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A GRADUAÇÃO DA MAGNITUDE DO INJUSTO E DA CULPABILIDADE NA TUTELA JURÍDICO-PENAL DA ORDEM ECONÔMICA, TRIBUTÁRIA E FINANCEIRA THE GRADUATION DEGREE OF THE ILLEGAL ACT AND CULPABILITY MAGNITUDE IN THE ECONOMICS, FINANCIAL AND TRIBUTARY CRIMINAL LAW Patrícia Carraro Rossetto Douglas Bonaldi Maranhão RESUMO Tem o presente trabalho a finalidade de pormenorizar as circunstâncias criminais, que podem agravar ou atenuar a pena, constantes nos diplomas legais relacionados à criminalidade econômica. A princípio, serão abordadas, através de uma compreensão dogmática, a significação de circunstâncias e suas espécies, bem como a graduação de sua magnitude atinente ao injusto penal e à culpabilidade. Após uma análise ampla, buscar-se-á compreender as circunstâncias existentes e como se procede a sua graduação, frente aos delitos econômicos descritos através das seguintes Leis: 8.068/90 que diz respeito aos crimes contra as relações de consumo; 8.137/95 que versa sobre os crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo; e, por fim, a 7.492/86 que abarca os crimes contra o sistema financeiro nacional. Dessa forma, poder-se-á ter um melhor entendimento da graduação da magnitude do injusto penal e da culpabilidade através das circunstâncias existentes nos referidos diplomas legais. PALAVRAS-CHAVES: CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA. MAGNITUDE DO INJUSTO E DA CULPABILIDADE. ABSTRACT The purpose has the present work to detail the criminal circumstances that can aggravate or attenuate the penalty, constants in the attainments statutes to economic crime. The principle will be boarded through a dogmatic understanding, the significances of circumstances and its species as well as the graduation of its magnitude attainment to delict and the culpability. After an ample analysis, will search to understand the existing circumstances and as if its graduation proceeds, front to the described economic delicts through the following Laws: 8.068/90 attainment to the crimes against the consumption relations; 8.137/95 that tax turns on the crimes against the order, economic and relations of consumption; e finally, the 7.492/86 that it accumulates of stocks the crimes against the national financial system. Of this form, one better agreement of the graduation of the delict magnitude of and the culpability through the existing circumstances in the related statutes will be able to be had. 1529

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A GRADUAÇÃO DA MAGNITUDE DO INJUSTO E DA CULPABILIDADE NA TUTELA JURÍDICO-PENAL DA ORDEM ECONÔMICA, TRIBUTÁRIA E

FINANCEIRA

THE GRADUATION DEGREE OF THE ILLEGAL ACT AND CULPABILITY MAGNITUDE IN THE ECONOMICS, FINANCIAL AND TRIBUTARY

CRIMINAL LAW

Patrícia Carraro Rossetto Douglas Bonaldi Maranhão

RESUMO

Tem o presente trabalho a finalidade de pormenorizar as circunstâncias criminais, que podem agravar ou atenuar a pena, constantes nos diplomas legais relacionados à criminalidade econômica. A princípio, serão abordadas, através de uma compreensão dogmática, a significação de circunstâncias e suas espécies, bem como a graduação de sua magnitude atinente ao injusto penal e à culpabilidade. Após uma análise ampla, buscar-se-á compreender as circunstâncias existentes e como se procede a sua graduação, frente aos delitos econômicos descritos através das seguintes Leis: 8.068/90 que diz respeito aos crimes contra as relações de consumo; 8.137/95 que versa sobre os crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo; e, por fim, a 7.492/86 que abarca os crimes contra o sistema financeiro nacional. Dessa forma, poder-se-á ter um melhor entendimento da graduação da magnitude do injusto penal e da culpabilidade através das circunstâncias existentes nos referidos diplomas legais.

PALAVRAS-CHAVES: CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA. MAGNITUDE DO INJUSTO E DA CULPABILIDADE.

ABSTRACT

The purpose has the present work to detail the criminal circumstances that can aggravate or attenuate the penalty, constants in the attainments statutes to economic crime. The principle will be boarded through a dogmatic understanding, the significances of circumstances and its species as well as the graduation of its magnitude attainment to delict and the culpability. After an ample analysis, will search to understand the existing circumstances and as if its graduation proceeds, front to the described economic delicts through the following Laws: 8.068/90 attainment to the crimes against the consumption relations; 8.137/95 that tax turns on the crimes against the order, economic and relations of consumption; e finally, the 7.492/86 that it accumulates of stocks the crimes against the national financial system. Of this form, one better agreement of the graduation of the delict magnitude of and the culpability through the existing circumstances in the related statutes will be able to be had.

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KEYWORDS: AGGRAVATIONS AND EXTENUATING CIRCUMSTANCES. INCREASE AND REDUCTION OF PENALTY CASES. ILLEGAL ACT AND CULPABILITY MAGNITUDE.

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

É cediço o entendimento de que o Direito Penal possui a função ético-social de proteção de bens jurídicos essenciais à vida em comum no seio social. Nesse sentido, aduz-se que “ao direito penal corresponde a exclusiva tarefa de proteger os bens jurídicos, isto é, os valores e interesses fundamentais pertencentes ao indivíduo e à comunidade, frente às condutas que os lesionem ou ponham em perigo, sempre que impliquem ao mesmo tempo uma infração grave das normas ético-sociais vigentes na sociedade em um momento histórico” (CEREZO MIR, 1996, p. 13-15)[i].

Com vistas a cumprir tal desiderato, o legislador, por meio de normas penais incriminadoras (proibitivas ou mandamentais), impõe à coletividade formas de comportamento através da descrição das condutas contrárias às normas imperativas no tipo legal, que “vem a ser o modelo, o esquema conceitual da ação ou da omissão vedada, dolosa ou culposa. É a expressão concreta dos específicos bens jurídicos amparados pela lei penal” (PRADO, 2006, p. 339).

Conforme preceitua João Mestieri (1970, p. 18), o tipo configura uma realidade complexa, formado de uma parte subjetiva ou tipo subjetivo (Subjektivtatbestand) e outra objetiva, a descrição legal, ou tipo objetivo (Objektivtatbestand).[ii] Dessa forma, a tipicidade é a “subsunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime”. Por sua vez, Hans Welzel (2001, p. 48) assevera que o tipo seria “a matéria de proibição das disposições penais; é a descrição objetiva, material, da conduta proibida, que deve se realizar com especial cuidado no Direito Penal.”

No entanto, entende-se que o tipo não se limita à mera descrição da matéria de proibição, pois, uma vez concebido como tipo de injusto, deve abarcar todos os elementos que fundamentam o injusto específico (CEREZO MIR, 2006, p. 476) de uma determinada figura delitiva.[iii] Enfim, o tipo de injusto não pode ser definido como descrição da matéria de proibição ou do mandato. Isto porque o direito pode proibir unicamente a realização de ações dirigidas pela vontade do sujeito à produção da lesão ao bem jurídico e/ou que levem consigo o perigo de dita lesão, mas não pode proibir a causação de um determinado resultado. O resultado real, ou seja, a produção efetiva do resultado não pode pertencer, portanto, à matéria de proibida ou determinada (CEREZO MIR, 2006, p. 476).

Por outro lado, ficam à margem do injusto os elementos que, embora integrantes de outros pressupostos da pena, não fundamentam o injusto específico, tal como ocorre com aqueles relevantes para o juízo da culpabilidade e as condições objetivas de punibilidade ou as escusas absolutórias. Tampouco pertencem ao tipo de injusto as circunstâncias agravantes e atenuantes, ou causas de aumento e diminuição de penas genéricas ou específicas, pois, embora suponham uma maior ou menor gravidade do

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injusto ou da culpabilidade, não funcionam como elementos fundantes do preceito incriminador, já que sua presença não é, em absoluto, necessária nem constitutiva para a relevância jurídico-penal do fato delitivo (CEREZO MIR, 2006, p. 476-477), como se dá com as circunstâncias previstas nos artigos 61, 62 e 65 do Código Penal brasileiro, desde que não sejam elementos constitutivos de um tipo qualificado ou privilegiado com respeito a um básico.

A antijuridicidade, por sua vez, exprime a “relação de contrariedade de um fato com todo o ordenamento jurídico (uno e indivisível), com o Direito Positivo em seu conjunto” (PRADO, 2006, p. 379). Dessa feita, enquanto a tipicidade figura como um juízo positivo, o juízo da ilicitude, ao realizar o cotejo entre a conduta típica realizada e a existência de normas permissivas, possui um caráter negativo. Em outras palavras: “dado que a realização do tipo é contrária à norma e que a infração de uma norma proibitiva é antijurídica caso não concorra um preceito permissivo, deduz-se que, com a realização do tipo de uma norma proibitiva, a ação é antijurídica enquanto não seja aplicável nenhum preceito permissivo” (WELZEL, 2001, p. 64-65).[iv]

Não se deve confundir a antijuridicidade com injusto. Enquanto aquela seria a contradição da conduta típica com o ordenamento jurídico, este corresponde à própria conduta típica já valorada como ilícita (PRADO, 2006, p. 380). Assim, ao se afirmar que o fundamento do injusto repousa tanto no desvalor da ação como no desvalor do resultado, pretende-se fazer referência ao juízo de valor da antijuridicidade que recai sobre a conduta (aspectos objetivos e subjetivos) e sobre o resultado jurídico (lesão ou perigo de lesão a bem jurídico).[v]

No entanto, o conteúdo do juízo da ilicitude não é apenas negativo – ausência de causas justificantes, compreendendo também elementos alheios ao injusto específico de certa conduta delitiva. Disso decorre que tanto o desvalor da ação como o desvalor do resultado podem revestir-se de menor ou maior gravidade, caso concorram, respectivamente, circunstâncias atenuantes e agravantes ou causas de diminuição e aumento de pena (PRADO, 2006, p. 500).

A culpabilidade, da mesma forma que o injusto, também figura como um elemento graduável do delito, sofrendo as influências das circunstâncias do crime, por meio das quais restaria caracterizada uma maior ou menor a reprovabilidade pessoal do agente da conduta típica e ilícita. Para Hans Welzel, a “culpabilidade é um conceito valorativo negativo e, portanto, um conceito graduável. A culpabilidade pode ser maior ou menor, segundo a importância que tenha a exigência do Direito e segundo a facilidade ou dificuldade do autor em satisfazê-la” (WELZEL, 2001, p. 89). A partir desse critério se diz que a vontade de ação possui uma culpabilidade maior ou menor, é mais ou menos culpável, mas ela mesma não é a culpabilidade. A culpabilidade é uma qualidade valorativa negativa da vontade de ação, mas não se confunde com essa vontade.[vi]

Fixadas tais premissas, tem-se que as circunstâncias são dados secundários ou acidentais, que circundam os elementos do injusto típico e culpável e que influem na medida da aplicação da pena. Nesse contexto estão compreendidas as agravantes e atenuantes genéricas, as causas de aumento e diminuição de pena gerais e especiais (majorantes e minorantes) e, numa perspectiva ampla, as circunstâncias qualificadoras e privilegiadoras (PRADO, 2006, p. 501).

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Acrescente-se, por oportuno, que a relevância do estudo sobre a teoria das circunstâncias do crime decorre do importante papel atribuído a elas no atendimento do preceito de individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI[vii] da Constituição Federal.[viii]

Deve-se advertir, contudo, sobre a existência de agravantes e atenuantes que exasperam ou atenuam a pena por considerações de política criminal.[ix] Tais circunstâncias não influem na magnitude das categorias essenciais do delito, por serem conteúdo da punibilidade e, por este motivo, não tomarão parte do presente estudo, exceto quando houver alguma divergência doutrinária a esse respeito.

Dessa forma, nas páginas seguintes, proceder-se-á à análise das agravantes genéricas dispostas no art. 76 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); as causas de aumento e diminuição de pena previstas nos artigos 12 e 16, parágrafo único da Lei 8.137/90 (Crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira) e; por fim, a causa de aumento de pena, consignada no artigo 19, parágrafo único e a causa de diminuição prevista no artigo 25, §2º da Lei 7.492/86, com vistas a desenvolver um estudo crítico sobre a matéria quando aplicada à tutela jurídico-penal dos bens jurídico-penais supra-individuais.

2 AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME

2.1 Conceito e Espécies de Circunstâncias

Prefacial ao enfrentamento do tema proposto, faz-se imperiosa uma breve análise sobre o conceito de circunstância, o tratamento dispensando pela doutrina e sobre os critérios de individualização da pena pelo juiz.

No que pertine ao conceito de “circunstância”, pode-se dizer que não há muita discrepância no tratamento doutrinário. Em linhas gerais, defende-se que as circunstâncias são dados secundários ou acidentais, que circundam os elementos do injusto culpável e que influem na medida da aplicação da pena.

Aníbal Bruno (1967, p. 107) ensina que as circunstâncias são “condições acessórias, que acompanham o fato punível, mas não penetram na sua estrutura conceitual e, assim, não se confundem com os seus elementos constitutivos. Vêm de fora da figura típica, como alguma coisa que se acrescenta ao crime já configurado, para impor-lhe a marca de maior ou menor reprovabilidade”. Para José Salgado Martins (1974, p. 159) as circunstâncias são elementos acessórios, que dizem respeito ao tempo, ao lugar, ao modo de execução, à pessoa do autor ou do ofendido, aos motivos do crime. Dependem da existência dos elementos essenciais da infração penal influindo na sua força e eficácia. Assevera o autor que “além dos elementos que constituem a essencialidade dos delitos, há que se considerar os elementos circunstanciais que são indissociáveis de cada delito e lhe imprimem aspecto inconfundível entre os delitos congêneres”.[x]

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Por fim, defende Luiz Regis Prado (2006, p. 500), na esteira do jurista espanhol José Cerezo Mir que “circunstância é, pois, todo fato, relação ou caso concreto, determinado, que é considerado pela lei para medir a gravidade do injusto ou da culpabilidade”.[xi] Tais circunstâncias agravam ou atenuam a pena a ser aplicada em razão da maior ou menor gravidade do injusto e da culpabilidade.

O Código Penal brasileiro prevê duas espécies de circunstâncias: as judiciais e as legais. As circunstâncias judiciais estão previstas em seu artigo 59 e servem como critérios norteadores da atividade judicial. Já circunstâncias legais dividem-se em: agravantes e atenuantes; causas de aumento e diminuição de pena, genéricas e específicas (majorantes e minorantes); qualificadoras e privilegiadoras.

As agravantes e atenuantes são circunstâncias legais genéricas aplicáveis a qualquer crime, desde que não constituam elementos fundamentais da figura básica ou derivada (qualificadora).[xii] As agravantes estão taxativamente dispostas nos artigos 61 e 62, e as atenuantes estão delineadas, de forma exemplificativa, no artigo 65, todos do Código Penal. Na aplicação dessas circunstâncias, o juiz não está sujeito a graus: “elas agravam ou atenuam a pena, porém a majoração e abrandamento não estão declarados na lei, gozando, dessarte, o juiz da latitude quanto aos efeitos que produzirão no cômputo da pena” (NORONHA, 1991, p. 241). No entanto, para Cezar Roberto Bitencourt (2002, p. 612) “a variação dessas circunstâncias não deve ir muito além do limite mínimo das majorantes e minorantes, que é fixado em um sexto”.[xiii]

No concurso de agravantes e atenuantes, segundo preceitua o artigo 67 do Código Penal, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

As causas de aumento e diminuição de pena estão previstas tanto na parte geral (genéricas) como em sua parte especial (específicas). Ao contrário das agravantes e atenuantes, tais circunstâncias preveem a quantidade da pena a ser majorada ou minorada e podem ser fixas (dobro, triplo, um terço) ou variáveis (um a dois terços); além disso, permitem, como regra geral, o aumento ou diminuição da pena para além ou aquém dos limites máximo e mínimo abstratamente previstos (PRADO, 2006, p. 518).[xiv] No que pertine à concorrência de majorantes e minorantes previstas na parte especial, determina o artigo 68, parágrafo único, que o juiz pode limitar-se a um só aumento ou diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua a pena. Por fim, as circunstâncias qualificadoras ou privilegiadoras estão previstas na parte especial do Código Penal, como tipos autônomos onde se preveem marcos máximo e mínimo, diferenciados em relação ao tipo básico. Essa diferenciação é extremamente importante, pois, de acordo com o sistema trifásico, influenciará na fase de aplicação da pena.

Segundo esse sistema, o juiz, atendendo às circunstâncias judiciais previstas no caput do artigo 59, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas e a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Trata-se da primeira fase da aplicação da pena onde o juiz irá fixar o quantum da pena base, segundo os limites penais previstos nos tipos básicos ou qualificados (derivados). Uma vez fixada a pena base, conforme preceitua o artigo 68 do Código Penal, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e

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agravantes genéricas (segunda fase); e, por último, as causas de diminuição e de aumento gerais e especiais (terceira fase).

Cumpre assinalar que as circunstâncias judiciais e legais genéricas, delineadas no Código Penal, terão aplicação subsidiária quando se tratar de crime previsto em legislação especial, desde que compatíveis com a natureza dessas disposições e quando inexistente expressa previsão em contrário.[xv] Isto porque, não raras vezes, as leis especiais voltadas à tutela de bens jurídicos meta-individuais também preveem um rol de circunstâncias legais e judiciais que se amoldam à natureza do objeto tutelado pelos diplomas (DOTTI, 2001, p. 525)[xvi], como ocorre com as circunstâncias agravantes enumeradas no artigo 76 da Lei 8078/90; causas de aumento e diminuição de pena as previstas nos artigos 12 e 16, parágrafo único da Lei 8.137/90; e finalmente, com a causa de diminuição e causa específica de aumento de pena previstas, respectivamente, nos artigos 25, §2º e 19, parágrafo único da Lei 7.942/86.

2.2 Classificação das Circunstâncias

Em que pese certa uniformização doutrinária quanto ao conceito de circunstância, o mesmo não ocorre quanto à sua classificação.

Grande parte da doutrina divide as circunstâncias do crime em objetivas e subjetivas. As circunstâncias objetivas dizem respeito à configuração exterior do delito, enquanto que as subjetivas referem-se ao elemento psíquico e às condições e qualidades pessoais do agente (MARTINS, 1974, p. 163).[xvii] Os adeptos desta corrente costumam vociferar que as circunstâncias objetivas compreendem os meios, modos de execução, circunstâncias de tempo ou lugar e, ainda, as condições e qualidades da vítima. Já nas subjetivas, estariam compreendidas os motivos e fins de agir, as qualidades e condições especiais do agente, assim como, as relações do sujeito ativo com os demais concorrentes e com a vítima (DOTTI, 2001, p. 519).

Tal abordagem, no entanto, não se coaduna com a moderna teoria jurídica do crime, de matiz finalista, pois nitidamente arraigada à já superada teoria causalista de delito, que divide o crime em elementos objetivos (injusto) e subjetivos (culpabilidade).[xviii] Assim, a moderna concepção de injusto não adere à classificação das circunstâncias do crime em objetiva ou subjetiva, pois segundo essa postura, tais elementos devem ser classificados conforme influam na magnitude do injusto ou da culpabilidade (PRADO, 2006, p. 502). Em outras palavras, acata-se a idéia de que tanto o injusto quanto a culpabilidade figuram como elementos graduáveis por circunstâncias que, embora não sejam elementares do tipo de injusto básico ou derivado, denotam uma maior ou menor gravidade do delito, seja pelo maior ou menor desvalor da ação ou do resultado, seja pela maior ou menor reprovabilidade do agente. Nesta linha, encontram-se Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 832) que distinguem as circunstâncias conforme decorram de uma efetiva graduação do conteúdo do injusto do delito, do grau de culpabilidade ou de considerações de política criminal.[xix]

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As circunstâncias que graduam a magnitude do injusto determinam um maior ou menor desvalor da ação ou do desvalor do resultado. O injusto é sempre maior quando o bem jurídico encontra-se indefeso ou quando se atua de molde a diminuir a possibilidade de defesa por parte da vítima, quando estas não restam totalmente neutralizadas; ou, ainda, pelo maior grau de afetação do bem jurídico, por lesão ou perigo de lesão (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2002, p. 833-834).

Sobre o tema, aduz José Cerezo Mir (2006, p. 349) que, nos delitos dolosos, o juízo de desvalor da ação abarca o dolo; os elementos subjetivos do injusto; as infrações dos deveres jurídicos que obrigam o autor nos delitos especiais; e, ainda, o modo, a forma, o grau de realização da ação e sua periculosidade do ponto de vista ex ante. Já no juízo de desvalor do resultado deve-se proceder à análise do grau de afetação do bem jurídico, ou seja, a lesão ou o perigo de lesão sofrido pelo bem jurídico. Nos delitos culposos, o juízo de desvalor da ação recai sobre a inobservância do dever objetivo de cuidado.[xx] Por fim, em ambos os casos, na culpabilidade serão avaliadas as circunstâncias que demonstrem maior ou menor reprovabilidade do agente.

Dessa forma, as circunstâncias legais estabelecem “uma relação necessária entre o agravamento ou a diminuição da pena frente ao injusto e à culpabilidade, enquanto elementos graduáveis e determinantes de referida majoração ou minoração” (CASTRO, 2004, p. 457). Ou seja, as circunstâncias não operam apenas e diretamente na aplicação da pena. Pelo contrário, elas influem na maior ou menor magnitude tanto do injusto quanto da culpabilidade, e, por via de conseqüência, acabam por influenciar na graduação da pena. Essa é a orientação perfilhada no presente estudo, onde se pretenderá classificar as circunstâncias legais previstas nas leis que disciplinam a matéria relativa aos crimes econômicos, segundo influam na magnitude do injusto e da culpabilidade.

3 DAS CIRCUNSTÂNCIAS PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – LEI 8.078/90

A Lei 8.078/90 traz infrações penais em seus artigos 63 a 75. A lei não prevê circunstâncias judiciais e circunstâncias gerais atenuantes, sendo aplicáveis os artigos 59 e 65 do Código Penal, por força do previsto em seu artigo 61[xxi].

As circunstâncias agravantes estão arroladas no artigo 76 da Lei, e em todas as hipóteses haverá uma maior gravidade do injusto, por ser maior o desvalor da ação ou do resultado. São elas: I - serem cometidas em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade; II - ocasionarem grave dano individual ou coletivo; III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento; IV - quando cometidas: a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima; b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental interditadas ou não; VI - serem praticadas em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais .

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A agravante prevista no inciso I trata de circunstâncias que se referem ao tempo, à época de cometimento do delito contra o consumidor. Trata-se de previsão imprecisa que se prevê, em sua primeira parte, a circunstância de “grave crise econômica” e, em sua parte final, a circunstância equivalente àquela prevista no artigo 61, inciso II, alínea “j” do Código Penal, ou seja, por ocasião de calamidade.

A expressão crise econômica, por si só, já denota certa dificuldade de determinação, ante as especificidades e a fluidez de tal situação, e costuma ser definida pela doutrina como “a perturbação da vida econômica, atribuída pela Economia clássica a um desequilíbrio entre a produção e consumo, localizados em setores isolados da produção” (SANDRONI, 1989, p. 73). No entanto, para a afirmação dessa agravante, o crime deve ser empreendido durante grave crise econômica, bem como deve a conduta final do agente se dirigir, de forma livre e consciente, “para uma extensão, seja categorial ou territorial de consumidores, passível de determinação e reconhecimento como detentora da qualidade de estar em grave crise econômica” (TICIANELLI, 2007, p. 216), e não ao consumidor isoladamente, considerando que se encontra em grave crise econômica quando for atingido por qualquer das condutas típicas enumeradas no Código de Defesa do Consumidor.

Calamidade diz respeito à catástrofe, grande desgraça; desídia; infortúnio (FERREIRA, 2004, p. 199). Assim, como ocorre na agravante equivalente prevista no Código Penal, sua consagração depende que o agente tenha se aproveitado, de modo consciente e voluntário, da ocasião ou do momento particularmente difícil em que se encontra a coletividade em virtude de catástrofe. Dentre as situações que configuram esse estado de calamidade, menciona-se o incêndio, naufrágio, a inundação, as guerras, revoluções, maremotos, vendavais, furacões, epidemias, terremotos, chuvas torrenciais e contínuas, inundações e enchentes. Enquanto persistirem os efeitos da calamidade, deve ser considerada a agravante “exatamente porque o mercado de consumo não está regulado, e as autoridades ainda encontram-se enfraquecidas no tocante à fiscalização” (FONSECA, 1999, p. 109).

Ambas as circunstâncias implicam maior gravidade do injusto, de modo a agravar o desvalor da ação, pelo fato de que nesses casos a produção do resultado lesivo se mostra mais provável, pois constituem situações em que o consumidor se mostra mais suscetível, manifestando-se de forma mais intensa a carga dolosa do agente.

Também figura como agravante dos crimes contra as relações de consumo o fato de o agente ter ocasionado, com sua conduta, grave dano individual ou coletivo. Grave é tudo aquilo que pode ter conseqüências sérias, trágicas. O dano individual se refere àquele suportado pelo consumidor que adquire o produto ou serviço como destinatário final. Dano coletivo diz respeito ao dano suportado por um número determinável de pessoas, e como “o texto se refere a ocasionar significa que não é o número de pessoas a serem potencialmente atingidas pelo grave dano, mas sim os que efetivamente foram atingidas” (TICIANELLI, 2007, p. 217).

Na aplicação dessa circunstância, deve ser levado em consideração o fato de que tais delitos configuram, quanto ao resultado, crimes de mera atividade, onde o comportamento do agente exaure o tipo penal, sendo desnecessário para sua consumação que o consumidor individual ou um número determinável de consumidores tenham suportado alguma espécie de dano. Portanto, se da conduta delitiva decorrer

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dano grave, seja corporal, patrimonial ou moral, poderá incidir a agravante em análise, desde que não configure crime autônomo e nem concurso entre delitos.[xxii] Tal circunstância opera sobre a magnitude do injusto pelo maior desvalor do resultado, tendo em vista a gravidade de lesão ao bem jurídico, e faz alusão às consequências do crime. Nos termos da sistemática do Código Penal, tais consequencias deveriam ser analisadas na primeira fase de aplicação da pena, no entanto, diante da obediência ao princípio da especialidade, considera-se apenas a agravante em pauta, sob pena de se configurar bis in idem.

A circunstância agravante prevista no inciso III trata da dissimulação da natureza ilícita do procedimento. Tal agravante encontra figura similar no Código Penal, no artigo 61, inciso II, alínea “c”, que descreve como agravante o fato de o agente ter cometido o crime através de “traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recuso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido”. O fundamento do agravamento da dissimulação funda-se no emprego de recurso que dificulte a defesa da vítima, com que se elimina ou diminui, também, o risco, para o agente, da sua natural reação (BRUNO, 1967, p. 127). “Através da dissimulação, o fornecedor esconde sua insídia e por isso demonstra a gravidade com que atua para lesar ou enganar o consumidor. É preciso que a vítima não suspeite da real intenção do fornecedor, pois se souber de seu fingimento a agravante não incide” (FONSECA, 1999, p. 109). O termo procedimento gera dúvidas, tendo sido impropriamente utilizado pelo legislador, devendo ser entendido em seu sentido vulgar, e não jurídico, como método utilizado para dissimular a natureza ilícita da conduta. Tal agravante não incidirá sobre os artigos 67 a 69, pois a dissimulação, nestes casos, configura elemento estrutural dos delitos.

De acordo com o inciso IV do artigo 76 a pena será agravada quando cometidas por servidor público; por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima; em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não.

No que respeita ao servidor público, tal previsão é desnecessária, diante do contido no artigo 61, inciso II, “g” do Código Penal, que dispõe que agrava a pena a conduta cometida “com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão”. A definição de servidor público para fins penais está delineada no art. 327 do Código Penal, e para que se configure a agravante, ele deve estar no exercício da função pública.[xxiii] Assim, tendo em vista o conceito amplo de servidor público utilizado para fins penais, pode ser sujeito ativo do delito o funcionário da Caixa Econômica Federal (empresa pública) que impeça o acesso do consumidor às informações constantes nos cadastrados da pessoa jurídica, configurando assim o delito previsto no artigo 72 do Código de Defesa do Consumidor.

Outra circunstância agravante refere-se à superioridade da condição econômico-social manifestamente superior à da vítima. Tal superioridade deve ser manifesta, evidente, e não se confunde com a condição de hipossuficiência do consumidor na relação de consumo, sendo superior a esta (TICIANELLI, 2007, p. 219). A superioridade da condição econômica, financeira e social deve ser do sujeito ativo, e não da empresa que, eventualmente, este sujeito represente. Em todo o caso, deve o agente utilizar-se dessa condição na atividade criminosa.

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Nesse aspecto deve-se proceder à seguinte consideração. Os delitos contra as relações de consumo visam proteger a coletividade, não havendo necessidade que o consumidor individual venha adquirir produtos ou utilizar-se de serviços para sua configuração. Isso significa que se não é necessário que a conduta afete o consumidor individual, ou, pelo menos, uma coletividade determinável, dificilmente poderá ser aferida esta manifesta superioridade financeira, econômica e social, tendo em vista a falta de parâmetro para tanto. Em outras palavras, é praticamente impossível traçar um quadro médio socioeconômico das pessoas atingidas pela prática dos delitos com vistas a aferição da superioridade financeira, previstos no Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual, tem-se por fadada à inocuidade a majorante em questão (TICIANELLI, 2007, p. 173).

A circunstância agravante contida no inciso IV, alínea “b”, diz respeito à condição da vítima, presumindo-se que, nesses casos, dar-se-ia uma maior vulnerabilidade das vítimas ali listadas, tendo em vista a menor capacidade de resistência dessas pessoas, seja porque desfavorecidas intelectualmente, com discernimento e percepções diminuídas da média social, seja em razão da imaturidade ou avançada idade. Por outro lado, a menor capacidade de resistência do operário ou do rurícola não pode ser abstratamente presumida, devendo ser verificada no caso concreto. De qualquer modo, ressalte-se que o sujeito ativo deve ter consciência da condição do sujeito passivo de forma que sua conduta seja facilitada por tais condições.

Finalmente, agrava a pena do agente se sua conduta for praticada em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais. Ilustrando a assertiva: se, por exemplo, a publicidade enganosa ou abusiva (artigos 67 a 69), ou a omissão de informações (artigos 63 e 64) for praticada em operações que envolvam produtos essenciais, será agravada a pena do agente em razão da maior gravidade do injusto.

4 DAS CIRCUNSTÂNCIAS PREVISTAS NA LEI DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO - LEI 8.137/90

A Lei 8.137/90 traz infrações penais em seus artigos 1º a 7º. Não prevê a lei circunstâncias judiciais, sendo aplicável o artigo 59 do Código Penal, nem circunstâncias atenuantes ou agravantes, razão pela qual se aplicam aquelas previstas nos artigos 61 a 65, quando possível. No entanto, prevê a lei causas de aumento e diminuição de pena nos artigos 12 e 16, parágrafo único, respectivamente.

De acordo com o artigo 12, se o sujeito ativo praticar qualquer das condutas previstas nos artigos 1º, 2º e 4º a 7º, sua pena será aumentada de 1/3 até a metade: se ocasionar grave dano à coletividade; se for cometido por servidor público no exercício de suas funções; ou, ainda, se o crime for praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde. Tais causas especiais de aumento de pena são de aplicação obrigatória, tendo o magistrado apenas “a faculdade de dosar o gravame, que irá do mínimo de um terço ao máximo de metade. Nada além dessa

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faculdade, já que ele é obrigado a aplicar o aumento na pena” (COSTA JR. e DENARI, 2000, p. 163)[xxiv].

Em que pese a expressa referência textual aos artigos 1º, 2º, 4 a 7º, entende-se que tais causas de aumento de pena são de “difícil aplicação em se tratando de crimes tributários praticados por particulares, salvo alguma situação muito especial, em que a sonegação de tributo, contribuição social ou acessório venham a prejudicar um número considerável de pessoas” (PRADO, 2006, p. 425).[xxv] Já nos crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo, tais causas de aumento de pena são perfeitamente aplicáveis (CORRÊA, 1996, p. 101).[xxvi]

Quanto à gravidade do dano causado à coletividade, como já delineado na análise do artigo 76, inciso I, da Lei 8.078/90, deve ser o mesmo efetivamente suportado pela coletividade, gerando conseqüências sérias, ou seja, deve ser de grande monta, que ocasione considerável prejuízo à sociedade (ANDRADE, 2007, p. 132). Essa circunstância influi na medida do injusto pelo maior desvalor do resultado, tendo em vista a gravidade da lesão ao bem jurídico. Ao contrário do que já assinalado, para Pedro Roberto Decomain esta agravante pode ser aplicada aos crimes previstos no artigo 1º e 2º, desde que a supressão ou redução de tributos refiram-se a elevados montantes (DECOMAIN, 1997, p. 143).

A circunstância prevista no artigo 12, inciso II, refere-se ao crime praticado por servidor público no exercício da função.[xxvii] Da mesma forma que ocorre com o disposto no artigo 76, inciso IV, alínea “a” do Código de Defesa do Consumidor, tal previsão é totalmente desnecessária, diante daquela contida no artigo 61, inciso II, “g” do Código Penal. Opera sobre a magnitude do injusto pelo maior desvalor da ação, pela desobediência dos deveres decorrentes do cargo ocupado pelo agente. Justifica-se o gravame pelo fato de que o “funcionário público, pelas funções que exercita, tem uma obrigação maior de zelar pelo erário público, do qual percebe seus proventos” (COSTA JR. e DENARI, 2000, p. 163). No que se refere aos crimes contra as relações de consumo, sua aplicabilidade é tortuosa, pois se trata de delito próprio do fornecedor. No entanto, nada impede a ocorrência de concurso de pessoas entre o agente público no exercício de suas funções e o fornecedor (ANDRADE, 2007, p. 134).

Já o inciso III do artigo 12 prevê o aumento da pena se a conduta delituosa for praticada em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde. A previsão é extremamente ampla, devendo ser avaliada pelo juiz no caso concreto a essencialidade ‘coletivamente considerada’ do produto, tendo como parâmetro a saúde e a vida do homem médio (TICIANELLI, 2007, p. 229).[xxviii] Tal circunstância gradua a magnitude do injusto pelo maior desvalor da ação.

Por derradeiro, cumpre consignar que a Lei 9.080, de 19 de julho de 1995, acrescentou o parágrafo único ao artigo 16 da Lei 8.137/90, nela inserindo uma causa de diminuição de pena, nos seguintes termos: “nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através da confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda trama delituosa terá sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”.[xxix]

Trata-se da delação premiada[xxx], instituto este também previsto na Lei 9.807, de 13 de julho de 1999 (art. 13 e 14[xxxi]), que trata da proteção aos réus colaboradores; na

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Lei 9.613, de 03 de março de 1998 (art. 1º, §5º[xxxii]), que dispõe sobre a lavagem de dinheiro; na Lei 9.034, de 03 de maio de 1995 (art. 6º[xxxiii]); na Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (art. 8º, parágrafo único[xxxiv]), que trata dos crimes hediondos e no Código Penal (art. 159, §4º, com redação alterada pela Lei 9.269/96[xxxv]).

O benefício da delação premiada constitui direito subjetivo do réu uma vez presente os requisitos (FRANCO, 1994, p. 321), ou seja, desde que o crime seja cometido em concurso de pessoas e que o agente confesse, à autoridade policial ou judicial, de forma espontânea, toda trama delituosa.

Em primeiro lugar, a confissão do agente deve ser livre e espontânea[xxxvi], sem que haja a intervenção de terceiros, não havendo que se perquirir sobre o arrependimento do agente. Tendo em vista a inexistência de óbices temporais, entende-se que pode ser feita a qualquer tempo, desde que antes da sentença condenatória e ainda que tenha sido expedido mandado judicial contra o mesmo ou que tenha sido iniciada a ação judicial. Quanto ao conteúdo da confissão, faz-se necessário que seja verdadeira e completa, de modo a abranger todos os elementos imprescindíveis para o esclarecimento dos delitos dos quais tenha participado, no entanto, não é mister que se dê o desmantelamento da organização criminosa ou quadrilha (ANDRADE, 2007, p. 136).[xxxvii]

Em segundo lugar, a confissão do sujeito ativo deve dirigir-se à autoridade policial durante o inquérito ou à autoridade judicial na fase instrutória da ação penal por crimes contra o sistema tributário, econômico ou relação de consumo.

O alcance da expressão “trama delituosa” é nebulosa, devendo ser interpretada de acordo com os artigos 8º da Lei 8.078/1990 e 6º da Lei 9.034/1995. “Assim as revelações feitas espontaneamente pelo sujeito deverão fornecer elementos para a identificação de outros membros da quadrilha, de co-autores ou partícipes, de forma a propiciar o esclarecimento do evento criminoso ou mesmo de outros ainda em apuração ou sub judice” (PRADO, 2006, p. 425).

Há entendimento no sentido de que tal circunstância opera sobre a medida da culpabilidade, tendo em vista a menor reprovabilidade do agente. Entretanto, entende-se que tal circunstância é espécie de comportamento pós-delitivo que encontra seu fundamento em questões de política criminal, já que haveria uma menor necessidade de pena diante do atendimento aos fins de prevenção geral e especial. Todavia a eficácia do instituto é duvidosa, pois, como bem se acentua, “implica confissão e condenação do denunciante, o que, na área da criminalidade, não constitui estímulo para quem, muito provavelmente, passará a ser objeto da vingança por parte da quadrilha ou bando” (FRANCO, 2000, p. 250).

5 DAS CIRCUNSTÂNCIAS PREVISTAS NA LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - LEI 7.492/86

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Por fim, a Lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, limita-se a trazer em seu texto uma causa de diminuição de pena e uma causa especial de aumento de pena (artigo 19, parágrafo único).

A causa de diminuição de pena está prevista no artigo 25, § 2º da Lei, cuja redação foi modificada pela Lei 9.080, de 19 de julho de 1995, e diz respeito a mais uma hipótese de delação premiada. Tendo em vista a coincidência entre as redações do artigo 16, parágrafo único da 8.137/90 e do artigo 25, § 2º da 7.492/86, remete-se às considerações acima mencionadas.

Quanto à causa especial de aumento de pena, trazida pelo artigo 19, parágrafo único, vale tecer alguns comentários. Segundo o dispositivo, o agente que obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira responderá a uma pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Esta pena será aumentada de 1/3 (um terço), caso o crime seja cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento. O delito em questão tutela a regularidade do funcionamento das instituições financeiras e seu patrimônio (PRADO, 2006, p. 313).[xxxviii] Pedro Manoel Pimentel (1987, p. 144) preconiza que a tutela tem em vista a boa execução da política econômica do Governo, ofendida com a conduta fraudulenta. De outro viés tutela-se, também, o patrimônio da instituição financeira que concede o financiamento, sob a égide da fraude.

A razão de ser da causa de diminuição da pena, segundo José Carlos Tórtima (2002, p. 125), funda-se na preocupação do legislador em proteger o dinheiro público que integra o patrimônio das entidades financeiras oficiais ou daquelas por elas credenciadas, frente a condutas fraudulentas. Assim, essa circunstância influi na magnitude da culpabilidade, tendo em vista a utilização pelo autor de meios ardilosos para a obtenção do financiamento.

6 CONCLUSÃO

Feitas essas considerações, conclui-se pela importância em se proceder ao aprofundamento do estudo acerca da teoria das circunstâncias, pois é através de sua aplicação que o juiz poderá atender de forma satisfatória ao princípio da individualização da pena, consubstanciado no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal.

A doutrina, no entanto, tem tratado o tema sobre a teoria das circunstâncias de forma imprecisa. Em primeiro lugar, ainda inspirados pela doutrina causalista do delito, insistem ao classificar as circunstâncias em objetiva e subjetiva, sem atentarem ao fato de que a moderna concepção do delito não mais se satisfaz com essa classificação. Por essa razão, entende-se que a melhor classificação seria aquela que as divide segundo influem na magnitude do injusto ou da culpabilidade.

De outro viés, no que diz respeito às circunstâncias do crime previstas na legislação extravagantes, tem-se que o legislador não se atentou ao fato de que o Código Penal

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aplica-se de forma subsidiária, prevendo, de forma desnecessária e menor criteriosa, inúmeras circunstâncias já delineadas no próprio Código. Em outras palavras, a falta de técnica legislativa vem impregnar, também, a previsão das circunstâncias do crime.

Saliente-se que certas circunstâncias, tais como a delação premiada, a reparação do dano, não influem na magnitude do injusto culpável. Tais medidas estão inseridas na punibilidade e referem-se a questões de política criminal, ensejando um abrandamento da pena, tendo em vista sua menor necessidade, diante do atendimento aos fins de prevenção geral e especial.

Por derradeiro, neste artigo pretendeu-se pinçar, ainda que de forma superficial, algumas questões relativas à teoria das circunstâncias nos delitos supra-individuais, com vistas a contribuir com uma parcela mínima, para a que aplicação judicial da pena possa atender aos princípios de garantia do Direito Penal.

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[i] Sobre o tema faz-se imperiosa a alusão ao entendimento de Juarez Tavares: “Segundo seu caráter fragmentário, o Direito Penal só pode intervir quando se trate de tutelar bens e contra ofensas intoleráveis, o que justificaria a imposição da medida extrema da pena e seus maléficos efeitos (Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais. Número especial de lançamento, p. 75-87, p. 81).

[ii] Ato contínuo, afirma o autor que o “tipo subjetivo forma em primeiro lugar a vontade tendencial reitora, com o dolo ou a culpa, acompanhado de quaisquer outras características subjetivas”. No entanto, este não seria o melhor entendimento, pois a culpa não constitui um elemento subjetivo do tipo, mas sim um elemento normativo do injusto culposo

[iii] Para De Plácido e Silva a figura delitiva será “a forma exterior, a exterioridade do delito, representado pelas circunstâncias que o caracterizam e individualizam” (Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 292). Assim, no contexto da figura delitiva são abarcadas, além das estruturas dogmáticas e dos elementos que fundamentam o injusto específico, as circunstâncias relevantes à conformação da punibilidade, assim como, aquelas que influam na magnitude do injusto ou da culpabilidade.

[iv] Acrescenta o autor que “se se realiza a conduta descrita conceitualmente no tipo de uma norma proibitiva (por exemplo, a ação de matar alguém), essa conduta real entra em contradição com a exigência da norma. Daí deriva o caráter contrário à norma da conduta. Contudo, toda realização do tipo de uma norma proibitiva é contrária à norma, mas não é sempre antijurídica; pois o ordenamento jurídico não se compõe apenas de normas, mas também de preceitos permissivos” (p. 51).

[v] O resultado jurídico não se identifica com o resultado material. Enquanto o primeiro se identifica com a lesão ou a exposição a perigo de lesão do bem jurídico, o segundo seria o resultado previsto como elemento do tipo nos delitos de resultado.

[vi] Na culpabilidade o objeto da reprovação será a vontade e, por meio dela, a totalidade da ação, pois a vontade de ação poderia ter feito o autor se conduzir de acordo com o ordenamento. Assim, essa reprovabilidade pela direção de vontade, embora se refira ao autor, refere-se ao fato delitivo, constituindo um dado ontológico, da mesma forma que as demais categorias essenciais do delito. Segundo José Cerezo Mir “o dolo, elemento de tipo do injusto, não é senão à vontade de realização dos elementos objetivos do tipo. O juízo de reprovação da culpabilidade recai sobre referida vontade de realização. Culpável é somente a ação se era reprovável a formação antijurídica da vontade. O caráter decisório do dolo não é negado com isso. A inclusão do dolo no tipo de injusto não supõe, por outra parte, sua exclusão da culpabilidade, mas pelo contrário. A ação típica e antijurídica (e, portanto, o dolo) pertence a culpabilidade como pressuposto inescusável que é do juízo de reprovação. Com a inclusão do dolo no tipo do injusto não se desloca a culpabilidade do existencial do homem a um plano puramente intelectual, nem se restringe o ser como pessoa do homem” (Problemas fundamentales del Derecho Penal. Madrid: Editorial Tecnos, 1982, p.58).

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[vii] Art. 5º [...] XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos [...].

[viii] Segundo Anabela Miranda Rodrigues, a teoria das circunstâncias do crime encontra seu nascedouro como pensamento iluminista, diante da necessidade de se superar o sistema de penas arbitrárias, próprias no Ancién Regime, pela previsão de uma margem de discricionariedade judicial. Com isso, o juiz tem possibilidade de dar prosseguimento de individualização da pena, impraticável em sede legislativa. “Em suma, a gênese das circunstâncias com efeito sobre as molduras penais abstractas dá-se com a generosa e lúcida tentativa iluminista de preparar um direito de medida (judicial) da pena, organizado na base de um sistema de circunstâncias de medida da pena” (A determinação da medida da pena privativa de liberdade: os critérios da culpa e da prevenção. Coimbra: Coimbra, 1995, p. 132).

[ix] A causa de diminuição de pena prevista no artigo 25 da Lei 7492/86, por exemplo, refere-se à espécie de delação premiada e encerra hipótese de comportamento pós-delitivo, tratando-se, portanto, de circunstância político-criminal de atenuação da pena que integra a categoria da punibilidade.

[x] Sabino Junior, por sua vez, ao comentar a teoria das circunstâncias do crime de acordo com a redação original do Código Penal de 1940, entende que tais circunstâncias dizem respeito aos elementos objetivos ou subjetivos do fato que influem na sua quantidade, tornando-o mais ou menos grave. Aduz ainda que esses elementos “não se confundem com os elementos constitutivos, que têm eficácia qualitativa no sentido de que podem determinar o aparecimento ou a modificação da infração penal na sua configuração estrutural”. (Direito Penal. v. 2. Parte Geral. São Paulo: Sugestões Literárias, 1967. p. 340/341. Segundo Magalhães Noronha, “circunstâncias são elementos que se agregam ao delito sem alterá-lo substancialmente, mas produzindo efeitos e conseqüências relevantes”. (Direito Penal. v. 1. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 244). Já Cezar Roberto Bitencourt assevera que o tipo penal pode ser integrado por “circunstancias acidentais que, embora não alterem sua constituição ou existência, influem na dosagem final da pena”. Arremata ainda que “tais circunstâncias, na verdade, são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato principal. Não integram a figura típica, podendo, contudo, contribuir para aumentar ou diminuir a sua gravidade” (Tratado de direito penal. v. 1. 7 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 606). Nesse sentido perfaz-se o entendimento de Paulo José da Costa Junior para quem o vocábulo circunstância em matéria penal engloba “tudo aquilo que modifica um fato, sem alterar-lhe a essência. São elementos, acidentais e acessórios, que se põem em derredor do tipo, influindo na quantificação penal”. Segundo o autor, “ao lado dos elementos que compõem o crime, podem concorrer certos dados ou fatos, de natureza objetiva ou subjetiva, com função específica de aumentar ou diminuir a pena” (Curso de direito penal. parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva. 1991. p. 167). Damásio de Jesus aduz que as circunstâncias são “certos dados ou fatos, de natureza objetiva e subjetiva, com função específica de aumentar ou diminuir a pena. Não incidem sobre a qualidade do crime, mas sobre a quantidade da pena” (Direito penal: parte geral. v. 1. 25 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 551). Bento de Faria defende que a circunstância é “um fato, pouco importando o seu caráter objetivo ou subjetivo, o qual modifica o conceito sôbre a gravidade do crime, sem alterar a sua denominação jurídica. Assim, circunstâncias atenuantes ou agravantes são as que modificam as conseqüências

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da responsabilidade do crime sem suprimí-la. (Código Penal brasileiro (comentado). parte geral. v. 3. 2 ed. Rio de Janeiro: Record Editora, 1959, p. 06). Guilherme de Souza Nucci preconiza que “circunstância é uma particularidade ou um elemento acidental que acompanha determinada situação. Retirando-a, no entanto, referida situação ocorreria ainda assim, embora sob nova roupagem. O mesmo se aplica ao delito” (Individualização da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 164/165). Por fim, Miguel Reale Junior, a “norma instituidora de uma circunstância descreve um dado objetivo e subjetivo que é necessário que se constate esteja presente na ação concreta como elemento que se adiciona ao tipo nuclear, e que o legislador elege como conduzente a uma pena maior, no caso da agravante, por ferir outro bem jurídico além do bem jurídico protegido pela norma incriminadora” (Tipicidade e causa de aumento de pena. Revista Brasileira de ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 46, jan/fev., 2004, p. 391/401. p. 394.

[xi] Neste sentido: CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal español. v. 2. Madrid: Tecnos, 1998, p. 350; BOLDOVA PASAMAR, Miguél Angél. La comunicabilidad de las circunstancias y la participación delictiva. Madrid: Prensas Universitarias de Zaragoza. Editorial Civitas, 1995, p. 48.

[xii] Conforme preceitua Jair Leonardo Lopes “as agravantes são circunstâncias que, quando presentes, suscitam maior reprovação social contra o agente e conseqüente exacerbação da pena. Entretanto tais circunstâncias não integram a descrição típica. Elas estão colocadas na Parte Geral do Código porque podem, eventualmente, cercar a realização de variadas ações típicas” (Curso de Direito Penal: parte geral. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.197).

[xiii] Neste sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 169; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro...., p. 637.

[xiv] Neste sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. p. 171.Para Guilherme Nucci, “a possibilidade de romper o mínimo e o máximo da pena abstratamente cominada pela lei é conseqüência lógica, uma vez que foi também o legislador quem idealizou aumentos e diminuições em quantidades pré-estabelecidas, determinando ao juiz que os utilize, sempre que existentes no caso concreto, na terceira fase de aplicação da pena, ainda que ultrapassem as fronteiras inicialmente previstas no preceito secundário do tipo penal incriminador. Há entendimento, no entanto, que as causas de aumento de pena não levam a exasperação da pena além do máximo legal previsto. Neste sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. op. cit., p. 614 e Jair Lopes Leonardo para quem as circunstâncias, por não integrarem a estrutura do tipo, determinam agravação da pena sem, contudo, produzirem o efeito de fazer a pena ultrapassar o limite máximo cominado ao delito (Curso de Direito Penal: Parte Geral. p. 197).

[xv] Neste sentido: PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o sistema financeiro nacional: comentários à lei 7492, de 16. 6. 86. São Paulo: Revista de Tribunais, 1987, p. 28. “Assim é que as leis especiais de caráter penal não se devem referir aos princípios gerais vigorantes no Direito Penal comum, salvo quando expressamente dispuserem de forma contrária, v.g., em matéria de extinção de punibilidade, de concessão de fiança ou da suspensão condicional da pena”. Em sentido contrário: CERNICHIARO, Vicente.

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Comentários ao código de defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1991, p. 158. Para este autor as agravantes devem estar taxativamente previstas no diploma penal, razão pela qual não se aplicaria o disposto no Código Penal, sob pena de ferir o princípio nullum crimen, nua poena sine lege. Já as circunstâncias atenuantes poderiam ser aplicáveis, pois mais favoráveis ao réu. No entanto, tal entendimento deve ser afastado já que o Código Penal sempre é aplicável às leis especiais de forma subsidiária, seja pelo previsto no artigo 12 do CP, seja pelas diversas disposições nesse sentido contidas em leis especiais, v.g. artigo 61 do CDC. Assim, não há que se falar em ofensa ao princípio da taxatividade das circunstâncias agravantes.

[xvi] Preconiza o autor que “em leis especiais são previstas hipóteses de agravação que atendem à natureza d bem jurídico, às peculiaridade dos tipos de ilícitos, às circunstâncias do evento e aos meios e modos de execução”.

[xvii] Arremata o autor que “quaisquer circunstâncias do delito, mesmo as relativas à sua materialidade, registram sempre um coeficiente subjetivo”. Trilham o mesmo entendimento os seguintes autores: SABINO JR., Vicente. Direito Penal. v. 2. parte geral. p. 340/341; NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, v. 1. p. 244; JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral. v. 1. p. 554; BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, tomo 1º, p. 107/109; DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 519.

[xviii] Sobre o tema faz-se necessário traçar alguns aspectos fundamentais. Segundo a lição de Nilo Batista, no Brasil o modelo conceitual objetivo-subjetivo encontra suas bases no artigo 2º, §1º do Código Criminal do Império que preconizava: “Art. 2º Julgar-se-há crime ou delicto. §1º. Toda ação ou omissão voluntária contrária às leis penais. (Notas históricas sobre a teoria do delito no Brasil. Ciências Penais: Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. São Paulo. v. 1, p. 113-133 jul./dez. 2004, p. 113). Tal modelo conceitual foi adotado por inúmeros juristas dentre os quais destacam-se: Galdino Siqueira (Tratado de direito penal: parte geral: tomo 1. p. 235-238); José Salgado Martins (Direito penal: introdução e parte geral. p. 127-130) e Roberto Lyra (Expressão mais simples do direito penal: introdução e parte geral. Rio de Janeiro: José Konfino, 1953, p. 87-88). Mais tarde, o conceito analítico de delito, de matiz causalista, embora definisse crime como conduta típica, antijurídica e culpável, mantinha a divisão acima mencionada, sendo considerados elementos objetivos a conduta típica e antijurídica, enquanto a culpabilidade representaria o elemento subjetivo do crime. Neste sentido vide: COSTA E SILVA. Comentários ao código penal brasileiro: v. I, parte geral. 2. ed. rev. atual. por Luiz Fernando da Costa e Silva. São Paulo: [s. l.], 1967, p. 48/52; HUNGRIA, Nélson. Do crime. In: HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. I, tomo II. p. 09-27; MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v. 2 – Da infração penal. p. 21-28; NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal: v.1: introdução e parte geral. p. 92-102; PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito penal: parte geral: estrutura do crime. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Leud, 1997, p. 61/66. Esta concepção, no entanto, não merece acolhida. O juízo desvalorativo da antijuridicidade não pode referir-se apenas ao lado objetivo da ação, pois, no injusto da tentativa, por exemplo, a resolução delitiva será sempre elemento do tipo. Desta forma, se o dolo é um elemento subjetivo do injusto na tentativa, o mesmo deve conservar a mesma função quando o delito se encontrar consumado. Não é concebível admitir que o dolo seja um elemento subjetivo do injusto na tentativa e não o seja, de outro viés no delito consumado

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(CEREZO MIR, José. Lo injusto de los delitos dolosos en el derecho español. In: Obras Completas. Otros estudios. Tomo. II. Lima: Ara Editores, 2006, p. 80-81)

[xix] Para os autores as circunstâncias previstas nos artigos 61 a 66 do Código Penal carecem de uma melhor classificação e ordenação sistemática, na medida em que “sua leitura dá a impressão de uma anarquia conceitual, proveniente da tradição legislativa que remonta ao código de 1830 e às versões do mesmo que foram recolhidas na Europa (código espanhol de 1948) e América Latina” (p. 832).

[xx] Ressalte-se, por oportuno, que no caso de delitos culposos, as agravantes (com exceção da reincidência) ou as causas de aumento de pena não serão aplicáveis, tendo em vista haver a necessidade de que tais circunstâncias sejam abrangidas pelo dolo do agente.

[xxi] Art. 61. Constituem crimes contra as relações de consumo previstas neste código, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos seguintes.

[xxii] Neste aspecto cabe fazer algumas ressalvas. No caso do artigo 65 do CDC, se o sujeito ativo ao executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando as determinações da autoridade competente, provocar lesão grave ou a morte do consumidor individual, ou de uma quantidade considerável de consumidores, haverá concurso formal entre este artigo e os artigos 129, § 1º ou 2º e 121 do Código Penal. De outro lado, no artigo 67, se o consumidor for efetivamente levado a erro por publicidade que o agente sabia ou deveria saber enganosa, restará configurado o artigo 7º, inciso VII da Lei 8.137/90. Por fim, segundo Luiz Regis Prado, ao tratar do artigo 68 do CDC, que trata da publicidade que leva o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a segurança ou à saúde, menciona haver entendimento no sentido de que o advento do resultado danoso à saúde do consumidor, em virtude de veiculação de publicidade prejudicial ou enganosa, poderá acarretar concurso formal de crimes com os delitos de lesões corporais (artigo 129, CP); perigo para a vida ou à saúde de outrem (art. 132, CP), crimes contra a saúde pública (art. 267-285 do CP). (Direito Penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 148)

[xxiii] Ensina Luiz Regis Prado, ao tratar da agravante genérica prevista no Código Penal no artigo 61, inciso II, alínea “g” que no caso de abuso do poder de cargo exige-se “um elemento objetivo – maior facilidade ou menor risco para a prática do delito – e um elemento subjetivo – uso (consciente e voluntário) ilegítimo ou além dos limites legais do poder inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão” (Curso de direito penal brasileiro... p. 511).

[xxiv] Em sentido contrário: DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 3 ed. rev. atual. ampl. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 144. Para este autor as agravantes não possuem caráter obrigatório, de forma que sua aplicação e graduação são simples faculdade atribuída pela lei ao juiz.

[xxv] Neste sentido: SILVA, Juary C. Elementos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 252. Para este autor “a inflição de grave dano à coletividade não se amolda às fatispécies dos crimes contra a ordem tributária, suscetíveis de lesionar

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a arrecadação tributária, mas não a ‘coletividade’, a não ser indireta ou mediatamente, ou seja, por via reflexa” (p. 252/253).

[xxvi] Sobre os crimes contra a ordem econômica, exemplifica o autor que se um comerciante “açambarca mercadoria e causa a fome e o flagelo da população estaria mais bem apenado com a agravante” (p. 102).

[xxvii] Sobre o tema, vale trazer à baila a elucidativa observação de Manoel Pedro Pimentel ao tratar do artigo 23 da Lei 7.492/86: “Transparece, sempre, essa preocupação de impor ao funcionário público, além do dever legal que lhe incumbe, um particular valor ético – sancionado por norma de caráter penal estrito – de zelar pelos interesses do Estado nessa sensível área onde se desenvolve a política econômico-financeira do Estado” (Crimes contra o sistema financeiro nacional: comentários à lei 7492, de 16. 6. 86. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 164).

[xxviii] Acrescenta Pedro Ivo Andrade que apenas estariam compreendidos na definição legal apenas os gêneros alimentícios e os medicamentos (ANDRADE, Pedro Ivo. Crimes Contra as Relações de Consumo: art. 7º da Lei n. 8.137/90. p. 135).

[xxix] Tal circunstância encontra previsão similar no Código Penal, artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal, quando dispõe que a pena é atenuada quando o agente tenha “confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime”.

[xxx] De acordo com o entendimento de Rodolfo Tigre Maia o legislador, através de previsões desta espécie o legislador tem procurado estimular a “delação premiada” com vistas a facilitar a elucidação dos delitos de maior lesividade social. (Dos crimes contra o sistema financeiro nacional: anotações à lei 7.492/86. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 149). Sobre o temário assevera Paulo José da Costa Junior e Zelmo Denari que esta disposição nada mais é do que um transplante da “Lei dos Arrependidos”, tão arraigada e discutida na Itália. Entende que esta lei tem sido muito benéfica na península, no combate ao crime organizado, mas nos demais casos deve ser vista com reservas. (Infrações tributárias e delitos fiscais. p.167).

[xxxi] Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do

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crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

[xxxii] Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: [...] § 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

[xxxiii] Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

[xxxiv] Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

[xxxv] Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: [...] § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996).

[xxxvi] De acordo com Rodolfo Tigre Maia “deverá existir uma confissão espontânea, obrigatoriamente não excludente da participação do próprio confitente no ilícito, necessariamente caracterizadora da delatio, eis que para que se revele ‘toda trama delituosa’ de um crime realizado por ‘quadrilha’ ou cometido em ‘co-autoria’ é mister deletar-se os demais envolvidos” (Dos crimes contra o sistema financeiro nacional: anotações à lei 7.492/86. op. cit., p. 150).

[xxxvii] Neste sentido é o entendimento de Rodolfo Tigre Maia. Defende o autor que “deverá existir uma confissão espontânea, obrigatoriamente não excludente da participação do próprio confitente no ilícito, necessariamente caracterizadora da delatio, eis que para que se revele ‘toda trama delituosa’ de um crime realizado por ‘quadrilha’ ou cometido em ‘co-autoria’ é mister deletar-se os demais envolvidos” (Dos crimes contra o sistema financeiro nacional... p. 150). Em sentido contrário: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos... p. 328. Este autor, ao tratar da lei dos crimes hediondos entende que para que o sujeito possa beneficiar-se da causa de diminuição deverá haver o desmantelamento da quadrilha ou bando.

[xxxviii] Para José Carlos Tórtima a “tutela imediata é exercida aqui sobre o patrimônio da própria instituição financeira, oficial ou particular, bem côo a fé pública no mercado financeiro. De forma mediata a proteção também é estendida ao SFN, como um todo, cuja estabilidade, sabidamente depende da regularidade no funcionamento das unidades

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que o compõem (Crimes contra o sistema financeiro nacional: uma contribuição ao estudo da Lei 7.492/86. 2 ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 123). Já Rodolfo Tigre Maia entende que “a objetividade jurídica imediata é a proteção dos interesses patrimoniais das instituições integrantes do SFN e, por extensão, de seus investidores, poupadores, acionistas etc. contra lesões potenciais originárias da obtenção fraudulenta de recursos a elas pertencentes, mediatamente, resguardar o interesse estatal na integridade e manutenção do próprio sistema e dos objetivos sócio-econômicos por ele almejados através de suas políticas de fomento” (Dos crimes contra o sistema...,p. 123).

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