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CURSO DE ´ ALGEBRA VOLUME II (Vers˜aoPreliminar) Abramo Hefez 12 de novembro de 2002

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Page 1: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

CURSO DE ALGEBRA

VOLUME II

(Versao Preliminar)

Abramo Hefez

12 de novembro de 2002

Page 2: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2

Page 3: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Sumario

1 POLINOMIOS 71.1 Series de Potencias e Polinomios . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.2 Divisao de Polinomios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.3 Polinomios com Coeficientes em Corpos . . . . . . . . . . . . . 251.4 Polinomios sobre C e sobre R . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291.5 Polinomios em Varias Indeterminadas . . . . . . . . . . . . . . 32

2 DERIVACAO E MULTIPLICIDADE 412.1 Derivada Primeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 412.2 Divisao por X − a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 472.3 Derivadas de ordem superior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

3 POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU 573.1 Raızes em K de polinomios em D[X] . . . . . . . . . . . . . . 573.2 O Teorema de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 623.3 Metodo de Kronecker para fatoracao em Z[X] . . . . . . . . . 663.4 Criterios de divisibilidade em Q[X] . . . . . . . . . . . . . . . 693.5 A Resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

4 AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4 814.1 A Equacao do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 814.2 A Equacao do Terceiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 834.3 A Equacao do Quarto Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

5 O GRUPO SIMETRICO 955.1 Relacoes Entre Coeficientes e Raızes . . . . . . . . . . . . . . 955.2 Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

5.2.1 A nocao de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

3

Page 4: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4 SUMARIO

5.2.2 Subgrupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1055.2.3 Grupos Cıclicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

5.3 Estrutura de Orbitas de uma Permutacao . . . . . . . . . . . . 1145.3.1 Decomposicao de uma permutacao em um produto de

ciclos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1145.4 O Grupo Alternante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1215.5 Funcoes Simetricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1245.6 Conjugacao em Sn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

6 O METODO DE LAGRANGE 133

7 EXTENSOES DE CORPOS 1477.1 A Algebra Linear da Extensao de Corpos . . . . . . . . . . . . 1477.2 Construcoes com Regua e Compasso . . . . . . . . . . . . . . 156

Page 5: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

SUMARIO 5

NOTACOES

Anel = Anel comutativo com unidade

N = {1, 2, 3, . . .} = Conjunto dos numeros naturais

Z = {. . . ,−2,−1, 0, 1, 2, . . .} = Anel dos numeros inteiros

Z+ = {0, 1, 2, 3, . . .} = Subconjunto dos numeros inteiros nao negativos

Q = Corpo dos numeros racionais

R = Corpo dos numeros reais

C = Corpo dos numeros complexos

Y X = Conjunto da funcoes de X em Y

A∗ = Conjunto dos elementos invertıveis do anel A

Kern ϕ = nucleo do homomorfismo ϕ

Page 6: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

6 SUMARIO

Page 7: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 1

POLINOMIOS

Neste Capıtulo iniciaremos o estudo das propriedades algebricas basicasdos polinomios com coeficientes num anel comutativo com unidade.

Nas disciplinas de Calculo os polinomios sao vistos como funcoes particu-lares de variavel real e como tal sao estudados. A necessidade de se distinguiros polinomios das funcoes polinomiais surge pela consideracao de polinomioscom coeficientes em corpos finitos, de uso cada vez mais frequente por causade suas inumeras aplicacoes praticas.

Muito do estudo das propriedades dos polinomios em uma indeterminadaesta relacionado com o desenvolvimento da Teoria das Equacoes Algebricas aqual estao associados os nomes de Tartaglia, Lagrange, Ruffini, Gauss, Abel,culminando com as contribuicoes fundamentais de Abel e Galois.

As propriedades dos polinomios em varias indeterminadas foram pesqui-sadas inicialmente por suas conexoes com a Geometria Analıtica, evoluindono que hoje se chama Geometria Algebrica.

Atualmente os polinomios desempenham papel relevante em muitas par-tes da Matematica.

1.1 Series de Potencias e Polinomios

Seja A um anel, considerado, uma vez por todas, comutativo com unidade,e seja X uma indeterminada sobre A. Uma serie de potencias f(X) comcoeficientes em A e uma soma formal infinita do tipo:

f(X) =

∞∑

i=0

aiXi = a0X

0 + a1X1 + a2X

2 + · · ·

7

Page 8: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

8 CAPITULO 1. POLINOMIOS

com ai ∈ A, para todo i ∈ Z+. Os X i sao provisoriamente vistos apenascomo sımbolos indicadores de posicao.

Duas series de potencias f(X) =∑∞

i=0 aiXi e g(X) =

∑∞i=0 biX

i sao con-sideradas iguais se ai = bi para todo i ∈ Z+. Os elementos ai sao chamadosde coeficientes e a parcela aiX

i de monomio de grau i. Convenciona-se omitiro monomio aiX

i quando ai = 0 e costuma-se denotar a0X0 por a0 e a1X

1

por a1X.

O conjunto de todas as series de potencias com coeficientes em A e de-notado por A[[X]] e nele definimos as seguintes operacoes:

Adicao:∞∑

i=0

aiXi +

∞∑

i=0

biXi =

∞∑

i=0

(ai + bi)Xi.

Multiplicacao:

( ∞∑

i=0

aiXi

)·( ∞∑

i=0

biXi

)=

∞∑

i=0

(i∑

j=0

ajbi−j

)X i.

Note que com esta definicao de produto, temos que X i · Xj = X i+j, paratodo i e j, dando assim um sentido de potencia ao sımbolo X i.

PROPOSICAO 1.1. O conjunto A[[X]] com as operacoes acima definidase um anel.

DEMONSTRACAO: A associatividade e a comutatividade da adicao saode verificacoes imediatas. O elemento neutro da adicao e 0 =

∑∞i=0 0X i,

enquanto que o simetrico de f(X) =∑∞

i=0 aiXi e −f(X) =

∑∞i=0(−ai)X i.

A comutatividade da multiplicacao e imediata e a propriedade distributivae facil de ser verificada. A unica propriedade que merece verificacao e aassociatividade da multiplicacao. Sejam

f(X) =

∞∑

i=0

aiXi, g(X) =

∞∑

i=0

biXi e h(X) =

∞∑

i=0

ciXi.

Page 9: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.1. SERIES DE POTENCIAS E POLINOMIOS 9

Temos que

(f(X) · g(X)) · h(X) =∞∑

i=0

diXi,

onde

di =

i∑

k=0

(k∑

j=0

ajbk−j

)ci−k =

λ+µ+η=i

aλbµcη.

Por outro lado,

f(X) · (g(X) · h(X)) =∞∑

i=0

eiXi,

onde

ei =i∑

k=0

ak

(i−k∑

j=0

bjci−k−j

)=

λ+µ+η=i

aλbµcη.

Portanto, di = ei, para todo i, provando assim a associatividade da mul-tiplicacao.

E claro que A ⊂ A[[X]], pois todo elemento a ∈ A pode ser visto comoa0 + 0X + 0X2 + · · · e portanto como elemento de A[[X]]. Alem disso, sef(X) = a e g(X) = b, temos que

f(X) + g(X) = a+ b e f(X) · g(X) = a · b,

onde as operacoes nos primeiros membros sao efetuadas em A[[X]] e as dossegundos membros o sao em A. Vemos com isto que as operacoes definidasem A[[X]] estendem as operacoes definidas em A, fazendo com que A sejaum subanel de A[[X]].

Um outro subanel de A[[X]] que se destaca e o anel A[X] dos polinomiosem uma indeterminada com coeficientes em A. Como conjunto, este anel edescrito como

A[X] ={a0 + a1X + a2X

2 + · · · ∈ A[[X]] | ∃ n tal que ai = 0 se i > 0}

Todo elemento de A[X] e chamado de polinomio e pode ser representadocomo soma finita, p(X) =

∑ni=0 aiX

i , para algum n ∈ Z+.

Page 10: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

10 CAPITULO 1. POLINOMIOS

PROPOSICAO 1.2. A[X] e um subanel de A[[X]].

DEMONSTRACAO: Basta, de acordo com I-7, Proposicao 1, mostrar que1 ∈ A[X], o que e obvio; e que se p(X)q(X) ∈ A[X], entao p(X) − q(X) ∈A[X] e p(X) · q(X) ∈ A[X].

De fato, se p(X) =∑n

i=0 aiXi e q(X) =

∑ni=0 biX

i, entao

p(X)− q(X) =

max{n,m}∑

i=0

(ai − bi)X i ∈ A[X]

e

p(X) · q(X) =

n+m∑

j=0

cjXj ∈ A[X] onde cj =

i+k=j

ai · bk.

Dado um polinomio p(X) = a0 + a1X + · · ·anXn ∈ A[X]−{0}, define-segrau de p(X) como sendo o inteiro

gr(p(X)) = max{i ∈ Z+; ai 6= 0}.Note que o polinomio nulo e o unico polinomio que nao possui grau e que

gr(p(X)) > 0 se, e somente se, p(X) ∈ A[X]− A.O coeficiente do termo de grau igual ao gr(p(X)) e chamado de coeficiente

lıder de p(X). Um polinomio cujo coeficiente lıder e igual a 1 e chamadode polinomio monico. Um polinomio nulo ou de grau zero sera chamado depolinomio constante.

Vejamos agora como a hipotese sobre A de ser domınio se reflete sobreA[X].

PROPOSICAO 1.3. Seja A um domınio. Se p(X), q(X) ∈ A[X] − {0},entao p(X) · q(X) 6= 0 e gr(p(X) · q(X)) = gr(p(X)) + gr(q(X)).

DEMONSTRACAO: Considere os polinomios p(X), q(X) ∈ A[X] dadospor

p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e q(X) = b0 + b1X + · · ·+ bmX

m

onde an 6= 0 e bm 6= 0. Entao,

p(X) · q(X) = a0 · b0 + (a0 · b1 + a1 · b0)X + · · ·+ an · bmXn+m.

Como A e domınio, segue que an · bm 6= 0, logo

p(X) · q(X) 6= 0 e gr(p(X) · q(X)) = n+m = gr(p(X) + q(X)).

Page 11: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.1. SERIES DE POTENCIAS E POLINOMIOS 11

COROLARIO 1.1. Se A e um domınio, entao A[X] e domınio.

Em particular, se K e um corpo entao K[X] e um domınio.

COROLARIO 1.2. Seja A um domınio. Se p(X), q(X) ∈ A[X]− {0} saotais que t(X) divide p(X), entao gr(t(X)) ≤ gr(p(X)).

DEMONSTRACAO: Existe por hipotese, um polinomio nao nulo q(X)em A[X] tal que t(X) · q(X) = p(X) . Logo pela Proposicao 3, segue quegr(p(X))− gr(t(X)) = gr(q(X)) ≥ 0 . Daı segue a desigualdade desejada.

COROLARIO 1.3. Seja A um domınio. Um elemento p(X) ∈ A[X] einvertıvel se, e somente se, p(X) ∈ A e e invertıvel em A. Em sımbolos,

(A[X])∗ = A∗.

DEMONSTRACAO: Se p(X) ∈ A[X] e invertıvel, entao p(X) 6= 0 eexiste q(X) ∈ A[X]−{0} tal que p(X) · q(X) = 1. Tomando graus e usandoa Proposicao 3 temos que gr(p(X)) + gr(q(X)) = 0 . Logo gr(p(X)) =gr(q(X)) = 0 e, portanto p(X), q(X) ∈ A e p(X) e invertıvel em A. Arecıproca e imediata.

Um fato que merece ser evidenciado e a diferencaa existente entre po-linomios e funcoes polinomiais, dois conceitos que frequentemente sao inde-vidamente confundidos.

A um polinomio p(X) ∈ A[X] associa-se uma funcao p ∈ AA chamadafuncao polinomial, definida por

p : A −→ Aa 7−→ p(a) = a0 + a1 · a + · · ·+ an · an.

O elemento p(a) de A e chamado de valor de p(X) em a. E evidente que adois polinomios iguais sao associadas duas funcoes polinomiais iguais. Emcontrapartida, dois polinomios distintos podem dar origem a duas funcoes po-linomiais iguais. Por exemplo, p(X) = X2−X e q(X) = 0, como polinomiosde Z2[X] sao distintos, porem, as funcoes polinomiais a eles associadas saoiguais. Mais geralmente, se p e um numero primo positivo, decorre do Pe-queno Teorema de Fermat (I-6, Problema 1.10) que os polinomios Xp − X

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12 CAPITULO 1. POLINOMIOS

e 0 de Zp[X] determinam a mesma funcao polinomial. Veremos na proximasecao 2, Corolario 4 do Teorema 1, que se A e infinito tal fato nao ocorre.

Uma tecnica muito util ao lidarmos com polinomios e o chamado metododos coeficientes a determinar que utiliza basicamente as definicoes da igual-dade e das operacoes no anel de polinomios. Ilustraremos o metodo comalguns exemplos.

EXEMPLO 1 : Mostraremos neste exemplo que X4 + 4 pode ser escritocomo produto do dois polinomios de segundo grau com coeficientes inteiros.

De fato, escreva, X4 + 4 = (aX2 + bX + c) · (a′X2 + b′X + c′). Efetuandoo produto, tem-se que

X4+4 = a·a′X4+(a·b′+a′ ·b)X3+(a·c′+b·b′+c·a′)X2+(b·c′+c·b′)X+c·c′.

Pela igualdade de polinomios acima, obtem-se o sistema de equacoes:

a · a′ = 1a · b′ + a′ · b = 0a · c′ + b · b′ + c · a′ = 0b · c′ + c ·+c · b′ = 0c · c′ = 4

Procuremos as solucoes inteiras deste sistema de equacoes. Da primeiraequacao, obtem-se que a = a′ = ±1. Da segunda, segue que b + b′ e daquarta, b · (c′ − c) = 0, logo b = 0 ou c = c′.

Caso 1: b = 0. Da terceira equacao tem-se que c+ c′ = 0, donde c′ = −c.Substituindo na quinta equacao tem-se c2 = −4, o que e impossıvel.

Caso 2: c = c′. Da quinta equacao tem-se que c = c′ = ±2. Da segunda,segue que b+ b′ = 0, logo da terceira obtem-se b · b′ = −2a · c = −4 . Dondeb = −b′ = ±2. Testando os valores obtidos temos que

X4 +4 = (X2−2X+2) · (X2 +2X+2) = (−X2 +2X−2) · (−X2−2X−2).

EXEMPLO 2 : Determinaremos a e b em Z7 de modo que X4 + 4X3 +aX2 − 4X + b ∈ Z7[X] seja o quadrado de um polinomio de Z7[X] .Da igualdade,

X4 + 4X3 + aX2 − 4X + b = (X2 + cX + d)2

= X4 + 2cX3 + (2d+ c2)X2 + 2cdX + d2

Page 13: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.1. SERIES DE POTENCIAS E POLINOMIOS 13

obtemos o sistema:

2 · c = 42 · d+ c2 = a2 · c · d = −4d2 = b

que resolvido, nos fornece c = 2, d = −1, b = 1 e a = 2. Portanto,

X4 + bar4X3 + 2X2 − 4X + 1 = (X2 + 2X − 1)2

PROBLEMAS 1.1.

1. Um elemento a 6= 0 de um anel comutativo com unidade A e chamadoregular ou nao divisor de zero em A se a · b 6= 0, para todo b ∈ A−{0}.Em particular, todo elemento invertıvel de A e regular.

(a) Se p(X), q(X) ∈ A[X], com coeficiente lıder de p(X) ou de q(X)regular, entao gr(p(X) · q(X)) = gr(p(X)) + gr(q(X)).

(b) Se p(X), t(X) ∈ A[X], com coeficiente lıder de t(X) regular e set(X) | p(X), entao gr(t(X)) ≤ gr(p(X)).

(c) Calcule gr(p(X) · q(X)) onde p(X) = 3X3 + 2X + 1 e q(X) =2X2 + 3X + 1 em Z6[X].

(d) Mostre que (2X2 + 2X + 1) | 3 em Z6[X] .

2. Determine a ∈ Z tal que

(a) O polinomio X4−aX3+8X2+a seja o quadrado de um polinomiode Z[X].

(b) O polinomio X4 + X3 + aX2 + X + 1 seja o produto de doispolinomios do segundo grau em Z[X].

3. Determine a, b ∈ Z7 tais que

(a) O polinomio X4 + 3X3 + 5X2 + aX + b seja o quadrado de umpolinomio de Z7[X].

(b) O polinomio X3 +aX+5 seja divisıvel por X2 +5X+6 em Z7[X].

Page 14: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

14 CAPITULO 1. POLINOMIOS

4. Mostre que a funcao avaliacao em a ∈ A:

Ava : A[X] −→ Ap(X) 7−→ p(a)

e um homomorfismo de aneis.

5. Seja p um numero primo positivo e f(X) ∈ Zp[X]. Mostre que f(X) ef(Xp) determinam a mesma funcao polinomial.Sugestao: Use o Pequeno Teorema de Fermat.

6. Sejam p(X) ∈ C[X ] e ξ uma raiz n-esima primitiva da unidade em C .

(a) Se gr(p(X)) < n, mostre que

p(X) + p(ξX) + p(ξ2X) + · · ·+ p(ξn−1X) = n · p(0).

(b) Deduza uma formula para esta soma se gr(p(X)) ≥ n .

7. Mostre que f(X) =∑

i=0aiX

i ∈ A[[X ]] e invertıvel em A[[X ]] se, e somente se, a0

e invertıvel em A[X ].Sugestao: Seja g(X) =

∑∞

i=0biX

i. Tem-se que f(X) · g(X) = 1 se, e somente se,

a0 · b0 = 1 e∑i

j=0ajbi−j = 0, para todo i ≥ 1. Mostre que se b0 = a−1

0 , entao aequacao acima determina bi em funcao dos a′

js e de b0, b1, . . . , bi−1, determinando

assim g(X) = (f(X))−1.

8. Seja K um corpo. Mostre que 1−X e invertıvel em K[[X ]] e que

(1 −X)−1 =∞∑

i=0

X i.

Se a ∈ K − {0}, determine (a−X)−1.

9. Seja f(X) =∑

i=0aiX

i ∈ A[[X ]]− {0}. Defina a ordem de f(X) com sendo

ord(f(X)) = min{i | ai 6= 0}.

Mostre que se A e um domınio e se f(X), g(X) ∈ A[[X ]]− {0}, entao

ord(f(X) · g(X)) = ord(f(X)) + ord(g(X)).

Isto prova que se A e um domınio, entao A[[X ]] tambem e um domınio.

10. Seja K um corpo.

(a) Dado f ∈ K[[X ]]− K, mostre que existem m ∈ N e u invertıvel em K[[X ]]tais que f = Xm · u.

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1.2. DIVISAO DE POLINOMIOS 15

(b) Mostre que K[[X ]] e um domınio principal. Conclua que K[[X ]] e um domıniode fatoracao unica (DFU).Sugestao: Veja I-Teorema 2, Capıtulo 4.

(c) Descreva o corpo de fracoes de K[[X ]].

11. Sejam fi(X) ∈ A[[X ]], i ∈ Z+, tais que ord(fi(X)) ≥ i. Mostre que∑

i=0fiX

i ebem definido como elemento de A[[X ]]. Mostre que se f(X), g(X) ∈ A[[X ]] comf(X) =

∑∞

i=0aiX

i, entao

∞∑

i=0

aiXi · g(X) = f(X) · g(X).

12. Suponha que B seja um subanel de A. Mostre que B[[X ]] e B[X ] sao respectiva-mente subaneis de A[[X ]] e de A[X ].

1.2 Divisao de Polinomios

Mostraremos nesta secao que sob certas condicoes, a semelhanca dos in-teiros, e possıvel efetuar a divisao com resto ”pequeno”de um polinomio poroutro.

TEOREMA 1.1. (ALGORITMO DA DIVISAO) Seja A um anel e sejamp(X) e t(X) polinomios em A[X]. Se t(X) 6= 0 possui coeficiente lıderinvertıvel, entao existem q(X) e r(X) em A[X] tais que

p(X) = t(X) · q(X) + r(X), com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(t(X)).

Alem disso, q(X) e r(X) sao univocamente determinados por estas condicoes.

DEMONSTRACAO : Sejam

p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e t(X) = b0 + b1X + · · ·+ bmX

m,

com an 6= 0 e bm invertıvel.

Existencia: Se p(X) = 0 ou n < m, faca q(X) = 0 e r(X) = p(X).Suponha agora p(X) 6= 0 e n ≥ m. Tomando q1(X) = b−1

m anXn−m ∈ A[X]

tem-se quep(X)− q1(X) · t(X) = r1(X), (1.1)

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16 CAPITULO 1. POLINOMIOS

com r1(X) = 0 ou gr(r1(X)) < gr(p(X)).Se r1(X) = 0 ou se gr(r1(X)) < gr(t(X)), o problema fica resolvido

tomando r(X) = r1(X) e q(X) = b−1m anX

n−m .Se gr(r1(X)) ≥ gr(t(X)), repete-se o procedimento acima com r1(X) no

lugar de p(X), obtendo

r1(X)− q2(X) · t(X) = r2(X), (1.2)

com r2(X) = 0 ou gr(r2(X)) < gr(r1(X)).Se r2(X) = 0 ou se gr(r2(X)) < gr(t(X)), o problema fica resolvido pois

p(X) = (q1(X) + q2(X)) · t(X) + r2(X).Se gr(r2(X)) ≥ gr(t(X)), repete-se o procedimento acima com r2(X) no

lugar de r1(X), obtendo

r2(X)− q3(X) · t(X) = r3(X), (1.3)

com r3(X) = 0 ou gr(r3(X)) < gr(r2(X)).E assim sucessivamente, obtendo r1(X), r2(X), r3(X), . . . tais que

gr(r1(X)) > gr(r2(X)) > gr(r3(X)) > · · ·

Segue entao que para certo s ∈ N, tem-se rs(X) = 0 ou gr(rs(X)) < gr(t(X)).Levando em conta (1), (2), (3), . . . temos que

p(X) = (q1(X) + q2(X) + · · ·+ qs(X)) · t(X) + rs(X)

bastando entao tomar q(X) = q1(X))+q2(X)+ · · ·+qs(X)) e r(X) = rs(X).

Unicidade: Suponha que

t(X) · q(X) + r(X) = t(X) · q1(X) + r1(X)

com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(t(X)) e r1(X) = 0 ou gr(r1(X)) < gr(t(X)).Da igualdade acima, obtemos que

t(X)[q(X)− q1(X)] = r1(X)− r(X) (1.4)

Pelas condicoes impostas a r(X) e r1(X) temos que

r1(X)− r(X) = 0 ou gr(r1(X)) < gr(t(X)).

Page 17: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.2. DIVISAO DE POLINOMIOS 17

Se r1(X)− r(X) 6= 0, segue de (1.4) e do Problema 1.1 (b) que

gr(r1(X)− r(X)) ≥ gr(t(X)),

o que e uma contradicao. Portanto r1(X) = r(X) e consequentemente de(1.4) temos que q1(X) = q(X).

OBSERVACAO 1: Seguindo os passos da demonstracao do Teorema,obtemos o algoritmo da divisao longa de dois polinomios:

anXn + an−1X

n−1 + · · · · · · · · ·+ a0 bmXm + · · ·+ b0

−anXn − b−1m bm−1anX

n−1 − · · · − b−1m b0anX

n−m b−1m anX

n−m + · · ·

r1(X)...

OBSERVACAO 2: Se A e um corpo entao e sempre possıvel efetuar adivisao por qualquer polinomio t(X) 6= 0.

OBSERVACAO 3: Suponha que p(X), t(X) ∈ B[X] onde B e um su-banel de A e o coeficiente lıder de t(X) e invertıvel em B. Entao q(X) er(X) calculados pelo algoritmo da divisao em A[X] terao necessariamentecoeficientes em B.

OBSERVACAO 4: Os polinomios p(X), t(X), q(X) e r(X) no algoritmoda divisao sao chamados respectivamente de dividendo, divisor, quociente eresto.

EXEMPLO 1 : E possıvel efetuar a divisao de 3X5 + 2X3 +X2− 5X + 7por 2X3 + 3X + 1 em Q[X] mas nao e possıvel faze-lo em Z[X] .

Page 18: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

18 CAPITULO 1. POLINOMIOS

3X5 + 2X3 + X2 − 5X + 7 2X3 + 3X + 1

−3X5 − 92X3 − 3

2X2 3

2X2 − 5

4

−52X3 − 1

2X2 − 5X + 7

52X3 + 15

4X + 5

4

−12X2 − 5

4X + 33

4

Neste caso q(X) = 32X2 − 5

4e r(X) = −1

2X2 − 5

4X + 33

4.

EXEMPLO 2 : O fato de bm nao ser invertıvel nao quer dizer que nao sepossa efetuar a divisao. Por exemplo, sejam dados p(X) = 2X3 − 3X2 + 1 et(X) = 2X + 1, temos em Z[X]:

2X3 − 3X2 + 1 2X + 1

−2X3 −X2 X2 − 2X + 1

−4X2 + 1

4X2 + 2X2X + 1

−2X − 10

Neste caso q(X) = X2 − 2X + 1 e r(X) = 0.

Damos a seguir alguns corolarios do Teorema, cuja importancia ficaramais clara na proxima seccao.

COROLARIO 1.4. Sejam a, b ∈ A com a invertıvel e p(X) ∈ A[X]. Oresto da divisao de p(X) por aX + b e p

(− ba

).

Page 19: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.2. DIVISAO DE POLINOMIOS 19

DEMONSTRACAO : Pelo Teorema 1, existem q(X), r(X) ∈ A[X] taisque p(X) = (aX + b) · q(X) + r(X) com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < 1. Emqualquer caso r(X) e um polinomio constante, logo

p

(− ba

)= 0 · q

(− ba

)+ r

(− ba

)= r(X).

COROLARIO 1.5. Sejam a, b ∈ A com a invertıvel e p(X) ∈ A[X]. Opolinomio p(X) e divisıvel por aX + b se, e somente se p

(− ba

)= 0.

DEFINICAO 1.1. Se p(X) ∈ A[X] e α ∈ A sao tais que p(α) = 0, dizemosque α e raiz do polinomio p(X).

Segue do Corolario 2 que α e raiz de p(X) se e somente se (X−α) dividep(X).

COROLARIO 1.6. Seja A um domınio. Se p(X) ∈ A[X]− {0} tem graun, entao p(X) tem no maximo n raızes distintas.

DEMONSTRACAO : Vamos provar isto por inducao em n. Se n = 0,entao p(X) e uma constante nao nula e portanto tem zero raızes, estabe-lecendo o resultado neste caso. Suponha agora o resultado valido para ne seja p(X) um polinomio de grau n + 1. Se p(X) nao tem raızes, nadatemos a provar. Se p(X) tem uma raiz α, entao p(X) = (X − α) · q(X),com q(X) ∈ A[X] e gr(q(X)) = n. Pela hipotese de inducao, q(X) temno maximo n raızes distintas e sendo A um domınio, as raızes de p(X) saoas raızes de q(X) e as raızes de (X−α), logo p(X) tem no maximo n+1 raızes.

COROLARIO 1.7. Seja A um domınio infinito. Se p(X), q(X) ∈ A[X]sao tais que p(a) = q(a) para todo a ∈ A (i.e. as funcoes polinomiais saoiguais), entao p(X) = q(X) (i.e. os polinomios sao iguais).

DEMONSTRACAO : Suponha por absurdo que p(X)−q(X) 6= 0. Entao,pelo Corolario 3, p(X)−q(X) tem um numero finito de raızes. Isto contradiza hipotese p(a) = q(a) para todo a ∈ A pois A e infinito.

Considere a aplicacao

ϕ : A[X] −→ AA

p(X) 7−→ funcao polinomial associada a p(X)

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20 CAPITULO 1. POLINOMIOS

Usando o exercıcio 1.4 e facil verificar que ϕ e um homomorfismo de aneis.O Corolario 4 mostra que se A e um domınio infinito, entao N(ϕ) = {0}.

DEFINICAO 1.2. Dizemos que um corpo K e algebricamente fechado

se todo polinomio nao constante de K[X] tem pelo menos uma raiz em K.

COROLARIO 1.8. Seja K um corpo algebricamente fechado e seja aindap(X) ∈ K[X] um polinomio nao constante. Se gr(p(X)) = n, entao existemelementos α1, α2, . . . , αn ∈ K e a ∈ K tais que

p(X) = a · (X − α1) · (X − α2) · · · (X − αn)

DEMONSTRACAO : A prova pode ser feita por inducao sobre n e a dei-xamos a cargo do leitor.

PROPOSICAO 1.4. Se K e um corpo algebricamente fechado, entao K einfinito.

DEMONSTRACAO : Suponha por absurdo que K seja finito, digamosque K = {a0, a1, . . . , an−1} onde a0 = 0 e a1 = 1. Considere o polinomio

p(X) = (X − a0) · (X − a1) · · · · · · · (X − an−1) + a1.

Verifica-se diretamente que p(X) nao tem raızes em K o que e uma con-tradicao, pois p(X) e nao constante e K e algebricamente fechado.

Nem todo corpo e algebricamente fechado, por exemplo, se p e um numeroprimo positivo, o corpo Zp nao e algebricamente fechado por ser finito. Ocorpo R , apesar de infinito, nao e algebricamente fechado pois o polinomionao constante X2 + 1 ∈ R[X] nao possui raızes em R.

O famoso Teorema Fundamental da Algebra garante que C e algebrica-mente fechado. Este Teorema possui uma longa historia e muitas demons-tracoes, nenhuma delas porem se faz com metodos puramente algebricos,devendo-se sempre usar metodos da analise. Vamos ao longo do texto admi-tir este resultado cuja demonstracao encontra-se no Apendice 1.

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1.2. DIVISAO DE POLINOMIOS 21

EXEMPLO 3 : O polinomio p(X) = 2X4 − 7X3 − 2X2 + 13X + 6 e di-visıvel pelo polinomio X2 − 5X + 6 em Z[X].

De fato, tem-se que X2−5X+6 = (X−2)·(X−3). Como p(2) = 0, temosque p(X) = (X − 2) · q(X) com q(X) ∈ Z[X]. Por outro lado, p(3) = 0, logoq(3) = 0 e portanto q(X) = (X − 3) · q1(X) com q1(X) ∈ Z[X]. Conclui-seque p(X) = (X − 2) · (X − 3) · q1(X).

Pede-se ao leitor generalizar a argumentacao acima mostrando que se Ae um domınio, p(X) ∈ A[X] e α1, α2, . . . , αn sao elementos distintos de Atais que p(αi) = 0, i = 1, 2, . . . , n, entao (X − α1) · (X − α2) · · · · · (X − αn)divide p(X).

EXEMPLO 4 : O polinomio p(X) = X3k+2+X3m+1+X3n com n,m, k ∈N e divisıvel por X2 +X + 1 em Z[X].

De fato, podemos escrever X2 + X + 1 = (X − w) · (X − w2) em C[X]onde w e uma raiz cubica primitiva de 1. Temos tambem que

p(w) = w3k+2 + w3m+1 + w3n = w2 + w + 1 = 0e

p(w2) = w6k+4 + w6m+2 + w6n = w + w2 + 1 = 0

Portanto pela argumentacao acima, temos que (X2 +X+1) | p(X) em C[X],logo p(X) = (X2+X+1) ·q1(X) para algum q1(X) ∈ C[X]. Pela Observacao3 temos que q1(X) ∈ Z[X], provando assim a nossa afirmacao.

EXEMPLO 5 : Seja ξ = cos 2πn

+ i sen 2πn

. Vamos provar a identidade

1 +X +X2 + · · ·+Xn−1 = (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1).

De fato, sendo p(X) = 1+X+X2+· · ·+Xn−1 e ξ uma raiz n-esima primitivada unidade, temos que ξ, ξ2, . . . , ξn−1 sao distintos e

p(ξ) = p(ξ2) = · · · = p(ξn−1) = 0.

Logo p(X) e divisıvel por (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1). Por serem domesmo grau p(X) e este ultimo polinomio, segue que existe a ∈ C− {0} talque

p(X) = a · (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1).

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22 CAPITULO 1. POLINOMIOS

Comparando os coeficientes dos termos de mais alto grau dos polinomiosacima, conclui-se que a = 1, provando assim a identidade.

PROPOSICAO 1.5. (POLINOMIO DE INTERPOLACAO DE LAGRANGE).Seja K um corpo. Sejam ai, bi ∈ K, i = 1, 2, . . . , n, com os ai dois a dois distintos e os bi

nao todos nulos. Considere os polinomios

pi(X) = bi

(X − a1) · · · (X − ai−1) · (X − ai+1) · · · (X − an)

(ai − a1) · · · (ai − ai−1) · (ai − ai+1) · · · (ai − an),

para i = 1, 2, . . . , n. Entao o polinomio

p(X) =

n∑

i=1

pi(X)

e o unico polinomio de grau menor do que n tal que p(ai) = bi, para todos i = 1, 2, . . . , n.

DEMONSTRACAO : O polinomio p(X) e de grau menor do que n e e talque p(ai) = bi, ∀ i = 1, 2, . . . , n, pois

pi(aj) =

{0 se i 6= jbj se i = j

Agora so falta provar a unicidade de p(X). Suponha que q(X) seja umpolinomio que satisfaz as mesmas condicoes que p(X) satisfaz. Segue entaoque p(X) − q(X) e um polinomio de grau menor do que n com n raızesa1, a2, . . . , an, logo, pelo Corolario 3 do Teorema 1, tem-se que p(X) = q(X).

O polinomio p(X) acima e chamado Polinomio de Interpolacao de La-grange e desempenha papel importante na apresentacao de Galois da suaTeoria das Equacoes.

PROBLEMAS 1.2.

1. Ache q(X) e r(X) nas seguintes situacoes:

(a) p(X) = 3X2 + 5X + 7, t(X) = X3 + 7X2 + 9 em Z[X].

(b) p(X) = X4 +X3 +X2 +X + 1, t(X) = X4 −X3 +X2 −X + 1em Z[X].

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1.2. DIVISAO DE POLINOMIOS 23

(c) p(X) = X7 + 3X6−X5 +4X2 +1, t(X) = X4−X +1 em Z[X].

(d) p(X) = X10 +X5 + 1, t(X) = X2 +X + 1 em Z[X].

(e) p(X) = X5 +3X4 +X3 +X +1, t(X) = 2X2 +3X +1 em Z[X].

(f) p(X) = X3 + 3X2 +X + 3, t(X) = X2 + 4X + 3 em Z5[X].

2. Ache os possıveis valores de a para que o polinomio

a2 ·X4 + 4X3 + 4 · a ·X + 7

seja divisıvel por X + 1 em Z[X].

3. Sejam A um domınio e a ∈ A− {0}.

(a) Mostre que o polinomio Xn − an e divisıvel por X − a em A[X].

(b) Sob que condicoes Xn + an e divisıvel por X + a em A[X] ?

(c) Sob que condicoes Xn − an e divisıvel por X + a em A[X] ?

4. Sem efetuar a divisao, mostre que

(a) 2X6 + 2X5 +X4 + 2X3 +X2 + 2 e divisıvel por X2 + 1 em Z[X].

(b) X6 + 4X5 + 3X4 + 2X3 +X2 + 1 e divisıvel por X2 +X + 1 emZ[X].

(c) X444 +X333 +X222 +X111 +1 e divisıvel por X4+X3 +X2 +X+1em Z[X].

(d) Para n ∈ N, (X + 1)2n −X2n − 2X − 1 e divisıvel porX · (X + 1) · (2X + 1) em Q[X].

5. Para quais valores de n ∈ N tem-se que

(a) 1 +X2 +X4 + · · ·+X2n−2 e divisıvel por 1 +X + · · ·+Xn−1?

(b) 1 +X3 +X6 + · · ·+X3n−3 e divisıvel por 1 +X + · · ·+Xn−1?

(c) Generalize.

6. Sejam K um corpo e sejam p(X) ∈ K[X] e a, b ∈ K com a 6= b. Mostreque o resto da divisao de p(X) por (X − a) · (X − b) e

p(a)− p(b)a− b X +

ap(b)− bp(a)a− b .

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24 CAPITULO 1. POLINOMIOS

7. Determine o polinomio p(X) ∈ Q[X] de grau 7 tal que

p(1) = p(2) = · · · = p(7) = 8 e p(0) = 1

8. (a) Resolva a equacao 20X3 − 30X2 + 12X − 1 = 0 sabendo-se que 12

e uma de suas raızes.

(b) Uma raiz da equacao X3− (2a+1)X2 + a(a+2)X − a(a+1) = 0e a+ 1, ache as outras duas.

9. Ache o polinomio de menor grau que tem raızes 0, 1+ i, 1− i e assumeos valores 2 e −2 em −1 e 1 respectivamente.

10. Sejam os polinomios p1(X), . . . , ps(X) ∈ K[X] onde K e um corpo.Sejam ainda r1(X), . . . , rs(X) ∈ K[X] os respectivos restos das divisoesdestes polinomios por t(X) 6= 0. Fixados os elementos α1, . . . , αs ∈ K,mostre que o resto da divisao de p(X) =

∑si=1 αipi(X) por t(X) e o

polinomio r(X) =∑s

i=1 αiri(X) .

11. (a) Mostre que o resto da divisao do polinomio p(X) =∑n

i=0 aiXi por

Xn − a e r(X) =∑n

i=0 airi(X), onde ri(X) e o resto da divisaode X i por Xm − a.Sugestao: use o exercıcio 2.10.

(b) Se i = λim+ µi com 0 ≤ µ < m, mostre que ri(X) = aλiXµi .

(c) Conclua que r(X) =∑n

i=0 aλiXµi, justificando a seguinte regra

pratica para calcular r(X): ”Substitua em p(X) todos os Xm quepuder por a”.

(d) Sob quais condicoes Xn − an e divisıvel por Xm − am ?

(e) Ache os restos da divisao de X60 − 1 e de X100 − 1 por X3 − 1.

(f) Mostre que se a 6= 0, entao (Xn − an, Xm − am) = Xd− ad, onded = (m,n) .

12. Considere a igualdade do Exemplo 5,

1 +X +X2 + · · ·+Xn−1 = (X − ξ) · (X − ξ2) · · · · · (X − ξn−1),

onde ξ = cos 2πn

+ i sen 2πn

.

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1.3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES EM CORPOS 25

(a) Na igualdade acima, fazendo X = 1 e tomando os modulos emambos os lados, mostre a seguinte identidade trigonometrica:

senπ

n· sen 2π

n· · · · · sen (n− 1)π

n=

n

2n−1

Sugestao: Use a identidade sen θ = 1−cos 2θ2

.

(b) Se p > 2 e um numero primo, mostre que

(X − 1) · (X2 − 1) · · · · · (Xp−1 − 1)− p

e divisıvel por 1 +X + · · ·+Xp−1.

1.3 Polinomios com Coeficientes em Corpos

No que segue estudaremos propriedades especıficas do anel de polinomioscom coeficientes num corpo K. Neste caso, o Teorema 1 nos garante que adivisao com resto pode ser efetuada, tendo como dividendo um polinomioqualquer e como divisor um polinomio nao nulo arbitrario. Note tambemque, neste caso, de acordo com o Corolario 3 da Proposicao 2, u(X) ∈ K[X]e invertıvel se, e somente se, u(X) ∈ K − {0}, ou seja gr(u(X)) = 0. Por-tanto, dois polinomios p(X) e q(X) sao associados se, e somente se, existec ∈ K − {0} = K∗ tal que q(X) = cp(X). Segue disto que todo polinomionao nulo de K[X] e associado a um unico polinomio monico.

TEOREMA 1.2. Todo ideal I de K[X] e principal. Se I 6= 0 entao I egerado por qualquer um dos seus elementos de menor grau.

DEMONSTRACAO : Se I = {0}, nada temos a provar. Suponha queI 6= {0} e seja p(X) 6= 0 um polinomio em I de grau mınimo. Comop(X) ∈ I segue que I(p(X)) ⊂ I. Por outro lado, se g(X) ∈ I, pelo al-goritmo da divisao, existem polinomios q(X) e r(X) em K[X] com r(X) = 0ou gr(r(X)) < gr(p(X)) tais que g(X) = p(X) · q(X) + r(X). Segue daı quer(X) ∈ I e como p(X) tem grau mınimo em I, conclui-se que r(X) = 0 eportanto g(X) ∈ I(p(X)). Isto acaba de mostrar que I = I(p(X)).

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26 CAPITULO 1. POLINOMIOS

O fato que K[X] e um anel principal tem varios corolarios que passamosa enunciar.

COROLARIO 1.9. Sejam dados os polinomios p1(X), . . . , ps(X) ∈ K[X].Entao existe um MDC destes elementos. Alem disso, todo MDC deles e daforma p1(X) · q1(X) + · · ·+ ps(X) · qs(X) para elementos q1(X), . . . , qs(X) ∈K[X].

DEMONSTRACAO : Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Corolario 1 daProposicao 6.

Como todo associado de um MDC de dados elementos e um MDC desteselementos (cf. I-4, Corolario da Proposicao 4), segue que dados elementosp1(X), . . . , ps(X) ∈ K[X] nao todos nulos, estes elementos possuem um unicoMDC monico que sera chamado de o MDC destes elementos e denotado por(p1(X), . . . , ps(X)).

Do fato de K[X] ser principal segue tambem que existe MMC de ele-mentos quaisquer de K[X] (Veja I-4, Problema 2.8)

COROLARIO 1.10. Os polinomios p1(X) e p2(X) em K[X] sao primosentre si, se e somente se, existem q1(X), q2(X) ∈ K[X], tais que p1(X) ·q1(X) + p2(X) · q2(X) = 1.

DEMONSTRACAO : Como p1(X) E p2(X) sao primos entre si, se, e so-mente se, (p1(X), p2(X)) = 1, a relacao entre p1(X), p2(X) e 1 segue doCorolario 1.

COROLARIO 1.11. Em K[X] um elemento e primo se e somente se elee irredutıvel.

DEMONSTRACAO : Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Proposicoes 8 e9.

COROLARIO 1.12. K[X] e um domınio de fatoracao unica.

DEMONSTRACAO : Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Teorema 2.

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1.3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES EM CORPOS 27

COROLARIO 1.13. Todo elemento p(X) ∈ K[X]−K pode ser escrito demodo unico, a menos da ordem dos fatores, sob a forma

p(X) = c · (p1(X))α1 · · · (pr(X))αr

onde c ∈ K − {0} e p1(X), . . . , pr(X) sao polinomios monicos irredutıveisdistintos em K[X] e αi ∈ N, para i = 1, 2, . . . , r.

Observe que o Corolario 5 nao e construtivo, pois garante a existencia dafatoracao de um polinomio em polinomios irredutıveis sem entretanto indi-car como obte-la. O problema de determinar algorıtmos rapidos para fatorarpolinomios e importante e atual.

Tal como no caso dos inteiros, pelo fato de existir em K[X] um algo-ritmo para efetuar divisoes com resto pequeno, pode-se calcular efetivamenteo MDC de dois polinomios usando o algoritmo de Euclides.

EXEMPLO 1 : Determinaremos o MDC em Q[X] dos polinomios

2X5 + 2X4 +X3 − 2X2 −X − 4 e X3 − 2X2 +X − 2.

Efetuando o algoritmo de Euclides, temos

2X5 + 2X4 +X3 − 2X2 −X − 4 =

= (X3 − 2X2 +X − 2) · (2X2 + 6X + 11) + 18X2 + 18

X3 − 2X2 +X − 2 =(18X2 + 18

)·(

1

18X − 1

9

)+ 0.

Logo um MDC destes polinomios e 18X2 + 18 e portanto

MDC(2X5 + 2X4 +X3 − 2X2 −X − 4, X3 − 2X2 +X − 2

)= X2 + 1

Sejam K e F corpos tais que K e um subcorpo de F . Sejam p1(X), p2(X)em K[X]. Em princıpio, o MDC destes elementos em F [X] tem coeficientesem F . Seguindo porem, atraves do algoritmo de Euclides, o calculo do MDCdestes elementos, e facil convencer-se que tal MDC esta em K[X]. Seguedesta observacao que dois polinomios de K[X] tem um fator comum naoconstante em F [X] se, e somente se, eles tem um fator comum nao constanteem K[X].

Page 28: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

28 CAPITULO 1. POLINOMIOS

EXEMPLO 2 : Considere o homomorfismo de aneis

ϕ : A[X] −→ AA

p(X) 7−→ funcao polinomial associada a p(X)

definida no paragrafo 2. Suponha que A = Zp onde p e um numero primopositivo. Note que Xp − X ∈ N(ϕ). Note tambem que Xp − X tem graumınimo em N(ϕ) pois qualquer polinomio nao nulo de N(ϕ), em se anulandoem todos os elementos de Zp, tem que ter grau maior ou igual a p. Segueentao do Teorema 2 que N(ϕ) = I(Xp −X).

PROBLEMAS 1.3.

1. Determine o MDC dos seguintes pares de polinomios de Q[X]:

(a) X5 + 4X3 + 3X2 +X + 1 e X3 +X + 1.

(b) X5 + 10X4 + 40X3 + 80X2 + 80X + 32 e X3 + 6X2 + 12X + 8.

(c) X4 +X3 + 2X2 +X + 1 e X4 + 3X3 + 5X2 + 3X + 4.

(d) X3 −X2 −X − 2 e X3 − 3X − 2.

2. Seja F uma extensao de um corpo K. Sejam p1(X), p2(X) ∈ K[X] eα ∈ F . Mostre que α e raiz comum de p1(X) e p2(X) se e somente seα e raiz de (p1(X), p2(X)). Ache as raızes comuns em C dos pares depolinomios do problema 3.1.

3. Resolva em Q[X] a seguinte equacao diofantina:

(X3+3X2+3X+2)·u+(X3+2X2+2X+1)·v = X4+X3+2X2+X+1.

4. Seja K um corpo.

(a) Mostre que todo polinomio de grau 1 e irredutıvel em K[X].

(b) Sejam a, b ∈ K com a 6= b. Mostre que para todos n,m ∈ N, ospolinomios (X − a)n e (X − a)m sao primos entre si.

(c) Se K e algebricamente fechado, os unicos polinomios irredutıveisde K[X] sao os de grau 1.

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1.4. POLINOMIOS SOBRE C E SOBRE R 29

5. (a) Mostre que se um polinomio de grau maior do que 1 em K[X] temuma raiz em K, entao ele e redutıvel em K[X]. De um exemplomostrando que nao vale a recıproca.

(b) Mostre que um polinomio de grau 2 ou 3 em K[X] e redutıvel se,e somente se, ele possui uma raiz em K. Este resultado vale paragraus maiores do que 3 ?

(c) Determine todos os polinomios irredutıveis de graus 2, 3 e 4 emZ5[X].

6. Mostre que aX2 + bX + c ∈ R[X] e irredutıvel se, e somente se, tem-se∆ < 0 onde ∆ = b2 − 4ac < 0.

7. Decomponha em C[X] e em R[X] os seguintes polinomios:a) X4 − 1 b) X4 + 1 c) X6 − 1 d) X6 + 1

8. Para que valores de p, q ∈ R X4 + 1 e divisıvel por X2 + pX + q emR[X] ?Sugestao: Decomponha X4 + 1 em C[X ] ).

9. Mostre que em K[X] ha infinitos polinomios irredutıveis dois a doisnao associados.Sugestao: Faca uma reproducao a demonstracao de Euclides da existencia de

infinitos numeros primos (cf. I-5, Teorema 1).

10. Sejam p(X), q(X) ∈ K[X] com p(X) irredutıvel. Suponha que existeα numa extensao de K tal que p(α) = q(α) = 0. Mostre que q(X) emultiplo de p(X). Se q(X) e tambem irredutıvel, entao p(X) e q(X)sao associados.

1.4 Polinomios sobre C e sobre R

Pelo fato de C ser algebricamente fechado (Teorema Fundamental daAlgebra, Apendice 1) e pelo Corolario 5 do Teorema 1, segue que todo po-linomio p(X) ∈ C[X] se escreve de modo unico na forma,

p(X) = a(X − α1)n1 · · · (X − αr)nr (1.5)

com a, α1, . . . , αr ∈ C, αi 6= αj se i 6= j e n1, . . . , nr ∈ N.

Page 30: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

30 CAPITULO 1. POLINOMIOS

As raızes de p(X) sao os α1, . . . , αr e o inteiro ni, i = 1, . . . , r, e chamadode multiplicidade da raiz αi. Como gr(p(X)) = n1 + · · ·+nr, segue que todopolinomio em C[X] de grau n tem exatamente n raızes, desde que contadascom suas multiplicidades.

Seja p(X) = a0 + a1X + · · · + anXn ∈ C[X]. Define-se o polinomio

conjugado de p(X) como sendo

p(X) = a0 + a1X + · · · anXn ∈ C[X]

onde ai e o conjugado de ai, i = 0, 1, . . . , n.

A conjugacao de polinomios goza das seguintes propriedades, cujas veri-ficacoes deixamos a cargo do leitor.

1. Se p(X) = p1(X) + p2(X) entao p(X) = p1(X) + p2(X).

2. Se p(X) = p1(X) · p2(X) entao p(X) = p1(X) · p2(X).

3. p(X) = p(X) se, e somente se, p(X) ∈ R[X].

4. Se a ∈ C[X] entao p(a) = p(a)

Da propriedade (4) acima deduz-se facilmente que α e raiz p(X) se, e somentese, α e raiz de p(X).

PROPOSICAO 1.6. Seja p(X) ∈ R[X]. Se α ∈ C e raiz de multiplicidadem de p(X). entao, α e raiz de multiplicidade m de p(X).

DEMONSTRACAO : Se α ∈ C e raiz de multiplicidade m de p(X) entaop(X) = (X −α)m · q(X), com q(X) ∈ C[X] e q(α) 6= 0. Como p(X) ∈ R[X],temos que p(X) = p(X) = (X− α)m · q(X). Note agora que q(α) = q(α) 6= 0e portanto α e raiz de multiplicidade m de p(X).

COROLARIO 1.14. Todo polinomio de grau ımpar com coeficientes reaistem pelo menos uma raiz real.

DEMONSTRACAO : As raızes complexas aparecem aos pares e como opolinomio e de grau ımpar, o resultado segue.

Page 31: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.4. POLINOMIOS SOBRE C E SOBRE R 31

PROPOSICAO 1.7. i) aX+b com a, b ∈ R e a 6= 0 e irredutıvel em R[X].ii) aX2 + bX + c com a, b, c ∈ R e a 6= 0 e irredutıvel em R[X] se, e somentese, ∆ = b2 − 4ac < 0.iii) Todo polinomio de grau maior do que 2 e redutıvel em R[X].

DEMONSTRACAO : i) E evidente e vale em qualquer corpo.ii) aX2 + bX + c e irredutıvel se, e somente se, nao possui fatores do 10 grauem R[X] e isto equivale a dizer que aX2 + bX+ c nao possui raızes em R quepor sua vez e equivalente ao fato que ∆ < 0.iii) Seja p(X) um polinomio em R[X] de grau maior do que 2. Seja α ∈ C umaraiz de p(X). Se α ∈ R, entao p(X) e divisıvel em R[X] por (X−α), portantoele e redutıvel. Se α ∈ C−R, entao α e raiz de p(X), logo (X−α) ·(X−α) =X2 − 2Re(α)X + |α|2 esta em R[X] e divide p(X) em R[X] com quocientenao constante, portanto p(X) e redutıvel.

COROLARIO 1.15. Todo polinomio p(X) ∈ R[X] − {0} se escreve demodo unico, a menos da ordem dos fatores como

p(X) = a(X − α1) · · · (X − αr)(X2 + b1X + c1) · · · (X2 + bsX + cs)

com a, α1, . . . , αr, b1, . . . , bs, c1, . . . , cs reais e bi2 − 4ci < 0, i = 1, . . . , s.

PROBLEMAS 1.4.

1. Sejam p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e q(X) = b0 + b1X + · · ·+ bnX

n

polinomios em C[X]. Suponha que eles tenham mesmas raızes commesmas multiplicidades.Prove que existe a ∈ C− {0} tal que aj = a · bj , j = 1, . . . , n.

2. Uma raiz de X4 + 3X3 − 30X2 + 366X − 340 e 3 + 5i, ache as demaisraızes.

3. 1 + i e raiz multipla de X6 − 3X5 + 5X4 − 4X3 + 4X2 − 4X + 4 = 0.Ache a multiplicidade desta raiz e as demais raızes.

4. Fatore em R[X] os seguintes polinomios

a) X4 + 4X2 + 3 b) X4 + 4X2 + 4c) X4 −X2 + 1 d) X4 + pX2 + q com p, q ∈ R

Page 32: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

32 CAPITULO 1. POLINOMIOS

5. Mostre que se n ∈ N, entao

(a) X2n − 1 = (X − 1)(X + 1) ·∏n−1

k=1

(X2 − 2X cos kπ

n+ 1).

(b) X2n+1 − 1 = (X − 1) ·∏n−1k=1

(X2 − 2X cos 2kπ

2n+1+ 1).

6. Fatore em R[X] os seguintes polinomiosa) X24 − 1 b) X12 − 1 c) X13 − 1.

1.5 Polinomios em Varias Indeterminadas

Seja A[X1] o anel dos polinomios a coeficientes em A na indeterminadaX1. Se X2 e uma indeterminada sobre o anel A[X1], define-se:

A[X1, X2] = (A[X1]) [X2].

Pode-se entao definir recorrentemente,

A[X1, X2, . . . , Xn] = (A[X1, X2, . . . , Xn−1]) [Xn].

Se A e um domınio de integridade, pelo Corolario 1 da Proposicao 3, temosque A[X1] tambem e um domınio de integridade. Usando o mesmo argumentoiteradamente, conclui-se que A[X1, X2, . . . , Xn] e um domınio de integridade.

Todo elemento p(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn] pode ser escrito na forma

p(X1, . . . , Xn) =∑

ai1...inXi11 · · ·X in

n ,

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

onde r1, . . . , rn ∈ Z+ e ai1,...,in ∈ A e e chamado polinomio em n indetermi-nadas.

Cada termo da forma ai1,...,inXi11 · · ·X in

n e chamado monomio e o seu graue definido como sendo i1 + i2 + · · ·+ in. Dois monomios sao semelhantes seeles tem o mesmo grau. O grau de um polinomio em n indeterminadas eo maior dos graus de seus monomios nao nulos. Um polinomio e chamado

Page 33: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.5. POLINOMIOS EM VARIAS INDETERMINADAS 33

homogeneo de grau m se todos os seus monomios tem grau m. Dado umpolinomio em A[X1, . . . , Xn], a soma dos seus monomios de grau m e um po-linomio homogeneo de grau m chamado componente homogeneo de grau m dopolinomio. Entao todo polinomio e soma de polinomios homogeneos de grausdois a dois distintos, pois ele e a soma das suas componentes homogeneas. Ograu de um polinomio p(X1, . . . , Xn) e simbolizado por gr(p(X1, . . .Xn)).

Exemplo 1 : Seja

p(X1, X2, X3) = 3 + 5X1 + 3X2 +X1X2 +X32 +X2

3X3 + 7X15.

Este polinomio e de grau 5, suas componentes homogeneas sao:

• de grau zero: 3;

• de grau um: 5X1 + 3X2 ;

• de grau dois: X1X2 +X32 ;

• de grau tres: nao tem;

• de grau quatro: X23X3 ;

• de grau cinco: 7X15 .

PROPOSICAO 1.8.∑

ai1...inXi11 · · ·X in

n = 0

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

se, e somente se, ai1...,in = 0 para cada 0 ≤ i1 ≤ r1, . . . , 0 ≤ in ≤ rn.

DEMONSTRACAO : Em uma direcao vamos provar por inducao em n.Se n = 1, a assercao e verdadeira pela definicao da igualdade de polinomiosem uma indeterminada. Vamos supor a assercao valida para n− 1. Seja

∑ai1...inX

i11 · · ·X in

n = 0,

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

Page 34: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

34 CAPITULO 1. POLINOMIOS

podemos escrever,

0 =∑

ai1...inXi11 · · ·X in

n =

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

=∑ ∑

(ai1...inXi11 · · ·X

in−1

n−1 )X inn .

0≤in≤rn 0≤i1≤r1...

0≤in−1≤rn−1

Pela definicao da igualdade em (A[X1, . . . , Xn−1])[Xn], segue que

∑ai1...inX

i11 · · ·X

in−1

n−1 = 0

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

para todo in, 0 ≤ in ≤ rn. Pela hipotese de inducao, segue que ai1,...,in = 0para cada 0 ≤ i1 ≤ r1 , . . . , 0 ≤ in ≤ rn.

A recıproca e imediata.

Seja A um domınio de integridade. Pode-se verificar facilmente que parap(X1, . . . , Xn), q(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn], tem-se

gr(p(X1, . . . , Xn) · q(X1, . . . , Xn)) = gr(p(X1, . . . , Xn)) + gr(q(X1, . . . , Xn)).

Portanto e imediato se checar que o polinomio p(X1, . . . , Xn) e invertıvelem A[X1, . . . , Xn] se, e somente se, p(X1, . . . , Xn) ∈ A e e um elementoinvertıvel de A. E claro que os polinomios X1, . . . , Xn sao irredutıveis emK[X1, . . . , Xn], onde K e um corpo.

Page 35: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.5. POLINOMIOS EM VARIAS INDETERMINADAS 35

Seja A um domınio de integridade. O corpo de fracoes (cf. I-2) do domınioA[X1, . . . , Xn] e o corpo

A(X1, . . . , Xn) =

{p(X1, . . . , Xn)

q(X1, . . . , Xn)| p(X1, . . . , Xn), q(X1, . . . , Xn) ∈A[X1, . . . , Xn] e q(X1, . . . , Xn) 6= 0

}

E facil ver que se K e o corpo de fracoes de A, entao

A(X1, . . . , Xn) = K(X1, . . . , Xn).

Dado um polinomio

p(X1, . . . , Xn) =∑

ai1...inXi11 · · ·X in

n ∈ A[X1, . . . , Xn],

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

podemos definir a funcao polinomial:

p : An −→ A(α1, . . . , αn) 7−→

∑ai1,...,inα

i11 · · ·αinn = p(α1, . . . αn).

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

Dois polinomios iguais determinam a mesma funcao polinomial, mas doispolinomios distintos podem definir a mesma funcao polinomial. Isto nova-mente nao ocorre se A e um domınio infinito, como veremos adiante.

PROPOSICAO 1.9. Sejam A e um domınio infinito e p(X1, . . .Xn) umpolinomio em A[X1, . . . , Xn]−{0}. Entao existem infinitos (α1, . . . , αn) ∈ Antais que p(α1, . . . , αn) 6= 0.

DEMONSTRACAO : Vamos provar por inducao em n. Se n = 1, o resul-tado segue do Corolario 3 do Teorema 1. Suponha o resultado valido paran− 1 e seja

p(X1, . . . , Xn) =∑

ai1...inXi11 · · ·X in

n =

0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

Page 36: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

36 CAPITULO 1. POLINOMIOS

=∑ ∑

(ai1...inXi11 · · ·X

in−1

n−1 )Xnin .

0≤in≤rn 0≤i1≤r1...

0≤in−1≤rn−1

Como p(X1, . . . , Xn) 6= 0, para algum in temos que,

∑ai1...inX

i11 · · ·X

in−1

n−1 6= 0,

0≤i1≤r1...

0≤in−1≤rn−1

logo, pela hipotese de inducao, existem α1, . . . αn−1 ∈ A tais que,∑

ai1...inαi11 · · ·α

in−1

n−1 6= 0,

0≤i1≤r1...

0≤in−1≤rn−1

logo o polinomio p(α1, . . . , αn−1, Xn) =

=∑ ∑ (

ai1...inαi11 · · ·α

in−1

n−1

)X inn ∈ A[Xn]

0≤in≤rn 0≤i1≤r1...

0≤in≤rn

e nao nulo e logo possui um numero finito de raızes. Para infinitos valores deαn ∈ A (os elementos de A que nao sao raızes de p(α1, . . . , αn−1, Xn)) temosque p(α1, . . . , αn) 6= 0, o que prova o resultado.

COROLARIO 1.16. Seja A um domınio infinito. Sejam ainda os po-linomios p(X1, . . . , Xn) e q(X1, . . . , Xn) em A[X1, . . .Xn] tais que

p(α1, . . . , αn) = q(α1, . . . , αn) ∀ (α1, . . . , αn) ∈ An.Entao p(X1, . . . , Xn) = q(X1, . . . , Xn).

Page 37: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

1.5. POLINOMIOS EM VARIAS INDETERMINADAS 37

DEMONSTRACAO : Suponha por absurdo que

p(X1, . . . , Xn)− q(X1, . . . , Xn) 6= 0,

logo pela proposicao 9, existem (α1, . . . , αn) ∈ An tais que

p(α1, . . . , αn)− q(α1, . . . , αn) 6= 0.

Mas, pela proposicao, existem α1, . . . , αn ∈ A tais que

p1(α1, . . . , αn)− p2(α1, . . . , αn) 6= 0,

o que e uma contradicao.

PROPOSICAO 1.10. Seja K um corpo algebricamente fechado e seja

f(X1, . . . , Xn) ∈ K[X1, . . . , Xn]−K com n ≥ 2.

Entao o conjunto

VK(f) = {(α1, . . . , αn) ∈ Kn | f(α1, . . . , αn) = 0}

e infinito.

DEMONSTRACAO : Como f(X1, . . . , Xn) nao esta em K, entao pelomenos uma das indeterminadas figura em f(X1, . . . , Xn). Sem perda de ge-neralidade, podemos supor que seja Xn. Escrevemos

f(X1, . . . , Xn) =

f0(X1, . . . , Xn−1) + f1(X1, . . . , Xn−1)Xn + · · ·+ fd(X1, . . . , Xn−1)Xdn

como polinomio em (K[X1, . . . , Xn−1])[Xn], com fd(X1, . . . , Xn−1) 6= 0 ed ≥ 1. Pela Proposicao 9, existem infinitos elementos (α1, . . . , αn) ∈ Kn−1

tais que fd(α1, . . . , αn−1) 6= 0 e para cada escolha de tais (α1, . . . , αn−1) existeαn ∈ Kn−1 raiz da equacao f(α1, . . . , αn−1, Xn) = 0, pois K e algebricamentefechado, o que prova a assercao.

Page 38: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

38 CAPITULO 1. POLINOMIOS

PROBLEMAS 1.5.

1. Sejam A um domınio de integridade e p, q ∈ A[X1, . . . , Xn].Mostre que,

(a) gr(p · q) = gr(p) + gr(q).

(b) Se p e q sao homogeneos, entao p · q e homogeneo.

(c) Se p e homogeneo e p = p1 · p2 em A[X1, . . . , Xn], entao p1 e p2

sao homogeneos.

2. Seja K um corpo. Se Fm, Fm+1 ∈ K[X1, . . . , Xn] sao homogeneos degraus respectivamente m e m + 1, sem fatores nao constantes em co-mum, mostre que Fm + Fm+1 e irredutıvel em K[X1, . . . , Xn].

3. Seja K um corpo. Mostre que Y 2 + p(X1, . . . , Xn) ∈ K[X1, . . . , Xn, Y ],onde p(X1, . . . , Xn) ∈ K[X1, . . . , Xn], e irredutıvel se, e somente se,p(X1, . . . , Xn) nao e o quadrado de um polinomio em K[X1, . . . , Xn].Em particular, mostre que Y 2 − X(X − 1)(X − λ), com λ ∈ K, eirredutıvel em K[X, Y ] .

4. Seja K um corpo algebricamente fechado. Seja p(X1, X2) ∈ K[X1, X2]um polinomio homogeneo de grau m ≥ 1.Mostre que existem αi, βi ∈ K, i = 1, . . . , m tais que,

p(X1, X2) = (α1X1 + β1X2) · (α2X1 + β2X2) · · · (αmX1 + βmX2).

5. (a) Seja A um anel. Sejam p(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn] e Y umaindeterminada sobre A[X1, . . . , Xn]. Mostre que p(X1, . . . , Xn) eum polinomio homogeneo de grau m se, e somente se,

p(Y X1, . . . , Y Xn) = Y mp(X1, . . . , Xn)

(Como polinomio em A[X1, . . . , Xn]).

(b) Seja p(X1, X2, X3) ∈ R[X1, X2, X3]. Mostre que V R(p) e um conecom vertice na origem de R3 se, e somente se, p(X1, X2, X3) e umpolinomio homogeneo.

6. O polinomio f(X1, X2) = X21 +X2

2 e irredutıvel em R[X1, X2] ? Deter-mine V R(f). Responda as mesmas perguntas em C[X1, X2].

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1.5. POLINOMIOS EM VARIAS INDETERMINADAS 39

7. SejaK um corpo algebricamente fechado e f(X1, . . . , Xn) um polinomioem K[X1, . . . , Xn]. Mostre que VK(f) e nao vazio se, e somente se,f(X1, . . . , Xn) ∈ K∗. De um exemplo onde nao vale o resultado seK = R.

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40 CAPITULO 1. POLINOMIOS

Page 41: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 2

DERIVACAO EMULTIPLICIDADE

2.1 Derivada Primeira

Seja K um corpo. Define-se o operador DX1 em K[[X]] (i.e. D1

X e umaaplicacao de K[[X]] em si proprio) como segue

D1X : K[[X]] −→ K[[X]]

f(X) =∑∞

i=0 aiXi 7−→ D1

Xf(X) =∑∞

i=0 iaiXi−1

Este e chamado operador de derivacao de ordem 1 e tem propriedadesnotaveis que o tornam muito util. A serie de potencias D1

X e chamada deri-vada primeira ou simplesmente derivada de f(X). Usa-se tambem a notacaoD1X = f ′(X). Segue claramente da definicao que D1

X(K[X]) ⊂ k[X].

PROPOSICAO 2.1. Sejam f(X), g(X) ∈ K[X], a ∈ K e m ∈ N. Temosque

1. D1X(f(X) + ag(X)) = f ′(X) + ag′(X).

2. D1X(f(X) · g(X)) = f ′(X) · g(X) + f(X) · g′(X).

3. D1X((f(X))m = m(f(X))m−1 · f ′(X) .

Demonstracao:

41

Page 42: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

42 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

1. A demonstracao deste item segue diretamente da definicao.

2. Em virtude do Problema 1.4 do Capıtulo 1, basta provar a formulapara produtos da forma Xng(X). Seja g(X) =

∑∞i=0 biX

i, temos que

D1X(Xng(X)) = D1

X

( ∞∑

i=0

biXn+i

)=

∞∑

i=0

(n + i)biXn+i−1 =

= nXn−1∞∑

i=0

biXi +Xn

∞∑

i=0

ibiXi =

(D1XX

n)g(X) +XnD1

Xg(X)

3. A demonstracao pode ser feita por inducao sobre m e a deixamos acargo do leitor.

O proximo resultado vai caracterizar aquelas series de potencias que temderivada nula.

PROPOSICAO 2.2. 1. Se car(K) = 0 entao, D1Xf(X) = 0 se, e so-

mente se, f(X) ∈ K.

2. Suponha car(K) = p > 0. Entao D1Xf(X) = 0 se, e somente se,

f(X) = b0 + b1Xp + b2X

2p + · · · , com bi ∈ K, ∀i ∈ Z+

Demonstracao: Seja f(X) =∑∞

i=0 aiXi ∈ K[[X]]. D1

Xf(X) = 0 se, esomente se, iai = 0 para todo i ∈ Z+. Por I-7, Problema 3.1, esta ultimacondicao e equivalente a i ≡ 0 mod car(K) ou ai = 0.

1. Se car (K) = 0, isto e equivalente a 0 = a1 = a2 = · · · , isto e,f(X) = a0 ∈ K.

2. Se car (K) = p > 0, isto e equivalente a i ≡ 0 mod p se ai 6= 0. Assim,D1Xf(X) = 0 se, e somente se, f(X) = a0 + apX

p + a2pX2p + · · · . O

resultado segue definindo bj = ajp, ∀ j ∈ Z+.

Se um polinomio p(X) e divisıvel por (X − α)m, onde α ∈ K e m ∈ N,e nao e divisıvel por (X − α)m+1, dizemos que α e raiz de multiplicidadem de p(X). Se m ≥ 2, dizemos que α e raiz multipla de p(X). Note quese (X−α)l divide p(X), entao α e raiz de multiplicidade pelo menos l de p(X).

Damos a seguir uma caracterizacao daqueles polinomios que tem raızesmultiplas em termos de derivadas.

Page 43: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.1. DERIVADA PRIMEIRA 43

PROPOSICAO 2.3. Um elemento α ∈ K e raiz multipla de p(X) ∈ K[X]se, e somente se, p(α) = p′(α) = 0.

Demonstracao: Por um lado, suponha que p(X) = (X − α)m · q(X) comm ≥ 2. Logo, pela Proposicao 1, (2) e (3) temos que

p′(X) = (x− α)m · q′(X) +m(X − α)m−1 · q(X).

Como m ≥ 2 e claro que p(α) = p′(α) = 0. Reciprocamente, Como p(α) = 0,temos que p(X) = (X−α)·q(X). Derivando ambos os lados desta igualdade,temos p′(X) = q(X)+ (X−α) · q1(X). Desta igualdade e de p′(α) = 0 segueque q(α) = 0 e daı que q(X) = (X − α) · q1(X) para algum q1(X) ∈ K[X].Consequentemente p(X) = (X−α)2 ·q1(X) e portanto α e uma raiz multiplade p(X).

COROLARIO 2.1. Seja K um corpo algebricamente fechado. p(X) ∈K[X] nao tem raızes multiplas em K se, e somente se, (p(X), p′(X)) = 1.

Demonstracao: Sendo K um corpo algebricamente fechado, os polinomiosp(X) e p′(X) tem raiz comum se, e somente se, eles tem um fator nao cons-tante comum. O resultado segue entao da Proposicao 3.

COROLARIO 2.2. Se car (K) = 0 e se p(X) ∈ K[X] e irredutıvel, entaop(X) nao pode ter raiz multipla em nenhuma extensao F de K.

Demonstracao: Note inicialmente que se car (K) = 0 e p(X) e irredutıvelentao p′(X) 6= 0 e (p(X), p′(X)) = 1. A primeira destas assercoes segue daProposicao 2. Para a segunda, suponha por absurdo que (p(X), p′(X)) 6= 1,logo p(X) e p′(X) tem um fator nao constante em comum e como p(X) eirredutıvel este fator comum e um associado de p(X), o que e impossıvel poisgr(p′(X)) < gr(p(X)). Como (p(X), p′(X)) = 1 em K[X], o mesmo ocorreem F [X], logo pelo Corolario 1, p(X) nao tem raızes multiplas em F .

PROPOSICAO 2.4. Seja p(X ∈ K[X]) com car(K) = 0. Entao α e raizde multiplicidade m ≥ 1 de p(X) se, e somente se, α e raiz de p(X) e raizde multiplicidade m− 1 de p′(X).

Page 44: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

44 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

Demonstracao: Por um lado, suponha que α seja uma raiz de multiplici-dade m de p(X). Temos entao que

p(X) = (X − α)mq(X), com q(X) ∈ K[X] e q(α) 6= 0.

Segue entao que p′(X) = m(X−α)m−1q(X)+(X−α)mq′(X), portanto temosclaramente que (X − α)m−1 | p′(X).Vamos provar que (X −α)m nao divide p′(X). De fato, se (X −α)m | p′(X),entao (X − α)m | m(X − α)m−1q(X), logo (X − α) | mq(X) e portantomq(α) = 0. Como car(K) = 0, segue que q(α) = 0 o que e uma contradicao.Reciprocamente, suponha que p(α) = 0 e que α e raiz de multiplicidadem− 1 de p′(X). Seja r a multiplicidade da raiz α de p(X), logo r ≥ 1 e pelaprimeira parte da demonstracao, α e raiz de multiplicidade r− 1 de p′(X) eportanto r − 1 = m− 1 e portanto r = m.

Dado um polinomio p(X) ∈ K[X] podemos definir as suas derivadas ite-radas do seguinte modo:

p′′(X) e a derivada de p′(X), ou seja p′′(X) = D1X(D1

X(p(X)),

p′′′(X) e a derivada de p′′(X), ou seja p′′′(X) = D1X(D1

X(D1X(p(X))),

......

...

p(n)(X) e a derivada de p(n−1)(X), ou seja p(n)(X) = D1X(D

(n−1)X (p(X)).

COROLARIO 2.3. Seja car (K) = 0 e p(X ∈ K[X]). Um elemento α ∈ Ke raiz de multiplicidade m ≥ 2 de p(X) se, e somente se,

p(α) = p′(α) = · · · = p(m−1)(α) = 0 e p(m)(α) 6= 0.

Demonstracao: Por um lado, se α e raiz de multiplicidade m de p(X),entao α e raiz de multiplicidade m− 1 de p′(X), logo raiz de multiplicidade(m − 2) de p′′(X), etc. ate concluirmos que α e raiz de multiplicidade 1 dep(m−1)(X) e portanto p(m) 6= 0. Segue entao que

p(α) = p′(α) = · · · = p(m−1)(α) = 0 e p(m)(α) 6= 0.

Reciprocamente, sendo p(m−1)(α) = 0 e p(m)(α) 6= 0 tem-se que α e raiz demultiplicidade 1 de p(m−1)(X) e portanto de multiplicidade 2 de p(m−1)(X)

Page 45: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.1. DERIVADA PRIMEIRA 45

e assim sucessivamente ate concluirmos que α e raiz de multiplicidade m dep(X).

Exemplo 1 : A derivacao permite obter algumas formulas interessantes.Por exemplo, derivando ambos os membros a identidade:

(X + 1)n =

(n0

)Xn +

(n1

)Xn−1 + · · ·+

(n

n− 1

)X +

(nn

),

e fazendo X = 1 obtemos a igualdade

n · 2n−1 = n

(n0

)+ (n− 1)

(n1

)+ · · ·+

(n

n− 1

).

Exemplo 2 : Na Proposicao 5, Capıtulo 1, demos a formula de interpolacaode Lagrange. Recordando, e o unico polinomio de grau menor do que n queassume o valor bi quando avaliado em ai onde os ai

′s sao dois a dois distintose os b′is nao sao todos nulos, i = 1, . . . , n e o polinomio

p(X) =

n∑

i=1

bi(X − a1) . . . (X − ai−1) · (X − ai+1) · · · (X − an)(ai − a1) · · · (ai − ai−1) · (ai − ai+1) · · · (ai − an)

Podemos reescrever esta formula, usando derivadas, do seguinte modo maissintetico:

p(X) =n∑

i=1

f(X)

(X − ai)· bif ′(ai)

, onde f(X) = (X − a1) · · · (X − an).

PROBLEMAS 2.1.

1. Ache a multiplicidade da raiz 1 do polinomio

X5 − 3X4 + 5X3 − 7X2 + 6X − 2.

Determine as demais raızes.

2. Ache as raızes da equacao X3−(3+√

2)X2+(1+2√

2)X+(1+√

2) = 0,sabendo-se que esta tem uma raiz dupla.

Page 46: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

46 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

3. Mostre que o polinomio X(Xn−1 − nan−1) + an(n − 1) e divisıvel por(X − a)2, mas nao e divisıvel por (X − a)3, onde a 6= 0 e n ≥ 2.

4. Mostre que se n ≥ 3, entao (1−X)3 divide o polinomio

(1−Xn)(1 +X)− 2nXn(1−X)− n2Xn(1−X)2

5. Determine os possıveis valores de m, p e q em C de modo que o po-linomio X6 +mX4 + 10X3 + pX + q tenha uma raiz quadrupla em C.Determine, neste caso, as raızes do polinomio.

6. Seja ξ 6= 1 uma raiz n-esima da unidade e seja

p(X) = Xn−1 +Xn−2 + · · ·+X + 1.

Mostre que:

(a) p′(ξ) = nξ(ξ−1)

.

(b) ξ + 2ξ2 + · · ·+ (n− 1)ξn−1 = nξ−1

.

7. (a) Mostre que o resto da divisao de um polinomio p(X) ∈ K[X] port((X) = (X − x1) · (X − xn), onde x1, . . . , xn ∈ K sao dois a doisdistintos, e

n∑

i=1

t(X)

(X − xi)p(xi)

t′(xi)

(Sugestao: Use a formula do Exemplo 2)

(b) Ache o resto da divisao de X9+3X7+4X6+X4−X3+2X2−X+1por X(X + 1)(X − 1)

8. De um contraexemplo para o Corolario 1 quando K = R.

9. De um contraexemplo para a Proposicao 4 quando car(K) > 0.

10. (a) Mostre que

(X i)(n) =

{0, se i < ni(i− 1) · · · (i− n+ 1)X i−n, se i ≥ n.

(b) Mostre que se n ≥ car(K), entao (p(X))(n) = 0 ∀ p(X) ∈ K[X].

(c) Conclua que se car(K) = 2, entao

(p(X))(n) = 0 ∀ p(X) ∈ K[X], ∀ n ≥ 2.

Page 47: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.2. DIVISAO POR X − A 47

2.2 Divisao por X − aFrequentemente dividiremos polinomios por X − a, por isso desenvolve-

mos um metodo pratico para efetuar tais divisoes.

Seja p(X) = a0 + a1X + · · · + anXn ∈ A[X], vamos usar o metodo dos

coeficientes a determinar para achar q(X) = b)+b1X+· · ·+bn−1Xn−1 ∈ A[X]

e r ∈ A tais que

p(X) = (X − a) · (b0 + b1X + · · ·+ bn−1Xn−1) + r

= bn−1Xn + (bn−2 − a · bn−1)X

n−1 + (bn−3 − a · bn−2)Xn−2 + · · ·+

+ (b0 − a · b1)X + r − a · b0

Igualando os coeficientes correspondentes, obtem-se

bn−1 = anbn−2 = an−1 + a · bn−1

bn−3 = an−2 + a · bn−2...

b0 = a1 + a · b1r = a0 + a · b0

Destas igualdades, deduz-se o seguinte dispositivo pratico:

an an−1 an−2 · · · a1 a0

a an an−1 + a · bn−1 an−2 + a · bn−2 · · · a1 + a · b1 a0 + a · b0

↓ ↓ ↓ ↓ ↓

bn−1 bn−2 bn−3 · · · b0 r = p(a)

Exemplo 1 : Dividamos p(X) = 8X6 − 7X5 + 4X4 + X3 − 3X2 + 1 porX + 2

8 −7 4 1 −3 0 1

−2 8 −23 50 −99 195 −390 781

Page 48: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

48 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

Portanto q(X) = 8X5−23X4+50X3−99X2+195X−390 e r = p(−2) = 781.

Exemplo 2 : Dividamos p(X) = X5 + 4X4 + 2X2 +X + 1 por 2X + 1

1 4 0 2 1 1

12

1 92

94

258

4116

7332

Portanto

p(X) =

(X − 1

2

)·(X4 +

9

2X3 +

9

4X2 +

25

8X +

41

16

)+

73

32,

segue daı que

p(X) = (2X − 1) ·(

1

2X4 +

9

4X3 +

9

8X2 +

25

16X +

41

32

)+

73

32,

logo

q(X) =1

2X4 +

9

4X3 +

9

8X2 +

25

16X +

41

32e r = p

(1

2

)+

73

32.

Exemplo 3 : Dividamos p(X) = Xn − an por X − a

1 0 0 · · · 0 −an

a 1 a a2 · · · an−1 0

Portanto q(X) = Xn−1 + a ·Xn−2 + a2 ·Xn−3 + · · ·+ an−1 e r = p(a) = 0.

Sejam p(X) ∈ A[X] um polinomio de grau n e a ∈ A. Considere asseguintes igualdades:

p(X) = (X − a) · q1(X) + r0q1(X) = (X − a) · q2(X) + r1q2(X) = (X − a) · q3(X) + r2

... =qn−1(X) = (X − a) · qn(X) + rn−1

Page 49: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.2. DIVISAO POR X − A 49

Por consideracao de graus, temos que qn(X) ∈ A. Pondo rn = qn(X) esubstituindo uma equacao na outra, no sistema acima, obtemos

p(X) = r0 + r1 · (X − a) + r2 · (X − a)2 + · · · rn−1 · (X − a)n−1 + rn · (X − a)n.

Esta e a expressao de p(X) em potencias crescentes de (X − a). As divisoessucessivas por (X − a) nos fornecem um algoritmo pratico para determinartal expressao.

Seja p(X) = a0 + a1X + a2X2 + · · · + anX

n. Obtemos r0, r1, r2, . . . , rncomo segue

an an−1 · · · a1 a0 −an

a Coeficientes de q1(X) r0a Coeficientes de q2(X) r1... · · · · · ·a Coeficientes de qn(X) rn−1

a rn

Exemplo 4 : Vamos expandir X5 − 1 em potencias crescentes de X − 1.

1 0 0 0 0 −11 1 1 1 1 1 01 1 2 3 4 51 1 3 6 101 1 4 101 1 5

1

Assim, X5−1 = 5(X−1)+10(X−1)2+10(X−1)3+5(X−1)4+(X−1)5.

Exemplo 5 : Vamos expandir p(X) = X6+4X5+7X4−3X3+X2−2X+1em potencias crescentes de X + 2.

Page 50: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

50 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

1 4 7 −3 1 −2 1−2 1 2 3 −9 17 −36 73−2 1 0 3 −15 47 −130−2 1 −2 7 −29 105−2 1 −4 15 10−2 1 −6 27−2 1 −8

1

Assim,

p(X) = 73− 130(X + 2) + 105(X + 2)2 − 59(X + 2)3++27(X + 2)4 − (X + 2)5 + (X + 2)6.

Sejam K um corpo, p(X) ∈ K[X] e a ∈ K. Derivando sucessivamente aigualdade

p(X) = r0 + r1 · (X − a) + r2 · (X − a)2 + · · · rn−1 · (X − a)n−1 + rn · (X − a)n.

temos que,

p′(X) = r1 + 2r2(X − a) + 3r3(X − a)2 + · · ·+ nrn−1(X − a)n−1

p′′(X) = 2r2 + 3 · 2r3(X − a) + 4 · 3r4(X − a)2 + · · ·...

pi(X) = i! ri + (i+ 1) · i! ri+1(X − a) + · · ·...

p(n)(X) = n! rn

Avaliando este polinomios em a, obtemos que

r0 = p(a),r1 = p′(a),r2 = 1

2!p′′(a),

...ri = 1

i!p(i)(a),

...rn = 1

n!p(n)(a).

Portanto se car(K) = 0 ou car(K) > n, temos a formula de Taylor,

Page 51: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.2. DIVISAO POR X − A 51

p(X) = p(a) + p′(a) · (X − a) +p′′(a)

2!· (X − a)2 + · · ·+ p(n)(a)

n!(X − a)n.

Observe tambem que as derivadas sucessivas p(a), p′(a), . . . , p(n)(a) po-dem ser calculadas a partir de r0, r1, . . . , rn mediante divisoes sucessivas por(X − a).

Exemplo 6 : Seja p(X) = X6 + 4X5 + 7X4− 3X3 +X2− 2X + 1 ∈ Q[X].Pela discussao acima e pelos calculos do Exemplo 5, temos que

p(−2) = 73, p′(−2) = −130,p′′(−2) = 1

2!· 105105

2, p′′′(−2) = 1

3!· (−59) = −59

6,

p(4)(−2) = 14!· 27 = 9

8, p(5)(−2) = 1

5!· (−8) = −1

15

p(6)(−2) = 16!

= 1720.

PROBLEMAS 2.2.

1. Divida:

(a) −X4 + 7X3 − 4X2 por X + 3,

(b) X4 + 5X3 + 7X − 1 por X − 3,

(c) 10X3 − 2X2 + 3X − 1 por 2X − 3,

(d) X4 +X3 −X2 + 1 por 3X + 2.

2. Seja n ∈ N. Ache o quociente e o resto da divisao de

(a) nXn+1 − (n+ 1)Xn + 1 por (X − 1)2,

(b) nXn+2 − (n+ 2)Xn+1 + (n+ 2)X − n por (X − 1)3.

3. Resolva a equacao 2X3 + 3X2 − 4X − 6 = 0, sabendo-se que ela temuma raiz α = −3

2.

4. Resolva a equacao 2X4 + 5X3 + 5X2 − 2 = 0 sabendo-se que ela temuma α = −1 e outra raiz β = 1

2.

5. Seja p(X) = X7 + 2X6 + X5 + 3X4 − X3 + 4X2 − 2X + 5 ∈ Z13[X].Desenvolva p(X) segundo as potencias crescentes de X − 1. Calculep(i)(1) para i = 0, 1, 2, . . . , 7.

Page 52: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

52 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

2.3 Derivadas de ordem superior

Seja K um corpo e seja f(X) ∈ K[[X]]. Se Y e uma indeterminada sobreK[[X]], podemos considerar f(X + Y ) como elemento de K[[X]][[Y ]] e comotal tem uma expressao unica da forma

f(X + Y ) = f0(X) + f1(X)Y + f2(X)Y 2 + · · ·+ fm(X)Y m + · · · ,

com f0(X), f1(X), f2(X), . . . ,∈ K[[X]].

Definimos uma famılia infinita de operadores em K[[X]] como segue,∀ m ∈ Z+:

DmX : K[[X]] −→ K[[X]]

f(X) 7−→ DmX f(X) = fm(X)

PROPOSICAO 2.5. DmXX

n =

(nm

)Xn−m ∀ m,n ∈ Z+.

Se f(X) =∑∞

i=0 aiXi ∈ K[[X]], entao Dm

Xf(X) =∑∞

i=0 aiDmXX

i.

Demonstracao: Pela formula do binomio de Newton temos que

(X + Y )n =n∑

m=0

(nm

)Xn−mY m,

de onde segue a primeira afirmacao. A segunda afirmacao segue da ob-servacao que o coeficiente de Y m em f(X + Y ) =

∑∞i=0 ai(X + Y )i e a soma,

∀ i ∈ Z+, dos coeficientes de Y m em ai(X + Y )i (que e igual a ai vezes ocoeficiente de Y m em (X + Y )i).

Segue imediatamente da Proposicao 5 que DmX(K[X]) ⊂ K[X] ∀ m ∈ Z+.

TEOREMA 2.1. Sejam f(X), g(X) ∈ K[[X]] e c ∈ K. A famılia deoperadores (Dm

X )m∈Z+ possui as seguintes propriedades:

1. D0X = Id; D1

X = derivacao de ordem 1; DmXc = 0 ∀ m ∈ N.

2. DmX(f(X) + cg(X)) = Dm

Xf(X) + cDmXg(X) ∀ m ∈ Z+.

3. DmX(f(X) · cg(X)) =

∑mi=0D

iXf(X) ·Dm−i

X g(X) ∀ m ∈ Z+.

Page 53: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.3. DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 53

4. DmX ◦Dn

X =

(m+ nn

)Dm+nX ∀ m ∈ Z+.

Demonstracao:

1. Da Proposicao 5 temos que D0XX

n = Xn e D1XX

n = nXn−1. Dasegunda afirmacao da Proposicao 5 temos que D0

Xf(X) = f(X) eD1Xf(X) = f ′(X). A igualdade Dm

Xc = 0 ∀ m ∈ N segue direta-mente da definicao.

2. Segue facilmente da Proposicao 5.

3. Denotando por (f · g)(X + Y ) a serie de potencias em K[[X]][[Y ]]correspondente a f(X)·g(X) onde se substitui X porX+Y , o resultadosegue da seguinte igualdade em K[[X]][[Y ]]:

(f · g)(X + Y ) = f(X + Y ) · g(X + Y ).

4. Pela Proposicao 5, DmXf(X) e calculavel por linearidade a partir dos

valores de DmXX

i, i ∈ Z+. Portanto para provar (4) basta verificar quevale a igualdade quando os dois operadores sao aplicados a X i, paratodo i ∈ Z+. De fato,

DmX ◦Dn

XXi = Dm

X

(in

)X i−n =

(in

)·(

im+ n

)

e (m+ nn

)Dm+nX X i =

(m+ nn

)·(

im+ n

)X i−(m+n)

Uma verificacao direta mostra que(

in

)·(i− nm

)=

(m+ nn

)·(

im+ n

),

o que prova o resultado.

Os operadores DmX permitem generalizar para cacaterıstica positiva al-

guns dos resultados da Secao 1 provados para car(K) = 0.

Usaremos a seguinte notacao, se α ∈ K, f(X) ∈ K[X] e m ∈ Z,

DmXf(α) = Avα(D

nXf(X))

Page 54: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

54 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

onde Avα e a funcao avaliacao introdizida no Capıtulo 1, Problema 1.8.

O proximo resultado e uma generalizacao do Corolario da Proposicao 4.

PROPOSICAO 2.6. Seja p(X) ∈ K[X]. Um elemento α ∈ K e raiz demultiplicidade m ≥ 2 de p(X) se, e somente se,

p(α) = D1Xp(α) = · · ·Dm−1

X p(α) = 0 e DmXp(α) 6= 0.

Demonstracao: Na expressao

f(X + Y ) = f(X) +D1Xf(X)Y + · · ·+Dm

Xf(X)Y m + · · · ,

substituindo X por α e Y por (X − α), temos que

f(X) = f(α) +D1Xf(α)(X − α) + · · ·+Dm

Xf(α)(X − α)m + · · · .

O resultado segue imediatamente da expressao acima.

Do Teorema 1 (4) e por inducao, segue facilmente que

(D1X)m = D1

X ◦D1X ◦ · · · ◦D1

X = m! DmX .

Portanto, se car(K) = 0, temos que DmX = 1

m!(D1

X)m, ∀ m ∈ Z+ e con-sequentemente, os operadores Dm

X sao todos determinados por D1X atraves

de iteracoes.

Se car(K) = p > 0, o quadro e bem diferente. Por exemplo, se p < m,entao (D1

X)m = 0, sem que DmX seja nulo. Portanto as iteracoes de D1

X naosao suficientes para determinar todos os operadores Dm

X . Afim de esclarecera situacao temos o seguinte resultado:

TEOREMA 2.2. Seja K um corpo de caracterıstica p > 0 e seja m ∈ Z.Considere a expansao p-adica de m, isto e, m =

∑si=0mip

i, com 0 ≤ mi < p.Tem-se que

DmX =

1

m0! · · ·ms!(Dps

X )ms ◦ · · · ◦ (D1X)m0 .

Page 55: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

2.3. DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 55

Demonstracao: Se 0 ≤ 1 < p e r ∈ Z, temos que (Dpr

X )l = l! Dlpr

X . Isto

segue do Teorema 1 (4), inducao sobre l e a congruencia

(ips

ps

)≡ i mod p

(cf. I-6, Problema 1.16). Agora usando argumentos semelhantes temos que

Dmipi

X ◦Dm0+m1p+···+mi−1pi−1

X =

=

(m0 + · · ·mip

i

m0 + · · ·+mi−1pi−1

)Dm0+···+mi−1p

i−1

X = Dm0+···+mipi

X .

Daı segue que

(Dps

X )ms ◦ · · · ◦ (D1X)m0 = m0! · · ·ms! D

msps+···+m0

X = m0! · · ·ms!DmX ,

o que prova o resultado.

O Teorema 2 em particular nos mostra que os operadores DmX sao gerados

por composicoes dos operadores D1X , D

pX , D

p2

X , . . . , Dps

X , . . .No calculo diferencial em caracterıstica p e fundamental compararmos os

desenvolvimentos p-adicos de dois inteiros. Sejam

m = m0 +m1p1 + · · ·+msp

s, 0 ≤ mi < p, i = 0, 1, . . . , se n = n0 + n1p

1 + · · ·+ nsps, 0 ≤ ni < p, i = 0, 1, . . . , s

Dizemos que n e p-adicamente maior ou igual do que m , escrevendo,n≥pm, se, e somente se, ni ≥ mi, ∀ i = 0, 1, . . . , s.

Da congruencia fundamental (I-6, Problema 1.16) sabemos que

(nm

)≡(

n0

m0

)· · ·(

nsms

)mod p,

e, portanto, (nm

)6= 0 mod p ⇔ n≥pm.

Os operadores DmX foram introduzidos por H. Hasse em 1936, sendo fun-

damentais no desenvolvimento da Geometria Algebrica em caracterıstica po-sitiva. Estes operadores, nesta mesma decada, foram extensivamente usa-dos por F. K. Schmidt na sua teoria de pontos de Weierstrass para curvasalgebricas definidas sobre corpos de caracterıstica positiva e por isto sao usu-alemnte chamados de operadores diferenciais de Hasse-Schmidt. Fato curioso

Page 56: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

56 CAPITULO 2. DERIVACAO E MULTIPLICIDADE

e que estes operadores tenham sido independentemente redescobertos entre1948 e 1950 por J. Dieudonne que os chamou de semi-derivacoes.

PROBLEMAS 2.3.

1. Sejam m,n ∈ Z+. Mostre que DmXX

n 6= 0 ⇔ n≥pm.

2. Sejam f(X) ∈ K[X] com car(K) = p > 0 e m,n ∈ Z+. Mostre que sem≥pn e Dn

Xf(X) = 0 entao DmXf(X) = 0.

3. Seja car(K) = p e seja s ∈ Z+, determineKer (Dps

X ) = {f(X) ∈ K[X] | Dps

X f(X) = 0}.

4. Seja f(X) ∈ K[T ] com car(K) = p > 0 e seja q uma potencia de p.Mostre que

DnXf(Xq) =

(DjTf(T )(Xq)), se n = jq

0, se n 6= 0 mod q

onde (DjTf(T ))(Xq) e o polinomio que se obtem substuindo T por Xq

no polinomio DjTf(T ).

Page 57: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 3

POLINOMIOS COMCOEFICIENTES NUM DFU

Decidir se um polinomio e irredutıvel ou nao em Q[X] e bem mais com-plicado do que decidir se e ou nao irredutıvel em C[X] ou em R[X]. Mostra-remos ainda neste capıtulo que existem polinomios irredutıveis de todos osgraus em Q[X]. Um primeiro passo no sentido de estudar a irredutibilidadede um polinomio em Q[X] sera de tentar determinar as suas raızes em Q.Como esta teoria se desenvolve naturalmente em situacao mais geral, e nestecontexto que nos colocamos.

Em todo este capıtulo D sera um D.F.U. e K o seu corpo de fracoes.

3.1 Raızes em K de polinomios em D[X ]

TEOREMA 3.1. Sejam D um D.F.U. e K o seu corpo de fracoes. Sejamainda p(X) = a0 + a1X + · · ·anXn ∈ D[X] e r, s ∈ D primos entre si coms 6= 0. Se r

se uma raiz de p(X), entao r | a0 e s | an.

Demonstracao: Sendo rs

raiz de p(X), tem-se que

a0 + a1r

s+ · · ·+ an−1

rn−1

sn−1+ an

rn

sn= 0.

Multiplicando ambos os membros desta igualdade por sn segue que

sna0 + sn−1ra1 + · · · srn−1an−1 + rnan = 0.

57

Page 58: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

58 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Esta ultima igualdade pode ser reescrita nas duas formas seguintes:

s(sn−1a0 + sn−2ra1 + · · ·+ rn−1an−1) = −rnan (3.1)

e

r(rn−1an + srn−2an−1 + · · ·+ sn−1a1) = −sna0 (3.2)

Como r e s sao primos entre si, o mesmo ocorre com r e sn e para sn e rn.Como de (5) e (6) temos que s | rnan e r | sna0, segue que s | an e r | a0

(veja I-4, Problema 3.2 (i)).

COROLARIO 3.1. Se p(X) ∈ D[X] e monico, entao toda raiz de p(X)em K, encontra-se em D e divide a0 = p(0).

Exemplo 1 : Determinaremos todas as raızes racionais do polinomio se-guinte: p(X) = 4X3 + 11X2 + 45X − 12 ∈ Z[X].

De acordo com o Teorema 1 toda raiz racional rs

de p(X) com r, s ∈ Z[X]e primos entre si e tal que r | 12 e s | 4. Portanto as possibilidades saoas seguintes: r = ±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12 e supondo sem perda degeneralidade s > 0, s = 1, 2, 4. Em princıpio terıamos 36 valores possıveispara r

sa serem testados. Eliminando as repeticoes, ficamos reduzidos a 20

possibilidades:

r

s∈{±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12, ±1

2, ±3

2, ±1

4, ±3

4

}.

Apos algumas tentativas, podendo ser numerosas, chega-se a conclusao quep(X) possui uma unica raiz racional que e 1

4.

O Exemplo acima nos sugere que pode ser muito trabalhoso determinaras raızes racionais de um polinomio. Existem varios criterios para excluirvalores que nao sao raızes.

O metodo que descreveremos a seguir e particularmente simples e bas-tante eficiente.

Page 59: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.1. RAIZES EM K DE POLINOMIOS EM D[X] 59

Seja p(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn ∈ D[X]. Pondo X = Y

anobtem-se,

p(Yan

)= a0 + a1

Yan

+ · · ·+ anY n

ann

=

= 1an−1

n(a0a

n−1n + a1 · an−2

n Y + · · ·+ Y n) =

= 1an−1

nq(Y ).

As raızes em K (logo em D) do polinomio monico q(Y ) ∈ D[Y ], quandodivididas por an nos fornecem as raızes em K de p(X). Podemos entao noslimitar aos polinomios monicos com coeficientes em D.

Sejam q(Y ) ∈ D[X], α ∈ D uma raiz de q(Y ) e c ∈ D um elementoqualquer. Como q(Y ) = (Y − α) · t(Y ) com t(Y ) ∈ D[Y ], temos queq(c) = (c− α) · t(c), e portanto (c− α) | q(c).

Esta observacao nos fornece o seguinte metodo de exclusao:Para achar as raızes em K de um polinomio p(X) ∈ D[X], basta achar

as raızes em D do polinomio monico q(Y ) ∈ D[Y ] e dividı-las por an. Pelocorolario do Teorema 1, os candidatos a raızes em K (e portanto em D) deq(Y ) sao o divisores do coeficiente do seu termo independente a0a

n−1n .

Escolhe-se um candidato c a raiz em D de q(Y ) e calcula-se q(c) usando ometodo pratico de divisao de q(Y ) por Y −c. Dois casos podem se apresentar:

1. Um sucesso, isto e, q(c) = 0. Tem-se entao uma raiz c de q(Y ) e aprocura das outras raızes de q(Y ) se reduz a procura das raızes dopolinomio monico.

2. Um insucesso, isto e, q(c) 6= 0. Deve-se excluir c dentre os candidatos araızes de q(Y ). Pela observacao feita acima, devem ser excluıdos dentreos candidatos a raiz em D os elementos α tais que c − α nao divideq(c). Isto transforma o fracasso em algo extremamente util.

Daremos a seguir um exemplo da aplicacao deste metodo.

Exemplo 2 : Seja p(X) = X4−X3−13X2+16X−48. Procuremos as raızesracionais deste polinomio. Como o polinomio ja e monico nao necessitamosefetuar nenhuma transformacao nele. As raızes racionais de p(X) devem serprocuradas entre os inteiros que dividem −48 que sao:

Page 60: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

60 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

±1, ±2, ±4, ±8, ±16, ±3, ±6, ±12, ±24, ±48.

Calculemos p(1) e p(−1):

1 −1 −13 16 −48

1 1 0 −13 3 −45 = p(1)

−1 1 −2 −11 27 −75 = p(−1)

±1 devem ser excluıdos pois nao sao raızes. Se α fosse raiz, deverıamoster (1 − α) | p(1) e (−1 − α) | p(1). Isto nos permite excluir os seguintesvalores:

±8, ±16, ±3, ±6, ±12, ±24, ±48.

Resta somente testar os seguintes candidatos: ±2, ±4. Calculemos osvalores p(2) e p(−2):

1 −1 −13 16 −48

2 1 2 −11 −6 −60 = p(2)

−2 1 −3 −7 30 −108 = p(−2)

±2 devem ser excluıdos pois nao sao raızes. Se α fosse raiz, deverıamoster (2 − α) | p(2) e (−2 − α) | p(2). Isto nao nos permite excluir nenhumoutro candidato. Resta entao verificar se ±4 sao raızes de p(X). De fato,

1 −1 −13 16 −48

4 1 3 −1 12 0

−4 1 −1 3 0

Portanto 4 e −4 sao raızes de p(X). Temos que

p(X) = (X − 4)(X + 4)(X2 −X + 3).

Isto nos permite achar todas as raızes de p(X) que sao

4, −4,1

2+

√11

2i e

1

2−√

11

2i.

Page 61: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.1. RAIZES EM K DE POLINOMIOS EM D[X] 61

Exemplo 3 : Sejam an ∈ N tais que a nao e potencia n-esima de umnumero natural. Vamos mostrar que n

√a nao e um numero racional. De

fato, pondo b = n√a, temos que b e raiz do polinomio Xn−a. Se b fosse raci-

onal, pelo Corolario do Teorema 1, b seria inteiro e portanto a seria potencian-esima do numero natural b, o que e uma contradicao.

Exemplo 4 : Seja p(X) = X5 + 4X4 + 2X3 − 13X2 − 19X − 5. Vamosdeterminar, se existirem, as raızes em Z[i]. Pelo Teorema 1, tais raızes saodivisores de 5 em Z[i], que sao ±1, ±(1 ± 2i) e ±(1 ± 2i). Dentre esteselementos basta verificar se sao raızes os numeros ±1, 1+2i, −1−2i, −2+ ie 2 − i pois os outros sao conjugados destes (lembre-se que p(α) = 0 se, esomente se p(α) = 0). Testando estes valores, verifica-se que:

p(±1) 6= 0, p(1 + 2i) 6= 0, p(−1− 2i) 6= 0, p(−2 + i) = 0 e p(2− i) = 0.

Logo as raızes de p(X) em Z[i] sao −2 + i e −2− i.

PROBLEMAS 3.1.

1. Ache as raızes racionais dos seguintes polinomios:

a) X4 −X3 −X2 + 19X − 42 b) X3 − 9X2 + 22X − 24c) 2X3 −X2 + 1 d) 10X3 + 19X2 − 30X + 9e) 6X5 +X4 − 14X3 + 4X2 + 5X − 2

2. Determine se e redutıvel ou nao em Q[X] cada polinomio abaixo:

a) 2X2 − 3X + 1 b) X2 − 2c) X2 +X + 1 d) 4X3 + 3X2 + 3X − 1e) X3 + 5X2 + 4X + 1 f) X3 + 6X2 + 8X − 1

3. (a) Mostre que α =√

2 +√

3 e raiz do polinomio X4 − 10X2 + 1 eprove que α e irracional.

(b) Mostre que√

5 +√

7 e irracional.

(c) Mostre que 3√

2−√

3 e irracional.

4. (a) Mostre que cos20◦ satisfaz a equacao 8X3 − 6X − 1 = 0.(Sugestao: Veja I-9, Problema 3.5).

Page 62: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

62 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

(b) Prove que cos20◦ e irracional.

5. Determine os inteiros t para os quais a equacao

X4 − 3X3 + tX2 − 4X + t− 1 = 0

tenha uma raiz racional.

6. (a) Seja p(X) ∈ Z[X], a, b ∈ Z e m ∈ N. Mostre que se a ≡ b mod mentao p(a) ≡ p(b) mod m.

(b) Seja {r1, r2, . . . , rm} um sistema completo de resıduos modulo m.Mostre que, se p(X) tem uma raiz em Z, entao pelo menos umdos seguintes numeros e divisıvel por m: p(r1), p(r2), . . . , p(rm).

(c) Prove que se p(X) ∈ Z[X] e se p(0) e p(1) sao ımpares, entao p(X)nao tem raızes inteiras.

(d) Mostre que se p(X) ∈ Z[X] e se nenhum dos numeros inteirosp(−1), p(0) e p(1) e divisıvel por 3, entao p(X) nao tem raızesinteiras.

3.2 O Teorema de Gauss

Seja D um domınio de fatoracao unica e seja X uma indeterminada sobreD. Seja p(X) ∈ D[X]. Um conteudo de p(X) e um maximo divisor comumdos seus coeficientes. O polinomio p(X) ∈ D[X] sera chamado primitivo seos seus coeficientes sao primos entre si, ou seja, se ele possui um conteudoinvertıvel.

LEMA 3.1. Seja D um D.F.U. e K o seu corpo de fracoes. Dado umpolinomio p(X) ∈ D[X], existem a ∈ K − {0} e q(X) ∈ D[X] primitivo,unicos, a menos de fatores invertıveis em D, tais que p(X) = aq(X).

Demonstracao: Multiplicando p(X) por um elemento d ∈ D − {0} con-veniente, de modo a eliminar os denominadores dos seus coeficientes, temosque d · p(X) ∈ D[X]− {0}. Pondo em evidencia um maximo divisor comumc dos coeficientes de c · p(X), obtemos

p(X) =1

d· d · p(X) =

c

d· q(X),

Page 63: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.2. O TEOREMA DE GAUSS 63

com cd∈ K − {0} e q(X) ∈ D[X] um polinomio primitivo.

Provaremos agora a unicidade. Suponha quec1d1

q1(X) =c2d2

q2(X) (3.3)

onde c1, c2, d1, d2 ∈ D − {0} e q1(X), q2(X) ∈ D[X] sao primitivos. Entaotemos que c1d2q1(X) = c2d1q2(X), e como q1(X) e q2(X) sao primitivos,temos que c1 · d2 e um conteudo de c1d2q1(X) e c2 · d1 e um conteudo dec2d1q2(X). Como estes polinomios sao iguais, segue que c1 · d2 e c2 · d1 saoassociados em D, isto e, existe u ∈ D invertıvel tal que c1d2 = uc2d1, ou seja

c1d1

= uc2d2

(3.4)

Substituindo (7) em (8) obtemos que q2(X) = uq1(X), o que termina a provado Lema.

Observe no Lema anterior que se p(X) ∈ D[X]−{0}, entao a ∈ D−{0}.

LEMA 3.2 (Gauss). Se f(X), g(X) ∈ D[X] sao primitivos entao f(X) ·g(X) e primitivo.

Demonstracao: Escrevamos

f(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn e g(X) = b0 + b1X + · · ·+ bmX

m.

Suponha, por contradicao, que

f(X) · g(X) = c0 + c1X + c2X2 + · · ·+ cn+m−1X

n+m−1 + cn+mXn+m

nao seja primitivo e seja d um divisor primo de c0, c1, c2, . . . , cn+m−1, cn+m.Como f(X) e g(X) sao primitivos temos que

A = {i ∈ N | 0 ≤ i ≤ n e d nao divide ai} 6= Φe B = {j ∈ N | 0 ≤ j ≤ m e d nao divide bj} 6= Φ.

Sejam r = min A, s = min B e

cr+s = ar+sb0 + · · ·ar+1bs−1 + arbs + ar−1bs+1 + · · ·+ a0br+s.

Como por definicao de r e s temos que d | cr+s, segue da igualdade acima qued | arbs. Como d e primo, segue que d | ar ou d | bs, o que e uma contradicaocom a definicao de r e s.

Page 64: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

64 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

COROLARIO 3.2. Sejam f(X), g(X) ∈ D[X]. Entao todo conteudo def(X)·g(X) e associado ao produto de um conteudo de f(X) por um conteudode g(X).

Demonstracao: Escrevamos f(X) = a1q1(X) e g(X) = a2q2(X), ondeq1(X), q2(X) ∈ D[X] e a1, a2 ∈ D sao os conteudos de f(X) e g(X) respecti-vamente. Temos entao que f(X) · g(X) = a1a2q1(X)q2(X). Por outro lado,podemos escrever f(X)·g(X) = aq(X), onde a e um conteudo de f(X)·g(X)e q(X) e primitivo e portanto, pelo Lema 1, temos que a e a1a2 sao associadosem D, o que prova o resultado.

LEMA 3.3. Seja p(X) ∈ D[X] primitivo e seja K o corpo de fracoes de D.Entao p(X) e redutıvel em D[X] se, e somente se, ele e redutıvel em K[X].

Demonstracao: Suponha que p(X) seja irredutıvel em D[X]. Se p(X) eredutıvel em K[X], temos que

p(X) = p1(X) · p2(X), com p1(X), p2(X) ∈ K[X]− {K}.

Pelo Lema 1, existem a1, a2 ∈ K e q1(X), q2(X) ∈ D[X] primitivos tais quep1(X) = a1q1(X) e p2(X) = a2q2(X). Portanto,

p(X) = a1a2q1(X)q2(X) (3.5)

onde a1, a2 ∈ K e q1(X) · q(X) e primitivo (Lema 2). Como p(X) e pri-mitivo, pelo Lema 1, temos que a1a2 e associado de 1 em D e portantoesta em D. Temos entao de (9) que p(X) e redutıvel em D[X] o que euma contradicao. Reciprocamente, Suponha que p(X) seja irredutıvel emK[X]. Se p(X) e redutıvel em D[X], existiriam p1(X), p2(X) ∈ D[X] taisque p(X) = p1(X)p2(X) com p1(X), p2(X) nao invertıveis em D[X]. Temosque p1(X), p2(X) /∈ D[X], pois caso contrario, pelo menos um deles teriaconteudo nao invertıvel e portanto um conteudo de p(X) seria nao invertıvel,o que contradiria o fato de p(X) ser primitivo.

TEOREMA 3.2 (Gauss). Sejam D um D.F.U. e X uma indeterminadasobre D. Entao D[X] e um D.F.U.

Demonstracao: Seja p(X) ∈ D[X]{D}. Podemos escrever p(X) = a·q(X)com a ∈ D{0} e q(X) ∈ D[X] primitivo. Seja a = a1 · · ·ar uma decom-posicao de a em fatores irredutıveis em D. Seja K o corpo de fracoes de

Page 65: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.2. O TEOREMA DE GAUSS 65

D. Como K[X] e um D.F.U. (Corolario 2 do Teorema 2, Capıtulo 1), pode-mos escrever q(X) = t1(X) · · · ts(X), onde t1(X), . . . , ts(X) sao irredutıveisem K[X]. Pelo Lema 1, podemos escrever q(X) = b1 · · · bs · q1(X) · · · qs(X)onde b1, . . . , bs ∈ K − {0} e q1(X), . . . , qs(X) ∈ D[X] − D sao primitivos(Lema 2), logo irredutıveis (Lema 3). Como q(X) ∈ D[X] e primitivo, eq1(X) · · · qs(X) e primitivo (Lema 2), entao da igualdade acima e da unici-dade garantida pelo Lema 1, segue que b1, . . . , bs ∈ D∗. Temos entao quep(X) = a1 · · ·ar · (b1 · · · bs) · q1(X) · · · qs(X) e uma decomposicao de p(X) emfatores irredutıveis em D[X]. Vamos agora demonstrar a unicidade de talfatoracao. Suponha que

a1 · · ·ar · q1(X) · · · qs(X) = c1 · · · cl · g1(X) · · · gm(X)

onde os elementos de a1, . . . , ar, c1, . . . , cl de D sao irredutıveis em D e os po-linomios q1(X), . . . , qs(X), g1(X), . . . , gm(X) sao irredutıveis em D[X] (por-tanto primitivos). Usando o Lema 1, temos que a1 · · ·ar e c1 · · · cl sao asso-ciados, e como D e um D.F.U., temos que r = l e cada ai e associado a umcj e reciprocamente. Por outro lado, pela unicidade da fatoracao em K[X],sabe-se que cada qµ(X) e associado em K[X] a um qλ(X) e reciprocamente.Como estes polinomios sao primitivos eles diferem por um elemento invertıvelde D. Daı segue a unicidade da fatoracao em D[X].

COROLARIO 3.3. Z[X] e um D.F.U.

COROLARIO 3.4. Se D e um D.F.U. e X1, . . .Xn sao indeterminadassobre D, entao D[X1, . . .Xn] e um D.F.U.

Demonstracao: Pelo Teorema, D[X1] e um D.F.U. , logo novamente peloTeorema, D[X1, X2] = (D[X1])[X2] e um D.F.U. etc.

COROLARIO 3.5. Se K e um corpo e X1, . . . , Xn sao indeterminadassobre K, entao K[X1, . . . , Xn] e um D.F.U.

PROBLEMAS 3.2.

1. Quais dos seguintes polinomios em Z[X] sao primitivos?

Page 66: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

66 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

(a) 2 + 3X + p(X) onde p(X) ∈ Z[X], gr(p(X)) > 1.

(b) (3 + 5X + 7X2 + 5X3)54.

(c) 2 + 4X + 6X2 + 14X3.

2. Quais dos seguintes polinomios de Z[X] sao irredutıveis?

a) 2 + 2X b) X3 +X2 +X + 1 c) X3 − 2 d) X4 + 6X2 + 9

3. SejaD umD.F.U. com corpo de fracoesK. Mostre que se p(X) ∈ D[X]tem uma raiz em K entao p(X) e redutıvel em D[x].

4. Determine um M.D.C. em Z[X] para cada par de polinomios abaixo

(a) 2X + 4 e 6X2 + 4X + 2

(b) 4X + 12 e 2X4 + 12X2 + 18

(c) 3X3 − 3 e 2X2 + 2X + 2

3.3 Metodo de Kronecker para fatoracao em

Z[X ]

Na secao anterior vimos que Z[X] e um D.F.U. Nada porem dissemossobre fatorar um polinomio p(X) em Z[X] nos seus fatores irredutıveis. Des-creveremos abaixo um metodo devido a Kronecker para realizar esta tarefa.Tal metodo apesar de conceitualmente simples, na pratica e muito trabalhosoe, portanto nada eficiente. Existe atualmente um algoritmo muito eficiente,mas nao totalmente determinıstico envolvendo uma parte probabilıstica. Sejaum polinomio com coeficientes inteiros. Para decompor p(X) em fatores ir-redutıveis basta supor p(X) primitivo e determinar um divisor seu de menorgrau, em seguida aplica-se o metodo ao polinomio quociente de p(X) por taldivisor.

a) Procura dos divisores do primeiro grau.

Suponha que aX + b ∈ Z[X] seja um fator de p(X). Portanto existeq(X) ∈ Z[X] tal que

p(X) = (aX + b)q(X) (3.6)

Page 67: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.3. METODO DE KRONECKER PARA FATORACAO EM Z[X] 67

Seja α um numero inteiro qualquer. Entao

p(α) = (aα + b) · q(α) (3.7)

e portanto (aα + b) | p(α). O problema e determinar a e b de modo que(10) seja verificado. Portanto basta procurar a e b entre os inteiros para osquais aα + b divide p(α) para α arbitrariamente escolhido em Z. Pode-seentao determinar possıveis valores de a e b escolhendo dois inteiros α e βcom α 6= β, tais que p(α) 6= 0 e p(β) 6= 0 e em seguida resolvendo todos ossistemas de equacoes {

aα + b = d1

aβ + b = d2

variando d1 (respectivamente d2 ) dentre os divisores de p(α) (respective-mente de p(β)). Assim obtemos todos os possıveis candidatos a divisoreslineares aX + b de p(X).

A escolha de α e β acima deve ser feita com certa astucia pois quantomenores forem os numeros dos divisores de p(α) e de p(β), menor sera onumero de sistemas de equacoes que teremos que resolver.

b) Procura dos divisores do segundo grau.

Para determinar os divisores quadraticos aX2 + bX+ c de p(X) em Z[X],escolha tres inteiros α, β e γ, dois a dois distintos, e tais que nenhum delesseja raiz de p(X). Se aX2 + bX + c e um divisor de p(X) em Z[X], devemoster,

aα2 + bα + c = d1

aβ2 + bβ + c = d2

aγ2 + bγ + c = d3

onde d1 e um divisor de p(α), d2 e um divisor de p(β) e d3 e um divisor dep(γ). A resolucao deste numero finito de sistemas de tres equacoes linearesnas tres incognitas a, b e c, nos fornecem os possıveis candidatos a divisoresquadraticos aX2 + bX + c de p(X). Aqui tambem vale a recomendacao daescolha astuciosa de α, β e γ.

c) Para a determinacao dos divisores de grau maior do que 2 procede-sede modo inteiramente analogo ao que foi feito nos casos a) e b).

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68 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Exemplo: Vamos fatorar o polinomio p(X) = X4 + 2X3 + X2 − 1 pelometodo de Kronecker. A procura dos fatores lineares de p(X) se reduz aprocura das raızes racionais de p(X). E facil ver que este polinomio naoadmite raızes racionais. Resta-nos agora determinar os fatores quadraticosde p(X). Tomemos α = 0, β = 1 e γ = −1, temos entao os sistemas:

a · 0 + b · 0 + c = d1

a + b + c = d2

a − b + c = d3

onde d1 = ± 1, d2 = ± 1, ±3 e d3 = ± 1. Isto nos fornece 16 sis-temas lineares de tres equacoes nas tres incognitas a, b e c, cujas solucoesapresentamos na seguinte tabela:

d1 d2 d3 a b c1 1 1 1 0 0 12 1 1 −1 −1 1 13 1 −1 1 −1 −1 14 1 −1 −1 −2 0 15 1 3 1 1 1 16 1 3 − 0 −2 17 1 −3 1 −2 −2 18 −1 1 1 0 −2 −1

10 −1 1 −1 1 1 −111 −1 −1 1 1 −1 −112 −1 −1 −1 0 0 −113 11 3 1 3 1 −114 −1 3 −1 2 2 −115 −1 −3 1 0 −2 −116 −1 −3 −1 −1 −1 −1

Como p(X) e monico devemos ter a = ± 1, donde os valores das linhas1, 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14 e 15 devem ser excluıdos. Restam as possibilidadescorrespondentes as linhas 2, 3, 5, 10, 11 e 16. A menos de um sinal, a linha 2fornece o mesmo resultado que a linha 11, a linha 3 fornece o mesmo resultadoque a linha 10 e a linha 5 fornece o mesmo resultado que a linha 16. Temosentao somente os tres seguintes casos a analisar:

X2 +X + 1, X2 −X − 1 e X2 +X − 1 .

Page 69: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.4. CRITERIOS DE DIVISIBILIDADE EM Q[X] 69

Experimentando estes tres polinomios, achamos queX2+X+1, e X2+X−1dividem p(X) e portanto

p(X) = (X2 +X + 1)(X2 +X − 1).

PROBLEMAS 3.3.

1. Decomponha em fatores irredutıveis em Z[X] os seguintes polinomios:

a) 2X5 + 3X4 + 3X3 − 2X2 − 1 b) X5 +X3 +X2 + 1.

3.4 Criterios de divisibilidade em Q[X ]

TEOREMA 3.3 (Criterio de Einsenstein). Seja

q(X) = a0 + a1X + · · ·+ anXn ∈ Z[X].

Suponha que para algum numero inteiro primo p, se tenha

• p | a0, p | a1, . . . , p | an−1,

• p nao divide an

• p2 nao divide a0.

Entao q(X) e irredutıvel em Q[X].

Demonstracao: Podemos supor sem perda de generalidade que q(X) sejaprimitivo. Suponha que exista um numero primo p cumprindo as exigenciasdas hipoteses do Teorema. Suponha, por contradicao, que q(X) seja redutıvelem Q[X]. Logo podemos supor que q(x) = q1(X) · q2(X), com

q1(X) = b0 + b1X + · · ·+ brXr e q2(X) = c0 + c1X + · · ·+ csX

s

polinomios primitivos (Lema 4, secao 3).

Como a0 = b0 · c0 e p | a0 mas p2 nao divide a0, segue que p | b0 ou p | c0e divide somente um dos dois. Suponhamos que p | b0 e p nao divide c0 (o

Page 70: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

70 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

outro caso e analogo).

Como p | a1, a1 = c1 · b0 + c0 · b1 e p | b0, segue que p | c0 · b1 mas p naodivide c0, logo p | b1.

Como p | a2, a2 = c2 · b0 + c1 · b1 + c0 · b2, p | b0 e p | b1, segue quep | c0 · b2 mas p nao divide c0, logo p | b2.

Assim sucessivamente, ate chegarmos a conclusao que p | bi para cadai = 0, . . . , r. Isto e uma contradicao pois q1(X) e primitivo, logo q(X) eirredutıvel em Q[X].

Exemplo 1 : X4 +4X2+8X−2 e irredutıvel em Q[X] pois 2 | (−2), 2 | 8,2 | 4, 2 | 0 , 2 nao divide 1 e 4 = 22 nao divide (−2).

Exemplo 2 : O polinomio Xn − p, onde p e um numero inteiro primo, eirredutıvel em Q[X] pois p | (−p), p nao divide 1 e p2 nao divide (−p).

Este exemplo nos mostra que em Q[X] ha polinomios irredutıveis de to-dos os graus.

Algumas vezes o criterio de Einsenstein nao se aplica diretamente, porexemplo, se q(X) = X4 +X3 +X2 +X + 1 , nao exite nenhum primo p quesatisfaca as hipoteses do Teorema. No entanto, considere o polinomio

q(X+1) = (X+1)4+(X+1)3+(X+1)2+(X+1)+1 = X4+5X3+10X2+5X+5

Trata-se de um polinomio irredutıvel. Para concluir que q(X) e irredutıvelnos baseamos na seguinte observacao cuja demonstracao deixamos a cargodo leitor.

Observacao: Sejam q(X) ∈ Z[X] e a ∈ Z. Tem-se que q(X) e irredutıvelem Z[X] se, e somente se, q(X + a) e irredutıvel em Z[X].

Exemplo 3 : Se p e um numero primo, entao o polinomio

q(X) = Xp−1 +Xp−2 + · · ·+X + 1

e irredutıvel.

Page 71: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.4. CRITERIOS DE DIVISIBILIDADE EM Q[X] 71

De fato, temos que q(X) = Xp−1X−1

, logo

q(X + 1) = (X+1)p−1X

= Xp−1 +

(p1

)Xp−2 + · · ·+

(p

p− 2

)X +

(p

p− 1

).

Sendo p primo, e facil ver que p divide

(pi

)para todo i = 1, . . . , p−1 (Veja

Cap 3 - Problema...). Logo o criterio de Einsenstein nos mostra que q(X+1)e irredutıvel e pela observacao acima podemos concluir que q(X) e irredutıvel.

Alem do criterio de Einsenstein temos um outro criterio de irredutibi-lidade para polinomios em Z[X]. Este criterio faz uso das classes residuaismodulo um numero primo p. Seja q(X) = a0+a1X+· · ·+anXn. Considere opolinomio, q(X) = a0 + a1X+ · · ·+ anX

n ∈ Zp[X] onde ai e a classe residualmodulo p de ai, i = 0, . . . , n. Esta passagem de um polinomio q(X) ∈ Z[X]ao polinomio q(X) ∈ Zp[X] goza das seguintes propriedades faceis de seremverificadas:

a) Se q(X) = q1(X) + q2(X) entao q(X) = q1(X) + q2(X).b) Se q(X) = q1(X) · q2(X) entao q(X) = q1(X) · q2(X).

TEOREMA 3.4. Sejam q(X) = a0+a1X+· · ·+anXn ∈ Z[X] e um numeroprimo p que nao divide an. Se q(X) e irredutıvel em Zp[X], entao q(X) eirredutıvel em Q[X].

Demonstracao: Podemos supor sem perda de generalidade que q(X) eum polinomio primitivo. Suponha, por contradicao, que q(X) seja redutıvelem Q[X], logo existem dois polinomios q1(X) = b0 + b1X + · · · + brX

r eq2(X) = c0 + c1X + · · · + csX

s em Z[X] tais que q(X) = q1(X) · q2(X).Passando esta igualdade modulo p obtemos q(X) = q1(X) · q2(X) e comoan = br · cs e p nao divide an, segue que p nao divide br e p nao divide cs,consequentemente br 6= 0 e cs 6= 0 e portanto q(X) e redutıvel em Zp[X], oque contradiz a hipotese.

Exemplo 4 : Seja q(X) = X4 + X3 + 3X2 + 18X + 2. Reduzindo q(X)modulo 3 temos q(X) = X4 + X3 + 2. Observe que q[X] nao se anula emZ3[X] e portanto nao possui fatores lineares em Z3[X]. Vamos verificar queq(X) tambem nao possui fatores quadraticos.

Page 72: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

72 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Suponha q(X) = (X2 + aX + b)(X2 + cX + d) com a, b, c, d ∈ Z3 . Entaoterıamos:

a + c = 1b+ d+ a · c = 0a · d+ b · c = 0b · d = 2

Da primeira e da quarta equacoes acima, obterıamos os seguintes possıveisvalores para a, b, c, d que organizamos na tabela abaixo:

b d a c

1 1 1 0

1 1 0 1

1 1 2 2

2 2 1 0

2 2 0 1

2 2 2 2

Nenhum desses valores acima e compatıvel com as demais equacoes. Con-cluımos assim que q(X) e irredutıvel em Z3[X] e consequentemente q(X) eirredutıvel em Q[X].

PROBLEMAS 3.4.

1. Mostre que os seguintes polinomios sao irredutıveis em Q[X] :

a) X2 − 2X + 6 b) X4 − 2X3 + 6X2 + 8X − 14c) Xn − 12, n ∈ N d) X3 + 9X2 + 3X + 9

2. Mostre que para todo n ∈ Z, os seguintes polinomios sao irredutıveisem Q[X]:

a) X4 + 4n+ 1 b) X4 + 4nX + 1

Page 73: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.5. A RESULTANTE 73

3. Sejam m,n ∈ N com m ≤ n. Mostre que o polinomio

Xn + (1 +X)m + (1−X)m

e irredutıvel em Q[X].

4. Seja p > 2 um numero primo. Mostre que Xp + pX + 1 e irredutıvelem Q[X].

5. Mostre que se p e um numero primo, entao o polinomio

1 +X +X2

2!+ · · ·+ Xp

p!

e irredutıvel em Q[X].

6. Seja q(X) = a0 + a1X + · · · + anXn ∈ Z[X]. Suponha que existe um

primo p tal que

• p | an, p | an−1, . . ., p | a1,

• p nao divide a0

• p2 nao divide an.

Mostre que q(X) e irredutıvel. Aplique este criterio para o polinomio2X4 + 6X3 − 4X + 1 .

7. Mostre que X3 + 2X + 1 e irredutıvel em Z3[X]. Conclua que todopolinomio da formaX3+3αX2−X+3β+1, onde α, β ∈ Z, e irredutıvelem Z[X] e em Q[X].

8. Mostre que X4 + X2 + 2 e irredutıvel em Z3[X]. Conclua que todopolinomio da forma X4 + 3λX3 + X2 + 3µX − 1, com λ, µ ∈ Z, eirredutıvel em Z[X].

3.5 A Resultante

Nesta secao damos um criterio numerico para decidir quando dois po-linomios tem, ou nao, fatores nao constantes em comum. Este criterio con-siste em transformar a questao em um problema de sistemas lineares ho-mogeneos e reduzindo assim, em ultima analise, a questao de anulamento,ou nao, de um certo determinante.

Page 74: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

74 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

PROPOSICAO 3.1. Sejam K um corpo e p(X), q(X) ∈ K[X] de graus ne m respectivamente. Sao equivalentes:

1. p(X) e q(X) tem um fator nao constante em comum.

2. Existem polinomios ϕ(X) e ψ(X) de graus n e m respectivamente taisque ψ(X) · p(X) = ϕ(X) · q(X).

Demonstracao: Suponha que p(X) e q(X) tenham um fator nao cons-tante em comum h(X). Entao existem ϕ(X) e ψ(X) em K[X] tais quep(X) = h(X) · ϕ(X) e q(X) = h(X) · ψ(X). Observe que, sendo h(X) naoconstante, entao gr(ϕ(X)) < gr(p(X)) = n e gr(ψ(X)) < gr(q(X)) = m e,alem disso, ψ(X) · p(X) = h(X) · ψ(X) · ϕ(X) = q(X) · ϕ(X).

Reciprocamente, suponha que ψ(X) ·p(X) = ϕ(X) · q(X) para algum parde polinomios ϕ(X) e ψ(X) em K[X] tal que

gr(ϕ(X)) < gr(p(X)) = n e gr(ψ(X)) < gr(q(X)) = m.

Seja h(X) = M. D. C.(q(X)), ψ(X). Temos que ψ1(X)·p(X) = ϕ(X)·q1(X),onde

ψ1(X) =ψ(X)

h(X)e q1(X) =

q(X)

h(X).

Como por hipotese, gr(ψ(X)) < gr(q(X)) e como h(X) divide ψ(X), segueque gr(h(X)) < gr(q(X)) e, consequentemente gr(q1(X)) ≥ 1. Por outrolado, sendo M. D. C.(q1(X), ψ1(X)) = 1 da relacao

ψ1(X) · p(X) = ϕ(X) · q1(X),

temos que q1(X) divide ψ1(X)·p(X), e daı segue que q1(X) divide p(X). Masq1(X) divide q(X), logo p(X) e q(X) tem o fator comum nao constante q1(X).

COROLARIO 3.6. Sejam p(X), q(X) ∈ K[X] de graus n e m respecti-vamente. Entao estes polinomios tem um fator comum nao constante se, esomente se, existem polinomios ϕ(X) e ψ(X) de graus menores do que n em respectivamente, tais que ψ(X) · p(X) + ϕ(X) · q(X) = 0.

TEOREMA 3.5. Sejam

p(X) = anXn+an−1X

n−1+· · ·+a0 e q(X) = bmXm+bm−1X

m−1+· · ·+b0

Page 75: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.5. A RESULTANTE 75

com an 6= 0 e bm 6= 0. Entao p(X) e q(X) tem um fator comum nao constantese, e somente se, e nulo o determinante seguinte:

an an−1 · · · a2 a1 a0 0 0 · · · 0 00 an · · · a2 a1 a0 0 · · · 0 0

......

......

...

0 0 · · · 0 an an−1...

...0 0 . . . 0 0 an an−1 · · · · · · · · · a0

R = bn bm−1 · · · b2 b1 b0 0 0 · · · 0

0 bm · · · ... b2 b1 b0 0 · · · 0...

......

......

0 0 · · · bm bm−1 · · · b1 b0 00 0 · · · bm bm−1 · · · b1 b0

Demonstracao: Pelo corolario da proposicao 1, p(X) e q(X) tem um fatornao constante em comum se, e somente se, existem

ϕ(X) = u1 + u2X + · · ·+ unXn−1 e ψ(X) = v1 + v2X + · · ·+ vmX

m−1,

com pelo menos algum ui 6= 0 e algum vj 6= 0, tais que

ψ(X) · p(X) + ϕ(X) · q(X) = 0

Igualando a zero os coeficientes do polinomio do lado lado esquerdo daigualdade acima, obtemos o seguinte sistema:

anvm +bmun = 0an−1vm + anvm−1+ +bm−1un+ bmun−1 = 0

......

a0v1 +b0u1 = 0

A existencia de ϕ(X) e ψ(X) nao nulos e equivalente ao fato de que osistema das n +m equacoes lineares homogeneas acima nas n +m variaveisvm, . . . , v1, un, . . . , u1 tem uma solucao nao trivial. Isto por sua vez e equiva-lente ao fato que o determinante da matriz associada ao sistema e nulo, logo

Page 76: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

76 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

equivalente a R = 0 (a matriz acima e a transposta da matriz associada aosistema e, portanto possui o mesmo determinante).

DEFINICAO 3.1. O determinante R que aparece no teorema 1 e chamadoresultante dos polinomios p(X) e q(X). A resultante de p(X) e p′(X) echamada discriminante de p(X).

COROLARIO 3.7. Seja K um corpo algebricamente fechado. Os po-linomios p(X), q(X) ∈ K[X] tem raizes comuns em K se, e somente se,a resultante de p(X) e q(X) e nula.

Demonstracao: p(X) e q(X) tem raızes comuns em K se, e somente se,p(X) e q(X) tem um fator comum nao constante em K[X] se, e somente se,a resultante de p(X) e q(X) e nula.

COROLARIO 3.8. Seja K um corpo algebricamente fechado. p(X) ∈K[X] tem raızes multiplas em K se , e somente se, o discriminante de p(X)e nulo.

Demonstracao: p(X) tem raızes multiplas se, esomente se, p(X) e p′(X)tem fator comum nao constante se, e somente se, o discriminante de p(X) enulo.

Exemplo 1 : Seja p(X) = aX2 + bX + c. Entao p′(X) = 2aX + b e odiscriminante de p(X) e

a b cD = 2a b 0 = −a(b2 − 4ac)

0 2a b

Note que D = −a∆, onde ∆ = b2 − 4ac, e portanto o discriminante naoe mais ∆ = b2 − 4ac.

Exemplo 2 : Seja p(X) = X3+aX2+bX+c. Entao p′(X) = 3X2+2aX+be o discriminante de p(X) e

1 a b c 00 1 a b c

D = 3 2a b 0 0 = − (18abc− 4a3c + a2b2 − 4b3 − 27c2)0 3 2a b 00 0 3 2a b

Page 77: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.5. A RESULTANTE 77

Exemplo 3 : Seja f(X) = X3 + pX + q. Entao f ′(X) = 3X2 + p e odiscriminante de f(X) e

1 0 p q 00 1 0 p q

D = 3 0 p 0 0 = 108(q2

4+ p3

27

)

0 3 0 p 00 0 3 0 p

Exemplo 4 : Os resultados que obtivemos sobre resultantes nos permitemtambem resolver certos problemas de geometria analıtica como por exemplo,achar os pontos de interseccao de duas curvas algebricas planas. Suponha quese queira achar os pontos de interseccao das curvas X2+Y 2+4X−2Y +3 = 0e X2−Y 2 +4XY +10Y −9 = 0. Considerando X como parametro, as nossasequacoes, vistas como equacoes na indeterminada Y , se tornam:

Y 2 − 2Y + (X2 + 4X + 3) = 0 e − Y 2 + (4X + 10)Y + +(X2 − 9) = 0.

Para achar os pontos de interseccao das duas curvas, determinamos inicial-mente os valores deX, para os quais as equacoes acima tenham raızes comunscomo polinomios em Y . Consideremos a resultante destes dois polinomios:

1 −2 (X + 1)(X + 3) 0R = 0 1 −2 (X + 1)(X + 3) =

−1 4X + 10 (X + 3)(X − 3) 00 −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3)

1 −2 (X + 1)(X + 3) 0= 0 1 −2 (X + 1)(X + 3) =

0 4X + 8 (X + 3)(2X − 2) 00 −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3)

= 2(X + 3)2(X − 1)(X − 3) + 8(X + 2)(2X + 5)(X + 1)(X + 3) +

+ 2(X + 32)(X + 1)(X − 1) + 8(X + 2)(X + 3)(X − 3) =

= 4(X + 3)(5X3 + 25X2 + 31X + 11)

= 4(X + 3)(X + 1)(5X2 + 20X + 11).

Page 78: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

78 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Os dois polinomios terao raızes comuns se, e somente se

R = 4(X + 3)(X + 1)(5X2 + 20X + 11) = 0

e isto ocorre se, e somente se, X e um dos seguintes valores:

−3, −1, −2 +3√

5

5, −2− 3

√5

5

Para determinar os pontos de interseccao das curvas devemos resolver osseguintes quatro sistemas de equacoes:

1. Se X = −3, temos {Y 2 − 2Y = 0−Y 2 − 2Y = 0

de onde temos que Y = 0, portanto (−3, 0) e um ponto de interseccaodas duas curvas.

2. Se X = −1, temos{

Y 2 − 2Y = 0−Y 2 + 6Y − 8 = 0

de onde Y = 2, portanto (−1, 2) e um ponto de interseccao das curvas.

3. Se X = −2 + 3√

55

, temos

Y 2 − 2 Y + 45

= 0

−Y 2 +(2 + 12

√5

5

)Y − 16+12

√5

5= 0

donde Y = 1+√

55

, portanto(−2 + 3

√5

5, 1 +

√5

5

)e ponto de interseccao.

4. Se X = −2− 3√

55

, temos

Y 2 − 2 Y − 45

= 0

−Y 2 +(2− 12

√5

5

)Y − −16+12

√5

5= 0

donde Y = 1 −√

55

, portanto(−2− 3

√5

5,−1−

√5

5

)e ponto de inter-

seccao.

Page 79: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

3.5. A RESULTANTE 79

PROBLEMAS 3.5.

1. Ache o discriminante de g(X) = aX4 + bX2 + c.

2. Ache a resultante de

p1(X) = a1X2 + b1X + c1 e p2(X) = a2X

2 + b2X + c2.

3. Ache o(s) valor(es) de t para o(s) qual(is) as equacoes

tX2 + (−t− 1)X + 1 = 0 e X2 + (t2 − t)X − 1 = 0

tenham uma raiz comum. Ache a raız comum em cada caso.

4. Ache o(s) valor(es) de t para o(s) qual(is) as equacoes

X3 − t = 0 e X2 + tX + 1 = 0

tenham uma raiz comum. Ache a raız comum em cada caso.

5. Encontre a(s) solucao(oes) comum(ns) das equacoes:

(a) X(Y −X)2 − Y 5 = 0 e X4 + Y 3 −X2 = 0

(b) (X2 + Y 2)2 − (X2 − Y 2) e X2 + Y 2 −X + 4 = 0

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80 CAPITULO 3. POLINOMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Page 81: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 4

AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

Neste capıtulo iniciaremos o estudo das equacoes algebricas propriamenteditas. A resolucao das equacoes do primeiro grau se confunde com a divisaoe era conhecida desde a antiguidade. Os babilonios sabiam extrair algumasraızes quadradas e, portanto sabiam resolver algumas equacoes particularesdo segundo grau. A formula resolvente da equacao do segundo grau ja eraconhecida pelos matematicos hindus do seculo 2. Passaram-se muitos seculosate que se conseguissem resolver as equacoes do terceiro e do quarto grau, oque foi realizado pelos matematicos de Bolonha - Italia, no seculo 16.

O problema da resolubilidade das equacoes de grau maior ou igual a cincose constituiu desde entao num dos problemas centrais da Matematica ate sertotalmente elucidado pela Teoria de Galois na primeira metade do seculo 19.

Neste Capıtulo discutiremos apenas a resolubilidade das equacoes de grauate quatro, deixando o restante da discussao para os proximos capıtulos.

4.1 A Equacao do Segundo Grau

Considere a equacao aX2 + bX+ c = 0 com coeficientes em C e a 6= 0 . Aformula que fornece as raızes desta equacao em funcao dos seus coeficientes

81

Page 82: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

82 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

costuma ser deduzida completando quadrados como segue:

aX2 + bX + c = a(X2 + b

aX)

+ c = a(X2 + 2 b

2aX + b2

4a2

)+ c− b2

4a

= a(X + b

2a

)2+ c− b2

4a

Portanto, α e raiz da equacao se, e somente se,

a

(X +

b

2a

)2

+ c− b2

4a= 0,

o que nos fornece por extracao de raiz quadrada

α =−b±

√b2 − 4ac

2a,

onde√b2 − 4ac e uma das raızes quadradas do numero complexo

∆ = b2−4ac, chamado discriminante da equacao. Observe que este discrimi-nante difere do discriminante D do polinomio aX2 +bX+c como foi definidono Capıtulo 3, secao 5. A relacao existente entre D e ∆ e dada da seguinteforma:

D =

∣∣∣∣∣∣

a b c2a b 00 2a b

∣∣∣∣∣∣= −a(b2 − 4ac) = −a∆

O anulamento de ∆ (ou o que e o mesmo de D) nos fornece portanto acondicao necessaria e suficiente para que a equacao do segundo grau tenhauma raiz dupla (igual a − b

2a).

Observe tambem que todo o desenvolvimento vale num corpo K algebri-camente fechado com carK 6= 2 no lugar de C

Se os coeficientes a, b e c da equacao aX2 + bX + c = 0 sao reais, entaopela formula resolvente temos o seguinte resultado:

1. ∆ > 0 se, e somente se, a equacao tem duas raızes reais distintas.

2. ∆ = 0 se, e somente se, a equacao tem duas raızes reais iguais.

Page 83: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4.2. A EQUACAO DO TERCEIRO GRAU 83

3. ∆ < 0 se, e somente se, a equacao tem duas raızes complexas distintasconjugadas.

PROBLEMAS 4.1.

1. Sejam x1 e x2 as raızes da equacao aX2 + bX + c = 0. Mostre quex1 + x2 = − b

ae x1 · x2 = c

a

2. Forme as equacoes monicas do segundo grau cujas raızes sao

a) 1 e − 1 b) 2 e − 3 c) 5 e 7

3. Dada a equacao aX2 + bX + c = 0, se x1 e x2 sao as suas raızes, semresolve-la calcule as expressoes:

a) x21 + x2

2, b) x31 + x3

2, c) (x1 − x2)2.

4. Sejam x1 e x2 as raızes do polinomio aX2 + bX + c e seja D o seudiscriminante. Mostre que D = −a3(x1 − x2)

2.

5. Dada a equacao aX2 + bX + c = 0, efetue nela a mudanca de variavelx = y + d com d escolhido de modo que a nova equacao na variavel ynao tenha termo do primeiro grau. Resolva esta equacao e retorne aequacao original na variavel x e determine as suas solucoes

4.2 A Equacao do Terceiro Grau

Nesta secao consideraremos a equacao geral do terceiro grau com coefici-entes complexos, que sem perda de generalidade podemos supor que estejana forma:

X3 + a2X2 + a1X + a0 = 0 (4.1)

Por meio de uma mudanca de variavel vamos coloca-la numa forma onde naofigure o termo do segundo grau.

Reducao: Substituindo X por Y + b na equacao (12) temos

0 = (Y + b)3 + a2(Y + b)2 + a1(Y + b) + a0

= Y 3 + (3b+ a2)Y2 + (3b2 + 2ba2 + a1)Y + (b3 + b2a2 + ba1 + a0).

Page 84: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

84 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

Pondo b = −a23, temos que X3 + a2X

2 + a1X + a0 = Y 3 + pY + q, onde

X = Y − a2

3, p = a1 −

a22

3e q =

2a23

27− a1a2

3+ a0 (4.2)

Portanto, para achar as raızes da equacao (12), basta achar as raızes daequacao Y 3 + pY + q = 0 e delas subtrair a2

3.

Exemplo 1 : Vamos eliminar o termo do segundo grau do polinomiop(X) = X3 +X2 +X + 1. Fazendo a substituicao X = Y − 1

3, o polinomio

se transforma em Y 3 + 23Y + 20

27

Resolucao: Vamos agora concentrar a nossa atencao na resolucao dasequacoes do tipo

Y 3 + pY + q = 0. (4.3)

Facamos em (14) a seguinte mudanca de variaveis: Y = U + V , onde Ue V sao duas variaveis que relacionaremos entre si de acordo com a nossaconveniencia. Obtemos entao

0 = (U + V )3 + p(U + V ) + q = (U3 + V 3 + q) + (U + V )(p+ 3UV ). (4.4)

Segue entao que cada solucao do sistema{U3 + V 3 = −q

U · V = −p

3

nos fornece uma solucao (u, v) de (15) e portanto uma solucao y = u+ v de(14).

Elevando ao cubo a segunda equacao de do sistema acima segue que u3 ev3 sao solucoes da seguinte equacao do segundo grau:

Z2 + qZ − p3

27= 0. (4.5)

Fixando uma das raızes quadradas de q2

4+ p3

27e a denotando por

√q2

4+ p3

27,

temos que as raızes de (16) sao

z1 = −q2

+

√q2

4+p3

27e z2 = −q

2−√q2

4+p3

27

Page 85: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4.2. A EQUACAO DO TERCEIRO GRAU 85

Podemos entao escrever u3 = z1 e v3 = z2.

Escolhendo uma das raızes cubicas de z1 e denotando-a por 3√z1, segue

que as solucoes de u3 = z1 sao 3√z1, w · 3

√z1, e w2 · 3

√z1, onde w = −1+i

√3

2

e uma raiz cubica da unidade. Denotando por 3√z2 a raiz cubica de z2 tal

que tal que 3√z1 · 3√z2 = −p

3, (cf. a segunda equacao do sistema acima), o

referido sistema admite as seguintes solucoes:

u1 = 3√z1, v1 = 3

√z2

u2 = w · 3√z1, v2 = w2 · 3

√z2

u3 = w2 · 3√z1, v3 = w · 3

√z2

Segue entao que a equacao (14) possui as seguintes solucoes:

y1 = u1 + v1 =3

√− q

2+√

q2

4+ p3

27+

3

√− q

2−√

q2

4+ p3

27,

y2 = u2 + v2 = w · 3

√− q

2+√

q2

4+ p3

27+ w2 · 3

√− q

2−√

q2

4+ p3

27e

y3 = u3 + v3 = w2 · 3

√− q

2+√

q2

4+ p3

27+ w · 3

√− q

2−√

q2

4+ p3

27

chamadas formulas de Cardan.

As formulas resolventes da equacao (12) podem ser obtidas pelas formulasde Cardan mediante as substituicoes em (13). Observe que o metodo queutilizamos e valido em qualquer corpo algebricamente fechado K tal quecarK 6= 2, 3.

Exemplo 2 : Resolvamos a equacao X3 − 3X + 1 = 0 . Esta equacao jae desprovida do seu termo do segundo grau, logo podemos usar diretamente

Page 86: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

86 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

as formulas de Cardan. Temos entao que

x1 = 3

√−1

2+

√3

2i + 3

√−1

2−

√3

2i,

x2 = w · 3

√−1

2+

√3

2i+ w2 · 3

√−1

2−

√3

2i e

x3 = w2 · 3

√−1

2+

√3

2i+ w · 3

√−1

2−

√3

2i.

Note que 3

√−1

2+

√3

2i = 3√w pode ser escolhido como sendo cos 2π

9+ i sen 2π

9,

portanto, 3

√−1

2−

√3

2i = 3√w deve ser escolhido como sendo cos 2π

9− i sen 2π

9

pois devemos ter 3√w · 3√w = −p

3= 1. Como w = cos 2π

3+ i sin 2π

3, segue que

x1 =(cos 2π

9+ i sen 2π

9

)+(cos 2π

9+ i sen 2π

9

)= 2 cos 2π

3,

x2 = w ·(cos 2π

9+ i sen 2π

9

)+ w ·

(cos 2π

9+ i sen 2π

9

)= 2 cos 8π

9, e

x3 = w ·(cos 2π

9+ i sen 2π

9

)+ w ·

(cos 2π

9+ i sen 2π

9

)= 2 cos 4π

9.

No exemplo acima temos que os coeficientes da equacao e as raızes saonumeros reais. As formulas de Cardan nos expressam as raızes sob formaalgebrica, porem envolvendo numeros complexos. Muitas tentativas foramfeitas para exprimir as raızes de tais equacoes em termos de radicais reais,todas fracassando. As equacoes do do terceiro grau com coeficientes racio-nais, irredutıveis em Q[X] e possuindo todas as raızes reais, sao chamadasde caso irredutıvel. Foi somente no seculo 19 que tal misterio foi esclarecido,demonstrando-se atraves da Teoria de Galois que no caso irredutıvel e im-possıvel exprimir as raızes da equacao em termos de radicais reais apenas.Voltaremos a este assunto no ultimo Capıtulo.

Exemplo 3 : Resolvamos a equacao X3 + 3X − 4 = 0. Pelas formulas de

Page 87: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4.2. A EQUACAO DO TERCEIRO GRAU 87

Cardan, esta equacao possui as seguintes raızes:

x1 =3√

2 +√

5 +3√

2−√

5,

x2 = −12

(3√

2 +√

5 +3√

2−√

5)

+ i√

32

(3√

2 +√

5− 3√

2−√

5)

e

x3 = −12

(3√

2 +√

5 +3√

2−√

5)− i

√3

2

(3√

2 +√

5− 3√

2−√

5)

A equacao tem portanto uma raiz real e duas raızes complexas (conjugadas).Por inspecao ve-se que 1 e raiz da equacao, daı extraımos a seguinte igual-

dade curiosa: 1 =3√

2 +√

5 +3√

2−√

5.

Exemplo 4 : Resolvamos a equacao X3 − 6X2 + 21X − 18 = 0.

Para eliminar o termo do segundo grau, efetuuamos a substituicao X =Y + 2 e obtemos a equacao Y 3 + 9Y + 8 = 0, cujas raızes sao:

y1 =3√−4 +

√43 +

3√−4−

√43,

y2 = w · 3√−4 +

√43 + w2 · 3

√−4−

√43 e

y3 = w2 · 3√−4 +

√43 + w · 3

√−4−

√43

Portanto, as raızes da equacao original sao:

x1 = y1 + 2, x2 = y2 + 2 e x3 = y3 + 2.

Observacao 1: O polinomio X3 + a2X2 + a1X + a0 tem discriminante

D =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

1 a2 a1 a0 00 1 a2 a1 a0

3 2a2 a1 0 00 3 2a2 a1 00 0 3 2a2 a1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

= −18a2a1a0 + 4a32a0 − a2

2 + 4a31 + 27a2

0.

Este polinomio desembaracado do seu termo do segundo grau e Y 3 + pY + q,

com X = Y − a23, p = a1− a22

3e q =

2a3227− a1a2

3+a0. O discriminante deste

Page 88: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

88 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

ultimo polinomio e

D′ =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

1 0 p q 00 1 0 p q3 0 p 0 00 3 0 p 00 0 3 0 p

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

= 108 ·(q2

4+p3

27

).

Uma verificacao direta (leitor faca-a) nos mostra que D = D′

PROPOSICAO 4.1. Seja D o discriminante do polinomio X3 + a2X2 +

a1X + a0, cujas raızes sao x1, x2 e x3. Tem-se a seguinte igualdade:

D = − [(x3 − x1)(x3 − x2)(x2 − x1)]2 .

Demonstracao: Seja Y 3+pY +q o polinomio desembaracado do seu termodo segundo grau. Sejam

u1 =3

−q2

+

√q2

4+p3

27e v1 =

3

−q2−√q2

4+p3

27

Sabemos que x1 = u1+v1−a23

, x2 = w·u1+w2·v1−a2

3e x3 = w2·u1+w·v1−a2

3,

logo(x2 − x1) = (w − 1)(u1 − w2 · v1)(x3 − x1) = (w2 − 1)(u1 − w · v1)(x3 − x2) = (w2 − w)(u1 − v1).

Usando as igualdades:

w − 1 = w2 − 1 = (w − 1)(w − 1) = |w − 1|2e w2 − w = w − w = −

√3 i,

obtemos que

(x3 − x2)(x3 − x1)(x2 − x1) = −3√

3 i (u1 − w2 · v1)(u1 − w · v1)(u1 − v1)

= −3√

3 i (u31 − v3

1)

= −3√

3 i ·(

2 ·√

q2

4+ p3

27

)

= −6√

3 i ·√

q2

4+ p3

27

Page 89: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4.2. A EQUACAO DO TERCEIRO GRAU 89

Elevando ao quadrado a igualdade acima, obtemos:

(x3 − x2)(x3 − x1)(x2 − x1) = −108

(q2

4+p3

27

)= −D.

A igualdade agora segue da relacao D′ = D, que obtivemos na Observacao1.

O resultado da Proposicao 1 se generaliza como segue. Se x1, x2, . . . , xne D sao respectivamente as raızes e o discriminante do polinomio

anXn + · · ·+ a1X + a0,

entao vale a relacao:

D = (−1)12n(n−1)a2n−1

n ·∏

i<j

(xj − xi)2.

A demonstracao deste fato geral pode ser encontrada no Apendice 2.

O proximo resultado nos fornecera a discussao das raızes de uma equacaodo terceiro grau com coeficientes reais.

PROPOSICAO 4.2. Dada a equacao X3 + a2X2 + a1X + a0 = 0, com

a0, a1, a2 numeros reais, tem-se que:

1. D = 0 se, e somente se, a equacao tem raiz multipla. Neste caso todasas raızes sao reais.

2. D > 0 se, e somente se, a equacao tem pelo menos uma raiz nao real.Neste caso, uma raiz e real e duas sao complexas conjugadas.

3. D < 0 se, e somente se, a equacao tem as raızes reais e distintas.

Demonstracao: Pela Proposicao 1 temos

D = −(x3 − x2)2(x3 − x1)

2(x2 − x1)2.

(1) E claro que D = 0 se e somente se a equacao tem pelo menos duasraızes iguais. Neste caso, a equacao nao pode ter raız complexa nao real pois

Page 90: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

90 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

caso contrario, deveria ter a conjugada com mesma multiplicidade.

(2) Se D > 0, como −D e um quadrado, alguma das diferencas (xj − xi)deve ser nao real. Logo pelo menos uma raiz e nao real. Neste caso, sopoderemos ter duas raızes complexas conjugadas e a outra real. Recipro-camente, se uma das raızes e α ∈ C − R, entao as outras raızes sao αe β com β ∈ R. Tem-se que: D = −(α − α)2(α − β)2(α − β)2. Como(α− β)2 e o conjugado de (α − β)2, tem-se que o produto (α− β)2(α − β)2

e um numero real positivo. Portanto o sinal de D e o mesmo sinal de−(α− α)2 = (2 i Im(α))2 = 4(Im(α))2 que e positivo.

(3) Este caso decorre dos anteriores por exclusao.

A historia da resolucao da equacao do terceiro grau apresenta alguns lan-ces pitorescos. Conta-se que foi Scipio Del Ferro quem primeiro resolveu aequacao do terceiro grau sem nunca publicar o seu resultado, limitando-seapenas a contar o seu feito a alguns amigos. Em 1535, Tartaglia redescobriua resolucao destas equacoes, mantendo o seu metodo em segredo para com elecoroar um tratado de Algebra de sua autoria. Tartaglia revelou o seu segredoa Jeronimo Cardan sob juramento de nao divulga-lo. Cardan, nao honrandoo seu compromisso, publicou em 1545 o livro Ars Magna contendo o metodode resolucao da equacao do terceiro grau dando, entretanto o devido creditoao seu autor. Por terem sido publicadas pela primeira vez por Cardan, estasformulas levam o seu nome. O livro de Cardan contem tambem a resolucaoda equacao do quarto grau devida ao seu discıpulo Ludovico Ferrari e quesera o assunto da proxima secao. O metodo que utilizamos para deduzir asformulas de Cardan e devido a Hudde e data de 1658. As formulas de Car-dan tem mais interesse teorico e historico do que pratico. Para calcular boasaproximacoes de raızes de equacoes algebricas dispoe-se de metodos muitomais eficientes.

Page 91: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4.2. A EQUACAO DO TERCEIRO GRAU 91

PROBLEMAS 4.2.

1. Usando as formulas de Cardan, resolva as seguintes equacoes:

a) X3 + 9X − 6 = 0 b) X3 − 9X − 12 = 0c) X3 − 3X + 2 = 0 d) X3 − 9X2 − 9X − 15 = 0e) X3 − 5X + 2 = 0 f) X3 − 6X2 − 6X − 14 = 0g) X3 + 12X − 30 = 0 h) X3 − 3X + i−3

2= 0

2. Mostre que

a)3√

7 +√

50 +3√

7−√

50 = 2

b)3√√

108 + 10− 3√√

108− 10 = 2

c)3√√

243 +√

242− 3√√

243−√

242 = 2√

2

3. Discuta, sem resolver, as raızes das seguintes equacoes:

a) X3 − 1 = 0 b) 2X3 − 5X + 7 = 0c) X3 − 10X + 1 = 0 d) 2X3 + 3X2 + 6X − 12 = 0

e) X3 − 3X + 2 = 0 f) X3 − 3X2 + 3(1 + 3√

2)X − 3 · 3

√2

4. Em cada caso abaixo, construa e determine as outras raızes de umaequacao do 30 grau com coeficientes racionais tendo o numero indicadocomo raiz.

a)3√

3− 3√

9 b)3

√2 +√

3 +3

√2−√

3

5. Mostre que a parabola Y = X2 e a hiperbole XY + 8X + 4Y + 3 = 0possuem somente um ponto de interseccao com ambas as coordenadasreais.

6. Seja f(X) = X3 + 3aX + 2 ∈ R[X].

(a) Determine os valores reais de a para os quais a funcao polinomialreal y = f(X) tenha tres raızes reais distintas.

(b) Determine o valor real de a para o qual esta funcao tenha umaraiz multipla e encontre, neste caso, as suas raızes.

Page 92: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

92 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

(c) Determine os valores reais de a para os quais esta funcao tenhaduas raızes complexas (conjugadas).

(d) Esboce o grafico em cada caso um dos casos (a), (b) e (c).

7. Considere o poliomio p(X) = X3 + a2X2 + a1X + a0, com a2, a1, a0

numeros reais. Discuta o sinal de p(X) para valores reais de X segundoo sinal de D e da posicao de X relativamente as raızes reais.

8. Considere a igualdade

a3X3 + a2X

2 + a1X + a0 = a3(X − x1)(X − x2)(X − x3)

onde x1, x2 e x3 sao as raızes do polinomio do lado esquerdo da igual-dade. Usando o metodo dos coeficientes a determinar, mostre que

a) x1 + x2 + x3 = −a2a3

b) x1 · x2 + x1 · x3 + x2 · x3 = a1a3

c) x1 · x2 · x3 = −a0a3

9. Sejam y1, y2 e y3 as raızes da equacao Y 3 + pY + q = 0. Observandoque a formulas de Cardan se expressam como

y1 = u1 + v1, y2 = wu1 + w2v1, e y3 = w2u1 + wv1.

Mostre que

y1 + wy2 + w2y3 = 3v1, y1 + wy3 + w2y2 = 3u1.

Conclua que valem as seguintes relacoes:

(y1 + wy2 + w2y3) · (y1 + wy3 + w2y2 = −3p(y1 + wy2 + w2y3)

3 + (y1 + wy3 + w2y2)3 = −27q

10. Sejam x1, x2 e x3 as raızes da equacao X3 + a2X2 + a1X + a0 = 0.

Mostre que valem as igualdades

(x1 + wx2 + w2x3) · (x1 + wx3 + w2x2 = −3a1 + a22

(x1 + wx2 + w2x3)3 + (x1 + wx3 + w2x2)

3 = −2a32 + 9a1a2 − 27a0.

(Sugestao: Use o Problema 2.8 e as relacoes entre x1, x2, x3, a0, a1, a2 ey1, y2, y3, p, q).

Page 93: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

4.3. A EQUACAO DO QUARTO GRAU 93

4.3 A Equacao do Quarto Grau

Apresentamos nesta secao o metodo de Ferrari para resolucao da equacaodo quarto grau. Considere a equacao:

X4 + a3X3 + a2X

2 + a1X + a0 = 0 (4.6)

Temos que X4 + a3X3 = −(a2X

2 + a1X + a0). Completanto o quadradono primeiro membro desta equacao e comparando com o segundo membro,temos (

X2 +1

2a3X

)2

=

(1

4a2

3 − a2

)X2 − a1X − a0 (4.7)

Se o segundo membro desta equacao fosse um quadrado perfeito, a resolucaoda equacao recairia na resolucao de duas equacoes do segundo grau. O nossoobjetivo sera agora transformar o seguno membro de (18) em um quadradoperfeito, sem destruir o quadrado perfeito do primeiro membro.

Somando a ambos os membros de (18) a expressao Y 2+2Y ·(X2 + 1

2a3X

),

obtemos,

[(X2 +

1

2a3X

)+ Y

]2

=

(2Y +

1

4a2

3 − a2

)X2 + (Y a3 − a1)X + (Y 2 − a0)

(4.8)Vamos agora determinar os valores de Y que transformarao o segundo

membro de (19) em um quadrado perfeito. Para que isto ocorra devemos tero discriminante do segundo membro de (19), como trinomio do segundo grauem X, nulo. ou seja,

(Y a3 − a1)2 − 4 ·

(2Y +

1

4a2

3 − a2

)· (Y 2 − a0) = 0

Daı segue que,

8Y 3 − 4a2Y2 + (2a1a3 − 8a0)Y + (4a0a2 − a0a

23 − a2

1) = 0 (4.9)

Escolhendo Y como sendo uma das raızes da equacao (4), a equacao (3) nosfornece [(

X2 +1

2a3X

)+ Y

]2

= (αX + β)2 (4.10)

Page 94: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

94 CAPITULO 4. AS EQUACOES DE GRAU ≤ 4

com α e β convenientes. Esta equacao se resolve mediante a resolucao dasduas equacoes do segundo grau:

(X2 +

1

2a3X

)+ Y = (αX + β) e

(X2 +

1

2a3X

)+ Y = −(αX + β)

Como a equacao (17) e equivalente a equacao (21), temos que a resolucao deuma equacao do quarto grau pode ser reduzida a resolucao de equacoes doterceiro e do segundo graus.

Exemplo: Resolvamos a equacao X4 − 2X3 + 4X2 − 2X + 3 = 0.

Determinemos Y satisfazendo a equacao (20) que no nosso caso toma aforma: Y 3 − 2Y 2 − 2Y + 4 = 0. E facil verificar que y = 2 e solucao destaequacao. Para este valor de Y a equacao (19) passa a ser

(X2 −X + 2)2 = X2 − 2X + 1 = (X − 1)2.

Obtemos assim as seguintes equacoes do segundo grau:

X2 −X + 2 = X − 1 e X2 −X + 2 = −(X − 1),

cujas raızes sao as raızes da equacao proposta. Assim, a nossa equacao temas raızes 1 +

√2 i , 1−

√2 i , i e −i.

PROBLEMAS 4.3.

1. Resolva as equacoes:

a) X4 − 12X2 + 24X − 5 = 0 b) X4 − 24X2 + 60X + 11 = 0c) X4 − 15X2 − 12X − 2 = 0 d) X4 − 9X2 − 6X + 4 = 0e) X4 + 8X2 + 16X + 20 = 0 f) X4 + 2X2 − 4X + 8 = 0

Page 95: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 5

O GRUPO SIMETRICO

Num trabalho publicado em 1771 cerca de dois seculos apos os traba-lhos dos algebristas bolonheses que estudamos no Capıtulo 4, Joseph LouisLagrange (ou Giuseppe Luigi Lagrangia como reivindicam os italianos), apro-fundou o estudo das relacoes entre coeficientes e as raızes de um polinomio,mediante a introducao dos grupos simetricos e de suas propriedades. Esteestudo conduziu-o a achar um metodo unificado para atacar a resolucao dasequacoes algebricas de qualquer grau. O metodo funcionou maravilhosa-mente no caso das equacoes do terceiro e quarto graus, como veremos noproximo capıtulo, mas apresentou dificuldades na tentativa de resolver aequacao do quinto grau.

Apesar de Lagrange nao ter conseguido resolver os problemas da Teoriadas Equacoes Algebricas, os seus trabalhos criaram instrumentos para que P.Ruffini e N. H. Abel, numa serie de trabalhos realizados entre 1799 e 1824,demonstrassem a impossibilidade de resolver a equacao geral do quinto grau.Posteriormente, Evariste Galois, retornando as ideias de Lagrange, escreveuuma das mais belas e importantes paginas da Matematica, a Teoria de Galois.

5.1 Relacoes Entre Coeficientes e Raızes

O nosso objetivo nesta secao e determinar as relacoes existentes entre oscoeficientes e as raızes das equacoes algebricas.

95

Page 96: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

96 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

Seja K um corpo e X1, X2, . . . , Xn indeterminadas sobre K. Considere opolinomio:

(X +X1)(X +X2) · · · (X +Xn) ∈ K[X,X1, X2, . . . , Xn].

Queremos escrever este polinomio como elemento de K[X1, . . . , Xn][X]. Paraeste efeito, introduziremos os seguintes polinomios de K[X1, . . . , Xn] :

s1(X1, . . . , Xn) =∑

i

Xi = X1 + · · ·+Xn

s2(X1, . . . , Xn) =∑

i1<i2

Xi1Xi2

= X1X2 +X1X3 + · · ·+Xn−1Xn

s3(X1, . . . , Xn) =∑

i1<i2<i3

Xi1Xi2Xi3

= X1X2X3 +X1X2X4 + · · ·+Xn−2Xn−1Xn

...

sn−1(X1, . . . , Xn) =∑

i1<i2<···<in−1

Xi1Xi2 · · ·Xin−1

= X1X2 · · ·Xn−1 + · · ·+X2X3 + · · ·+Xn

sn(X1, . . . , Xn) = X1X2 · · ·Xn

Pede-se ao leitor verificar as seguintes relacoes, validas para todo n,

s1(X1, . . . , Xn) = s1(X1, . . . , Xn−1) +Xn

s2(X1, . . . , Xn) = s2(X1, . . . , Xn−1) +Xns1(X1, . . . , Xn−1)

s3(X1, . . . , Xn) = s3(X1, . . . , Xn−1) +Xns2(X1, . . . , Xn−1)...

sn−1(X1, . . . , Xn) = sn−1(X1, . . . , Xn−1) +Xnsn−2(X1, . . . , Xn−1)

sn(X1, . . . , Xn) = Xnsn−1(X1, . . . , Xn−1)

LEMA 5.1. Temos a seguinte relacao:

(X −X1)(X −X2) · · · (X −Xn) == Xn − s1(X1, . . . , Xn)X

n−1 + · · ·+ (−1)n−1sn−1(X1, . . . , Xn)X++(−1)nsn(X1, . . . , Xn).

Page 97: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.1. RELACOES ENTRE COEFICIENTES E RAIZES 97

Demonstracao: A demonstracao sera feita por inducao sobre n ≥ 2. Paran = 1, o resultado e obvio. Vamos supor que a formula vale para n e provarque vale para n + 1. Multiplicando por (X − Xn+1) ambos os lados daigualdade no enunciado do Lema, obtem-se:

(X −X1)(X −X2) · · · (X −Xn)(X −Xn+1) == [Xn − s1(X1, . . . , Xn)X

n−1 + · · ·+ (−1)nsn(X1, . . . , Xn)](X −Xn+1) == Xn+1 − [s1(X1, . . . , Xn) +Xn+1]X

n++[s2(X1, . . . , Xn)X

n−1 +Xn+1s1(X1, . . . , Xn)]Xn−1 + · · ·+

+(−1)n[sn(X1, . . . , Xn) +Xn+1sn−1(X1, . . . , Xn)]X++(−1)n+1Xn+1sn(X1, . . . , Xn) =

= Xn+1 − s1(X1, . . . , Xn)Xn + · · ·+ (−1)nsn(X1, . . . , Xn)X+

+(−1)n+1sn+1(X1, . . . , Xn).

PROPOSICAO 5.1. Se x1, x2, . . . xn sao as raızes de a0 + a1X + · · · +anX

n = 0, entaos1(x1, . . . , xn) = −an−1

an

s2(x1, . . . , xn) = −an−2

an

...si(x1, . . . , xn) = (−1)i an−i

an

...sn(x1, . . . , xn) = (−1)n a0

an

Demonstracao: Sendo x1, . . . , xn as raızes da equacao

a0 + a1X + · · ·+ anXn = 0,

temos pelo Lema 1 que

a0 + a1X + · · ·+ anXn = an(X − x1) · · · (X − xn) =

= an[Xn − s1(x1, . . . , xn)Xn−1 + · · ·+ (−1)n−1sn−1(x1, . . . , xn)X+

+(−1)nsn(x1, . . . , xn).

Igualando os coeficientes dos termos de mesmo grau, obtem-se o resultado.

As igualdades na Proposicao acima sao chamadas relacoes entre coefici-entes e raızes da equacao dada. Estas relacoes nos dao um sistema de nequacoes (nao lineares) nas n incognitas x1, x2, . . . , xn. E natural pensar emresolver o sistema para obter as raızes x1, x2, . . . , xn. Vejamos num exemplo

Page 98: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

98 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

o que sucede.

Exemplo 1 : Considere a equacao X3 +X + 1 = 0, a qual esta associadoo sistema:

x1 + x2 + x3 = 0x1x2 + x1x3 + x2x3 = 1x1x2x3 = −1

Para resolver este sistema procederemos por eliminacao. Multiplicandoa segunda equacao por x3, obtemos x1x2x3 + x1x3

2 + x2x32 = x3. Usando

a terceira equacao segue que −1 + (x1 + x2)x32 = x3. Usando a primeira

equacao obtem-se −1 + (−x3)x32 = x3.

Portanto para achar x3 devemos resolver a equacao x32 + x3 + 1 = 0 que

e precisamente a equacao proposta originalmente.

Este exemplo nos mostra que nao sera este o metodo que nos conduziraa resolucao das equacoes. Entretanto, se tivermos alguma informacao adi-cional sobre as raızes e possıvel chegar as solucoes. Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 2 : Resolva a equacao X3 −X2 − 2X + 2 = 0 sabendo-se que oproduto de duas de suas raızes e igual a −2.

Sejam x1, x2 e x3 as raızes da equacao. Acrescentando a condicao acimaas relacoes entre coeficientes e raızes, obtemos o sistema:

x1 + x2 + x3 = 1x1x2 + x1x3 + x2x3 = −2x1x2x3 = −2x1x2 = −2

Da terceira e da quarta equcoes segue que x3 = 1. Da primeira temosque x1 + x2 = 0 que juntamente com a quarta nos fornece x1 = ±

√2. Como

x2 = −x1, as raızes da equacao sao 1,√

2 e −√

2.

Exemplo 3 : Resolvamos a equacao X3 − 3X2 + X + 1 = 0, sabendo-seque as suas raızes estao em progressao aritmetica.

Page 99: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.1. RELACOES ENTRE COEFICIENTES E RAIZES 99

Sejam x1 = a− r, x2 = a, e x3 = a+ r as raızes da equacao. Temos que,

3 = x1 + x2 + x3 = 3a1 = x1x2 + x1x3 + x2x3 = 3a2 − r2

−1 = x1x2x3 = a(a2 − r2)

Da primeira dessas equacoes segue que a = 1. Da segunda temos entao que3− r2 = 1, logo r2 = 2 e portanto r = ±

√2. Tem-se entao que as raızes da

equacao sao 1−√

2, 1 e 1 +√

2.

Exemplo 4 : Determinaremos a soma dos quadrados das raızes da equacao3X5 − 3X4 + 2X3 +X − 1 = 0 sem resolve-la.

Se x1, x2, x3, x4 e x5 sao as suas raızes, temos que

x12 + x2

2 + x32 + x4

2 + x52 =

= (x1 + x2 + x3 + x4 + x5)2 − 2(x1x2 + · · ·+ x4x5)

= 12 − 2 ·(

23

)= 1− 4

3= −1

3

Exemplo 5 : Determinaremos a soma dos inversos das raızes da equacao2X4 − 6X3 + 5X2 − 7X + 1 = 0 sem resolve-la.

Se x1, x2, x3 e x4 sao as raızes da equacao, temos que

1

x1

+1

x2

+1

x3

+1

x4

=x2x3x4 + x1x3x4 + x1x2x4 + x1x2x3

x1x2x3x4

=7212

= 7

A Proposicao 1 e os exemplos 4 e 5 acima nos mostram que certas funcoesdas raızes, por exemplo, a soma das raızes, a soma dos produtos dois a doisdas raızes, a soma dos produtos tres a tres das raızes etc., a soma dos qua-drados das raızes e a soma dos inversos das raızes podem ser calculadas emfuncao dos coeficientes da equacao sem resolve-la.

Na secao 4 estudaremos uma classe de funcoes, as funcoes simetricas dasraızes, que podem ser calculadas em funcao dos coeficientes sem resolver aequacao. Como o conceito de funcao simetrica esta intimamente ligado anocao de grupos de permutacoes, dedicaremos as proximas duas secoes aeste assunto.

Page 100: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

100 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

PROBLEMAS 5.1.

1. Resolva as seguintes equacoes, dadas as condicoes adicionais:

(a) X3 + 2X2 + 3X + 2 = 0 sabendo-se que x1 + x2 = x3.

(b) 3X3 + 2X2 − 19X + 6 = 0 sabendo-se que x1 + x2 = −1.

(c) X3 − 7X2 − 42X + 216 = 0 sabendo-se que x32 = x1x2.

(d) X3 + 9X2 + 6X − 56 = 0 sabendo-se que x2 = −2x1.

(e) 9X3 − 36X2 + 44X − 16 = 0 sabendo-se que as suas raızes estaoem progressao aritmetica.

(f) 3X3 − 26X2 + 52X − 24 = 0 sabendo-se que as suas raızes estaoem progressao geometrica.

(g) X4 − 2X3 + 2X2 −X − 2 = 0 sabendo-se que x1 + x2 = 1.

2. Sabendo-se que as raızes da equacao X3 − 2X2 + aX + 46 = 0 estaoem progressao aritmetica, determine o valor de a e resolva a equacao.

3. Sabendo-se que as raızes da equacao 2X4−15X 3+aX2−30X+8 = 0estao em progressao geometrica, determine o valor de a e resolva aequacao.

4. Qual a relacao que deve existir entre p, q e r para que as raızes daequacao X3 + pX2 + qX + r = 0

(a) estejam em progressao aritmetica?

(b) estejam em progressao geometrica?

5. Dada a equacao 2X5 − 3X4 −X3 + 7X2 − 9X + 8 = 0 , ache

(a) a soma dos quadrados de sua raızes

(b) a soma dos cubos de suas raızes

(c) a soma dos inversos de suas raızes

(d) a soma dos quadrados dos inversos de suas raızes.

6. Ache o valor dem para que a soma dos quadrados das raızes da equacao3X5 −mX3 + 2X2 +X − 1 = 0 seja igual a 1.

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5.2. GRUPOS 101

7. Sabendo-se que as raızes de 3X3 + 4X2 + 8X + 24 = 0 sao numeroscomplexos de igual modulo, resolva a equacao.

8. A equacao X5 + 4X4 + 2X3 − 13X2 − 19X − 5 = 0 tem uma raız daforma a+ bi com a e b inteiros, determine a e b.

5.2 Grupos

Iniciaremos nesta secao o estudo das propriedades gerais dos grupos.Neste Capıtulo apresentaremos apenas os aspectos mais elementares da teo-ria geral e estudaremos com mais detalhes o chamado grupo simetrico ou depermutacoes. Este inıcio da teoria e essencialmente devido a Lagrange e aCauchy. Voltaremos ao assunto no Capıtulo 9 para maior aprofundamento.

5.2.1 A nocao de grupo

Seja C um conjunto nao vazio. Define-se

SC = {σ : C → C | σ e uma bijecao} .Um elemento de SC e tambem chamado de permutacao de C. Em SC te-

mos a operacao de composicao de funcoes, que sabidamente tem as seguintespropriedades:

1. E associativa

2. Possui elemento neutro,

3. Cada bijecao possui um inverso para a composicao, que e a bijecaoinversa.

Isto motiva a seguinte definicao abstrata.

DEFINICAO 5.1. Um conjunto G munido de uma operacao ∗ e chamadoum grupo se satisfaz as seguintes propriedades:

i) Associatividade:a ∗ (b ∗ c) = (a ∗ b) ∗ c ∀ a, b, c ∈ G;

ii) Existencia de elemento neutro:∃ e ∈ G, tal que e ∗ a = a ∗ e = a, ∀ a ∈ G;

iii) Existencia de inverso:∀ a ∈ G, ∃ b ∈ G tal que a ∗ b = b ∗ a = e.

Page 102: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

102 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

Exemplos : Sao grupos os seguintes conjuntos com as operacoes corres-pondentes:

1. (SC , ◦), as permutacoes de C 6= Φ com a operacao de composicao defuncoes;

2. ( Z, +), ( Q, +), ( R, +), ( C, +) sao grupos;

3. ( Zn, +), para todo n ∈ N;

4. (A[X], +), onde A e um anel;

5. (A∗, ·) o conjunto dos elementos invertıveis de um anel com a operacaode multiplicacao do anel.

PROPOSICAO 5.2. Num grupo G sao unicos o elemento neutro e o ele-mento inverso de um elemento dado.

Demonstracao: Se e e e′ sao elementos neutros em G, temos e′ = e′∗e = e.Se a ∈ G e b, b′ sao inversos de a, temos que a ∗ b = a ∗ b′ (= e), logob ∗ (a ∗ b) = b ∗ (a ∗ b′) e portanto pela associatividade, (b ∗ a) ∗ b = (b ∗ a) ∗ b′.Segue entao que e ∗ b = e ∗ b′, donde b = b′.

O unico elemento inverso de a sera denotado por a−1, se a operacaode G for representada multiplicativamente e, por −a, se for representadaaditivamente. Neste ultimo caso, o elemento neutro e representado por 0.E facil verificar que

a) (a−1)−1 = a ou − (−a) = a;b) (a · b)−1 = b−1 · a−1 ou − (a+ b) = −b+ (−a).

Quando C = {1, 2, . . . , n}, o conjunto SC e denotado simplesmente porSne e chamado de grupo simetrico de grau n. Sabemos que Sn tem n! elementos(cf. I-3, Proposicao 1).

Como toda funcao e determinada quando se conhece a imagem de cadaelemento do domınio, podemos representar um elemento σ ∈ Sn como

σ =

(1 2 · · · n

σ(1) σ(2) · · · σ(n)

),

Page 103: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.2. GRUPOS 103

onde σ(1), σ(2), . . . , σ(n) sao os elementos (1, 2, . . . , n) numa determinadaordem, isto e uma permutacao destes elementos.

Exemplo 6 : σ =

(1 2 3 43 2 1 4

)e a bijecao 1 7→ 3, 2 7→ 2, 3 7→ 1,

4 7→ 4.

O elemento neutro de Sn e portanto e =

(1 2 · · · n1 2 · · · n

)e a com-

posicao nesta notacao se efetua do seguinte modo:

σ ◦ τ =

(1 2 · · · n

σ(1) σ(2) · · · σ(n)

)◦(

1 2 · · · nτ(1) τ(1) · · · τ(n)

)

=

(1 2 · · · n

σ(τ(1)) σ(τ(2)) · · · σ(τ(n))

)

Alem disso,

σ−1 =

(1 2 · · · n

σ(1) σ(2) · · · σ(n)

)−1

=

(σ(1) σ(2) · · · σ(n)

1 2 · · · n

),

onde a ultima expressao deve ser rearrumada de modo que a primeira linhase transforme em 1, 2, . . . n.

Exemplo 7 :(1 2 3 43 2 4 1

)·(

1 2 3 42 4 3 1

)=

(1 2 3 42 1 4 3

).

A maneira de proceder nesta composicao e da direita para a esquerda:

1 7→ 2, 2 7→ 2, logo 1 7→ 22 7→ 4, 4 7→ 1, logo 2 7→ 13 7→ 3, 3 7→ 4, logo 3 7→ 44 7→ 1, 1 7→ 3, logo 4 7→ 3

Exemplo 8 :(1 2 3 4 53 4 2 5 1

)−1

=

(3 4 2 5 11 2 3 4 5

)=

(1 2 3 4 55 3 1 2 4

).

O proximo exemplo e muito importante.

Page 104: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

104 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

Exemplo 9 : Determinaremos neste exemplo a tabela da multiplicacao emS3.

Sejam σ1 =

(1 2 31 2 3

)= e, σ2 =

(1 2 33 1 2

), σ3 =

(1 2 32 3 1

),

τ1 =

(1 2 31 3 2

), τ2 =

(1 2 32 1 3

)e τ3 =

(1 2 33 2 1

).

Temos que

◦ σ1 σ2 σ3 τ1 τ2 τ3

σ1 σ1 σ2 σ3 τ1 τ2 τ3

σ2 σ2 σ3 σ1 τ2 τ3 τ1

σ3 σ3 σ1 σ2 τ3 τ1 τ2

τ1 τ1 τ3 τ2 σ1 σ3 σ2

τ2 τ2 τ1 τ3 σ2 σ1 σ3

τ3 τ3 τ2 τ1 σ3 σ2 σ1

onde x ◦ y se encontra na linha do x e na coluna do y. Por exemplo,σ2 ◦ τ3 = τ1. Pede-se ao leitor verificar, a tıtulo de exercıcio, a tabela acima.

Note que em S3 temos que σ2◦τ1 6= τ1◦σ2, isto e σ2 e τ1 nao comutam. Osgrupos nos quais dois elementos quaisquer comutam sao chamados abelianos.Sao abelianos os grupos dos Exemplos 2, 3, 4 e 5. Com relacao ao exemplo1, temos o seguinte resultado.

PROPOSICAO 5.3. Para todo n ≥ 3, Sn nao e abeliano.

Demonstracao: Sejam σ e τ definidas por σ(1) = 2, σ(2) = 1 e σ(x) = xse x ≥ 3; e τ(1) = 1, τ(2) = 3, τ(3) = 2 e τ(x) = x se x ≥ 4. Temos entaoque (σ ◦ τ)(1) = 2 e (τ ◦ σ)(1) = 3, logo σ ◦ τ 6= τ ◦ σ.

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5.2. GRUPOS 105

5.2.2 Subgrupos

Um subconjunto H de um grupo G e chamado subgrupo de G se H coma operacao de G for um grupo. Para verificar que um subconjunto H de Ge um subgrupo de G, basta verificar que

i) A operacao de G e fechada em H, isto e, a ∗ b ∈ H, ∀ a, b ∈ H.ii) O elemento neutro e de G pertence a H.iii) O inverso de todo elemento de H pertence a H, isto e, se a ∈ H

entao a−1 ∈ H.

Nao e necessario verificar a associatividade da operacao em H ja que aoperacao e associativa em G.

Exemplo 11 : (Z, +) e um subgrupo de (Q, +) que e subgrupo de (R, +)que por sua vez e subgrupo de (C, +).

Damos a seguir um criterio util para verificar se H ⊆ G e um subgrupo.

PROPOSICAO 5.4. Um subconjunto nao vazio H de um grupo G e umsubgrupo de G se, e somente se, para todos a, b ∈ H tem-se que a ∗ b−1 ∈ H.

Demonstracao: A implicacao direta e obvia pois sendo a, b ∈ H e H umsubgrupo de G, temos que b−1 ∈ H e, portanto a∗b−1 ∈ H . Reciprocamente,sendo H 6= Φ, tome c ∈ H , logo por hipotese, e = c ∗ c−1 ∈ H . Seja a ∈ H ,como e ∈ H , temos que a−1 = e ∗ a−1 ∈ H . Resta apenas provar o fecha-mento da operacao de G em H . Sejam a, b ∈ H , logo pelo que provamosacima b−1 ∈ H e, portanto, pela hipotese, a ∗ b = a ∗ (b−1)−1 ∈ H .

A ordem de um grupo finito G e o numero de elementos de G. Denota-remos a ordem de G por |G|. Queremos comparar a ordem de um subgrupoH com a ordem de G. Uma relacao trivial, que decorre da inclusao H ⊆ G,e a seguinte: |H| ≤ |G|. Entretanto, por ser H um subgrupo de G, Lagrangeprovou que existe uma relacao bem mais forte do que a acima. Para isto, enecessario introduzir um novo conceito.

Sejam a ∈ G e H um subgrupo de G. Definem-se

aH = {a ∗ h | h ∈ H} e Ha = {h ∗ a | h ∈ H}.

Page 106: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

106 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

O conjunto aH e chamado classe lateral a esquerda de a relativamente aH , enquanto que Ha e chamado classe lateral a direita. Em particular,eH = He = H .

Na notacao aditiva, escreve-se a+H em vez de aH . Se G = Z e H = mZ,a classe lateral de a ∈ Z segundo H e dada por a+mZ = {a+mx | x ∈ Z}.

PROPOSICAO 5.5 (Lagrange). Sejam G um grupo, H um subgrupo deG e a, b ∈ G.

(i) se, e somente se, b−1 ∗ a ∈ H.(ii) Se aH ∩ bH 6= Φ entao aH = bH.

(iii)⋃x∈G xH = G.

(iv) Existe uma bijecao entre aH e bH.

Demonstracao: (i) Suponha que aH = bH . Como a = a ∗ e ∈ aH , segueque a ∈ bH , logo a = b ∗ h para algum h ∈ H e portanto b−1 ∗ a = h ∈ H .Reciprocamente, suponha que b−1 ∗ a ∈ H , logo a−1 ∗ b = (b−1 ∗ a)−1 ∈ H .Seja c ∈ aH , logo c = a ∗ h com h ∈ H , segue que c = b ∗ b−1 ∗ a ∗ h comh ∈ H , logo c = b∗h com h = b−1 ∗a∗h ∈ H , daı vem que c ∈ bH , provandoassim que aH ⊆ bH . A inclusao bH ⊆ aH e semelhante usando a relacaoa−1 ∗ b ∈ H .

(ii) Se aH ∩ bH 6= Φ entao existe c ∈ aH ∩ bH , assim podemos escreverc = a ∗h = b ∗h′, onde h, h′ ∈ H . Portanto b−1 ∗ a = h′ ∗h−1 ∈ H . Pelo ıtem(i) segue que aH = bH .

(iii) E claro que⋃x∈G xH ⊆ G. Por outro lado, se a ∈ G temos que

a ∈ aH ⊆ ⋃x∈G xH e portanto G ⊆ ⋃x∈G xH , provando assim a igualdade.

(iv) Basta provar que para todo a ∈ G, existe uma bijecao entre eH =H e aH . Considera a funcao

f : H −→ aHh 7−→ a ∗ h

que e sobrejetiva pois dado y ∈ aH entao y tem a forma y = a∗h com h ∈ He portanto f(h) = y. Ela e injetiva pois se f(h1) = f(h2) entao a∗h1 = a∗h2

Page 107: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.2. GRUPOS 107

e portanto h1 = h2 (Veja Problema 1 (b)).

Na Proposicao 5 acima poder-se-ia trabalhar com as classes laterais a di-reita em vez das classes laterais a esquerda.

TEOREMA 5.1 (Lagrange). Sejam G um grupo finito e H um subgrupode G. Entao a ordem de H divide a ordem de G.

Demonstracao: Da Porposicao 5 e do fato de G ser finito, tem-se que Ge uniao de um numero finito de classes laterais disjuntas e cada uma tem omesmo numero de elementos de H , logo |G| = l|H|, onde l e o numero declasses laterais. Portanto |H| divide |G|.

Definicao: O numero de classes laterais, indiferentemente a direita ou aesquerda, e chamado de ındice de H em G e e denotado por [G : H ].

Temos entao a formula |G| = [G : H ] · |H|.

Exemplo 12 : a+mZ = b+mZ se, e somente se, a−b ∈ mZ se, e somentese, a ≡ b mod m. Assim existem exatamente m classes laterais de mZ emZ que sao

0 +mZ, 1 +mZ, . . . , (m− 1) +mZ.

Num grupo G temos a nocao de potenciacao, ou seja, se a ∈ G e n ∈ Z,define-se na notacao multiplicativa

an =

a · a · · ·a, (n fatores), se n > 0e, se n = 0a−1 · a−1 · · ·a−1 (|n| fatores), se n < 0

Na notacao aditiva escrevemos

na =

a+ a + · · ·+ a, (n parcelas), se n > 00, se n = 0(−a) + (−a) + · · ·+ (−a) (|n| parcelas), se n < 0

Temos as seguintes propriedades, para todos a, b ∈ G e todos m,n ∈ Z.

1) an · am = am+n 1′) na +ma = (n +m)a2) (an)m = an·m 2′) m(na) = (mn)a3) se a · b = b · a entao (a · b)n = an · bn 3′) n(a+ b) = na +mb.

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108 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

O proximo resultado nos mostrara que e mais facil verificar se um subcon-junto finito de um grupo e ou nao um subgrupo.

PROPOSICAO 5.6. Seja G um grupo e H um subconjunto finito de G.Se H e fechado em relacao a operacao de G, entao H e um subgrupo de G.

Demonstracao: Basta mostrar que o elemento neutro e de G esta emH e que o inverso de um elemento de H esta em H . Seja a ∈ H , entaoa2, a3, . . . ,∈ H pois H e fechado em relacao a operacao de G. Como He finito, existem dois numeros naturais distintos n e m tais que an = am.Suponha, sem perda de generalidade, que n > m, multiplicando por a−m

ambos os membros da igualdade acima, obtemos que e = an−m ∈ H . Ob-serve que se n −m = 1, temos que a = e e o seu inverso e ele proprio, logoesta em H. Se n−m > 1, entao a−1 = an−m−1 ∈ H e o resultado esta provado.

Exemplo 13 : Vamos determinar todos os subgrupos de S3. Pela Pro-posicao 6 para verificar que um subconjunto de S3 e um subgrupo, bastamostrar que e fechado em relacao a operacao de S3. Pelo Teorema de La-grange, Para que H ⊆ S3 seja um subgrupo e necessario que |H| divida 6.Portanto temos quatro casos a considerar:

1. |H| = 1. Neste caso temos uma unica possibilidade que e H = {e}.

2. |H| = 2. As possibilidades sao os conjuntos da forma {e, σi} e {e, τi},i = 1, 2, 3. Dentre estes, somente os conjuntos {e, τ1 } , {e, τ2} e {e, τ3}sao fechados em relacao a operacao de S3.

3. |H| = 3. Ha somente as seguintes possibilidades: H = {e, τi, a},i = 1, 2, 3, a 6= e, a 6= τi ou H = {e, σ2, σ3}. A primeira possibilidadedeve ser excluıda pois, caso contrario terıamos que {e, τi} seria umsubgrupo de H e pelo Teorema de Lagrange, 2 teria que dividir 3 oque e um absurdo. Resta a possibilidade H = {e, σ2, σ3}, que e umsubconjunto fechado em relacao a operacao de S3.

4. |H| = 6. Neste caso H = S3.

Assim, os subgrupos de S3 sao {e}, {e, τ1 } , {e, τ2} e {e, τ3}, {e, σ2, σ3} e S3.

Page 109: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.2. GRUPOS 109

Exemplo 14 : Vamos determinar todos os subgrupos de Z. Se H e umsubgrupo de Z, entao

(i) H 6= Φ(ii) a+ b ∈ H, ∀ a, b ∈ H

(iii) na ∈ H, ∀ n ∈ Z, ∀ a ∈ H.

Portanto todo subgrupo de Z e um ideal de Z e consequentemente da formaH = I(d) = {nd | n ∈ Z} para algum d ∈ Z (cf. I-4, Teorema 1).

A determinacao dos subgrupos de um grupo e algo bastante complexo eesta longe de ter sido resolvida em geral. Voltaremos no Capıtulo 9 a questaoda existencia de certos subgrupos de um grupo finito.

5.2.3 Grupos Cıclicos

Sejam G um grupo e a ∈ G. Vamos definir na notacao multiplicativa

〈a〉 = {an | n ∈ Z}

ou na notacao aditiva〈a〉 = {na | n ∈ Z}

E claro que 〈a〉 e um subgrupo de G pois e fechado em relacao a operacaode G, e = a0 ∈ 〈a〉 (ou 0 = 0 · a ∈ 〈a〉 ) e cada an ∈ 〈a〉 ou ( na ∈ 〈a〉 )tem um inverso a−n ∈ 〈a〉 (ou (−n)a ∈ 〈a〉 ). Este subgrupo sera chamadode subgrupo gerado por a.

Para simplificar os enunciados, vamos usar apenas a notacao multiplica-tiva, deixando para o leitor o exercıcio de formular os resultados na notacaoaditiva.

TEOREMA 5.2.

(i) 〈a〉 e finito se, e somente se, existe m ∈ Z tal que am = e(ii) Em tal caso, definindo o(a) = min{n ∈ N | an = e}, temos que

〈a〉 = {e, a, . . . , ao(a)−1}, com ai 6= aj se, i 6= j, i, j = 0, . . . , o(a)− 1.

Page 110: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

110 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

Demonstracao: (i) Suponha que 〈a〉 seja finito, logo na lista de elementosa, a2, a3, . . . devem ocorrer repeticoes e portanto existem r, s ∈ N com r < stais que ar = as e portanto pondo m = s− r, temos que am = e. Reciproca-mente, se existe m tal que am = e, vamos provar que 〈a〉 = {e, a, . . . , am−1}.De fato, a inclusao {e, a, . . . , am−1} ⊆ 〈a〉 e obvia. Por outro lado, Sejab ∈ 〈a〉, logo b = as para algum s ∈ Z. Pelo algorıtmo da divisao deinteiros temos que s = mq + r, com 0 ≤ r < m. Temos portanto queas = amq+r = (am)q·ar = e·ar = ar e consequentemente as ∈ {e, a, . . . , am−1},provando assim a inclusao 〈a〉 ⊆ {e, a, . . . , am−1}.

(ii) Por definicao de o()a tem-se que ao(a) = e e portanto a mesma de-monstracao feita acima nos mostra que 〈a〉 = {e, a, . . . , ao(a)−1}. So nos restaprovar que ai 6= aj se i 6= j com i, j = 0, 1, . . . , o(a)− 1. De fato se ai = aj

com j > i, entao aj−i = e com 0 < j − i < o(a), o que e uma contradicao emvista da minimalidade de o(a).

Se 〈a〉 e finito, o inteiro o(a) acima definido e chamado a ordem de a,e diremos que a tem ordem finita. Caso contrario, isto e, se 〈a〉 e infinito,diremos que a tem ordem infinita.

PROPOSICAO 5.7. Sejam G um grupo e a ∈ G. Entao am = e se, esomente se, o(a) | m.

Demonstracao: Considere o conjunto I = {m ∈ Z | am = e} ⊆ Z. E facilverificar que I e um ideal de Z, portanto por I-4, Teorema 1, e pela definicaode o(a), temos que I = I(o(a)), de onde segue o resultado.

COROLARIO 5.1. Seja G um grupo finito e seja a ∈ G, entao a|G| = e.

Demonstracao: Pelo Teorema de Lagrange temos que | 〈a〉 | = o(a) divide|G| e, portanto pela Proposicao 7 temos que a|G| = e.

COROLARIO 5.2 (Pequeno Teorema de Fermat). Seja p ∈ Z umnumero primo positivo. Entao para todo a ∈ Z

pZ= Zp, tem-se que ap−1 ≡ 1

mod p.

Page 111: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.2. GRUPOS 111

Demonstracao: Considere o grupo (Zp∗, ·) que tem p− 1 elementos, logo

para todo a ∈ Z, temos que (a)p−1 = 1, onde a e a classe residual modulo pde a, de onde segue o resultado.

COROLARIO 5.3 (Teorema de Euler). Seja Φ a funcao de Euler e sejan um inteiro natural. Entao para todo a ∈ Z com (a, n) = 1, tem-se queaΦ(n) ≡ 1 mod n.

Demonstracao: Considere o grupo (Zn∗, ·) que tem Φ(n) elementos.

Agora o resultado segue usando a mesma argumentacao usada no Corolario 2.

Definicao: Um grupo G e chamado grupo cıclico se existir a ∈ G tal queG = 〈a〉.

Exemplo 15 : Todo grupo cıclico e abeliano. De fato, se G = 〈a〉 entaodois elementos quaisquer de G podem ser escritos sob a forma ai e aj comi, j ∈ Z. Logo ai ∗ aj = ai+j = aj+i = aj ∗ ai.

Exemplo 16 : Z e cıclico pois Z = 〈1〉. Os grupos Zn sao cıclicos poisZn = 〈1〉. Outros exemplos de grupos cıclicos sao os (Un, ·), onde Un eo conjunto das raızes n-esimas da unidade em C e a operacao e o produtode numeros complexos. Um gerador de Un e uma raiz n-esima primitiva daunidade.

Exemplo 17 : Todo grupo de ordem prima e cıclico. De fato, se G e umgrupo de ordem prima p, escolha a ∈ G − {e}. Temos que o(a) 6= 1 e peloTeorema de Lagrange temos que o(a) | p e portanto o(a) = p. Segue entaoque | 〈a〉 | = |G| e portanto G = 〈a〉.

PROPOSICAO 5.8. Seja G um grupo e seja a um elemento de ordemfinita de G. Se r ∈ Z, entao o(ar) = o(a)

(o(a),r).

Demonstracao: Temos que o(ar) e o menor inteiro positivo n tal que(ar)n = e, ou seja, pela Proposicao 7, tal que o(a) | rn. Portanto rn e o me-nor multiplo comum de o(a) e de r, ou seja rn = [o(a), r]. Por I-4, Problema

3.10, temos que [o(a), r] = o(a)·r(o(a),r)

. Juntando estas duas igualdades temos oresultado.

Page 112: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

112 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

LEMA 5.2. Sejam G = 〈a〉 um grupo cıclico de ordem n e, s um inteiropositivo. Entao 〈as〉 =

⟨a(n,s)

⟩. Em particular, 〈as〉 = 〈a〉 se, e somente se,

(n, s) = 1.

Demonstracao: E facil verificar que 〈as〉 ⊆⟨a(n,s)

⟩. Por outro lado, como

(n, s) = λs+ µn para inteiros convenientes λ e µ, temos que

a(n,s) = aλs+µn = (as)λ(an)µ ∈ 〈as〉 ,

consequentemente⟨a(n,s)

⟩⊆ 〈as〉 o que prova o resultado.

PROPOSICAO 5.9. Seja G um grupo cıclico de ordem n gerado por a. SeH e um subgrupo de G de ordem m entao H tambem e cıclico e e gerado por

a(nm).

Demonstracao: Seja I(oH(a)) = {n ∈ Z | an ∈ H}. Claramente I(oH(a))e um ideal de Z que contem I(o(a)). Seja r um gerador de I(oH(a)). E facilverificar que H = 〈ar〉. Alem disso, pela Proposicao 8,

m = |H| = o(ar) =o(a)

(o(a), r)=

n

(n, r).

Assim, (n, r) = nm

. Pelo Lema 1,

H = 〈ar〉 =⟨a(n,r)

⟩=⟨a(

nm)⟩.

Exemplo 18 : (Determinacao dos subgrupos de um grupo cıclico) Seja Gum grupo cıclico finito de ordem n gerado por a. Seja H um subgrupo deG de ordem m. Pelo Teorema de Lagrange, m e um divisor de n. Pela Pro-

posicao 9, H e gerado por a(nm). Isto mostra que H e o unico subgrupo de

G de ordem m. Por outro lado, se m e um divisor de n, digamos, n = mr,entao H = 〈ar〉 e um subgrupo de G de ordem m. Isto nos fornece umadescricao completa dos subgrupos de G, a saber, os subgrupos de G sao daforma

⟨ad⟩

onde d e um divisor de n.

Page 113: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.2. GRUPOS 113

PROBLEMAS 5.2.

1. Mostre que se a, b e c sao elementos de um grupo G, valem as seguintesrelacoes:

(a) Cancelamento a direita: a ∗ c = b ∗ c ⇒ a = b.

(b) Cancelamento a esquerda: c ∗ a = c ∗ b ⇒ a = b.

(c) (a−1)−1 = a.

(d) (a ∗ b)−1 = b−1 ∗ a−1.

2. Sejam σ =

(1 2 3 43 1 4 2

)e τ =

(1 2 3 42 1 4 3

). Determine

σ ◦ τ , τ ◦ σ, σ3 ◦ τ 2, σ−1, τ−3, σ ◦ τ ◦ σ−1, σ527 e τ 1001.

3. Seja G um grupo tal que g2 = e para todo g ∈ G. Mostre que G eabeliano.

4. Mostre que num grupo finito o produto de todos os elementos e igualao produto dos elementos de ordem 2. Aplique isto a (Zp

∗, ·) onde p eum numero primo positivo, para mostrar oTeorema de Wilson: (p− 1)! ≡ (−1) mod p.

5. Sejam G um grupo, H1 e H2 subgrupos de G. Mostre que H1∩H2 e umsubgrupo de G. Generalize para um numero arbitrario de subgruposde G .

6. Sejam G um grupo, H ⊆ G um subgrupo e a ∈ G.Mostre que aHa−1 = {aha−1 | h ∈ H} e um subgrupo de G.

7. (a) Mostre que S1 = {z ∈ C | |z| = 1} e um subgrupo de (C∗, ·).(b) Se θ ∈ R, mostre que o conjunto Sθ = {(cos θ + i sen θ)n | n ∈ Z}

e um subgrupo de S1.

(c) Mostre que Sθ e finito se, e somente se, θπ∈ Q.

8. Sejam G um grupo, K ⊆ H ⊆ G tais que K e um subgrupo de H e He um subgrupo de G. Mostre que

(a) [G : H ] = 1 se, e somente se, H = G e [G : H ] = |G| se, e somentese, H = {e}.

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114 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

(b) [G : H ] = [G : k] · [H : K], mesmo que um destes numeros sejainfinito. (Note que se K = {e} obtem-se o Teorema de Lagrange).

(c) Se [G : K] e um primo, entao nao existe H 6= G tal que K ⊂ H eK 6= H .

5.3 Estrutura de Orbitas de uma Permutacao

5.3.1 Decomposicao de uma permutacao em um pro-duto de ciclos

Nesta secao, seguindo o estudo realizado por Cauchy, mostraremos quetoda permutacao pode ser decomposta num produto de permutacoes de umtipo bem simples chamados de ciclos e que tal decomposicao e unica.

O grupo Sn age sobre o conjunto {1, 2, . . . , n} , isto e, existe uma funcao

Sn : {1, 2, . . . , n} −→ {1, 2, . . . , n}(σ, x) 7−→ σx = σ(x)

tal que

(i) ex = x ∀ x ∈ {1, 2, . . . , n},(ii) σ1(σ2(x)) = (σ1 ◦ σ2)(x), ∀ σ1, σ2 ∈ Sn, x ∈ {1, 2, . . . , n}.

Se H e um subgrupo de Sn e x ∈ {1, 2, . . . , n}, define-se a orbita de xsegundo H como sendo o conjunto Orb(x) = {σ(x) | σ ∈ H} ⊆ {1, 2, . . . , n}.Em particular, se H = 〈σ〉 para algum σ ∈ Sn, entao

Orb〈σ〉(x) = {σn(x) | n ∈ Z}.

PROPOSICAO 5.10. Sejam H um subgrupo de Sn e x, y ∈ {1, 2, . . . , n}.Temos que

(i) Se OrbH(x) ∩ OrbH(y) 6= Φ entao OrbH(x) = OrbH(y).(ii)

⋃x∈Sn

OrbH(x) = {1, 2, . . . , n}.

Demonstracao: (i) Suponha que OrbH(x) ∩ OrbH(y) 6= Φ e seja z umelemento deste conjunto. Logo existem h, h′ ∈ H tais que

z = h(x) = h′(y) (5.1)

Page 115: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.3. ESTRUTURA DE ORBITAS DE UMA PERMUTACAO 115

Seja u ∈ OrbH(x), logo u = h′′ com h′′ ∈ H . Mas de (1) temos que x =h−1◦h′(y) e portanto u = h′′◦h−1◦h′(y) com h′′◦h−1◦h′ ∈ H e consequente-mente u ∈ OrbH(y). Com isto fica provado a inclusao OrbH(x) ⊆ OrbH(y).A inclusao recıproca obtem-se de modo analogo.

(ii) Observe que x ∈ OrbH(x) pois e ∈ H e ex = x. Logo

{1, 2, . . . , n} ⊆⋃

x∈Sn

OrbH(x) ⊆ {1, 2, . . . , n},

o que fornece a igualdade dos dois conjuntos.

Observe que dado um elemento σ ∈ Sn, temos que σord(σ) = e, logo sex ∈ {1, 2, . . . , n}, o conjunto {m ∈ N | σm(x) = x} e nao vazio.

PROPOSICAO 5.11. Seja r = min {m ∈ N | σm(x) = x}. Temos que

(i) r | ord(σ).(ii) Orb〈σ〉(x) = {x, σ(x), . . . , σr−1(x)}.

Demonstracao: (i) O conjunto I(x) = {m ∈ Z | σm(x) = x} e obvia-mente um ideal de Z e contem o ideal I(ord(σ)) = {m ∈ Z | σm = e}, deonde segue que r | ord(σ).

(ii) Para provar a igualdade, basta provar a inclusao

Orb〈σ〉(x) ⊆ {x, σ(x), . . . , σr−1(x)},

uma vez que a outra inclusao e obvia. Seja z ∈ Orb〈σ〉(x), logo existe m ∈ Z

tal que z = σm()x. Pelo algoritmo da divisao de inteiros, podemos escrever:m = rq + t com 0 ≤ t ≤ r− 1, logo como σr(x) = x, segue que σqr(x) = x, eportanto

z = σm(x) = σrq+t(x) = σt(σqr(x)) = σt(x) ∈ {x, σ(x), . . . , σr−1(x)}.

De acordo com as Proposicoes 10 e 11 temos que, dada uma permutacaoσ ∈ Sn, existem elementos x1, . . . , xs ∈ {1, 2, . . . , n} tais que

Orb〈σ〉(xl) ∩ Orb〈σ〉(xk) = Φ se 1 ≤ l, k ≤ s e l 6= k,

Page 116: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

116 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

e Orb〈σ〉(xl) = {xl, σ(xl), . . . , σri−1(xl)}, onde rl = min{m ∈ N|σm(xl) = xl},

1 ≤ l ≤ s. Temos entao que o conjunto 1, 2, . . . , n esta particionado pelosconjuntos Orb〈σ〉(xl), 1 ≤ l ≤ s.

Exemplo 1 : Se σ =

(1 2 3 4 5 62 3 1 6 5 4

)∈ S6, entao

Orb〈σ〉(1) = Orb〈σ〉(2) = Orb〈σ〉(3) = {1, 2, 3},Orb〈σ〉(4) = Orb〈σ〉(6) = {4, 6} e Orb〈σ〉(5) = {5}.

O tipo de orbita mais simples possıvel e Orb〈σ〉(x) = {x}. E claro queOrb〈σ〉(x) = {x} ⇔ σ(x) = x, e, neste caso, temos que σm(x) = x ∀ m ∈ Z.Neste caso dizemos que σ deixa fixo o elemento x, ou que x e um elementofixo para σ.

A permutacao mais simples do ponto de vista da estrutura das orbitase aquela em que cada orbita se reduz a um elemento, isto e Orb〈σ〉(x) =

{x} ∀ x ∈ {1, 2, . . . , n}. E obvio que esta permutacao e a identidade. Osegundo tipo mais simples de orbita e Orb〈σ〉(x) = {x, y}, x 6= y. Umapermutacao σ ∈ Sn tal que existem x, y ∈ {1, 2, . . . , n} com x 6= y tal queOrb〈σ〉(x) = {x, y} e Orb〈σ〉(z) = {z} ∀ z ∈ {1, 2, . . . , n} , e chamada detransposicao.

Seja r ≥ 2, um r-ciclo ou um ciclo de comprimento r e uma permutacaocom um orbita com r elementos e as demais com apenas um elemento. Umatransposicao e portanto um 2-ciclo. Um r-ciclo pode ser representado por(a− 1, a− 2, . . . , ar), significando σ(a1) = a2, . . . , σ(ar−1) = ar, σ(ar) = a1 eσ(z) = z para todo z ∈ {1, 2, . . . , n} − {a1, . . . , ar}.

Exemplo 2 :

(1 2 3 41 3 2 4

)= (2 3),

(1 2 3 42 3 4 1

)= (1 2 3 4),

(1 2 3 42 3 1 4

)= (1 2 3),

(1 2 3 42 1 4 3

)= (1 2)(3 4),

(1 2 3 42 4 3 1

)= (1 3 4)(3 1 2).

Page 117: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.3. ESTRUTURA DE ORBITAS DE UMA PERMUTACAO 117

Sejam σ ∈ Sn e x ∈ {1, 2, . . . , n}. Dizemos que σ move x ou que x e mo-vido por σ se σ(x) 6= x. Usaremos a notacaoM(σ) = {x | x e movido por σ}.Dizemos que duas permutacoes σ e τ de Sn sao disjuntas seM(σ)∩M(τ) = Φ.

Exemplo 3 :

(1 2 3 4 5 62 3 1 4 5 6

)e

(1 2 3 4 5 61 2 3 5 4 6

)sao

disjuntas, mas

(1 2 32 1 3

)e

(1 2 31 3 2

)nao sao disjuntas.

LEMA 5.3. Sejam σ e τ duas permutacoes disjuntas. Se σ(x) 6= x, entaoτ(σ(x)) = σ()x.

Demonstracao: Observe que se σ(x) 6= x, entao Orb〈σ〉(x) ⊆M(σ) e por-tanto σ(x) ∈ M(σ). Como M(σ) ∩M(τ) = Φ, segue que σ(x) /∈ M(τ) eportanto τ(σ(x)) = σ(x).

PROPOSICAO 5.12. Duas permutacoes disjuntas em Sn comutam.

Demonstracao: Seja x ∈ 1, 2, . . . , n, devemos provar que

σ(τ(x)) = τ(σ(x)).

Caso 1: τ move x.

Trocando σ com τ no Lema 2 temos que σ(τ(x)) = τ(x). Por outro lado,sendo σ e τ disjuntas, temos que σ(x) = x, logo τ(σ(x)) = τ(x). Juntandoestas relacoes obtemos a igualdade σ(τ(x)) = τ(σ(x)).

Caso 2: τ deixa x fixo.

Como τ(x) = x, segue que σ(τ(x)) = x. Por outro lado, pelo Lema 2temos que

τ(σ(x)) =

{σ(x), se σ move xτ(x) = σ(x), se σ deixa x fixo

Juntando estas ultimas ralacoes obtemos que τ(σ(x)) = σ(τ(x)). Portanto σe τ comutam.

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118 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

LEMA 5.4. Sejam σ e τ ciclos em Sn. Se existe x0 ∈ {1, 2, . . . , n} tal que

(i) σ e τ movem x0

(ii) σtx0 = τ tx0 ∀ t ∈ Z,

entao σ = τ .

Demonstracao: Pelas hipoteses temos que

Orb〈σ〉(x0) = Orb〈τ〉(x0) 6= {x0}.

Seja x tal que x /∈ Orb〈σ〉(x0)(= Orb〈τ〉(x0)). Temos que σ(x) = τ(x) = x.Seja agora x tal que x ∈ Orb〈σ〉(x0)(= Orb〈τ〉(x0)). Logo por (ii) existe l ∈ Z

tal que x = σl(x0) = τ l(x0) . Portanto,

σ(x) = σ(σl(x0)) = σl+1(x0) = τ(τ l+1(x0)) = τ(x).

Isto acaba de provar que σ(x) = τ(x) para todo x ∈ {1, 2, . . . n} e portantoque σ = τ .

TEOREMA 5.3 (Cauchy). Toda permutacao diferente da identidade eproduto de ciclos disjuntos. Esta fatoracao e unica a menos da ordem naqual os ciclos sao escritos.

Demonstracao: Existencia da decomposicao: Seja σ ∈ Sn. Escreva

{1, 2, . . . , n} = Orb〈σ〉(x1) ∪ · · · ∪Orb〈σ〉(xs) ∪Orb〈σ〉(xs+11) ∪ · · ·

onde para cada σ ∈ Sn, Orb〈σ〉(xl) = {xl, σxl, . . . , σrl−1xl}, l = 1, 2, . . . ,rl = min{m ∈ N | σmxl = xl} e estas orbitas sao duas a duas disjuntas. Su-ponha que os xi foram ordenados de modo que rl > 1 se l = 1, 2, . . . , se rl = 1 se l = s + 1, . . .. Se definimos σ1 = (x1 σx1 · · · σr1−1x1),. . . , σs = (xs σxs · · · σrs−1xs), temos que σ1, . . . , σs sao ciclos disjuntos(veja Problema 3.2) e claramente σ = σ1 · · ·σs.

Unicidade: Suponha que σ = σ1 · · · σs = τ1 · · · τm, onde σ1, . . . σssao dois a dois disjuntos, o mesmo ocorrendo com τ1, . . . , τm. Seja x ∈{1, 2, . . . , n} um elemento movido por σ (existe pois σ 6= e. Temos entao quealgum σi e algum τj movem x, e como pela Proposicao 12 ciclos disjuntos

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5.3. ESTRUTURA DE ORBITAS DE UMA PERMUTACAO 119

comutam, podemos supor que estes sejam σ1 e τ1. Temos tambem pelahipotese que os ciclos sao disjuntos que,

σ2x = · · · = σsx = τ2x = · · · = τmx = x,

e portanto σx = σ1x = τ1x. Novamente pela comutatividade dos ciclosenvolvidos temos para todo z ∈ Z, que σt = σt1 · · ·σts = τ t1 · · · τ tm e como

σt2x = · · · = σtsx = τ t2x = · · · = τ tmx = x,

segue que σtx = σt1x = τ t1x, ∀t t ∈ Z, portanto pelo Lema 3 temos queσ1 = τ1 e consequentemente σ2 · · · σs = τ2 · · · τm.

Repetindo o mesmo argumento, pode-se mostrar que σ2 = τ2, etc. O re-sultado segue repetindo este argumento sucessivamente se tivessemos s = m.Mas este e efetivamente o caso pois caso contrario, por exemplo se m > s,terıamos e = τs+1 · · · τm, o que e impossıvel pois τs+1, . . . , τm sao ciclos dis-juntos.

COROLARIO 5.4. Toda permutacao e um produto de transposicoes.

Demonstracao: Pelo teorema basta mostrar que todo ciclo e produto detransposicoes. O resultado segue observando que

(a1 a2 · · · ar) = (a1 ar)(a1 ar−1) · · · (a1 a3)(a1 a2)

Exemplo 4 :

(1 2 3 4 5 62 3 1 5 4 6

)= (1 2 3)(4 5) = (1 3)(1 2)(4 5)

(1 2 3 4 5 63 5 4 1 6 2

)= (1 3 4)(2 5 6) = (1 4)(1 3)(2 6)(2 5)

No Corolario acima nao se pode exigir que as transposicoes sejam disjun-tas nem se pode garantir que a escrita seja unica. Por exemplo temos

(1 2 3) = (2 1)(2 3) = (1 3)(1 2) = (3 2)(1 3) = (2 1)(1 3)(2 3)(1 2).

Na proxima secao determinaremos um invariante da escrita de uma per-mutacao como produto de transposicoes.

Page 120: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

120 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

PROBLEMAS 5.3.

1. Sejam σ, τ ∈ Sn e t ∈ Z.

(a) Mostre que M(σt) ⊆M(σ).

(b) Mostre que se σ e τ sao disjuntas, entao σt e τ s sao disjuntas

2. Mostre que dois ciclos (a1 · · · ar) e (b1 · · · bs) sao disjuntos se esomente se {a1, . . . , ar} ∩ {b1, . . . bs} = Φ.

3. Mostre que (a1 · · · ar)−1 = (ar · · · a1).

4. (a) Mostre (a1 · · · ar) = (b1 · · · br) se, e somente se, a1, a2, . . . , ar eb1, b2, . . . , br sao iguais como permutacoes circulares.

(b) De quantos modos se pode escrever como r-ciclo o ciclo (a1 · · · ar)?(c) Quantos r-ciclos distintos existem em Sn ?

5. Decomponha as seguintes permutacoes em produtos de ciclos disjuntose em seguida as escreva como produto de transposicoes(

1 2 3 4 52 1 3 5 4

),

(1 2 3 4 53 2 4 5 1

),

(1 2 3 4 55 4 1 2 3

),

(1 2 3 4 54 3 2 5 1

),

(1 2 3 4 52 3 5 1 4

),

(1 2 3 4 55 4 3 2 1

).

6. Sejam σ uma permutacao e τ uma transposicao em Sn. Suponha queσ seja o produto de l ciclos disjuntos. Com quantos ciclos disjuntos seescreve o produto τ · σ ?(Sugestao: Faca uma analise de casos segundo τ e σ sejam disjuntos, ou τ tenha

apenas um elemento em comum com um ciclo de σ, ou dois elementos em comum,

ou cada elemento de τ seja comum a um ciclo distinto de σ).

7. Uma permutacao σ ∈ Sn chama-se regular se e a identidade ou se naotem elementos fixos e e o produto de ciclos disjuntos de mesmo com-primento. Prove que σ e regular se, e somente se, σ e a potencia de umn-ciclo.(Sugestao: Note que se l = n

r, tem-se que

(i1 i2 · · · ir)(j1 j2 · · · jr) · · · (m1 m2 · · · mr) == (i1 j1 · · · m1 i2 j2 · · · m2 · · · ir jr · · · mr)

l,

Page 121: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.4. O GRUPO ALTERNANTE 121

onde o comprimento de cada uma das sequencias iα, jα, . . . , mα no segundo mem-

bro da igualdade acima vale l).

8. Seja σ = σ1 · · ·σr a decomposicao de σ em ciclos disjuntos. Mostre queo(σ) = [o(σ1), . . . , o(σr)]. Ache a ordem das permutacoes do Problema3.5.

9. Seja σ ∈ Sn um n-ciclo e seja k ∈ Z. Mostre que

(a) σk = e se, e somente se, k e multiplo de n.

(b) Se (k, n) = 1 entao σk e um n-ciclo e o(σk) = n

(c) Se d | n, pondo ld = n entao

(i11 i12 · · · i1l)(i21 i22 · · · i2l) · · · (id1 id2 · · · idl) == (i11 i21 · · · id1 i12 i22 · · · id2 · · · i1l i2l · · · idl)d,

(d) Mostre que σk e um produto de (n, k) ciclos disjuntos cada umde comprimento n

(n, k)

10. Seja G um grupo e S ⊆ G um subconjunto qualquer. O subgrupogerado por S e definido por

〈S〉 =⋂

H e subgrupo de

G que contem S

H.

(a) Mostre que 〈S〉 = {a1 · · · ar | ai ∈ S ou a−1i ∈ S}.

(b) Mostre que Sn e gerado pelas transposicoes(1 2), (2 3), . . . , (n− 1, n). (Sugestao:

(i j) = (i i+ 1) · · · (j − 2 j − 1)(j − 1 j) · · · (i+ 1 i+ 2)(i i+ 1)

com i < j. )

5.4 O Grupo Alternante

Seja A um domınio e sejam X1, . . . , Xn indeterminadas sobre A. A acaode Sn sobre {1, 2, , . . . , n} que definimos na secao anteior induz uma acao de

Page 122: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

122 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

Sn sobre A[X1, . . . , Xn] como segue

ρ : Sn × A[X1, . . . , Xn] −→ A[X1, . . . , Xn](σ , p(X1, . . . , Xn)) 7−→ σ(p(X1, . . . , Xn)) = p(Xσ(1), . . . , Xσ(n))

Esta aplicacao tem as seguintes propriedades:

(i) e p(X1, . . . , Xn) = p(X1, . . . , Xn).(ii) σ1(σ2(p(X1, . . . , Xn))) = (σ1 ◦ σ2)(p(X1, . . . , Xn)).

(iii) σ(p(X1, . . . , Xn) + q(X1, . . . , Xn)) == σ(p(X1, . . . , Xn)) + σ(q(X1, . . . , Xn)).

(iv) σ(p(X1, . . . , Xn) · q(X1, . . . , Xn)) == σ(p(X1, . . . , Xn)) · σ(q(X1, . . . , Xn)).

As duas primeiras propriedades sao caracterısticas de acoes de grupo sobreconjuntos, enquanto que as quatro propriedades caracterizam a acao de gru-pos sobre aneis.

Seja p(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn]. Considere o subconjunto de Sn

G(p(X1, . . . , Xn)) = {σ ∈ Sn | σ(p(X1, . . . , Xn)) = p(X1, . . .Xn)} ⊆ Sn.

E claro que este conjunto e finito e e fechado em relacao ao produto de Sn,logo pela Proposicao 6, e um subgrupo de Sn, chamado de grupo de isotropiade p(X1, . . . , Xn). O grupo de isotropia de

g(X1, . . . , Xn) =∏

i<j

(Xi −Xj)

e chamado de grupo alternante de grau n e sera denotado por An. Estudamosa seguir a acao de Sn sobre g(X1, . . . , Xn).

PROPOSICAO 5.13. Se τ e uma transposicao em Sn, entao

τg(X1, . . . , Xn) = −g(X1, . . . , Xn).

Demonstracao: Podemos supor que τ = (k l) com k < l (leitor justifique).Podemos escrever g(X1, . . . , Xn) do seguinte modo:

g(X1, . . . , Xn) =∏

i<k

(Xk −Xi) ·∏

k<i<l

(Xi −Xk)(Xl −Xk) ·∏

i>k

(Xl −Xi)·

Page 123: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.4. O GRUPO ALTERNANTE 123

·∏

k<i<l

(Xl −Xi) ·∏

i>l

(Xi −Xl) · p(X),

onde p e um polinomio que nao contem nem Xk nem Xl. Temos entao que

τg(X1, . . . , Xn) =∏

i<k

(Xl −Xi) ·∏

k<i<l

(Xi −Xl)(Xk −Xl) ·∏

i>k

(Xk −Xi)·

·∏

k<i<l

(Xk −Xi) ·∏

i>l

(Xi −Xk) · p(X),

Comparando as expressoes acima obtemos que

τg(X1, . . . , Xn) = (−1)l−k−1 · (−1)l−k−1g(X1, . . . , Xn) = −g(X1, . . . , Xn).

COROLARIO 5.5. Se σ e uma permutacao qualquer de Sn, entao

σg(X1, . . . , Xn) = ± g(X1, . . . , Xn)

Demonstracao: Isto decorre da Proposicao e do fato que toda permutacaoe um produto de transposicoes.

Diremos que uma permutacao σ ∈ Sn e par se

σg(X1, . . . , Xn) = g(X1, . . . , Xn)

e e ımpar seσg(X1, . . . , Xn) = − g(X1, . . . , Xn).

Assim temos que toda transposicao e ımpar, a identidade e par, σ e σ−1

tem a mesma paridade, σ1 · σ2 e par se, e somente se, σ1 e σ2 tem a mesmaparidade e

An = G(g(X1, . . . , Xn)) = {σ ∈ Sn | σ e par }.COROLARIO 5.6. Uma permutacao e par se e somente se ela e o produtode um numero par de transposicoes.

Demonstracao: Seja σ ∈ Sn e suponha que σ = τ1 · · · τr onde cada τi euma transposicao. Temos que

σg(X1, . . . , Xn) = (τ1 · · · τr)g(X1, . . . , Xn) = (−1)rg(X1, . . . , Xn).

Daı segue que σ e par se e somente se r e par.

Assim, determinamos a propriedade que permanece invariante na escritade uma permutacao como produto de transposicoes.

Page 124: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

124 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

COROLARIO 5.7. O numero de transposicoes em qualquer escrita de umapermutacao como produto de transposicoes tem sempre a mesma paridade.

Vamos agora determinar a ordem e o ındice de An em Sn. Se σ ∈ An,entao σAn = eAn = An, portanto as permutacoes pares determinam todas amesma classe lateral. Suponha agora que σ1 e σ2 sejam permutacoes ımpares,logo σ−1

1 ·σ2 e par e portanto σ−11 ·σ2 ∈ An, consequentemente, pela Proposicao

5 (i), σ2An = σ1An. Isto acarreta que An possui apenas duas classes laterais aesquerda distintas, consequentemente, [Sn : An] = 2 e portanto, pelo Teoremade Lagrange temos, |Sn| = [Sn : An] · |An| = 2 |An|. Finalmente temos que

|An| = |Sn|2

= n!2.

5.5 Funcoes Simetricas

Inversamente ao que fizemos acima, vamos associar a todo subgrupo deSn um subconjunto de A[X1, . . . , Xn]. Seja H um subgrupo de Sn, o conjuntodos elementos p(X1, . . . , Xn) ∈ A[X1, . . . , Xn] que sao invariantes pela acaodos elementos de H , isto e,

σ(p(X1, . . . , Xn)) = p(X1, . . . , Xn) ∀ σ ∈ H

e um subanel de A[X1, . . . , Xn (leitor verifique!) que chameremos de anelfixo de H em A[X1, . . . , Xn e denotaremos por

Fix[H, A[X1, . . . , Xn]] ou A[X1, . . . , Xn]H

Um caso particular importante e quando H = Sn. Neste caso, temos queFix[H, A[X1, . . . , Xn]] e o subanel de A[X1, . . . , Xn] dos polinomios que saoinvariantes pela acao de Sn. Estes polinomios sao chamados de polinomiossimetricos. Como exemplo de polinomios simetricos temos os chamados po-linomios simetricos elementares que introduzimos na secao 1, ou seja

s1(X1, . . . , Xn) =∑

i

Xi = X1 + · · ·+Xn

s2(X1, . . . , Xn) =∑

i1<i2

Xi1Xi2 = X1X2 +X1X3 + · · ·+Xn−1Xn

s3(X1, . . . , Xn) =∑

i1<i2<i3

Xi1Xi2Xi3 = X1X2X3+X1X2X4+· · ·+Xn−2Xn−1Xn

Page 125: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.5. FUNCOES SIMETRICAS 125

...

sn−1(X1, . . . , Xn) =∑

i1<i2···<in−1

Xi1 · · ·Xin−1= X1X2 · · ·Xn−1+· · ·+X2X3 · · ·Xn

sn(X1, . . . , Xn) = X1X2 · · ·Xn

A verificacao deste ultimo fato e deixada a cargo do leitor que poderafaze-la mostrando que cada si(X1, . . . , Xn) e invariante pela acao de umatransposicao, ja que cada permutacao e produto de transposicoes.

Uma maneira de obter novos polinomios simetricos em A[X1, . . . , Xn] edescrita a seguir. Sejam Y1, . . . , Yn indeterminadas sobre A e considere aseguinte aplicacao

ψn : A[Y1, . . . , Yn] −→ A[X1, . . . , Xn]p[Y1, . . . , Yn] 7−→ p(s1(X1, . . . , Xn), . . . , sn(X1, . . . , sn))

E claro que ψn e um homomorfismo de aneis e que

ψn(A[Y1, . . . , Yn]) = A[s1(X1, . . . , Xn), . . . , sn(X1, . . . , Xn)]⊆ Fix[Sn, A[X1, . . . , Xn]]

Os proximos resultados nos fornecerao o nucleo e a imagem de ψn. Para fa-cilicilitar as notacoes denotaremos si(X1, . . . , Xn) por si e si(X1, . . . , Xn−1)por s′i.

TEOREMA 5.4 (Teorema das Funcoes Simetricas). Para todo n ∈ N

temos que(i) Ker(ψn) = {0}

(ii) Im(ψn) = Fix[Sn, A[X1, . . . , Xn]].

Demonstracao: (i) Suponha, por absurdo, que existe um n ∈ N talque Ker(ψn) 6= {0}. Seja n o menor numero natural para o qual istoacontece. Seja p(X1, . . . , Xn) ∈ Ker(ψn) − {0} de menor grau possıvel.Como p(s1, . . . , sn) = 0, se colocarmos Xn = 0 nesta igualdade, obteremosp(s′1, . . . , s

′n−1) = 0, portanto p(Y1, . . . , Yn−1) ∈ Ker(ψn−1) e pela hipotese

sobre n temos que p(Y1, . . . , Yn−1, 0) = 0. Portanto p(Y1, . . . , Yn) e da formaYnq(Y1, . . . , Yn) com gr(p(Y1, . . . , Yn)) < gr(p(Y1, . . . , Yn)). Como sabemosque sn 6= 0 temos que q(s1, . . . , sn) = 0. Portanto, pela minimalidade do

Page 126: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

126 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

grau de p(Y1, . . . , Yn), segue que q(Y1, . . . , Yn) = 0. Logo p(Y1, . . . , Yn) = 0,o que e um absurdo.

(ii) Suponha o resultado falso e seja n o menor numero inteiro positivopara o qual Im(ψn) 6= Fix[Sn, A[X1, . . . , Xn]]. Seja f(X1, . . . , Xn) um ele-mento de grau menor possıvel m tal que

f(X1, . . . , Xn) ∈ Fix[Sn, A[X1, . . . , Xn]]− Im(ψn). (5.2)

Certamente n ≥ 2 e m ≥ 2. Escrevemos f(X1, . . . , Xn) segundo as potenciascrescentes de Xn:

f(X1, . . . , Xn) = f0(X1, . . . , Xn−1) + f1(X1, . . . , Xn−1)Xn + · · ·++ · · ·+ fr(X1, . . . , Xn−1)X

rn (5.3)

com fi(X1, . . . , Xn−1) ∈ A[X1, . . . , Xn−1], i = 0, 1, . . . , r. Por hipotesef(X1, . . . , Xn) e invariante pela acao de Sn, logo ele e invariante por todapermutacao do tipo

σ =

(1 2 · · · n− 1 ni1 i2 · · · in−1 n

)

Temos entao que

f(X1, . . . , Xn) = σf(X1, . . . , Xn) =r∑

i=0

σ′fi(X1, . . . , Xn−1)Xin, (5.4)

onde σ′ =

(1 2 · · · n− 1i1 i2 · · · in−1

)∈ Sn−1. Por (2) e (3) obtemos que

σ′f0(X1, . . . , Xn−1) = f0(X1, . . . , Xn−1)

e como σ′ percorre Sn−1 ao variar σ , temos que

σf0(X1, . . . , Xn−1) ∈ Fix[Sn−1, A[X1, . . . , Xn−1]].

Pela hipotese sobre n, temos que Fix[Sn−1, A[X1, . . . , Xn−1]] = Im(ψn) , logoexiste p(Y1, . . . , Yn−1) ∈ A[Y1, . . . , Yn−1] tal que

p(s′1, . . . , s′n−1) = f0(X1, . . . , Xn−1).

Page 127: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.5. FUNCOES SIMETRICAS 127

Como gr(f(X1, . . . , Xn)) = m , temos que

gr(p(s′1, . . . , s′n−1) = gr(f0(X1, . . . , Xn−1)) ≤ m.

Considere o polinomio p(s1, . . . , sn−1) ∈ A[X1, . . . , Xn−1] . Se

p(s′1, . . . , s′n−1) =

∑ai1,...,in−1

(s′1)i1 · · · (s′n−1)

in−1 ,

temos que

p(s1, . . . , sn−1) =∑

ai1,...,in−1si11 · · · sin−1

n−1 ,

como ai1,...,in−1(s′1)

i1 · · · (s′n−1)in−1 e ai1,...,in−1

si11 · · · sin−1

n−1 sao homogeneos demesmo grau i1 +2i2 + · · ·+(n− 1)in−1 e nao existe, por (i) nenhuma relacaopolinomial entre s1, . . . , sn−1 , temos que

gr(p(s1, . . . , sn−1)) = gr(p(s′1, . . . , s′n−1)) ≤ m.

Segue entao que o polinomio simetrico

f(X1, . . . , Xn)− p(s1, . . . , sn) (5.5)

tem grau menor ou igual a m. Ao fazermos Xn = 0, esta diferenca, por (2)e (3) se torna igual a

f(X1, . . . , Xn−1, 0)− p(s′1, . . . , s′n) = f0(X1, . . . , Xn−1, 0)− p(s′1, . . . , s′n) = 0.

Segue que o polinomio em (4) e divisıvel por Xn e como ele e simetrico, elee tambem divisıvel por X1, . . . , Xn−1 e, portanto por X1 · · ·Xn, logo

f(X1, . . . , Xn)− p(s1, . . . , sn−1) = X1 · · ·Xnq(X1, . . . , Xn) (5.6)

com q(X1, . . . , Xn) simetrico e, se nao nulo, de grau menor do que m. Pelanossa hipotese sobre m, temos que existe h(X1, . . . , Xn) ∈ A[Y1, . . . , Yn] talque q(X1, . . . , Xn) = h(s1, . . . , sn), e portanto, de (5) obtemos que

f(X1, . . . , Xn) = p(s1, . . . , sn−1) + snh(s1, . . . , sn) ∈ Im(ψn),

o que e uma contradicao com (i).

O Teorema afirma que todo polinomio simetrico em A[X1, . . . , Xn] se es-creve de modo unico como p(s1, . . . , sn), onde p(Y1, . . . , Yn) e um polinomioem n indeterminadas e s1, . . . , sn sao os polinomios simetricos elementaresem n variaveis.

Page 128: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

128 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

PROBLEMAS 5.4.

1. Diga se sao pares ou ımpares as seguintes permutacoes

(1 2 33 1 2

),

(1 2 33 2 1

),

(1 2 3 43 4 2 1

),

(1 2 3 43 4 1 2

),

(1 2 3 4 53 2 4 5 1

),

(1 2 3 4 55 1 4 3 2

),

(1 2 3 4 53 2 1 5 4

).

2. Determine os elementos pares e os elementos ımpares de S3. DetermineA3.

3. (a) Escreva os elementos de S4 como produtos de ciclos disjuntos.

(b) Mostre que se p1 = (X1 +X2 −X3 −X4)2 entao G(p1) e o grupo

G8 = {e, (12), (34), (12)(34), (13)(24), (14)(23), (1423), (1324)}

(c) Mostre que σ(p1), ao variar σ em S4, assume os valores seguintes:p1 = (X1 + X2 − X3 − X4)

2, p2 = (X1 − X2 + X3 − X4)2 e

p3 = (X1 −X2 −X3 +X4)2.

(d) Mostre que G(p2) e G(p3) sao respectivamente os grupos

K8 = {e, (13), (24), (13)(24), (12)(34), (14)(23), (1432), (1234)}eH8 = {e, (14), (23), (14)(24), (13)(24), (12)(34), (1243), (1342)}.

4. Seja p ∈ A[X1, . . . , Xn] e sejam σ, τ ∈ Sn. Mostre que σp = τp se,e somente se, σ e τ pertencem a mesma classe lateral a esquerda emSn relativamente ao subgrupo G(p). Conclua que se [Sn : G(p)] = m,entao σp assume exatamente m valores distintos ao σ em Sn.

5. Mostre que S4 se compoe das permutacoes e, (12)(34), (13)(24), (14)(23)e os oito 3-ciclos.

6. Mostre que, um r-ciclo e par se e somente se r e ımpar.

7. Se n > 2, mostre que todo elemento de Sn e produto de um certonumero de 3-ciclos.[Sugestao: (i j)(j k) = (i j k), (i j)(k t) = (k j i)(k t i)].

Page 129: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.6. CONJUGACAO EM SN 129

8. Mostre que se H e G sao subgrupos de Sn tais que H ⊆ G, entaoFix[G] ⊆ Fix[H ].

9. (Newton - 1707): Seja p(X) = a0 + a1X + · · · + anXn com n raızes

x1, . . . , xn ∈ K. Damos a seguir o metodo de Newton para calcular assomas s(k) = xk1 + · · ·+xkn com k = 1, 2, 3, . . . em funcao dos coeficientesa0, a1, . . . , an sem resolver a equacao.

(a) Mostre que p′(X) = a1+2a2X+· · ·+nanXn−1 = p(X)X−x1

+· · ·+ p(X)X−xn

.

(b) Usando o algoritmo da divisao de p(X) por (X − a) para calculara expressao no ultimo membro da igualdade acima e comparandoisto com a expressao do meio, prove que

ans(1) + an−1 = 0

ans(2) + an−1s

(1) + 2an−2 = 0ans

(3) + an−1s(2) + an−2s

(1) + 3an−3 = 0...

ans(n−1) + an−1s

(n−2) + · · ·+ a3s(2) + a2s

(1) + (n− 1)a1 = 0

Este sistema de equacoes permite calcular de modo recorrente osvalores de s(1), s(2), . . . , s(n−1) em funcao dos coeficientes do po-linomio a0, a1, . . . , an.

(c) Para obter as expressoes de s(n+k) para k ≥ 0, observe que so-mando membro a membro as igualdades xk1p(x1) = 0, xk2p(x2) = 0,. . . , xknp(xn) = 0, tem-se que

ans(n+k) + an−1s

(n+k−1) + · · ·+ a0s(k) = 0.

Ao variar k, obtem-se um sistema de equacoes que permite calcularde modo recorrente os valores de s(n), s(n+1), . . .

(d) Aplique o metodo de Newton para calcular s2, s3, s4, s5 e s6 nocaso do polinomio X5 + 7X4 + 3X3 − 2X2 +X − 1 ∈ C[X].

5.6 Conjugacao em Sn

Definicao: Sejam σ, τ ∈ Sn. Dizemos que σ e uma conjugada de τ seexiste µ ∈ Sn tal que µσµ−1 = τ .

E facil verificar que

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130 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

1. σ e um conjugado de σ para todo σ ∈ Sn.

2. Se σ e um conjugado de τ entao τ e um conjugado de σ.

3. Se σ e um conjugado de τ e τ e um conjugado de µ entao σ e umconjugado de µ.

Portanto a relacao de conjugacao e uma relacao de equivalencia em Sn.Queremos determinar um criterio que nos permita verificar facilmente se duaspermutacoes dadas sao conjugadas uma da outra. Isto sera obtido apos al-guns lemas.

LEMA 5.5. Sejam σ = (i1 · · · ir) um r-ciclo de Sn e µ ∈ Sn. Entao µσµ−1

e o r-ciclo (µ(i1) · · · µ(ir)).

Demonstracao: Coloque τ = (µ(i1) · · · µ(ir)). Queremos verificar queµσµ−1(u) = τ(u) ∀ u ∈ {1, 2, . . . , n}. Seja entao dado u ∈ {1, 2, . . . , n}.Tome x ∈ {1, 2, . . . , n} tal que µ(x) = u. Temos que

µσµ−1(u) = µσ(x) (5.7)

τ(u) = τµ(x). (5.8)

Temos dois casos a serem considerados:

Caso 1: x /∈ {i1, . . . , ir}. Neste caso temos que µ(x) /∈ {µ(i1), . . . , µ(ir)}e, portanto, σ(x) = x e τ(µ(x)) = µ(x). Logo,

µσµ−1(u) = τσ(x) = µ(x) = τ(µ(x)) = τ(u),

e neste caso temos o que queremos.

Caso 2: x ∈ {i1, . . . , ir}. Neste caso, por (5), (6) e pela definicao de τ ,temos

τ(u) = τ(µ(x)) = µ(σ(x)) = µσµ−1(u),

o que tambem prova o resultado nesta situacao.

Note que todo conjugado de um r-ciclo e tambem um r-ciclo.

Exemplo: Sejam µ =

(1 2 3 4 53 1 4 5 2

)e σ = (3 5 2). Entao

µσµ−1 = (µ(1) µ(4) µ(5)) = (3 4 5).

Page 131: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

5.6. CONJUGACAO EM SN 131

LEMA 5.6. Sejam σ1σ2 · · ·σl a decomposicao de σ em produto de ciclosdisjuntos e µ ∈ Sn. Entao (µσ1µ

−1)(µσ2µ−1) · · · (µσlµ−1) e a decomposicao

de µσµ−1 em produto de ciclos disjuntos.

Demonstracao: Pelo Lema 1, cada µσiµ−1 e um ciclo de comprimento

igual ao comprimento de σi. E claro que vale a igualdade do enunciado,portanto so falta mostrar que os ciclos µσiµ

−1 sao dois a dois disjuntos. Defato, se (i1 · · · ir) e (j1 · · · is) sao ciclos disjuntos, entao

µ(i1 · · · ir)µ−1 = (µ(i1) · · · µ(ir)) e µ(j1 · · · js)µ−1 = (µ(j1) · · · µ(js))

sao ciclos disjuntos pois µ e uma bijecao.

Definicao: Duas permutacoes σ e τ sao ditas semelhantes se elas pos-suem a mesma estrutura de orbita. Isto e, σ e τ podem ser escritas na forma:σ = σ1σ2 · · ·σl com os σi sendo ciclos disjuntos e ord(σi) = ri e τ = τ1τ2 · · · τlcom os τi sendo ciclos disjuntos e ord(τi) = ri

Exemplo: As permutacoes

τ =

(1 2 3 4 52 3 1 5 4

)e σ =

(1 2 3 4 52 1 4 5 3

)

sao semelhantes pois τ(1 2 3)(4 5) e σ = (3 4 5)(1 2). Ja as permutacoes

τ =

(1 2 3 4 52 1 4 5 3

)e σ =

(1 2 3 4 52 1 3 5 4

)

nao sao semelhantes pois τ = (3 4 5)(1 2) e σ = (4 5)(1 2).

PROPOSICAO 5.14. Duas permutacoes sao conjugadas se, e somente se,sao semelhantes.

Demonstracao: Se duas permutacoes sao conjugadas elas sao semelhan-tes devido ao Lema 2 e a definicao de permutacoes semelhantes. Recipro-camente, Suponha que as permutacoes σ e τ sejam semelhantes, digamos,σ = (i1 · · · ir)(j1 · · · js) · · · (k1 · · · kt) e τ = (i′1 · · · i′r)(j′1 · · · j′s) · · · (k′1 · · · k′t).Defina

µ =

(i1 · · · ir j1 · · · js · · · k1 · · · kti′1 · · · i′r j′1 · · · j′s · · · k′1 · · · k′t

)

Page 132: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

132 CAPITULO 5. O GRUPO SIMETRICO

e para x /∈ {i1, . . . , ir, j1, . . . , js, . . . , k1, . . . , kt} defina µ(x) de forma que µseja uma bijecao. Agora e claro que µσµ−1 = σ.

PROBLEMAS 5.5.

1. Determine todos os elementos de S3 conjugados de (1 2 3)(4 5).

2. Encontre µ que realiza a conjugacao entre σ = (1 2 3)(4 5) eτ = (1 3 4)(2 5).

3. Mostre que em S5 temos:

01 permutacao semelhante a e10 permutacoes semelhantes a (1 2)20 permutacoes semelhantes a (1 2 3)30 permutacoes semelhantes a (1 2 3 4)24 permutacoes semelhantes a (1 2 3 4 5)15 permutacoes semelhantes a (1 2)(3 4)20 permutacoes semelhantes a (1 2 3)(4 5)

Page 133: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 6

O METODO DE LAGRANGE

Nesta secao estudaremos o metodo de Lagrange para a resolucao dasequacoes de terceiro e quarto graus e a tentativa frustrada de resolver aequacao do quinto grau. O metodo se baseia num Teorema publicado porLagrange em 1771 e que sera o resultado central desta secao. Antes de pas-sarmos ao Teorema faremos alguns preparativos.

Seja A um domınio de integridade e k o seu corpo de fracoes. SejamX1, . . . , Xn indeterminadas sobre k. A acao de Sn sobre A[X1, . . . , Xn] ,conforme ja foi visto, se estende a k(X1, . . . , Xn) (= corpo de fracoes deA[X1, . . . , Xn]).

Dado um subgrupo H de Sn, define-se

Fix(H) = {ϕ ∈ k(X1, . . . , Xn) | σ(ϕ) = ϕ ∀ σ ∈ H}.

E facil verificar que Fix(H) e um subcorpo de k(X1, . . . , Xn) chamado corpofixo de H . E claro que Fix[H ] = {p ∈ A[X1, . . . , Xn] | σ(p) = p ∀ σ ∈ H}esta contido em Fix(H) . Temos a seguinte proposicao:

PROPOSICAO 6.1. Fix(H) e o corpo de fracoes de Fix[H ].

Demonstracao: E claro que o corpo de fracoes de Fix[H ] esta contidoem Fix(H). Reciprocamente, seja ϕ ∈ Fix(H). Podemos escrever ϕ = p

q

com p, q ∈ k[X1, . . . , Xn], q 6= 0 e p e q primos entre si (lembre-se que

k[X1, . . . , Xn] e um D.F.U.). Se σ ∈ H , temos que σ(ϕ) = σ(p

q

)= p

q, logo

133

Page 134: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

134 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

(σ(p)) · q = (σ(q)) · p. Sendo p e q primos entre si e facil verificar que σpe σq sao primos entre si, logo da ultima igualdade acima segue que σp eassociado a p e que σq e associado a q. Existe entao λσ ∈ k tal que σp = λσpe σ(q) = λσq. Sendo H finito, existe N ∈ N tal que σN = e para todo σ ∈ H ,logo p = σNp = λNσ p e portanto λNσ = 1 para todo σ ∈ H .Tome a ∈ A um multiplo dos denominadores dos coeficientes de p e de q.

Logo ap e aq estao em A[X1, . . . , Xn]. Temos entao que ϕ = p

q= ap·(aq)N−1

(aqN )

com ap · (aq)N−1 e (aq)N em A[X1, . . . , Xn] sao tais que

σap · (aq)N−1 = aλσp · (aλσq)N−1 = ap · (aq)N−1

e

σ(aq)N = (aλσ)N = (aq)N .

Portanto ϕ pertence ao corpo de fracoes de Fix[H ].

COROLARIO 6.1. Fix(Sn) = k(s1, . . . , sn).

Dado ϕ ∈ k(X1, . . . , Xn), o conjunto G(ϕ) = {σ ∈ Sn | σ(ϕ) = ϕ} e umsubgrupo de Sn. G(ϕ) e o grupo das permutacoes de Sn que deixam ϕ fixo.A importancia da nocao de classe lateral fica reforcada com o seguinte Lema.

LEMA 6.1. Sejam ϕ ∈ k(X1, . . . , Xn) e σ, τ ∈ Sn. σ(ϕ) = τ(ϕ) se, e so-mente se, σG(ϕ) = τG(ϕ).

Demonstracao: σ(ϕ) = τ(ϕ) se, e somente se, (τ−1σ)(ϕ) = ϕ se, e so-

mente se, τ−1σ ∈ G(ϕ) se, e somente se, σG(ϕ) = τG(ϕ).

Se σ1G(ϕ), . . . σlG(ϕ), onde l = [Sn : G(ϕ)], sao as classes laterais distin-tas em Sn relativamente ao subgrupo G(ϕ), tem-se que ao variar σ em Sn,σ(ϕ) assume os valores σ1(ϕ), . . . , σl(ϕ) dois a dois distintos. Estas notacoessao mantidas no Lema seguinte

LEMA 6.2. Sejam ϕ ∈ k(X1, . . . , Xn) e σ1(ϕ), . . . , σl(ϕ) os valores de ϕ

Page 135: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

135

pela acao de Sn.

(i) Se σ ∈ Sn, entao {σσ1(ϕ), . . . , σσl(ϕ)} = {σ1(ϕ), . . . , σl(ϕ)}.(ii) Seja ψ ∈ Fix(G(ϕ)). Se σσi(ϕ) = σj(ϕ), entao σσi(ψ) = σj(ψ)

(iii) Sejam f(X) ∈ k(X1, . . . , Xn)[X] e H um subgrupo de Sn.Se σf(X) = f(X) ∀ σ ∈ H, entao f(X) ∈ Fix(H)[X]

(iv) F (X) = (X − σ1(ϕ))(X − σ2(ϕ)) · · · (X − σl(ϕ)) ∈ Fix(Sn)[X]

Demonstracao: (i) Seja σ ∈ Sn. Considere as classes laterais

σσ1G(ϕ), . . . , σσlG(ϕ).

Estas sao duas a duas distintas pois se σσiG(ϕ) = σσjG(ϕ) com i 6= j,terıamos

σ−1j σi = σ−1

j σ−1σσi = (σσj)−1(σσi) ∈ G(ϕ),

logo σiG(ϕ) = σjG(ϕ), o que e uma contradicao.Portanto, σσ1G(ϕ), . . . , σσlG(ϕ) sao as classes laterais a esquerda relativa-mente a G(ϕ). Pelo Lema 1, segue que os valores que ϕ assume sob a acaode Sn sao precisamente σσ1(ϕ), . . . , σσl(ϕ).

(ii) Seja ψ ∈ Fix(G(ϕ)). Suponha que se tenha σσi(ϕ) = σj(ϕ), logoσ−1j σσi(ϕ) = ϕ e, portanto, σ−1

j σσi ∈ G(ϕ). Como ψ ∈ Fix(G(ϕ)), segue

que σ−1j σσi(ψ) = ψ e consequentemente σσi(ψ) = σj(ψ).

(iii) Seja f(X) = a0 + a1X + · · ·+ amXm com ai ∈ k(X1, . . . , Xn) para

i = 0, 1, . . . , m. Suponha que para todo σ ∈ Sn se tenha

σf(X) = σa0 + (σa1)X + · · ·+ (σam)Xm = f(X).

Identificando os coeficientes, obtemos a0 = σ(a0), . . . , am = σ(am) paratodo σ ∈ Sn. Logo ai ∈ Fix(H) ∀ i = 0, 1, . . . , m e consequentementef(X) ∈ Fix(H)[X].

(iv) Pelo item (iii) basta mostrar que σf(X) = f(X) para todo σ ∈ Sn.Seja σ ∈ Sn. Temos que σf(X) = (X−σσ1(ϕ))(X−σσ2(ϕ)) · · · (X−σσl(ϕ)),logo pelo item (i) segue que σf(X) = f(X).

TEOREMA 6.1 (Lagrange). Seja k um corpo e X1, . . . , Xn indetermina-das sobre k. Se ϕ ∈ k(X1, . . . , Xn) entao Fix(G(ϕ)) = Fix(Sn)(ϕ).

Page 136: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

136 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

Demonstracao: E facil observar que Fix(Sn)(ϕ)) ⊆ Fix(G(ϕ)), pois seψ ∈ Fix(Sn)(ϕ) tem-se que ψ = a0+a1ϕ+···+arϕ

r

b0+b1ϕ+···+bsϕs com os ai e bj em Fix(Sn).

Portanto para todo σ ∈ G(ϕ), tem-se que

σ(ψ) =a0 + a1σ(ϕ) + · · ·+ ar(σ(ϕ))r

b0 + b1σ(ϕ) + · · ·+ bs(σ(ϕ))s=a0 + a1ϕ+ · · ·+ arϕ

r

b0 + b1ϕ+ · · ·+ bsϕs= ψ.

Consequentemente ψ ∈ Fix(G(ϕ)). Reciprocamente, Seja ψ ∈ Fix(G(ϕ)).Para provar que ψ ∈ Fix(Sn)(ϕ), construiremos um polinomio f(X) ∈Fix(Sn)[X] tal que ψ = f(ϕ). Vejamos a propriedade que caracteriza o po-linomio f(X). Sejam σ1G(ϕ), . . . σlG(ϕ) as classes laterais relativamente aG(ϕ). Se f(X) ∈ Fix(Sn)[X] e ψ = f(ϕ), entao σi(ψ) = σi(f(ϕ)) = f(σi(ϕ)),portanto f(X) e o polinomio que assume o valor σi(ψ) para x = σi(ϕ), ondei = 1, . . . , l. E facil entao construir o polinomio f(X) que pela formula deinterpolacao de Lagrange se escreve:

f(X) = F (X)(X−σ1ϕ)

σ1ψ

F ′(σ1ϕ)+ F (X)

(X−σ2ϕ)σ2ψ

F ′(σ2ϕ)+ · · ·+ F (X)

(X−σlϕ)σlψ

F ′(σlϕ)

onde F (X) = (X − σ1(ϕ))(X − σ2(ϕ)) · · · (X − σl1(ϕ)).

Por construcao, f(X) e um polinomio tal que ψ = f(ψ) e se σ ∈ Sn,entao pelo Lema 2 (iv), σF (X) = F (X). Logo

σf(X) = F (X)(X−σσ1ϕ)

σσ1ψ

F ′(σσ1ϕ)+ F (X)

(X−σσ2ϕ)σσ2ψ

F ′(σσ2ϕ)+ · · ·+ F (X)

(X−σσlϕ)σσlψ

F ′(σσlϕ)

Pelo Lema 2 (i) e (ii), segue que σf(X) = f(X) e por (iii) segue entao quef(X) ∈ Fix(Sn)[X].

A demonstracao acima nos mostra que ψ ∈ Fix(G(ϕ)) se escreve comopolinomio em ϕ com coeficientes em Fix(Sn) de grau menor do que l = [Sn :G(ϕ)] e nos fornece um modo pratico, por meio do polinomio de interpolacaode Lagrange de calcular a expressao de ψ como polinomio em ϕ. A fim dedesfrutar do Teorema de Lagrange com toda a sua forca, estabelecemos oseguinte

TEOREMA 6.2. Seja A um domınio de integridade e X1, . . . , Xn indeter-minadas sobre A. Se H e um subgrupo de Sn, entao existe ϕ ∈ A[X1, . . . , Xn]tal que H = G(ϕ).

Page 137: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

137

Demonstracao: Primeiramente vamos mostrar que existe um polinomioξ ∈ A[X1, . . . , Xn] que assume n! valores distintos sob a acao de Sn. Observeque se A e infinito, basta tomar ξ = a1X1 + a2X2 + · · · + anXn com osai ∈ A e dois a dois distintos. Se A e finito, e possıvel que nao se disponhade suficientes elementos de A para formar somas nas condicoes acima. Paracompensar isto, precisaremos tomar ξ de grau maior.Sejam σ1, σ2, . . . , σr, σr+1, . . . , σn! os elementos de Sn ordenados de modo queσ1 = e e H = {σ1, σ2, . . . , σr}. Para cada σi com i 6= j, seja ji um inteiromovido por σi. Tomemos ξ = Xj2 +X2

j3+ · · ·+Xn!−1

jn!. Certamente, σi(ξ) 6= ξ

para todo σi ∈ Sn−{e}, logo σi(ξ) 6= σj(ξ) se σi 6= σj (verifique!). Considereagora o polinomio

g(T ) = (T − σ1(ξ))(T − σ2(ξ)) · · · (T − σr(ξ)) ∈ A[X1, . . . , Xn][T ]

Seja σ ∈ H . Tem-se que

σg(T ) = (T − σσ1(ξ))(T − σσ2(ξ)) · · · (T − σσr(ξ)) = g(T ),

onde esta ultima igualdade segue do fato que se σ ∈ H, σσi assume todos osvalores de H ao variar σi em H . Portanto, g(T ) ∈ Fix[H ][T ].Por outro lado,

σr+ig(T ) = (T − σr+iσ1(ξ))(T − σr+iσ2(ξ)) · · · (T − σr+iσr(ξ)),

e como cada σr+iσj /∈ H para j = 1, . . . , r, tem-se que

{σr+iσ1(ξ), σr+iσ2(ξ), . . . , σr+iσr(ξ)} ∩ {σ1(ξ), σ2(ξ), . . . , σr(ξ)} = Φ.

Portanto σr+ig(T ) 6= g(T ) para todo i = 1, . . . n!− r.Considere os polinomios nao identicamente nulos

Gi(T ) = g(T )− σr+ig(T ) ∈ A[X1, . . . , Xn][T ]

Sendo A[X1, . . . , Xn] um domınio de integridade, cada Gi(T ) tem no maximoum numero finito de raızes em A[X1, . . . , Xn]. Como Fix[Sn] e infinito, ex-cluindo os eventuais zeros de algum dos polinomios Gi(T ), podemos escolherψ ∈ Fix[Sn] tal que Gi(ψ) 6= 0 para todo i = 1, . . . , n! − r. Logo g(ψ) etal que σg(ψ) = g(ψ) para todo σ ∈ H e σg(ψ) = g(ψ) para todo σ /∈ H .Consequentemente H = G(ϕ) onde ϕ = g(ψ).

Page 138: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

138 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

Se H = An, existe uma funcao ϕ padrao tal que An = G(ϕ), a saber

ϕ =∏

i<j

(Xj −Xi).

COROLARIO 6.2. Dado um subgrupo H de Sn, existe ϕ ∈ A[X1, . . . , Xn]tal que Fix(H) = Fix(Sn)(ϕ).

Demonstracao: Observe que pelo Teorema 2, existe ϕ ∈ A[X1, . . . , Xn]tal que H = G(ϕ). Agora o Teorema de Lagrange nos permite concluir queFix(H) = Fix(G(ϕ)) = Fix(Sn)(ϕ).

Um caso particular do Corolario acima que merece destaque e quando Ae infinito e H = {e}. Neste caso existem a1, a2, . . . , an ∈ A distintos tais que,colocando-se ϕ = a1X1 + a2X2 + · · ·+ anXn, tem-se que G(ϕ) = {e} e entaoK(X1, . . . , Xn) = Fix({e}) = Fix(Sn)(ϕ).

LEMA 6.3. Sejam H e K subgrupos de Sn tais H ⊆ K. Todo elemento deFix(H) e raiz de um polinomio com coeficientes em Fix(K) de grau [K : H ].

Demonstracao: Sejam σ1H, σ2H, . . . , σrH as classes laterais de H em K,onde r = [K : H ]. Seja ϕ ∈ Fix(H) e considere o polinomio

F (X) = (X − σ1(ϕ))(X − σ2(ϕ)) · · · (X − σr(ϕ)).

F (X) tem grau r = [K : H ], F (ϕ) = 0 e σF (X) = F (X) para todo σ ∈ K,consequentemente F (X) ∈ Fix(K)[X].

Passamos agora a descricao do metodo de Lagrange.

Sejam k um corpo qualquer e X1, X2, . . . , Xn indeterminadas sobre k.Estas indeterminadas sao raızes da equacao a0 + a1X + · · ·+ anXn = 0 onde

an−1 = −s1(X1, . . . , Xn),an−2 = s2(X1, . . . , Xn),

...a0 = (−1)nsn(X1, . . . , Xn)

Page 139: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

139

O plano de Lagrange era tentar calcular X1, X2, . . . , Xn em funcao dea1, a2, . . . , an−1, usando a seguinte estrategia: Determinar uma sequencia desubgrupos de Sn:

{e} ⊆ Hr ⊆ Hr−1 ⊆ · · · ⊆ H1 ⊆ H0 = Sn

e polinomios ϕ0, ϕ1, . . . ϕr ∈ k[X1, X2, . . .Xn] tais que Hi = G(ϕi) parai = 0, 1, . . . , n (Teorema 2). Cada ϕi i = 1, . . . , r e raiz de um polinomiopi(X) com coeficientes em Fix(Hi) = Fix(Sn)(ϕi) de grau [Hi−1 : Hi] (Lema3). Estes polinomios se calculam com a tecnica usada na demonstracao doLema 3. As equacoes p1(X) = 0, p2(X) = 0 , . . . , pn(X) = 0. sao chamadasresolventes de Lagrange.

Para melhor compreensao facamos o seguinte diagrama

k(X1, . . . , Xn) = k(s1, . . . , sn)(ϕr) ← {e} = Hr = G(ϕr)/ \

pr(X) = 0 ∪ ∩ [Hr−1 : Hr]\ /

k(s1, . . . sn)(ϕr−1) ← Hr−1 = G(ϕr−1)

∪ ∩...

...∪ ∩

k(s1, . . . sn)(ϕ1) ← H1 = G(ϕ1)/ \

p1(X) = 0 ∪ ∩ [H0 : H1]\ /

k(s1, . . . , sn) = k(s1, . . . , sn)(ϕ0) ← Sn = H0 = G(ϕ0)

A esperanca de Lagrange era que as suas resolventes fossem mais simplesde se resolver do que a equacao original. Para isto conta-se com a possibi-lidade de escolher a sequencia dos subgrupos, os ϕi e tambem k segundo asconveniencias.

Resolvendo-sep1(X) = 0

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140 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

onde p1(X) ∈ Fix(H0)[X] = k(s1, . . . , sn) = k(a0, . . . , an−1)[X], calcular-se-ia ϕ1 em funcao de a0, . . . , an−1.

Resolvendo-sep2(X) = 0

onde p2(X) ∈ Fix(H1)[X] = k(s1, . . . , sn)(ϕ1)[X] = k(a0, . . . , an−1)(ϕ1)[X],calcular-se-ia ϕ2 em funcao de ϕ1 e de a0, . . . , an−1, logo em funcao dea0, . . . , an−1.

Continuando deste modo e finalmente resolvendo a equacao

pr(X) = 0

calcular-se-ia ϕr em funcao de a0, . . . , an−1. Como Xi ∈ k(X1, . . . , Xn) que eigual a Fix(G(ϕr)) , usando a tecnica utilizada na demonstracao do Teoremade Lagrange, poder-se-ia calcular Xi em funcao de a0, . . . , an−1 e de ϕr eportanto em funcao de a0, . . . , an−1, ficando assim resolvida a equacao.

Veremos agora como Lagrange utilizou com sucesso esta estrategia pararesolver as equacoes gerais do 30 e 40 graus e a dificuldade na qual esbarrouna tentativa de resolver a equacao de 50 grau.

Exemplo 1 : Resolucao de Lagrange da equacao geral do 30 grau.

Sejam X1, X2, X3 indeterminadas sobre um corpo k. Supoe-se que k sejaum subcorpo de C. X1, X2, X3 sao raızes do polinomio

a0 + a1X + a2X2 +X3 (6.1)

onde a2 = −s1(X1, X2, X3), a1 = s2(X1, X2, X3) e a0 = −s3(X1, X2, X3).E claro que k(a0, a1, a2) = k(s0, s1, s2) = Fix(Sn). Considere a seguintesequencia de subgrupos de S3: {e} ⊂ A3 ⊂ S3. Sejam

ψ = X1 + aX2 + bX3

com a, b ∈ k, a 6= 1, b 6= 1, a 6= b e

ϕ = (X2 −X1)(X3 −X2)(X3 −X1).

Temos que {e} = G(ψ) e A3 = G(ψ). Temos entao a seguinte situacao:

Page 141: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

141

k(X1, X2, X3) = k(a0, a1, a2)(ψ) ← {e}\

∪ ∩ [A3 : {e}] = 3/

k(a0, a1, a2)(ϕ) ← A3

\∪ ∩ [S3 : A3] = 2

/k(a0, a1, a2) ← S3

Pelo fato que [S3 : A3] = 2 segue que ϕ e raiz de uma equacao de grau 2com coeficientes em k(a0, a1, a2). De fato, ϕ2 = −D onde D e o discriminantedo polinomio (1) (veja Proposicao 1, Capıtulo ?? secao ??), logo ϕ e umadas raızes da equacao X2 +D = 0 que simbolizaremos por

√−D.

Como [A3 : {e}] = 3, segue que ψ e raiz de uma equacao com coeficientesem k(a0, a1, a2)(ϕ) = k(a0, a1, a2)(

√−D) de grau 3. Sendo A3 formado pelas

permutacoes σ1 =

(1 2 31 2 3

), σ2 =

(1 2 33 1 2

)e σ3 =

(1 2 32 3 1

)

temos que a equacao satisfeita por ψ e

(X − σ1(ψ))(X − σ2(ψ))(X − σ3(ψ)) = 0.

Ou seja,

X3 − s1(σ1ψ, σ2ψ, σ3ψ)X2 + s2(σ1ψ, σ2ψ, σ3ψ)X − s3(σ1ψ, σ2ψ, σ3ψ) = 0(6.2)

Poder-se-ia calcular facilmente o valor de ψ, se nesta equacao os coefici-entes dos termos de 20 e do 10 graus fossem nulos. Como ψ depende de ae b, vejamos como e possıvel, com uma escolha adequada destes, alcancar oque se deseja.

Contas diretas, porem um pouco longas, nos fornecem

s1(σ1ψ, σ2ψ, σ3ψ) = (1 + a+ b) · s1(X1, X2, X3)s1(σ1ψ, σ2ψ, σ3ψ) = (a+ ab+ b) · s2

1(X1, X2, X3)X+(1− a− b− ab+ a2 + b2) · s2(X1, X2, X3)

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142 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

Para que se anulem estas funcoes das raızes, sendo as funcoes simetricaselementares algebricamente independentes (Corolario 1 do Teorema 1, secao4), e necessario e suficiente que

1 + a+ b = 0a+ ab+ b = 0a2 + b2 − ab− a− b+ 1 = 0

Das equacoes duas primeiras equacoes acima obtemos a+b = −1 e ab = 1,logo a e b sao raızes da equacao X2 + X + 1 = 0 e estas sao w = −1+

√3 i

2e

w2 = −1−√

3 i2

. Pomos entao a = w e b = w2 o que e compatıvel com a ultimaequacao.

Passamos agora a escolha do corpo k de modo que ele contenha w ew2. O menor subcorpo k de C que contem w e w2 e k = Q(w). Assimψ = X1 + wX2 + W 2X3 e s3(σ1ψ, σ2ψ, σ3ψ) = ψ · wψ · w2ψ = ψ3, logo aequacao (2) passa a ser

X3 − ψ3 = 0 (6.3)

Como este polionomio esta em k(a0, a1, a2)(√−D), segue que facilmente que

ψ3 ∈ k(a0, a1, a2)(√−D). Sendo A3 e τ1A3, onde τ1 =

(1 2 31 3 2

), as

classes laterais em S3 em relcao ao subgrupo A3, tem-se que ψ3 e raiz dopolinomio

(X − ψ3)(X − τ1ψ3) ∈ k(a0, a1, a2) (6.4)

Pelo exemplo 6 e exercıcio 9, Capıtulo 11, secao 1, podemos obter queψ · τ1ψ = −3a1 + a2

2 e substituindo os valores de ψ3, τ1ψ3 e ψ3 + τ1ψ

3 alıencontrados na equacao acima, temos que ψ3 e τ1ψ

3 sao raızes da equacao

X2 − (−2a32 + 9a1a2 − 27a0)X + (−3a1 + a2

2)3 = 0 (6.5)

Temos entao que

ψ3 =−2a32+9a1a2−27a0+

√(−2a32+9a1a2−27a0)2−4(−3a1+a22)3

2

e

τ1ψ3 =

−2a32+9a1a2−27a0−√

(−2a32+9a1a2−27a0)2−4(−3a1+a22)3

2

Page 143: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

143

Extraindo as raızes cubicas das expressoes acima, levando em conta que setem ψ · τ1ψ = −3a1 + a2

2, obtemos o seguinte sistema de equacoes lineares

X1 +X2 +X3 = −a2

X1 + wX2 + w2X3 = ψX1 + w2X2 + wX3 = τ1ψ

cuja resolucao nos fornecem as formulas de Cardan.

Exemplo 2 : Resolucao de Lagrange da equacao geral do 40 grau.

Sejam X1, X2, X3, X4 indeterminadas sobre um subcorpo k do corpo dosnumeros complexos. Estas sao raızes do polinomio

X4 + a3X3 + a2X

2 + a1X + a0

onde

a3 = −s1(X1, X2, X3, X4)a2 = s2(X1, X2, X3, X4)a1 = −s3(X1, X2, X3, X4)a0 = s4(X1, X2, X3, X4)

Considere a seguinte sequencia de subgrupos de S4: {e} ⊂ G4 ⊂ G8 ⊂ S4,onde

G8 = {e, (1 2), (3 4), (1 2)(3 4), (1 3)(2 4), (1 4)(2 3), (1 4 2 3), (1 3 2 4)} eG4 = {e, (1 2), (3 4), (1 2)(3 4)}

Seja ϕ1 = X1+X2−X3−X4. E facil verificar que G8 = G(ϕ21) e G4 = G(ϕ1).

Temos entao

Page 144: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

144 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

k(X1, X2, X3, X4) ← {e}\

∪ ∩ [G4 : {e}] = 4/

k(a0, a1, a2, a3)(ϕ1) ← G4

\∪ ∩ [G8 : G4] = 2

/k(a0, a1, a2, a3)(ϕ

21) ← G8

\∪ ∩ [S4 : G8] = 3

/k(a0, a1, a2, a3) ← S4

Como [S4 : G8] = 3, ϕ21 assume tres valores distintos sob a acao de S4,

que sao ϕ21, ϕ

22 e ϕ2

3 onde ϕ2 = X1 +X3−X2−X4 e ϕ3 = X1 +X4−X2−X3.Logo ϕ2

1 e raiz do polinomio

(X − ϕ21)(X − ϕ2

2)(X − ϕ23) =

= X3 − σ1(ϕ21, ϕ

22, ϕ

23)X

2 + σ2(ϕ21, ϕ

22, ϕ

23)X − σ3(ϕ

21, ϕ

22, ϕ

23) ∈ k(a0, a1, a2, a3).

Calculos diretos (porem tediosos) nos fornecem

σ1(ϕ21, ϕ

22, ϕ

23) = 3a3

2 − 8a2

σ2(ϕ21, ϕ

22, ϕ

23) = 3a4

3 − 16a3a1 + 16a22 − 64a0

σ3(ϕ21, ϕ

22, ϕ

23) = (a3

3 − 4a3a2 + 8a1)2

Temos entao que ϕ21, ϕ

22 e ϕ2

3 sao raızes da seguinte resolvente de Lagrange:

X3− (3a32−8a2)X

2 +(3a43−16a3a1 +16a2

2−64a0)X− (a33−4a3a2 +8a1)

2.

Calculando os valores de ϕ21, ϕ

22 e ϕ2

3, os valores de (ϕ1, ϕ2 e ϕ3) se calcu-lam por extracao de raızes quadradas. Temos entao o seguinte sistema:

X1 +X2 +X3 +X4 = −a3

X1 +X2 −X3 −X4 = ϕ1

X1 −X2 +X3 −X4 = ϕ2

X1 −X2 −X3 +X4 = ϕ3

Page 145: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

145

cuja resolucao nos fornecem as raızes X1, X2, X3 e X4 em funcao dos coefici-entes a0, a1, a2 e a3.

Exemplo 3 : Dificuldade de Lagrange na tentativa de resolver a equacaodo 50 grau.

Sejam X1, X2, X3, X4 e X5 indeterminadas sobre um corpo k. Estas saoraızes da equacao

X5 + a4X4 + a3X

3 + a2X2 + a1X + a0 = 0

com os ai, como de costume, sendo as funcoes simetricas elementares emX1, X2, X3, X4 e X5. A dificuldade ocorre na hora de escolher os subgruposde S5:

10 Caso: Se a sequencia e {e} ⊂ · · · ⊂ G ⊂ A5 ⊂ S5, sucede que[A5 : G ≥ 5].

20 Caso: Se a sequencia e {e} ⊂ · · · ⊂ G ⊂ S5 com G 6= A5, sucede que[S5 : G] ≥ 5.

Estes fatos serao demonstrados no Capıtulo 9 secao .... Tem-se entao queas primeiras resolventes de Lagrange ja sao de grau no mınimo 5 e portantonao ocorre abaixamento do grau da equacao original. Isto sugere, porem naoprova, que as equacoes do 50 grau nao possam ser resolvidas por radicais, pois,poderia ocorrer que as resolventes de Lagrange, apesar de grau alto, fossemmais faceis de ser resolvidas do que a equacao original. A impossibilidade daresolucao por meio de radicais da equacao geral do 50 grau foi demonstradapoucos anos depois por P. Ruffini cuja demonstracao continha ainda algumasfalhas. Posteriormente N. H. Abel demonstrou definitivamente este fato. Ademonstracao que se usa dar atualmente deste fato e a de Galois e sera feitano capıtulo 9.

Page 146: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

146 CAPITULO 6. O METODO DE LAGRANGE

Page 147: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

Capıtulo 7

EXTENSOES DE CORPOS

Iniciaremos neste capıtulo o estudo de um dos assuntos mais importantesda Algebra cuja origem se confunde com a Teoia de Galois cujos objetivossao extensoes particulares de corpos relacionados com equacoes algebricas. Ateoria elementar que desenvolveremos neste caıtulo sera suficiente para discu-tirmos na secao ... alguns problemas geometricos classicos como por exemploa possibilidade de realizar ou nao certas construcoes geometricas com o usoapenas da regua e do compasso. Necessitaremos de alguns pre-requisitos deAlgebra Linear tais como as nocoes de espaco vetorial, subespaco vetorial,dimensao e base com os quais admitimos o leitor familiarizado.

7.1 A Algebra Linear da Extensao de Corpos

Sejam L e K dois corpos tais que K e um subcorpo de L. Recorde que

nesta situacao dizemos que L e uma extensao deK e escrevemos L|K ouL|K

.

Se L e uma extensao de K, entao L e um K-espaco vetorial. Define-se ograu da extensao L | K, denotando-se por [L : K], como sendo a dimensaode L como K-espaco vetorial.

Se o grau da extensao L | K for finito, dizemos que L e uma extensaofinita de K, ou simplesmente que L |K e finita. Por exemplo, C | R e uma

147

Page 148: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

148 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

extensao finita pois {1, i} e uma base de C sobre R. Por outro lado, se Xe uma indeterminada sobre um corpo K, entao a extensao K(X) |K nao efinita pois {1, X,X2, . . .} sao linearmente independentes sobre K, e portantoK(X) nao e de dimensao finita sobre K.

Se M |L e L|K sao extensoes de corpos, entao claramente M |K e uma ex-tensao. Vejamos agora como se comporta a finitude das extensoes em cadeias.

PROPOSICAO 7.1. Sejam M | L e L |K extensoes finitas. Entao M |Ke finita e [M : K] = [M : L] · [L : K].

Demonstracao: Sejam B1 = {u1, . . . , un} e B2 = {v1, . . . , vm} respectiva-mente bases de M | L e L |K. Vamos provar que

B = {wij = uivj | i = 1, . . . , n, j = 1, . . . , m}

e uma base de M |K. Inicialmente provaremos que B gera M sobre K. Sejaγ ∈ M . Como B1 e uma base de M | L, existem a1, . . . , an ∈ L tais que

γ =

n∑

i=1

aiui.

Como cada ai pertence a L e como L e gerado sobre K por B2, existembij ∈ K, i = 1, . . . , n, j = 1, . . . , m tais que

ai =

m∑

i=1

bijvj , i = 1, . . . , n.

Substiutuindo a expressao de ai dada acima na expresao de γ obtemos

γ =

n∑

i=1

(m∑

j=1

bijvj

)ui =

n∑

i=1

m∑

j=1

bijuivj =∑

i,j

bijwij.

com bij ∈ K. Isto prova que B gera M sobre K.

Vamos agora provar que B e um conjunto de elementos de M linearmenteindependente sobre K. Suponha que para alguns bij ∈ K se tenha

i,j

bijwij = 0

Page 149: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.1. A ALGEBRA LINEAR DA EXTENSAO DE CORPOS 149

segue que

0 =∑

i,j

bijwij =∑

i

(∑

j

bijvj

)ui.

Como∑

j bijvj ∈ L e {u1, . . . , un} e linearmente independente sobre L, temosque ∑

j

bijvj = 0 para cada i = 1, . . . , n.

Por sua vez, {v1, . . . , vm} e linearmente independente sobre K e os bij sao ele-mentos de K, logo bij = 0, para todos i = 1, . . . , n e j = 1, . . . , m, provandoassim que B e um conjunto de elementos de M linearmente independentesobre K.

Sejam L |K uma extensao de corpos e α ∈ L. Diremos que α e algebricosobre K se existir um polinomio p(X) ∈ K[X]−{0} tal que p(α) = 0. Entretodos os polinomios p(X) tais que p(α) = 0 existe um que se destaca sobreos demais como veremos a seguir.

PROPOSICAO 7.2. Sejam uma extensao e algebrico sobre K. Sao equiva-lentes as seguintes condicoes sobre um polinomio p(X) ∈ K[X]− {0}.

(i) p(X) e irredutıvel em K[X] e p(α) = 0.(ii) Se q(X) ∈ K[X] e q(α) = 0 entao p(X) | q(X).

(iii) p(X) e um polinomio de menor grau tal que p(α) = 0.

Alem disso, de todos os polinomios p(X) satisfazendo uma das condicoesequivalentes acima, existe um unico que e monico.

Demonstracao: Considere o conjunto I = {q(X) ∈ K[X] | q(α) = 0}. Efacil ver que este conjunto e um ideal nao nulo de K[X]. Por outro lado, esteideal e primo pois se q1(X), q2(X) ∈ K[X] sao tais que q1(X) · q2(X) ∈ I,segue que q1(α) · q2(α) = 0, portanto, q1(α) = 0 ou q2(α) = 0 e consequente-mente, q1(X) ∈ I ou q2(X) ∈ I. Note que K[X] sendo um domınio principal,I e gerado por um polinomio p(X) caracterizado por (ii) e por (iii). SendoI primo, I e gerado por um elemento primo (cf....), o que e o mesmo queirredutıvel visto que K[X] e um D.F.U. Esta ultima condicao sobre o geradorde I e caracterizado por (i). A unicidade de p(X) monico satisfazendo a uma

Page 150: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

150 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

das condicoes acima decorre da unicidade do gerador monico do ideal I.

O unico polinomio monico satisfazendo a uma das condicoes equivalentesda Proposicao 2 e chamado polinomio mınimo de α.

Define-se o grau de um elemento algebrico α ∈ L sobre K como sendo ograu do seu polinomio mınimo.

Exemplo 1 :√

2 e algebrico sobre Q pois e raiz do polinomio p(X) = X2−2que tem coeficientes em Q. Como este polinomio e irredutıvel em Q[X] (jus-tifique!), ele e o polinomioo mınimo de

√2. Portanto

√2 e de grau 2 sobre Q.

Exemplo 2 : 3√

2 e algebrico de grau 3 sobre Q com polinomio mınimop(X) = X3 − 2 ∈ Q[X], que e irredutıvel pelo criterio de Einsenstein.

Exemplo 3 : Todo elemento α ∈ K e algebrico de grau 1 sobre K compolinomio mınimo p(X) = X − α ∈ K[X].

Exemplo 4 : Todo numero racional gaussiano, isto e da forma a+ b i coma, b ∈ Q, e algebrico sobre Q pois e raiz do polinomio p(X) = X2 − 2aX +a2 + b2. Logo o grau de a + b i sobre Q e menor ou igual a 2. Verifica-sefacilmente que o grau e dois se e somente se b 6= 0.

Exemplo 5 : α = 3√

2 +√

5 e algebrico sobre Q. De fato, elevando-se aocubo ambos os membros da igualdade α−

√5 = 3√

2, obtemos imediatamenteα3 − 3

√5α2 + 15α− 5

√5 = 2, donde

α3 + 15α− 2 = (3√

5α2 + 5)√

5 (7.1)

Elevando ao quadrado ambos os membros desta ultima igualdade, vemos queα e raiz do polinomio p(X) = X6−15X4−4X3 +75X2−60X−121 ∈ Q[X].

Note que nada sabemos ainda sobre a irredutibilidade ou nao do polinomiop(X) do exemplo acima. Os criterios de irredutibilidade que estudamos noCapıtulo 3 nada nos permitem concluir em relacao a isto e o metodo de fa-toracao de Kronecker esta fora de cogitacao pela extensao dos calculos quesao envolvidos. Veremos mais adiante como o conhecimento da origem dep(X) nos permitira provar a sua irredutibilidade.

Page 151: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.1. A ALGEBRA LINEAR DA EXTENSAO DE CORPOS 151

Uma extensao L |K e dita uma extensao algebrica se todo elemento de Le algebrico sobre K.

PROPOSICAO 7.3. Toda extensao finita e algebrica.

Demonstracao: Sejam L|K uma extensao finita e α ∈ L. Para n = [L : K]temos que e {1, α, . . . , αn} e linearmente dependente sobre K e isto nos for-nece uma relacao a0 + a1α + · · · + anα

n = 0 com ai ∈ K nao todos nulos.Logo α e algebrico sobre K.

Dada uma extensao L |K, todo elemento de L que nao e algebrico sobreK e dito transcendente sobre K. Todo numero complexo algebrico sobreQ e chamado de numero algebrico, caso contrario ele e chamado de numerotranscendente. Existem dois numeros transcendentes famosos, o numero e,base dos logaritmos naturais, e o numero π, razao entre o comprimento deuma circunferencia e o seu diametro. A transcendencia desses numeros sofoi demonstrada no final do seculo XIX e se constitue em dois teoremas naotriviais que se demonstram com tecnicas de Analise Matematica.

Com relacao aos elementos algebricos temos o seguinte resultado funda-mental

PROPOSICAO 7.4. Seja α um numero algebrico sobre K e seja n o graudo seu polinomio mınimo. Entao [K(α) : K] = n e {1, α, . . . , αn−1} e umabase de K(α) sobre K.

Demonstracao: Seja p(X) o polinomio mınimo de α sobre K. A aplicacao

ψ : K[X] −→ Lf(X) 7−→ f(α)

e um homomorfismo de aneis cujo nucleo e precisamente o ideal

I = {g(X) ∈ K[X] | g(α) = 0},que definimos na demonstracao da Proposicao 2. Como α e algebrico, temosque I 6= 0 e e gerado por p(X) que e primo. Logo I e maximal (cf......). PeloTeorema do Isomorfismo (I-7 ........) temos que

K[X]

I−→ Im(ψ) = K(α)

Page 152: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

152 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

Sendo K[X]I

um corpo (cf. I-7....) temos que K[α] e um corpo e portantoK[α] = K(α). Vamos agora provar que {1, α, . . . , αn−1} gera K(α) sobreK. Seja β ∈ K(α). Pela igualdade K[α] = K(α), existe f(X) ∈ K[X]tal que β = f(α). Pelo algoritmo da divisao em K[X], existem polinomiosq(X), r(X) ∈ K[X] com r(X) = a0 + a1X + · · ·+ an−1X

n−1 tais que

f(X) = p(X)q(X) + a0 + a1X + · · ·+ an−1Xn−1.

Logo f(α) = p(α)q(α)+a0+a1α+· · ·+an−1αn−1 = a0+a1α+· · ·+an−1α

n−1,e portanto K(α) e gerado por {1, α, . . . , αn−1} sobre K.

Falta agora verificar que o conjunto {1, α, . . . , αn−1} e linearmente inde-pendente sobre K. Ora, suponha que existam a0, a1, . . . , an−1 ∈ K tais quea0 + a1α+ · · ·+ an−1α

n−1 = 0. Como n e o grau do polinomio mınimo de α,segue que a0 = a1 = . . . = an−1 = 0 .

Exemplo 6 : Da Proposicao 3 e dos Exemplos 1, 3 e 5 temos que

Q(√

2)

= {a+ b√

2 | a, b ∈ Q}Q(

3√

2)

= {a+ b 3√

2 + 3√

4 | a, b, c ∈ Q}

Exemplo 7 : Entre Q( 3√

2) e Q nao ha corpos intermediarios pois [Q( 3√

2) :Q] = 3 e para todo corpo intermediario K, devemos ter: se n = [K : Q]entao n divide 3 e n 6= 1, 3, o que e impossıvel.

PROPOSICAO 7.5. Sejam L|K uma extensao de corpos e α1, . . . , αr ∈ L.As seguintes condicoes sao equivalentes:

(i) α1, . . . , αr sao algebricos sobre K.(ii) [K(α1, . . . , αr) : K] <∞.

(iii) K(α1, . . . , αr) |K e uma extensao algebrica.

Demonstracao: (i) → (ii): Segue das Proposicoes 1 e 4 e inducao,considerando-se as seguintes extensoes intermediarias

K(α1) |K, K(α1, α2) |K(α1) e K(α1, . . . , αr) |K(α1, . . . , αr−1).

(ii)→ (iii): Segue da Proposicao 3.(iii)→ (i): Segue da definicao de extensao algebrica.

Page 153: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.1. A ALGEBRA LINEAR DA EXTENSAO DE CORPOS 153

COROLARIO 7.1. Seja L |K uma extensao de corpos. O conjunto A doselementos de L que sao algebricos sobre K e um subcorpo de L.

Demonstracao: Basta mostrar que se α, β ∈ A entao α−β ∈ A e se β 6= 0entao α

β∈ A (cf. I-7......). Ora, se α, β ∈ A, entao pela Proposicao 5 temos

que K(α, β) | K e finita, logo novamente pela Proposicao 5, todo elementode K(α, β) e algebrico sobre K e portanto α−β ∈ A e se β 6= 0, entao α

β∈ A.

Segue do corolario acima que o conjunto AQ dos numeros reais algebricossobre Q e um corpo que e uma extensao de Q, chamado corpo dos numerosreais algebricos. Esta extensao e algebrica mas nao finita, mostrando assimque nao vale a recıproca da Proposicao 3. De fato, o polinomio Xn − 2 ∈ Q

e irredutıvel para todo n ∈ N (Criterio de Einsenstein), logo Q[ n√

2] e umsubcorpo de AQ de grau n sobre Q (Proposicao 4). Como n e arbitrario,vemos que [AQ : Q] =∞. Segue disto que [R : Q] =∞ .

Exemplo 8 : Vamos determinar o grau da extensao Q(α) | Q introduzidano Exemplo 5, onde α = 3

√2 +√

5. Inicialmente demonstraremos que

Q

(3√

2 +√

5)

= Q

(3√

2,√

5).

De fato, e claro que Q(

3√

2 +√

5)⊆ Q

(3√

2,√

5). Por outro lado, da relacao

(..) no Exemplo 5, temos que

√5 =

α3 + 15α− 2

3α2 + 5∈ Q(α).

e portanto3√

2 = α−√

5 = α− α3 + 15α− 2

3α2 + 5∈ Q(α).

Considere agora o seguinte diagrama de extensoes com as respectivas di-mensoes

Q(

3√

2 +√

5)

= Q(

3√

2,√

5)

/ \Q(

3√

2)

Q(√

5)

\ 3 2 /

Q

Page 154: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

154 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

Como pelo Exemplo 5 temos que [Q(α) : Q] = n < 6 e que pela Proposicao1 2 | n e 3 | n, segue que n = 6. Logo [Q(α) : Q] = 6 e o polinomio

p(X) = X6 − 15X4 − 4X3 + 75X2 − 60X − 121

e o polinomio mınimo de α = 3√

2 +√

5 sobre Q e portanto irredutıvel emQ[X]. Alem disso temos

Q(α) = {a0 + a1α + a2α2 + a3α

3 + a4α4 + a5α

5 | ai ∈ Q, i = 1, . . . , 5}.

Exemplo 9 : Seja K um corpo de caracterıstica diferente de 2. Se L |K euma extensao de grau 2, entao existe α ∈ L tal que L = K(α) e α2 ∈ K.

De fato, se β ∈ L\K, entao {1, β} e uma base de L sobre K e L = K(β).Tem-se portanto que existem a, b ∈ K tais que β2 = a+ bβ, logo

(β − b

2

)2

= a +b2

4.

Ponhamos α = β − b2. Como α ∈ L\K temos que {1, α} e uma base de L

sobre K, logo

L = K(α) com α2 = a+b2

4∈ K.

Os seguintes resultados dizem respeito as extensoes algebricas:

PROPOSICAO 7.6. Sejam M |L e L |K extensoes algebricas, entao M |Ke algebrica.

Demonstracao: Seja α ∈M . Como M |L e algebrica, existe um polinomiop(X) = a0+a1X+· · ·anXn ∈ L[X] tal que p(α) = 0. Segue que α e algebricosobre K(a0, . . . , an), logo, pela Proposicao 5, temos que

[K(a0 . . . , an, α) : K(a0, . . . , an)] <∞.

Por sua vez, sendo a0, a1, . . . , an ∈ L, eles sao algebricos sobre K e portanto,pela Proposicao 5, [K(a0, . . . , an) : K] <∞. Pela Proposicao 1, segue entaoque

[K(a0, . . . , an, α) : K] == [K(a0, . . . , an, α) : K(a0, . . . , an)] · [K(a0, . . . , an) : K] <∞.

Page 155: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.1. A ALGEBRA LINEAR DA EXTENSAO DE CORPOS 155

Logo, pela Proposicao 5, α e algebrico sobre K.

A recıproca da Proposicao 6 e trivialmente verdadeira.

PROPOSICAO 7.7. Uma extensao L |K e algebrica se, e somente se, todosubanel de L que contem K e um corpo.

Demonstracao: Suponha que L |K seja uma extensao algebrica e seja Aum subanel de L que contem K. Queremos provar que 1

α∈ A para todo

α ∈ A− {0}. De fato, sendo L |K algebrica, existe uma relacao polinomialem α com coeficientes em K, a0 + a1α + · · ·+ αn = 0, com a0 6= 0. Logo,

1

α= −

(a1

a0+a2

a0α+ · · ·+ an−1

a0αn−2 + αn−1

)∈ A

Reciprocamente, suponha que todo subanel A de L que contem K seja umcorpo. Seja α ∈ L−{0}. Considere o subanel K[α] de L. Por hipotese K[α]e um corpo, logo 1

α∈ K[α], e portanto, existem a0, a1, . . . , an ∈ K tais que

= a0 + a1α + · · ·+ anαn, logo, anα

n+1 + · · ·+ a1α2 + a0α − 1 = 0 e uma

relacao polinomial nao trivial em α com coeficientes em K, logo α e algebricosobre K. Com isto provamos que L |K e uma extensao algebrica.

COROLARIO 7.2. Sejam L |K uma extensao de corpos e α1, . . . , αr ∈ L.Os elementos α1, . . . , αr sao algebricos sobre K se, e somente se, vale aigualdade K[α1, . . . , αr] = K(α1, . . . , αr).

PROBLEMAS 7.1.

1. Para cada numero real α abaixo determine o seu polinomio mınimo euma base de Q[α] | Q.

a) α =3√

2 +√

2 b) α =4√

1 +√

3 c) α = 1√5+

√3

d) α =√

2 +√

3 e) α =

√2 +

√2 +√

2 f) α = 1 + 5√

4

2. (a) Mostre que√

2 +√

3 e algebrico sobre Q.

(b) Mostre que Q(√

2 +√

3)

= Q(√

2,√

3).

Page 156: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

156 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

(c) Calcule o polinomio mınimo de√

2+√

3 sobre Q e determine umabase de Q

(√2 +√

3)

sobre Q.

3. (a) Mostre que Q(i, 3√

2)

= Q(i+ 3√

2).

(b) Mostre que i+ 3√

2 e algebrico sobre Q e determine o seu polinomiomınimo.

4. (a) Calcule o grau de Q

(√2 +√

2)| Q

(√2).

(b) Mostre que todo elemento de Q

(√2 +√

2)

se escreve de modo

unico na forma p + q√

2 +√

2, onde p e q sao da forma a + b√

2com a, b ∈ Q.

(c) Represente3+√

2+√

2

5−2√

2+√

2na forma do ıtem (b).

5. Seja L |K uma extensao de corpos tal que [L : K] = n(<∞). Mostreque

(a) Para todo α ∈ L o grau do polinomio mınimo de α sobre K dividen.

(b) Se p(X) ∈ K[X] e irredutıvel tal que gr(p(X)) nao divide n entaop(X) nao tem raızes em L.

(c) X3 − 2 nao tem raızes em Q(

2n√2), para todo n ∈ N.

(d) Se n e primo, nao ha corpos intermediarios entre K e L, e nestecaso, L = K(α) para todo α ∈ L\K.

7.2 Construcoes com Regua e Compasso

Os gregos antigos nos legaram alguns problemas relacionados com cons-trucoes geometricas a serem realizadas apenas com regua nao graduada ecompasso. Estes problemas desafiaram a mente humana durante variosmilenios e so tiveram resposta completa e definitiva no seculo XIX quando aAlgebra e a Analise ja estavam suficientemente desenvolvidas para lhes darrespostas.

Page 157: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.2. CONSTRUCOES COM REGUA E COMPASSO 157

Dentre os problemas que os gregos sabiam resolver estao os seguintes:

1. Dados um ponto e uma reta, tracar uma reta perpendicular a reta dadapassando pelo ponto.

2. Dados uma reta e um ponto, tracar pelo ponto uma reta paralela a retadada.

3. Divisao de segmentos em quallquer numero de partes iguais

A B

n

1

2

����������������������

��

����

������

����������

4. Bisseccao de um angulo qualquer.

O������������

HHHHHHHHHHHH

5. Transportar, somar e subtrair angulos.

Page 158: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

158 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

6. Dados segmentos de comprimentos a e b, construir segmentos de com-primentos a · b e a

b

b b��������

���������������

1 1

ab

a

a · b

a

7. Dado um segmento de comprimento a construir um segmento de com-primento

√a.

8. Construcao dos polıgonos regulares inscritos de 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 15,16, 20 e de 2n lados.

Os problemas geometricos sao formulados em geral como segue:

Dado um conjunto de pontos no plano, achar a partir destes outros pon-tos do plano que tenham certas relacoes com os pontos dados, usando reguae compasso.

Um ponto P do plano e construtıvel com regua e compasso a partir de umconjunto de pontos S = {P1, P2, . . . , Ps}, s ≥ 2, se existir uma sequenciade pontos do plano Q1, Q2, . . . , Qn = P , tais que Qi e obtido a partir doconjunto Si = S ∪ {Q1, Q2, . . . , Qi−1} de um dos seguintes modos:

1. Qi e ponto de intersecao de retas, cada uma delas definida por doispontos de Si.

2. Qi e ponto de intersecao de uma reta determinada por dois pontos deSi e de uma circunferencia com centro num ponto de Si e raio igual adistancia entre dois pontos de Si.

3. Qi e ponto de intersecao de duas circunferencias com centros em pontosde Si e raios iguais a distancias entre pontos de Si.

Page 159: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.2. CONSTRUCOES COM REGUA E COMPASSO 159

Com o proposito de algebrizar o problema, identificamos o plano ondeestao os pontos de S com C de modo que P1 coincida com z1 = 0, P2 comz2 = 1, P3 com z3, . . . e Ps com zs.

Denotaremos por C(z1, . . . , zs) o conjunto dos pontos construtıveis comregua e compasso a partir de S. E claro que z1, . . . , zs ∈ C(z1, . . . , zs).

PROPOSICAO 7.8. C(z1, . . . , zs) e um subcorpo de C, fechado por con-jugacao e por extracao de raiz quadrada.

Demonstracao: Observe que 0, 1 ∈ C(z1, . . . , zs). Suponhamos que se te-nha a, b ∈ C(z1, . . . , zs). E facil construir a partir de a e b a sua diferencaa − b. Se b 6= 0, as construcoes (5) e (6) nos permitem construir a partirdos numeros complexos a e b o numero complexo a

b. Logo C(z1, . . . , zs) e um

subcorpo de C.

As construcoes (4) e (7) nos permitem construir√a a partir de a, en-

quanto que a e trivialmente construtıvel a partir de a.

COROLARIO 7.3. Se a, b, c ∈ C(z1, . . . , zs), entao as raızes de aX2+bX+c = 0 estao em C(z1, . . . , zs).

LEMA 7.1. Seja K um subcorpo de C fechado por conjugacao e por extracaode raiz quadrada. Entao z ∈ K se, e somente se, Re(z), Im(z) ∈ K.

Demonstracao: Se z ∈ K, entao z ∈ K e como −1 ∈ K, temos quei =√−1 ∈ K. Logo Re(z) = z+z

2∈ K e Im(z) = z−z

2∈ K. Reciprocamente,

se Re(z), Im(z) ∈ K, entao z = Re(z) + i Im(z) ∈ K.

PROPOSICAO 7.9. C(z1, . . . , zs) e o menor subcorpo de C que contemos elementos z1, . . . , zs e que e fechado por conjugacao e extracao de raizquadrada.

Demonstracao: Seja K um corpo contendo z1, . . . , zs e fechado por con-jugacao e extracao de raiz quadrada. Vamos provar que C(z1, . . . , zs) ⊆ K.Afirmamos que para provar esta assercao basta mostrar que a intersecaode duas retas determinadas por pontos de K, a intersecao de uma reta

Page 160: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

160 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

e de uma circunferencia determinados por pontos de K e a intersecao deduas circunferencias determinadas por pontos de K, estao em K. De fato,suponha estas condicoes verificadas. Se z ∈ C(z1, . . . , zs), existem pontosu1, . . . , un = z ∈ C tais que u1 e obtido a partir de z1, . . . , zs por uma dasoperacoes (1), (2) ou (3), logo u1 ∈ K. Como u2 e obtido a partir de z1, . . . , zse u1 por uma das operacoes (1), (2) ou (3), segue que u2 ∈ K e assim suces-sivamente, ate concluirmos que z = un ∈ K. Logo, C(z1, . . . , zs) ⊆ K.

Vamos agora mostrar que as condicoes sobre K na afirmacao acima saoverificadas.

Sejam x0 + i y0, x1 + i y1, x2 + i y2 ∈ K. Pelo Lema 1 temos que x0, y0,x1, y1, x2, y2 ∈ K.

A equacao da reta que passa por x1 + i y1 e x2 + i y2 e dada por

(y2 − y1)X + (x1 − x2)Y + x1(y1 − y2)− y1(x1 − x2) = 0,

logo e da forma aX + bY + c, com a, b, c ∈ K.

A equacao da circunferencia cujo centro e dado por x0 + i y0 e raio dadopor

√(x1 − x2)2 + (y1 − y2)2

X2 + Y 2 − 2x0X − 2y0Y + x20 + y2

0 − (x1 − x2)2 − (y1 − y2)

2 = 0,

logo e da forma X2 + Y 2 + a′X + b′Y + c′, com a′, b′, c′ ∈ K.

A intersecao de duas retas determinadas por pontos de K e um pontox+ i y satisfazendo a um sistema

{aX + bY + c = 0a′X + b′Y + c′ = 0

com a, b, c, a′, b′, c′ ∈ K. E facil ver que se este sistema admite uma unicasolucao (x, y) entao x, y ∈ K e portanto x + i y ∈ K. A intersecao de umareta e uma circunferencia ou de duas circunferencias distintas determinadospor pontos de K e um ponto x+ i y satisfazendo a um sistema

{λ(X2 + y2) + aX + bY + c = 0X2 + Y 2 + a′X + b′Y + c′ = 0

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7.2. CONSTRUCOES COM REGUA E COMPASSO 161

com a, b, c, a′, b′, c′ ∈ K e λ ∈ {0, 1} conforme os casos considerados acima. Efacil verificar com as hipoteses sobre K que toda solucao (x, y) de tal sistemasatisfaz a condicao x, y ∈ K, logo x+ i y ∈ K.

Sejam z1 = 0, z2 = 1 e z3, . . . , zs ∈ C. De agora em diante usaremos anotacao K = Q(z1, . . . , zs, z1, . . . , z)

TEOREMA 7.1. O numero complexo z e construtıvel com regua e com-passo a partir de z1, . . . , zs, se, e somente se, existem u1, . . . , ur ∈ C com u1 ∈K e ui ∈ K(u1, . . . , ui−1) para todo i = 2, . . . , r, tais que z ∈ K(u1, . . . , ur).

Demonstracao: Seja L o conjunto dos pontos z ∈ C tais que existemu1, . . . , ur ∈ C como no enunciado do Teorema. Queremos demonstrar queL = C(z1, . . . , zs). Para isto, basta provar que L e um corpo que contemz1, . . . , zs, que L e fechado por conjugacao e extracao de raiz quadrada eque L ⊆ C(z1, . . . , zs), o que permitira concluir a partir da Proposicao 9 queL = C(z1, . . . , zs). A demonstracao prosseguira por etapas.

a) L e um subcorpo de C que contem z1, . . . , zs.

O fato que z1, . . . , zs ∈ L e trivial. Para verificar que L e um subcorpo deC sejam z, z′ ∈ L. Temos que z ∈ K(u1, . . . , ur) e z′ ∈ K(u′1, . . . , u

′r′), com os

ui e u′j como no enunciado do Teorema. Segue entao que z−z′ e zz′

(se z 6= 0)sao elementos de K(u1, . . . , ur, u

′1, . . . , u

′r) = K(u1, . . . , ur, ur+1, . . . , ur+r′),

onde ur+j = u′j, j = 1, . . . , r′. E claro que u1, . . . , ur+r′ cumprem as condicoesdo enunciado e portanto z − z′ e z

z′estao em L.

b) L e fechado por extracao de raiz quadrada.

De fato, se z ∈ L, temos que z ∈ K(u1, . . . , ur) com os ui satisfazendoas condicoes do enunciado do Teorema, logo

√z ∈ K(u1, . . . , ur, ur+1), com

z2r+1 = z ∈ K(u1, . . . , ur). Isto prova que

√z ∈ L.

c) K e fechado por conjugacao.

De fato, se z ∈ L, entao temos z ∈ K(u1, . . . , ur) com u21 ∈ K e para cada

i = 2, . . . , r, temos, u2i ∈ K(u1, . . . , ui−1). Como K = K entao temos que

z ∈ K(u1, . . . , ur) com u12 ∈ K e ui

2 ∈ K(u1, . . . , ui−1), i = 2, . . . , r. Segue

Page 162: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

162 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

que z ∈ L.

d) L ⊆ C(z1, . . . , zs).

De fato, seja z ∈ L, logo z ∈ K(u1, . . . , ur) onde u21 ∈ K e para cada

i = 2, . . . , r, temos u2i ∈ K(u1, . . . , ui−1). Como K ⊆ C(z1, . . . , zs), u

21 ∈ K

e C(z1, . . . , zs) e fechado por extracao de raiz quadrada, necessariamenteK(u1) ⊆ C(z1, . . . , zs). Prosseguindo de proximo em proximo concluimosque z ∈ K(u1, . . . , ur) ⊆ C(z1, . . . , zs), e portanto, L ⊆ C(z1, . . . , zs).

COROLARIO 7.4. Seja K = C(z1, . . . , zs, z1, . . . , zs). Todo numero com-plexo construtıvel com regua e compasso a partir de z1, . . . , zs e algebricosobre K e o seu grau e uma potencia de 2.

Demonstracao: Seja z construtıvel com regua e compasso a partir dez1, . . . , zs, logo, pelo Teorema 1, existem u1, . . . , ur ∈ C tais que u2

1 ∈ Ke para cada i = 2, . . . , r, temos u2

i ∈ K(u1, . . . , ui−1) e z ∈ K(u1, . . . , ur).Temos entao que [K(u1) : K] = 1 ou 2 e [K(u1, . . . , ui) : K(u1, . . . , ui−1)] = 1ou 2 para i = 2, . . . , r. Logo

[K(u1, . . . , ur) : K] = [K(u1, . . . , ur) : K(u1, . . . , ur−1)] · · · [K(u1) : K] = 2m

para algum m ∈ N. Como z ∈ K(u1, . . . , ur), segue que z e algebrico sobreK e [K(z) : K] divide [K(u1, . . . , ur) : K], portanto, [K(z) : K] = 2l, paraalgum l ∈ N.

Na maioria das aplicacoes as construcoes serao feitas a partir dos doispontos z1 = 0 e z2 = 1. Neste caso temos que K = Q(0, 1) = Q.

A seguir atacaremos os problemas classicos relacionados com construtibi-lidade com regua e compasso.

Problema da Duplicacao do Cubo.

Dada a aresta de um cubo, o problema consiste em construir com reguae compasso a aresta de um cubo que tenha o dobro do volume do cubo cujaaresta e dada.

Page 163: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.2. CONSTRUCOES COM REGUA E COMPASSO 163

Vamos supor que a aresta do cubo dado tenha 0 e 1 como extremidades,logo neste caso K = Q. Se a e a aresta procurada temos que a3 = 2, logo a eraiz do polinomio X3 − 2 que e irredutıvel em Q[X] (Einsenstein). Portanto[Q(a) : Q] = 3 e consequentemente, pelo Teorema 1, a nao e construtıvelcom regua e compasso.

Problema da Trisseccao de um Angulo.

Dado um angulo, queremos trissecta-lo com regua e compasso.

Para colocar o problema dentro do novo contexto, supoe-se que o anguloseja determinado pelos pontos 1, 0 e z tal que |z| = 1 e z faz um angulo φ como eixo real. Para trissectar este angulo e necessario e suficiente construir umponto z1 tal que |z1| = 1 e formando um angulo φ

3com o eixo real. Portanto o

nosso problema equivale a construir cos(φ

3

)a partir de cos(φ). Pela formula

de De Moivre, temos

cos(φ) + i sen(φ) =(cos φ

3+ i sen φ

3

)3=

= cos3(φ

3

)+ 3i cos2

3

)sen(φ

3

)− 3 cos

3

)sen2

3

)− i sen

3

).

Tomando partes reais na formula acima, temos que

cos(φ) = cos3(φ

3

)− 3 cos

3

) (1− cos2

3

))= 4 cos3

3

)− 3 cos

3

).

Portanto cos(φ

3

)e raiz do polinomio 4X3 − 3X − cosφ.

PROPOSICAO 7.10. O numero real cos(φ

3

)e construtıvel com regua e

compasso a partir de cosφ se, e somente se, 4X3−3X− cos φ e redutıvel emQ(cos φ)[X].

Demonstracao: Se cos(φ

3

)fosse construtıvel a partir de cosφ, entao

terıamos que[Q(cos φ

3

): Q(cos φ)

]seria uma potencia de 2, assim necessa-

riamente 4X3 − 3X − cosφ seria redutıvel, pois caso contrario, cos(φ

3

)teria

grau 3 sobre Q, o que e um absurdo. Reciprocamente, se 4X3 − 3X − cosφfosse redutıvel, entao cos

3

)seria raiz de um polinomio de grau menor ou

igual a dois com coeficientes em Q(cosφ). Segue trivialmente que cos(φ

3

)

seria construtıvel com regua e compasso a partir de cosφ.

Page 164: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

164 CAPITULO 7. EXTENSOES DE CORPOS

Se φ = 60o, tem-se que cosφ = cos 60o = 12, logo Q(cos φ) = Q, e

4X3 − 3X − cosφ = 4X3 − 3X − 12, que e irredutıvel em Q[X] (justifique).

Logo o angulo de 60o nao pode ser trissectado com regua e compasso.

Quadratura do Cırculo

Este e o mais famoso dos problemas de construcao com regua e compassoe se formula com segue.

Dado um cırculo de raio 1, construir com regua e compasso o lado de umquadrado cuja area seja igual a area do cırculo dado.

Neste caso K = Q. Seja a o lado do quadrado, logo a2 = πr2 = π.Portanto a

√π. Acontece que

√π nao e algebrico sobre Q (isto decorre do

fato de π ser transcendente). Segue daı a impossibilidade de se resolver oproblema.

Construtibilidade de Polıgonos Regulares Inscritos (Ciclotomia)

Este problema foi resolvido por Gauss no livro Disquisitiones Arithmae-ticae de 1801 e se formula como segue.

Dada a circunferencia de centro na origem e raio igual a 1, para quaisvalores de n e possıvel construir, com regua e compasso, o polıgono regularinscrito nesta circunferencia com n lados?

Como dissemos acima, Gauss deu uma resposta completa ao problemaquando tinha 17 anos. Como a demonstracao de Gauss e muito trabalhosa,apesar de elementar, provaremos este resultado no Capıtulo .... , usandoresultados de grupos finitos e da teoria de Galois.

PROBLEMAS 7.2.

1. Note que construir o polıgono regular de n lados equivale a construir araiz n-esima primitiva da unidade.

Page 165: Abramo Hefez - Curso de Álgebra Vol 2

7.2. CONSTRUCOES COM REGUA E COMPASSO 165

(a) Mostre que o triangulo equilatero inscrito na circunferencia de raio1 e construtıvel com regua e compasso. (Sug.: A raiz cubica primitiva

da unidade w = cos 2π3

+ i sen 2π3

satisfaz a equacao 1 + X + X2 = 0).

(b) Mostre que o pentagono regular inscrito e construtıvel com reguae compasso. (Sug.: Uma raiz quinta primitiva da undidade ξ e raiz da

equacao X4 + X3 + X2 + X + 1 = 0; mas isto equivale dizer que ξ e raiz

da equacao(X + 1

X

)2+(X + 1

X

)− 1 = 0. Mostre que β = ξ + 1

ξe

construtıvel com regua e compasso e conclua que ξ e construtıvel com regua

e compasso).

(c) Se n = 2r · 3 ou 2r · 5, mostre que o polıgono regular de n lados econstrutıvel com regua e compasso.

2. Prove que um eneagono regular (polıgono de 9 lados) nao e construtıvelcom regua e compasso. (Sug.: 2π

9= 40o e se 40o e construtıvel entao 20o

tambem e, logo 60o e trissectavel.)

3. Mostre que e impossıvel dividir um angulo de 100o ou de 200o em cincopartes iguais.

4. Se n ∈ N, entao existe um polinomio Pn(X) de grau n com coeficientesinteiros tal que cosnθ = Pn(cos θ). (Veja I-9, Problema 3.3). Mostreque cos(1o) e um numero algebrico.

5. Mostre que 4√

2 e construtıvel com regua e compasso a partir de 0 e 1.

6. Em cada caso abaixo decida se pode ou nao ser trissectado o angulo φtal que

a) cosφ = 14

b) cos φ = − 916

c) cosφ = 1√2

d) cos φ =√

28

7. Mostre que cos 2π7

e raiz de 8X3 + 4X2 − 4X − 1 = 0 e que 2 cos 2π7

eraiz de X3 +X2 − 2X − 1 = 0. Mostre que o polıgono regular inscritonuma circunferencia de raio 1 nao e construtıvel com regua e compasso.