caput medusae),muito raramente observada.- Circulação colateral, tipo cava inferior � as ectasias

venosas são observadas mais nitidamente no andarinferior do abdômen e nas suas regiões laterais. Osentido da corrente será sempre ascendente, umavez que a circulação está toda direcionada para acava superior (Figura 2). A principal causa de obs-trução da veia cava inferior é a trombose.

- Circulação colateral, tipo cava superior � eventuaisvasos ectasiados, vistos na parte superior do abdô-men, têm sentido de corrente para baixo, na procu-ra de conexão com a cava inferior.

- Circulação colateral, tipo misto � costuma ser umaassociação entre os dois primeiros descritos e ca-racteriza-se por ampla rede venosa, colateral, comsentido de circulação para cima. Outros achados doexame físico, dados de anamnese e também subsi-diários completarão o diagnóstico.

6� Posicionar adequadamente o paciente para apalpação do abdômen, evitando as posturasinconvenientes ou prejudiciais ao exame

Principalmente para a palpação do abdômen,mas, também, para os demais métodos semiológicos,o paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal,em mesa de exame provida de colchonete ou na camacomum de enfermaria, com os membros superiores einferiores estendidos. Um pequeno travesseiro devesuportar a cabeça e os ombros, e um outro pode sercolocado sob os membros inferiores, para manter osjoelhos levemente fletidos. O objetivo é colocar o pa-ciente em posição favorável a que se obtenha o máxi-mo de relaxamento muscular da parede anterior doabdômen; a posição não deve restringir a liberdade deatuação do examinador. Posturas inconvenientes são:pernas cruzadas, pescoço excessivamente fletido, bra-ços elevados com as mãos sob a nuca, tronco fletido,ausência de suporte para a cabeça e ombros.

Toda a extensão do abdômen deve ser exposta,desde os hipocôndrios até as fossas ilíacas, a fim denão se perder qualquer sinal que possa ser importantepara o diagnóstico.

Evidentemente, o local de exame deverá sersilencioso, calmo, bem iluminado, de preferência comluz natural, e ter temperatura adequada, evitando-se ofrio que tensiona a parede abdominal.

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Figura 2 � Esquema ilustrativo da disposição aproximada edo sentido da corrente sangüínea das circulações colaterais,superficiais, do tipo portal e do tipo cava inferior, no abdômen.

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7� Efetuar a palpação superficial do abdômen, ve-rificando as condições da parede abdominal noque se refere à espessura, continuidade, toni-cidade e deformações por alterações mais pro-fundas (visceromegalias, tumorações, etc.)

A melhor posição que o médico deveria assu-mir para efetuar a palpação do abdômen, tanto a su-perficial como a profunda, seria sentar-se na cama oumesa de exame, à direita (para os destros), na alturada parte inferior da coxa do paciente. Essa atitudedaria confiança ao paciente, permitiria melhor visuali-zação de sua mímica durante o exame e colocaria asmãos do examinador em posição bem adequada. Atual-mente, tem sido recomendado que o médico não sesente na cama do paciente, tendo em vista a luta con-tra a infecção hospitalar. Assim, hoje, a palpaçãodeve ser realizada pelo examinador em pé, ao lado dodoente deitado. As mãos não devem estar frias a pon-to de provocar reações desagradáveis ao paciente, aoexame; se estiverem frias, recomenda-se friccioná-las uma contra a outra, para aquecê-las. O pacientedeve ser prevenido de que não se lhe causará descon-forto maior e que deve se manifestar caso sinta dor ouqualquer sensação desagradável.

A palpação superficial, inicial deve ser feita comas duas mãos relaxadas, tocando-se suavemente, oabdômen do paciente. O examinador deve palpar, comdelicadeza, toda a extensão do abdômen, comparan-do, simultaneamente, áreas direitas e esquerdas, res-pectivamente com suas mãos esquerda e direita. Apalpação comparativa pode detectar pequenas, masimportantes diferenças, notadamente na tonicidade damusculatura e na sensibilidade, entre áreas direita eesquerda do abdômen, não perceptíveis de outra ma-neira. Toda a face palmar das mãos deve tocar o ab-dômen do paciente. A tonicidade da musculatura e asensibilidade à pressão (leve) serão avaliadas durantemovimento de flexão dos quatro dedos externos (ex-clui-se o polegar) que comprimem levemente a pare-de. A força de flexão dos dedos deve ser bem gradu-ada, executando-se dois ou três movimentos em cres-cendo, em cada área, sem excessos, pois, não se sabe,de início, qual a sensibilidade que se vai encontrar. Otatear palpatório também orienta o médico sobre apresença de anormalidades estruturais da parede(exemplo, orifícios herniários) ou de alterações nacavidade abdominal ou pélvica (exemplos, hepato eesplenomegalias, tumores, ascite, cistos, útero grávido).O detalhamento palpatório, superficial, de uma anor-

malidade será feito com uma das mãos.A palpação superficial serve para fixar a aten-

ção do médico no que possa existir de anormal noabdômen, orientando o prosseguimento do exame, paraganhar a confiança do paciente e para executar a pal-pação profunda.

8� Discutir os mecanismos responsáveis por hi-pertonia, localizada ou generalizada, da pare-de abdominal

A hipertonia da parede abdominal, revelada pelaresistência oposta à palpação, decorre de contraçãoforte da musculatura e pode ser de origem voluntáriaou involuntária.

A hipertonia voluntária, ou falta de relaxamen-to da musculatura abdominal, é decorrente de posicio-namento inadequado do paciente, do frio que ele podeestar sentindo, por sentir cócegas, por tensão emocio-nal ou pelas frias mãos do examinador. Já foram men-cionados os meios para que tais inconveniências se-jam evitadas.

A contração espasmódica, involuntária resultada irritação do peritônio parietal, subjacente, causadapor agente infeccioso (exemplo, apendicite aguda),químico (exemplo, ácido clorídrico, gástrico, na perfu-ração de úlcera péptica, em peritônio livre) ou neoplá-sico (exemplo, metástases peritoneais). Geralmente,esse tipo de hipertonia é localizado, enquanto a volun-tária é generalizada. A dor é provocada, quando o pa-ciente tenta levantar o tronco, sem utilizar-se dos bra-ços, porém, a hipertonia não é necessariamente dolo-rosa. A hipertonia ocorre em correspondência com aárea irritada, de peritônio parietal (exemplo, no pro-cesso inflamatório agudo, que atinge o apêndice e operitônio parietal, adjacente, a hipertonia se revela nafossa ilíaca, direita). No início do processo irritativodo peritônio, o grau de hipertonia é pequeno, só detec-tável por acurado exame, mas evolui, acompanhandoa intensidade e a extensão da irritação, culminando nograu extremo de rigidez generalizada, conhecida como�abdômen em tábua�.

A palpação superficial, bimanual, acima menci-onada é importante método semiológico para detectaras hipertonias localizadas. A hipertonia involuntária,generalizada é indicativa, igualmente, de irritação pe-ritoneal, generalizada.

Com os dados obtidos na anamnese e outrosachados do exame físico, além de diferenciar a hiper-tonia voluntária da involuntária, o médico pode elabo-rar a hipótese diagnóstica, mais provável.

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

9� Efetuar a palpação profunda e deslizante doabdômen, identificando os segmentos do tubodigestivo, examináveis por essa técnica

A palpação profunda e deslizante visa palparalguns órgãos contidos na cavidade abdominal e even-tuais �massas� ali existentes. Nenhum dos segmentosdo intestino delgado é individualizado por meio dessemétodo. Eventualmente, consegue-se palpar a grandecurvatura do estômago e os cólons ascendente e des-cendente. O ceco, o transverso e o sigmóide são fa-cilmente palpáveis. O médico deve anotar as altera-ções que percebeu nas estruturas palpadas, incluindovariações na sensibilidade, consistência, diâmetro, for-ma e mobilidade.

A posição do paciente e a do médico, para exe-cutar a palpação profunda e deslizante, são as mes-mas anteriormente descritas. Como já foi mencio-nado, o médico deve fazer a palpação, colocando-seem pé à direita ou à esquerda do paciente, de acor-do com o órgão a ser examinado, embora, tecnica-mente, a melhor posição é a sentada à beira do leitoou da mesa ocupada pelo paciente, bem junto a este.Costuma-se iniciar o exame à direita do paciente eterminar com a palpação do descendente e sigmóide,à esquerda.

Conforme o órgão a explorar, a palpação podeser uni ou bimanual. Quanto à posição das mãos háuma regra geral: as mãos que palpam devem ser colo-cadas de modo tal que seu maior eixo seja perpendi-cular ao eixo longitudinal da porção do intestino quese queira explorar. A mão, levemente fletida, deve fa-zer um ângulo, mais ou menos agudo, com a paredeanterior do abdômen, o grau de obliqüidade orientadopelo médico em cada caso, isoladamente. Por vezes,devido ao excessivo volume do abdômen, é necessá-rio que se aplique a mão quase que perpendicular-mente. Como regra geral, o ângulo formado fica porvolta de 45 graus.

Quando a palpação é bimanual, as mãos de-vem ser dispostas de tal forma que se forme, entreelas, um ângulo agudo com a abertura voltada para oexaminador. A palpação será feita pelas extremida-des dos dedos, predominantemente com a face palmarda terceira falange. Pode-se usar quatro, três ou doisdedos de cada mão, desde que a linha que suas extre-midades formem seja retilínea, quando se justapõemnuma superfície plana. A palpação feita com a mãonessa posição já foi denominada de �oblíqua, com afila dos últimos dedos�, na qual, a fila dos últimos de-

dos dispõe-se ao longo do comprimento, ao passo queas mãos se colocam oblíquamente à direção da vísceraa ser examinada. Em geral, usam-se o terceiro e oquarto dedo de cada mão para compor a linha retaque vai deslizar sobre o órgão a examinar.

O método de palpação profunda e deslizante érealizado em dois tempos.

1) Posicionamento das mãos no abdômen até umplano profundo resistente

Um princípio básico deve nortear todo o pro-cesso do método: palpação profunda não quer dizerque seja realizada com força. A posição da mão e dosdedos, acima descrita, não deve ser fixa, rígida. Todoo processo de palpação exige a conservação dos mo-vimentos dos dedos, porque o movimento é parte inte-grante na percepção palpatória. A aquisição dessahabilidade costuma ser a que mais treinamento exigedo aprendiz.

A facilidade para o posicionamento das mãos,no plano profundo, dependerá do tono da musculaturada parede abdominal anterior, da espessura do panículoadiposo, da presença de dor, da pressão intra-abdomi-nal e do conteúdo das alças intestinais. A dificuldademaior costuma ser dada pela hipertonicidade dos mús-culos abdominais. O médico deve estar prevenido parausar mais técnica e menos força, para vencer as difi-culdades e alcançar o objetivo da palpação profundae deslizante. Já foram mencionadas algumas condu-tas para reduzir a tonicidade dos músculos abdomi-nais, mas, um importante ponto a ser observado é abor-dado a seguir.

A manobra de aprofundar as mãos até alcançarum ponto profundo, a partir do qual será feito odeslizamento, exige estrita observação dos movimen-tos respiratórios do paciente. Durante a inspiração,ocorre aumento da tensão da musculatura abdominale elevação da pressão intra-abdominal, ambos desfa-voráveis à manobra pretendida. Ao contrário, naexpiração, há diminuição de ambos, tornando essa faseda respiração a mais propícia para a penetração dasmãos e, também, para o deslizamento que será feitoem seguida.

Existem pessoas que têm a tendência de tornara expiração forçada, quando se chama sua atençãopara seu ato respiratório, dificultando ou tornando im-possível a palpação. Por tal razão, é preferível, inicial-mente, procurar fazer a palpação sem pedir ao paci-ente que faça, desta ou daquela maneira, seu ato derespirar. Se julgar necessária respiração mais favorá-

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vel, o médico pode demonstrar ao paciente como eledeve proceder, realizando dois, três ou mais movimen-tos respiratórios, calmos, sempre com a mesma fre-qüência e de amplitude moderada. A respiração pode-rá ser feita pela boca ou pelas fossas nasais, confor-me for mais adequado para o paciente e para o médi-co; o importante é obter boas condições de relaxa-mento expiratório dos músculos para o aprofundamentodas mãos e para o deslizamento. Quando a palpação édificultada pela dor, o médico deve tentar, com delica-deza, as manobras necessárias, mas abandonar o pro-cedimento, se for grande o sofrimento do paciente.

Ao fazer-se o aprofundamento das mãos, du-rante uma ou mais expirações (durante as inspiraçõesas manobras cessam, mantendo-se a posição até en-tão alcançada), o médico vai impelindo a pele em di-reção oposta ao sentido em que se vai fazer o desliza-mento, de modo a formar várias dobras cutâneas aci-ma da ponta dos dedos. As sobras de pele serão utili-zada para a realização do deslizamento.

2) DeslizamentoO deslizamento é sempre feito contra um plano

profundo, resistente. Para a palpação do transverso eda grande curvatura do estômago, o deslizamento éfeito na linha mediana, sobre a coluna vertebral. Nosflancos (palpação dos cólons ascendente e descen-dente), uma das mãos faz as vezes do plano profundo,resistente, enquanto a outra desliza sobre a víscera.Nas fossas ilíacas (palpação do ceco e do sigmóide),as manobras são feitas sobre os ossos ilíacos.

Conseguindo-se atingir o adequado plano pro-fundo e havendo sobras de pele recolhidas acima dosdedos, durante uma expiração, será realizado um am-plo movimento de deslizamento da(s) mão(s) sobre oplano profundo. Durante o deslizamento, os dedos des-locam-se não sobre a pele, mas, com as sobras depele recolhidas, aproveitando-se da mobilidade daderma sobre os planos musculoaponevróticos. A pele,portanto, participa como um revestimento para os de-dos, durante o deslizamento. Durante o movimento dedeslizamento, é que deverão ser avaliadas as caracte-rísticas do órgão que está sendo examinado.

A influência dos movimentos respiratórios sobre apalpação profunda e deslizante é grande no que tange aotransverso e à grande curvatura do estômago, mas émínima nos flancos e no andar inferior do abdômen.Como para com o aprofundamento da mão, no desliza-mento, deverá ser usado o mínimo de força e o máxi-mo de técnica, para se ter o máximo de sensibilidade.

Quando a parede abdominal for flácida ou opaciente muito magro, a palpação das vísceras abdo-minais é grandemente facilitada.

10� Efetuar a palpação profunda do abdômen,identificando tumorações abdominais, even-tualmente presentes, e caracterizando-asquanto às seguintes variáveis: localização,forma, consistência, mobilidade, sensibilida-de, dimensões, pulsatilidade

Ao serem realizadas as manobras de palpação,poderão ser encontradas massas abdominais, que po-dem corresponder a tumores malignos ou benignos,cistos das mais variadas naturezas, conglomerados degânglios ou a um órgão normal, apenas fora de seusítio anatômico, normal, como é o caso do rim ptótico,quase sempre, o direito.

Localização, sensibilidade, consistência, dimen-são, forma, superfície, mobilidade e pulsatilidade de-vem ser anotadas. Essas características poderão deli-mitar as hipóteses diagnósticas, consideradas em cadacaso.- Localização: limita o número de órgãos a conside-

rar (exemplo, massa no quadrante superior esquer-do, considerar afecções do baço, do ângulo esplênicodo cólon e adjacências e do rim esquerdo), deve-seter em mente a projeção dos diversos órgãos dascavidades abdominal e pélvica e do retro-peritônionas áreas da divisão topográfica do abdômen.

- Sensibilidade dolorosa: a dor provocada pela palpa-ção de uma massa abdominal é devida a processoinflamatório (exemplo, plastrão de epíplon numaapendicite aguda, massa inflamatória na doença deCrohn) ou à distensão da cápsula do órgão (exem-plos, fígado ou baço agudamente distendidos)

- Dimensão: é a característica que informa sobre otamanho da estrutura patológica em cena, mas nãoindica, necessariamente, a gravidade. Tanto proces-sos malignos como benignos podem assumir gran-des proporções de tamanho. Dependendo das di-mensões, podem ser visíveis à inspeção do abdô-men, percebida pelo próprio paciente e, muitas ve-zes, o motivo da consulta clínica.

- Forma: cistos, pseudocistos pancreáticos, tumoressólidos, geralmente, são de conformação esférica.A forma pode identificar o órgão aumentado, levan-do-se em conta, também, a localização (exemplos,fígado, baço, rim).

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- Consistência: é apreciada pela resistência da mas-sa à palpação, podendo variar conforme o processopatológico (exemplos, o carcinoma de fígado podeser pétreo, o baço aumentado por causa de umainfecção pode oferecer pouca resistência à com-pressão (consistência mole, branda ou flácida).

- Superfície: pode ser lisa (exemplos: cistos ou pseu-docisto, hepatite, esteatose hepática) ou nodular(exemplos: tumores, cirrose hepática).

- Mobilidade: uma massa que se move, acompanhan-do os movimentos respiratórios, indica que está re-lacionada a uma das vísceras móveis ou ao mesen-tério, portanto, dentro da cavidade peritoneal. Amassa que não se move deve estar localizada noretroperitônio ou corresponder a neoplasia infiltrativade estruturas fixas.

- Pulsação: uma massa que pulsa no abdômen podeser uma dilatação de artéria, ou seja, um aneurismada aorta abdominal. Deve ser entendido por pulsa-ção a percepção de aumento intermitente do volu-me da massa a cada sístole cardíaca. Entretanto,uma massa sólida, encostada na aorta pode trans-mitir a pulsação da artéria; nesse caso, a massa éempurrada a cada sístole, mas ela não apresentavariação de seu tamanho de acordo com o pulsosistólico, central.

11� Discutir o significado clínico de dor à des-compressão brusca do abdômen, mencio-nando as causas mais freqüentes da anor-malidadeA dor, à descompressão brusca do abdômen, é

sinal indicativo de inflamação aguda do peritônio, ouseja, peritonite aguda. É causada pela colonização debactérias nos folhetos peritoneais, a partir de um focosituado no próprio abdômen (exemplo, apendicite,colecistites, diverticulites agudas) ou fora dele, por viahematogênica (exemplo, septicemias), por aberturasna parede abdominal (exemplo, perfurações da pare-de abdominal) ou por translocação de bactérias exis-tentes nos intestinos (peritonite espontânea em ascite).A peritonite também pode ser de natureza química(exemplo, material acidopéptico em úlcera duodenal,perfurada). A zona inflamada do peritônio é a que res-ponde com dor à descompressão brusca.

Antes de pesquisar a dor à descompressão brus-ca deve ser feita a palpação superficial, delicada, emtoda a extensão do abdômen; localizado um ponto ouárea dolorosa, ou mesmo se ela é referida espontanea-mente pelo paciente, vai-se comprimindo lenta e gra-

dualmente; a dor acentua-se à medida que a mão vaiaprofundando; em seguida, retira-se bruscamente amão. O sinal é positivo, quando o paciente apresentador aguda com esse último movimento, geralmente,expressando verbal e mimicamente a sensação desa-gradável. Evidentemente, o paciente deve ser preve-nido da manobra e do que vai sentir, uma vez que ador pode ser muito intensa. É o sinal de Blumberg.

Acompanhando o sinal da dor à descompres-são brusca, observa-se hipertonia da musculatura nolocal, como outro indicativo da peritonite. A contraçãopode ser forte e contínua, mas, pode ocorrer somentequando se exerce pressão, mesmo que suave, com osdedos; é como se fosse chamada a atenção dos mús-culos para que eles se contraiam no sentido de defen-der a parte subjacente e inflamada. A resistência mus-cular, mesmo em peritonite grave, pode ser pequena,se os músculos abdominais forem fracos. Dependen-do da causa determinante do peritonismo, outros si-nais e sintomas auxiliarão no diagnóstico.

A dor à descompressão brusca e a resistênciada parede compõem o que pode ser chamado de si-nais de peritonismo. A dor no exato ponto da inflama-ção do peritônio decorre do comprometimento doperitônio parietal ou do mesentério, uma vez que es-sas estruturas são supridas por nervos cérebro-espinaisque têm fina representação no cérebro, ao contrárioda inervação visceral.

Pode-se distinguir casos de peritonite localiza-da e de peritonite difusa. A peritonite localizada ocor-re quando o processo infeccioso atinge o peritônio dasvizinhanças de um órgão (exemplo, apendicite,colecistite, diverticulite). O grande epíplon tende a sefixar na região inflamada, circunscrevendo e tenden-do a isolar o foco inflamado. A difusa ocorre pela ex-pansão de uma localizada, ou por rápido comprometi-mento da generalidade do peritônio (exemplo, perito-nite espontânea, septicemia).

12� Efetuar a detecção dos ruídos hidroaéreosem suas variedades: patinhação, gargarejoe borborigmoOs fenômenos acústicos, que ocorrem no ab-

dômen podem ser audíveis por intermédio do estetos-cópio ou à distância. Podem ser percebidos sem setocar o abdômen, durante a palpação ou em mano-bras manuais de provocação. Neste item, serão abor-dados apenas os que são audíveis sem o estetoscópico.

A presença de gases é indispensável para a pro-dução de ruídos, uma vez que eles são produzidos por

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turbilhões sonoros do componente líquido, daí a deno-minação de ruídos hidroaéreos; de maneira geral, elessão tanto mais evidentes quanto maior for a quantida-de de líquidos em relação à de sólidos. Aparecem noindivíduo normal, mas, há ruídos que indicam processopatológico. Ocorrem, normalmente, com pouca fre-qüência no intestino delgado, mostrando-se mais fre-qüentes no intestino grosso e no estômago. Há quatrotipos de ruídos hidroaéreos de interesse semiológico.1) Patinhação � assemelha-se ao que se obtém, quan-

do são dadas palmadas em uma superfície comágua. É obtido em órgãos de grande diâmetro, comoo estômago e o ceco, com paredes flácidas e comconteúdo líquido, que faz nível no seu interior. Pes-quisa-se, comprimindo rapidamente a parede doabdômen com a face palmar de três dedos media-nos da mão. A parede do órgão é forçada a baterde encontro com a superfície líquida, produzindoum ruído do tipo clap, clap. É observado no casode aumento do conteúdo líquido do estômago, quan-do o órgão se esvazia mal, como na obstrução deantro ou piloro.

2) Gargarejo � é o mais característico dos ruídos ab-dominais, percebidos quando é feita a palpação pro-funda e deslizante, particularmente no ceco. Alémde ouvir-se o ruído, tem-se a percepção tátil dapresença do conteúdo hidroaéreo da víscera.

3) Borborigmo � é dado pela grande predominânciade gases em relação ao conteúdo líquido do órgão.É o �ronco da barriga�, que indivíduos normais fre-qüentemente apresentam, quando estão com fome;ouve-se à distância, quando o estômago vazio apre-senta uma forte onda de contração em direção aopiloro. Tal tipo de ruído pode ser considerado comouma variante do ruído hidroaéreo propriamente dito,descrito anteriormente. Em casos de obstrução in-completa do intestino, o ruído hiperativo pode seraudível até a um ou dois metros do paciente.

13� Discutir o significado clínico da ocorrênciaou não de ruídos hidroaéreosA resposta a essa questão está no item 27.

14� Descrever as características normais, de per-cussão do abdômen nas suas diferentes re-giõesA percussão costuma ser a último das quatro

etapas de exame clínico do abdômen, após a inspe-ção, ausculta e palpação. A posição do paciente é a

mesma das etapas anteriores do exame. O médicofaz a percussão em pé, à direita ou à esquerda dopaciente.

Quatro tipos de sons podem ser obtidos pelapercussão do abdômen: timpânico, hipertimpânico,submaciço e maciço.

O timpanismo, dado pela presença de conteúdogasoso no interior do tubo digestivo, é o som que éapresentado pelo abdômen normal em, praticamente,toda sua extensão. Na posição supina, o som é maisnítido em área de projeção do estômago, na superfícieda parede abdominal. A razão é o conteúdo gasoso,costumeiramente, conhecido como �bolha gástrica�,reconhecido facilmente em radiografia simples do ab-dômen, com o paciente em pé. A área do nítido timpa-nismo é conhecida como espaço de Traube, de impre-cisa delimitação. O som timpânico, de uma determi-nada área do abdômen pode ser substituído por sub-macicez ou macicez, se ela for ocupada por estruturasólida ou líquida. Assim, o timpanismo que caracterizao espaço de Traube pode ser substituído por macicezou submacicez, se uma grande esplenomegalia, umtumor peritoneal ou retroperitoneal, um pseudocistoou um tumor pancreático, ou uma grande hepatome-galia deslocar, suficientemente, o estômago. O acha-do de �espaço de Traube, livre� ou, muito raramente,�espaço de Traube, ocupado�, como comumente en-contra-se em observações clínicas, em nosso meio, éde paupérrimo significado clínico. A propósito, o pe-queno significado clínico do espaço de Traube con-trasta, enormemente, com a grande contribuição queo mesmo Ludwig Traube deu ao desenvolvimento damedicina experimental e à propedêutica clínica na Ale-manha do século XIX. O espaço de Traube tambémnão deve ser confundido com a área normal de per-cussão do baço.

O hipertimpanismo, um timpanismo de timbremais sonoro, é observado, quando o conteúdo aéreodo tubo gastroentérico apresenta-se aumentado, comono meteorismo, na obstrução intestinal, no pneumo-peritônio, no volvo e no megacólon chagásico.

Uma menor quantidade de gases ou a presen-ça de um órgão maciço nas proximidades pode produ-zir um som submaciço.

A percussão sobre uma área sólida revela o sommaciço. É o típico som que se obtém, quando da per-cussão do fígado no hipocôndrio direito. O desapare-cimento da macicez hepática pode ser devido àinterposição de alça intestinal, meteorismo, tóraxenfisematoso e ao pneumoperitônio. No abdômen agu-

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

do, o desaparecimento da macicez hepática é conhe-cido como sinal de Jobert e indica perfuração de vísceraoca em peritônio livre, em geral, uma úlcera péptica.A percussão não é método recomendado para a iden-tificação do local onde está localizado o bordo hepáti-co, nas hepatomegalias, por ser imprecisa para tal fi-nalidade.

A percussão é excelente recurso semiológicopara o diagnóstico da ascite.

15� Descrever as alterações da percussão ab-dominal para o diagnóstico da ascite

Ascite é o nome dado ao derrame de líquidolivre na cavidade abdominal. Esse acúmulo pode termuitas causas, as quais podem fazer variar o volume(pode ser superior a 20 l), a aparência, a natureza e acomposição do líquido. O exame acerca das proprie-dades físicas, do teor de certos componentes, da celu-laridade, da presença de células neoplásicas e de bac-térias contaminantes do peritônio é de grande valordiagnóstico. O abdômen pode mostrar-se mais oumenos flácido ou, então, tenso, caracterizando a cha-mada ascite hipertensa. A presença de hérnia umbili-cal é achado freqüente nas grandes ascites. A causamais freqüente de ascite é a cirrose hepática.

Os principais sinais que diagnosticam a presen-ça de ascite por meio da percussão do abdômen sãoos indicados a seguir.1) Sensação de onda ou sinal do piparote � a face

palmar de uma das mãos é posicionada em um dosflancos; a seguir, a ponta do dedo médio, dobrado,apoiado e em estado de tensão contra a face palmardo polegar é disparada contra o outro flanco. Oabalo produzido pelo piparote produz pequenas on-das de choque no líquido ascítico, perceptíveis pelapalma da mão, colocada no flanco oposto. O cho-que pode ser percebido em casos de panículo adi-poso e exagerado ou de edema na parede abdomi-nal. Nesse caso, um assistente, ou o próprio paci-ente, coloca a borda cubital de sua mão sobre alinha mediana, no abdômen central, exercendo umpouco de pressão, a fim de interceptar ondas trans-mitidas pela parede, mas não impedindo a passa-gem da onda de choque do líquido ascítico. Essesinal é próprio das grandes ascites, não sendo efe-tivo para ascites de médio ou pequeno porte. Osinal pode ser positivo, quando da presença de gran-des tumores líquidos no abdômen (exemplo, cistode ovário).

2) Semicírculos de Skoda � com o paciente emdecúbito dorsal ou em pé, o líquido ascítico coleta-se nas partes mais declives, ou seja, flancos e an-dar inferior do abdômen. Sendo assim, a percus-são, feita desde o andar superior, delimitará umalinha semicircular na transição entre o timpanismoe a macicez ou submacicez das áreas correspon-dentes às porções mais declives; a concavidadeda linha semicircular estará voltada para a regiãoepigástrica. Esse sinal poderá fazer o diagnósticodiferencial entre ascite e cisto gigante de ovário,uma vez que, na doença ginecológica, a concavi-dade da linha semicircular estará voltada para opúbis. Tal recurso semiológico foi uma contribui-ção de Josef Skoda, eminente diagnosticista da Uni-versidade de Viena, no século XIX.

3) Macicez móvel � Como o líquido livre, na cavidadeperitoneal, se acumula nas porções mais declives,quando o paciente se coloca em um dos decúbitoslaterais, para aquele lado a massa líquida se dirigi-rá. Uma primeira percussão será feita no flancoesquerdo, com o paciente inclinado para sua es-querda, quase em decúbito lateral, esquerdo; o lí-quido ascítico ali acumulado propiciará som maci-ço ou submaciço; o paciente, então, vira-se e colo-ca-se em decúbito lateral direito, mantido o dedode percussão no mesmo local em que se verificoua macicez. A segunda percussão, efetuada no mes-mo ponto em que foi feita a primeira, vai produzirsom timpânico. A contra-prova pode ser feita, mu-dando-se o local de percussão para o flanco direi-to, sempre tendo em mente o princípio de que olíquido e a correspondente macicez sempre se mo-vem para as partes mais declives da cavidade ab-dominal.

Dentro do mesmo princípio, a percussão do ab-dômen pode ser feita com o paciente em outras posi-ções, para se evidenciar a macicez móvel. Com o pa-ciente em posição de Trendelenburg (paciente esten-dido com os pés em posição mais elevada do que acabeça) um grande derrame líquido na cavidade peri-toneal tornará maciça a região epigástrica. Uma pe-quena ascite, porém, poderá ser detectada com o pa-ciente ajoelhado sobre a mesa de exame e com o tron-co sustentado pelas mãos, com os braços estendidosem posição popularmente conhecida como �de qua-tro�. A macicez será observada à percussão da re-gião umbilical, pois, a parte da cavidade peritoneal cor-respondente será a mais declive na posição adotada.

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16- Descrever os achados da percussão do ab-dômen, que permitem diferenciar a ascitede grandes cistos ou tumores (exemplo: deovário ou de pâncreas)

O líquido ascítico, livre na cavidade peritoneal,procura as partes mais declives. Ao contrário, os lí-quidos dos cistos, pseudocistos ou tumores líquidos sãocontidos pelas próprias estruturas do processo patoló-gico. Assim, as linhas curvas que delimitam os limitesentre timpanismo e macicez ou submacicez têm con-formações distintas, conforme descrito no item 15.

17- Esquematizar os mecanismos responsáveispelo aparecimento de ascite, exemplifican-do, com pelo menos duas doenças, um dosmecanismos apontadosA ascite pode ser definida como o acúmulo de

líquido livre no interior da cavidade abdominal. As cau-sas da ascite vêm a seguir.1) Doenças no peritônio: tuberculose, histoplasmose,

implantes de células malignas.2) Doenças no fígado: a cirrose hepática é a causa

mais comum.3) Congestão hepática: insuficiência cardíaca, pericar-

dite constrictiva, síndrome de Budd-Chiari.4) Extravasamento de suco pancreático (ascite pan-

creática): lesão de ducto pancreático, ruptura depseudocisto pancreático.

5) Doenças que acometem gânglios linfáticos (ascitequilosa): linfomas, tuberculose.

6) Hipoproteinemia: síndrome nefrótica, desnutrição.

Os mecanismos de formação de ascite são di-versos, na dependência da doença que desencadeouo processo.

As doenças envolvendo peritônio podem cau-sar ascite por aumento da permeabilidade dos capila-res peritoneais, provocando exsudação. Na insufici-ência cardíaca e na síndrome de Budd-Chiari (obstru-ção das veias supra-hepáticas), observa-se congestãohepática com aumento da pressão sinusoidal. A ascitepancreática ocorre por derramamento de suco pan-creático na cavidade peritoneal, podendo provocarperitonite química. As doenças que envolvem osgânglios linfáticos, abdominais podem causar ascite dealto conteúdo linfático (aspecto leitoso, denominadaascite quilosa). Na hipoproteinemia, a diminuição dapressão oncótica é responsável pela ruptura do balan-ço entre a pressão hidrostática e a pressão oncótica

nos vasos, causando o extravasamento de líquidos paraa cavidade abdominal.

A cirrose hepática é responsável por mais de60% dos casos de ascite. Os mecanismos fisiopatoló-gicos da formação de ascite, na cirrose, são comple-xos. O aumento da pressão hidrostática, nos vasosesplâncnicos, associado à diminuição da pressão on-cótica, secundária à hipoalbuminemia, resulta emextravasamento do fluido para a cavidade peritoneal.Uma vez ultrapassada a capacidade de reabsorção dofluido pelos vasos linfáticos, forma-se a ascite.

A pressão portal pode aumentar, se houver au-mento do fluxo sangüíneo portal ou aumento da resis-tência vascular ou de ambos. O aumento da resistên-cia, na cirrose, é de localização intra-hepática e podeser sinusoidal, pré-sinusoidal e pós-sinunoidal. É co-mum que o aumento da resistência ocorra em váriasáreas, além do que, conforme a doença progride, no-vos sítios podem ser envolvidos. Reconhece-se o im-portante papel da alteração estrutural da microcircu-lação hepática (fibrose, capilarização dos sinusóides enódulos de regeneração) como o mecanismo mais im-portante para o aumento da resistência vascular nacirrose, processo esse que, na maioria das vezes, éconsiderado irreversível. Recentemente, tem sido de-monstrado que, em associação com o componentemecânico da resistência vascular hepática, existe umcomponente dinâmico, que se deve ao aumento dotônus vascular. As substâncias vasoativas, produzidaspelo endotélio vascular, como vasodilatadores (prosta-ciclinas e óxido nítrico) e vasoconstrictores (endoteli-nas e prostanóides), agem de forma parácrina na mus-culatura lisa de vasos e nas ativadas células estrelarese modulam o tônus vascular, normal, o qual é mantidopelo balanço entre substâncias vasodilatadoras evasoconstrictoras. A perturbação desse balanço levaa anormalidades no tônus vascular.

O aumento do fluxo sangüíneo portal é conse-qüente à vasodilatação em órgãos esplâncnicos, quedrenam o sangue para a veia porta. A vasodilataçãotambém ocorre na circulação sistêmica. Ressalta-seque a vasodilatação é o evento iniciador da circulaçãohiperdinâmica, que é observada em estágios avança-dos de hipertensão portal. A vasodilatação esplâncnicae periférica atua como ativador de sistemas neuro-humorais, provocando retenção de sódio e ascite. Acirculação hiperdinâmica é caracterizada por diminui-ção da resistência vascular, periférica, diminuição dapressão arterial, média, expansão do volume plasmático,aumento do fluxo sangüíneo, esplâncnico e aumentodo débito cardíaco.

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

Os fatores envolvidos na determinação do au-mento do fluxo sangüíneo não estão totalmente escla-recidos. Três mecanismos podem contribuir para avasodilatação periférica, como aumento dos vasodila-tadores circulantes (glucagon), aumento da produçãoendotelial de vasodilatadores locais (NO, prostaglan-dinas) e diminuição da resposta a vasoconstrictoresendógenos, este último mecanismo, provavelmente,sendo efeito dos dois primeiros.

18� Determinar, pelas técnicas da percussão epalpação, a ocorrência de hepatomegaliaA medida da distância da qual o fígado é palpado

abaixo do rebordo costal, na linha hemiclavicular, podenão ser um método seguro para que se conclua pelodiagnóstico de hepatomegalia, o que é devido ao fatode que o órgão pode estar rebaixado de sua posiçãonormal (exemplo, tórax enfisematoso). Deve-se terpresente, também, que, normalmente, o fígado podeser palpado a um ou dois centímetros abaixo do rebor-do costal. Para determinar-se a presença de hepato-megalia, é necessário que se estabeleçam dois pontosde referência: o primeiro, correspondente à parte maisalta do órgão, determinado pela percussão; o segun-do, representado pela borda inferior, obtido pela pal-pação. A percussão revela que, em geral, a parte su-perior do fígado coloca-se na altura do sexto espaçointercostal ou um pouco mais acima. A estimativa dolimite inferior do fígado, pela percussão, é, entretanto,difícil e sujeita a muitos erros.

Medindo, com uma fita métrica ou uma régua,a distância entre o limite superior e o inferior, pode-sedizer que o tamanho do fígado de um indivíduo adultopode ser considerado normal, se não ultrapassar 5 cmna linha mediana, 10 cm na linha medioclavicular e 13cm na linha axilar, anterior. São valores válidos, quan-do o limite superior foi determinado pela ocorrênciade macicez. Se o foi pela submacicez, pode-se consi-derar 1 a 2 cm a mais nas três linhas verticais, consi-deradas. É interessante fazer, pelo menos, as duasprimeiras medidas mencionadas, pois, estar-se-á fa-zendo uma avaliação em separado do lobo direito e doesquerdo do fígado.

19 � Esquematizar os mecanismos responsáveispelo aumento do fígado, exemplificando,com pelo menos duas doenças, um dos me-canismos apontadosO volume do fígado pode aumentar em dife-

rentes condições, tais como, congestão, aumento do

número de células inflamatórias, depósito de tecidofibroso, infiltração por células neoplásicas, tumores pri-mários do fígado, cistos, abscessos ou ainda pelo au-mento do volume das células hepáticas ou das célulasde Kupffer por depósitos de ferro, gorduras, cobre,glicogênio ou amilóide. Algumas das doenças que cur-sam com aumento de volume do fígado estão listadasa seguir.1) Congestão: insuficiência ventricular, direita; peri-

cardite constrictiva; síndrome de Budd-Chiari.2) Processos infecciosos: abscessos bacterianos, in-

fecções virais (incluindo hepatites agudas e crôni-cas), mononucleose.

3) Doenças parasitárias:abscesso amebiano, esquito-somose, hidatidose, calazar, malária.

4) Doenças metabólicas: hemocromatose, amiloidose,doença de Wilson, glicogenoses, esteatose.

5) Neoplasias: carcinoma hepatocelular, metástases,hemangiomas, linfomas.

6) Outras: colestases, hepatite auto-imune, cirroses dediferentes etiologias, hepatites medicamentosas,fibrose hepática congênita.

20 � Efetuar a palpação do fígado, descrevendosuas características quanto à consistência,espessura da borda, sensibilidade, estadoda superfície e pulsatilidadeA palpação do fígado é importante para se sa-

ber o tamanho do órgão e algumas características quepodem ser avaliadas pelo sentido do tacto e que po-dem ser de muita relevância para o diagnóstico dashepatopatias. Três regras técnicas devem ser obser-vadas na palpação do fígado: o paciente deve estarcom o abdômen o mais relaxado possível, não se deveaprofundar excessivamente a mão e a manobra pal-patória deve ser regida pelos movimentos respiratóri-os. Quanto a esta última regra, a boa técnica consisteem preparar a mão durante a expiração e palpar, quan-do a descida do diafragma, durante a inspiração, moveo órgão para baixo. Muitas vezes, é contraproducentepedir ao paciente que faça respiração abdominal e,pior ainda, é solicitar, como treinamento, que levante amão do examinador colocada sobre o abdômen; emgeral, isso resulta em aumento da tensão das paredesdurante a inspiração. O melhor é o médico mostrar,com sua própria respiração, como ele quer que a res-piração seja feita pelo paciente. Tanto faz respirar pelaboca ou pelo nariz, o importante é que o paciente ofaça com a menor possível tensão da musculatura

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abdominal. Durante a palpação superficial, muito fre-qüentemente, o examinador já perceberá que o fí-gado está aumentado.

O primeiro e o mais simples dos métodos parapalpar o fígado é o seguinte: paciente em decúbito dor-sal, respirando adequadamente, médico em pé, à suadireita. A mão esquerda do médico será colocada naregião costolombar, fazendo certa compressão no sen-tido póstero-anterior, com o objetivo de melhor exporo fígado à palpação. A mão direita, espalmada, serácolocada na face anterior, em posição abaixo do localonde se presume palpar o rebordo hepático. Será le-vemente aprofundada durante uma expiração e, nainspiração seguinte, realizará leve movimento em di-reção à reborda hepática e também para o alto, com ofito de sentir o toque do órgão ou, melhor ainda, seuressalto junto às pontas dos dedos indicador e médio,da mão direita.

O segundo método é realizado da seguinte ma-neira: o médico coloca-se junto ao hipocôndrio direito,com seu dorso voltado para a face do paciente. Apli-ca suas duas mãos, curvadas em garra sobre a zona apalpar. Durante a inspiração o que se tem a fazer é,simplesmente, esperar que a reborda hepática resvalena superfície palmar dos quatro últimos dedos, dispos-tos em garra. A manobra pode, também, ser executa-da com apenas uma das mãos, seus dedos colocados,igualmente, em garra. Este segundo método é especi-almente recomendado, quando a resistência abdomi-nal está aumentada e para rebordos não muito abaixodo rebordo costal.

Um terceiro método pode ser mencionado, o dorechaço hepático. Ele é aplicável quando, entre o fíga-do aumentado e a parede, se interpõe um volume líqui-do, dificultando a palpação por outro método. É reali-zado da seguinte maneira: à direita do paciente, comos dedos da mão direita reunidos, aplicam-se peque-nos golpes na parede anterior do abdômen a fim detocar a superfície do fígado e repeli-lo para regiõesmais profundas, mantendo-se a mão no local, a fim deperceber o contra-golpe do órgão ao retornar à posi-ção inicial. Quando a manobra for positiva, pode-seconcluir pela existência de ascite e determinar a dis-tância máxima que se pode perceber o fígado em rela-ção ao rebordo direito.

As características que devem ser investigadasno fígado palpado são as relatadas a seguir.

Estado da borda inferior � normalmente, aborda do fígado tem estrutura fina. Em situações patoló-gicas, quando o órgão cresce (exemplos, congestão

passiva na insuficiência cardíaca, esteatose e cirrosehepática), a configuração da borda torna-se arredon-dada e grossa, habitualmente designada como romba.

Superfície � é regularmente lisa. Na presençade alterações patológicas, pode-se identificar superfí-cie irregular, formada por finas granulações (exem-plo, cirrose hepática) ou saliências ou nodosidadesmaiores (exemplos, câncer, cirrose, cistos hidáticos)

Consistência � o fígado normal apresenta con-sistência firme, com certa elasticidade, que, habitual-mente, é referida como �parenquimatosa�. Apresen-ta-se mole na esteatose e duro na cirrose, na conges-tão crônica e no câncer. Em cistos hidáticos, calcifi-cados o fígado pode mostrar consistência pétrea.

Sensibilidade � a dor despertada pela palpa-ção pode ser difusa ou localizada. A dor difusa ocorreem processos patológicos, inflamatórios, difusos, agu-dos ou crônicos, do fígado (exemplos, hepatites agu-das e crônicas). A dor dos processos localizados édespertada pela pressão (ou leve percussão) sobre olocal e costuma ser aguda e intensa. A provocação dedor aguda pela percussão leve de qualquer ponto daárea de projeção do fígado é conhecida como sinal deTorres Homem, médico brasileiro do século XIX, edescrita no abscesso amebiano do fígado.

Pulsatilidade � o fígado aumentado pode mo-ver-se discretamente a cada pulsação arterial. O mo-vimento pode ser decorrente da transmissão pelocontacto direto com a aorta abdominal. A pulsaçãoverdadeira é percebida pela expansão do volume doórgão durante a sístole e sua subseqüente redução nadiástole. É, portanto, uma pulsação expansível, perce-bida quando se colocam as mãos em posições apostassobre o órgão, verificando se elas, alternativamente,divergem e convergem. É observado em casos deregurgitação tricúspide, grave; Nesta situação patoló-gica, o fígado recebe, durante a sístole, um volumeretrógrado de sangue venoso, dado pela regurgitaçãotricúspide e, ao mesmo tempo, o sangue arterial, vindoda artéria hepática. O pulso hepático é o resultado doencontro simultâneo dos dois pulsos.

21- Efetuar a palpação do baço, descrevendo assuas características quanto a tamanho, for-ma, consistência, estado da superfície e sen-sibilidadeA palpação é o melhor método para a explo-

ração clínica do baço. O baço de tamanho e de loca-lização normal não é palpável. Quando está grande-mente aumentado, pode ser palpado facilmente e suas

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

características estruturais, identificadas sem dificul-dade. Quando está moderadamente aumentado, podeser palpado apenas durante a inspiração. Para ser pal-pável, o baço deve alcançar o dobro do seu tamanhonormal. O aumento do baço costuma determinarsubmacicez ou macicez em áreas entre a linha axilaranterior e a posterior, entre o nono e o décimo-primei-ro intercostos esquerdos, área que não é o espaço deTraube, como aparece em alguns livros de semiologia.

Dois fatores facilitam a palpação do baço, pou-co ou moderadamente aumentado, que se esconde sobo gradeado costal no hipocôndrio esquerdo: o movi-mento de decúbito (quando é assumido o decúbito la-teral, direito ou a posição de Schuster) e o movimentode descida durante a inspiração (sobe durante aexpiração). Assim, a palpação do baço é facilitada,quando feita durante a inspiração e na posição facili-tadora de sua descida.

Dois métodos palpatórios são, habitualmente,utilizados para a palpação do baço: um que é feitocom o paciente em decúbito dorsal e outro com o pa-ciente na posição intermediária de Schuster.

1) Primeiro método: no transcurso do exame do ab-dômen, é o primeiro método a ser executado napalpação do baço. O paciente permanece emdecúbito dorsal, mantendo a musculatura abdomi-nal o mais relaxada possível. O médico posta-se àdireita do paciente. Pela palpação superficial, an-teriormente feita, o médico já pode ter percebidobaço facilmente identificável. É muito importantea observância dos movimentos respiratórios paraa palpação do baço, assim como o é para a palpa-ção do fígado. A penetração da mão, na região ondese situa o órgão, é feita de maneira lenta, sem for-çar, durante as fases expiratórias. Não há necessi-dade de aprofundar muito a mão, uma vez que obordo esplênico coloca-se logo abaixo da paredeabdominal. Estando à direita do paciente, é maiscômodo que o médico use sua mão direita parapalpar o baço. Os canhotos, mesmo colocando-seà direita do paciente, costumam adaptar-se e palparo baço com a mão esquerda. Com a mão espalma-da sobre a região onde se presume estar o baço,formando com a linha mediana um ângulo de cer-ca de 45º, o médico deve pedir ao paciente quefaça lentos movimentos respiratórios e um poucomais profundos do que o habitual. A mão deve sermantida em posição de palpar, mantendo uma cer-ta resistência à descida do baço, que ocorre du-

rante a inspiração. Durante esse movimento respi-ratório, o bordo esplênico, que vem descendo, devese encontrar com as pontas dos dedos indicador emédio e com a borda radial do indicador, tocando-os ou provocando um ressalto.

2) Segundo método: o baço é palpado, estando opaciente na posição intermediária de Schuster: po-sição intermediária entre o decúbito dorsal e odecúbito lateral, direito. Para que o paciente fiquebem acomodado nessa posição e não contraia suamusculatura abdominal, sua perna esquerda éfletida e o joelho esquerdo faz ponto de apoio so-bre a mesa de exame. O paciente, portanto, man-tém-se equilibrado e relaxado na posição interme-diária, apoiando-se na base formada pelo tronco,perna direita estendida e perna esquerda fletida como joelho tocando a mesa de exame. Portando, nãohá necessidade de o paciente apoiar-se no corpodo médico, sentado na cama do lado esquerdo dopaciente. Além do mais, os preceitos de preven-ção de infecção hospitalar rezam que o médico deveevitar sentar-se na cama do paciente. A posiçãointermediária de Schuster induz o movimento dobaço em direção ao rebordo costal, favorecendo apalpação. O médico pode colocar-se à direita ou àesquerda do paciente.

Colocando-se, em pé, à direita, a mão direitacom sua palma voltada para cima e levemente encur-vada, posiciona-se na área onde se presume estar aborda esplênica e aprofunda-se de maneira semelhanteà anteriormente descrita. O médico deve dar ao paci-ente as mesmas instruções relativas à respiração,mencionadas na descrição do primeiro método. Es-tando em posição, a borda esplênica será percebidapela face palmar de um ou mais dos quatro últimosdedos. Como é interessante obter amplas inspiraçõespara se proceder à palpação do baço, o examinadorpode colocar sua mão esquerda sobre o gradeadocostal esquerdo do paciente, e exercer manobra deoposição à sua expansão, travando seus movimentos.Presume-se que, com isso, o paciente passe a ter, pre-dominantemente, respiração diafragmática, esquerda,favorecendo a palpação do baço.

Posicionando-se à esquerda do paciente, a mãodireita em garra procura sentir o pólo inferior, esplênico,abaixo ou junto ao rebordo costal, esquerdo. Além deser efetuado na posição intermediária de Schuster, ométodo pode ser aplicado com o paciente em decúbitolateral, direito. Essa forma de palpar, com o médico àesquerda do paciente, é conhecida, também, como

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processo de Mathieu-Cardarelli, podendo ser consi-derada um terceiro método de palpação do baço.

Das características palpatórias do baço, a maisimportante é o tamanho. A referência ao tamanho éinferida pela distância que vai do rebordo costal, es-querdo ao ponto extremo de palpação do órgão, nalinha hemiclavicular, esquerda. Infecções agudas con-ferem ao baço consistência mole, com bordos rom-bos; as esplenomegalias crônicas costumam ser du-ras e ter bordos cortantes. O baço será doloroso, quan-do um processo inflamatório atinge sua cápsula ou navigência de infarto esplênico.

O elemento palpatório para diferenciar o baçode uma massa no quadrante superior, esquerdo (exem-plo, tumor gástrico, rim esquerdo) é o reconhecimentodas duas ou três chanfraduras no seu bordo interno,desde que a forma normal do órgão seja conservada.Na distinção entre esplenomegalia e massas no hipo-côndrio ou quadrante superior, esquerdo pode ser útilà percussão; na esplenomegalia, a área de percussãoserá maciça ou submaciça, o que pode não ocorrer nooutro caso.

É preciso estar atento para evitar um erro nãoraro: tomar como baço a palpação da última costelaflutuante.

22� Esquematizar os mecanismos responsáveispelo aumento do volume do baço, exempli-ficando, com pelo menos duas doenças, cadaum dos mecanismos apontadosPara simplificar, pode-se afirmar que há dois

mecanismos básicos, que produzem esplenomegalia.Ela pode ser congestiva, quando o crescimento é for-çado por congestão de sangue venoso, ou proliferativa,quando o aumento do volume é dado por crescimentodo contingente celular do órgão. O aumento do órgãopode ser difuso, com manutenção de sua forma nor-mal, ou decorrente de comprometimento focal (exem-plos, cistos, hemangiomas).

As principais causas de esplenomegalia, segun-do a natureza do processo patológico envolvido, comalguns exemplos representativos de cada uma dascausas são apresentadas a seguir.

Inflamatóriasa) agudas: septicemia, febre tifóide, mononucleose in-

fecciosa, etcb) subagudas: endocardite bacteriana, subagudac) crônicas: leishmaniose, malária, tuberculose, lúpus

eritematoso, cistos hidáticos

Congestivasa) hipertensão portal por cirrose hepática, esquistos-

somoseb) trombose da veia porta, da veia esplênica

Hiperplásticasa) anemias hemolíticasb) leucemiasc) policitemia verad) púrpura trombocitopênica

Infiltrativasa) doença de Gaucherb) doença de Niemann-Pickc) amiloidose

Neoplásicasa) hemangiomasb) linfossarcomac) doença de Hodgkin

Além do exame clínico do órgão, deverá haverdados obtidos na anamnese, no exame físico de outrosórgãos e sistemas e exames subsidiários, que indica-rão o diagnóstico definitivo de uma esplenomegalia.

23 � Efetuar a palpação da vesícula biliar e indi-car seu significado clínicoA vesícula biliar, normal não é palpável; somente

o será, se apresentar aumento em seu volume, alémde tensão aumentada de suas paredes ou aumento depressão em seu interior, pela dificuldade de esvazia-mento de seu conteúdo. O aumento da vesícula biliare as mencionadas manifestações correlatas decorremde obstrução do ducto cístico ou do colédoco.

Quando a obstrução está no ducto cístico, nãohá icterícia. A obstrução do cístico pode ser devida acálculos, ou por processo inflamatório, que a excluemda árvore biliar. Ela se distende devido ao acúmulo desua própria secreção e constitui o que é denominadode vesícula hidrópica.

Quando é o colédoco o canal biliar obstruído,há icterícia do tipo obstrutivo. A obstrução do colédo-co, que, geralmente, causa distensão da vesícula biliar,é a provocada por tumores do pâncreas ou das própri-as vias biliares, pois a vesícula não calculosa apresen-ta elasticidade conservada. A obstrução por cálculos,em geral, não causa dilatação da vesícula, porque opaciente já apresenta uma vesícula doente (colecistitecrônica, calculosa) e já fibrosada ou esclerosada. En-tretanto, há exceções.

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

Na vigência de icterícia obstrutiva, a presençade vesícula palpável é claro indicador do diagnósticotopográfico da doença: a obstrução situa-se fora dofígado (icterícia obstrutiva extra-hepática), no colédo-co ou na sua desembocadura no duodeno; nessa situ-ação, a principal hipótese diagnóstica é de obstruçãopor neoplasia, a não ser que exista quadro clínico acom-panhante, muito sugestivo de doença calculosa. Dequalquer forma, a presença de icterícia obstrutiva comvesícula palpável indica que a resolução terapêuticado caso é de competência cirúrgica.

A vesícula biliar é palpável no ponto em que amargem inferior do fígado cruza a borda externa domúsculo reto, anterior, direito, do abdômen.

Aumentada e tensa será palpada como umaformação arredondada, de superfície lisa e consistên-cia elástica, eventualmente com pequena mobilidadelaterolateral, que se destaca da borda inferior do fíga-do, fazendo corpo com ele. Às vezes, a vesícula au-mentada pode provocar pequeno abaulamento da pa-rede abdominal. A palpação pode ser dificultada pordor local.

A vesícula biliar pode ser palpada pelo métodode Mathieu, semelhante ao descrito para a palpaçãodo fígado: paciente em decúbito dorsal; médico ao seulado direito, dando-lhe as costas; uma ou duas mãosaplicadas no hipocôndrio direito, com os dedos re-curvados �em gancho�, como para sentir a borda he-pática. A palpação da vesícula ocorrerá durante umainspiração de profundidade, adequada para cada pa-ciente.

O outro método consiste em aplicar a mão di-reita, levemente inclinada e espalmada sobre o hipo-côndrio direito, junto à borda hepática, estando-se empé ao lado direito do paciente. Durante uma inspira-ção, as extremidades dos três dedos centrais poderãoidentificar a vesícula biliar.

Um processo palpatório interessante é o de sefazer movimentos circulares, com discreta compres-são, na área vesicular, com os três dedos centrais damão direita. Com tal método, tem-se conseguido palparmuitas vesículas e ele é aplicável, principalmente, noscasos em que há dor local.

24 � Testar a sensibilidade dos rins pela percus-são dos ângulos costovertebrais, com a bor-da cubital da mão (pesquisa do sinal deGiordano)Existem pontos, na região lombar, cuja pal-

pação pode despertar dor, na vigência de afecções

renais e uretéricas (exemplos, nefrite, pielonefrites agu-das, tuberculose renal). As dores provocadas, muitasvezes, coincidem com dores espontâneas dos pacien-tes. São dois os pontos: o lombar costovertebral (novértice do ângulo formado pela última costela e a co-luna vertebral) e o lombar costomuscular (no vérticedo ângulo formado pela massa muscular sacrolombare pela última costela). A pesquisa de dor, nesses pon-tos, é feita mediante sua compressão com um únicodedo.

Tanto nas doenças acima referidas, como nocâncer e na litíase renal, a percussão da região lom-bar (o paciente sentado na cama, com o dorso desco-berto e o examinador, desse mesmo lado) mediantegolpes secos com a borda cubital de uma das mãos(manobra de Giordano) pode despertar uma intensador aguda. Aconselha-se que a referida manobra sejarealizada em diferentes alturas das regiões lombares,direita e esquerda. A percussão deve iniciar-se commanobras leves, aumentando-se gradualmente, por-que não se pode prever a intensidade da dor que elaspoderão desencadear. Quando a manobra de Giordanoproduz a dor aguda e intensa, diz-se, habitualmente,que o paciente apresenta o sinal de Giordano positivo,entretanto, nos livros de semiologia consultados, nãose encontra tal designação. Deve-se sempre anotarse a positividade da manobra (produção de dor) foi àdireita, à esquerda ou em ambas as regiões.

25- Estabelecer o significado clínico da positi-vidade do sinal de Giordano, diferenciandode outras causas de dor à percussão das re-giões lombaresA positividade da manobra de Giordano não in-

dica, de forma decisiva, uma afecção renal ou pielo-calicial. O abalo ou a trepidação produzida pelo golpefeito com a borda cubital da mão, na região lombar,pode despertar dor em qualquer órgão ou estruturasubjacente, se estiver com algum processo inflamató-rio (apendicite, hepatite aguda, afecção osteomuscu-lar). São os dados colhidos na anamnese, ao lado deoutros achados do exame físico, que levantarão a hi-pótese diagnóstica mais plausível. Além disso, exa-mes subsidiários, pedidos de acordo com as sugestõesditadas pela meticulosa observação clínica, serão im-portantes para o diagnóstico definitivo. O sinal deGiordano é um típico exemplo de achado de significa-do inespecífico do exame físico. Seu valor semiológicoestá relacionado com os demais dados clínicos, apre-sentados pelos pacientes.

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26� Efetuar a ausculta sistematizada do abdômen,identificando os ruídos hidroaéreos e des-crevendo suas características quanto a fre-qüência, intensidade e timbre

A ausculta é a parte do exame físico do abdô-men que se segue à inspeção e precede a palpação.Esta não é uma seqüência obrigatória, mas é recomen-dada por alguns semiologistas, com o argumento de queo prévio manuseio do abdômen alteraria a ausculta.

Nessa parte do exame, descrevem-se os sinaisacústicos, percebidos por intermédio do estetoscópio,ouvindo-se os quatro quadrantes do abdômen e, especi-almente, sua área central, durante dois a três minutos.Os ruídos audíveis, dependentes do tubo gastrointestinalsão conhecidos com o nome genérico de hidroaéreos.

Os ruídos hidroaéreos são audíveis com o auxí-lio do estetoscópio, em condições normais, em locali-zação variável e em momentos imprevisíveis, produzi-dos pela movimentação normal do conteúdo gastroin-testinal líquidogasoso. Em condições patológicas, po-dem estar com intensidade aumentada (exemplos, nasdiarréias, na presença de sangue na luz de alças intes-tinais, em decorrência de hemorragias digestivas, al-tas, na obstrução intestinal) ou reduzida ou abolida(exemplo, íleo paralítico situação em que há aboliçãoou grande redução dos movimentos intestinais, comono pós-operatório de cirurgias abdominais). Uma va-riação do timbre dos ruídos hidroaéreos, o timbre me-tálico, é observada nos casos de obstrução do intesti-no delgado.

27� Discutir os possíveis mecanismos determi-nantes de anormalidades da ausculta abdo-minalAs variações, para mais ou para menos, do

turbilhonamento do conteúdo líquidogasoso, dos intes-tinos acompanham alterações da atividade motora doórgão. Quando a atividade motora está aumentada,em decorrência de intensa atividade propulsiva ouquando há um peristaltismo de luta para vencer umasemi-oclusão (exemplos citados no item 12), ocorreaumento da freqüência e da intensidade dos ruídoshidroaéreos (ruídos hiperativos). Quando a atividademotora está diminuída ou abolida (exemplos citadosno item 12), há redução ou até ausência (�silêncioabdominal�) dos ruídos hidroaéreos.

28� Identificar a presença de sopros e seu signi-ficadoAlém dos ruídos intestinais, ou seja, aqueles

dependentes da movimentação da mistura líquidoga-sosa, a ausculta do abdômen pode revelar ruídos vas-culares, atritos e ruídos obstétricos.

Os ruídos vasculares incluem os sopros quepodem ser sistólicos ou contínuos.

Os sopros sistólicos são originários de artériasabdominais, que apresentam alterações de seu fluxo aponto de produzir o ruído característico.

Os sopros sistólicos abdominais mais freqüen-tes são os produzidos pelo aneurísma da aorta abdo-minal ou pelas artérias hepática e esplênica.

No aneurisma da aorta, o turbilhonamento dosangue ocorre na parte em que a artéria de calibrenormal se abre na parte bojuda. Há situações, emque, nesse mesmo local, é gerado ruído semelhanteao de uma bulha cardíaca. Os sopros do aneurismada aorta são audíveis na linha mediana do abdô-men, sem se fazer demasiada pressão com o este-toscópio.

O sopro hepático pode ser audível em qualquerponto da área de projeção do fígado, na superfície doabdômen; indica fluxo arterial anormal, no local, comopode acontecer no aneurisma da artéria hepática, nacirrose e no carcinoma hepatocelular.

Os sopros esplênicos são audíveis no hipocôn-drio esquerdo, em geral, entre as linhas hemiclaviculare axilar, anterior, esquerdas. Podem ser encontradosno baço de pacientes com malária, leucemia, cirrosehepática ou tumores esplênicos.

Os sopros contínuos são venosos e o exemplomais marcante é o audível sobre a circulação colate-ral, periumbilical, decorrente de hipertensão portal. De-corre do hiperfluxo na veia umbilical, recanalizada que,além do sopro, pode produzir frêmito no local (síndro-me de Cruveillier-Baumgarten).

Os atritos observados no abdômen são raros.Decorrem da movimentação do órgão (em geral, fíga-do ou baço, mas, também, com vísceras ocas) junto àparede abdominal, em ponto onde um processo infla-matório determinou alterações na textura das respec-tivas superfícies, tornando-as ásperas. Os processosperitoneais, crônicos representam as principais cau-sas dessa anormalidade semiológica. A movimentaçãoreferida é aquela determinada pelos movimentos res-piratórios.

Dos ruídos obstétricos, menciona-se o soprouterino ou placentário, doce, suave, inconstante, desede variável, presente depois do 3º ou 4º mês de ges-tação. De origem fetal, menciona-se o batimento car-díaco, caracterizado pela sua alta freqüência (140batimentos/min).

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Semiotécnica e interpretação do exame clínico do abdômen.

MENEGHELLI UG & MARTINELLI ALC. Principles of semiotechnic and interpretation of the abdomen clinicalexamination. Medicina, Ribeirão Preto, 37: 267-285, july/dec. 2004.

ABSTRACT: The aim of this article was to provide medical students with basic knowledgementabout how to perform and interpretate the clinical examination of the abdomen. In order to reachthis aim we discussed 28 itens proposed by the coordination of the course of semiology of theDepartment of Medicine � School of Medicine of Ribeirão Preto, São Paulo University. The articlecomprehend the main topics of inspection, auscultation, palpation and percussion of the abdomen.

UNITERMS: Clinical Examination. Semiology. Inspection. Auscultation. Palpation. Percussion.Abdomen.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCONSULTADAS E RECOMENDADAS

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