as trincheiras do major cosme de farias

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MÔNICA CELESTINO SANTOS AS TRINCHEIRAS DO MAJOR COSME DE FARIAS (1875-1972) A INTERFACE ENTRE ATUAÇÃO NA IMPRENSA E AÇÕES DE CARIDADE EM SALVADOR (BA) NO ALVORECER DA REPÚBLICA SALVADOR 2011

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As Trincheiras Do Major Cosme de Farias

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    MNICA CELESTINO SANTOS

    AS TRINCHEIRAS DO MAJOR COSME DE FARIAS (1875-1972) A INTERFACE ENTRE ATUAO NA IMPRENSA E AES DE CARIDADE

    EM SALVADOR (BA) NO ALVORECER DA REPBLICA

    SALVADOR 2011

  • MNICA CELESTINO SANTOS

    AS TRINCHEIRAS DO MAJOR COSME DE FARIAS (1875-1972) A INTERFACE ENTRE ATUAO NA IMPRENSA E AES DE CARIDADE

    EM SALVADOR (BA) NO ALVORECER DA REPBLICA

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de doutor. Orientador: Prof. Dr. Israel Oliveira Pinheiro

    SALVADOR 2011

  • _____________________________________________________________________________ Santos, Mnica Celestino S237 As trincheiras do Major Cosme de Farias (1875-1972): a interface entre atuao na imprensa e aes de caridade em Salvador (BA) no alvorecer da Repblica / Mnica Celestino Santos. Salvador, 2011. 405 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Israel Oliveira Pinheiro Tese (doutorado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, 2011.

    1. Jornalismo. 2. Imprensa. 3. Assistncia social. 4. Caridade. 5. Cosme de Farias. I. Pinheiro, Israel Oliveira. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo.

    CDD 920.1

  • MNICA CELESTINO SANTOS

    AS TRINCHEIRAS DO MAJOR COSME DE FARIAS (1875-1972) A INTERFACE ENTRE ATUAO NA IMPRENSA E AES DE CARIDADE

    EM SALVADOR (BA) NO ALVORECER DA REPBLICA Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria da Faculdade de Filosofia e

    Cincias Humanas da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obteno

    do ttulo de doutor.

    Salvador, ___/___/_____ Banca Examinadora: _______________________________________________________ Prof. Dr. Israel Oliveira Pinheiro (UFBA) - Orientador _______________________________________________________ Prof. Dr. Aldo Jos Morais Silva (UEFS) - Avaliador _______________________________________________________ Profa. Dra. Ana Cristina Menegotto Spannenberg (UFU) - Avaliadora _______________________________________________________ Profa. Dra. Lina Maria Brando de Aras (UFBA) - Avaliadora _______________________________________________________ Prof. Dr. Luis Guilherme Pontes Tavares (NEHIB) - Avaliador

  • Para Cosme de Farias (in memoriam)

  • AGRADECIMENTOS

    Nestas linhas iniciais, expresso meu agradecimento e reconhecimento s pessoas que,

    sua maneira e no seu tempo, contriburam para a concepo e o desenvolvimento desta tese.

    Portanto, a quem me acolheu, levantou e indicou fontes e bibliografia, permitiu e/ou facilitou

    acesso a acervos, debateu ideias e mtodos, leu os originais e sugeriu encaminhamentos,

    acompanhou minhas aventuras pelo universo da pesquisa, acreditou no resultado do meu

    esforo ou, simplesmente, me trouxe um sorriso. Arrisco cit-las uma a uma na tentativa de

    evidenciar meu sentimento com transparncia e por confiar na complacncia daqueles

    eventualmente omitidos.

    Agradeo e partilho os mritos desta tese com o Prof. Dr. Israel Oliveira Pinheiro, meu

    orientador desde a realizao do mestrado; os colegas e docentes do Programa de Ps-

    Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia (PPGH/UFBA), por alimentarem

    um espao frutfero de discusso determinante para meu amadurecimento intelectual [em

    especial, Antonio Luigi Negro (Gino), Lgia Bellini, Lina Aras e Maria Hilda Baqueiro, pela

    solicitude e competncia demonstradas a todo momento]; os professores doutores Aldo

    Moraes, Ana Cristina M. Spannenberg e Luis Guilherme Pontes Tavares, pelas contribuies;

    Soraia Ariane Ferreira, pela ateno e diligncia para resoluo de questes administrativas;

    Cnthia Cunha e Sara Maia Gomes, pelo adjutrio na pesquisa; Gina Carla Reis, Anne-Marie

    Lbreque, Adriana Telles e Alberto Fontoura, pela traduo do resumo e reviso.

    Sou grata, ainda, ao auxlio dos depoentes (em especial, Antnio Pinto e Zilah

    Moreira, in memoriam) pelas preciosas lembranas; de Anzio Carvalho, pela disponibilizao

    do seu acervo pessoal; dos colaboradores da Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Cincias

    Humanas da UFBA, dos Arquivos Pblicos dos Estados da Bahia e do Rio de Janeiro, da

    Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, da Associao Baiana de Imprensa, da Fundao

    Clemente Mariani, do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia, do Arquivo Municipal de

    Salvador, da Biblioteca Nacional, do Memorial da Cmara Municipal de Salvador, da

    Assemblia Legislativa do Estado da Bahia, celeiros de fontes e bibliografia; e dos colegas de

    trabalho e aos amigos (em especial, Ana Cristina Spannenberg, Antnio Brotas, Lia Seixas,

    Leila Nogueira, Slvio Benevides, Tattiana Teixeira, pelo estmulo e companhia; e Elias

    Machado, por ter despertado em mim o gosto pela pesquisa).

    Por fim, ressalto minha gratido a Magali, Marcelo, Michele, Fabiana, pelo apoio e

    incentivo a toda hora; a Rafael, por iluminar todos os meus dias; e, sobretudo, a minha me,

  • Nelia, que apostou no improvvel e tem colhido os frutos da sua ousadia, e a meu pai, Luiz

    Carlos, meu primeiro leitor.

  • RESUMO

    A presente tese consiste em uma biografia histrica do Major Cosme de Farias (1875-1972), que objetiva contribuir para o entendimento de aspectos da sociedade de Salvador (BA), no arvorecer da Repblica, sobretudo, atravs de cdigos e da vivncia desse indivduo como promotor de caridade e militante na imprensa e da interface entre sua atuao nestes dois campos pelo bem coletivo. Por meio da abordagem de fatos relativos sua vida e obra como jornalista, trovador, benemrito, rbula, ativista, oficial da Guarda Nacional, vereador da capital baiana e deputado estadual no Estado da Bahia, o estudo trata da tessitura de redes sociais, dos meios de ascenso social de mestios e pobres, de prticas de assistncia social, da mobilizao poltica e social, e das atividades de peridicos na Cidade da Bahia, nas primeiras dcadas do perodo republicano. Resultante da consulta a documentos diversos (entre os quais, processos judiciais e mdicos, peas jurdicas e livros de autoria do biografado, gravaes de depoimentos em udio, carta-testamento, cartes), a veculos de comunicao impressa e historiografia, de entrevistas semi-estruturadas e da aplicao dos mtodos da anlise do contedo (AC) e da anlise do discurso (AD), esta tese constata que o Major Cosme conseguiu reunir condies para a mobilidade social na Salvador do seu tempo, mas preferiu manter-se aprisionado aos estratos de baixo, e contribuiu para a modernizao das prticas sociais e polticas na capital, de modo particular, utilizando-se da imprensa e da caridade e da associao de ambas. O trabalho, tambm, caracteriza o uso de duas modalidades especficas do jornalismo por ele denominadas de Jornalismo Assistencial e Jornalismo Mobilizador para a assistncia social, nos anos 1920 e 1930. Palavras-chave: Cosme de Farias. Caridade. Assistncia Social. Imprensa. Jornalismo.

  • ABSTRACT

    This thesis consists of a historical biography of Major Cosme de Farias (1875-1972), with the objective of contributing to the understanding of aspects of the society of Salvador (State of Bahia), in the early days of the Republic of Brazil, above all by means of the codes and the life experience of this individual as a promoter of charity and a militant figure in the press, and of the interface between his activity in these two fields in favor of the collective welfare. Through the approach to events relating to his life and work as journalist, troubadour, distinguished person, pettifogger, activist, city councilman of the capital of the State of Bahia and member of the state assembly, the study also deals with the range of social networks, with the means for social climbing of half-breeds and poor people, with social welfare practices, with political and social mobilization and with the activities of periodicals in the city of Bahia. Resulting from the consultation of various documents (court cases, medical records, books written by the Major, audio recordings of testimony, letter with his last will, among others), of periodicals and of historiography, of interviews and with the application of the methods for content analysis and discourse analysis, this thesis finds that Major Cosme had the requirements for social mobility, but preferred to remain a prisoner of the lower social classes, and characterizes his use of two specific forms of journalism called Welfare Journalism and Mobilizing Journalism for social welfare activities. Key words: Cosme de Farias. Charity. Social Welfare. Press. Journalism.

  • RSUM

    La prsente thse consiste en une biographie historique du Major Cosme de Farias (1875-1972). Cette biographie a pour objectif de contribuer la comprhension des aspects de la socit de Salvador (BA) au dbut de la Rpublique, principalement travers de codes et l'exprience de Cosme Major comme promoteur de bienfaisance et dans la presse millitant et linterface entre leurs perfomaces dans ces deux domaines pour le bien collective. Grce l'approche des faits concernant sa vie et son travail de journaliste, troubadour, bienfaiteur, escroc, militant, conseiller municipal de Salvador et reprsentant de l'tat, l'tude traite aussi du tissage de rseaux sociaux, de moyens de mobilit sociale pour les mtis et les personnes dfavorises autant que les pratiques d'assistance sociale, la mobilisation sociale et politique et les activits courantes dans la Ville de Bahia. Rsultant de la consultation de documents divers (processus judiciaire et mdical, ouvrages crits par le Major, des dpositions audios, lettre-testament et autres), ainsi que de revues d'histoire, dinterviews et l'application de mthodes d'analyse de contenu et danalyse du discours, cette thse considre que Major Cosme a promulgu les conditions de mobilit sociale mais a nanmoins prfr rester prisonnier des strates du bas. Cette thse caractrise aussi l'utilisation par Major Cosme de deux formes spcifiques de journalisme pour l'assistance sociale le journalisme dassistance et le journalisme mobilisateur. Mots-cls: Cosme de Farias. Bienfaisance. Assistance Aociale. Mdias. Journalisme.

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................... 16 COSME DE FARIAS, OBJETO DE ESTUDOS .................................. 21

    MLTIPLAS FRENTES EM TRS FOCOS DE ANLISE .............. 30 OS DOIS MTODOS PARA APRECIAO ..................................... 45

    1 O INDIVDUO SOB A LENTE DO HISTORIADOR .................. 56 1.1 RECRUDESCIMENTO DO GNERO BIOGRFICO ................. 66

    1.2 PERSEGUINDO OS RASTROS DO MAJOR ............................... 77

    2 A CONQUISTA DE LUGARES SOCIAIS .................................... 81 2.1 DA INFNCIA NO SUBRBIO ESCOLARIZAO ............. 81 2.2 DOS LAOS CONJUGAIS E DE SOLIDARIEDADE INSERO PROFISSIONAL ..............................................................

    95 2.3 NAS TRINCHEIRAS DA POLTICA ............................................ 109

    2.3.1 Flertes com o socialismo ............................................................. 135 2.4 JEITO DE SER E VIVER ............................................................... 143

    2.4.1 Cordialidade a toda prova ......................................................... 162 2.5 CONSCINCIA TRABALHADORA, SEMPRE ........................... 167

    3 CAMINHOS PARA A VIRTUOSE ................................................ 174 3.1 VERTENTES DO ALTRUSMO E DA BENEMERNCIA ......... 174

    3.1.1 Assistncia a desamparados ....................................................... 179 3.1.2 Defensoria gratuita e irrestrita .................................................. 187 3.1.3 No front pela alfabetizao ......................................................... 204 3.1.3.1 Entre poltica e pedagogia ......................................................... 215

    3.1.4 Batalhas contra a carestia .......................................................... 224 3.1.4.1 Majorao de preos e patriotismo ............................................ 232

    3.1.5 Na luta dos trabalhadores .......................................................... 240 3.1.6 Bandeira da redemocratizao .................................................. 246 3.2 MOTIVAES PARA A MILITNCIA E ASSISTNCIA ......... 249

    4 NAS VEREDAS DA IMPRENSA ................................................... 260 4.1 INCURSES NO UNIVERSO DA POESIA ................................. 261 4.2 OFCIO ENTRE AS PENAS E AS PRETINHAS .......................... 264

    4.2.1 Na gesto de peridicos .............................................................. 266

  • 4.2.2 Sob comando de terceiros .......................................................... 271 4.2.3 Relaes estratgicas com jornais e jornalistas ........................ 285 4.3 LAMA & SANGUE, LINHAS LIGEIRAS E OUTROS TEXTOS .... 292

    4.3.1 Crticas a um momento poltico histrico ................................. 293 4.3.2 Olhar sobre o dia-a-dia .............................................................. 304

    4.3.3 Cosme, pauta jornalstica ........................................................... 319 4.4 IMPLICAES DAS INVESTIDAS NA IMPRENSA ................. 323

    4.5 ENTRE O JORNALISMO ASSISTENCIAL E O JORNALISMO MOBILIZADOR ...................................................................................

    332

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................. 349 FONTES ............................................................................................... 357 REFERNCIAS ................................................................................... 366 APNDICES ........................................................................................ 387

  • LISTA DE APNDICES

    APNDICE 1 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A CONSELHEIRO MUNICIPAL 1907 APNDICE 2 DESEMPENHO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS ELEITOS NO PRIMEIRO DISTRITO 1915-1917 APNDICE 3 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL, CONFORME OPOSIO 1915-1917 APNDICE 4 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1917-1919 APNDICE 5 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1919-21 APNDICE 6 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1921-1923 APNDICE 7 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1923-1925 APNDICE 8 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1925-1927 APNDICE 9 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1927-1929 APNDICE 10 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1929-1931 APNDICE 11 DESEMPENHO DOS VEREADORES ELEITOS 1948-1951 APNDICE 12 DESEMPENHO DOS VEREADORES ELEITOS 1951-1955 APNDICE 13 DESEMPENHO DOS VEREADORES ELEITOS 1955-1959 APNDICE 14 DESEMPENHO DOS VEREADORES ELEITOS 1959-1963 APNDICE 15 DESEMPENHO DOS VEREADORES ELEITOS 1963-1967 APNDICE 16 DESEMPENHO DE CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL 1967-1970 APNDICE 17 DESEMPENHO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS ELEITOS 1970-1974

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ABI Associao Baiana de Imprensa

    AC Anlise de contedo

    ACM Antonio Carlos Magalhes

    AD Anlise do discurso

    AECB Associao dos Empregados do Comrcio da Bahia

    AFPEB Associao dos Funcionrios Pblicos do Estado da Bahia

    AIB Ao Integralista Brasileira

    ALEB Assembleia Legislativa do Estado da Bahia

    APEB Arquivo Pblico do Estado da Bahia

    ARENA Aliana Renovadora Nacional

    BA Bahia

    BPEB Biblioteca Pblica do Estado da Bahia

    CF Cosme de Farias

    CGT Confederao Geral dos Trabalhadores

    CIA Centro Industrial de Aratu

    CMS Cmara Municipal de Salvador

    COB Centro Operrio da Bahia

    CPDOC-FGV Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do

    Brasil/Fundao Getlio Vargas

    CVP Comisso de Verificao dos Poderes

    DB Diario da Bahia

    DN Diario de Noticias

    DO Diario Oficial

    DT Diario da Tarde

    EdUFBA Editora da Universidade Federal da Bahia

    EdUSP - Editora da Universidade de So Paulo

    FEB Fora Expedicionria Brasileira

    FSB Federao Socialista Baiana

    GLB Grmio Literrio da Bahia

    GP Gazeta do Povo

    HC Histria Cultural

  • HM Histria das Mentalidades

    HS Histria Social

    IGHB Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia

    INL Instituto Nacional do Livro

    JA Jornalismo Assistencial

    JBa Jornal da Bahia

    JC Jornalismo Cvico

    JM Jornalismo Mobilizador

    JN Jornal de Noticias

    LASP Liga de Ao Social e Poltica

    LBA Liga Bahiana contra o Analfabetismo

    MDB Movimento Democrtico Brasileiro

    MG Minas Gerais

    MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    NEHIB Ncleo de Estudos sobre a Histria dos Impressos na Bahia

    NHC Nova Histria Cultural

    PCB Partido Comunista Brasileiro

    PDC Partido Democrata Cristo

    PDT Partido Democrtico Trabalhista

    PLANDEB Plano de Desenvolvimento para a Bahia

    PPGH Programa de Ps-Graduao em Histria

    PR Partido Republicano

    PRB Partido Republicano da Bahia

    PRD Partido Republicano Democrata

    PRP Partido Republicano Progressista

    PSB Partido Socialista Brasileiro

    PSD Partido Social Democrtico

    PSP Partido Social Progressista

    PST Partido Social Trabalhista

    PTB Partido Trabalhista Brasileiro

    PTN Partido Trabalhista Nacional

    RJ Rio de Janeiro

    RS Rio Grande do Sul

    SP So Paulo

  • SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste

    TB Tribuna da Bahia

    TRE Tribunal Regional Eleitoral

    UDN Unio Democrtica Nacional

    UEB Unio dos Estudantes da Bahia

    UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFU Universidade Federal de Uberlndia

    UnB Universidade de Braslia

    UNESP Universidade Estadual Paulista

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    USP Universidade de So Paulo

  • 16

    INTRODUO

    Primeiros minutos de uma manh do finalzinho do Vero de 1972, no longnquo

    bairro de Cosme de Farias (1875-1972), Subrbio da Salvador, Bahia. Nas vielas e ruas sem

    calamento, o vai-e-vem de gente providenciando os ingredientes para o caf da manh, ca-

    minhando para a escola ou deslocando-se para o trabalho d indcios de que aquele um terri-

    trio populoso. Em teimosos casebres erguidos revelia do poder pblico, uns cuidam da

    prole e, em geral, ela imensa ou preparam a alimentao, outros fazem a higiene do cor-

    po e da residncia. Grande parte, entretanto, ainda dorme, enquanto o locutor de rdio anuncia

    as novas medidas do governo que se instalou em 1964, com a promessa de afastar o Brasil dos

    riscos de uma derrocada e, logo, promover a escolha de novos gestores, mas se fixou no co-

    mando do Estado brasileiro por meio de um regime autoritrio que perduraria at 1985.

    cedo, o sol apenas comea a colorir o cu com um amarelo-alaranjado energizante.

    Aos 96 anos, Cosme de Farias bem que poderia estar entre os que desfrutam do cio

    merecido aos justos; mas prefere manter-se na labuta. J ao alvorecer, salta da cama de madei-

    ra envelhecida pelo tempo, com planos de um jovem, mas equilbrio comprometido pela ida-

    de. Ele resmunga das limitaes impostas pela idade. Todo dia, tem sido assim: a mente co-

    manda, porm as pernas teimam at obedecer. Sem tempo para muita lamria, cobre-se com

    peitilho, golas e punhos alvos engomados que, em conjunto, imitam uma camisa e palet

    bem surrado, como se quisesse disfarar o corpo esqulido e empalidecido e esconder o chia-

    do que insiste em denunciar a debilidade da sua sade. Seus pulmes j no funcionam como

    outrora.

    O desjejum servido por uma espcie de faz-tudo, chamada Railda Araci Pitanga, pa-

    rece minguado e no apetece Cosme. A exemplo do que ocorre nas demais refeies do dia,

    ele apenas belisca. Por anos, assim: ora falta vontade para comer, ora reparte o pouco que

    lhe servido com indigentes. De certo, a dieta diria tem apenas as doses de vermute ou cer-

    veja quente ao meio-dia, postas junto ao almoo, em pontos comerciais da regio central da

    Cidade da Bahia.

    Mal sai da mesa e j comea a atender a procisso improvisada diante da porta da sua

    casa. Vizinhos, afilhados, companheiros de bar e uma legio de desconhecidos fazem pedidos

    de emprego, suplicam por vaga em escola pblica ou atendimento mdico gratuito, clamam

    por assistncia jurdica gratuita perante a polcia e a justia, requerem ajuda para sustento de

    organizaes benemritas, solicitam materiais escolares, alimentos ou outros gneros de pri-

  • 17

    meira necessidade.

    Um cortejo similar, desde o clarear do dia, risca o Terreiro de Jesus, onde Cosme

    improvisa um escritrio para ouvir rogativas de desvalidos, prostitudos, doentes, acusados

    pela polcia e justia, representantes de entidades benemerentes desprovidas de recursos. Es-

    cuta a todos. Confere palavras de carinho e esperana maioria. E s promete empenhar cada

    fio de energia que lhe resta para assistir todos. Vou ver! Vou ver! Vou ver!, afirma, repeti-

    das vezes, como se ditasse um mantra.

    Cosme tem uma extensa e variada obra assistencial, constituda desde o final do s-

    culo XIX e mantida at sua morte, com maior ou menor intensidade, a depender do contexto

    de cada perodo. quela altura, ela inclui a mediao, junto ao poder pblico e ao empresaria-

    do, para obteno de postos de trabalho e vagas nas redes pblicas de ensino, sade e acolhi-

    mento; iniciativas contnuas pela alfabetizao de crianas e adultos; doaes diretas; e defen-

    soria gratuita. Para sustent-la e impulsion-la, ele tanto emprega seu salrio recebido do Es-

    tado como funcionrio pblico e parlamentar e a fria obtida com a venda de livros de sua

    autoria quanto pede doaes a terceiros e capta patrocnios e subsdios governamentais.

    Diariamente, amparado por um auxiliar (como o jovem afilhado Antnio Fernandes

    Pinto), Cosme caminha at o ponto para pegar um veculo em direo ao ento Centro poltico

    e financeiro de Salvador. L, alm do gabinete improvisado em instalaes cedidas por tercei-

    ros, atuam pessoas com poder e instrumentos para ateno s demandas da populao que lhe

    procura e instituies pblicas e privadas responsveis pelos servios requeridos por aquela

    multido, como o Frum Ruy Barbosa, as sedes da Cmara e a Prefeitura Municipal, o Pal-

    cio do Governo do Estado e a Assembleia Legislativa, onde ele exerce seu derradeiro mandato

    como deputado estadual. Portanto, torna-se mais fcil bater de porta em porta ou abordar tran-

    seuntes e tecer histrias que comovam e garantam doaes para repasse a terceiros.

    Esto naquelas imediaes, igualmente, redaes e oficinas dos inmeros jornais que

    circulam pela capital, onde profissionais liberais, literatos e servidores pblicos como o pr-

    prio Cosme de Farias trabalham como jornalistas. Aps breve perodo de dedicao ao co-

    mrcio de madeira junto com o pai (Paulino Manuel de Farias), aos 19 anos, ele comea sua

    carreira no jornalismo, na funo de reprter. De 1894 a 1972, passa por inmeros jornais

    baianos, atuando na reportagem, na diretoria de redao e at como proprietrio dos veculos,

    concomitantemente ao exerccio de suas atividades como servidor pblico do Estado pri-

    meiro, por dois anos, como fiscal externo da Recebedoria de Rendas Estadual e, a partir de

    1934, na Imprensa Oficial. Portanto, na imprensa, atua ora como funcionrio, ora colaborador

    espordico, quando enviava matrias s redaes acompanhadas de um pedido de divulgao,

  • 18

    ora como empreendedor.

    Naquelas praas, ruas e edificaes, ecoam pronunciamentos de polticos e ativistas,

    peas jurdicas de autoridades em acusao e defesa de algum, versos de poetas. Quase sem-

    pre, Cosme de Farias est entre esses artfices da palavra. A despeito da parca escolaridade,

    ele vem manifestando vocao para o universo das letras desde os 13 anos, quando fez seu

    primeiro discurso1, nas comemoraes pela assinatura da Lei urea pela Princesa Isabel de

    Bragana para o banimento da escravatura negra no Brasil. Aos 21, publica os primeiros ver-

    sos em jornal e, ento, passa a se expressar, fazendo crticas, elogios, propostas a annimos,

    celebridades, instituies pblicas e privadas. No perde o hbito nem na velhice, apesar da

    sua voz ter se tornado rouca e quase inaudvel.

    Basta surgir uma oportunidade, para que ele busque seduzir a audincia, seja ela

    composta por parlamentares da Cmara e Assembleia ou por juzes e jurados do Tribunal do

    Jri ou, ainda, por participantes dos eventos cvicos e comemorativos muitos dos quais or-

    ganizados por ele em praa pblica, como a homenagem anual ao poeta Castro Alves (14 de

    maro) e o festejo do aniversrio da Liga Baiana contra o Analfabetismo (12 de outubro).

    Discursa2 e declama poesias de sua lavra e de terceiros, destacando-se tanto pela frequncia

    das oraes quanto pelo talento verborrgico empregado nesses momentos, em busca da per-

    suaso dos seus interlocutores.

    Sua profcua produo intelectual tambm tem vazo em publicaes impressas, a

    exemplo de livros, brochuras e peridicos. A cartilha para alfabetizao Carta do ABC,

    editada inmeras vezes, doada a professores voluntrios da campanha pela erradicao do

    analfabetismo e a pessoas desejosas de aprender a ler e escrever. Coletneas3 independentes

    de poesia como Estrophes (1933), Trovas e Quadras (s/d), Singellas (1900), Lilases (1900)

    e Lira do Corao (1902) prestam-se difuso dos pensamentos e sentimentos do autor e,

    sobretudo, manuteno da obra de caridade implementada por ele. A seleo de artigos pol-

    ticos Lama & Sangue (1926), por sua vez, serve como protesto contra o ento governador

    da Bahia, Francisco de Ges Calmon.

    Do Centro para toda a cidade, reverberam ainda os rudos de manifestantes ligados a

    organizaes e movimentos sociais e polticos, reclamando por dias melhores. Entre esses, em

    1 Adroaldo Ribeiro COSTA. O Major foi Hora da Criana. A Tarde. Salvador, 14 de maro de 1970. 2 JORNAL DA BAHIA. Salvador (BA), edio de 25 de dezembro de 1970. 3 O Descobrimento do Brasil teve a inteno de sua publicao anunciada, porm nenhum exemplar ou notcia sobre a edio foi localizado. Pelo longo tempo de vida produtiva e pela produtividade do autor, considera-se que outras obras possam ter sido lanadas por ele, mas, nessa pesquisa, no se identificaram os trabalhos ou os registros sobre eles.

  • 19

    reiteradas vezes, est Cosme. Muitas vezes, ele arrebanha os demais militantes, na qualidade

    de dirigente. Suas causas so muitas: investimento em educao bsica, qualificao das con-

    dies e relaes de trabalho, melhores salrios, e combate majorao de preos de gneros

    e servios de primeira necessidade como alimentos.

    A vida poltica da Bahia pulsa na regio central da cidade, onde esto instaladas as

    sedes dos trs poderes. L, so deliberadas as polticas pblicas e aes do governo, em meio

    a intensos debates sobre os destinos do Estado e da populao. Cosme envolve-se em muitos

    deles, na condio de parlamentar. Ao todo, ele tem quatro mandatos como conselheiro muni-

    cipal e vereador de Salvador e seis como deputado estadual, incluindo aquele assumido na

    qualidade de suplente (1967-1970) e o derradeiro (1971-1974), interrompido por sua morte

    em 1972.

    Em eleies municipais, ele consegue quatro vitrias (1947, 1950, 1958, 1962) e trs

    derrotas (1907, 1936, 1954) e, em pleitos estaduais, cinco triunfos (1915, 1917, 1919, 1921,

    1970) e seis derrotas (1923, 1925, 1927, 1929, 1947, 1966). Em geral, mesmo quando di-

    plomado e toma posse de uma das cadeiras do legislativo, obtm votao pouco expressiva,

    incompatvel com a dimenso da sua obra e popularidade e os esforos de campanha. A des-

    peito dos parcos recursos, ele mantm seu trabalho assistencial diuturno, visita pontos diver-

    sos da cidade, tem sua candidatura divulgada por jornais e faz comcios, sobretudo na rea

    central, que potencialmente tem acesso mais fcil para os eleitores.

    Apesar de ter formalizado vnculo com legendas como o Partido Republicano Demo-

    crata (PRD), Partido Republicano (PR), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Demo-

    crata Cristo (PDC) e Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), ele se mostra fiel somente

    aos princpios do grupo seabrista, liderado por Jos Joaquim Seabra (governador nos perodos

    entre 1912-1916 e 1920-1924). Ora integra o bloco oposicionista, ora compunha o situacionis-

    ta. Independentemente de sua filiao, a pauta do parlamentar sempre prioriza a sustentao e

    o fortalecimento das organizaes e dos movimentos polticos e sociais aos quais pertence ou

    tem afinidade e a manuteno das suas aes de caridade.

    Todo dia, Cosme de Farias tambm amplia sua rede de sociabilidade em bares e es-

    tabelecimentos similares das redondezas. Ao meio dia e/ou ao final da tarde, ele almoa e

    beberica em pontos comerciais, como o Bar Bahia e a Padaria Triumpho, enquanto conversa

    com quem se aproxima sobre assuntos diversos, faz novos atendimentos a pedintes e at ame-

    alha adeses para sua obra de assistncia. Quase sempre, tem companhia e, muitas vezes, en-

    contra quem lhe pague a refeio e a bebida.

    Sua morte, por arteriosclerose cerebral, no Hospital Portugus, na capital, na madru-

  • 20

    gada de 15 de maro de 1972, mobiliza cerca de 100 mil pessoas durante o velrio na Igreja

    de So Domingos, no Terreiro de Jesus, e o cortejo fnebre e o sepultamento no cemitrio da

    Quinta dos Lzaros, na Baixa de Quintas. Espontaneamente, a multido rejeita dois carros

    morturios de luxo, oferecidos por autoridades; arrebata o caixo das mos do governador

    Antonio Carlos Magalhes e do prefeito Clriston Andrade; e carrega o corpo nos ombros, por

    quase duas horas, at a necrpole. No trajeto, repete cenas de choro e lamento, tremula uma

    faixa com o lema de Cosme Abaixo o Analfabetismo! e exige o fechamento de estabe-

    lecimentos comerciais. Aquele um agradecimento do povo ao seu voraz defensor.

    Promove-se um adeus altura do homem que, de to singular, figura como persona-

    gem de Tendas dos Milagres (1969), com a alcunha de Major Damio de Souza, e mote de

    crnica na coletnea Bahia de Todos os Santos guia de ruas e mistrios (1945), livros con-

    sagrados do escritor baiano Jorge Amado; tem seu nome atribudo ao plenrio da Cmara

    Municipal de Salvador, a escolas em Salvador e outras cidades e at ao bairro soteropolitano

    onde residiu por mais de uma dcada; e fixa-se na memria dos seus contemporneos.

    Em 96 anos de vida, Cosme de Farias testemunha inmeros dos principais fatos his-

    tricos da sua poca, da Abolio da Escravatura Proclamao da Repblica, da instaurao

    e declnio do Estado Novo ao golpe civil-militar de 1964, do declnio da monocultura auca-

    reira em solo baiano lenta retomada da industrializao promovida na segunda metade do

    sculo XX, da supremacia das artes de inspirao romntica inovao modernista expressa-

    da em linguagens diversas, do arrefecimento do crquete importao e incorporao do fute-

    bol como uma das mais relevantes manifestaes da identidade brasileira. Por vezes, mais que

    observa; torna-se um ativo participante e at protagonista de captulos da Histria contempo-

    rnea de Salvador.

    Ele sagra-se como um major da Guarda Nacional do Brasil sem farda, espada e pas-

    sagem por caserna e fronts de batalha; poeta, jornalista e orador popular sem, ao menos, ter

    concludo o curso primrio (correspondente ao atual ensino fundamental); lder operrio sem

    histrico de labuta nas incipientes linhas da produo da indstria baiana; defensor pblico

    sem diploma universitrio ou anel com pedra rubi; parlamentar quase sempre sem um centavo

    no bolso; benemrito capaz de tirar de si em favor de terceiros; mestio originrio do subrbio

    soteropolitano que dialoga com lideranas e intelectuais de uma Bahia com resqucios da es-

    cravatura.

    Porta-se como uma espcie de seguidor dos princpios franciscanos cede tudo que

    ganhava, leva pessoas sem abrigo para conviver com sua famlia, acomoda-se em casas com

    pouco mobilirio e sem conforto, veste-se com roupas desgastadas e cultiva hbitos simples ,

  • 21

    porm a aura de santo no lhe cabe. Afinal, tambm, tem o arqutipo dos anti-heris: um

    bomio com picardia bebe assiduamente; goza da fama de mulherengo, apesar de permane-

    cer casado por mais de 60 anos com uma nica mulher (Dona Semramis) e nunca ter tido

    filhos biolgicos dentro e fora dessa unio; e defende algozes, inclusive homicidas, perante a

    justia e a polcia.

    Pela diversidade de frentes de atuao, pela especificidade da sua trajetria e pelos

    papis polticos e sociais desempenhados ao longo da vida, faz jus a pesquisas sobre si que

    iluminem questes do seu espao e tempo, embora este tipo de anlise seja raro no ambiente

    acadmico e no mercado editorial, como se atestar adiante nesta Introduo. Portanto, a tese

    doutoral que ora se inicia busca contribuir para que se preencha esta lacuna na produo cien-

    tfica da Histria da Bahia.

    COSME DE FARIAS, OBJETO DE ESTUDOS

    Desenvolvido no Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal

    da Bahia, sob a orientao do professor doutor Israel Pinheiro, este estudo tenta subsidiar a

    compreenso do momento em que ele viveu (1875-1972), com nfase nas dcadas de 1920 e

    1930, promovendo a articulao entre a Histria individual e a Histria da sociedade, ao ca-

    racterizar suas ideias, suas aes e seus projetos, luz do contexto histrico e miditico da sua

    poca.

    Mais especificamente, esta tese doutoral objetiva contribuir para o entendimento de

    aspectos da sociedade em um perodo e ambiente especficos, atravs das manifestaes de

    cdigos e da experincia desse indivduo, em especial, como promotor de caridade e militante

    na imprensa. Busca discutir a relao entre o jornalismo e as atividades sociais do Major, con-

    siderando-o uma personalidade relevante para a apreenso da Histria contempornea de Sal-

    vador, por ele ter obtido xito na sua proposta, a despeito de estar margem da elite em uma

    Bahia com caractersticas polticas, econmicas e sociais singulares conservadora, oligr-

    quica, patrimonialista4.

    4 A Bahia, bero da nossa formao econmica e poltica, exerceu tambm o controle sobre a colnia nos seus trs primeiros sculos. O nosso sistema de capitanias e outras formas de exerccio do poder onde o pblico e o privado nunca estavam delimitados, nos trouxe de forma muito arraigada, o patrimonialismo poltico. A deca-dncia econmica da Bahia, a partir de meados do sculo passado, levou as nossas elites a ver no controle da

  • 22

    Parte-se da hiptese central de que a imprensa pode ter sido utilizada por ele como

    mecanismo para divulgao e/ou reforo do seu nome, de suas ideias e de suas aes, como

    um espao de visibilidade e sustentao das suas demais atividades, sobretudo a assistencial.

    Em outros termos, apresenta-se como questo central para o desenvolvimento dessa tese: co-

    mo pode ser caracterizada a relao entre a atuao jornalstica de Cosme de Farias e seu tra-

    balho assistencial populao de Salvador, diante do contexto histrico e miditico em que

    ele estava inserido? Deste ponto, surgem como indagaes secundrias: Quais eram as suas

    estratgias discursivas? Quais os temas agendados por e sobre ele nos jornais? A obra assis-

    tencial de Cosme se constitua enquanto critrio para agendamento de temas e fatos pelos jor-

    nais? Para quem eram dirigidos os seus textos? Quais os resultados obtidos por ele para as

    aes filantrpicas?

    Pretende-se, a partir do mapeamento dos temas recorrentes na sua lavra jornalstica,

    identificar suas estratgias discursivas na prxis jornalstica, com nfase nos textos cujo con-

    tedo tivesse aproximao com seu trabalho de caridade, e a quem o biografado se dirigia;

    inferir os resultados obtidos diante de tal cobertura jornalstica, contribuindo para a compre-

    enso de aspectos relacionados Histria da imprensa em Salvador, bem como para o enten-

    dimento de fatos da Histria da cidade com os quais o Major estava envolvido e, de forma

    mais ampla, para a constituio de verses diferenciadas sobre tais fatos, sob a perspectiva de

    quem no detinha o poder poltico e econmico.

    No obstante promova uma retrospectiva de acontecimentos da Cidade da Bahia, a

    presente tese no necessariamente enquadra-se como um estudo de Histria Regional, na me-

    dida em que trata de temticas de repercusso nacional e internacional. Devido atuao do

    jornalista em searas de interesse dentro e fora de Salvador e junto a instncias diversas do

    poder (sindicatos, partidos, governos), a pesquisa sobre ele, a priori, j concilia as escalas

    local e universal.

    possvel que tal trabalho colabore, ainda, para o enriquecimento da historiografia

    sobre o exerccio do jornalismo e a imprensa na Bahia. Considerada como espelho dos fa-

    burocracia do Estado a nica forma de continuidade do seu antigo poder. Uma continuidade conservadora, por-que baseada na idia de um poder individual, sem implicaes coletivas imediatas e sem modernizao no senti-do da contemporaneidade. Tudo isso faz o passado avanar, se prolongar no presente e com isto seus usos e costumes, onde a figura do coronel ainda sua marca fundamental, pese versatilidade de suas expresses j neste final do sculo. Israel de O. PINHEIRO. A Poltica na Bahia: atraso e personalismos. Revista Ideao. Ano 3, n 4. Feira de Santana: Ncleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Universidade Es-tadual de Feira de Santana, jul.-dez. 1999. p. 49 Disponvel em: . Acesso em: 22 mai. 2008.

  • 23

    tos, desde a segunda metade do sculo XIX, quando se inaugurou o jornalismo moderno5, a

    imprensa, aos poucos, constituiu-se como uma fonte privilegiada para os estudos sobre pro-

    cessos histricos. Aos poucos, os historiadores tomaram o jornalista e suas fontes como sujei-

    tos e o peridico como espao de registros da memria da atualidade e esfera de debates e

    mobilizao. Tambm, renovaram suas premissas e seu modus operandi, passaram a investi-

    gar com maior intensidade temas sociais e culturais, e comearam a tratar a imprensa como

    fonte documental, por registrar e difundir relatos de sujeitos de uma determinada poca, e

    tambm como agente histrico, por intervir na realidade em que vive6.

    A transio na postura dos historiadores fomenta a perspectiva de que os estudos so-

    bre o jornalismo, mais especificamente sobre a imprensa e o fazer jornalstico, sejam consoli-

    dados e legitimados como um domnio da Histria. Todavia, no necessariamente assegura o

    desenvolvimento da historiografia sobre objetos deste campo, que, apesar do ntido incremen-

    to constatado nos ltimos anos, ainda apresenta lacunas com forte impacto no exerccio da

    profisso e no cotidiano da sociedade, muitas vezes desinformada acerca do lugar social e

    poltico dos veculos, a despeito da importncia deles para a formao da sua viso de mundo.

    Entre os trabalhos mais recentes da Bahia, se destacam as dissertaes De Heris a

    Tiranos: jornal A Tarde, agncias internacionais de notcias e a Revoluo Cubana como

    representao jornalstica (1959-1964)7, de Bruno de Oliveira Moreira; Um Espectro Ronda a

    Bahia: o anticomunismo da dcada de 19308, de Cristiano Cruz Alves; O Integralismo na

    Imprensa da Bahia: o caso de O Imparcial9, de Las Mnica Ferreira; Cosme de Farias, o

    Anjo da Guarda dos Excludos de Salvador, da autora da presente tese; e A Ascenso do Na-

    5 Ver Alzira Alves de ABREU. A Modernizao da Imprensa (1970-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002; Josenildo Luiz GUERRA. O Nascimento do Jornalismo Moderno - uma discusso sobre as competncias profissionais, a funo e os usos da informao jornalstica. In: Anais do XXVI Congresso Brasileiro de Cin-cias da Comunicao. Belo Horizonte: Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais; So Paulo: Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao, 2-6 set. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 2008. 6 Marialva BARBOSA; Marcos MOREL. Histria da Imprensa no Brasil: metodologia. Florianpolis: Rede Alfredo de Carvalho; Universidade Federal de Santa Catarina, [s.d]. Disponvel em: . Acesso em: 26 ago. 2007. 7 Bruno de O. MOREIRA. De Heris a Tiranos: jornal A Tarde, agncias internacionais de notcias e a Revolu-o Cubana como representao jornalstica (1959-1964). Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2010. 8 Cristiano Cruz ALVES. Um Espectro Ronda a Bahia: o anticomunismo da dcada de 1930. Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2008. 9 Las Mnica Reis FERREIRA. O Integralismo na Imprensa da Bahia: o caso de O Imparcial. Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2006.

  • 24

    zismo pela ptica do Dirio de Notcias da Bahia (1935-1941): um estudo de caso10, de Jos

    Carlos Peixoto Jnior; e a tese Entre Mudanas e Permanncias itinerrio do papel social

    dos jornais dirios soteropolitanos no sculo XX a partir da anlise das coberturas eleitorais

    do jornal A Tarde em 1919, 1954 e 199011, de Ana Cristina Menegotto Spannenberg.

    H, tambm, os livros Nome para Compor em Caixa Alta: Arthur Arezio da Fonse-

    ca12, de Luis Guilherme Pontes Tavares; Apontamentos para a Histria da Imprensa na Ba-

    hia13, tambm organizado por Tavares; A Primeira Gazeta da Bahia: Idade dOuro do Bra-

    zil14 e Semanrio Cvico Bahia, 1821-182315, ambos de Maria Beatriz Nizza da Silva; Jor-

    nalismo na Veia16, de Jos Curvello; No Deixe esta Chama se Apagar histria do Jornal

    da Bahia17 e A Histria da Revista Seiva a primeira revista do PCB18, ambos de autoria de

    Joo Falco; A Imprensa e o Coronelismo no Serto do Sudoeste, de Jeremias Macrio19, e

    Jorge Calmon, o jornalista20, de Edivaldo Boaventura; as coletneas de entrevistas Memria

    da Imprensa Contempornea da Bahia21, organizada por Srgio Mattos; e de edies de jor-

    nal em fac-smile Tribuna, 40 anos de Bahia Quando a notcia conta a histria22, coordena-

    da por Alex Ferraz.

    E ainda seus antecessores: A comunicao social na Revoluo dos Alfaiates23, de

    10 Jos Carlos PEIXOTO JR. A Ascenso do Nazismo pela ptica do Dirio de Notcias da Bahia (1935-1941): um estudo de caso. Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2003. 11 Ana Cristina M. SPANNENBERG. Entre Mudanas e Permanncias - itinerrio do papel social dos jornais dirios soteropolitanos no sculo xx a partir da anlise das coberturas eleitorais do jornal A Tarde em 1919, 1954 e 1990. Tese. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia, 2009. 12 Luis Guilherme Pontes TAVARES. Nome para Compor em Caixa Alta: Arthur Arezio da Fonseca. Salva-dor: Empresa Grfica da Bahia; Governo da Bahia; Ncleo de Estudos da Histria dos Impressos da Bahia, 2005. Coleo Cipriano Barata. 13 Luis Guilherme Pontes TAVARES. Apontamentos para a Histria da Imprensa na Bahia. Salvador: Aca-demia de Letras da Bahia, Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2005. 14 Maria Beatriz Nizza da SILVA. A Primeira Gazeta da Bahia: Idade DOuro do Brazil, Salvador: EdUFBA; Assembleia Legislativa do Estado da Bahia; Academia de Letras da Bahia, 2005. 15 Id. Semanrio Cvico Bahia, 1821-1823. Salvador: EdUFBA, 2008. 16 Jos CURVELLO (Org.). Jornalismo na Veia. Salvador: Empresa Grfica da Bahia, 2005. 17 Joo FALCO. No Deixe esta Chama se Apagar histria do Jornal da Bahia. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2006. 18 Id. A Histria da Revista Seiva a primeira revista do PCB. Salvador: Ponto & Vrgula Publicaes, 2008. 19 Jeremias MACRIO. A Imprensa e o Coronelismo no Serto do Sudoeste. Vitria da Conquista: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2005. 20 Edivaldo BOAVENTURA. Jorge Calmon, o Jornalista. Salvador: Instituto Geogrfico e Histria da Bahia, 2009. 21 Srgio MATTOS. Memria da Imprensa Contempornea da Bahia. Salvador: Instituto Geogrfico e Hist-ria da Bahia, 2008. 22 Alex FERRAZ (Coord.). Tribuna, 40 anos de Bahia Quando a notcia conta a histria. Salvador: Instituto de Tecnologia, Educao e Gesto Organizacional (Integro), 2010. 23 Florisvaldo MATTOS. A Comunicao Social na Revoluo dos Alfaiates. Salvador: Academia de Letras da Bahia; Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 1998.

  • 25

    Florisvaldo Mattos; Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade24, de Marco Morel; e A Bahia

    de Outrora, Agora25, de Angeluccia Habert; Marco Zero da Rede Alfredo de Carvalho na

    Bahia26, de Luis Guilherme Pontes Tavares; alm de Los Primeros Cien Aos de la Empresa

    Informativa en Bahia27, de Jos Augusto Ventn Pereira; Os Baianos que Rugem: a imprensa

    alternativa na Bahia28; de Gleide Vilela e outros autores.

    Afora esses, so referncias relevantes pioneiros como os livros Anais da Imprensa

    da Bahia29, de Alfredo de Carvalho e Joo Nepomuceno Torres, de 1911 e reeditado em 2007;

    A Primeira Imprensa da Bahia e suas Publicaes (1811-1816)30, de Renato Berbert de Cas-

    tro, de 1969; e O Dirio da Bahia Sculo XIX31, de Ktia de Carvalho, de 1979; e as disserta-

    es O Momento - histria de um jornal militante32, de Snia Serra; Formao da Grande

    Imprensa na Bahia33, de Jos Welinton Arago dos Santos; Intervalo Democrtico e Sindica-

    lismo Bahia, 1942-194734, de Petilda Vazquez, acerca do jornal O Imparcial.

    Os ttulos elaborados na Bahia, na sua maioria, so de carter panormico e descriti-

    vo e versam sobre a trajetria profissional de jornalistas ou editores e sobre elementos ou fa-

    ses histricas de veculos, porm h lacunas tanto de perfis institucionais so raros os traba-

    lhos de flego sobre o quase centenrio jornal A Tarde, por exemplo quanto de biografias

    histricas no h notcias sobre investigaes acerca do legado na rea do jornalista-

    deputado Lellis Piedade e da dedicao ao jornalismo de governadores do Estado como Ant-

    nio Ferro Moniz de Arago (1916-1920), Luis Viana Filho (1967-1971) e Antonio Carlos

    24 Marcos MOREL. Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. Salvador: Academia de Letras da Bahia; As-sembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2001. 25 Angeluccia HABERT. A Bahia de Outrora, Agora. Salvador: Academia de Letras da Bahia; Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2002. 26 Luis Guilherme Pontes TAVARES. Marco Zero da Rede Alfredo de Carvalho na Bahia. Salvador: Ncleo de Estudo da Histria dos Impressos da Bahia, 2003. 27 Jos Augusto VENTN PEREIRA. Los Primeros Cien Aos de la Empresa Informativa en Bahia. Madri: Editora Fragua, [s.d]. Trata-se de estimvel contribuio ao estudo da Histria de nossa imprensa. O Nehib pos-sui cpia do livro em CD-rom, pois a edio em papel (356 pginas, organizadas em sete captulos), publicada pela Fragua, de Madri, est esgotada. 28 Gleide VILELA et al. Os Baianos que Rugem: a imprensa alternativa na Bahia. Salvador: EdUFBA, 1996. 29 Alfredo CARVALHO; Joo Nepomuceno TORRES. Anais da Imprensa da Bahia 1 centenrio 1811-1911. Salvador: Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia, 2007. 30 Renato Berbert de CASTRO. A Primeira Imprensa da Bahia e suas Publicaes - tipografia de Manuel Antnio da Silva Serva, 1881 - 1819. Salvador: Prmio Wanderley Pinho 1968; Governo do Estado da Bahia; Secretaria da Educao e Cultura; Departamento da Educao Superior e da Cultura; Imprensa Oficial da Bahia, 1969. 31 Ktia CARVALHO. O Dirio da Bahia Sculo XIX. Vol. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979. 32 Snia SERRA. O Momento Histria de um jornal militante. Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia, 1987. 33 Jos Welinton Arago dos SANTOS. Formao da Grande Imprensa na Bahia. Dissertao. Salvador: Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia, 1985. 34 Petilda Serva VAZQUEZ. Intervalo Democrtico e Sindicalismo Bahia, 1942-1947. Dissertao. Salva-dor: Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia, 1986.

  • 26

    Magalhes (1971-1975, 1979-1983, 1991-1994), por exemplo.

    O prprio Cosme de Farias somente em 2005 passou a ser mote de uma primeira bi-

    ografia, aquela com nfase em aspectos da sua atuao como poltico. Apesar do risco de in-

    duzir uma generalizao a partir da narrativa de um caso especfico, os trabalhos de natureza

    biogrfica prestam uma indubitvel contribuio para a historiografia, desde que atendam

    exigncia de maior rigor emprico do pesquisador e das propostas de estudo e sejam pautados

    pela contextualizao dos fatos, assegurando o detalhamento e o aprofundamento do objeto e,

    consequentemente, a compreenso do cenrio de uma poca, conforme discutido no primeiro

    captulo desta tese.

    Registra-se, tambm, um lapso no que se refere s anlises com foco na construo

    do discurso, no agendamento de temticas, na linguagem, nos gneros jornalsticos, na recep-

    o, nos procedimentos produtivos e na cultura organizacional da imprensa, na perspectiva

    histrica. Os casos nessas searas so pontuais, conforme se pode atestar com a leitura das o-

    bras aqui citadas e de outras depositadas em bibliotecas e arquivos do Estado. A compreenso

    de propsitos, processo de elaborao, universo do profissional e formas de recepo dos ve-

    culos constitui-se como um representativo mecanismo para o desenvolvimento de habilidades

    e competncias entre os jornalistas em formao e, ainda, para que se possa avanar tanto na

    formulao de conceitos e no desenvolvimento de novas tcnicas e linguagens quanto na pr-

    tica cotidiana.

    Por outro lado, relevante salientar que a publicao destas obras na Bahia deriva,

    em geral, de esforos pessoais e, desde 2001, da motivao do Ncleo de Estudos da Histria

    dos Impressos da Bahia (ligado Rede Alfredo de Carvalho para pesquisa da histria da im-

    prensa brasileira e que estabeleceu parcerias com a Assembleia Legislativa do Estado da Ba-

    hia e Academia de Letras da Bahia). Os fatos assim transcorrem, apesar da demanda em po-

    tencial para tiragens de ttulos da rea, considerando-se a existncia de 24 cursos para a for-

    mao de jornalistas no Estado35 grande parte com cadeiras dedicadas histria do jorna-

    lismo, histria da comunicao e histria da imprensa, com carncia de bibliografia e de

    centenas de jornalistas profissionais e pesquisadores desta rea e de afins.

    A situao reproduz-se em outros Estados brasileiros, em especial, nos localizados

    fora do eixo Sudeste-Sul. Presume-se que esta seja uma das implicaes do lento processo de

    35 INSTITUIES DE EDUCAO SUPERIOR E CURSOS CADASTRADOS. In: E-MEC/Ministrio da Educao. Braslia: Ministrio da Educao, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 9 abril 2011.

  • 27

    implantao da imprensa no Brasil, inclusive em relao a outras colnias das Amricas36, e

    de modernizao da produo37, que s comeou a ocorrer em meados do sculo XX com o

    surgimento das escolas para formao de jornalistas e de associaes de classe, a assimilao

    de conceitos, tcnicas e procedimentos estadunidenses e europeus, entre outros fatores. O

    quadro agrava-se38 nas unidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, devido s diferenas das

    condies socioeconmicas e polticas entre as regies do Brasil, que tem razes histricas.

    So parcas as iniciativas que tratam designadamente sobre Cosme de Farias ou de

    aspectos da sua lavra e do seu legado e nenhuma delas faz uma abordagem analtica da intera-

    o entre suas atividades jornalsticas e de caridade, luz do contexto histrico e miditico da

    sua poca, como se prope agora. No h obras dedicadas compreenso do seu papel na

    histria da cidade, de modo geral e, mais especificamente, da sua atuao enquanto jornalista,

    das atividades exercidas por ele na imprensa e da importncia do jornalismo para sustentao

    da assistncia social e dos movimentos sociais promovidos por ele.

    At ento, conta-se apenas com a reportagem Advogados dos Pobres (2001), a dis-

    sertao de mestrado ainda indita Major Cosme de Farias, o Anjo da Guarda dos Excludos

    de Salvador (2005) e o livro Cosme de Farias (2006), ambos biografias da autora desta tese e

    com carter panormico e abordagem da trajetria pessoal, poltica e profissional de maneira

    ampla e sem anlise crtica quanto sua permanncia na imprensa ou a interface entre sua

    insero em peridicos e sua obra de caridade.

    H, tambm, monografias realizadas em cursos de graduao, mas esses trabalhos,

    praticamente, apenas reinterpretam dados apresentados nos trabalhos precursores, sem trazer

    descobertas e avanos quanto biografia do Major: Csmica Memria: dividida, mas geneti-

    camente incontroversa39, de Marilene Almeida; Associao Tipogrfica da Bahia e Cosme

    36 A prpria imprensa chegou ao Brasil somente no ano em que ocorreu a transferncia da Famlia Real Portu-guesa para a Colnia (1808), cerca de trs sculos depois da inveno da imprensa, pelo alemo Johannes Gu-tenberg, em decorrncia de um conjunto de fatores, a exemplo do predomnio do analfabetismo com forte tradi-o oral entre ndios e negros e do receio da Coroa de se enfraquecer no Brasil, por conta da facilidade de disse-minao de informao. 37 Ver Nelson TRAQUINA. Teorias do Jornalismo - uma comunidade interpretativa transnacional. Vol. II. Florianpolis: Insular, 2005. 38 A criao de escolas de jornalismo e a profissionalizao, por exemplo, tardaram na Bahia, ocorrendo apenas a partir do final dos anos 1940 e 1950, respectivamente, anos depois da deflagrao do processo em Estados como So Paulo e Rio de Janeiro. Ver melhor em Ana Cristina M. SPANNENBERG. Entre Mudanas e Permann-cias. Op. cit. 39 Marilene Sousa Cruz de ALMEIDA. Csmica Memria: dividida, mas geneticamente incontroversa. Mono-grafia. Salvador: Curso de Arquivologia do Instituto de Cincia da Informao da Universidade Federal da Bahi-a, 2008.

  • 28

    de Farias: defesa da cidadania40, de Kiaki Tosta Santana; e Cosme de Farias: o rbula que

    era tutor um estudo sobre ps-abolio, menoridade e pobreza (Salvador, 1890 a 1950)41,

    de Isis Gois da Silva, alm de outras obras que tratam de questes relacionadas sua histria

    de vida (como a histria do bairro Cosme de Farias), mas sem enfocar sua biografia42.

    Outros papers43 inclusive alguns apresentados pela autora em congressos cientfi-

    cos e um publicado como captulo de livro exploram questes especficas (como sua contri-

    buio como fomentador cultural, sua incurso do jornalismo, sua relao com capoeiristas de

    Salvador), sem qualquer propsito de anlise das estratgias e dos resultados obtidos pela

    personagem no exerccio da carreira jornalstica, em suas aes assistenciais ou na interao

    entre essas duas frentes; e, pela prpria natureza deste tipo de texto, so sucintos e/ou descri-

    tivos.

    Por outros autores, o Major totalmente preterido; ou apenas citado no decorrer de

    trabalhos sobre outros objetos, dentro de um arcabouo contextual, para favorecer o entendi-

    mento de outras questes como fazem Consuelo Novais Sampaio em seu texto sobre a Se-

    40 Kiaki Tosta SANTANA. Associao Tipografica da Bahia e Cosme de Farias: defesa da cidadania. Mono-grafia. Salvador: Curso de Biblioteconomia e Documentao do Instituto de Cincia da Informao; Universida-de Federal da Bahia, 2006. 41 Isis Gois da SILVA. Cosme de Farias: o rbula que era tutor um estudo sobre ps-abolio, menoridade e pobreza (Salvador, 1890 a 1950). Monografia. Feira de Santana: Licenciatura em Historia da Universidade Esta-dual de Feira de Santana, 2009. 42 So exemplos: Catiane RODRIGUES. De Quinta das Beatas a Cosme de Farias. Monografia. Salvador: Curso de Histria com Concentrao em Patrimnio Cultural da Universidade Catlica do Salvador, 2009. Joo Augusto Lima de OLIVEIRA. Repblica e Alfabetizao histria da Liga Baiana contra o Analfabetismo. Monografia. Salvador: Ps-Graduao em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extenso em Educao da Univer-sidade do Estado da Bahia, 2003; Josivaldo Pires de OLIVEIRA. Pelas Ruas da Bahia criminalidade e poder no universo dos capoeiras na Salvador republicana (1912-1937). Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2004; Ronaldo Ribeiro JACOBINA. O Cuidado Loucura na Bahia do Sculo XIX. Revista Baiana de Sade Pblica. Vol. 15, n I-IV. Salvador: Secretaria de Sade do Estado da Bahia, jan.-dez. 1988; Ronaldo Ribeiro JACOBINA. O Silncio dos Inocentes III: o cuidado aos psicopatas e degenerados no Hospcio So Joo de Deus. Revista Baiana de Sade Pblica. Vol. 28, n I Salvador: Secretaria de Sade do Estado da Bahia, jan.-jun. 2004. 43 So exemplos: Mnica CELESTINO. Cosme de Farias (1875-1972) e a imprensa de mobilizao em Salvador. In: Jos MARQUES DE MELO. (Org.). Imprensa Brasileira - personagens que fizeram histria. Vol. 4 So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo; Universidade Metodista de So Paulo, 2009; Mnica CELES-TINO. Cala-te a Boca, Major! apontamentos sobre censura na Bahia calmonista (anos 1920). In: Anais do XXV Simpsio Nacional de Histria, 2009. Vol. 1 Fortaleza: Universidade Federal do Cear; So Paulo: Asso-ciao Nacional de Histria, jul. 2009. CD; Mnica CELESTINO. Breve Sntese das Relaes entre o Major Cosme de Farias e a Vida Cultural de Salvador no Sculo XX. III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2007. Salvador: Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura; Ps-Graduao em Cultura e Socie-dade da Universidade Federal da Bahia, 2007. CD; Ronaldo Ribeiro JACOBINA; Andr JACOBINA. Cosme de Farias e o Manicmio Estatal na Bahia, Brasil (1912-1947). Gazeta Mdica da Bahia. Vol. 75, n II Salvador: Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, jul-dez. 2005; Josivaldo Pires de OLIVEIRA. Cosme de Farias e os Capoeiras na Bahia: um captulo de histria e cultura afro-brasileira. Sankofa - Revista de Histria da frica e de Estudos da Dispora Africana. Vol. 4 So Paulo: Universidade de So Paulo, dez. 2009, p.51-66.

  • 29

    gunda Guerra Mundial na Bahia44, Luis Henrique Dias Tavares em Histria da Bahia45, M-

    rio Augusto da Silva Santos na sua obra sobre movimentos sociais e polticos46, Aldrin Cas-

    tellucci47 em livro e tese, e Slvia Noronha Sarmento48, em sua dissertao sobre Ruy Barbosa

    e Jos Joaquim Seabra; ou mote de verbetes curtos, publicados em coletneas de perfis so-

    bre baianos, como as de Antnio Loureiro de Souza49, Gutemberg Cruz50 e Geraldo da Costa

    Leal51.

    O acesso documentao sobre Cosme de Farias e produzida por ele e s fontes orais

    desafia a quem se arvora em compreender o universo da personagem, sua obra e seu legado.

    O material textual e imagtico est disperso e sujeito s intempries dos seus curadores e

    ao do tempo em acervos pblicos e privados; o Major no deixou descendentes e seu nico

    herdeiro oficial, Antnio Fernandes Pinto, j morto e, em entrevista52, j havia assegurado

    ter perdido fotografias, manuscritos e outros documentos e no haver qualquer pea relacio-

    nada ao jornalista em seu poder; as pessoas que conviveram com ele53 sucumbem sem deixar

    registro de informaes deste relacionamento no mbito pessoal, afetivo, religioso e profis-

    sional; e as missivas em peridicos tambm se encontram espalhadas por ttulos de perodos

    diversos.

    Ainda assim, as ideias e as aes de Cosme podem mover pesquisadores e gerar es-

    tudos como este, que se diferencia pela abordagem sistemtica e aprofundada de aspectos da

    44 Consuelo Novais SAMPAIO. A Bahia na Segunda Guerra Mundial. Revista da Academia de Letras da Ba-hia. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 1996. Separata. 45 Lus Henrique Dias TAVARES. Histria da Bahia. 10. ed. So Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp); Salvador: EdUFBA, 2001. 46 Mrio Augusto da Silva SANTOS. A Repblica do Povo sobrevivncia e tenso Salvador (1890-1930). Salvador: EdUFBA, 2001. 47 A. A. S. CASTELLUCCI. Industriais e Operrios Baianos numa Conjuntura de Crise (1914-1921). Vol. 1. Salvador: Federao das Indstrias do Estado da Bahia, 2004; Aldrin A. S. CASTELLUCCI. Trabalhadores, Mquina Poltica e Eleies na Primeira Repblica. Tese. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2009. 48 Silvia Noronha SARMENTO. A Raposa e a guia - J. J. Seabra e Rui Barbosa na poltica baiana da Primeira Repblica. Dissertao. Salvador: Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal da Bahia, 2009. 49 Antnio Loureiro de SOUZA. Baianos Ilustres 1567-1925. 3. ed. rev. So Paulo: Ibrasa; Braslia: INL, 1979. 50 Gutemberg CRUZ. Gente da Bahia. Salvador: Editora P&A, 1997. Verbete Cosme de Farias. 51 Ezequiel da Silva MARTINS. A Bahia, Suas Tradies e Encantos. Salvador: Secretaria da Cultura e Turis-mo; Fundao Cultural do Estado da Bahia; Empresa Grfica da Bahia, 2000. Verbete Cosme de Farias. 52 Antnio Fernandes PINTO. Entrevista concedida autora no dia 21 de outubro de 2005, na Biblioteca Pblica do Estado da Bahia (Gravao digital). 53 A maior parte idosa e tem a sade debilitada e/ou tem perdido a memria e a capacidade de falar. Vrias fontes inclusive j morreram, antes ou logo depois de serem ouvidas ou deixarem apontamentos deste relacio-namento no mbito pessoal, afetivo, religioso e profissional, como o senador Josaphat Marinho, o jornalista Jeov de Carvalho, os jornalistas e ex-deputados Joaquim Cruz Rios e Wilson Lins, e o seu afilhado coronel Octavio Brando Sobrinho.

  • 30

    sua biografia e, ao mesmo tempo, atenua a deficincia da historiografia sobre a imprensa e de

    Salvador na Primeira e Segunda Repblica, a partir da lgica de quem no tinha poder decis-

    rio, mas participava do cotidiano social e poltico local. Trata-se de um avano, pois as obras

    acerca destas temticas, em geral, apresentam vises de lideranas com representatividade

    poltica e lastro financeiro54 sobre os fatos, em detrimento de perspectivas dos e sobre sujeitos

    subalternos que deram sustentabilidade ao jogo poltico, econmico e social vigente, a despei-

    to da posio ocupada na hierarquia social do seu tempo.

    MLTIPLAS FRENTES EM TRS FOCOS DE ANLISE

    Como Cosme de Farias estabeleceu relaes junto a grupos sociais dspares e forjou-

    se a partir do envolvimento em mltiplas atividades, sendo-lhe atribudas facetas diversas,

    busca-se compreend-lo em trs dimenses, que se entrecruzam nos captulos da tese. Na

    primeira, como homem pertencente ou se sentindo pertencente a um determinado estrato

    social. Faz-se, nesse caso, uma narrativa sob a perspectiva de que fatores como as relaes

    sociais mantidas, a etnia, a escolaridade, a profisso e o envolvimento poltico influenciavam

    na insero social dos sujeitos. Apesar de mulato, nascido no Subrbio de Salvador em uma

    famlia sem tradio, com apenas o curso primrio, ele ascendeu socialmente, mas manteve-se

    fiel a costumes de outrora.

    Na segunda dimenso, como representante de grupos sociais e polticos, com abor-

    dagem da prevalncia de interesses pessoais e sociais sobre as normas da poltica e da admi-

    nistrao pblica e do poder simblico, mas efetivo e real , evidente pelas redes sociais

    tecidas pela personagem, por suas prticas da caridade e militncia poltica e social e por sua

    insero na imprensa, dentro de um cenrio que, embora em movimento, sustentava-se, sobre-

    54 A exemplo dos governadores Juracy Magalhes [ver Juracy M. MAGALHES. Minhas Memrias Provis-rias. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1982; Juracy M. MAGALHES. O ltimo Tenente. Rio de Janei-ro: Record, 1996]; Antonio Carlos Magalhes (ver Antonio Carlos MAGALHES. Poltica Paixo. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1995; Joo Carlos Teixeira GOMES. Memria das Trevas uma devassa na vida de Antonio Carlos Magalhes. So Paulo: Gerao Editorial, 2001]; Otvio Mangabeira [ver Ives OLIVEIRA. Ot-vio Mangabeira: alma e voz da Repblica. Rio de Janeiro: Saga, 1971; Afonso ARINOS; Amrico SIMAS FILHO et al. Um Praticante da Democracia: Otvio Mangabeira. Salvador: Conselho Estadual de Cultura da Bahia, 1980; Wilson LINS. Otvio Mangabeira e sua Circunstncia. Salvador: Conselho Estadual de Cultura da Bahia, s.d.], entre outros.

  • 31

    tudo, em um Estado centralizador por vezes, autoritrio, tomando-se como referncias os

    regimes do Estado Novo (1937-1945) e militar (1964-1985) e com economia frgil, marca-

    da pela produo de matria-prima.

    E na terceira dimenso, como um agente de mudanas idealista. Nesse caso, faz-se

    um relato da condio do biografado como objeto de cobertura da imprensa e, tambm, autor

    e difusor de pensamentos sociais e polticos, que fora forjado no decorrer de sua experincia

    em mltiplos campos a partir da observao e interveno na realidade e do dilogo com

    seus pares e tinha suas aes, suas ideias e seus projetos propagados em peridicos, reunies

    com confrades, meetings, eventos organizados em espaos pblicos, entre outros canais difu-

    sores, porm que, tambm, era capaz de alterar o curso dos acontecimentos (principalmente,

    no mbito da educao, justia e assistncia social direta por meio de doaes), atravs da

    atividade militante e reivindicatria, da caridade, da produo literria e jornalstica e do e-

    xerccio de cargos legislativos.

    O emaranhado de sinais relacionados combinao dessas dimenses, por certo, au-

    xilia na caracterizao da personagem, possibilitando a compreenso tanto de suas redes de

    sociabilidade e relaes polticas quanto de suas intenes e prticas e dos efeitos das suas

    incurses nos mais diversos campos. E mais: fornece indcios sobre indivduos que apoiaram,

    seguiram, opuseram-se a ele e sobre grupos sociais e polticos, nos quais estava inserido ou

    com os quais se relacionava. Ou seja, aspectos da biografia do Major iluminam pensamentos e

    aes de outros sujeitos; e favorecem a (re)interpretao de determinados fatos ocorridos no

    seu espao e tempo.

    Das perspectivas captadas junto s fontes, emerge a caracterizao fsica, ideolgica,

    psicolgica, emocional do biografado; engendram-se interpretaes acerca dele, norteadas

    pelo saber produzido por outros autores; e procura-se compreend-lo dentro do seu contexto

    espacial e temporal na anlise, possibilitando o acesso a informaes e o entendimento de

    aspectos do momento histrico vivido por ele.

    A tese comea com uma discusso, de carter terico, acerca da biografia histrica.

    Os conceitos problematizados nesse captulo inicial, por um lado, orientam os processos de

    pesquisa e de interpretao e reflexo sobre as informaes obtidas junto s fontes, dando

    sustentabilidade execuo do estudo; e, por outro, apresentam ao leitor os referenciais teri-

    cos do trabalho, oferecendo melhores condies para a compreenso da proposta e apreenso

    do contedo exposto.

    O segundo captulo traz o delineamento das caractersticas pessoais e profissionais e

    as diversas frentes de atuao do biografado inclusive da carreira poltica, do exerccio de

  • 32

    mandatos, do envolvimento com o seabrismo e da sua proximidade com o socialismo , luz

    do contexto cultural, econmico, poltico e social da poca (trabalhado a partir de autores co-

    mo Thales de Azevedo, Donald Pierson, Gilberto Freire e Ktia Vinhtico Pontes) e baseado

    em referncias tericas relevantes para a compreenso da personagem (como Edward Palmer

    Thompson).

    No terceiro captulo, enfatiza-se o trabalho assistencial prestado por Cosme popu-

    lao na condio de rbula, filantropo, militante e dirigente de movimentos sociais e organi-

    zaes no-governamentais como a Liga Bahiana contra o Analfabetismo e, tambm, sua atu-

    ao como uma espcie de porta-voz de grupos sociais diversos (sobretudo, de trabalhadores,

    pessoas contra a carestia e pela alfabetizao), seja por ocupar cargos da hierarquia de movi-

    mentos e organizaes reivindicatrias (como sindicatos, associaes de classe, ligas, comi-

    ts), seja por organizar e participar ativamente de manifestaes pblicas promovidas por es-

    tes, a fim de obter melhores condies de trabalho e salrios, conter preos de gneros alimen-

    tcios e outros produtos e servios e, ainda, erradicar o analfabetismo, considerando-se a con-

    juntura cultural, econmica, poltica e social. Aqui, tomam-se como referncias, para a con-

    textualizao e as problematizao, autores como Edward Palmer Thompson, Thales de Aze-

    vedo, Aldrin Castellucci, Mrio Augusto da S. Santos, Ari Guimares e Paulo Santos Silva.

    Por fim, no quarto, faz-se um panorama da atuao do Major como literato e jornalis-

    ta, procurando-se compreender as temticas agendadas por ele e relacionadas a ele; os crit-

    rios para transformao de um fato ou discurso em matria jornalstica e sua relao com as

    atividades assistenciais; suas estratgias e tticas discursivas no que se referem ao gnero do

    texto (informativo, interpretativo ou opinativo) e linguagem (simples x rebuscada, uso ou

    no de humor, adgios, expresses de baixo calo), entre outros aspectos; e a ressonncia das

    ideias, aes e proposies do jornalista junto sociedade de Salvador, por meio da observa-

    o de novas matrias publicadas pelos dirios estudados nos dias subsequentes ao registro de

    um artigo de Cosme de Farias ou sobre ele.

    Aqui, a ideia caracterizar sua atuao nos campos do jornalismo e da assistncia

    social pelo biografado e os modos de interao entre ambas, considerando-se o contexto hist-

    rico do seu tempo e espao, com vistas formulao de tese sobre a natureza do jornalismo

    praticado por ele. Nessa etapa, utiliza-se como referncias as formulaes de autores brasilei-

    ros e estrangeiros como Nelson Traquina, Luiz Beltro, Jos Marques de Melo, Nilson La-

    ge, Ana Cristina Spannenberg, entre outros , mas sem necessariamente promover densas

    discusses sobre elas, para evitar disperso do objetivo central deste trabalho.

    O trabalho resulta da coleta, da sistematizao e do cruzamento de dados levantados

  • 33

    em documentos manuscritos, impressos e audiovisual (como habeas corpus, carta-testamento,

    correspondncias, documentrio audiovisual com depoimento do prprio Cosme de Farias,

    publicaes literrias escritas por ele, entre outros) e em peridicos55 (jornais dirios locais,

    revistas e inclusive o Dirio Oficial do Estado da Bahia) localizados em acervos diversos56;

    em iconografia57; em bibliografia sobre a personagem, as reas em que ele atuou e temas si-

    milares; e, ainda, junto a depoentes que conviveram com ele, como jornalistas, historiadores,

    operadores do direito, beneficirios por aes do biografado.

    Uma das etapas mais importantes para alcance dos objetivos a anlise dos textos

    publicados por ele no livro Lama & Sangue (1926), disponvel para leitura no acervo na Bi-

    blioteca Pblica do Estado da Bahia/Setor Autores Baianos, e nos dirios A Noite, entre maro

    de 1925 e maro de 1926 e outubro de 1926 e maro de 1927, e O Imparcial, entre janeiro de

    1934 e dezembro de 1937, cujas colees podem ser consultadas no Arquivo Pblico do Esta-

    do da Bahia, na Biblioteca Pblica do Estado da Bahia e no Instituto Geogrfico e Histrico

    da Bahia (IGHB). A lavra do jornalista cotejada com o contedo apreendido no contato com

    matrias desses dois impressos sobre ele e, tambm, na pesquisa em documentos, outros ttu-

    los peridicos como o Diario de Noticias e bibliografia, atinentes ao tema da tese.

    A seleo destes ttulos pela pesquisadora deve-se relevncia de ambos no contexto

    social, poltico e econmico da poca, embora ocupassem lugares sociais diversos e mantives-

    sem diretrizes tcnicas e ideolgicas diferenciadas, conforme delineado no quarto captulo

    deste trabalho. No obstante seja salutar a anlise do contedo e do discurso dos jornais cria-

    dos por Cosme, tal tarefa invivel por no terem sido identificados exemplares destes im-

    pressos nos acervos consultados. Como, na imprensa, a autoria legitimada pela assinatura

    e/ou titulao de sees, o material do Major identificado pela indicao do seu nome ime-

    diatamente acima ou abaixo do texto e/ou pela meno da expresso Linhas Ligeiras (citada,

    em vrias obras, como identificao de artigos dessa personagem).

    A investigao compreende lapsos distintos dos pontos de vista temporal e contextu-

    55 Textos veiculados em livros e brochuras ou em jornais e revistas editados, sobretudo, nos meses de abril (quando se comemorava o seu aniversrio com eventos pblicos e costumava-se publicar textos alusivos sua obra) e de maro de 1972 (quando foram publicadas inmeras matrias motivadas por sua doena, morte e fune-ral nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia). 56 A exemplo dos que esto sob os auspcios do Arquivo Pblico do Estado da Bahia, da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, da Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia, do Centro de Memria da Bahia/Fundao Pedro Calmon, da Biblioteca e do Museu da Associao Bahiana de Imprensa e do reprter fotogrfico Anzio Carvalho, colecionador de fotografias e impressos sobre a temtica). 57 Reunida em publicaes peridicas e nos acervos do Museu da Imprensa/Associao Bahiana de Imprensa, do Centro de Memria da Bahia/Fundao Pedro Calmon e, sobretudo, de propriedade particular do reprter fot-grafo Anzio Carvalho.

  • 34

    al, visando atender s demandas do projeto e, por consequncia, atingir seus objetivos e ter

    condies de execuo, graas garantia de acesso s colees. Os perodos entre maro de

    1925 e maro de 1926 e outubro de 1926 e maro de 1927 integram a amostra porque estes

    so as nicas fases em que A Noite tem nmeros contnuos disponveis em acervos de Salva-

    dor e, nesse nterim, o jornalista lanou seu nico livro em prosa, Lama & Sangue. Pelo con-

    tedo contrrio ao ento governador Francisco Marques de Ges Calmon, o libelo teve circu-

    lao proibida e o Major foi preso.

    Tambm, neste momento, Cosme estava alijado dos poderes constitudos, sem cargos

    eletivos e, possivelmente, sob perseguio do governador; e fatos relevantes para a Histria da

    Bahia eclodiram no Brasil. Eram tempos de manifestaes contra o sistema oligrquico domi-

    nante, pela reforma agrria gradativa e pelo voto direto, universal e secreto em todas as elei-

    es no Pas, mas a maioria dos grupos polticos e econmicos locais se mantinha distante dos

    debates e reprimia as tentativas de oposio contra o governo central; e da passagem da Colu-

    na Prestes pelo serto baiano, o que interferiria na configurao poltica no Estado.

    A escolha do perodo janeiro de 1934 e dezembro de 1937 justifica-se porque, naque-

    le momento, o Pas atravessava intensa movimentao poltica e social. Sob comando do pre-

    sidente Getlio Vargas, o Brasil realizou a eleio para a Assembleia Nacional Constituinte

    em 1934. O interventor da Bahia, o jovem cearense Juracy Magalhes, manteve seu domnio

    poltico no Estado, elegendo bancada majoritria para a Constituinte baiana de 1935 e ven-

    cendo o pleito para o governo para o quadrinio 1935-1939. Aps interregno de aparente a-

    bertura democrtica com promoo de eleies e convocao da Constituinte, eclodiu uma

    convulso social e poltica, que repercutiu em todos os Estados e influenciou na instalao de

    um estado ditatorial e autoritrio em 1937, o Estado Novo.

    A ditadura estadonovista foi uma fase conturbada, tambm, na Bahia, por motivos

    diversos: no auge da sua gesto, Juracy Magalhes, que havia chegado ao Estado na condio

    de interventor federal, tornou-se um dissidente do varguismo; o integralismo fortaleceu-se no

    territrio baiano; o Partido Comunista do Brasil (PCB) manteve atividades de carter antifas-

    cista em municpios diversos, a despeito da intensa perseguio imposta aos comunistas por

    Vargas e seu squito; e Octavio Mangabeira e outros liberais retornaram ao Estado, dispostos

    a ascenderem e firmarem-se no poder.

    Como os atores sociais e polticos fazem recortes do real de acordo com suas ideo-

    logias, seus propsitos em documentos, depoimentos e publicaes, adota-se o confronto

    dos dados obtidos junto a fontes diversas, em um processo marcado pelo rigor cientfico, a

    fim de se chegar a uma reconstituio mais apropriada dos fatos, para posterior anlise e tessi-

  • 35

    tura de uma narrativa precisa, pertinente e crvel. Tal opo metodolgica, em detrimento do

    uso de apenas um tipo de fonte, decorre de trs razes: a) a multiplicidade de frentes em que a

    personagem atuou, gerando documentos com caractersticas diversas e essenciais para com-

    preenso do seu universo; b) a disperso das fontes e a falta de sistematizao dos acervos,

    que dificulta o levantamento de dados elementares, mas relevantes (como datas de nascimento

    e morte, filiao, quantidade de legislaturas, mandatos como vereador e deputado estadual),

    em tempo exguo; c) a necessidade de atenuar os efeitos de certo encantamento dos depoentes

    e da parcialidade dos produtores da documentao em relao ao perfilado.

    Dentre as fontes utilizadas nesta tese, pelo menos, os peridicos e as fontes orais tm

    emprego contestado por uma parcela dos historiadores, por suas especificidades. Ambos fo-

    ram mantidas pelo potencial para apresentao de dados omitidos ou apenas sinalizados, sem

    detalhamento, por outros materiais e, tambm, para dirimir dvida quanto a questes surgidas

    no contato com outras fontes. Veculos jornalsticos permitem a aproximao com o pensa-

    mento, as proposies e as aes do biografado, registrados pelo prprio Cosme ou por tercei-

    ros; as representaes de fatos e personagens; e o contexto social, cultural, poltico e econ-

    mico em que os fatos se desenrolaram. J os depoentes suprem lacunas deixadas pelas demais

    fontes; ratificam e negam informaes obtidas na documentao, em peridicos e na biblio-

    grafia; e, tambm, ofertam dados contextuais.

    Ao relatar verses acerca do real, o acervo periodstico possibilita ao historiador infe-

    rir sobre as estruturas sociais, culturais, econmicas e polticas, o imaginrio58 e as apropria-

    es59 de um grupo, as representaes do seu objeto de estudo, registradas pelos veculos con-

    temporneos aos fatos analisados, e s acessveis aps longos lapsos temporais (dcadas e at

    sculos) por meio de documentao escrita, inclusive jornais e revistas. Portanto, faz uma

    espcie de mediao entre o pesquisador de Histria que no pode simular em laboratrio os

    58 Imaginrio consiste em um conjunto de ideias e imagens de representao coletiva. Resulta da potncia criado-ra da imaginao, est relacionado ao sonho, mas uma ordem consistente da realidade, uma representao do real (mas no corresponde ao real). , portanto, a referncia de um outro ausente, pensada e expressa. Nesse sentido, necessariamente, trabalha com linguagem, sempre representao e no existe sem interpretao. San-dra Jatay PESAVENTO. Em Busca de uma Outra Histria: imaginando o imaginrio. Revista Brasileira de Histria. Vol. 15, n 29. So Paulo: Associao Nacional de Histria, 1995, p. 9, 11-12, 15. 59 Representao algo que permite a exibio de uma presena e a viso de algo ausente, enquanto apropriao uma operao que envolve maneiras de utilizar produtos e visa o desenvolvimento de uma Histria social das interpretaes, ligada s suas determinaes fundamentais de cunho social, institucional e culturais e inscritas nas prticas especficas que as produzem. O pesquisador Roger Chartier considera que o fenmeno social s tem sentido no mundo das representaes, prticas e apropriaes culturais e que o indivduo apropria-se das repre-sentaes da forma como lhe convm. Roger CHARTIER. Introduo. In: A Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1988, p.26; Ronaldo VAINFAS. Histria das Mentalidades e Histria Cultural. In: Ronaldo VAINFAS; Ciro F. CARDOSO (Org.). Domnios da Histria ensaios de teoria a metodologia. 19. reimp. Rio de Janeiro: Elsiever, 1997, p.153-155, 158.

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    fatos a serem focalizados, como ocorre nas cincias naturais, e o objeto do trabalho, ou seja,

    um evento ou discurso do passado, viabilizando sua apreenso ainda que parcial e anlise

    pelo pesquisador. O jornalista, em sntese, subsidia a atuao do historiador, que utiliza a im-

    prensa como corpus documental.

    Tem-se cincia que, a despeito da importncia deste material para o desenvolvimento

    do campo, ainda que com limitaes, historiadores de vrios pases travam embates epistemo-

    lgicos sobre a instrumentalizao de peridicos impressos na pesquisa histrica como fontes,

    pois os produtos jornalsticos costumam ser alvo de questionamentos quanto validade e

    legitimidade da sua forma de apreenso do real, com aplicao de tcnicas e conceitos espec-

    ficos, mas sem rigor cientfico na apurao e redao. Estudos sobre jornalismo de autores

    diversos (como Adelmo Genro Filho60, Perseu Abramo61, Igncio Ramonet62, Nelson Traqui-

    na63 e Sylvia Moretzsohn64) reconhecem o papel social do jornalismo como mecanismo im-

    portante de promoo do exerccio da cidadania, mas admitem a ocorrncia de falhas nas re-

    daes e manipulao das informaes que podem distorcer os fatos, distanciando-se do real.

    A argumentao dos historiadores, contudo, se fragiliza diante da falta de conheci-

    mento do campo do jornalismo, pois, por vezes, sequer se conhece os princpios, as tcnicas, a

    finalidade, o processo produtivo, a linguagem, os constrangimentos intrnsecos atividade e

    determinantes das representaes, dos significados, do discurso manifestados e/ou produzidos

    pela imprensa. Efetivamente, h semelhanas entre processos e procedimentos dos campos da

    Histria e do Jornalismo evidenciadas pela bibliografia65, e os critrios institucionais de sele-

    60 Adelmo GENRO FILHO. O Segredo da Pirmide - para uma teoria marxista do jornalismo. 2. ed. Porto Alegre: Editora Ortiz, 1992. 61 Perseu ABRAMO. Padres de Manipulao na Grande Imprensa. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2003. 62 Igncio RAMONET. A Tirania da Comunicao. 2. ed. Petrpolis: Vozes, 1999. 63 Nelson TRAQUINA. Teorias do Jornalismo por que as notcias so como so. Vol. I. 2. ed. Florianpolis: Insular, 2004. 64 Sylvia MORETZSOHN. Jornalismo em Tempo Real: o fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. 65 Jornalismo e Histria cultivam relativa identidade e autonomia entre si, firmadas a partir de suas caractersti-cas especficas e fundamentais para a legitimao dos dois campos como cincias que exige, naturalmente, a definio de objeto e mtodos prprios. Porm, precipitado fazer uma dissociao integral entre tais saberes. Ambos so dinmicos, pois esto em constante evoluo e utilizam mltiplos procedimentos de investigao e narrativas (no caso do jornalismo, inerentes aos gneros informativo, interpretativo e opinativo; e da Histria, inspiradas ou no na literatura). Ultrapassam modelos simplistas, de filiao funcionalista e estruturalista. A despeito da busca pela legitimao dos campos, interagem com outras disciplinas e prticas scio-discursivas - como sociologia, cincia poltica e antropologia para seu enriquecimento e superao das limitaes inerentes especializao. Aproximam-se na medida em que surgem estudos histricos sobre o tempo presente, fatos imediatos, e projetos jornalsticos voltados cobertura de processos histricos e que primam pelo uso da Histria como contexto, por exemplo. Ver melhor em Mnica CELESTINO. Fronteiras entre Jornalismo e Histria: por uma reflexo sobre as relaes entre dois campos em evoluo. In: Anais do VII Encontro Nacional de Pes-quisadores em Jornalismo, 2009. So Paulo: Universidade de So Paulo, Associao Brasileira de Pesquisado-res em Jornalismo, 25-28 nov. 2009.

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    o e hierarquizao das notcias e os elementos constituintes da cultura organizacional, de-

    terminantes do agendamento e enquadramento da cobertura, podem nortear o uso da imprensa

    como fonte pelo historiador, elevando-a a condio similar a de demais fontes.

    O xito dessa empreitada depende, principalmente, do mtodo empregado pelo pes-

    quisador e das ponderaes que se faa a partir desse uso. Um dos primeiros desafios, portan-

    to, definir esse mtodo, porque so escassas as reflexes tericas e metodolgicas aprofun-

    dadas sobre o uso de peridicos em pesquisas histricas. Entre as parcas proposies, est a

    apresentada pela historiadora Laura Maciel66, que toma a imprensa como espao privilegiado

    para construo de sentidos para o presente a partir do passado, e infere sobre critrios para

    seu uso como fonte histrica:

    O esforo da anlise histrica passa [...] pelo desvendamento dos mecanis-mos e operaes que, na conjuntura estudada, permitem ao texto jornalstico construir uma memria social hegemnica que aprisiona a explicao do presente a partir de seus argumentos e interpretaes, obscurecendo a corre-lao de foras sociais nas quais esse texto forjado. Como pesquisadores, nosso esforo seria buscar o que orientou e quais os caminhos percorridos para a criao da veracidade no texto jornalstico e todos os recursos de lin-guagem e estilo de redao que procuram apresentar o relato do aconteci-mento tal como ele teria ocorrido e, de preferncia, por quem o testemu-nhou [apesar dos vrios crivos e filtros interpostos entre reprter e leitor], como se os fatos flussem naturalmente para as pginas dos jornais que s os distribuiria e organizaria por assunto, local etc.

    Em consonncia com Maciel, Carla Luciana Silva67 defende a consulta a impressos

    pelos historiadores, argumentando que existem padres de manipulao capazes de interferir

    no contedo e na forma dos veculos so eles: ocultao, fruto do