educação profissional: ciência e tecnologia
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Edição especial com entrevistas concedidas durante o Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, realizado em Brasília, entre 23 e 27 novembro.TRANSCRIPT
Volume 4, Número 1 | Volume 4, Number 1
Edição especial | Special edition
Julho-Dezembro 2010 | July-December 2010
Publicação Semestral | Semester Publication
ISSN 1980-5594
Esta publicação conta com o apoio financeiro do Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial do Distrito Federal (Senac-DF).
This publication counts on the financial support of the Senac-DF Capa
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SUMÁRIO > Volume 4, Número 1, Edição Especial
EDITORIAISv EDITORIAL > Por Juliana Eugênia Caixeta & Flávia Furtado Rainha Silveira
O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica: um marco no Brasil
ix EDITORIAL > Por Luiz Otávio da Justa Neves
Educação ou ensino
ENTREVISTAS1 JOAQUIM AZEVEDO > Por Juliana Caixeta, Ricardo Coelho & Rafael Voigt
O panorama contemporâneo da educação profissional em Portugal: conquistas e desafios
7 RAMÓN MONCADA > Por Juliana Caixeta & Rafael Voigt
Um debate sobre cultura e educação profissional
11 MIChAEL MAyNARD > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael Voigt
Canadian colleges and the policies for access and inclusion MIChAEL MAyNARD > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael Voigt
Centros de Ensino Superior canadenses e as políticas de acesso e inclusão
17 JOS NOLLE > Por Juliana Eugênia Caixeta
Policies for access and inclusion in Canada21 JOS NOLLE > Por Juliana Eugênia Caixeta
Políticas de acesso e inclusão no Canadá
25 ELIEZER PAChECO > Por Ricardo Coelho
A expansão da rede federal de educação profissional
29 ANTONIO CARLOS DAS NEVES & ROSA MARIA PIRES BUENO > Por Flávia Furtado Rainha Silveira
Educação profissional: e experiência da Fundação Bradesco no Brasil
33 SÍLVIA MANFREDI > Por Ricardo Silva & Rafael Voigt
Uma crítica à pedagogia das competências
37 FRANCISCO CORDÃO > Por Flávia Silveira
O panorama da educação profissional no Brasil
43 ISMÁRCIA GONÇALVES SILVA, TIAGO RODRIGUES, CAROLINE FERREIRA > Por Juliana Caixeta & Rafael Voigt
Desafios e conquistas do Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet)
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49 SANDRA REGINA GARCIA > Por Ricardo Silva
O ensino integrado: a experiência do Paraná
53 JOANA BOTINI (SENAC/EAD) > Por Suely Parrini
Educação a Distância: avanços e desafios
57 LUCÍLIA MAChADO > Por Ricardo Coelho & Rafael Voigt
A organização da educação profissional no Brasil
61 MOACIR GADOTTI > Por Ricardo Silva & Rafael Voigt
Por uma educação profissional realizadora do ser humano
INSTRUÇÕES E NORMAS65 Instruções aos colaboradores66 Normas para publicação
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. v-vii, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional edItORIal
edItORIal > Por Juliana Eugênia Caixeta & Flávia Furtado Rainha Silveira
O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica: um marco no Brasil
Queridos/as leitores/as,
A emoção nos invade ao tecer a história do número 4, volume 1 da nossa revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia. O motivo desse sentimento passa pelo fato de que de todos os números já publicados, este carrega em suas páginas a concretização de uma impor-tante vitória da Educação Profissional e Tecnológica: o reconhecimento de seu papel fundamental na história do nosso povo, o reconhecimento do que fizemos até aqui e o reconhecimento de que muito podemos fazer para a construção de um país com igualdade social. O ano de 2009 marcou a Educação Profissional ao tornar visível essa modalidade educacional e colocá-la na agenda de um projeto de país que sabe dos seus desafios, mas também, das possibilidades que emergem do encontro das diferenças inerentes a sua própria constituição e das possibilidades do mundo do trabalho. Dois mil e nove foi o ano do I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, que aconteceu em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, de 23 a 27 de novem-bro. No Brasil, a Educação Profissional e Tecnológica nunca havia sido tão enaltecida, respeitada e defendida
como foi neste fórum mundial, evento que merece des-taque em nossa revista por ter o objetivo de colocar a Educação Profissional e Tecnológica no seu lugar de promotora de transformações sociais:
O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica propor-cionou a primeira grande discussão acerca das dimensões múltiplas a que está hoje vinculada a educação profissional. As atividades estiveram voltadas para movimentos pela cidadania e pelo direito universal à educação profissional, especialmente em propostas que buscaram refletir sobre a universalização da educação, o acesso à educação de qualidade sem perder a ótica de universalização do ensino sob o viés do trabalho, da diversidade, da inclusão, do desen-volvimento sustentável, da ética e da interculturalidade (Relatório do Ministério da Educação sobre I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, 2009, p.2)
Esta revista é a concretização da diversidade que é a Educação Profissional no Brasil e no mundo. No I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, realizaram-se, em cinco dias de imersão cultural e acadêmica, marcada sobretudo pela solidariedade e incursões em prol do reconhecimento da diversidade como traço marcante da condição humana, 143 ativida-
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des culturais, 15 conferências e debates, 165 atividades autogestionadas, 18 Oficinas de Gastronomia, 3 Mostras (Painéis, Artes e Inovação Tecnológica por estudantes), 2 Feiras (Gastronomia e Sustentabilidade) e 3 Sessões Especiais (Abertura, Encerramento e Sessão de Anistia) que foram prestigiadas por um público de 15 mil pessoas, entre professores, alunos, técnicos, políticos, acadêmi-cos, ambientalistas, intelectuais, enfim, uma diversidade de gente para escrever uma história marcante. Descrever, brevemente, as atividades não é suficiente para demons-trar a riqueza da educação profissional que fazemos e desejamos fazer no Brasil, bem como a riqueza das ex-periências dos vários países amigos: Paraguai, Uruguai, Argentina, Venezuela, Colômbia, Camarões, Canadá, Estados Unidos, China, Portugal, França, Espanha, Angola, Benin, para citar alguns países. Por isso, deci-dimos que este número seria todo dedicado ao I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica. Para cumprirmos esse objetivo, nossa equipe mobilizou cerca de 12 profissionais entre funcionários da revista, técnicos, professores universitários e pesquisadores para trazer por meio de entrevistas para vocês, nossos leitores, as temáticas que foram discutidas no fórum.
Assim, essa revista congrega diferentes vozes, constru-ídas no encontro com diferentes personalidades nacionais e internacionais, que debateram conosco a Educação Profissional e Tecnológica no Brasil e o no mundo. A revista congrega diferentes posições ideológicas, políticas, so-ciais, enfim, congrega a diversidade, na rica experiência da imersão e da narrativa das possibilidades que se criam no encontro com os iguais e os diferentes. Esta revista celebra a educação profissional como um sistema educacional com-plexo, que possibilita a inclusão na diversidade.
Ao todo, foram entrevistados 17 profissionais. Nesse número, apresentaremos 11 entrevistas.
A primeira entrevista que apresentamos nesse número é a do professor Doutor Joaquim Azevedo, de Portugal. O professor, que já foi secretário de Educação do Governo Português, discute a educação profissional no seu país de origem, comparando-a com a brasileira e destacando a im-portância e os desafios que ela enfrenta para ser respeitada.
A segunda entrevista é com o professor Ramon Moncada, Diretor Executivo da ConCiudadania, Colômbia, que apresenta o conceito de cidade educadora e defende que a formação profissional deve discutir o papel da cultura na formação tanto de alunos quanto de professores para não assumir um caráter tecnicista. Para ele, a educação tem a função de explorar a leitura de mundo dos alunos, tal
como defende Paulo Freire, e levá-los à autonomia própria da participação cidadã.
A terceira entrevista é a do professor Michael Maynard, Diretor de Estudos do New Brunswick College of Craft and Design. O professor fala sobre a função inclusiva dos colle-ges canadenses e descreve a importância da avaliação e reconhecimento de aprendizagem prévia (procedimento que valida os conhecimentos prévios dos alunos, que não foram construídos no processo formal de escolarização) para seus alunos e para as participantes do programa de inclusão de mulheres, chamado Mulheres Mil, parceria entre os gover-nos Canadense e Brasileiro.
A quarta entrevista, do professor Jos Nolle, Diretor de Educação Internacional e Desenvolvimento do Canadá, aborda a Associação Canadense de Faculdades Comunitárias (Association of Canadian Community College – ACCC) e também a Avaliação e Reconhecimento da Aprendizagem Prévia (ARAP).
Eliezer Pacheco, secretário da Secretaria de Educação Profissional do MEC (SETEC) nos brindou com uma en-trevista na qual discorre sobre a expansão da rede federal de educação profissional, que resultará na abertura de 250 unidades em todo Brasil. Ademais, refere-se ao apoio do órgão ao Sistema S, que se prepara para até 2014 ofertar 66.66% da sua receita compulsória em cursos gratuitos, reconhecendo-o como uma das pontas do tripé da educação profissional no Brasil, da qual também fazem parte a rede federal e as redes estaduais. Essas ações vem, em suas palavras, ao encontro das necessidades de formação de profissionais qualificados para um país em franco desen-volvimento, o que esbarra com o conhecido fenômeno do “apagão de mão-de-obra”.
A educação profissional na renomada Fundação Bradesco é tema da entrevista de Antonio Carlos das Neves e Rosa Maria Pires Bueno. Os diretores de educação pro-fissional da fundação relatam que essa modalidade de edu-cação é oferecida desde 1970, nas 40 escolas da rede que atendem 111 mil alunos no Brasil, com base nas demandas de cada região. Os entrevistados relatam que seus cursos são balizados pela abordagem construtivista e pelos princí-pios do pensar autonomamente, da solidariedade, do volun-tariado e do fomento do empreendedorismo, da criatividade e da inovação. Além dos cursos técnicos, são ofertados cursos de formação inicial e continuada com vistas à poten-cialização da renda das famílias da comunidade nas quais a escola está inserida.
A entrevista de Silvia Manfredi nos esclarece sobre o sistema de certificação profissional idealizado pelo grupo do
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qual fez parte, mas que ainda não foi adotado no Brasil. Para a educadora, presidente do instituto Paulo Freire na Itália e que até 2006 atuou como consultora da OIT no Projeto de Certificação e Orientação Profissional, a certificação, cons-tituída, por exemplo, por temas geradores, poderia resolver os desafios que se impõem e restringem a equivalência en-tres os diversos níveis de ensino. Nessa entrevista, Manfredi demonstrou ser crítica contundente do modelo de educação por competências que, a seu ver, tolhe a criatividade e a iniciativa dos professores e dos alunos.
Referência nacional em educação profissional, Francisco Cordão, consultor educacional do Senac e Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, relata em sua entrevista admiração que tem pela educação profissional praticada pelo Sistema S.
A professora Ismárcia Gonçalves Silva e seus alunos Tiago Rodrigues e Caroline Ferreira nos contam como o Instituto Federal do Rio de Janeiro tem trabalhado para a formação de professores de Química, Física e Matemática, por meio de projetos que se fundamentam numa concepção interacionista de ensino e aprendizagem. Falam sobre a construção do Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet) como um espaço físico e social de construção de conhecimento, onde alunos e pro-fessores da universidade e das escolas públicas cariocas poderão trocar ideias e desenvolver projetos que resultem em processos de ensino-aprendizagem de ciências contex-tualizados à vida cotidiana dos personagens que compõem a escola e a universidade.
Sandra Regina Garcia fala sobre a experiência do Paraná na estruturação da educação integrada. Nessa en-trevista, Sandra conta as características e os desafios da implantação desse programa, defendendo a educação inte-grada como um modelo educacional que permite a formação ampla, em suas dimensões pessoais e profissionais.
Em sua entrevista, Joana Botini comenta a educação a distância em geral e a educação a distância que é promovida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Ela defende que a rede Senac deve atuar em cursos de graduação tecnológica, porque o Senac tem como missão formar profissionais para atuar no mercado de comércio de bens e serviços, turismo, hospitalidade e saúde. Atribui o sucesso dos cursos de EaD do Senac à própria marca e, também, à seriedade e ao foco que sustentam os cursos de graduação, pós-graduação e extensão a distância.
Lucília Machado discute, em sua entrevista, os concei-tos de interdependência, trabalho e educação profissional. Para ela, a educação profissional e tecnológica envolve um conjunto complexo de fenômenos que precisam ser discu-tidos e considerados na concretização dessa modalidade de ensino. Ela defende, inclusive, a perspectiva do trabalho como promotora de identificação da pessoa e de realização pessoal.
Moacir Gadotti, assim como Lucília Machado, defende a articulação de conhecimentos na educação em geral e na educação profissional, em específico. O autor discute a educação profissional na visão de Paulo Freire, marca a importância do fórum no atual momento histórico do país, posiciona-se criticamente em relação a documentos do Conae e à função do Sistema S na promoção da educação profissional. Gadotti defende uma educação contextualizada e articulada em nossas escolas, sintonizada às demandas e características da diversidade vivenciada na contemporanei-dade nos vários espaços sociais em que nós nos construí-mos e ajudamos a construir.
Desejamos que confira todas as entrevistas e que elas sejam úteis na sua atuação como profissional e pessoa comprometida com a educação brasileira.
Boa Leitura!
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. ix-ix, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional edItORIal
edItORIal > Por Luiz Otávio da Justa Neves
Educação ou ensino
O que há de comum entre pensamentos como o de
Pitágoras, “Educai as crianças, para que não seja necessário
punir os adultos”; de Albert Einstein, “A única coisa que inter-
fere no meu aprendizado é a minha educação”; de Burruhs
Frederic Skinner, “A educação é aquilo que sobrevive depois
que tudo o que aprendemos foi esquecido”; de Immanuel
Kant, “O homem não é nada além do que a educação faz dele”;
e de Nelson Mandela, “A educação é a arma mais poderosa que
você pode usar para mudar o mundo”. Mesmo sendo pessoas
de diferentes épocas, culturas e formações, a concepção de
educação de todos eles é convergente e aponta, claramente,
para a diferença entre educar e ensinar; entre educação e
ensino; entre educador, de um lado, e adestrador, treinador,
instrutor ou apenas professor, de outro.
É claro que um professor pode ser, ou não, um educador,
não se restringindo, somente, aos processos de ensino e apren-
dizagem de conhecimentos de natureza técnico-científica. Ele
deve adentrar, em todas as oportunidades surgidas, e nas por
ele criadas intencionalmente, nas questões da cidadania, da
ética e da moral, além das sociais e culturais.
Todo esse esforço do professor-educador não é, ainda,
suficiente para propiciar o que se pode chamar de educação.
É fundamental o exemplo que ele pode ensejar, em todos os
momentos, posto que é modelo para os alunos.
Para ser um verdadeiro educador, o professor deve ser,
também, um contador de estórias, um comentarista dos fatos
e acontecimentos diários, um conselheiro, um amigo, um disci-
plinador. Não basta ser um transmissor de conhecimentos, ele
deve ser um receptor de angústias, de dúvidas, de dificuldades,
de carências e de queixas.
O educador propicia possibilidades de reflexão, de amadu-
recimento emocional, de solidariedade, de responsabilidade,
de respeito, de honestidade, de cidadania, de patriotismo aos
seus alunos, sem prejuízos ao aprendizado acadêmico.
Lamentavelmente, não se encontram educadores com
muita frequência entre os docentes, muitos deles temporários
e outros, ainda, inexperientes. A pressa, a impessoalidade e
tantas outras características dos tempos atuais (inclusive a
redução da educação a números por meio de processos equi-
vocados de avaliação), acrescidas do não reconhecimento do
real valor do professor-educador, expresso em inadequadas
condições de trabalho e baixa remuneração, forçam uma
atuação superficial e descomprometida que, com certeza, fará
tudo, menos educação.
Prof. MSc Luiz Otávio da Justa Neves
Presidente do Conselho de Educação do DF e
Diretor Regional do Senac-DF
Entrevista concedida em 27.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 1-6, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
JOaQUIM aZeVedO > Por Juliana Caixeta, Ricardo Coelho & Rafael VoigtJoaquim Azevedo é Professor da Universidade Católica Portuguesa (Portugal)
O panorama contemporâneo da educação profissional em Portugal: conquistas e desafios
EPCT | Como se organiza a educação profissional em Portugal?
hoje o ensino profissional técnico tem três grandes ver-
tentes: uma vertente mais escolar, outra menos escolar e mais
ocupacional, como se costuma dizer, e outra vertente mais
social. Em Portugal, o aluno tem uma formação básica de nove
anos, a partir da qual começa a formação mais especificada, o
ensino secundário. Até o 9º ano o currículo é único, depois os
alunos são direcionados para as escolas profissionais, ou para
as escolas secundárias, que também oferecem cursos profissio-
nais, ou para as escolas artísticas, que oferecem cursos de for-
mação artística. Nosso ensino secundário, que aqui vocês cha-
mam de ensino médio, tem duração de três anos. Terminada a
formação básica de nove anos, que é comum para todos, vem
então o ensino secundário de três anos, que pode ser feito em
diferentes vertentes. Concluído o ensino secundário, todos os
jovens podem se candidatar ao ensino superior em qualquer
área sem nenhuma precedência. Entretanto, Portugal está
trabalhando pela unificação do ensino básico e secundário em
um único ensino. O que nós valorizamos é o desenvolvimento
das pessoas, e este pode se dar tanto no ensino profissional,
quanto no ensino geral inicial, pois estes têm os mesmos re-
cursos e um sistema de aprendizagem equivalente, sendo um
mais para uma área e outro para outra.
EPCT | A sociedade em geral também considera valoroso o ensi-no secundário profissionalizante?
Isso é o que nós buscamos há muitos anos. Essas escolas
profissionais são recentes. há 20 anos estamos a comungar
o nascimento e a proliferação delas em todo o país. Antes
da Revolução da Democracia, existia o ensino técnico, muito
marcado do ponto de vista social. Era o ensino para os pobres,
para os mais necessitados para quem não tinha condições de
conseguir estudos, e isso ficou como uma marca nas represen-
tações sociais. hoje já se ultrapassou muito. No ensino médio
português, por exemplo, que é esse secundário de três anos,
40% dos jovens já estão matriculados em cursos profissionais
em todo o país. Portanto, esse nível de ensino deu um salto
muito grande entre 20 e 25 anos.
EPCT | No Brasil temos o mesmo desafio de superar a idéia de que o ensino profissionalizante é inferior ao ensino geral...
Agora, nós também estamos a superá-lo com mais faci-
lidade. 20 anos é pouco para evoluírem as representações
sociais, mas os resultados têm sido bons porque esses jovens
têm melhores níveis de sucesso escolar que os seus colegas
do ensino geral, têm melhores níveis de aproveitamento
e melhor capacidade de inserção no mercado de trabalho,
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além disso, podem seguir o estudo superior que quiserem.
Destes, 22% querem prosseguir com os estudos e o restante
ingressa no mercado de trabalho.
EPCT | Na abertura do Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinalou que a educação profissional é estratégica para a inserção do Brasil no cenário mundial. Como o governo de Portugal entende atualmente o papel da educação profissional para o seu processo e progresso sócio-educativo?
Está sendo feito um investimento fortíssimo na educação
profissional dos jovens. Estamos expandindo a oferta de educa-
ção profissional e também de ensino superior aos jovens de 16
a 18 anos. No início do ano 2000, lançamos um programa muito
importante para os adultos. A população adulta hoje é pouco
escolarizada por conta da ditadura, foram quarenta anos sem
investimento na educação, quase a metade do século XX sem
investir na educação. E agora compramos esse atraso, mas ainda
estamos com dificuldades. Por isso, lançamos o programa Novas
Oportunidades, com o objetivo de criar novas oportunidades
para toda a população adulta se qualificar, para ver reconheci-
das, validadas e certificadas as suas competências adquiridas ao
longo da vida ou no seu exercício profissional, para complemen-
tar, por exemplo, a formação em TIC – Tecnologia da Informação
e Comunicação – ou em uma língua estrangeira, fazendo a
equivalência ao 9º e ao 12º ano, fim do ensino básico e médio.
E continuamos com esse processo. Em Portugal, há 1 milhão
de pessoas inscritas no programa. Ora, 1 milhão! Nós somos 10
milhões!
EPCT | De que maneira a educação básica portuguesa prepara seus jovens para o mercado de trabalho?
Prepara no sentido de que proporciona uma formação ampla
do ponto de vista da formação de competências gerais. Em
Portugal, chamamos de educação básica os nove anos iniciais,
que têm um corpus comum, que eu chamo de corpus cultural,
que são os instrumentos, a hierarquia de saberes, as compe-
tências gerais, a capacidade de ler, escrever e calcular. Assim, a
educação básica prepara o aluno para avançar no conhecimento,
situar-se no mundo, comunicar-se, distinguir e hierarquizar os
saberes, traduzir informações em mais conhecimento, ter auto-
nomia para estudar e pesquisar e trabalhar em equipe, que já é
uma preparação para o trabalho. Prepara também para o saber-
viver, que é entender o mundo em que se vive, saber se situar
e viver em sociedade, em comunidade e solidariedade com os
demais, o que também é fundamental na formação educacional.
EPCT | A maior parte da formação educacional de Portugal é gratuita?
Sim. Até o 9º ano é gratuito e agora até o 12º ano será gratui-
to, pois foi declarado obrigatório e universal a gratuidade até o
fim do ensino não universitário.
EPCT | Nós pesquisamos no seu site um pouco sobre o 10º ano pro-fissionalizante de Portugal. Como funciona esse programa no qual os jovens devem optar por um curso de profissionalização após saí-rem da educação básica? Em que contexto socioeconômico surgiu a necessidade de oferecer o 10º ano escolar profissionalizante?
Estamos falando de uma maneira muito pontual, creio que
vocês aqui chamam de subsequente. No fim da formação básica
de nove anos, alguns jovens, por diversas razões, não queriam
prosseguir os estudos, queriam sair da escola e entrar no mer-
cado de trabalho. Antes, isso era possível, agora não é mais não,
agora é obrigatório estudar mais três anos, até o 12º ano. Como
não era obrigatório, as pessoas saíam da educação básica sem
qualificação do ponto de vista profissional. Dessa forma, criou-
se um ano a mais de formação profissionalizante, não com o
objetivo de qualificar em nível técnico intermédio de três anos,
mas de proporcionar uma entrada no mercado de trabalho com
o mínimo de qualificação. Então, criou-se o 10º ano, que é quase
um subsequente do ensino da educação básica.
EPCT | Qual o papel das faculdades e universidades portuguesas na preparação de profissionais para o mercado de trabalho?
As universidades portuguesas também têm muito essa
vertente profissionalizante. É claro que elas têm outras mis-
sões além da investigação e das relações de trabalho com
a comunidade. É evidente que elas têm uma relação muito
estreita com a formação profissional e intelectual. Resta saber
até quando elas devem seguir na preparação e qualificação
das pessoas em nível superior ou se devem seguir exatamente
aquilo que as organizações atuais querem que sigam. hoje,
quando o jovem chega à universidade querendo estudar his-
tória, filosofia, ele se depara com a ideia de que não deve es-
tudar, pois não há nenhuma empresa para filósofos instruídos.
Assim, se a lógica é colocar a universidade a serviço de uma
ditadura das necessidades das empresas, nós podemos correr
o risco de deixar de lado a realização pessoal. há muitos jovens
que preferem e acham fundamental estudar antropologia, fi-
losofia, e eu creio que isso é muito importante, essa liberdade
de escolha dos jovens é importante. Outro dia, em Barcelona,
o presidente de uma grande empresa foi buscar filósofos. Por
quê? Porque são os que têm a melhor capacidade de ler o
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mundo. É isto que se dizia aqui
no fórum: combater a hiper es-
pecialização, pois uma empresa,
ainda que trabalhe em uma área
especializada, precisa entender
o mundo para perceber como
são as sociedades, as culturas e
os povos, como eles estão evo-
luindo e também para perceber
como é que ela evolui em sua
capacidade de prestar um servi-
ço mais adequado à sociedade.
Creio que nós não podemos
restringir as universidades à vertente profissionalizante, pois
elas têm uma dimensão mais universal, mais aberta, são para
todos, são para pensar tudo, e não ficar nada de fora, e o mais
importante é pensar o homem e o seu desenvolvimento inte-
gral, essa é a sua principal função.
EPCT | Aqui no Brasil nós temos dividido a educação superior em vários níveis, por exemplo, temos os cursos tecnológicos que são bem voltados para o mercado de trabalho. Nesse sentido, como é em Portugal?
O ensino superior em Portugal está dividido nas vertentes
universitária e politécnica. Nós temos institutos superiores poli-
técnicos e universidades, que são duas instituições distintas, em
que uma forma profissionais direcionados e qualificados para o
mercado de trabalho e a outra também o faz, mas numa lógica
mais investigativa e menos articulada às necessidades do mer-
cado de trabalho.
EPCT | Na Conferência, o senhor comentou sobre a necessidade de aproximação dessas instituições de ensino superior com o mercado de trabalho. Como Portugal tem feito isto, o que as instituições edu-cacionais fazem? Elas promovem rodadas de negócios?
Bom, o que se tem feito nos últimos anos é tentar trazer
para dentro da universidade, e até nos seus próprios órgãos de
governo, órgãos de formação, o mundo exterior: as empresas, os
movimentos culturais e as principais atividades sociais; é tentar
trazê-los para dentro das universidades, em órgãos mesmo para
consulta. Em alguns casos do ensino superior, tendo em vista
fortalecer essa adequação, os cursos têm estudado a emprega-
bilidade de seus diplomados. Os dados desses estudos são pu-
blicados anualmente e essas informações são importantes tanto
para quem está entrando no mercado de trabalho quanto para
quem procura o ensino superior.
EPCT | Há programas do governo de Portugal preocupados com a formação inicial e continuada dos docentes do ensino profissional? Como é que acontece?
No ensino profissional essa
preocupação ainda é pequena.
há pouco investimento para os
docentes do ensino profissional
e do ensino geral também. É
uma lacuna bastante grande que
temos de enfrentar.
EPCT | Como os fóruns, conferências e seminários internacionais sobre educação têm contribuído para a construção de uma agenda programática, positiva, para a democratização do direito à educa-ção básica e profissionalizante? É possível empreender uma mobili-zação mundial e policêntrica em torno desse assunto?
Sim. E uma das áreas da minha investigação é exatamente
sobre isso, sobre a questão que se chama o sistema educativo
mundial. É cada vez maior o número de encontros, simpósios
mundiais e internacionais. há uma dinâmica promovida pela
Unesco e por outras organizações internacionais que facilitam
e incentivam essa articulação internacional, que, a meu ver,
poderia haver bem mais e ir um pouco mais longe. A União
Europeia, por exemplo, vai bastante longe nas articulações
de políticas nacionais. Na questão do reconhecimento dos
diplomas, que é uma questão central que nós, no âmbito
de uma rede de peritos da OEI (Organização dos Estados
Iberoamericanos), tentamos construir uma nova articulação
que permita a mobilidade das pessoas por conhecimentos mú-
tuos de diplomas entre os países da América do Sul, a Europa já
deu um grande passo. Assim, na Europa, mais do que produzir
os mesmos modelos de ensino profissional, agora é possível
encontrar dinâmicas de articulação entre os países para defi-
nirem as linhas comuns, os requisitos comuns, respeitando as
diferenças culturais e históricas de cada país, permitindo a mo-
bilidade entre as fronteiras, facilitada pelas línguas espanhola
e portuguesa, quase que uma língua franca, pelas quais se en-
tendem relativamente bem.
EPCT | Como a educação profissional e tecnológica pode colaborar nas políticas de desenvolvimento sustentável?
O ensino profissional não deve ser um ensino desgarrado
da realidade dos próprios alunos nem das necessidades econô-
micas, sociais e culturais da sociedade, deve estar muito ligado
Outro dia, em Barcelona, o pre-sidente de uma grande empresa foi
buscar filósofos. Por quê? Porque são os que têm a melhor capacidade de ler o mundo.
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ao desenvolvimento social local. No caso dos portugueses, as
necessidades econômicas e sociais têm sido lentamente supe-
radas com bastante sucesso pela sustentabilidade, que, antes
de mais nada, tem de repousar no desenvolvimento humano
de todos. A partir da adolescência e da juventude, sobretudo,
o ensino profissional tem um lugar muito importante, pois
nem todos fazem o mesmo tipo de ensino e nem todos têm o
mesmo tipo de expectativas e capacidades, por isso que a edu-
cação deve criar oportunidades para todos realizarem alguma
atividade. E o ensino profissional deve ser de qualidade como
todos os outros, pois sua missão fundamental não é ensinar
os meninos a fazerem, mas aprenderem a ser fazendo, que é
algo bem diferente. E é esta perspectiva que temos buscado
trabalhar mais em nós: conciliar uma bagagem cultural cientí-
fica, que é necessária a qualquer cidadão do século XXI, com
uma articulação profissional adequada às necessidades não só
locais, mais também mundiais, pois muitos de nossos jovens
hoje estão ligados e articulados a redes mundiais. As fronteiras
estão se desfazendo e rompendo cada vez mais, uma tendên-
cia que se acentua para o futuro. Portanto, creio que o ensino
profissional tem um papel muito relevante, porque forma e
qualifica as pessoas para servirem à sociedade como eletricista,
engenheiros, etc., profissões tão importantes quanto um juris-
ta, um arquiteto, por exemplo. Portanto, é preciso dignificar
igualmente o ensino profissional e os demais setores profis-
sionais e laborais da sociedade, ou seja, dignificar as profissões
técnicas também. O problema do ensino profissional não está
na escola, está na sociedade.
EPCT | Há em Portugal alguma avaliação ou certificação dessas escolas profissionais?
Sim. Existem muitos relatórios de avaliação para acompa-
nhamento e resultados, todo tipo de resultado, como funciona,
quanto se gasta, quantos qualificam, quanto sucesso, quantos
anos demora para qualificar uma pessoa, qual a empregabilida-
de dos jovens por áreas, tudo isso está registrado.
EPCT | As escolas têm acompanhamentos de egressos?
Sim, e é feito pelas próprias escolas. É na ótica que eu fala-
va. Muito se fala das responsabilidades sociais das empresas.
E a responsabilidade social das instituições educacionais?
Uma instituição de ensino e formação tem responsabilidade
social de acompanhar aqueles que ela qualificou. A instituição
não pode simplesmente lançar os egressos e dizer “agora vão
embora, desapareçam”. Não. Os egressos poderão encontrar
emprego na área em que se qualificaram, poderão saltar
de um emprego para outro ao final de um, dois, três anos
e poderão, se precisarem, ter na escola um apoio para uma
qualificação ou atualização profissional de uma ou duas se-
manas, um, dois ou três meses. A escola deve ser uma espécie
de clínica de atendimento permanente capaz de responder
aquilo que é a sua missão como instituição educativa, e não
empurrar as pessoas como se fosse um serviço de contabili-
dade: pagou? Pode ir embora. O próximo! A idéia não é essa.
A responsabilidade social de uma instituição educativa vai
muito mais longe.
EPCT | E os egressos procuram e voltam às escolas?
Eles voltam cada vez mais, à medida que percebem que
há uma instituição que os acolhe. E isso também depende da
maneira como saem. A educação é um desenvolvimento, a
pessoa aprende e cresce ali conosco, criamos laços, por isso,
ao sair, ao receber o diploma, é importante dizer à pessoa
que nós continuamos com ela, e quando precisar estaremos
com um gabinete de apoio para encontrar a melhor solução
para que ela continue pró-ativa, feliz e realizada profissional
e humanamente. Essa é a idéia, a educação tem aí um papel
crucial, nós não podemos negar isto. Portanto, acredito que
as escolas de formação inicial podem e devem cada vez mais
evoluir para essa responsabilidade social de acompanhar seus
diplomados ao longo da vida.
EPCT | Quando o senhor foi secretário de Estado lá em Portugal qual foi a sua maior ação em prol da educação profissional?
Foi a criação das escolas profissionais. Elas foram criadas em
todo o país há 20 anos por minha equipe. Criamos cinquenta no
primeiro ano, mais cinquenta no segundo ano e outras cinquen-
ta no terceiro. E esta rede ainda hoje está toda por aí. E agora
está a ampliar-se por todas as escolas secundárias, para todos os
diversos cursos. Como esses cursos cresceram muito bem e com
bastante sucesso, agora o Ministério da Educação decidiu criá-
los em todas as escolas.
EPCT | Existe rede privada de educação profissional em Portugal?
Sim. As escolas profissionais inicialmente começaram com a
rede pública e privada e hoje estão sendo alargadas a todas as
escolas públicas também. Já temos cerca de 40% dos jovens nos
cursos profissionais. E isso é muito forte.
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EPCT | Quando o senhor fala da expansão da educação profissio-nal para as escolas públicas, isso significa que a escola passa a ser uma instituição de educação profissional ou ela guarda as duas possibilidades?
Guarda sempre as duas possibilidades. há cerca de 600 esco-
las no país que oferecem o nível secundário, o ensino médio como
vocês chamam. Nas escolas secundárias públicas, havia cursos
artísticos e cursos gerais e havia uma razão de quase 75-25. E o
que é que se tem feito nesses últimos anos, uma vez que essas
experiências estavam a dar maus resultados? Não tinham sucesso
e tinham uma má representação social. O Ministério da Educação
estudou essas experiências, que já têm 20 anos e não é mais uma
pequena experiência, e introduziu esses cursos agora em todas
as escolas. Então, em Portugal, há cerca de 150 escolas que são só
profissionais e as outras 600 mesclaram os dois cursos. Daqui a um
ano, todas passarão a oferecer os dois tipos de cursos. Deixará de
haver aquela lógica que vem do passado, o Liceu, escola de ensino
geral, propedêutica do ensino superior e a escola profissional que
prepara para o mercado de trabalho, isso acabou agora.
EPCT | Então, vocês estão implementando um processo que nós chamamos aqui de ensino integrado?
Inclusive, não só integrado no modelo de ensino, mas inte-
grado na mesma escola.
EPCT | Nós tivemos uma experiência com uma lei de educação no nosso país em 1971 que tornou obrigatório o ensino profissionali-zante no país, isso foi péssimo para o ensino médio porque quando ele se tornou obrigatório, as instituições não tinham capacidade de oferecer essa educação profissional e eu tenho a impressão de que o que está havendo lá é algo similar a esse processo. É isso mesmo?
Não é bem obrigatório, não é obrigatório, é um processo
lento que já vai para o 4º ano ou 5º, não deixa de ter esse pro-
blema. Isto é, há muitas escolas que eram de ensino geral, e que
agora tem recursos profissionalizantes, é verdade. E estamos
agora avaliando isso: por que está tendo efeitos negativos
em algumas escolas? Porque elas não sabem o que é o ensino
profissional. Nesse contexto, em quê se transforma o ensino pro-
fissional? Num caixote com lixo para os meninos que reprovam?
E nisso temos problemas, evidente, quer dizer, que nem tudo
isso são rosas e precisamos acompanhar esse processo muito
lentamente agora. Mas, esse problema existe claramente e nós
estamos preocupados com ele, é um problema latente e que se
manifesta em algumas escolas com manifestações desse tipo. Os
alunos que reprovam no primeiro ano – que é o 10º, são 3 anos:
10º, 11° e 12º - e têm os piores índices são re-encaminhados
para ensino profissional e a representação social, que nós está-
vamos tentando ultrapassar há 20 anos, volta a 1970, as pessoas
voltam a dizer: “pois é, aqui, o ensino técnico é para os desgra-
çados, para os que reprovam.” E essa questão está provocando
um grande debate hoje. Isso é um problema. Mas, digamos que a
medida política em si é positiva, está correta? Agora o seu caráter
apressado - vamos fazer isto rápido e... - tem esses contras, né.
O sucesso das escolas profissionais depende de vencer vários
fatores, um deles é que as escolas são de pequena e são escolas
muito dirigidas a uma lógica, como é que eu vou dizer, há uma
cultura profissional: os professores, os alunos, as família, todos
estão ali numa escola profissional, a cultura dentro dela é profis-
sional , há muita obrigação ao mercado, às organizações sociais,
às empresas, porque a escola é profissional. Ora, um Liceu, uma
escola secundária nunca teve essa preocupação e, portanto, por
vezes, é uma espécie de violência obrigá-las a ter um curso, dois
cursos profissionais e, ainda por cima, entre mil alunos tem um
curso profissional, dois cursos profissionais. E pra que isso serve?
Para empurrar, quer dizer, não assumir dentro de uma cultura
profissional e esse é um dos problemas que temos hoje, mas
creio que se for bem acompanhado pode ser superado. É irrever-
sível isso. Porque não é criar uma rede nova, é inserirmos numa
rede que já existe que é uma rede estável que é a rede de escolas
secundárias públicas.
EPCT | Professor, existem vários cursos em cada uma dessas esco-las? São vários cursos profissionais?
Sim. Os cursos profissionais estão divididos em vinte áreas
profissionais, áreas, digamos, do saber ligadas às tecnologias
e dentro de cada área pode haver dois ou três cursos. As
escolas tanto podem oferecer um curso ou outro em função
das necessidades do público-alvo, da capacitação do corpo
docente, das instalações e dos equipamentos que o ensino
profissional requer.
EPCT | Teve algum revezamento de professores da rede para essas escolas oferecerem essa nova modalidade de ensino até o 12º ano ou houve contratação de novos professores?
houve contratação de novos professores. A escola, em coo-
peração com o Ministério da Educação e com outra rede já exis-
tente, contratou e escolheu a área para não criar sobreposições.
Um artigo que escrevi à revista argentina Proposta Educativa, de
número 30, explica como as escolas profissionais nasceram e se
desenvolveram. O artigo ajuda-nos a perceber esta transição e
fala também dos perigos dela e da necessidade de fazê-la com
muita precaução.
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EPCT | Depois de 100 anos de educação técnica e profissional no Brasil, ao contrário do que se esperava – a integração maior entre a rede que já existia e a rede não profissional, criou-se uma nova rede, uma nova expressão que, inclusive, concorre, por exemplo: eu tenho uma rede de educação profissional que está vinculada ao Estado diretamente que é a rede federal e eu tenho uma rede profissional que é do Estado local...
Eu sei, já me falaram disso. Agora nós estamos fazendo outra
coisa que ainda é mais interessante desse ponto de vista que
é receber a população adulta para fazer a formação nas novas
oportunidades. Nesse programa, recebemos a população adulta
para realmente reconhecer, validar e certificar o saber que essas
pessoas construíram ao longo da vida. Essa certificação se faz nas
escolas secundárias. As escolas estão abertas desde manhã cedo
até a meia noite porque tem curso da formação inicial. Depois
das cinco e meia da tarde, quando os alunos jovens vão embora,
entra a população adulta, é onde entram os pais dos que estão
de dia. Eles criam uma dinâmica social muito interessante de
valorização do conhecimento, do saber, com ganhos incríveis
porque são pais de aluno que ficaram com a quarta classe, quar-
ta série como vocês dizem e que nunca mais estudaram, é um
grupo de analfabetos que vêm à escola de novo, que ganham
gosto por saber e que depois vão pra casa fazer uma coisa que
nunca fizeram, que é incentivar os filhos - tem que estudar, tem
que estudar! E é isso que faz aumentar a escolarização no país.
Entrevista concedida em 27.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 7-10, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
RaMÓN MONCada > Por Juliana Caixeta & Rafael VoigtCoordenador do projeto Conhece tua Cidade,em Medellín, na Colômbia
Um debate sobre cultura e educação profissional
EPCT | Nós pesquisamos um pouco sobre sua história acadêmica e gostaríamos de saber de você o que significa o conceito de cida-de educadora.
Para falar de cidade educadora, é preciso antes falar da re-
lação entre educação e cidade, porque sempre a existência da
uma significa também a existência da outra. Pois onde há cul-
tura e sociedade há também educação. Por isso a necessidade
de diferenciarmos escolarização de educação, pois esta existe
há muito anos, ao passo que aquela é um sistema com pouco
tempo de desenvolvimento na história da sociedade. Então, o
mais importante não é o conceito de cidade educadora, mas
a relação entre educação e sociedade, educação e cultura e
educação e cidade. O conceito de cidade educadora foi pro-
movido pela Unesco, em 1970, e pela Associação Internacional
de Cidades Educadoras, em 1990, com o sentido de qualidade
educativa/educadora das cidades. Toda cidade tem uma fina-
lidade educativa, seja explícita ou implícita. Diz-se que uma
cidade é educadora quando esta tem uma intencionalidade
de educar a sociedade e não apenas de escolarizar. Na cidade
educadora, tem-se a escola e também outros espaços, am-
bientes, agentes e conteúdos educacionais. Em tese, a cidade
educadora é um sistema municipal de educação que se faz no
campo do sistema escolar e também em outros âmbitos edu-
cativos ou educacionais não-formais.
EPCT | Há alguma classificação para as cidades educadoras? Ou o que as diferem é o jeito de elas promoverem os caminhos educacionais?
Sim, há classificação, mas esta tem mais a ver com a in-
tencionalidade do que com o tamanho da cidade. Existem
cidades no mundo que se declaram cidades educadoras
e se associam à Associação Internacional de Cidades
Educadoras, com sede em Barcelona/Espanha1, mas não
fazem tudo o que se deve fazer para se converterem em
verdadeiras cidades educadoras. Para ser uma cidade edu-
cadora é necessário ter objetivos comuns, políticas sociais,
e não só políticas educacionais. Uma cidade educadora não
é somente uma cidade que educa, no sentido simples da
educação, é uma cidade inclusiva, diversificada, democráti-
ca, participativa, cidadã. Uma cidade excludente não pode
ser educadora. Nesse sentido, as cidades latino-americanas
são um pouco contraditórias com a ideia de cidade educa-
dora, pois são pobres e excludentes e também porque suas
ditaduras ou oligarquias não correspondem à imagem da
cidade educadora.
1 Associação Internacional de Cidades Educadoras é uma associação de caráter intergovernamental, com forte influência dos municípios, inclusive, são os municípios os responsáveis por elaborarem declarações referentes ao conceito cidade educadora.
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EPCT | Existe alguma cidade educadora modelo?
Em termos culturais, sociais e políticos, não gosto de falar em
modelo, mas em modelos, no plural. Pois existem modelos de
cidades educadoras dentro de vários continentes, cujas culturas,
sociedades e formas de organização são diversas. As cidades asi-
áticas, por exemplo, não têm o mesmo jeito das cidades latino-
americanas. Então não há como ter um modelo único a ser se-
guido. Sendo assim, nós temos de reconhecer as experiências, as
trajetórias, os percursos de outros continentes, países e cidades
e temos também a necessidade e a obrigatoriedade de construir
os nossos próprios modelos e percursos de cidades nos países
latino-americanos.
EPCT | Como a educação profissional se relaciona com esse concei-to de cidade educadora?
A educação profissional e tecnológica tem justamente essa
relação, porque é uma educação permanente, não só dentro do
sistema escolar formal, mas para a vida toda. Outra característica
que a relaciona à cidade educadora diz respeito às inteligências
múltiplas, de Gardner. Na tradição do sistema educativo esco-
lar sempre dominaram estas duas inteligências: a inteligência
lógico-matemática e a inteligência da linguagem. Na formação
profissional-tecnológica, além dessas, são reconhecidas e pro-
movidas diversas outras inteligências como na maneira de fazer,
de pensar e de se relacionar no mundo. Isto é justamente a ideia
da cidade educadora, em que a promoção da educação não é só
a educação geral acadêmica, mas também a formação técnica-
tecnológica e profissional mais específica e humanizada. Acho
interessante diferenciar a educação acadêmica da educação
técnica-tecnológica, pois são duas maneiras, duas formas com-
plementares de compreender a educação e a cidade educadora.
EPCT | Portugal tem um sistema educacional e profissional que é aglutinado, junto. O Brasil não. Aqui, há redes separadas de educação: a educação profissional, realizada, por exemplo, pelos Institutos Federal de Tecnologia (que são os antigos CEFETs) e a educação regular. Sabendo que há similaridades entre o proces-so educacional profissional da Colômbia e o daqui, como é esse aspecto na Colômbia?
Na Colômbia, é o mesmo problema. Nós temos o sistema
educativo formal geral, de responsabilidade do Ministério da
Educação, e temos também o sistema técnico de formação pro-
fissional e tecnológica, que é de responsabilidade, sobretudo
no Ensino Médio, do Sena – Serviço Nacional de Aprendizagem.
Nós não temos uma unidade no sistema educativo. Dessa forma,
temos buscado fazer um sistema único nacional de educação, mas
precisamos de uma maior coordenação, sobretudo para termos
uma maior coerência, uma maior participação dos subsistemas do
grande sistema educacional nacional. Um outro aspecto impor-
tante a considerarmos é que, com o neoliberalismo, o capitalismo
e a economia de mercado, temos a tendência de promover as en-
genharias, as tecnologias avançadas e, com isso, corremos o risco
de não formamos artistas, sociólogos, filósofos, antropólogos,
psicólogos, etc., também importantes para a sociedade. Portanto,
é preciso haver um equilíbrio na oferta dessas áreas.
EPCT | Como a teoria freireana pode ser aplicada à educação profissional?
Penso que Freire expressou muito bem a ideia e o senti-
do político e cultural da educação, uma vez que a educação
é a compreensão do mundo e sua transformação. Isto é o
que Freire chamou de “leitura do mundo”, que não é a leitura
codificada dos textos, artigos, livros, mas a compreensão do
contexto. A leitura do mundo ajuda a compreender e trans-
formar o mundo. E o mundo, para ser transformado, precisa
de tecnologia. Não é só a tecnologia dos computadores. É a
tecnologia que está na vida toda: para você ter água, energia,
abrir e fechar uma porta. Para viver, você precisa de tecnolo-
gia. A educação, a cultura, a sociedade precisam da formação
tecnológica. Para compreendermos e transformarmos o
mundo, precisamos das tecnologias e, portanto, precisamos
também da formação tecnológica profissional.
EPCT | Em sua conferência, o senhor falou da cultura como essên-cia do humano. O senhor acha que essa temática tem sido bem explorada na educação profissional?
Eu falo sobretudo pela minha experiência na Colômbia. Eu
acho que não. A temática da cultura não está muito relacionada
e explorada na educação profissional e tecnológica. Acredito ser
este um grande risco, pois não se pode formar só pelo saber-
fazer, pelas habilidades e competências, há de se ter também
uma responsabilidade político-social com a cultura, com os
projetos políticos e culturais. Por isso, é necessário saber-fazer
num contexto social, num contexto cultural de responsabilidade
política. Ainda porque os países latino-americanos injetam muita
tecnologia estrangeira, tecnologias de diferentes matérias, e
com isso, temos a obrigatoriedade de refletir, de pensar a relação
entre essas tecnologias que vêm de fora com a nossa cultura,
com os nossos projetos sociais e culturais. Portanto, esta relação
com a cultura é, para mim, um grande desafio da educação e da
formação profissional e tecnológica.
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EPCT | No Fórum do Alto Tietê, o senhor disse que a política educa-cional deve ter um horizonte cul-tural e estratégico a longo prazo. O que isso significa de fato?
Significa que as políticas edu-
cacionais não devem se pautar
apenas nos programas e projetos
no prazo de um governo. Para
mim, isto é muito importante. O
Lula só fica dois governos, mas
isto é muito pouco na história
do povo, da sociedade brasileira.
Os governos têm a responsa-
bilidade de fazer coisas no seu
período, mas têm a obrigatoriedade de pensar a longo prazo,
porque a educação tem a ver com os câmbios culturais, das
mentalidades. É a transformação cultural, a transformação das
mentalidades, não se faz a curto prazo, se faz a longo prazo. É
por isso que precisamos dessa dimensão de políticas educacio-
nais para o longo prazo. Quatro, oitos anos para os programas
e projetos implementados, às vezes, é um tempo curto para
que esses programas sejam de fato efetivados. São poucas as
verdadeiras políticas educativas, porque as políticas educativas
têm a ver com esse longo prazo.
EPCT | Como o senhor percebe as diretrizes pedagógicas do ensino profissional brasileiro no âmbito geral? O senhor acha que o Brasil tem conseguido cumprir essas diretrizes?
Eu estou surpreso com o que vocês chamam de rede fede-
ral de formação profissional e tecnológica. Eu acho que neste
governo a formação profissional e tecnológica ganhou uma
importância que precisa ser reconhecida. Eu espero que a troca
de governo continue nesse mesmo sentido. Oxalá que não fique
como um programa do Governo Lula e da Secretaria do Eliezer.
Esperamos que seja uma política educacional que fique no Brasil,
que fique para o médio e longo prazo, para fortalecer essa rede
federal, para fortalecer as escolas técnicas, para fortalecer os
institutos federais, para ter rede entre eles. Não só rede, porque
são muitos institutos federais, mas porque tem interação, tem
comunicação, tem coordenação de ações entre eles. E, para isso,
precisa mais orçamento, mas também precisa de um projeto
pedagógico e político para fortalecer esse projeto da formação
profissional e tecnológica. Eu estou muito surpreso, porque acho
que o Brasil vai por um bom caminho. E não só um bom caminho
para o Brasil, mas um bom caminho que significa muito para os
outros países da América Latina e do mundo.
EPCT | Quais são as possibilida-des que se abrem para a cultura quando falamos de educação profissional?
Para mim, as culturas se forta-
lecem com a educação profissio-
nal e tecnológica. Fazendo uma
comparação entre a formação téc-
nica e o mundo do trabalho e em-
prego, vejo, no caso da Colômbia,
que a formação tecnológica é vista
apenas com a finalidade de inserir
os jovens no mercado de trabalho.
Entretanto, penso que os jovens
devem ter a possibilidade de se
educar não apenas para entrar de no mercado de trabalho, uma
vez que a razão de ser da educação deve ir além da preparação e
formação para o emprego, deve formar para a vida, nas dimensões
social, política e cultural. Os jovens não precisam entrar no mundo
do trabalho tão rápido, como eles entram agora nos nossos países.
Esta é uma coisa do ponto cultural, porque culturalmente nós
aceitamos. Esta é uma idéia louca, eu acho. O que precisa, para a
nossa cultura e para a nossa sociedade, é um emprego, um traba-
lho digno, para os pais e para as mães, para que os jovens possam
ser jovens, se educar mais tarde, mas não só para o trabalho, não
só para o emprego, porque a razão de ser da educação deve ir
além da preparação e formação para o emprego, é uma formação
para a cultura. É uma formação para a vida. Tendências estatísticas
internacionais apontam que no futuro não haverá emprego e tra-
balho para todas as pessoas. Sendo assim, como as pessoas sem
colocação no mercado de trabalho terão acesso aos direitos so-
ciais, políticos e culturais? Por isso, é que temos de procurar desde
já a reconhecer e garantir esses direitos, inclusive na educação
técnico profissional.
EPCT | Como formar professores que consigam ter essa leitura do mundo para compartilhá-la com seus alunos da educação profissional?
Tivemos essa discussão na Colômbia. Em tese, os professores
das escolas técnicas e do sistema nacional de formação profis-
sional e tecnológica têm uma formação especificamente técnica.
Eles possuem habilidades, competências, domínio e experiência
técnica específicos, mas são professores de uma escola! Não
sei como é no sistema brasileiro, mas no sistema colombiano
você tem umas tecnologias, umas técnicas, que você não tem
a necessidade de ter feito estudos em educação e pedagogia.
Você só precisa ter a experiência, a habilidade, a competência
Não se pode formar só pelo saber-fazer, pelas habilidades e competências, há
de se ter também uma respon-sabilidade político-social com a cultura, com os projetos po-líticos e culturais.
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técnica, mas isso é só uma coisa. É por isso que precisamos que
a formação dos professores tenha não só essa dimensão técnica
e tecnológica, eles têm que ser formados também nessas dimen-
sões políticas, culturais, nessas dimensões estéticas. O professor
é também um gerador e divulgador, o gerador dessa ideia de
leitura do mundo.projeto social e cultural comum.
Então, importa-nos agora promover uma formação que
tenha não só essa dimensão técnica e tecnológica, precisa e de
boa qualidade, mas que contemple também uma dimensão
mais política, social e cultural, promotora da leitura de mundo.
EPCT | O senhor conhece alguma experiência de sucesso que trate essa formação docente da maneira em que pensa?
Aqui no Brasil não conheço nenhuma, mas conheço algumas
experiências na Colômbia. Uma delas é uma experiência interna-
cional dos salesianos, chamada Dom Bosco. É uma escola técnica
com jovens trabalhadores informais, jovens de rua, que recebem
não só uma formação técnica, mas também uma formação muito
importante do ponto de vista cultural, estético e social. E os
professores de lá têm uma formação muito específica. Também
colaboro com o Programa dos Direitos das Crianças e dos
Adolescentes, programa regional no Brasil que se faz na cidade
de Fortaleza, na Cidade de Cochabamba e La Paz, na Bolívia, na
cidade de Cuzco, no Peru, e na cidade de Medelín, na Colômbia.
Conheço duas experiências, uma na cidade de La Paz, que se
chama Fundação La Paz, e outra na cidade de Cochabamba, que
se chama Centro Educacional “Ikipayauassi”, que é quéchua. São
centros escolas técnicas que têm um projeto muito importante
de acompanhamento psicológico e também de prevenção das
doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS. Os professores
de lá são muito mais do que professores de técnica ou de tecno-
logia, são professores do humano, não só do saber-fazer, mas do
saber-ser. Então, essas são as experiências que eu lembro no mo-
mento, que são muito boas e vocês podem constatar, pois são
professores dessa dimensão humana que precisam esses jovens.
EPCT | O que fica do I Fórum de Educação Profissional e Tecnológica?
Para mim, fica uma grande aprendizagem. O fórum não só
foi uma oportunidade de refletir sobre as temáticas específicas
da formação profissional e tecnológica, mas também da conexão
dessa formação com outras temáticas, com uma outra dimensão
da educação, da cultura, da diversidade e da construção de um
projeto social-cultural comum. De outro lado, fica também o
reconhecimento do povo brasileiro, da organização e da rigoro-
sidade no pensamento para construir o Brasil, o projeto brasilei-
ro, e também compartilhar com os projetos de outros países e
continentes. Isso fica no meu coração.
Entrevista concedida em 27.11.2009
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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 11-12, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional
MIChael MayNaRd > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael VoigtMichael Maynard is President of the New Brunswick Community College (Canada)
Canadian colleges and the policies for access and inclusion
EPCT | Which was the context that allowed the creation of the Colleges in Canada?
The colleges in Canada, the college system, started about
45 years ago when the government recognized that not
enough students were learning applied skills in the univer-
sity, and so each province has a community college system,
which has evolved over the years to include short-term ap-
plied training, joint partnerships with the universities offering
joint degrees, and now, in certain provinces, some colleges
offer their own applied degrees.
EPCT | And how do they work?
We have access policies there. In some programs students
have to complete high school. Grade 12 is the matriculation.
In some special programs, students have to submit portfo-
lios of work. The college where I am the principal is an Art
College, Visual Arts, and so students are… have to complete
high school with good grades and in certain programs they
have to submit a portfolio of work. We also have special con-
sideration, we call it PLAR - Prior Learning Assessment and
Recognition, where we can accommodate those students
who have not completed a formal education.
EPCT | What is the relation between the concept of access and the College?
Well, as I explained, our philosophy is to make sure that
even if the student has not completed high school, they still
have access to college education. It’s not meant to keep peo-
ple out, it’s is meant to bring them in.
EPCT | Is it because it’s just for people who are excluded or not? Or can anybody study at the college?
Anybody can study at the college. We make sure that even
students with disabilities, aboriginal students and internatio-
nal students: all have an opportunity.
EPCT | And what about the technological training in the schools? Is it like technical vocational?
This has been the original mandate of the college system
in Canada: to provide Vocational Applied Training. As I mentio-
ned, it has a vault, so now there’s more theory in some progra-
ms, more critical thinking. But the approach is still vocational;
so very much hands on learning.
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EPCT | What is this program “Women 1,000”, and how does it work?
“Mulheres Mil” (A Thousand
Women) is a very important edu-
cational program. The Brazilian
government wanted to try to im-
prove the lives of disadvantaged
women, by bringing them into
the Brazilian college system. They
visited colleges in America and
Europe looking for institutional
models, and they eventually came
to Canada, where they recognized
that the Canadian system was very
close to what could work in Brazil. And so, they visited colleges all
across the country, and the New Brunswick College of Craft and
Design was selected as one of eight Canadian colleges to work
with CEFETS in Brazil’s north and northeast, helping advise on
access policies, curriculum development and the cooperative in-
cubator concept. We’re going to help women learn about fashion
and crafts, within the Brazilian college system, over the four years
of the Mulheres Mil project. It would be a model program, provi-
ding new opportunities for women in Brazil’s college system.
I’ve visited Brazil four times now and I love Brasil (Eu amo
Brasil!). I’m working with Sergipe (Aracaju), Tocantins (Palmas)
and Piauí (Teresina). I was working with Belém (Pará) but I think
that sub-project has been suspended. It has all been a wonderful
experience. I don’t know if you’ll have the opportunity at this
Congress to see some of the women from the project. It’s just,
you know, it’s just amazing. These are women who have little
education, who don’t have a lot of training. I’ve visited them in
their “favelas” (shantytowns) and here they are now, so proud, so
empowered, so confident with their new lives. It’s very special!
EPCT | Which are the other projects in Brazil that are financed by the Canadian Agency BSP/DSP International? Do you know?
I’m sorry. I don’t know. Our project is funded by the Brazilian go-
vernment. They have been spending 4 million reais and the Canadian
government, 2 million dollars to support this exchange and this project.
EPCT | Which are the functions of the IFET’s (Federal Insitute of Education, Science and Technology - IFET’s are like canadenses col-leges)? Which are the aims/the objects?
We are working with the IF/SE, IF/PA, IF/PI, several… and all
of them are doing wonderful work with these disadvantaged
women and the hope is that they are learning from this pilot
project so that we can help sus-
tain the project, so that the access
policies and curriculum can be
broken into the regular program.
EPCT | How does PLAR – Previous Learning Assessment and Recognition and Map of life work?
PLAR works in Brazil di-
fferently from our model in
Canada. There has not been
a lot of similarities. The PLAR
policy in Brazil has been in a
past to exclude applicants, we
have lots of testing. In Canada,
it’s meant to bring students in, so we are trying to help, to
find a better model. The challenge is the numbers. I have just
been speaking with my partners in Teresina: 25,000 women
want to come in to the next project and only 1,700 have been
accepted. how do you test that number of people? It’s just
overwhelming.
EPCT | How do you “process” this testing for selecting one thousand of all the 25,000?
It’s a challenge. It’s a real challenge. I don’t think that the
model that is used in Canada will work, because of the numbers.
So there are people making it happen in Brasília with MEC to try
to think about a system that will work for all colleges.
EPCT | “Map of life”: how does it work?
This is something that has been very successful. Women in
the project have been asked to draw their life: their husbands,
their children, their home, their town, their river… and out of
these drawings they begin to see that they have life experience.
It may not be on a piece of paper, it may not be from school, but
the informal learning, the experiential learning, is as just as im-
portant, as just as powerful. And it’s a very graphical way to them
to understand that they have something to offer.
EPCT | And what other tools do you have in PLAR?
In Canada, we usually have an English language test. We
often have an interview and we also try to have the opportuni-
ties laid down their experience. In certain cases, they might have
to draw a life map, but what we try to do is to look at the whole
person and to try to find a way to match their needs with what
the college can offer to try to find a middle ground. We would
use any means we can to try to help people.
Well, as I explained, our philosophy is to make sure that even if the stu-
dent has not completed high school, they still have access to college education. It’s not meant to keep people out, it’s is meant to bring them in.
Entrevista concedida em 27.11.2009
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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 13-15, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional
EPCT | Em que contexto foi permitida a criação dos centros supe-riores de ensino chamados colleges no Canadá?
Os centros de ensino de nível superior no Canadá, o sistema
de ensino college, começaram há cerca de 45 anos, quando o
governo reconheceu que um número insuficiente de estudantes
não estava aprendendo as habilidades aplicadas quando ao cur-
sar a universidade. Então, cada estado possui o seu sistema de fa-
culdade, que evoluiu ao longo dos anos para incluir treinamento
aplicado a curto prazo (intensivo) em parceria com as universida-
des, oferecendo graduação conjunta. Agora, em alguns estados,
alguns centros oferecem sua própria graduação tecnológica.
EPCT | E de que forma eles funcionam?
Nós temos políticas de acesso por lá. Em alguns programas,
os estudantes precisam ter concluído o ensino médio. A matrí-
cula se dá no 3º ano do Ensino Médio. Em alguns programas
especiais, os estudantes precisam apresentar um portfólio de
trabalho. Então, para ter acesso à Escola de Artes Visuais, o cen-
tro de ensino técnico do qual eu sou diretor, os alunos precisam
ter completado o ensino médio com boas notas e, em alguns
programas, apresentar o portfólio. Nós também consideramos
especialmente que com o PLAR - Prior Learning Assessment (and
Recognition), tal como o ARAP - Avaliação e Reconhecimento da
Aprendizagem Prévia - daqui, nós podemos acomodar aqueles
estudantes que não completaram a educação formal.
EPCT | Qual é a relação entre o conceito de aos centros de ensino e a instituição em si?
Bem, como eu expliquei, nossa filosofia é assegurar que
o aluno, mesmo que não tenha completado o ensino médio,
ainda terá acesso à educação superior. O programa não foi
feito para manter as pessoas do lado de fora, mas sim para
trazê-las para dentro da instituição.
EPCT | É por que o programa foi feito para as pessoas que são excluídas ou isto não se aplica? Qualquer um pode ingressar nos centros de ensino?
Qualquer pessoa pode estudar nestes centros. Nós ga-
rantimos que mesmo alunos com deficiências, de origem
Aborígene ou estudantes internacionais tenham acesso. Todos
têm uma oportunidade.
MIChael MayNaRd > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael VoigtMichael Maynard é Reitor do New Brunswick Community College (Canadá)
Centros de Ensino Superior canadenses e as políticas de acesso e inclusão
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EPCT | E sobre o treinamen-to técnico nas escolas? Eles são como os treinamentos técnico-profissionais?
Este tem sido o lema ori-
ginal do sistema college de
ensino superior no Canadá:
oferecer Treinamento Profissional
Aplicado. Como eu mencionei
antes, nós temos um objetivo a
ser alcançado, então, agora temos
mais conhecimento teórico em al-
guns programas, mais pensamen-
to crítico, mas a abordagem ainda
é o ensino profissional, então
muito foco na aprendizagem.
EPCT | No que consiste esse programa “Mulheres Mil” e como ele funciona?
“Mulheres Mil” é um programa importante que o Governo
do Brasil está implementando para tentar melhorar as notas
das alunas do ENEM ao inserí-las no sistema de ensino do
Brasil. Eles visitaram centros tecnológicos na América, na
Europa e, finalmente vieram ao Canadá; e reconheceram que
o sistema canadense de ensino seria o mais próximo do que
poderia funcionar no Brasil. Eles visitaram várias faculdades
pelo país e o meu centro de ensino - a Faculdade de Arte e
Design de New Brunswuick foi selecionada como uma das
oito faculdades no Canadá para trabalhar com treze agricul-
toras/plantadoras, à época no Norte e Nordeste, para ajudar
com as políticas de acesso, currículos e uma incubadora de
cooperativas para ajudar “mil mulheres” dentro do sistema de
ensino superior no Brasil durante 4 anos. Isso serviria como
um modelo para tentar criar novas oportunidades para as
mulheres nos centros de ensino. Eu já visitei o Brasil quatro
vezes e eu “Amo Brasil” [risos] – eu estou trabalhando em
Sergipe (Aracaju), Tocantins (Palmas) e em Piauí (Teresina).
Eu estava trabalhando em Belém (Pará), porém eu acho que o
sub-projeto de lá foi interrompido. Mas isso tem sido uma ex-
periência fantástica e eu não sei se vocês já tiveram a chance
de ver algumas dessas mulheres do projeto nesse Congresso.
É simplesmente maravilhoso. São mulheres que não tiveram
uma educação formal, que não têm muito treinamento. Eu as
visitei nas favelas e aqui estão elas: são tão orgulhosas, tão
cheias de força, estão tão confiantes com suas novas vidas! É
muito especial.
EPCT | Quais são os outros proje-tos no Brasil que são financiados pela Agência Canadense BSP/DSP International? Você sabe?
Desculpe-me, eu não sei.
Nosso projeto é financiado pelo
Governo Brasileiro e Canadense.
Eles nos dão uma verba de qua-
tro milhões de reais e o governo
Canadense nos ajuda com dois
milhões de dólares, dinheiro esse
que mantém esse intercâmbio e
esse projeto.
EPCT | Quais são as funções dos IFET’s - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia?
Quais são os objetivos, as metas?
Nós estamos trabalhando com vários IFET’s, como os de
Sergipe, do Pará, Piauí, todos eles têm desenvolvido um ex-
celente trabalho com essas mulheres desfavorecidas. A nossa
esperança é que elas estejam realmente aprendendo com esse
projeto piloto. Isso nos ajudará a manter o projeto e também
poderá fazer com que as políticas de acesso e currículo sejam
interrompidas e transformadas em um programa regular.
EPCT | Como funciona a ARAP - Avaliação e Reconhecimento da Aprendizagem Prévia e o “Mapa da Vida”?
A ARAP funciona de forma diferente do nosso modelo no
Canadá. Não há muitas semelhanças. A política de ARAP no Brasil
tem um histórico de exclusão, com a realização de vários testes.
No Canadá, ela foi feita para trazer os estudantes para dentro
das instituições de ensino; então, nós estamos tentando ajudar,
tentando achar um modelo melhor. O desafio são os números.
Eu estava conversando com os meus parceiros desse projeto em
Teresina: 25.000 mulheres querem entrar no próximo projeto e
apenas 1.700 foram aceitas. Como você testa essa quantidade de
pessoas? Isso sobrecarrega a equipe do projeto.
EPCT | Como você maneja esse processo para selecionar apenas mil entre todas as 25.000 mulheres?
É um desafio. Este é um desafio de verdade. Devido aos
números, eu realmente não acredito que o modelo usado no
Canadá vá funcionar aqui. Juntamente com o MEC, há um grupo
Bem, como eu expli-quei, nossa filosofia é assegurar que o aluno, mesmo que
não tenha completado o ensi-no médio, ainda terá acesso à educação superior. O progra-ma não foi feito para manter as pessoas do lado de fora, mas sim para trazê-las para dentro da instituição.
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procurando fazer esta realidade acontecer em Brasília ao tenta-
rem pensar em um sistema que funcione para todos os centros
de ensino.
EPCT | “Mapa da Vida”, como ele funciona?
Isso é algo que tem atingido bons resultados. É solicitado
que as mulheres no projeto desenhem em uma folha de papel
suas vidas: seus maridos, seus filhos, a cidade em que moram,
suas casas, o rio delas... E a partir desses desenhos, elas começam
a perceber que elas possuem experiência de vida. Isso pode não
ser um certificado obtido em uma escola tradicional, pode não
ser formal, mas o conhecimento e a aprendizagem pela experi-
ência é tão forte e importante quanto a regular. O mapa da vida
é uma forma bem visual, bem gráfica, de fazê-las entenderem
que têm algo a oferecer.
EPCT | E de que outras ferramentas vocês dispõem na ARAP?
No Canadá, geralmente, nós temos um teste de Língua
Inglesa. Nós também entrevistamos as pessoas e tentamos
descobrir as oportunidades que podem ser oferecidas a elas
pela experiência prévia. Em alguns casos, elas podem ter que
desenhar um “mapa da vida”, mas o que nós tentamos fazer é
olhar a pessoa como um todo e tentar combinar as necessidades
dela com o que a escola/centro de ensino pode oferecer a essa
pessoa; procura-se tentar atingir um meio-termo. Nós usamos o
que podemos para tentar ajudar as pessoas.
Entrevista concedida em 29.11.2009
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EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional
JOS NOlle > Por Juliana Eugênia Caixeta
Policies for access and inclusion in CanadaBorn in Holland, Jos Nolle earned his Master̀ s degree in Industrial Design Engineering at the University of Technology in Delft, Holland (1982). Following university he completed internships in Greece, South Africa and the Netherlands. From 1982-1983 he backpacked around the world. Employers included Fokker Aircraft Ltd, Amsterdam, Holland and Medecins sans Frontieres/Doctors Without Borders (medical relief group - two years based in Maputo, Mozambique coordinating medical relief projects, two years based in Toronto, Canada to set up the Canadian branch of this international organization, and two years based in Amsterdam, Holland, as a member of the management team as Director of Human Resources and Training). During these years he lived, worked and traveled in more than 40 countries. He joined Niagara College in 1995, coordinating international education development projects and stimulating the “internationalization process” of Niagara College. A creative and visionary leader, Jos specializes in starting new projects and programs, networking in order to bring the best people together to effect change, and working with budgets, auditors and funding agencies to provide sound financial management. He is an out-of-the-box thinker who is particularly passionate about providing access programs for non-traditional learners and short term practical vocational training programs for people with limited access to formal education.
EPCT | Are you a member of the Association of Canadian Community College (ACCC), sir?
I work at Niagara College. It is one of the 150 institutions
which are members of ACCC.
EPCT | What is this institution? Which are its goals?
ACCC is a member organization which has as objective
to lobby the colleges towards federal and provincial gover-
nments for adequate funding. They are all public institu-
tions, but we only receive about 60 % of our annual bud-
get relocated from the government to us; the rest comes
from tuition fees of our students (including those from
other countries who pay full fees) and contract training
for companies and agencies. It also facilitates information
and experience sharing between teachers and adminis-
trators of all the member colleges. Finally, ACCC pools
resources together from member institutions to bid for in-
ternational projects funded by the Canadian International
Development Agency – CIDA and International Financial
Institutions such as the World Bank and the Inter American
Development Bank.
EPCT | The Association of Canadian Community College – ACCC is the sponsor of this Forum. What were the expectations of the institution when it decided to support the event?
We participated in the Brazil Forum to promote our activities
here and to discuss our ongoing interest to work with Brazilian
institutions, both current partner schools and new ones.
EPCT | Had they been reached?
yes.
EPCT | Since when does Canada have access policies, professor? Which is the concept of “access” that feeds the actions of the go-vernment and the Canadian universities?
It was introduced in Canada about 25 years ago. We nee-
ded to do this because we always have many “non-traditional”
learners who somehow need to be included in the professional
training in order to get work. Right now we have between 30
and 40 % of students at Niagara College who have not com-
pleted secondary education (for a wide range of social reasons)
or who did not enter post-secondary education immediately
after completing secondary education. We can’t leave these
people outside of our training system.
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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. 17-19, jul./dez. 2010
EPCT | What does PLAR (Previous Learning Assessment and Recognition) stand for the achieve-ment of access?
The PLAR analyzes compe-
tencies that people have gained
through work experiences and
informal learning. If those com-
petencies can be articulated and
be proven, then these students
receive academic credits, which
make it for them more attractive
to enter training programs. For
people with little formal edu-
cation, it gives them a sense of self-esteem which they need to
succeed in formal training programs.
EPCT | How does PLAR work?
PLAR specialists need to take time to interview the student
and compare their competencies and experiences with what will
be taught in a training program. They need to talk to teachers
in the training programs and then suggest decisions. This has all
been formalized in the Canadian system.
EPCT | The Canadian government is a Brazilian partner in the Women 1000 project? What does it mean to Canada? What have this partnership brought to Canada?
It is important for Canadian students and teachers to realize
that there are many systems of education around the world in
order to stay positively critical about our own system. Projects
like Women 1000 also bring Canadians to realize that solidarity is
required around the world.
EPCT | Do you deal with a teaching based on competences? Many theorists criticize this teaching model because they particularize the learning activities in a way that the success/failure is attributed to the person instead of the context. What do you think about it?
Non-traditional learners simply need that individualized at-
tention. They have lots of learning barriers otherwise they would
be in the regular system and would not have to be called non-
traditional learners. The barriers can be physical, psychological or
social. Many non-traditional learners had traumatic experiences
in their earlier years. They have in general low self-esteem. They
generally do not do well in a traditional structured learning
model. And we cannot simply exclude them from our formal
working world because of these reasons. So giving them a test in
order to see if they can cope with the traditional system does not
work. Non-traditional learners need “just in time” learning, and
that is for every non-traditional
learner a different path. If we
are not willing to invest in that,
we will continue to exclude po-
tentially good people from our
society.
EPCT | Does Canada have other cooperation projects in Brazil based on this philosophy of access?
yes. There are other projects
of social inclusion in Brazil funded
by CIDA (Canadian International
Development Agency).you can go to the Canadian Embassy in
Brasília and ask to talk to the CIDA representative there to learn
more about these projects.
EPCT | You have talked in your conferences about an access depart-ment in every institution of education. How do these departments in Canada work and how should they work in Brazil? Which institu-tions ought to have these sectors? Which professionals are suppo-sed to constitute them? Which would their functions be?
In our Canadian colleges these access offices actively stimu-
late non-traditional learners to come to the college. Then they
offer a safe and friendly environment to council the students on
an individual basis. Subsequently they keep counseling them
throughout their learning at the college. Once they graduate
they also offer ongoing “mentoring” to assist them to overcome
possible barriers during the process of seeking formal employ-
ment. This requires a good amount of human resources at the
colleges. Our schools are better equipped than Universities who
normally prefer to take only the best of the best students. That
type of higher education is also needed. Colleges complement
the work of Universities.
In Brazil the higher education model has grown differently.
One of our observations is that it has been too centralized, and
that it will need to change overtime. Access program will be
needed more and more because for a relatively rich country as
Brazil, you cannot accept that half the population is excluded
from vocational and higher education and training.
EPCT | How do you evaluate the transference of the pedagogical tech-nology linked to PLAR and other tools like that from Canada to Brazil?
We show the Brazilians our models and experiences (lessons
learned). Our Brazilian colleagues then try to implement these
models in their own realities and design the “made in Brazil”
solutions. how the model looks like is not so important. What is
It is important for Canadian students and teachers to re-alize that there are
many systems of education around the world in order to stay positively critical about our own system.
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important is that we can give access and hope to people who
have been excluded from the system, not because of their own
choice but because of their social, economic and family context.
EPCT | What was the main turnover for you after you took part in this forum?
It is always good to meet colleagues from other countries
and discuss these important social issues. however, the most
important aspect is that we do not just talk about change, but
actually do something even if it is not perfect. It was again very
gratifying for me to see some of the beneficiaries of our Mulheres
Mil project at the Forum: women who would never have thought
two years ago they would ever be at a stage like that. Life has
changed for them: they will inspire others; and - as the aboriginal
people in Canada say - maybe changes over the next seven ge-
nerations will be all worth our efforts.
Entrevista concedida em 29.11.2009
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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 21-23, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional
EPCT | O senhor é da Associação Canadense de Faculdades Comunitárias (Association of Canadian Community College – ACCC)?
Eu trabalho na Faculdade Niágara. Ela é uma das 150
instituições que são membros da Associação Canadense de
Faculdades Comunitárias.
EPCT | O que é esta instituição? Quais são os objetivos dela?
A Associação Canadense de Faculdades Comunitárias –
ACCC (Association of Canadian Community College) é uma
organização composta por membros que têm como objetivo
defender os interesses das faculdades junto às províncias e ao
governo federal. Somos instituições públicas, mas o governo
só nós repassa anualmente apenas o equivalente a 60 % do
nosso orçamento; o restante vem das taxas de matrículas dos
nossos alunos (incluindo estudantes vindos de outro país
que pagam taxas integrais) e contratos de treinamento para
companhias e agências. A ACCC também facilita o comparti-
lhamento de informações e experiências entre os professores
e os administradores de todos os membros da associação.
Finalmente, a instituição arrecada recursos junto aos mem-
bros de instituições para submeter projetos internacionais
custeados pela Agência Canadense de Desenvolvimento
Internacional (Canadian International Development Agency
– CIDA) e Instituições Financeiras Internacionais tais como o
Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID.
EPCT | A ACCC é patrocinadora deste Fórum. Quais eram as ex-pectativas da instituição ao patrocinar o evento?
Nós participamos do Fórum no Brasil para promover as
nossas atividades aqui e debater sobre o nosso interesse cres-
cente de trabalhar com instituições brasileiras, tanto as atuais
faculdades parceiras, quanto aquelas que se tornarão parceiras
futuramente.
EPCT | Elas foram alcançadas?
Sim.
EPCT | Professor, desde quando o Canadá tem políticas de aces-so? Qual é o conceito de acesso que fundamenta as ações do governo e das universidades canadenses?
Estas políticas foram introduzidas no Canadá há aproxi-
madamente 25 anos. Nós precisavámos fazer isto porque nós
sempre temos bastantes estudantes “não-tradicionais” que
precisam ser incluídos no treinamento profissional de algum
JOS NOlle > Por Juliana Eugênia Caixeta
Políticas de acesso e inclusão no CanadáNascido na Holanda, Jos obteve seu diploma de mestre em Engenharia de Projeto Industrial na Universidade Tecnológica em Delft, Holanda (1982). Após a Universidade, ele terminou seus estágios na Grécia, na África do Sul e nos Países Baixos. De 1982 a 1983 ele esteve viajando ao redor do mundo.Pode-se destacar em seu currículo a experiência na Fokker, uma empresa de aviões em Amsterdã, na Holanda e Médicos sem Fronteiras (grupo de socorro médico). No Médicos sem Fronteiras, Jos residiu dois anos em Maputo, no Moçambique, coordenando projetos de ajuda médico-humanitária; dois anos em Toronto, no Canadá para implantar a filial canadense desta organização internacional e de dois anos em Amsterdã, na Holanda, como um membro da equipe diretora, ocupando o cargo de Diretor de Recursos Humanos e Treinamento. Durante estes anos, ele viveu, trabalhou e viajou para mais de 40 países. Juntou-se à faculdade de Niágara em 1995, para coordenar projetos de desenvolvimento internacional de Educação e estimular o processo da internacionalização da faculdade de Niágara. Um líder creativo e visionário, Jos especializou-se em começar projetos e programas novos, trabalhar em rede a fim de reunir as melhores pessoas para efetuar a mudança, a executar orçamentos, revisar contas e financiar agências para fornecer a gestão financeira sadia. É um pensador fora do comum que é particularmente apaixonado em oferecer programas de acesso para aprendizes não-tradicionais e programas práticos de formação vocacional em curto prazo para indíviduos com acesso limitado ao ensino convencional.
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modo a fim de arrumar trabalho.
No momento, nós temos entre 30
e 40% dos estudantes na faculda-
de Niágara que não terminaram o
ensino secundário (devido a uma
vasta lista de razões sociais) ou
que não se vinculou à educação
superior imediatamente depois
de terminar o ensino médio.
Não podemos deixar estes indi-
víduos fora de nosso sistema de
treinamento.
EPCT | Professor, o que representa a Avaliação e Reconhecimento da Aprendizagem Prévia – ARAP para a concretização do Acesso?
A ARAP analisa as competências que as pessoas adquiriram
com as experiências de trabalho e da aprendizagem informal.
Portanto, se suas competências podem ser articuladas e testa-
das, estes estudantes recebem os créditos acadêmicos, o que
torna os programas de formação mais atrativos. Para sujeitos
com pouca educação formal, esta proposta confere a eles um
senso de amor-próprio que é indispensável para obter sucesso
em programas de treinamento formal.
EPCT | Como a ARAP funciona?
Os especialistas da ARAP precisam aproveitar o tempo para
entrevistar os estudantes e comparar suas competências e expe-
riências com o que será ensinado em um programa de formação.
Precisam falar com os professores dos programas de capacitação
e então sugerir decisões. Isto tudo foi formalizado no sistema
canadense.
EPCT | O governo canadense é parceiro do governo brasileiro no Projeto Mulheres Mil. O que significa esta parceira para o Canadá? Quais têm sido os ganhos do seu país?
É importante para que estudantes e os professores cana-
denses compreendam que há muitos sistemas de educação
em torno do mundo, para que eles permaneçam positivamente
críticos sobre nosso próprio sistema. Projetos como Mulheres mil
fazem com que os canadenses concluam que a solidariedade é
demandada ao redor do mundo.
EPCT | Professor, nas políticas de acesso, vocês trabalham com o ensino baseado em competências. Muitos teóricos criticam esse modelo de ensino porque individualizam as atividades de ensino de forma que o sucesso/fracasso é atribuído à pessoa e não ao contex-to. O que o senhor pensa a este respeito?
Os estudantes não-tradicio-
nais verdadeiramente necessitam
de uma atenção particularizada.
Eles possuem muitas dificuldades
de aprendizagem, do contrário,
estariam no sistema regular e não
teriam que ser chamados de alu-
nos não-tradicionais. As barreiras
podem ser físicas, psicológicas ou
sociais. Muitos aprendizes não-
convencionais tiveram experiên-
cias traumáticas em suas primeiras
séries. No geral, tais indivíduos
possuem baixa auto-estima.
Geralmente, estas pessoas não
conseguem se adaptar bem a um modelo de aprendizagem es-
truturado da forma tradicional. E nós não podemos simplesmente
excluí-los de nosso mundo de trabalho formal por causa destas
razões. Assim, aplicar uma prova para verificar se eles podem lidar
com o sistema tradicional não funciona. Os alunos não-clássicos
precisam de um protótipo de aprendizagem “sob medida”, e isto
significa que há um percurso distinto a ser vencido por cada um
(a). Se nós não estamos dispostos investir nisto, nós continuare-
mos a excluir da nossa sociedade as pessoas que carregam um
bom potencial.
EPCT | Professor, o Canadá tem outros projetos de cooperação no Brasil baseados nesta filosofia de acesso?
Sim. Existem outros projetos sociais de inclusão no Brasil
financiados pela Agência de Desenvolvimento Internacional
Canadense (CIDA). Os interessados podem se dirigir à embaixada
canadense em Brasília e pedir para falar com o representante da
CIDA para saber mais sobre estes projetos.
EPCT | Nas suas conferências, o senhor tem falado sobre um de-partamento de acesso em todas as instituições de ensino. Como funcionam esses departamentos no Canadá e como deveriam funcionar no Brasil? Quais instituições deveriam tê-lo? Quais seriam os profissionais que deveriam compor estes setores? Quais seriam as suas funções?
Em nossas faculdades canadenses, estes departamentos de
acesso estimulam ativamente estudantes não-tradicionais a in-
gressar na faculdade. Então, eles oferecem um ambiente seguro
e amigável para aconselhar os alunos de forma individualizada. A
seguir, eles continuam a acompanhá-los durante todo seu curso
de aprendizagem na graduação. Do mesmo modo, uma vez
que estes universitários se formam, a faculdade oferece apoio
É importante para que estudantes e os professores cana-denses compreen-
dam que há muitos sistemas de educação em torno do mundo, para que eles perma-neçam positivamente críticos sobre nosso próprio sistema.
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vocacional para ajudar-lhes a superar possíveis barreiras durante
o processo de procurar um emprego formal. Isto exige uma boa
quantidade de recursos humanos nas faculdades. Neste sentido,
nossas instituições são melhores preparadas do que as univer-
sidades, pois estas preferem investir normalmente somente
nos melhores estudantes. Obviamente, esse tipo de educação
superior é necessário também. As faculdades complementam o
trabalho das universidades.
No Brasil, o modelo de educação superior cresceu diferente-
mente. Uma de nossas observações é que este padrão se encon-
tra centralizado demais, e que mais cedo ou mais tarde precisará
mudar em relação ao que estava previsto. O programa do acesso
será cada vez mais imprescindível porque para um país relati-
vamente rico como Brasil, não se pode aceitar que a metade da
população esteja excluída da educação superior e da formação
vocacional.
EPCT | Como o senhor avalia a transposição da tecnologia pedagó-gica ligada a ARAP e outras ferramentas do Canadá para o Brasil?
Nós mostramos aos brasileiros nossos modelos e experiên-
cias (lições aprendidas). Então, nossos colegas brasileiros tentam
executar estes modelos de acordo com as suas próprias realida-
des e esboçar as soluções “com o jeito do Brasil”. Não é tão im-
portante como o modelo parece ser. O que é importante de fato
é que nós podemos dar o acesso e a esperança para pessoas que
foram excluídos do sistema, não por causa de sua própria esco-
lha, mas por causa de seu contexto social, econômico e familiar.
EPCT | Qual foi o principal ganho do senhor na participação deste fórum?
É sempre bom encontrar colegas de outros países e discutir
estas questões sociais importantes. Entretanto, o mais importan-
te é que nós não apenas venhamos a falar sobre a mudança, mas
realmente fazer algo, mesmo que não seja perfeito. Ver algumas
das beneficiárias do nosso projeto Mulheres Mil no Fórum: as
mulheres que nunca pensavam há dois anos que pudessem
estar em um palco como este, foi muito gratificante outra vez
para mim. A vida mudou para elas: elas irão inspirar outras mu-
lheres; e – assim como os aborígenes no Canadá dizem – talvez
a mudança no decorrer das sete gerações seguintes valerá todos
os nossos esforços agora.
Entrevista concedida em 27.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 25-28, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
elIeZeR PaCheCO > Por Ricardo CoelhoEliezer Pacheco é Secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação.
A expansão da rede federal de educação profissional
EPCT | Secretário, estamos vivendo um momento de expansão da rede federal de educação profissional no Brasil. Estão sendo criadas mais de 250 unidades federais de educação profissional. Há uma demanda concreta dessa dimensão para a expansão da rede?
Na verdade, a expansão é grande porque as dimensões da
rede federal são muito reduzidas no Brasil. Veja que, em cem
anos de história de educação profissional pública no Brasil,
tivemos apenas 140 unidades. Um país como o Uruguai, por
exemplo, com menos de 10 milhões de habitantes e uma área
menor que o estado do Rio Grande do Sul, tem 150 unidades.
Dessa forma, um país como o Brasil ter apenas 140 unidades
é algo profissionalmente ridículo. No início do processo de
desenvolvimento mais acelerado de nossa rede, tivemos aqui-
lo que a mídia chegou a chamar de apagão da mão de obra.
Aqui no Brasil essa oferta é feita basicamente pela rede federal,
pelas redes estaduais, mesmo que com muitas dificuldades,
pelo Sistema S, e por algumas instituições privadas, no sentido
estrito do termo, as quais acredito que a oferta não seja muito
significativa. O esforço de expansão da rede está veiculado
com o projeto de desenvolvimento do Brasil. Da mesma sorte,
foi o esforço – bem sucedido, aliás - de restabelecer um acordo
com o Sistema S, no sentido de restituir a oferta da gratuida-
de em percentuais maiores. Entendemos que o país precisa
urgentemente expandir sua oferta de formação profissional. E
isto é muito sério, pois sabemos que na educação não existem
projetos a curto prazo. O Ensino Fundamental são nove anos
hoje. O Ensino Médio são três ou quatro anos, dependendo
do curso. Então, na melhor das hipóteses, isso significa que os
primeiros resultados, no Fundamental, acontecerão daqui 10
ou 12 anos; no Médio, daqui a cinco ou seis anos. Portanto,
temos pressa, porque o Brasil precisa dar continuidade a esse
processo de desenvolvimento.
EPCT | Considerando a necessidade como algo latente, ou seja, que ainda está por acontecer, e a demanda como algo concreto, a expansão da rede se deu por necessidade ou por demanda?
Acredito que pelas duas coisas. De um lado, há a necessi-
dade de dar sustentação técnica e tecnológica ao processo de
desenvolvimento, de outro, dada a procura imensamente su-
perior às vagas ofertadas – acredito que em todos os sistemas
-, há uma demanda muito grande por formação profissional
no Brasil. As pessoas hoje valorizam muito a questão da em-
pregabilidade. Um curso de bacharelado nem sempre garante
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empregabilidade, já uma formação técnica de nível médio, prin-
cipalmente no Brasil, garante quase que cem por cento de em-
pregabilidade. Uma pesquisa que realizamos na rede federal com
todos os egressos localizados demonstrou uma empregabilidade
de mais de 97%. Ou seja, todos aqueles que desejaram ingressar
no mercado de trabalho assim o fizeram. Em relação ao percen-
tual restante, estão aqueles que optaram por ir à universidade,
estabelecer seus próprios negócios, empreender, etc. Então a
empregabilidade, não somente no ensino médio, mas também
nos cursos de tecnólogos em nível superior é quase que total.
E as pessoas hoje valorizam muito isso na hora de escolher um
curso.
EPCT | O Senhor considera que a expansão e a criação dos Institutos Federais de Educação podem gerar uma dualidade com relação à rede estadual de educação profissional, uma vez que ambas cum-prem a mesma função com aportes distintos de recursos?
Não. Pois tivemos a preocupação de investir mais na re-
cuperação, ampliação, reforma e equipamento das escolas
estaduais do que das escolas da rede federal. Na expansão da
rede federal, estamos investindo pouco mais de 1 bilhão de
reais. No programa chamado “Brasil Profissionalizado”, que é
para as escolas das redes estaduais, estamos investindo quase
1 bilhão e trezentos reais, porque, evidentemente, as redes
estaduais são imensamente mais numerosas que a rede fede-
ral. Nós temos estados como o Rio Grande do Sul, Paraná, São
Paulo que têm redes estaduais muito numerosas, quase duas
centenas de unidades. Por isso, tivemos essa preocupação.
Sendo assim, todos os estados que desejarem receberão os
recursos necessários para colocar as escolas técnicas estaduais
no padrão das escolas federais. Para nivelar as escolas com o
padrão de qualidade da rede federal, nós oferecemos desde
os laboratórios idênticos ao da rede federal até a planta da
escola padrão. É claro que a manutenção das escolas é uma
responsabilidade dos Estados. Nós não podemos tirar-lhes
isto. Sendo assim, o estado tem de assumir com sua respon-
sabilidade, pois, do contrário, seria melhor federalizar essas
escolas, mas não temos condições de assumir uma rede desse
tamanho. Outra preocupação que temos, e que as pessoas
precisam ter conhecimento, é que os cursos são absolutamen-
te sincronizados com as demandas das matrizes produtivas e
culturais da região. Nós fizemos esse levantamento e levamos
em consideração o que é oferecido pelo Sistema S e pela
rede estadual. Em São Paulo, no Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza, levamos isso em consideração.
Contudo, essa sincronização nem sempre é absoluta, pois, às
vezes, tem oferta, mas ainda tem demanda reprimida. Dessa
forma, procuramos sempre evitar a duplicação. Nos financia-
mentos que fizemos para as redes estaduais, exigimos um
levantamento dos cursos ofertados, das matrizes produtivas,
e os cursos da rede federal e aquelas escolas estaduais finan-
ciadas pelo poder público, necessariamente, tiveram de fazer
inúmeras audiências públicas com a sociedade para então
batermos o martelo. Portanto, acreditamos que, acordados
com o Sistema S, nós vamos conseguir minimamente atender
à demanda nacional que existe de formação de mão de obra.
EPCT | Secretário, a rede federal de educação profissional está co-memorando seu centenário e o Sistema S, seu sexagenário. Em sua opinião, qual a importância do Sistema S para a Rede de Formação Profissional no Brasil?
Nós respeitamos muito o Sistema S. É interessante que
quando nós começamos a fazer aquela proposta disseram:
‘querem acabar com o Sistema S’, etc. Isso é um absurdo. Nós
temos a avaliação de que nós salvamos o Sistema S, pelo que
se começava a observar na sociedade. Realmente é injustificá-
vel o fato que paulatinamente o Sistema S foi abandonando a
gratuidade. Não há nada que justifique isso, já que o Sistema
S recebe recursos substanciais que são públicos, embora na
disputa alguns negassem, isso é reconhecido legalmente,
que são recursos públicos, descontados compulsoriamente,
repassados pelo Ministério da Fazenda. Então nós temos a ava-
liação de que, ao estabelecer esse acordo, no sentido de que,
respeitando inclusive as características, tanto que o Senai terá
que oferecer esse ano no mínimo 50% de gratuidade; o Senac,
20%, porque o Senac tinha zero de oferta de gratuidade. Então
não tinha como, de repente, pular para 50. Nós, quando abri-
mos aquele debate, recebemos muito apoio dos setores do
empresariado, que concordavam com a posição do Ministério
da Educação, que por lei tem que supervisionar o Sistema S,
mas nunca tinha exercido o seu papel. Nós achamos que esse
acordo é extremamente positivo para o Sistema S. A sociedade
brasileira em pouco tempo ia exigir que se tomasse alguma
providência em relação a esse fato. Então, para nós, o Sistema
S faz parte desse tripé fundamental: rede federal, redes estadu-
ais e Sistema S. Por isso, a gratuidade é importante. Não adian-
ta a gente contar com um braço que as pessoas tem que pagar
para estudar. Assim, o Sistema S entrou num acordo – diga-se
de passagem foi um debate de altíssimo nível, respeitoso, em
nenhum momento houve nenhum atrito entre nós e o Sistema
S. É claro que uma negociação dessas é uma negociação mui-
tas vezes dura, difícil, mas sempre de elevado nível e sempre
de forma muito democrática e respeitosa. Tudo foi consensual.
Nada foi imposto. O Sistema S avulta a sua importância na
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medida em que ele entra nesse
acordo e passa a ofertar também
um número expressivo de matrí-
culas gratuitas, com a qualidade
que lhe é peculiar e que é reco-
nhecida pela sociedade e pelo
governo brasileiro.
EPCT | Secretário, o modelo de gestão do Sistema S ainda é algo polêmico. Fala-se em ges-tão pública, privada e tripartite. Existe uma preocupação da vin-culação do Sistema S à gestão pública e a consequente perda da qualidade do ensino. O senhor acha isso possível?
Não mesmo. A nossa discussão se restringiu à gratuidade
dos serviços do sistema S. Eu me lembro que essa proposta
surgiu, mas não era exatamente em relação à gestão, e sim a
um conselho gestor supervisor formado pelas confederações,
federações, movimento sindical e governo. Entretanto, isso
não entrou na mesa de negociações. Acredito que esse debate
vai surgir no futuro. houve sim especulações da mídia sobre a
suspensão das atividades culturais do Sistema S. Não discutimos
acabar com isso, mas sim revermos os altos preços cobrados nas
apresentações teatrais e culturais no Sesi e Sesc, por exemplo,
de forma a atender aos industriários e comerciários que o sus-
tentam. Outra discussão foi rever a distribuição dos recursos do
sistema S para as federações e confederações patronais, pois não
é atribuição dos trabalhadores financiar os patrões, uma vez que
estes têm muito recurso para financiar suas próprias instituições,
entidades. Nosso acordo foi simplesmente uma progressão da
ampliação da gratuidade da oferta correspondente aos recursos
públicos recebidos pelas entidades do Sistema S. Isto, porém,
não impede o Sistema S, como instituição privada, de cobrar o
que bem entender por suas atividades prestadas. O que nós que-
remos é a contrapartida dos recursos públicos recebidos.
EPCT | Secretário, os cursos tecnológicos no Brasil são ofertados desde a década de 1970. Há aproximadamente cinco anos houve um boom de oferta de cursos de tecnólogo. Voltando àquela dife-rença entre necessidade e demanda, em sua opinião, o crescimento da oferta de cursos tecnológicos é consequência de uma demanda ou de uma necessidade de formação de tecnólogos?
De fato, os cursos tecnólogos chegaram a ser ofertados,
mas tiveram um recuo e agora voltam com muita força. E essa
ampliação ocorre não só no Brasil, mas no mundo inteiro. É uma
das modalidades que mais cresce
no Brasil hoje. No último censo,
apresentou 300% de crescimento.
Basicamente, acredito que sua
oferta seja por necessidade, em-
bora exista demanda. O Brasil tem
uma tradição bacharelesca terrível
e prejudicial ao país, um profundo
preconceito com relação ao tecnó-
logo. Não se trata de desmerecer
o bacharel, que também é impor-
tante, mas o desenvolvimento
econômico exige profissionais
cada vez mais focados. E o tecnó-
logo, além dos mesmos direitos de
qualquer graduado, garantidos por lei, não é um profissional de
segunda categoria. Ele é um profissional que tem uma formação
mais específica. Vou te dar um exemplo na área da engenharia.
Um engenheiro civil, com seus quatro, cinco anos de curso, de-
pendendo do currículo, aprende N disciplinas. Um tecnólogo de
construção de estradas estuda três anos sobre construção de es-
tradas. Eu não tenho dúvidas de que ele sabe mais de construção
de estradas do que o engenheiro civil. No mínimo ele sabe igual a
um engenheiro civil. Então, um tecnólogo não é um profissional
de segunda categoria, ele é um profissional mais especializado,
mais focado. O que é uma necessidade para o desenvolvimento
econômico do país. Todavia, isso não significa formar um tecno-
crata. Acho que a rede federal é um bom exemplo disso. Ele tem
de aprender a aprender, porque a tecnologia se supera cada vez
mais rapidamente. Se nós formarmos um profissional focado –
digamos, com uma formação estreita daquilo ali - ele, em pouco
tempo, vai estar defasado no mercado. Por isso ele tem de ser uma
pessoa com formação humanista geral que lhe permita ir se atuali-
zando. Se formar um sujeito muito bitolado, ele, em cinco anos, vai
estar superado no mercado de trabalho. Então, fazer uma forma-
ção focada não significa abrir mão de oferecer uma formação mais
geral para esse profissional.
EPCT | Secretário, o tecnólogo, como comentado pelo senhor, tem o mesmo status do bacharel, entretanto, ainda enfrenta dificuldades com relação à certificação e ao reconhecimento dos conselhos pro-fissionais. Como elaboradora de políticas públicas, de que maneira a Setec resolverá a questão da certificação e do reconhecimento profissional dos tecnólogos?
Isso aí é uma reação coorporativa que estamos avançando.
Com o Confea, que pega grande parte dessas profissões, nós já
chegamos a um acordo. Todos aqueles cursos que constem do
O tecnólogo, além dos mesmos direitos de qualquer gradu-ado, garantidos por
lei, não é um profissional de se-gunda categoria. Ele é um pro-fissional que tem uma formação mais específica.
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catálogo, o Confea os reconhecerá, o que é muito positivo. há al-
guns conselhos profissionais mais resistentes, na área da saúde,
por exemplo. Outras corporações internas de grandes empresas,
como a Petrobrás, por exemplo, não aceitam tecnólogo, o que é
uma ilegalidade, inclusive. Acreditamos ser uma resistência não
da própria direção da Petrobrás, mas da corporação de enge-
nheiros que elabora os editais de concursos da casa e que, no
fundo, temem a competição dos tecnólogos. Pois, se não temes-
se, se partisse do pressuposto de que o tecnólogo é um profissio-
nal de pouco saber, não teria nenhum problema deixá-los fazer o
concurso, porque eles certamente perderiam a competição para
os engenheiros. É, portanto, uma reação corporativa normal, em
um primeiro momento, mas que vamos inevitavelmente superar,
como já estamos superando em várias áreas.
Entrevista concedida em 25.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 29-32, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
aNtONIO CaRlOS daS NeVeS & ROSa MaRIa PIReS BUeNO > Por Flávia Furtado Rainha SilveiraAntonio Carlos das Neves é Gerente Nacional de Educação Profissional da Fundação Bradesco.Rosa Maria Pires Bueno é Supervisora Técnica de Educação Profissional da Fundação Bradesco.
Educação profissional: e experiência da Fundação Bradesco no Brasil
EPCT | Qual a relação entre a Fundação Bradesco e a Educação Profissional?
A Fundação Bradesco tem uma relação de muitos anos
com a Educação Profissional. Desde 1970 ela trabalha com a
Educação Profissional nos cursos de formação técnica. Desde
a Legislação anterior à Nova Lei de Diretrizes e Bases, ela já
desenvolvia Educação Profissional integrada com o antigo
colegial, e, com o advento da LDB, em 1996, ela separou a
Educação Profissional da Educação Básica.
EPCT | Como surgiu essa relação?
Essa relação surgiu da necessidade de suprir, com o
advento das novas tecnologias, das indústrias e dos par-
ques produtivos, o mercado de trabalho com profissionais
competentes, dotados de habilidades e técnicas específi-
cas, focados nas atividades e no próprio desenvolvimento
do país. Dessa forma, a Fundação Bradesco buscou inserir
no mercado de trabalho a população de baixa renda,
socioeconomicamente não-favorecida, de tal forma que
tivesse formação técnica condizente e correspondente às
necessidades do mercado. Isso aconteceu a partir de 1970,
quando a Fundação Bradesco manteve os cursos técnicos
integrados com o colegial da época. hoje, o curso técnico é
separado da Educação Básica e do Ensino Médio, mas temos
ainda em algumas escolas a Educação Básica e Infantil até
o Ensino Médio. A Educação Profissional Técnica é oferecida
aos jovens após concluir o Ensino Médio, possibilitando o
desenvolvimento das competências e habilidades reque-
ridas pelo mercado de trabalho na região. Temos cursos
técnicos em áreas como Informática, Administração de
Empresas, Agropecuária e Eletrônica, oferecidos de forma
regionalizada. O curso de Eletrônica está localizado no polo
de Porto Alegre, na Escola de Gravataí, que atende algumas
indústrias que absorvem o contingente de alunos formados
na área de Eletrônica. A General Motors, principalmente,
contrata muitos profissionais formados pela Fundação
Bradesco. Na área de Agropecuária, temos o Internato em
Tocantins e Mato Grosso do Sul. São duas escolas em regi-
ões propensas ao desenvolvimento regional da agropecuá-
ria e da agricultura no país e que estão investindo bastante,
principalmente o Tocantins, na área de arroz irrigado, que é
o forte celeiro nacional. Por isso, visamos ofertar formação
técnica para que esses jovens se mantenham na região com
uma boa formação e renda.
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EPCT | Além dos cursos técnicos e da Educação Básica, a Fundação também oferta cursos de formação inicial e continuada em termos de Educação Profissional?
Sim. Nós temos cursos de formação inicial e continuada e a for-
mação técnica de nível médio e ainda o tecnológico. A Fundação
estatutariamente se definiu por oferecer educação fundamental e
média, a Educação Básica, compreendida até a formação técnica
de nível médio. A formação inicial e continuada é mantida na rede
de escolas, porque entendemos que esses cursos dão possibilida-
de às famílias dos alunos de empreender e ter uma fonte de renda
e de sobrevivência na sua cidade. A demanda e a procura pelos
cursos se dá por meio de um cadastro que a Fundação Bradesco
mantém em cada escola, para que a direção da escola e a equipe
técnica proponham a implementação de determinados cursos
de formação inicial e continuada, e de algumas pesquisas sobre
as condições do mercado de determinada região. Nas regiões
Norte e Nordeste, por exemplo, em que o turismo é ponto forte
de renda e receitas, oferecemos vários cursos focados na área de
alimentação, gastronomia, agenciamento e turismo de negócios,
agendamentos e eventos e artesanato regional. Para a formação
daqueles que não tiveram a possibilidade de concluir o ensino
médio, oferecemos na área de Administração cursos de auxiliar
de escritório e recepcionista. Temos ainda cursos de cabeleireiro,
corte e costura, cozinheiro, dando à comunidade toda a formação
e certificação e também a possibilidade de abrir o próprio negócio.
Como mantemos quarenta escolas em rede, nos vinte e sete es-
tados e no Distrito Federal, isso possibilita, hoje, um atendimento
fixo e anual de cento e onze mil alunos no Brasil, com investimento
de duzentos e trinta milhões de reais no ano de 2009 para custear
a manutenção da rede de escolas.
EPCT | E a mantença dessa rede de escolas se dá pelo Bradesco?
A rede é mantida pela Fundação Bradesco, que tem recursos
próprios, é auto-sustentável. A Fundação é acionista do Bradesco.
Ela recebe dividendos de ações do Bradesco e esses dividendos
que ela recebe são investidos no campo social. É uma instituição
social, filantrópica, declarada de utilidade pública, que tem o seu
capital em função das ações que ela possui do conglomerado.
Essas ações proporcionam à Fundação a receita, por meio dos
dividendos distribuídos pela instituição financeira, e esses divi-
dendos acabam sendo a receita e o sustento de todos os projetos
que a Fundação Bradesco mantém socialmente no país.
EPCT | Você falou da missão da Fundação Bradesco e da área de educação dessa fundação. Como é a seleção dos jovens que ingres-sam na Fundação?
A Fundação Bradesco se preocupa em atender os jovens de
condição socioeconômica desfavorecida. Para a Educação Básica
nós abrimos vagas na Educação Infantil, porque o aluno que entra
lá com cinco ou seis anos de idade acaba ficando na Fundação até
se formar técnico. A seleção se dá por meio de uma ficha socioe-
conômica que os interessados preenchem na escola que deseja
estudar. Essa ficha passa por um processo de análise em um sis-
tema, e os pré-selecionados recebem da equipe da escola uma
visita domiciliar para verificar onde residem, como sobrevivem e
para confirmar se a declaração da ficha condiz com a realidade.
Se confirmado isso, faz-se uma triagem da situação analítica dos
menos favorecidos e as vagas são disponibilizadas. Em síntese,
as vagas são oferecidas a partir da situação socioeconômica e da
proximidade entre a residência e a escola. A Fundação Bradesco
zela bastante por esta questão, pois sabe que as pessoas em
situação socioeconômica não-favorecida não têm condições de
custear ou manter transporte escolar, têm dificuldade de pagar
condução para se locomover. Sendo assim, é preciso que o aluno
resida em um raio de três a cinco quilômetros para que, se preciso
for, possa ir à escola caminhando.
EPCT | Em termos econômicos, a Fundação prioriza alguma faixa da sociedade?
Para ilustrar, em umas das últimas escolas inauguradas na
periferia de Osasco, nós tivemos quatorze mil inscritos quando da
inauguração da escola. Desses quatorze mil inscritos, pelo proces-
so de análise da ficha socioeconômica preenchida, nós extraímos
entre quatro e cinco mil inscritos com possibilidades de análise de
visita domiciliar. Como a escola estava sendo implantada naquele
ano, nós trabalhamos com uma equipe grande, em torno de vinte
profissionais técnicos, e distribuímos essas fichas por setor no
bairro. Para se ter uma ideia, os ingressos inscritos tinham renda
per capta entre R$ 87,00 a R$ 100,00, ou seja, abaixo da linha
da pobreza. Realmente, Osasco é um bairro muito pobre, muito
carente. hoje, depois de cinco anos de atividade, a Fundação
Bradesco conseguiu contribuir para mudar um pouco o cenário
daquele bairro. Vários jovens que ingressaram há cinco anos no
Programa Nacional Jovem Aprendiz Técnico hoje têm uma renda
e estão melhorando a condição de vida, desenvolvendo ativida-
des voluntárias e devolvendo para o bairro a graça de ter recebido
uma escola da Fundação Bradesco, sendo agraciado gratuitamen-
te com todo esse nível de qualidade de ensino, material escolar
gratuito, uniforme, merenda escolar e assistência médica.
EPCT | Na palestra proferida pelo professor Leonardo Boff, desta-cou-se a missão da Educação Profissional de fomentar a consciên-cia mundial, a ética e a cidadania. Essas questões são contempla-das nos projetos da Fundação Bradesco?
hoje um dos diferenciais no mercado de trabalho são as
atividades voluntárias desenvolvidas em prol da comunidade. A
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Fundação Bradesco desenhou um
programa nacional de voluntariado
que tem sido hoje destaque e mo-
delo em todo o país. Dessa forma,
o aluno, desde a Educação Infantil
até o Ensino Médio, lida com todas
as questões éticas e de respeito ao
próximo, as questões da moralida-
de, dos vícios e dos cuidados para
se ter uma vida saudável. Todos
esses temas acabam permeando os
currículos da Fundação Bradesco.
De que forma? Nós temos dentro do voluntariado um programa de
contribuição à AACD. A Fundação Bradesco tem preconizado junto
aos seus jovens o apego a essa causa. Anualmente, desenvolvemos
uma série de atividades de arrecadação para ajudar o Programa da
AACD, por meio do Teleton. As crianças, por exemplo, recebem um
cofrinho da AACD para ir enchendo de moedinhas durante o ano.
No ensino técnico trabalhamos a visão de cooperação em assen-
tamentos. Os técnicos em agropecuária vão aos assentamentos,
ajudam tecnicamente os assentados para que eles tenham sua
produção melhorada. Assim, eles além do conhecimento técnico,
aprendem a exercer suas atividades para ajudar o próximo. Acredito
que isso é o diferencial para o país. A perspectiva do governo
Federal é abrir até 2010 quase trezentas escolas técnicas federais.
Imagine se cada escola técnica federal tiver um comitê de volunta-
riado e desenvolver uma central de voluntariado nacional, todo um
programa que permita que esses jovens, técnicos formados pelas
escolas técnicas federais, possam contribuir com essas comunida-
des, a exemplo desse programa da Fundação Bradesco que está
locado nas suas quarenta escolas.
EPCT | A Fundação Bradesco preparou para o fórum um material rico em informações sobre empreendedorismo e criatividade. Qual foi a intenção ao fazer essa escolha e como a Fundação trabalha o empreendedorismo, a criatividade e a inovação?
Nós temos um curso específico na área de geração de ne-
gócios e empreendedorismo de negócios que é trabalhado nos
cursos de formação inicial e continuada. Na formação de um
cabeleireiro, por exemplo, pensamos não só em habilitá-lo e qua-
lificá-lo tecnicamente para cortar um cabelo, fazer um penteado, e
assumir as competências técnicas específicas, mas também busca-
mos desenvolver nele algumas outras competências referentes ao
empreendedorismo para que ele possa estabelecer a relação de
quanto custa seu serviço, a prospecção e marketing do mercado, a
comercialização de produtos de artesanato, bem como participar
de cursos e desenvolver com criatividade seu lado empreendedor
para valorizar o seu trabalho e produto. No Acre, por exemplo,
temos um grupo de ex-alunos
que formaram a Cooperativa
Delícias da Floresta, que comer-
cializa castanhas e frutas cristali-
zadas da floresta. Eles trabalham
não só na produção do produto
em si, mas na embalagem do pro-
duto e na distribuição do produto
no mercado. Portanto, o empre-
endedorismo perpassa todas as
áreas da educação profissional,
ele não está vinculado a apenas
um eixo. A própria atividade voluntariada desperta também o
lado empreendedor da organização, da ação desses consultores
técnicos, dessas cooperativas que se formam.
EPCT | A Fundação certifica por competências?
Nós certificamos o aluno pela conjunção do curso, porém
nosso processo de avaliação é com base nas competências. A
avaliação do ENEM é basicamente por competências e o aluno
tem de realmente ter desenvolvido essas competências para ele
ter uma boa classificação. A Fundação Bradesco incentiva os jo-
vens a participarem do ENEM e por isso trabalha com competên-
cias. Estas são avaliadas por meio da teoria da TRI, cujas questões
são analisadas em relação ao referencial curricular desenvolvido.
As questões são organizadas de tal forma que permitem buscar
na resposta se o aluno de fato recebeu o referencial curricular
que foi dado e se conseguiu assimilá-lo. Então, por meio de
indicadores no processo avaliativo, consegue-se detectar se as
competências técnicas foram desenvolvidas ou não.
EPCT | A Fundação Bradesco tem programas de inclusão de adul-tos? Se sim, como se faz uma flexibilização dos currículos, que é o que tem sido falado também no fórum?
Nós temos um programa de alfabetização de jovens e adul-
tos que é modelo na inclusão de adultos. Em 1998, detectamos
um contingente de mais de treze mil pais analfabetos, que es-
tudaram somente até a 4° série, ou que são analfabetos funcio-
nais. Esse número nos assustou bastante. Diante deste cenário
significativo, em que os pais analfabetos estariam com certa difi-
culdade em acompanhar o próprio desempenho escolar do filho
e com vergonha de participarem das reuniões da escola, surgiu
a ideia de implementar um programa de alfabetização de adul-
tos nas próprias escolas para atender a esses pais. Para você ter
uma ideia, na aula inaugural que fizemos em 1998, em Osasco,
os filhos trouxeram os pais para a sala de aula de mãos dadas
levando-os até o banco escolar. Orgulha-nos dizer que dos treze
mil e quinhentos pais, restam-nos apenas três mil e quinhentos
Hoje um dos dife-renciais no mercado de trabalho são as atividades voluntá-
rias desenvolvidas em prol da comunidade.
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analfabetos ou analfabetos funcionais. Portanto, é um programa
bem sucedido de inclusão de jovens por meio da alfabetização.
EPCT | As conferências desse fórum também falam da necessidade de a Educação Profissional estar conectada ao mercado. Como a Fundação Bradesco faz para se manter próxima ao mercado em suas diferentes unidades?
Nós temos um trabalho com a Educação Profissional que tem
dado muito certo. É um encontro de gestores e empresários que
promovemos anualmente em cada escola. A própria escola orga-
niza o encontro de forma que os jovens possam se apresentar para
o mercado de trabalho e atrair os empresários para a escola. Esse
encontro favorece também aos jovens a oportunidade de esta-
belecer e organizar o evento, desde a parte do planejamento, da
divulgação, dos convites formulados e dos representantes do em-
presariado até a escolha dos gestores convidados, tanto do setor
público, quanto do setor privado. O início do evento sempre se dá
com a exposição do curso: o que é o curso, o que é estudado e
quais as competências desenvolvidas. Isso tudo se promove numa
apresentação, num encontro que geralmente soma em torno de
cem a cento e trinta participantes. Nesses encontros com os em-
presários, os jovens se oferecem para o mercado de trabalho, apre-
sentando o curso, o currículo, as experiências e disponibilidade no
mercado. Na área de Agropecuária, os convidados para o encontro
são fazendeiros, gerentes de comércio de produtos agropecuários
e secretários de agricultura dos municípios. Nós promovemos
um evento que realmente discuta essa questão da vinculação do
profissional de formação técnica às necessidades do mercado de
trabalho, para que aquele possa estar conectado e atualizado.
EPCT | A Educação Profissional costuma ser criticada por sua ênfa-se na prática. Como a Fundação Bradesco trabalha a relação teoria versus prática?
A Fundação acredita que a prática tem um significado impor-
tante para desenvolver as competências e favorecer aos alunos
uma aprendizagem realmente significativa e adequada à vida pro-
fissional que eles irão desenvolver posteriormente. Em alguns cur-
sos trabalhamos com laboratórios próprios, mas, na maioria deles,
o aluno recebe a parte teórica na escola e desenvolve a parte práti-
ca nas empresas, por meio do programa nacional Jovem Aprendiz
Técnico, que oferece bolsas ou estágios remunerados e vincula
os alunos às empresas. Nos cursos técnicos em Agropecuária,
oferecemos fazendas-escolas, que são escolas-modelo em que de-
senvolvemos diversas atividades e experimentos da área agrícola
e projetos, como o de genética animal com gado, que propicia
melhoria genética, reprodução melhorada e maior produção de
carne. Nessas fazendas, os jovens técnicos têm atividades práticas
em todos os setores da escola de forma monitorada. Todos esses
jovens passam pelos diversos setores e aprendem a tirar leite da
vaca, a tratar o rebanho e a manusear a composição da ração, de
forma a ter essa conexão entre a parte teórica do currículo e a
parte prática que são desenvolvidas pelo curso técnico.
EPCT | As escolas da Fundação Bradesco são modelos no país, quais as concepções que fundamentam o trabalho dessas escolas?
A Fundação Bradesco tem uma linha pedagógica construtivista,
em que o jovem é incentivado a aprender a aprender, a buscar por
si só os conhecimentos. O mercado de trabalho exige que os pro-
fissionais formados tenham desenvolvido essa habilidade de apren-
der a aprender, pois nenhum profissional formado hoje se sustenta
apenas com a certificação técnica recebida. Ele recebe a certificação
técnica esse ano e ano que vem sua certificação está desatualiza-
da. Se ele não aprender a se atualizar, ficará defasado no mercado
de trabalho. Portanto, a concepção de educação da Fundação
Bradesco é procurar desenvolver nesse jovem a autonomia para
ele aprender sozinho e se atualizar em busca das instituições que
oferecem aquilo que ele precisa e que o mercado favorece.
EPCT | Como se dá a inclusão de pessoas com necessidades espe-ciais nas escolas da Fundação Bradesco?
Nós temos alguns casos de alunos com deficiência física. No
Espírito Santo, temos um aluno que não tem os membros supe-
riores e foi alfabetizado escrevendo com o pé. hoje, ele frequenta
a sala de aula, está na 4ª ou 5ª série, com alunos que não tem ne-
nhum nível de deficiência, e acompanha o currículo escrevendo
com o pé. Temos também alunos deficientes visuais que frequen-
tam as nossas escolas, eles acompanham as aulas por meio de um
software chamado “Virtual Vision”, que faz a leitura para eles. Na
escola do Jardim Conceição, na periferia de Osasco, há um progra-
ma de trabalho com surdos e intérpretes de Libras.
EPCT | Para finalizar, Sr. Antônio, o que é a Pedagogia da Alternância e como vocês a operacionalizam nas escolas da Fundação Bradesco ou como pretendem operacionalizar?
A pedagogia da alternância nos permite ter um desenvolvi-
mento teórico e pedagógico na formação desses jovens, desde a
educação básica até a técnica, e também um acompanhamento
nas atividades conciliadas desenvolvidas fora do contexto da
sala de aula, nos internatos.
Entrevista concedida em 26.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 33-36, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
SÍlVIa MaNFRedI > Por Ricardo Silva & Rafael VoigtSílvia Manfredi é Presidente do Instituto Paulo Freire - Itália e Professora aposentada da Universidade de Campinas (Unicamp)
Uma crítica à pedagogia das competências
EPCT | Professora Sílvia, poderia iniciar a entrevista falando um pouco sobre sua atuação profissional?
Sim. Entrei na rede de ensino de São Paulo em 1964.
Paulo Freire já havia sido exilado, mas durante uns quatro
anos o movimento estudantil ainda usava a proposta dele
para fazer trabalhos voluntários de alfabetização no estado
de São Paulo. Fiz parte desse grupo durante três ou quatro
anos. E foram essas experiências que deram sentido à minha
escolha profissional até hoje. Entrei na educação profissio-
nal por conta do grande desafio do movimento sindical
nos anos 1990. Atuei como consultora da OIT no Projeto de
Certificação e Orientação Profissional, de 2004 até o final de
2006. E hoje sou professora aposentada da Unicamp e presi-
dente do Instituto Paulo Freire na Itália.
EPCT | Professora, gostaria que esclarecesse algumas questões relacionadas à certificação. O Senac oferta, há alguns anos, en-sino superior tecnológico. A Faculdade do Senac-DF, por exem-plo, oferta cursos nas áreas de Gestão Comercial, Tecnologia da Informação, Marketing e Recursos Humanos. Entretanto, atualmente, presenciamos uma grande controvérsia envolven-do a atuação dos tecnólogos em certas áreas. O problema que
observamos é que vários órgãos de classe – como o CREA, o Conselho de Administração e alguns outros – não reconhecem plenamente os cursos de formação tecnológica. Qual a sua ava-liação dessa questão?
Primeiramente, é necessário observar que existe uma
disputa conceitual de modelos de certificação entre o
Inmetro, que já faz certificação, a ABNT e o Senai. há uma
tensão mesmo. É provável que um dos motivos pelos quais
não conseguimos instituir um sistema de certificação seja
o fato de esse sistema colocar em confronto as entidades
profissionais, as instituições formadoras e os trabalhadores.
Um acordo só seria possível mediante negociação, para
consolidar os perfis e o tipo de certificação. Mas isso não foi
feito. No caso do Senac, o confronto se dá entre a instituição
que oferece a formação e as entidades profissionais. Ele cer-
tifica com a anuência do Ministério da Educação, mas essa
certificação não é reconhecida pelos conselhos de classe,
por exemplo. O problema é que não possuímos um sistema
de certificação cujas regras sejam universalmente aceitas. O
modelo de sistema proposto pelo professor homérico, na
época em que ocupou o cargo de diretor do departamen-
to de qualificação profissional do Ministério do Trabalho
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e Emprego, previa ainda a criação das câmaras e comissões,
de âmbito setorial, para discutir as questões relacionadas
à certificação. Como isso não foi feito, a solução do impasse
ficou mais complicada. Provavelmente, essas questões serão
discutidas no Inmetro.
EPCT | E como andam as discussões a respeito desse siste-ma de certificação? Há um grupo que discute a questão? O Ministério do Trabalho também teria de estar sentado à mesa de negociação?
De acordo com o projeto do sistema que idealizei, haveria
um Conselho Nacional de Certificação, dentro do qual haveria
as câmaras específicas, setoriais, e os grupos técnicos, que
seriam os responsáveis pela implementação da proposta
concreta de cada setor. As comissões dariam os grandes pa-
râmetros. No caso dos tecnólogos, primeiramente, procurarí-
amos levantar os cursos a serem certificados, reuniríamos os
representantes dos diversos segmentos e definiríamos uma
pauta de certificação, standarts e normas gerais para serem
utilizadas depois. Como o sistema não existe, o único espaço
que há, parece-me, é o MEC. Como associar isso ao Ministério
do Trabalho, confesso a você que não tenho ideia. Porque, no
caso do Senac, entram o Conselho Federal de Administração,
o Conselho Federal de Engenharia, etc., o que torna a questão
bastante complexa. O sistema criaria as normas universais
para os procedimentos de certificação. havendo necessidade,
levantando-se a demanda social, as comissões seriam criadas,
o que facilitaria o início do processo.
EPCT | Em relação à formação intermediária, considerando a experiência em outros países e outros modelos, existe a possi-bilidade de haver certificação intermediária, por exemplo, no Ensino Médio, após o término do primeiro, segundo e terceiro ano, respectivamente?
Sim. Como no caso do sistema francês e do espanhol.
No espanhol, por exemplo, o sistema educacional regular
e o sistema profissional são integrados e equivalentes. Isso
possibilita a certificação, válida em todo território nacional,
e o trânsito do aluno entre os sistemas profissional e regular.
Os sistemas se equivalem, não são diferenciados. No caso
do Brasil, o sistema de educação profissional não se comu-
nica com as ocupações, nem com o sistema regular. O ideal
seria criar, para cada profissão, requisitos de certificação
com base na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), e
para outras qualificações, com base no Catálogo de Cursos
Profissionalizantes do MEC.
EPCT | Qual é a análise que a senhora faz de nosso atual sistema? Considerando a existência de um sistema regular e um sistema de educação profissional que coexistem de maneira paralela, quais os prejuízos dessa segmentação?
O sistema profissional está dividido em três redes: estadual,
federal e privada, que é o caso do Sistema S. Na verdade, o mais
correto nesse Sistema seria a denominação público-privada.
Isso porque, a rigor, ele não é privado, embora seja considerado
como tal, mantendo autonomia administrativa e regulatória,
respeitados os grandes princípios da LDB. Penso que o sistema
deveria ter formas de integração entre os três subsistemas ou,
pelo menos, o estabelecimento de equivalências. Agora, sabe-se
que aí entram os interesses de todas as partes, isto é, tanto do
Sistema S quanto das redes estadual e federal. E isso é um ponto
de tensão, mas creio ser possível a integração. Acho possível o
estabelecimento de equivalências entre as redes por meio do
catálogo de cursos do MEC, bem como do catálogo de qualifi-
cação profissional do Ministério do Trabalho. Os espanhóis, por
exemplo, realizam a integração por conteúdos, porque eles ado-
taram o modelo de competências e estipularam, para cada nível
(primeiro, segundo e terceiro anos), competências mínimas ou
básicas e competências específicas. Os níveis são todos equipa-
ráveis, porque isso vale para o sistema educacional regular, para
a formação profissional e para a certificação. Foi assim que eles
resolveram a questão. No caso do Sistema S, parece-me que a es-
trutura curricular é modular e organizada por competências. Já
o nosso sistema regular, não é, nem as redes federal ou estadual.
Então, é bastante difícil resolver o problema. A certificação pode-
ria ser uma solução? Creio que sim. Seria mais ágil, mais barato
e mais fácil de fazer essa integração e essa passagem. Em minha
opinião, o problema aí é político, e não técnico, ou, pelo menos,
mais político do que técnico, uma vez que a certificação poderia
estabelecer certos parâmetros e certas equivalências.
EPCT | Professora, historicamente, os Parâmetros Curriculares do Ensino Profissional de Nível Médio no Brasil foram construídos com base na matriz curricular conteudista. Na década de 1990, essa ma-triz foi substituída por uma matriz de competências e habilidades. Qual a sua opinião a respeito desses modelos?
Eu não sou muito a favor do modelo de competência. A
matriz de competência, teoricamente, tem origem no campo da
Psicologia. Ela é bastante ligada à noção behaviorista e funciona-
lista. Do ponto de vista sociocultural, ela foi criada na Espanha,
no interior de um movimento empresarial que usou esse modelo
para substituir um antigo modelo de estruturação de carreiras e
de mobilização dentro das empresas. Isso desestruturou todo o
sistema de carreira, que antes era muito claro em todas as empre-
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sas. O modelo de competências
praticamente tira essa possibilida-
de, porque transfere o sistema de
carreira para o indivíduo. Algumas
competências se relacionam com
o posto de trabalho, outras com
o mérito e outras com as necessi-
dades coletivas dos trabalhadores.
Mas o modelo de competências
é individualista, a competência
é algo que você possui ou não
possui, e você é responsável pela
construção de suas competências.
Não há, digamos, uma responsabilidade social. No entanto, uma
série de estudos mostra que as competências são social e cultu-
ralmente construídas. A noção corrente de competências “apaga”
essa dimensão cultural. No caso dos trabalhadores, há muitas
competências que são construídas dentro da cultura de um tra-
balho específico. O metalúrgico, por exemplo, tem uma série de
competências da categoria, assim como o bancário, o professor. A
noção corrente de competência não leva isso em conta. Fora isso,
no meu ponto de vista, os standarts utilizados para construir os
modelos são feitos com grupos de especialistas que se baseiam
nos experts, os superespecialistas. Então você estabelece um
padrão de elite, muito seletivo e exclusivista. Assim, do ponto
de vista ideológico, essa noção torna todos os que não possuem
essas competências/habilidades, como os superespecialistas,
incompetentes. Veja-se então o peso disso. Além disso, há a di-
mensão ideológica que considera o saber-ser e o saber-fazer. O
que significa saber-ser neste modelo de competência? É você agir
e desenvolver comportamentos funcionais. Contudo, é preciso
observar que o problema não é o termo, mas todo o arcabouço
estrutural, a montagem desse modelo. Por que não o adotamos
na certificação? A matriz de competência usa um modelo funcio-
nal de tarefas, bem ao modo do engenheiro, para definir cargos e
funções e a hierarquia dos cargos e funções. Com base nisso, de-
finem-se perfis e standarts. É como se aplicássemos o modelo de
organização do trabalho de cargos e funções da Volkswagen ou da
Chrysler, por exemplo, à certificação. Daí, os perfis e standarts re-
presentam uma elite de trabalhadores altamente especializados. E
toda a massa de trabalhadores que possuir o saber fruto da expe-
riência fará parte desse conhecimento, mas todos os que ficarem
de fora do modelo serão considerados incompetentes. Agora, por
exemplo, a moda nas empresas é o trabalho em grupo. Valorizam-
se as capacidades de coordenar, dirigir grupos, tomar decisões,
etc. Porém, como fica quem não possui essas competências, mas
possui outras? Isso não é considerado na certificação. Então, o
problema do Inmetro e da ABNT é que o seu rol de competências
é muito restrito à função, à tarefa
e, na maior parte das vezes, à
realização de trabalhos concretos,
específicos, muito em função dos
modelos das grandes empresas
e do ideário destas. A adoção de
um modelo como esse significa a
exclusão de boa parte dos nossos
trabalhadores, mesmo os de nível
superior, porque não se contem-
pla uma série de coisas que, numa
avaliação para certificação, é im-
portante. É o que entendo.
EPCT | A senhora afirma que quando consideramos o cargo ou a função tem-se clareza do que se fala, mas, quando se traduz isso em competências/habilidades, a noção fica esparsa. Então, como a senhora avalia os Parâmetros Curriculares, já que eles foram cons-truídos sobre a noção de competências/habilidades?
São uma camisa de força. Sua constituição foi um briga que
nós perdemos. A tradução de cargos e funções para competências/
habilidades é extremamente subjetiva. Os métodos de identifica-
ção e avaliação das competências/habilidades são muito fechados
e estereotipados: teste de múltiplas escolhas, quiz, inventários. E
esses métodos desconsideram as diferenças culturais. A questão
não é só político-ideológica, mas também epistemológica. Como
sou muito mais piagetiana, vygotskyana, penso que cada um tem
um modo próprio de se expressar, de falar, ou seja, as linguagens
são diferentes. Atuei por muito tempo com a formação sindical de
bancários, metalúrgicos, químicos. Para esses sujeitos, a forma de
argumentar e de raciocinar é influenciada pelo processo e pelo
contexto de trabalho em que se encontram. Por exemplo, se se
trata de um bancário que trabalha com números e relações abs-
tratas, ele facilmente expressará um raciocínio conceitual de nível
abstrato. Se for um metalúrgico que parte do mundo concreto, do
real, ele formará o conceito, a abstração, e estabelecerá relações,
mas por outro caminho. O trabalhador rural a toda hora faz o
contraponto com a natureza. Isso é muito bonito. Penso que, do
ponto de vista da certificação, essas diferenças devem ser valoriza-
das. A valorização apenas da educação e da formação próspera, da
padronização e da homogeneização é que é destrutiva. Destrói-se
a diversidade, a cultura, não se considera uma série de coisas que
sempre foram importantes.
Como paulofreireana, entendo que, se houvesse uma organi-
zação por temas geradores, como propúnhamos e lutávamos, por
projetos, ou tantas outras formas de organizar, teríamos parâme-
tros curriculares bem mais abertos do que os que temos hoje.
O modelo de com-petências é indivi-dualista, a compe-tência é algo que
você possui ou não possui, e você é responsável pela cons-trução de suas competências.
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EPCT | Um professor da educação profissional é formado numa matriz conteudista e, ao chegar à escola, recebe uma orientação que diz “você deve desenvolver essas competências no aluno”. Resulta daí um conflito: o professor não consegue fazê-lo, dado à sua formação. Em sua opinião, como se estabelece essa relação no fazer docente?
O fato é que mesmo com essa orientação, os professores a
esquecem e fazem o que sabem e o que bem querem. Não tem
jeito. Do meu ponto de vista, ensinar por competências não é
legal, pois não estimula o trabalho coletivo, a troca, a produção
entre os professores. Tenho vários colegas na Unicamp – na área
da Física e Matemática - que fazem trabalhos com formação de
professores na linha da relação teoria e prática, estimulando
os professores a refletirem sobre o que fazem, sobre como eles
poderiam modificar o que estão fazendo e como poderiam cons-
truir outras estratégias e percursos. E isso é muito interessante. A
formação tradicional - e acredito que o modelo de competências
também - corta a criatividade, a iniciativa, a capacidade produ-
tiva dos professores. Em muitos aspectos, o método de Paulo
Freire é bastante superior, pois se funda em outra lógica. A lógica
do modelo de competências, para mim, é disciplinadora e fabril.
É o modelo de organização da fábrica traduzido para a organi-
zação escolar. É um pouco exagerada essa minha comparação,
mas é válida. Se antes tínhamos uma visão conteudista, muito
clássica, muito fundamentada em elementos pouco vinculados
à realidade prática do mundo do trabalho, hoje, temos o inverso.
EPCT | Professora, para concluir, fale sobre sua atuação no Instituto Paulo Freire na Itália e sobre o trabalho do Instituto nos países em que ele também atua.
Temos o Instituto Paulo Freire de São Paulo, que é a sede,
e uma rede mundial de quase trinta institutos. Alguns são
centros e outros, cátedras. Na Europa, temos estruturados
três institutos: na Itália, Portugal e Espanha. A proposta do
Instituto, tanto na Itália quanto nos demais países, é divulgar
um pouco a filosofia e a pedagogia freireana e, ao mesmo
tempo, ver como ela pode ser reescrita com base na expe-
riência específica e nos desafios de cada país. A Itália, por
exemplo, tem recebido um número enorme de imigrantes.
Muitos deles não falam a língua italiana. Nesse caso, o grande
desafio é trabalhar a questão da integração e da língua. A Itália
também começa a ter uma série de problemas sociais, como
a marginalidade, o consumo de drogas, especialmente entre
os jovens, a enorme quantidade de imigrantes sem família e
de jovens desacompanhados, como eles chamam. Em todas
essas áreas, acredito que a proposta freireana ganha espaço,
não no sentido de “copiar e colar”, mas no sentido de ver os
princípios e o ideário que estão por trás da proposta freireana
e investigar como é possível reescrever e utilizar esses princí-
pios e esse ideário nos trabalhos na educação de adultos, na
escola tradicional, em que a dificuldade é maior, nos espaços,
digamos, não-formais, como centros de jovens, centros de
cultura, teatros, associações culturais, associações de jovens,
etc. Na Itália, o associativismo, a cooperação e o voluntariado
são muito fortes, há associações para tudo, o que é bastante
interessante; há também cooperação com a América Latina
e a África e o voluntariado. há ainda muita gente sensível às
propostas educativas mais dialógicas, interativas e libertárias.
É nesse campo que atuamos. Na escola nosso acesso é muito
difícil, a educação profissional na Itália é bem estruturada,
burocrática, com modelo bastante fechado. Tradicionalmente,
foi assim, as propostas de Freire teve mais aderência nos mo-
vimentos sociais, na educação não-formal. No Brasil, tivemos
quatro importantes experiências na educação escolar: a escola
candanga, a escola plural, em Minas, e a experiência em São
Paulo, mas, infelizmente, não fomos capazes de expandir essa
experiência para a escola pública no plano nacional.
Entrevista concedida em 26.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 37-41, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
FRaNCISCO CORdÃO > Por Flávia SilveiraFrancisco Cordão é membro do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação.
O panorama da educação profissional no Brasil
EPCT | Em uma entrevista ao Senai, o senhor afirmou que a Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) trouxe um novo sta-tus à Educação Profissional, integrando as dimensões educação, trabalho, ciência e tecnologia. Após 13 anos de promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como está o cenário da educação profissional no Brasil?
Essa mudança proposta pela LDB é uma mudança ra-
dical de ordem cultural. Mudança cultural não se consegue
da noite para o dia. Nós tínhamos durante longo tempo na
história da educação brasileira certo preconceito em relação
à educação profissional. A educação profissional nasceu no
Brasil como obra de benemerência social, para atender aos
pobres, aos desamparados e aos desvalidos da sorte. Esses
são termos utilizados nos documentos antigos a respeito de
educação profissional. Ao longo do século passado, com a
criação do Senai e depois do Senac, houve uma valorização
da educação profissional e da estruturação da rede federal.
Porém, esse ritmo de desenvolvimento da educação profissio-
nal foi um pouco rompido com a lei 5.692/71. A despeito de
valorizar a educação profissional, esta lei, ao contrário, contri-
buiu para a sua desvalorização, na medida em que a educa-
ção técnica do ensino médio foi colocada no lugar do ensino
médio. Essa nova LDB diz que ‘a educação não deve tomar o
lugar da educação básica’. A educação profissional e técnica
complementam a educação básica. E a educação profissional
vai além dos cursos técnicos de nível médio integrados ou
articulados com o ensino médio. Ela integra todo o itinerá-
rio formativo das pessoas, preparando-as para o mundo do
trabalho, para definirem seus próprios itinerários de profissio-
nalização. A escola, ao planejar os seus cursos, deve pensar
em itinerários formativos das pessoas, de tal maneira que elas
possam construir o seu percurso de profissionalização. As
pessoas se preparam efetivamente para o mundo do trabalho
com uma sólida educação básica e complementarmente com
uma sólida educação profissional. A educação profissional
está situada na confluência de dois direitos fundamentais
do cidadão: o direito à educação e o direito ao trabalho, ou
seja, o direito à profissionalização, conforme cita o artigo 227
da Constituição. A educação profissional é então entendida
não mais como preparação para o posto de trabalho. Não é
treinamento operacional. Não é formação de mão de obra.
Até porque não existe mais aquela clássica separação entre a
mão de obra e o “cabeça” da obra, o gerente, o planejador, o
controlador de qualidade. hoje, cada vez mais, quem faz deve
saber por que está fazendo dessa maneira e não de outra. E
quem faz é chamado a planejar a sua ação profissional, a con-
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trolar a qualidade de seu serviço profissional. Então se exige
um profissional mais completo em termos de desenvolvimento
de competência profissional. Dessa forma, na LDB, a educa-
ção profissional integra as dimensões de educação, trabalho,
ciência e tecnologia. Assim, trabalha com o desenvolvimento
do conhecimento dos saberes e não de um conhecimento
desvinculado da prática. A própria prática é impregnada de co-
nhecimento. Muitos trabalhadores desenvolvem o seu conheci-
mento profissional na prática, sem cursos. É por isso que existe
a alternativa da certificação profissional, de avaliar, reconhecer
e certificar os seus conhecimentos desenvolvidos na prática,
para fins de continuidade de estudos e até de conclusão. Dessa
forma, é essencialmente um trabalho educativo voltado para a
realidade do mundo do trabalho.
EPCT | Que norte deve guiar os projetos dos cursos de educação profissional?
O perfil profissional é que estrutura o curso de educação
profissional. Quando vou planejar um curso, seja de qualificação,
técnico ou de tecnologia, seja um curso de graduação ou de pós-
graduação, procuro sempre saber quem é esse profissional, qual
é o campo de atuação dele no mundo do trabalho, quais são
os limites de sua atuação, com quem ele se relaciona, qual é a
cultura dele. Num mundo cada vez mais em constante evolução,
provocada especialmente pelo desenvolvimento científico e tec-
nológico, é importante as dimensões da ciência e da tecnologia
para a qualificação e a evolução desse profissional no mundo
do trabalho. Por isso é que toda instituição de educação profis-
sional, seja de nível básico, seja de nível técnico, seja de nível
superior, tem de ser um centro de referência tecnológica para
trabalhadores e empregadores na sua área de atuação e na re-
gião onde ela está situada. Esse é o grande desafio da educação
profissional pós-LDB.
EPCT | O senhor pode nos exemplificar algum caso de sucesso, algu-ma instituição de educação profissional que tenha conseguido essa articulação entre teoria e prática, certificação de competências, de saberes oriundos da vivência da pessoa, que sirva de modelo para as outras instituições do Brasil?
Nós temos vários modelos. É claro que nós estamos
aprendendo ainda. A LDB é de 1996. A discussão em torno das
diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional
começou logo em 1997, a partir do Decreto 2.208/97, que foi
o primeiro decreto regulamentador. Depois, teve outro decre-
to, o Decreto 5.154, de 2004. Só em 1999, três anos depois da
promulgação da LDB, é que o Conselho Nacional de Educação
conseguiu definir diretrizes curriculares nacionais. Porque
estava muito difícil para o próprio Conselho, para os próprios
conselheiros, identificar o cerne da nova orientação da LDB
em termos de uma educação comprometida, que articulasse
as dimensões educação, trabalho, ciência e tecnologia, objeti-
vando o desenvolvimento de competências profissionais para
desenvolver um trabalho integrado e articulado no mundo da
educação, do trabalho e no mundo da ciência e da tecnolo-
gia. É uma mudança cultural muito grande. De início, muitas
pessoas falavam: “bom, mais eu vou organizar, então, por
competências. Isso significa que eu não vou mais organizar
por conteúdo?” Quer dizer, eu não vou deixar o conteúdo de
fora. É a capacidade de articular e mobilizar conhecimentos e
habilidades que deve ser levada em consideração. Eu tenho
que ver que conhecimentos são necessários para desenvolver
aquela competência, porque competência implica capacida-
de de articular conhecimentos, habilidades, atitudes, valores,
emoções. Com que valores eu vou trabalhar aqueles conteú-
dos? Que habilidades eu vou desenvolver? Então, se eu estou
organizando um curso básico de cabeleireiro, eu tenho de
questionar: quais são as práticas do cabeleireiro? Quais são
os conhecimentos que formam aquela prática e como aquela
prática dá forma aos conhecimentos? Eu não posso fazer de
maneira descolada: agora, é teoria; agora, é prática. Tem-se
de trabalhar de maneira integrada, porque o conhecimento
informa a prática e a prática informa o conhecimento tec-
nológico. Muitas escolas começaram a trabalhar com isso já
a partir de 1999. Nós consideramos como momento de tran-
sição, de 1999 até o final de 2000. E ampliamos depois esse
momento de transição até o final de 2001, porque as escolas
tinham muita dificuldade de se planejarem dessa maneira. As
primeiras instituições que implantaram essa nova proposta
foi o Senac, o Senai e muitas unidades da rede federal de
ensino, alguns Centros de Educação Estadual, como o Centro
de Educação Estadual Paula Souza, em São Paulo. A comu-
nidade europeia está seguindo a mesma linha. Só que eles
começaram antes da gente. Quando nós estávamos discu-
tindo as diretrizes curriculares nacionais, nós nos inspiramos
nos debates que estavam ocorrendo na Espanha, Inglaterra
e França, em Portugal e também no Canadá, em termos de
organização da educação profissional comprometida com o
desenvolvimento de competências. Em 1999, estive em Turim,
no Centro de Educação Profissional da OIT (Organização
internacional do Trabalho), junto com a Cleonice Rein, do
Ministério da Educação, discutindo com gente do mundo in-
teiro o planejamento de ensino centrado no desenvolvimento
de competências. O Canadá conseguiu resultados muito mais
efetivos porque desenvolveu uma cultura de planejamento,
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de competências profissionais,
com professores e técnicos, de
maneira mais sólida, mais parti-
cipativa e com maior debate.
EPCT | Qual o papel do professor nesse novo modelo?
Neste ponto, a nossa LDB
é muito sábia. Nos artigos 12 e
13, que, para mim, está ali a sua
espinha dorsal, são definidas as
competências das escolas, inclusi-
ve da educação profissional, e dos
docentes. A primeira competência do professor não é dar aulas e,
sim, participar da concepção, elaboração, execução, avaliação e
replanejamento do projeto pedagógico da escola. Participar no
sentido de pelo menos ter pleno conhecimento, ou, num segundo
estágio de participação, vestir a camisa da escola para concretizar
aquele projeto pedagógico ou, num estágio mais aprofundado
de participação, fazer a escola vestir a sua camisa, ao levar os seus
conhecimentos, suas habilidades e seus valores para aprimorar o
projeto pedagógico da escola. A segunda incumbência também
não é dar aula. É elaborar o seu plano de trabalho de forma coe-
rente, vinculada com o projeto pedagógico da escola. A terceira
incumbência ainda não é dar aula. É zelar pela aprendizagem
dos alunos. Porque as atividades de ensino terão de ser avaliadas
pelos resultados de aprendizagem dos alunos. Se o aluno não
aprendeu, não significa que o professor não ensinou. Significa que
não foi eficaz a ação docente do professor. A quarta incumbência
do professor ainda não é dar aula. É recuperar os alunos de menor
rendimento. Quando isso foi apresentado no Senado Federal, o
senador Darcy Ribeiro foi questionado: “Escuta, vocês estão colo-
cando recuperação antes de dar aula?” E ele disse: “Claro. Só que,
antes da recuperação, está o zelo pela aprendizagem dos alunos”.
Em termos de competência, esse conteúdo tem de ser trabalhado
de maneira que todos entendam, que todos consigam fazer o link
da informação nova com a informação antiga. Se não tem infor-
mação antiga, tem de ter, por isso a recuperação. Só depois disso
é que vem a incumbência de dar aula. Então, é uma inversão que a
LDB fez, e que é importante. O objetivo da educação profissional é
o desenvolvimento de competências para o exercício profissional
competente. É isso que uma pessoa, por exemplo, quando entra
no Senac está procurando, seja na faculdade, seja no curso técni-
co, seja num curso de capacitação ou de qualificação profissional
na formação inicial, seja num curso de aperfeiçoamento e de
especialização. Ele quer melhorar o seu desempenho profissional
constituindo competências profissionais, que nós entendemos
com clareza como a capacidade
de articular, mobilizar, colocar em
ação conhecimentos, habilidades,
atitudes, valores, emoções para
responder aos requerimentos da
vida profissional.
EPCT | O senhor poderia falar um pouco sobre a avaliação de competências?
Na realidade, a verdadeira
avaliação de competência não
ocorre na escola, ocorre no
mundo do trabalho, quando se está empregado. É lá no trabalho
que verdadeiramente se é avaliado. A escola avalia evidências
de desempenho e competência, mas não avalia o desempenho
e a competência. Porque, mesmo que o aluno desenvolva uma
determinada tarefa ou uma prática profissional, ele vai desen-
volver numa situação de laboratório. Ele pode explicá-la, pode
demonstrar que sabe o que está fazendo, pode desenvolver
aquela mesma prática profissional de duas, três, maneiras dife-
rentes, mas só estará evidenciando à escola que ele desenvolveu
tais competências. Ele só vai provar mesmo que desenvolveu
competências e habilidades lá fora, depois que ele sair da escola.
há um tempo, eu fui chamado por uma escola que estava
desenvolvendo um curso de técnico de Publicidade. O diretor
da escola estava preocupado e me chamou para discutir com
professores e técnicos a reformulação do curso técnico de
Publicidade, que oferecia 40 vagas. O ponto de equilíbrio do
curso era 20 alunos matriculados. Se ele tivesse uma evasão ou
inadimplência e se a soma não ultrapassasse 20 alunos, ele não
estaria perdendo. Ele teria lucro a partir de 21, 22 até 40 alunos
matriculados. E começaria a perder na hora em que a inadim-
plência e a evasão chegassem aos 20. E essa escola estava no
vermelho. Era uma escola que mantinha o curso de técnico em
Publicidade a longo tempo, mas, naquele ano, o curso estava só
com 16 alunos dos 40. Estava faltando pelo menos mais quatro
para ele empatar. O diretor queria saber o que estava acontecen-
do e então me chamou para fazer uma discussão e avaliação. Os
professores dele eram os mais gabaritados. Um deles era gerente
de produção de uma grande empresa de Publicidade. Um outro
era gerente comercial de outra empresa de Publicidade. Tanto
a parte comercial quanto a de produção era muito bem traba-
lhada. Eram dois gerentes de duas boas empresas. E outros com
formação na ECA-USP. Todos tinham formação de nível superior
de boa qualidade. Eu comecei discutindo com os professores
o plano de curso. Eles achavam que o plano de curso era bom.
Na realidade, a ver-dadeira avaliação de competência não ocorre na esco-
la, ocorre no mundo do traba-lho, quando se está emprega-do. É lá no trabalho que verda-deiramente se é avaliado.
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Ensinavam tudo o que estava no plano e os alunos gostavam do
curso. Perguntei para um dos professores, que era gerente de
uma empresa de Publicidade, se ele levaria um aluno de lá da es-
cola para trabalhar com ele como técnico de publicidade. Ele deu
uma parada e disse: “Eu acho que não”. “E você?” Perguntei para
o outro, que era gerente comercial de uma agência de publicida-
de: “Eu com certeza não levaria. Eu poderia levar como trainee de
técnico de publicidade. Eu o contrataria como trainee.” Eu disse:
“Bom, então muda o nome do curso de técnico de Publicidade
para trainee.” O dono da escola quase me bateu: “Claro que não!”
Mas eu falei: “Você, então, está fazendo propaganda enganosa.
Você está vendendo um curso de técnico em publicidade e não
é técnico. Os seus dois professores que trabalham numa agência
de Publicidade disseram que não os contrataria.” E poderiam
dizer: “Ah, mas a minha agência é agência de ponta!” “Ah, então,
você está preparando para agência pobre. Você não está pre-
parando profissional competente.” Então, eu disse que não ia
preparar o plano de curso deles. O dono da escola falou assim:
“Vocês podem criar o curso que vocês quiserem, podem mudar o
currículo do jeito que vocês quiserem. Eu vou manter o contrato
de trabalho do jeito que está. E se a gente conseguir manter pelo
menos 30 alunos pagantes, o que passa do back-in eu vou dividir
com vocês os lucros.” Daí, eles planejaram um curso fantástico.
Eles chegaram à conclusão de que deveriam reorganizar todo
o conteúdo do curso por projetos. E, ao invés de organizar o
curso por disciplina, eles iriam organizar o curso por projetos.
Criaram 35 projetos diferentes. Aqueles 35 projetos davam conta
de todo o conteúdo do curso. Cada aluno, ao se matricular, re-
cebia um projeto para trabalhar durante o curso. O aluno fazia
um contrato de aprendizagem e de trabalho com a escola. Os
professores começaram a ser considerados pelos alunos como
clientes. Eles se colocavam na posição de cliente, contratavam o
projeto e forneciam informações tecnológicas para executá-lo. E
o aluno se comprometia a desenvolver o trabalho e dar conta do
recado para o seu cliente, que era o seu professor. Cada professor
pegou, segundo sua carga horária, de um a cinco alunos. No final
do curso, os professores tinham 35 projetos. E cada aluno saiu
com um portfólio embaixo do braço, com 35 projetos em mãos
e podia falar à empresa que tinha experiência. “Eu desenvolvi
um projeto para fulano de tal, porque ele fez o contrato – tinha
até o contrato para mostrar – e participei da elaboração de 34”.
Conclusão: dos 35 alunos que entraram, 33 se formaram. E esses
dois que não terminaram o curso não o fizeram porque mudaram
de Estado. Um terceiro aluno iria sair, porque perdera o emprego
e não tinha como pagar a escola. Os alunos discutiram em classe
e se propuseram a fazer uma “vaquinha” para pagar a mensalida-
de dele, mas o diretor, sabendo disso, deu a ele uma bolsa até ele
arrumar um emprego. Entretanto, se o diretor não tivesse dado a
bolsa a ele, os alunos teriam se reunido e feito a “vaquinha”, por-
que qualquer um que saísse atrapalharia o andamento dos pro-
jetos. Aqueles dois que saíram tiveram de passar o projeto em
andamento para outro aluno que tinha tempo disponível para
assumir dois trabalhos. Depois, eu soube que, no ano seguinte,
eles decidiram aprimorar um pouco, e em vez de o trabalho ser
só individual, teria também a opção de dois ou mais assumirem
o mesmo trabalho. E, com essa possibilidade de trabalho coo-
perativo, os projetos melhoraram. Porque, no primeiro ano, em
que o aluno fazia sozinho os projetos, houve muita necessidade
de apoio do professor na recuperação de alguns alunos que ti-
nham maiores dificuldades. E com o trabalho cooperativo, eles
conseguiram manter quase o mesmo ritmo. Aí a avaliação ficou
mais fácil. Por fim, tem escolas na área industrial, eu vi várias, que
constroem trabalhos maravilhosos. Na própria escola do Sesc,
os alunos de um curso de qualificação profissional na área de
Publicidade fizeram peças publicitárias sobre políticas públicas
para cada Ministério e foi um sucesso.
EPCT | Professor, o senhor foi relator das Diretrizes Curriculares para Educação Profissional de Nível Técnico e atualmente examina as diretrizes para os cursos Tecnológicos. Qual o papel dos cursos Tecnológicos no desenvolvimento do Brasil e quais são as suas especificidades?
Quando eu estava relatando as diretrizes para os cursos de
Tecnologia, eu insisti que o tecnólogo é graduação. Ele é um
curso superior de graduação. Isto está na reforma da LDB. Isso foi
marcado, inicialmente, no meu parecer de 2002, que definiu as
diretrizes para a tecnologia. É uma graduação focada no mundo
do trabalho, no desenvolvimento tecnológico, não no sentido
de preparar as pessoas para utilizar tecnologia, mas no sentido
de preparar as pessoas para desenvolver tecnologias, para ad-
ministrar o uso delas, para aprimorá-las e para ter condições de
atuar no mundo do trabalho. Não é um curso generalista. E esse
é o grande diferencial do tecnólogo. É um especialista que não
está voltado exclusivamente para o fazer. Tem condições de ficar
atento ao desenvolvimento tecnológico e ao que ele representa
como desafio para sua empresa e de implementar inovações. Eu
fiquei muito feliz quando participei de um debate em Maringá
(PR), promovido pelo Conselho Regional de Engenharia, em
que o presidente do conselho do CREA do Paraná disse: “Eu
não tenho a menor dúvida quando eu tenho uma demanda na
área de saneamento básico, na área de pontes’ e eu tenho um
engenheiro generalista e um tecnólogo formado em Umuarama.
Eu fico com o tecnólogo”. Então, ele estava dizendo que aque-
la faculdade de tecnologia de Umuarama, que é vinculada à
Universidade Estadual de Maringá, está fazendo o que tem de
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ser feito com seus tecnólogos. Nós temos alguns cursos de tec-
nologia do Senac de São Paulo, por exemplo, na área de Turismo,
que concorre com turismólogos formados no nível de bacharela-
do e ganha todas. Porque ele tem o conhecimento tecnológico,
tem a prática, e tem condições de utilizar-se de serviço e de
novas tecnologias, de administrar o uso de novas tecnologias, de
alterar fazeres na própria empresa e de planejar essa alteração
de modo consequente. A mesma coisa aconteceu com o nosso
primeiro curso de gestão ambiental: teve uma grande empresa
que contratou quatro alunos, por conta da competência desses
tecnólogos na administração de novas tecnologias para resolver
os desafios da empresa naquela área de gestão ambiental.
EPCT | Recentemente, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emi-tiu parecer questionando a ampliação da oferta da educação pro-fissional em nível tecnológico por parte do Sistema S. Como o CNE e o MEC têm se posicionado frente aos pedidos de credenciamento de novas instituições de educação superior do Sistema S?
Aqui tem uma questão muito complicada que deve ser ana-
lisada. Primeiro, ninguém questiona a capacidade do Sistema
S no desenvolvimento da educação profissional, tanto no nível
técnico quanto no nível tecnológico ou nos níveis básicos. O
questionamento surgiu na Câmara de Educação Superior e
pode indicar muito menos uma preocupação com a competên-
cia com que o Senac e o Senai estão atuando na educação supe-
rior e mais com o fato de estarem “tirando” mercado de escolas
particulares. Eles alegam que o Sistema S recebe dinheiro pú-
blico decorrente de contribuição compulsória para a formação
básica do trabalhador e não para a formação em nível superior,
que é assunto das Universidades e dos Institutos Superiores
de Tecnologia. O próprio Ministério da Educação não assumiu
esse questionamento da Câmara Superior de que o Senai e o
Senac não têm, legalmente, vocação para a educação superior.
Da mesma maneira que a nossa lei de criação não fala explicita-
mente dos cursos de educação superior, o da rede federal tam-
bém não falava no início. Porém o mundo evoluiu. E o Senac e
o Senai têm hoje trabalhado toda a sua estrutura ocupacional
com cursos básicos, cursos de formação inicial, continuada e
de qualificação, cursos técnicos e também cursos superiores.
Estatisticamente, os nossos cursos superiores, em nível na-
cional, não chegam a 5%. É inferior a isso. 80% são cursos de
formação inicial, continuada e de qualificação e menos de 20%
são os cursos técnicos. O Ministro aceitou o questionamento
em termos de bacharelado, mas em termos de tecnologia, não,
porque a própria LDB define a educação profissional, tanto a
qualificação, quanto o técnico, o tecnológico, a graduação e a
pós-graduação, inclusive a formação de professores para a edu-
cação profissional, como nosso negócio também. A discussão
hoje está muito mais em torno do Bacharelado. Porém, para o
Senac oferecer um curso de bacharelado, este precisa ser um
curso que faça a diferença. Para fazer igual aos outros, não tem
por que fazer. Aí vale aquela mesma orientação: tem de ser um
centro de referência tecnológica para trabalhadores, emprega-
dores e para a sociedade em geral.
EPCT | Professor, poderia concluir falando um pouco sobre os rumos da educação profissional, para onde estamos caminhando?
Eu sou um otimista inveterado. Eu acho que a LDB colocou
a educação profissional em um novo patamar e não tem volta.
Nós estamos, neste século XXI, caminhando para uma educa-
ção profissional que conduz efetivamente as pessoas para o
desenvolvimento de competências profissionais. Chame isso de
competência, chame como quiser, mas a exigência é essa. Num
mundo pleno de tecnologia e conhecimento e de exigência de
profissionais de qualidade e de produtividade, ou nós nos en-
gajamos nesse movimento de aprendizagem permanente, para
responder aos desafios da vida profissional de modo original
e criativo a cada momento, ou estaremos perdendo a parada
nesse mundo globalizado. É uma questão de inclusão ou de
exclusão. Ou desenvolvemos uma educação profissional de qua-
lidade, que seja referência para trabalhadores, empregadores e
para a sociedade, ou não sobreviveremos. A nossa sobrevivência
está na qualidade do serviço que nós oferecemos para os nossos
clientes, que são os nossos alunos, os empregadores dos nossos
alunos e a sociedade que se beneficia do trabalho dos profissio-
nais que nós capacitamos.
Entrevista concedida em 27.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 43-47, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
ISMÁRCIa GONÇalVeS SIlVa, tIaGO ROdRIGUeS, CaROlINe FeRReIRa > Por Juliana Caixeta & Rafael VoigtIsmárcia Gonçalves Silva é Professora do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro.Thiago Rodrigues é Estudante de Química do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio de JaneiroCaroline Ferreira é Estudante de Química do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro.
Desafios e conquistas do Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet)
EPCT | Conte-nos um pouco sobre o Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemáticas.
Professora Ismárcia: Como conversamos ontem na ofici-
na1, as licenciaturas começaram em 2004 com os cursos de
Química, Física e depois Matemática. Nós sempre tivemos a
preocupação de trabalhar muito bem a área de ensino dentro
do projeto do curso, de forma a capacitar nossos alunos para
trabalharem com versatilidade, utilizarem diversos materiais
didáticos e entenderem o ato de ensinar. hoje, nós trabalha-
mos dentro de uma nova proposta orientada pelo MEC. Antes,
os alunos cursavam disciplinas específicas, para só então
cursar disciplinas da área pedagógica. hoje, em nosso curso,
os alunos estão sendo preparados desde o início para serem
educadores de Química, Física e Matemática. O Laboratório de
Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet)
surgiu da necessidade de criar um ambiente que fosse comum
às três licenciaturas, que já tinham muitas pesquisas acumula-
das nessas áreas, para que os professores de Física, Química e
Matemática pudessem trabalhar essas disciplinas em sala de
aula. Os cursos são independentes. há uma grade curricular
1 Oficina interdisciplinar de ensino de ciências e matemática aconteceu no dia 26/11/2009 como atividade autogestionada do I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica. Foi ofertada pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ.
para cada um. Porém, existem componentes curriculares que
são comuns aos três cursos e a estrutura é muito semelhante.
A proposta é formar educadores nessas áreas e o Labmet é um
ambiente em que os alunos vão trabalhar junto conosco, crian-
do e testando materiais didático-pedagógicos.
EPCT | O Labmet é uma determinação do MEC?
Professora Ismárcia: Sim. Esse projeto é da Capes/MEC. Nós
tínhamos a ideia e o pessoal qualificado para trabalhar, mas
não tínhamos o investimento. A aprovação desse projeto era
tudo o que nós precisávamos. O laboratório está se construin-
do a partir disto: da união de pessoas qualificadas, de pessoas
interessadas e do investimento que temos.
EPCT | Há quanto tempo existe o Laboratório?
Professora Ismárcia: O curso de Química existe desde 2004,
já o Laboratório está passando a existir, de fato, agora.
EPCT | Qual a função do Labmet para vocês alunos?
Professora Ismárcia: Deixa eu explicar para ficar bem
claro, até para entender, porque eles vão falar sobre isso. O
Laboratório, ambiente físico, ainda não existe. Quer dizer, o
Laboratório existe, só que ele não está equipado. Então, por
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enquanto, a gente realiza todo o projeto dentro da sala de aula,
tanto no curso de Química quanto nos outros cursos.
Aluno Tiago Rodrigues: Na disciplina de Química, da professo-
ra Ismárcia, além de trabalharmos os textos mais teóricos e pe-
dagógicos, nós nos aprofundamos no ensinamento dos autores,
pondo-os em prática por meio de materiais alternativos. Esses
materiais alternativos é uma forma interessante de tentar sanar
as dificuldades de recursos pedagógicos que encontramos nas
escolas públicas, por isso é importante pôr isso em prática e que
isso possa crescer cada vez mais.
EPCT | A ideia de usar materiais alternativos vem de onde?
Aluna Caroline Ferreira: Essa ideia de usar material alternativo
– ou de baixo custo – veio da dificuldade de as escolas, princi-
palmente as públicas, conseguirem material para trabalhar com
essas atividades específicas. O mais fácil para o professor é dar
uma ideia da utilização desses materiais, para poder trabalhar
em sala de aula sem um laboratório propriamente dito.
Professora Ismárcia: Posso até complementar. A pesquisa
com materiais alternativos não é nossa. Nós não iniciamos
essa pesquisa. Ela já existe. Nós temos publicações de outros
autores dessa área. Eu posso dizer que eu faço isso desde que
eu estava na graduação, porque dentro da Universidade Rural
nós já trabalhávamos um projeto de integração de ensino de
ciências com a universidade. A intenção era usar ao máximo
qualquer material que fosse viável dentro de qualquer espaço.
Então, é uma pesquisa antiga, que, hoje, várias licenciaturas
tentam fazer adaptações. O interessante é que eles, os alunos
que estão conosco, fazem essa pesquisa. Eles são estimulados
dentro do seu curso, de uma disciplina como a Química em
Sala de Aula, a buscarem isso. A gente brinca que é uma pes-
quisa diferente, é entrar numa farmácia, numa drogaria, num
supermercado e descobrir o que tem dentro deles que pode-
mos usar em sala de aula. Não é para minimizar a importância
de um laboratório, até porque eles sabem que este também
é importante. Eles trabalham, eles estudam dentro de um la-
boratório. Mas é para mostrar que a aula experimental, que é
essencial para o desenvolvimento da nossa ciência, não pode
ficar restrita a um ambiente que tenha tecnologia. Então, são
essas adaptações que eles fazem. Eles buscam recursos que
possam ser utilizados nos espaços que não têm tecnologia ou
que não estão totalmente preparados.
EPCT | O ensino de Ciências e Matemática foi apresentado neste Fórum como um grande desafio para muitos países, inclusive para o Brasil. É uma das áreas que tem mais nota baixa. Em que medida o Labmet pode contribuir para a reversão do fracasso escolar nas áreas de Ciências e Matemática?
Professora Ismárcia: Eu já trabalho com a área de ensino
há bastante tempo, inclusive numa escola pública do Estado
do Rio de Janeiro. Essa deficiência é uma coisa que qualquer
professor da área de Ciências da Natureza e Matemática per-
cebe. O que nós tentamos no Labmet é buscar metodologias
que possam melhorar tanto a interação aluno/ensino de
Ciência quanto a interação professor/aluno. Nós buscamos
mostrar isso ontem, na oficina. Muito mais do que trabalhar
uma fórmula, é poder ajudar o aluno a construir um conceito,
que é a maior dificuldade. Se analisarmos as turmas que eu já
assumi até hoje, vamos perceber que a linguagem e a cons-
trução de conceitos são as maiores dificuldades dos alunos.
Então, se ele tem dificuldade de construir um conceito, ele
vai simplesmente memorizar, e aí, se tiver boa capacidade de
memorização, ele vai em frente sem perceber que aprendeu
ou não. O professor também não percebe. Então, o aluno ou
vai ficar retido ou vai ter dificuldade. E a dificuldade que mais
tenho enfrentado é a construção de conceitos, que vem desde
o momento em que o aluno começa a estudar Matemática e
Ciências. O que não é no ensino médio, com certeza. É desde
sua formação básica, sua formação fundamental. Por isso,
a tentativa das propostas desenvolvidas no Labmet não é
apenas formular e elaborar um experimento, mas também
elaborar uma metodologia para aplicar esse experimento,
para desenvolvê-lo dentro da aula. Porque o experimento
por si não resolve, mas sim como ele vai ser aplicado e uti-
lizado para construir um determinado conceito. A mediação
é importante. A linguagem que o professor vai utilizar, como
ele vai mediar isso em conjunto com seu aluno também.
Portanto, essa tem sido a preocupação do Labmet.
EPCT | Quais trabalhos o Labmet já desenvolveu ou vai desenvolver para multiplicar esses conhecimentos com os grupos sociais locais ou além das fronteiras do estado do Rio de Janeiro? O que vocês pensaram como proposta de atividades para divulgá-los?
Professora Ismárcia: Num primeiro momento, nossa pro-
posta junto ao Prodocência – Programa de Consolidação
das Licenciaturas - é fazer atualizações ou oficinas junto
aos nossos professores e colegas da rede que trabalham no
município de Nilópolis, que é o nosso foco, e nos municí-
pios do entorno. Nosso objetivo é trabalhar primeiro com os
nossos colegas mais próximos. À princípio, trabalharemos
com oficinas, mas também são previstos cursos de aperfei-
çoamento e atualização. Assim, nossa intenção é aplicar, a
partir de 2010, em todas as escolas da rede, a oficina que
aplicamos aqui no Fórum. As oficinas terão um tutor para
dar um suporte e uma segurança a mais aos participantes.
Sendo assim, o ano de 2010 será um ano de muito trabalho.
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Todos estão felizes de entrar
no projeto e ficarão felizes de
trabalhar bastante também.
EPCT | E como vocês selecionam os alunos?
Professora Ismárcia: Nesse
primeiro momento, nós esta-
mos selecionando a partir da
experiência que os alunos têm
dentro do curso. Não avaliamos
em relação a notas, mas em re-
lação às experiências que eles acumularam durante o curso. Os
dois alunos aqui já estão na metade do curso. Eles chegaram a
um ponto em que eles já têm uma boa bagagem tanto na área
específica, quanto na área de ensino, que é o que a gente mais
precisa. Em princípio, nós selecionamos a partir da manifestação
de interesse do aluno. Os dois que estão aqui já fazem parte de
um projeto de pesquisa, que é o PIBID - Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência. Eles quiseram fazer parte do proje-
to. Nós temos outro aluno, que é de Matemática, que tem uma
bolsa de iniciação científica, ele a ganhou a partir da experiência
acumulada dele e do interesse de participar.
EPCT | E quando o PIBID ganhar reconhecimento na universidade, como é que vocês vão fazer para selecionar?
Professora Ismárcia: Ano que vem, nós, com certeza, vamos
precisar de mais pessoas, e pessoas interessadas. Então, já para
março ou abril, nós devemos abrir inscrição e fazer as entrevistas.
Agora, como é que nós vamos avaliar quem é que vai entrar ou
não, vai ser uma tarefa difícil. Pois a entrevista é uma avaliação
qualitativa. Não tem como nós quantificarmos quem está mais
interessado ou não. O nosso curso é noturno. Muitos dos nossos
alunos trabalham durante o dia e por isso têm pouca disponi-
bilidade. Esse aspecto, infelizmente, será um dos critérios de
seleção. Muitos deles estão aptos a trabalhar, mas, por terem
dedicação a um emprego durante o dia, ficam impossibilitados.
Então, a seleção vai ser a partir do interesse, da bagagem acumu-
lada e da disponibilidade para trabalhar.
EPCT | Vocês pensam em ampliar, por exemplo, atividades no sá-bado ou no domingo para que os alunos que trabalham durante a semana possam participar?
Professora Ismárcia: Sim. Pensamos em ampliar para o sába-
do, principalmente, porque daí conseguiremos fazer atividade
dentro de uma outra escola, e
não necessariamente só na nossa.
Podemos fazer uma atualização,
uma oficina numa escola local.
Assim, se tivermos um público in-
teressado numa escola da rede no
nosso município ou em município
próximo, nós podemos ir até lá.
O Labmet tem uma sede dentro
do Instituto Federal de Educação
Profissional, no entanto, ele é uma
proposta que pode circular para
onde ele for necessário.
EPCT | Vocês pensam em montar um laboratório móvel, um labo-ratório de matemática itinerante, por exemplo, como é isso para vocês? Conte-nos a experiência de vocês ao montar o laboratório móvel e o que são aquelas malinhas?
Aluno Tiago Rodrigues: O interessante da Química em sala
de aula é que eu já tinha montado os kits2, uma espécie de com-
plemento. Dentro do município de Nilópolis, as escolas foram
selecionadas e nós levamos os kits para os alunos. Sabendo das
dificuldades das escolas, nós não exigimos salas com azulejo nem
nada disso, só pedimos que o ambiente tivesse bancada, água e
boa iluminação, só esses recursos. Com os nossos kits, que é feito
com objetos e soluções alternativas, nós estudamos a proposta e
a metodologia que seria aplicada para os alunos. Eu trabalho com
alunos do ensino fundamental e é difícil conseguir deles um enten-
dimento do conteúdo, mas, com esses materiais alternativos, ao
fazermos a mudança do ácido e base da coloração, eles observam
aquilo e ficam bestificados. E com interesse eles falam: ‘poxa, pro-
fessor, semana que vem tem outra experiência?’. E são alunos de es-
cola pública, então o professor já vai com aquele preconceito: será
que eles vão gostar? Então, quando eles veem os experimentos
serem realizados, eles ficam encantados e pedem mais e mais. Esta
experiência está sendo muito boa. E com o Laboratório, esperamos
mesmo ampliar esses conhecimentos que adquirimos durante o
curso de licenciatura, entrar nas escolas e ver como vai ser.
Professora Ismárcia: Como uma espécie de estágio, os alunos
vão às escolas e instituições de ensino para atuarem diretamente
por meio dos laboratórios portáteis. Com o laboratório móvel,
os alunos podem trabalhar com os professores, qualificando-os
e formando multiplicadores para atuarem em outras escolas
2 Os kits são maletinhas em que os alunos colocam materiais a serem usados em experimentos que são conseguidos em farmácias, pet shops, supermercados, entre outros comércios de fácil acesso. Os alunos entrevistados, por exemplo, tinham kits feitos com soluções encontradas em lojas de aquários e kits feitos com materiais de sucata.
A dificuldade que mais tenho enfren-tado é a construção de conceitos, que
vem desde o momento em que o aluno começa a estudar Matemática e Ciências.
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e instituições. A intenção do Labmet é ter um conjunto de ex-
perimentos e de atividades propostas, chamados de kits, que
possam se deslocar de um ambiente para outro e que possam
ser multiplicadores. Uma das propostas dentro da Labmet é
fazer oficinas de atualização e capacitação, fornecendo às esco-
las alguns materiais básicos de laboratório que não podem ser
substituídos. Nós compramos esses materiais por meio de verba
recebido do projeto Prodocência. A proposta também é oferecer
em algumas escolas materiais alternativos que possam substituir
os oficiais e ensiná-las como usá-los de maneira alternativa.
EPCT | Como vocês compartilham essas experiências do Labmet com os cursos profissionalizantes, especialmente aqueles que têm Química, Física e Matemática em seus currículos? Sabemos que as dificuldades nessas disciplinas não é são só no ensino médio tradicional. Os alunos que cursam cursos técnicos também têm e re-clamam de dificuldades de aprendizagem nessas áreas específicas. Como vocês do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia podem contribuir para que os alunos de cursos técnicos e profissio-nalizantes possam entender mais facilmente os conhecimentos de Física, Química e Matemática?
Professora Ismárcia: Primeiro, realizaremos uma oficina de
capacitação dentro da nossa própria instituição. Vale lembrar que
os nossos cursos técnicos estão dentro da área de Química, tendo
apenas alguma bagagem de Física e Matemática. Então, aluno
vai estudar Química do início ao fim do curso. Para tentar sanar
alguma possível dificuldade que os alunos apresentam no início
do curso, faremos uma qualificação interna, não para falar dos ex-
perimentos, porque isso os professores já fazem nos laboratórios,
mas para falar da construção dos conceitos na realização desses
experimentos, que é o mais importante no momento. Então só
depois é que passaremos a qualificar as escolas da região.
EPCT | Quais são os maiores desafios no ensino integrado nas es-colas em geral? Ontem, vocês propuseram uma oficina integrando várias áreas do conhecimento. Imagino, então, que vocês já tenham alguma experiência com a integração de áreas de conhecimento nos cursos.
Professora Ismárcia: Essa integração é extremamente difícil.
Quando sugerimos uma atividade ou oficina interdisciplinar, o
primeiro obstáculo é o de os professores de áreas diferentes se
encontrarem. Eu sei, porque eu vivencio isso sempre. Contudo,
uma das coisas que eu sempre digo é: temos de tentar. Temos
de tentar pelo menos conversar, fazer um planejamento com
o colega de outra área. E, na medida em que esse planejamen-
to ou essa conversa for ficando limitados, temos de ter esse
pensamento interdisciplinar. O professor, dentro da sua área,
tem de saber fazer essas relações em sala de aula, tentando ao
máximo fazer esse contato com as áreas correlatas. No institu-
to, por exemplo, não temos aulas interdisciplinares, mas temos
pessoas com atitudes ou propostas interdisciplinares em suas
aulas. Acreditamos que o Labmet seja um importante espaço
de possibilidade para essa integração. Por isso vamos começar
a trabalhar com a interdisciplinaridade dentro da instituição.
Porque temos de fazer a discussão interdisciplinar primeiro entre
nós. Nós temos de ter certeza do que nós desejamos e de qual é
a nossa proposta.
EPCT | Foi desafiante para vocês fazer esta oficina?
Aluno Tiago Rodrigues: Foi realmente um grande desafio.
Como a professora mencionou anteriormente, nós estamos há
menos de um mês nesta oficina. Foi desafiador arrumar as malas,
deixar as provas da faculdade e vir para o Fórum fazer a oficina.
De início, estávamos apreensivos se o experimento seria legal de
ser aplicado. Não sabíamos também em função de espaço como
seria. Fazendo uma avaliação geral, a oficina foi muito interessan-
te. Ao conversarmos com algumas pessoas, inclusive do Pará, elas
disseram que havíamos aplicado um experimento novo que eles
ainda não tinham feito no projeto deles. E até nos pediram uma
cópia por email, a qual gentilmente disponibilizamos. Gostaram
tanto dos nossos experimentos que quiseram levar para aplicá-los
no Pará. E isso foi bastante positivo para nós. Portanto, foi desafia-
dor sair do Rio de janeiro e vir para Brasília, sem saber como seria
a aceitação das pessoas presentes e a quantidade de pessoas. Nós
não esperávamos uma quantidade tão grande de pessoas. Foram
quase 60 alunos presentes, entre professores e educadores. Nós
esperávamos 20 ou 30 pessoas no máximo. E quando vimos aque-
la imensidão de alunos, professores, educadores, sentimos um frio
na barriga, mas valeu a pena. Foi muito produtivo. Estamos felizes
com a proposta que trouxemos para vocês de Brasília e de outros
estados. Acho que isso foi essencial para o Fórum.
EPCT | Qual o maior aprendizado que vocês estão tendo com essa experiência do Labmet?
Aluna Caroline Ferreira: O maior aprendizado que estamos
tendo e que vamos levar para a nossa carreira é a questão de
trabalhar com materiais alternativos em sala de aula, mostrando
que se pode ensinar Química de uma maneira mais simples, e
não só em laboratório, e ainda assim os alunos terem um bom
aproveitamento em sala de aula.
Professora Ismárcia: Eu só complementaria. Eu me sinto na
obrigação de falar. Se existe dificuldade de integração para o
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professor, é lógico que ela vai existir para quem está se formando
como professor também. Porque cada área tem suas especifi-
cidades. Os alunos tiveram dificuldade de integrar os conheci-
mentos de Química, Física e Matemática. E isso foi ótimo. Porque
tendo dificuldade agora, eles saberão, na hora em que tiverem
em sala de aula com uma turma, como é que o aluno do ensino
fundamental ou ensino médio se sente ao tentar juntar tudo
aquilo que todas as disciplinas dizem e transformar isso num
conhecimento. Eu tive dificuldade de orientá-los, e as professo-
ras Carla, na Física, e Gisela, na Matemática, também. Mas eles
conseguiram se sair muito bem. O planejamento foi anterior ao
período que eles mencionam. O período de um mês foi o perío-
do com os alunos, mas já temos essa oficina mais ou menos es-
truturada há uns dois anos. Ela começou só com Química, depois
Química e Física e posteriormente Química, Física e Matemática.
Ou melhor, as Ciências e a Matemática. A Biologia está implícita,
tem até uma atividade que envolve Biologia dentro do roteiro.
Só que nós não temos a licenciatura em Biologia. Então, os
alunos ainda não se sentem à vontade. Nós temos uma profes-
sora de Biologia no grupo, que é a professora Gabriela, mas não
temos alunos de licenciatura em Biologia. Primeiro, precisamos
construir em todos os alunos o pensamento de que são profes-
sores de ciências. Sendo professores de ciências, nós temos de
conhecer as ciências como um todo para só então conhecê-las
de acordo com suas especificidades.
EPCT | É ideia do Labmet futuramente poder compartilhar ou fazer, dentro do instituto, uma política de integração cada vez maior de várias áreas do conhecimento?
Professora Ismárcia: Sim. Primeiramente, dentro das próprias
licenciaturas. Porque mesmo que tenhamos uma proposta nova,
uma proposta dentro das novas diretrizes, todos nós formadores
temos, nesse momento, um histórico num curso tradicional. Meu
curso de licenciatura foi tradicional. Então, eu tenho de me trans-
formar para pensar de uma maneira diferente. Primeiramente,
temos de trabalhar essa ideia no nosso grupo de docentes das
licenciaturas. Nós temos de ter certeza de que estamos forman-
do um profissional diferente, um profissional integrado. E, para
isso, nós temos de repensar nossa formação também.
Entrevista concedida em 26.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 49-51, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
SaNdRa ReGINa GaRCIa > Por Ricardo SilvaSandra Regina Garcia é Professora Assistente da Universidade Estadual de Londrina na área de Políticas Educacionais
O ensino integrado: a experiência do Paraná
EPCT | Qual é a concepção do Paraná sobre o Ensino Integrado?
O Ensino Integrado é um sistema que possibilita ao jovem e
ao adulto ter uma formação integral em um único currículo, que
vai além daquilo que é necessário para o mercado de trabalho ou
para o seu processo de escolarização e formação continuada. Na
verdade, o Ensino Integrado é a possibilidade de o aluno fazer uma
escolarização profissional com uma formação mais sólida. Contudo,
esse sistema ainda está em processo de construção. No estado do
Paraná, iniciamos o projeto em 2004, e ainda não concretizamos a
segunda estruturação curricular. Para avançarmos nessa perspec-
tiva da integração, partimos da junção de conhecimentos para a
articulação de conhecimentos, pois julgamos ser este o caminho
necessário para o professor compreender a integração não só como
uma soma de disciplinas, mas também como uma construção de
conhecimentos num processo de formação única, continuada,
profissionalizada, voltada para a inserção no mercado de trabalho.
EPCT | Professora, quais são os arranjos curriculares do Ensino Integrado?
O currículo do Ensino Integrado parte de uma concepção
de sociedade, de formação do homem constituída coletiva-
mente, de forma representativa, diferentemente do coletivo. O
Currículo Integrado constitui uma rede, em regime não experi-
mental, que começou com setenta e seis escolas e foi aumen-
tando gradativamente. hoje são mais de duzentas escolas que
integram a rede no Paraná. Quando a escola opta pelo Ensino
Integrado, partimos então para a construção coletiva do currí-
culo. A secretaria não propõe o currículo, nem contrata profis-
sionais para elaborá-lo. Primeiramente, propomos que a escola
observe sua região, sua comunidade, por meio de indicativos e
estudos clipados do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
do Paraná, que a própria Secretaria apresenta, para então traçar
uma fotografia do Estado do Paraná e de suas expectativas para
o futuro. Então, a partir dessas duas perspectivas, é possível à
escola indicar, num rol de opções de cursos técnicos, o curso
mais adequado para a sua comunidade. Depois disto, nós con-
vidamos os gestores e professores da escola a iniciarmos um tra-
balho coletivo com base num documento da rede estadual que
apresenta os pressupostos pedagógicos e políticos da educação
profissional do estado do Paraná e que nos ajuda a escolher os
cursos. Para construirmos a proposta curricular, sempre con-
vidamos um profissional do ensino superior da área específica
de cada curso para articular os currículos com os professores da
escola. Lembrando que a matriz curricular é disciplinar, ordena-
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da de forma alfabética e não por prioridade – como disciplinas
básicas mais importantes que as disciplinas técnicas. A materiali-
zação desse currículo nas escolas tem uma variação muito grande.
Dizemos que ela é representativa, porque é um ir e vir. As escolas
indicam alguns professores, que participam da discussão, voltam
para a escola, discutem com seus pares e retornam até construir
a proposta curricular. Muitas vezes, a proposta não é unânime,
pois há pensamentos diferenciados, mas nós tentamos construí-la
de tal forma que a maioria dos professores concordem e tenham
opção de trabalho. E então a validamos. Após a validação, pro-
curamos de dois em dois anos fazer uma realimentação desse
currículo, buscando subsídios tanto da escola quanto dos alunos e
professores, para a reelaboração. Portanto, é um currículo que está
sendo sempre realimentado a partir da inserção de novas escolas
para que possamos chegar a essa integração.
EPCT | Professora, segundo seu comentário, a matriz curricular do Paraná é pensada sob uma perspectiva disciplinar. Entretanto, os parâmetros curriculares do MEC apresentam as competências e habilidades a serem desenvolvidas. O currículo de vocês é pensado a partir da matriz de competências ou não?
É uma opção da educação do Paraná não adotar a matriz de
competências. Em 2003, tivemos amplas discussões e decidimos
romper com ela. O estado do Paraná não trabalha com compe-
tências e habilidades na educação básica e, principalmente, na
educação profissional, pois as julgamos inconcebíveis na forma-
ção de um sujeito integral. Discutimos muito, avançamos nesta
discussão e hoje nosso currículo trata de conhecimentos e não
de competências e habilidades.
EPCT | Por que não é possível a formação integral com base nas competências e habilidades?
Assim como alguns pesquisadores da área, entendemos
que as competências e habilidades são limitadoras. Para nós, o
conhecimento deve ser trabalhado na perspectiva da aplicabili-
dade e nosso entendimento é que ele é mais amplo que isso.
EPCT | Professora, quais as consequências da implementação desse currículo na prática docente?
há a necessidade de um grande investimento na formação
dos professores, pois a maioria deles vem de uma formação frag-
mentada. E por isso suas práticas precisam ser rediscutidas. Assim
como o currículo é construído coletivamente, o trabalho docente
na escola também deve ser coletivo. Mas esta ainda é uma tarefa
difícil. Mesmo que o professor tenha 20% de sua carga horária de
hora atividade a ser desenvolvida na escola e use esse momento
para discutir com seus pares, no sentido de construir essa nova me-
todologia e promover a integração, sentimos ainda a necessidade
de um melhor compartilhamento de experiências por parte dos
professores. Temos feito essa discussão desde 2003 e constatamos
que a formação lá no chão da escola ainda é uma necessidade mais
concreta. Pois, por mais que os professores se desloquem para fazer
atividades, cursos, atualizações, para a escola obter esse retorno, por
meio do compartilhamento coletivo entre os professores, ainda é
um desafio muito grande para nós. Por isso, estamos procurando
fazer agora um trabalho que enfoque mais a escola.
EPCT | De que maneira os conhecimentos da formação humana aparecem na matriz curricular do Ensino Integrado?
O desenho curricular dos cursos prevê ementas e a matriz
curricular varia conforme a carga horária – de 2.000 a 2.400 horas
para o nível médio e de 800 a 1.200 horas para os cursos técni-
cos. Alguns conhecimentos da área de formação humana são
estruturados em disciplinas e outros são adicionados às ementas
dos cursos. A segurança do trabalho, por exemplo, tem de per-
mear todos os cursos. Ela está presente não como uma discipli-
na, mas como um conhecimento que permeia todo o processo
de formação. Assim também ocorre com as questões ambientais,
que não devem compor apenas o curso de meio ambiente, mas
têm de permear a construção de todos os currículos, como um
conhecimento necessário para a formação do sujeito.
EPCT | Como o estado do Paraná está tratando da formação do corpo docente da rede?
Esse é um problema que nós temos discutido muito com o
Ministério da Educação. Desde 2004, realizamos dois concursos para
professores de educação profissional. No primeiro concurso foram
quinhentas vagas e no segundo concurso foram mil e quinhentas
vagas. Os inscritos para as áreas técnicas, em sua maioria, foram ba-
charéis, portanto, não-licenciados para atuarem como professores.
Para resolvermos esse impasse, articulamos com as universidades
estatuais do Paraná, a partir da proposta pedagógica que tínhamos
e dos fundamentos políticos pedagógicos nossos, um curso de
complementação pedagógica de quinhentos e quarenta horas, que
é o que a lei permite. A proposta foi discutida entre as cinco uni-
versidades e firmamos uma parceria para oferecer aos professores
essa formação. Já formamos quinhentos professores inicialmente e
agora estamos em formação de mais mil e quinhentos professores.
Provavelmente, abriremos um novo concurso para mais duas mil
vagas, expandindo a formação não só para aqueles que já consti-
tuem a rede, mas também para o público externo em geral.
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EPCT | Professora, qual a sua avaliação a respeito das escolas que já implementaram o Ensino Integrado no Paraná?
Nós temos escolas em fases
diferentes. Temos escolas que
estão iniciando, outras que já
avançaram bastante e outras
que estão bem próximas da
integração. Sabemos que o
Ensino Integrado é o resultado
de uma discussão e de uma decisão envolvendo a comunida-
de escolar, o gestor, o conjunto de profissionais da escola e a
comunidade externa. Mesmo assim, mudar um curso de três
para quatro anos não é uma tarefa fácil, pois envolve uma
mudança de cultura. No primeiro ano, tivemos problemas de
evasão. hoje já diminuiu bastante, mas ainda ocorre, assim
como ocorre no ensino médio, pois é uma característica
que temos. Tivemos casos de escolas que fizeram a escolha
de curso inadequada para a comunidade delas. Em outras,
tivemos gestores que decidiram isoladamente, apesar da
indicação de que tinha de ser coletivamente discutido o
programa. A formação de professores ainda é uma dificul-
dade que a gente tem de trabalhar mais. A reestruturação
e atualização curricular também precisam ser constantes. É
importante também que o professor seja do quadro próprio
do estado, e não contratado temporariamente, como ainda
acontece, pois ele precisa acompanhar esses quatro anos de
formação do aluno. Outro ponto não resolvido é a questão do
financiamento. Nós ainda não temos uma relação de custo/
aluno na educação profissional de nosso país. O que temos
são medidas paliativas, tanto do governo estadual quanto
do federal. A medida paliativa agora é a expansão do IFET
(Instituto Federal de Educação Tecnológica) e a expansão do
Brasil Personalizado. Entretanto, a gente tem de ter o pé no
chão, pois não adianta construir, reformar, equipar, temos de
ter professores bem preparados e a manutenção também é
essencial. Nós não temos um fundo específico da educação
profissional. O estado do Paraná possui um fundo rotativo de
manutenção das escolas de ensino regular, com um valor não
muito alto, para a escola realizar alguns reparos na estrutura.
Nosso avanço foi conseguir aprovar um fundo rotativo da
educação profissional, para que as escolas recebam recurso
para fazer a manutenção dos seus equipamentos. Contudo,
por mais que o médio integrado possa utilizar os recursos do
Fundeb, ele ainda não é suficiente. Por isso, o governo do es-
tado tem colocado a maior parte de recursos para que esses
cursos possam ser mantidos.
EPCT | Professora, o que é tratado em seu livro?
O livro, na verdade, é uma cole-
tânea de textos de alguns autores
que iniciaram a discussão conosco
no Paraná. Ele está dividido em três
partes: a primeira traz uma funda-
mentação do programa, a segunda
fala um pouco sobre a política de
integração no estado do Paraná
e a terceira parte traz duas contri-
buições de escolas, relatando um pouco como foi o segundo passo
da reestruturação curricular do estado do Paraná. O livro é apenas
uma pequena contribuição, mas queremos continuar essa discus-
são, pois acreditamos no ensino médio integrado no Paraná.
EPCT | Professora, para concluirmos, no Paraná há tanto o ensino médio regular quanto o integral, em qual deles a oferta é maior? Há alguma estatística com respeito a isto? E quanto ao tempo, por que o regular continua com a duração de três anos e o integral com quatro?
Ainda não temos como fazer essa estatística. No Paraná, há
cerca de 400 municípios, muitos deles com baixa densidade po-
pulacional – com cinco a sete mil habitantes apenas –, o que torna
inviável a oferta de escola com ensino técnico. Pois, por exemplo,
se abrirmos um curso de informática em um desses municípios,
em quatro anos formaremos a cidade inteira, e deixaremos o
professor sem atividade. Nos pequenos municípios a gente não
consegue checar isso, mas nos maiores e médios – a partir de 15
mil habitantes – podemos, pois trabalhamos com arranjos e arcos
ocupacionais, isto é, pegamos cursos como de informática, secre-
tariado, recursos humanos e fazemos rodízio entre os municípios
para que eles não fiquem permanentes. Oferecemos certo curso
em um município, depois de três anos mudamos o curso e os
professores para outro município e, a partir daí, vamos formando
uma cidade inteira em informática, meio ambiente e assim por
diante. Em algumas localidades, nós temos de ter pelo menos
dois cursos, o parzinho, para recuarmos um e ampliarmos o outro.
Já nas cidades, como Curitiba, Londrina, Cascavel, a variação de
cursos é imensa. Para vencermos o desafio dos pequenos muni-
cípios, a Setec, em parceria com o Instituto Federal Tecnológico
e a Universidade Tecnológica do Paraná, criou e vem buscando
implementar o e-Tec Brasil (Escola Técnica Aberta do Brasil) –
programa com cursos de formação profissional técnica de nível
médio a distância para todos os municípios do estado –, de forma
a atender à demanda desses municípios, sem assumir o risco de
ter professores do quadro em cada um deles. Ano que vem, nós
chegaremos a 382 municípios com o e-Tec Brasil.
Assim como o cur-rículo é construí-do coletivamente, o trabalho docen-
te na escola também deve ser coletivo.
Entrevista concedida em 27.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 53-55, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
JOaNa BOtINI (SeNaC/ead) > Por Suely ParriniJoana Botini é Coordenadora de EaD do Diretório Nacional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-DN).
Educação a Distância: avanços e desafios
EPCT | Fale um pouco sobre sua formação e atuação no Senac.
Sou licenciada em Física e Matemática, com Especialização
em Educação a Distância há mais de 30 anos. Trabalhei como
professora primária e secundária e fui diretora de escola no
setor de escolas estaduais. No Senac, atuo na produção de
materiais institucionais para a educação a distância e estou há
cinco anos na coordenação nacional da rede.
EPCT | Como você explica o crescimento dos cursos a distância no Brasil?
Um marco da educação a distância no Brasil foi o Decreto
n. 5622, que regulamentou o artigo 80 da LDB. A educação a
distância já existia na LDB de 1996, mas foi regulamentada a
partir desse Decreto. Acredito que as experiências internacio-
nais também serviram de insumo para a expansão da educa-
ção a distância no Brasil. Temos hoje grandes universidades na
China, Japão e Índia que impulsionaram a demanda por uma
formação profissional e exigiram de várias empresas de porte
nacional a criação de universidades in company e também da
universidade aberta do Brasil. O governo tem investido bastan-
te na educação a distância, disseminando essa modalidade e
minimizando os preconceitos que há em torno dela.
EPCT | Os cursos de nível superior a distância ainda são relati-vamente novos, estão em processo de aceitação pelo público brasileiro. Que razões você apontaria para o sucesso dos cursos de pós-graduação na modalidade a distância do Senac? Como você explica esse sucesso?
Considero que o sucesso veio devido à marca Senac. É uma
marca muito forte e de credibilidade. Ao mesmo tempo, acre-
dito que ele veio também em razão de sermos uma instituição
de educação profissional que, ao entrar no mercado de pós-
graduação, vem oferecer uma especialização não com foco aca-
dêmico, mas voltada para a fundamentação teórica e prática, de
forma a facilitar a entrada do egresso no mercado de trabalho.
Então, para mim, a marca e a proposta pedagógica do curso de
aliar a teoria à prática foram primordiais para esse sucesso.
EPCT | Recentemente, o MEC autorizou o curso de Administração a distância no Senac de São Paulo. Para você, os cursos de gradu-ação oferecidos pelo Senac vão ter a mesma visibilidade que têm os cursos de pós-graduação na modalidade a distância?
Acredito que o Senac deva investir na graduação tecnoló-
gica, pois esse é o viés da instituição, e marcar isso como foco.
Não nos cabe competir com instituições de ensino superior que
já tem seu espaço dentro do bacharelado e da licenciatura. O
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ministro da educação deixou bem claro que o espaço do sistema
Senac na graduação é no tecnólogo. Eu não vejo também que haja
uma discrepância entre o modelo presencial e a distância. Se você
tem uma marca forte no presencial, você vai poder ter essa mesma
marca forte na educação a distância. Contudo, penso que não de-
vemos sair criando e ofertando graduação tecnológica só porque
está em alta no mercado ou por modismo. Se o foco for a gradua-
ção tecnológica, devemos, sim, fazer uma pesquisa de mercado, de
demanda, e uma análise do perfil do aluno. Considero essa pesqui-
sa fundamental para se definir a proposta pedagógica dos cursos.
EPCT | Você comentou sobre a necessidade de conhecer a clientela do curso e traçar um perfil do aluno. Diante disso, quais são as ca-racterísticas que esse público deve ter ou terá de adquirir para lidar com a educação a distância?
É primordial que o aluno tenha o domínio integral da sua
capacidade de leitura, interpretação e escrita. Além da sua capa-
cidade de formação básica, ele precisa ter autonomia, coopera-
ção, disciplina, participação e domínio das tecnologias. Ele deve
ser capar de buscar seus próprios recursos para a construção do
conhecimento e interagir de forma colaborativa com o outro na
plataforma. Por fim, ele precisa ter disciplina para estudar a dis-
tância e saber administrar o seu tempo de estudo.
EPCT | Como as metodologias pedagógicas com base em EAD têm abordado a questão da afetividade como um dos elementos funda-mentais do processo de aprendizagem?
Verifica-se que esse vínculo da afetividade é maior na educa-
ção a distância do que na presencial. No ambiente virtual, de 15
dias a um mês, o professor já consegue traçar o perfil do aluno,
se ele gosta de se expor, se ele tem características de liderança,
se é tímido, etc. Portanto, para se criar um vínculo de afetividade
é preciso trabalhar com uma metodologia ativa, em que o tutor
deixa de ter o papel de detentor do conhecimento e passa a ser
um mediador no processo de ensino-aprendizagem, permitindo
ao aluno construir o conhecimento de forma autônoma e co-
laborativa. Nesse sentido, cabe ao tutor trabalhar a questão da
afetividade na construção coletiva do conhecimento.
EPCT | Joana, fale um pouco sobre a dificuldade que se tem de ter uma tutoria formada por um profissional especialista, capacitado para a docência e com domínio da tecnologia ao mesmo tempo. Quais os elementos que potencializam ou limitam o trabalho da tutoria em educação a distância?
Consideramos mais fácil capacitar para a tutoria do que para
a especialização. Sendo assim, buscamos o tutor em sua área de
especialização e vamos trabalhando internamente a formação pe-
dagógica, oferecendo cursos de tutoria, ou mesmo na prática, com
a observação e acompanhamento de um coordenador pedagógico
ou de um tutor orientador. Muitas instituições optam por estes dois
tipos de tutoria: o tutor especialista e o tutor orientador. O tutor es-
pecialista tem o domínio do conteúdo e o tutor orientador, o domí-
nio pedagógico. Eles normalmente fazem uma dobradinha, acom-
panham simultaneamente a turma e um ajuda o outro. O tutor
orientador acompanha o trabalho do tutor especialista e os alunos
da turma no que diz respeito às dúvidas, às dificuldades de acesso
e ao feedback. Assim, quando não temos um especialista com uma
formação pedagógica, podemos então associá-lo com o trabalho
de um tutor orientador ou de uma monitoria, cujo papel normal-
mente é ajudar o coordenador quando este tem muitas turmas. Por
fim, acho fundamental que o tutor especialista tenha formação ou
experiência em EAD, mas se não tem, tem de ser capacitado, e cabe
à instituição a formação em trabalho desse profissional.
EPCT | No caso da Faculdade Senac-DF, que está montando um núcleo de educação a distância com cursos tecnológicos, a maior dificuldade talvez seja a falta de profissionais técnicos qualificados para aturarem como professores, principalmente como professores de educação a distância. Em sua opinião, como podemos resolver isso?
Temos que oferecer capacitação pedagógica para esse
profissional e fazer reuniões constantes para dar-lhe o apoio e
as condições necessárias e acompanhar e avaliar o seu desem-
penho ao longo do processo. Entretanto, mesmo oferecendo
capacitação, é importante observarmos, no universo de pessoas
especialistas, aquelas que possuem algumas características que
as identificam com a tutoria e a educação a distância. Não po-
demos, por exemplo, selecionar uma pessoa que não acredita
na educação a distância, que não tem capacidade de liderança,
que é autoritária e não abre mão de seu papel de detentora do
conhecimento. Então, precisamos, primeiro, traçar um perfil
desse profissional, buscando características como facilidade de
diálogo, motivação, liderança, organização, etc.
Para ser um bom tutor é preciso acreditar na modalidade,
na construção coletiva do conhecimento e ter organização. O
professor tem de abrir mão do seu papel de dono da verdade e
trabalhar em equipe.
EPCT | Joana, com relação ao material didático-pedagógico, você disse ser favorável à terceirização das atividades relacionadas à criação de produção do material. Por quê? Que experiência você teve nesse sentido para chegar a esse posicionamento?
Inicialmente, tínhamos uma equipe multidisciplinar, um
designer instrucional e um núcleo de produção. Com o tempo,
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notamos que era inviável man-
termos o núcleo integrado e em
sintonia, devido à rotatividade
dos designers instrucionais.
Vimos também que é caro
ter esse núcleo de produção,
pois muitas vezes inviabiliza o
projeto e encarece o material.
Por isso, optamos pela tercei-
rização, tão comum em todo
o mundo. hoje nosso foco não
é a produção, é a oferta. Nesse
sentido, o Senac conta com
um designer instrucional que acompanha e valida os cursos
produzidos.
EPCT | Como coordenadora da rede EAD do SENAC, como você organizaria a sua equipe?
É preciso ter um gestor, um coordenador pedagógico, um
designer instrucional e um suporte tecnológico com um progra-
mador ou profissional com experiência na plataforma Moodle,
por exemplo. Então, para a rede funcionar precisaria basica-
mente de um núcleo de suporte
tecnológico, alguém para dar esse
suporte, um núcleo administrativo,
que pode ser o da própria faculda-
de, juntamente com a secretaria,
e uma coordenação pedagógica,
com coordenadores de curso, de-
signer instrucionais, tutores, moni-
tores, etc.
EPCT | O que fazer para despertar no público o interesse de fazer uma graduação a distância?
O aluno da pós-graduação sabe exatamente o que ele
quer, seu perfil é de um trabalhador que busca estratégias para
continuar seus estudos. Já o aluno de graduação, não. Como
geralmente não trabalha, ele tem tempo para fazer um curso
presencial. Então você despertar nesse aluno a vontade de fazer
um curso a distância é um grande desafio. Assim, acho que
devemos fazer um trabalho de sensibilização dessa clientela,
mostrando-lhe as vantagens e despertando neles o desejo de
estudar a distância.
No ambiente virtual, de 15 dias a um mês, o professor já conse-gue traçar o perfil do
aluno, se ele gosta de se expor, se ele tem características de li-derança, se é tímido, etc
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EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
Entrevista concedida em 26.11.2009
lUCÍlIa MaChadO > Por Ricardo Coelho & Rafael VoigtLucília Machado é Professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais
A organização da educação profissional no Brasil
EPCT | Lucília, a sua palestra abordou os vários temas que estão vinculados à organização da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), entre eles a interdependência. De que trata essa caracterís-tica e qual a relação dela com a organização da EPT?
Interdependência significa que a educação profissional e
tecnológica é uma parte da sociedade que não sobrevive por
si só. Ela não tem sustentabilidade pedagógica, social e política
se não for integrada a um corpo mais amplo, que podemos
dar o nome de sistema, do qual fazem parte outras instâncias
da sociedade. Essa interdependência é que dá vitalidade à
educação profissional e tecnológica. E compreendê-la é funda-
mental. Para isso, é preciso olhar para a origem da educação
profissional e tecnológica e para a sua finalidade. Olhando para
a origem, nós temos de responder, como parte de um sistema
maior, às necessidades e demandas sociais. Porém, há uma dis-
tinção entre necessidade e demanda. Nem sempre as pessoas
que têm necessidade de ter educação profissional têm cons-
ciência ou conseguem expressar e traduzir essa necessidade
em demanda. A demanda é quando se faz a reivindicação, a
exigência. E as necessidades sociais são de diferentes origens:
jovem, famílias, governos, setor produtivo, movimentos so-
ciais, trabalhadores, etc. Portanto, nós temos uma interligação
a partir da origem. E temos também uma necessidade de in-
tegração ao sistema social respondendo pelas finalidades da
educação profissional e tecnológica, que é a outra ponta. Essas
finalidades dizem respeito ao atendimento, com qualidade so-
cial e pedagógica, das necessidades e demandas, garantindo
a acessibilidade, produzindo os efeitos necessários em termos
de eficácia e respondendo também pela noção e consciência
de cuidar do meio ambiente, da sustentabilidade do planeta
e das pessoas, garantindo, portanto, requisitos necessários à
sua legitimidade social. Atendendo a essa lógica, poderemos,
então, passar com maior facilidade pelo crivo do controle
social, que diz respeito às sanções, positivas e negativas, que
recebemos da sociedade com relação à nossa atuação.
EPCT | Atualmente, a educação profissional e tecnológica está respondendo mais às necessidades ou às demandas?
Eu acredito que ela tem problema nas duas dimensões. Se
nós compreendermos a necessidade como desenvolvimento
integral do ser humano, portanto uma formação integral,
e como desenvolvimento das potencialidades e multilate-
ralidade da pessoa, no sentido da dignidade humana, nós
podemos dizer que já caminhamos, porém, ainda pouco. Do
ponto de vista das demandas, eu acho que a interlocução da
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educação profissional e tecnológica com relação à sociedade
ainda está fraca, pois existem muitas demandas reprimidas,
que estão latentes e ainda não tiveram os canais abertos para
a sua expressão. Fala-se muito do mercado de trabalho. É um
diálogo necessário, porém, ele ainda se figura numa abstração.
Nós temos de personificá-lo. O mercado de trabalho diz respeito
fundamentalmente às relações mercantis de compra e venda da
força de trabalho. Isso é o mercado de trabalho. Entretanto, o tra-
balho é mais do que isso, mais do que vender e comprar a força
de trabalho. É essa instância que precisa ser considerada, e bem
considerada, do ponto de vista das suas múltiplas implicações,
tanto para o trabalhador, que vende a sua força de trabalho,
quanto para quem compra a força de trabalho. O trabalho é mais
amplo, pois ele envolve a realização humana em atividades que
não são necessariamente mercantis. há pessoas que trabalham
sem, contudo, vender a sua força de trabalho. há pessoas que
trabalham porque querem produzir algo de bom e útil para a
sociedade, independentemente de ganharem o seu sustento.
Por isso, há, hoje em dia, a preocupação de pensar demandas e
necessidades do mundo do trabalho, para dar conta de todos os
componentes, sejam eles econômicos, políticos, sociais, cultu-
rais, que nós deveremos ouvir e com os quais dialogar.
EPCT | Ainda sobre essa discussão da necessidade e da deman-da, ontem, ao tratar dos problemas a serem enfrentados pela EPT, a senhora citou a dualidade estrutural. No que consiste essa dualidade estrutural?
A dualidade estrutural é um marco constitutivo não só do
sistema educacional brasileiro, mas das sociedades de classe.
Ela diz respeito à constituição de redes de ensino que são
destinadas a públicos distintos do ponto de vista da origem
socioeconômica. Assim, se temos uma origem popular, a rede
é de educação profissional, se a origem for de outros estratos
não populares da sociedade, a rede é de formação geral, uma
formação profissional em nível superior. Esta foi a forma que se
constituiu em quase todos os países os sistemas nacionais de
educação, em que um braço era praticamente independente
do outro. Quem ingressasse em uma linha teria uma destinação
social diferente da outra. Esse é o modelo clássico de análise.
Todavia, este modelo está um pouco mais complexo hoje, por-
que temos, no âmbito da educação profissional e tecnológica,
o acesso ao ensino superior, à pós-graduação. Nós temos uma
maior complexidade dessa rede, que antes era pensada como
uma formação muito restrita e com uma terminalidade muita
imediata. hoje, a educação profissional e tecnológica é pensa-
da de uma maneira mais complexa, com itinerários formativos,
com perfis amplos, com capacidades de desenvolvimento
intelectual e com articulação entre a ciência e tecnologias.
Foi o próprio mundo do trabalho que trouxe a necessidade
de pensar uma outra lógica. Embora o avanço tecnológico e a
ciência tenham dado maior significação para a educação pro-
fissional e tecnológica, a questão da divisão social do trabalho
nas sociedades em classe repõe a mesma lógica anterior, só
que de uma maneira diferente. Temos hoje a dificuldade de
os cursos superiores de tecnologia serem reconhecidos como
cursos superiores de igual qualidade que os de bacharelado. E
não é necessariamente a carga horária que faz com que o curso
seja melhor do que o outro. Nós temos cursos de licenciatura
que tem uma carga horária idêntica a de determinados cursos
superiores de tecnologia.
EPCT | A educação profissional e tecnológica no nosso país foi es-truturada a partir das redes estaduais e municipais. Recentemente, foram criados os Institutos Federais de Educação Profissional, com status de universidade. A existência de distintas instâncias gover-namentais responsáveis pela educação profissional não reforça a dualidade comentada anteriormente?
Bom, os institutos respondem a uma confirmação, a uma
oficialização de um movimento que já estava ocorrendo do
ponto de vista prático. As instituições da rede federal de edu-
cação profissional e tecnológica são antigas. Durante cem anos,
elas foram acumulando experiências, saberes e competências
que fizeram com que houvesse a necessidade de melhorar a
qualidade. Vejo o ensino de excelência que foi construído ao
longo desse período e que mostrou que esse acúmulo de-
mandava um novo registro e a necessidade de potencializar
todos esses recursos que foram construídos historicamente.
Os institutos federais saem de um diagnóstico em que a ri-
queza acumulada estava, de certa forma, subutilizada, com
um atendimento muito restrito em relação às vagas e à res-
ponsabilidade que eles poderiam atender. Portanto, a criação
de uma oferta verticalizada abriu campo para a pesquisa e
para a extensão e deu mais sentido a esta riqueza que estava
aprisionada. Então, considerando esses fatos, eu avalio como
positivo os institutos federais de educação profissional. Estes
possuem personalidade jurídica diferente e um lugar diferente
do das universidades tradicionais. As universidades tradicionais
não fazem curso técnico. Essa é uma diferença fundamental. A
outra questão que se coloca é em relação às escolas técnicas
ou à educação técnico-profissional das redes estaduais a cargo
das entidades subnacionais. Falo do estado porque o municí-
pio não tem, por força de lei, nenhuma responsabilidade no
âmbito do ensino médio. As redes estaduais ainda estão muito
deficitárias. Eu acho que existe uma falta de suporte de políti-
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cas de financiamento o que tem
impedido o desenvolvimento
dessas redes estaduais. O Fundef,
que era do ensino fundamental,
não previa recursos para o ensi-
no médio. Por conseguinte, não
tinha também como financiar
por parte da rede estadual os
cursos técnicos em nível médio.
Agora, com o Fundeb, cria-se
uma perspectiva desses inves-
timentos. E existe também uma
ação importante por parte do
governo federal, que é o progra-
ma Brasil Profissionalizado, que
veio garantir um aporte, dentro da filosofia do regime de co-
laboração, para que os estados também possam desenvolver.
E hoje se trabalha também com uma noção de arranjos educa-
cionais. O que é o arranjo educacional? Significa que todas as
entidades públicas e privadas são chamadas a trabalhar juntas
agora. Isso faz parte da organização. O arranjo educacional
significa que tanto instituições públicas estaduais, municipais
e federais de ensino, quanto instituições privadas de ensino,
possam congregar esforços e trabalhar conjuntamente para
atender localmente as demandas. Eu acho que há espaço para
todo mundo, principalmente de perspectivas solidárias de coo-
peração, de relacionamento interinstitucional. De certa forma,
isto já está acontecendo, porque o programa E-tec – Programa
de Educação Tecnológica a Distância – está sendo construído
exatamente com esse desenho. Ele está sendo construído e al-
guns cursos já começaram. Então, a experiência já deslanchou.
Também o curso de formação de professores. Nos IFs também
eles se apóiam na noção de arranjo educacional.
EPCT | Em sua opinião, o sistema de educação profissional e tecno-lógica se integra com os demais sistemas de educação do nosso país?
Ainda não da forma como deveria. Nós temos avanços,
mas ainda existe um estranhamento muito grande, um estra-
nhamento recíproco. Este se manifesta de uma maneira muito
clara nas experiências de cursos técnicos integrados. O ensino
técnico como uma modalidade do ensino médio ainda é pouco
compreendido, assim como é pouco compreendida a especifi-
cidade da educação profissional e tecnológica. A grande vanta-
gem é que as tendências do desenvolvimento da ciência e da
tecnologia no mundo do trabalho estão obrigando esses dois
mundos a se encontrarem e promoverem um diálogo numa
perspectiva de interdisciplinaridade. Por que isso? Porque a
formação básica está se tornan-
do cada vez mais tecnológica
e a formação tecnológica mais
requisitante dos conteúdos bá-
sicos. Então, a tendência é essa
síntese e a abolição das diferen-
ças, que são muito artificiais.
EPCT | Atualmente, que problemas são enfrentados no campo das pesquisas da área da educação profissional?
Mesmo que tenha ocorrido
avanço no campo da pesquisa,
ainda temos dificuldade em reconhecer que a educação profis-
sional também realiza pesquisas. A ideia que ainda prevalece
é a de que somente na instância acadêmica é que se realizam
pesquisas e que o campo da educação profissional é o campo
da prática, de pôr a mão na massa, somente. Volto a dizer que
hoje é impossível pensar no profissional técnico, tecnólogo,
que seja puramente voltado para o fazer. Isso não existe. hoje,
nos processos de trabalho, exige-se do profissional uma atitude
de investigação, uma atitude de pesquisa para responder aos
problemas. Acredito que a diferença maior entre a pesquisa
acadêmica e a pesquisa tecnológica é que a pesquisa acadêmica
responde muito pelas questões do por quê das coisas, na esfera
mais básica, ainda que seja muito artificial separar pesquisa
básica da pesquisa tecnológica. Já a pesquisa tecnológica é
predominantemente uma pesquisa aplicada, propositiva, que
busca exatamente a solução dos problemas. E nosso país precisa
muito disso. Precisa realmente ter linhas de financiamento para
garantir o crescimento de pesquisas no campo da educação pro-
fissional e tecnológica.
EPCT | Como é a pós-graduação na área da educação tecnológica e profissional?
Existe agora um modelo, que é o mestrado profissional. Eu
sou coordenadora do mestrado profissional em Gestão Social,
Educação e Desenvolvimento Local, do Centro Universitário
UMA, uma instituição de Belo horizonte. Eu estou muito encan-
tada com esse formato de mestrado. Durante muitos anos, eu
trabalhei no mestrado e no doutorado na perspectiva acadê-
mica. Então me dei conta de que uma parte dos alunos não se
localizava muito bem na proposta do mestrado ou doutorado
acadêmico, eles vinham com perguntas e questões muito ligadas
à prática profissional: como melhorar a prática profissional deles
Há, hoje em dia, a preocupação de pensar demandas e necessidades do
mundo do trabalho, para dar conta de todos os componen-tes, sejam eles econômicos, políticos, sociais, culturais.
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ou como responder questões ligadas ao seu contexto de traba-
lho, por exemplo. No mestrado acadêmico, trabalha-se menos
as ferramentas de intervenção e de inovação e mais as questões
conceituais, no máximo, um diagnóstico. Em áreas propriamente
tecnológicas, embora sendo acadêmicos, eles conseguem ter
essa ponte com as ferramentas de intervenção, mas não é isso
que acontece nas áreas de ciências humanas e sociais. Então, o
nosso mestrado profissional visa exatamente dotar o profissional
que não está no mundo acadêmico com os conceitos e ferra-
mentas de intervenção e de inovação que permitam melhorar
a sua prática profissional. É importante lembrar que o mestrado
profissional é reconhecido e tem o mesmo valor e status do
mestrado acadêmico pela Capes. Ele também habilita para a
docência, formando profissionais docentes, capazes de dialogar
com o mundo do trabalho e de levar a experiência prática profis-
sional aos alunos que estão formando. Acredito que o mestrado
profissional tem uma perspectiva muito grande de crescimento
no Brasil, como já ocorre em outros países. Porém, ele ainda sofre
com a tal dualização estrutural da educação brasileira. há alguns
que acham que é um mestrado de menos valor, mas isso é fruto
de preconceito de uma sociedade que ainda não conseguiu en-
tender o valor da educação profissional.
EPCT | Qual a sua opinião a respeito da gestão do Sistema S?
Eu acredito que houve um avanço considerável na relação da
política educacional pública com o Sistema S, com o grande acor-
do que se estabeleceu em relação à gratuidade. Eu acho que foi
um avanço muito bom. Contudo, ainda existem algumas questões
que, no meu entendimento, precisam ser mais discutidas. Uma
delas é a questão da gestão do Sistema S. Eu acredito que o sis-
tema tripartite pode oferecer uma perspectiva muito promissora,
no sentido de dar ao Sistema S a oportunidade de conviver com
a diversidade de pontos de vista, com os diferentes interesses,
necessidades e demandas da sociedade e, inclusive, fazê-lo mais
próximo da sua missão, no sentido de tornar-se uma instituição
que realmente responda às necessidades que os diferentes atores
sociais e suas redes sociais representam. Não acho que seja o caso
de passar o Sistema S para a gestão do Estado. Não coloco nesses
termos. Pois um modelo muito fechado num só braço também
inviabiliza certos diálogos sociais que são fundamentais.
Entrevista concedida em 25.11.2009
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 61-64, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta
MOaCIR GadOttI > Por Ricardo Silva & Rafael VoigtMoacir Gadotti é Diretor Geral do Instituto Paulo Freire e Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)
Por uma educação profissional realizadora do ser humano
EPCT | Qual a concepção de Paulo Freire sobre a Educação Profissional?
Segundo as próprias palavras de Paulo Freire, a trajetória
dele deve-se ao trabalho e à “escola” que ele fez no Sesi de
Pernambuco. O Sesi foi a grande escola técnica na década
de 1940, época em que Paulo Freire trabalhou lá. E ele falou
uma coisa fantástica, disse que o Sesi fez com que ele tivesse
contato com a classe trabalhadora e descobrisse a vocação
dele de profissional da área de educação de adultos. Desde
então, ele sempre vinculou a educação para cidadania à edu-
cação para o trabalho. É claro que ele entendia o trabalho, a
formação profissional, não só como formação para o mercado,
mas, sobretudo, como formação humanística, uma formação
profissional mais integral. Ele usava as palavras “integral” e “in-
tegradora”. Então, se a gente recorrer aos seus textos e às suas
falas, a gente vai ver que essa influência inicial da relação que
ele teve com os trabalhadores do Sesi, o fez valorizar muito os
pais dos alunos da escola. Os primeiros textos dele, de 1955,
estão ainda escritos à máquina – a tecnologia mais avançada
da época. Ele nunca aprendeu a datilografar, nem a digitar.
Escrevia tudo à mão, adorava escrever à mão. O fascínio dele
era escrever devagarzinho à mão. Os primeiros escritos são
sobre a participação dos pais dos alunos do Sesi. Ele tinha uma
visão muito humanista da educação profissional e tecnológica
e acompanhou a vida toda essa relação, em que a formação
para o trabalho deve ser uma formação homem “onilateral”,
como diria Marx, integral, e uma formação voltada para a jun-
ção do trabalho e da cidadania.
EPCT | O pensamento de Paulo Freire sobre a educação profissio-nal converge para a concepção de educação integrada de Marx e para a concepção de educação unitária de Gramsci?
Ele foi decididamente um leitor de Gramsci, que, como
se sabe, foi traduzido tardiamente no Brasil, na década de
1960. O primeiro livro Intelectuais e a formação da cultura
é de 1968. Carlos Nelson Coutinho foi quem o traduziu.
Paulo Freire já estava no exílio. Ele tomou conhecimento de
Gramsci no exílio por meio das traduções em espanhol e de-
pois em inglês e francês. Gramsci teve uma grande influência.
Ele tinha uma visão marxista da questão da formação para
o trabalho. A visão dele trabalhou muito a questão do bom
senso no senso comum. Existem dois Gramsci, segundo os
intérpretes: o Gramsci popular e o Gramsci mais partido de
vanguarda. Paulo Freire se identificava muito com o Gramsci
dito popular, o Gramsci da cultura popular, que valorizava as
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academias que eram centros de formação popular na Itália e
esse bom senso que existe na cultura popular.
EPCT | Qual a importância da realização desse Fórum Internacional de Educação Profissional?
Olha, eu estava conversando há pouco com o Eliezer
Pacheco, Secretário de Educação Profissional e Tecnológica do
MEC, sobre a repercussão de 15 mil inscritos. E, passando nos
estandes, a gente vê a riqueza de como a educação profissional
e tecnológica está pulsando no Brasil, sobretudo, com a aber-
tura das novas escolas e dos Institutos Superiores. Isso dá outra
marca à educação brasileira. Assim, acredito que todos deve-
ríamos ter uma formação profissional e tecnológica no Brasil.
É claro que não necessariamente para trabalhar naquela área
específica da tecnologia. Não é isso! Nem todo mundo preci-
sa trabalhar com isso. Mas se a gente reparar hoje, no mundo
mais desenvolvido, 90% das pessoas têm um trabalho ligado
ao chamado trabalho imaterial; no Brasil, isso já chega a 75%.
Portanto, é um vínculo com o trabalho. Muita gente entende
a educação profissional como uma coisa do século XIX ainda.
Se você pegar um torneiro mecânico hoje não tem nada a ver
com um torneiro mecânico de 50 anos atrás. hoje, ele é um tor-
neiro mecânico que tem de dominar a informática e o desenho
gráfico. Ele cria a peça no computador, mas é a máquina que
vai executar. Não é mais ele que vai ao torno fazer a peça meca-
nicamente. Portanto, diante dessa grande evolução no mundo
do trabalho, que incorporou a tecnologia, a inovação e a ciên-
cia, acho que todos nós deveríamos nos formar para o trabalho.
Todos deveríamos ter uma formação técnico-profissional. Por
fim, acho que um dos problemas da nossa qualidade de ensino
é que ela não conseguiu se articular em torno da questão do
trabalho, da formação para o trabalho. há um distanciamento
tão grande, principalmente nas camadas populares, que têm
de ir para a escola para aprender coisas que nunca vão usar,
acarretando, consequentemente, desistências.
EPCT | Sobre a resistência, ela não seria consequência da pouca articulação da educação profissional e tecnológica com os outros níveis de ensino?
Sim. A história mostra esse paralelismo absurdo que exis-
te entre a educação profissional e a tecnológica. É certo que
isto está sendo quebrado, mas essa cultura do sistema para-
lelo de educação ainda resiste. Pois a integração ainda não
foi bem feita. É por isso que eu conclamo muito às pessoas
que estão trabalhando na Conae (Conferência Nacional de
Educação) que o sistema seja articulado, que o ensino pro-
fissional esteja vinculado à definição do sistema como um
todo. No período da ditadura, por exemplo, foi até criado um
sistema de educação permanente para separar a educação
de adultos da educação de jovens e crianças. hoje, o concei-
to básico é a educação ao longo da vida. Não tem mais esses
quadradinhos, essas gaiolinhas, esses espaços reservados
para isso ou para aquilo. A articulação é importante. Eu acho
que a mudança no currículo, que é um desejo antigo, a uni-
lateralidade e a formação integral estão sendo cada vez mais
incorporados, mais na teoria do que na prática. Pois as práti-
cas ainda resistem a essa intersetoralidade, interculturalida-
de e integralidade da educação. Penso que esse Fórum tem
um grande significado por isso. Porque ele está colocando a
questão do trabalho como uma questão central da formação
do ser humano e não só do trabalhador.
EPCT | No documento base da Conae, a Educação Profissional é citada apenas em dois ou três parágrafos. A impressão que ficou foi que não há necessidade de discutir sobre ela. Qual a sua opinião sobre a educação profissional no documento da Conae?
Olha, eu já fiz essa crítica ao documento base da Conae,
que tem uma concepção Iluminista, pré-capitalista, quase. Eu
acho que as pessoas que o fizeram, que o elaboraram, deram
uma grande contribuição para que a gente pudesse ter o
documento. Quanto ao documento, a ausência da educação
profissional é tão grande quanto a ausência da educação
popular. Não se fala em nenhum momento em educação po-
pular. O artigo é tão repetitivo, tal a falta de imaginação do
documento, que sequer conseguiu desenvolver a educação
de adultos e a alfabetização de adultos. Tampouco apresenta
sobre a educação cidadã, que é hoje o documento mais avan-
çado do século XXI. Sobretudo, a concepção geral do docu-
mento me parece muito falha, dá a ideia de que a qualidade
da educação depende da existência de um sistema, como se a
gestão do sistema fosse suficiente para melhorar a educação.
É uma tese muito velha esta e pouco consistente de que basta
gerenciar melhor a educação para que ela seja melhor quali-
ficada. Na verdade, eu só vejo uma vantagem no documento:
que é tê-lo. Mas o documento em si, como você falou, não
atende às exigências atuais. É um documento muito antigo
numa visão filosófica e ideológica muito antiga. Acho que,
pedagogicamente, ele é iluminista ainda, com uma visão eli-
tista da educação. Porém está sendo consertado na prática e
as necessidades da prática estão sendo colocadas nele. Dessa
forma, acho que cabe a nós defendermos essa outra visão e
fazermos com que, nas conferências municipais, estaduais e
na Conferência Nacional, ano que vem, tenhamos uma pre-
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sença forte para defendermos
essa visão nova da educação
profissional e tecnológica.
EPCT | Professor, falando em siste-ma de educação profissional, nós temos a rede federal de educação que se dedicou mais à formação de nível médio – educação integrada-, formação técnica de nível médio, principalmente no Nordeste e Estados do Brasil. Agora, nós temos o Sistema S, que também vem, há 60 anos, contribuindo considera-velmente para a questão da forma-ção profissional no Brasil. Como o senhor vê o Sistema S hoje?
há uma luta para que o
Sistema S realmente evolua numa linha de maior participação,
já que é um dinheiro do trabalhador, um dinheiro público, não
necessariamente estatal. há uma diferença enorme entre o mer-
cantil e o privado. A grande contradição não está entre o estatal
e o privado. Está entre o público e o mercantil, porque você pode
ter uma visão mercantil dentro do Estado também. Uma insti-
tuição estatal pode operar com uma visão extremamente mer-
cantilista, enquanto outras instituições privadas de ensino, por
exemplo, podem ter uma visão extremamente pública. Tornar
mais pública uma instituição como o Sistema S é se articular
mais com as funções do Estado, evidentemente, sem perder as
características de uma empresa privada, mas torná-la realmente
um serviço público. Para isso, o acesso a esses serviços deveria
ser ampliado gratuitamente ao público por meio de serviços que
possam atender cada vez mais as camadas populares.
A história do ensino profissional no Brasil é muito elitista.
Eu me lembro das escolas agrícolas, por exemplo, porque meu
pai é agricultor. Nas escolas agrícolas, o povão não tinha muito
acesso, não. Era só filho de fazendeiro que tinha acesso. E era
onde se formavam os grandes quadros. Assim, acho que essa
rediscussão tem de ser feita dentro de um diálogo de constru-
ção coletiva. Não por rupturas violentas. O Sistema S é um bem
da humanidade. Eu estive em Tóquio numa reunião do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), para apresentar a
metodologia de Paulo Freire, e o ministro da educação quando
me apresentou numa reunião que nós tivemos em Okinawa,
um Estado do Japão, ele disse o seguinte: há duas grandes
contribuições da América Latina à educação mundial: uma é o
método Paulo Freire e a outra é o Sistema S (Senac, Sesi, Senai).
Eu iniciei minha fala dizendo que as duas têm uma origem em
comum. O Paulo Freire também
se originou dentro dessa visão.
E, hoje, o Lula, na abertura do
Fórum Mundial de Educação
Profissional e Tecnológica, re-
conheceu que ele devia a sua
trajetória dele aos cursos que
ele fez no Sesi, em São Paulo.
Assim, com a presença do Lula,
com a mudança do mundo do
trabalho, com essa visão freire-
ana do mundo do trabalho e da
educação, eu acho que a conjun-
tura é muito favorável para que
haja avanços significativos e o
Sistema S possa avançar ainda
mais, além do que já avançou
nos últimos 60 anos. Eu acho
que, para as instituições que ficam muito presas a métodos e
visões tradicionais, a lição pode ser a mesma, mas as organiza-
ções do século XXI são, para mim, organizações caórdicas, que
têm a ordem com base na missão, ou seja, que tem a ordem
orientada sempre para aquele foco, objetivo e missão do tra-
balho. As metodologias vão variando ao caos da reorganização
das coisas. As grandes instituições, como o Google, o Visa, a
Microsoft, operam dentro dessa nova lógica. É natural que
o Sistema S passe por essa transformação. E seria muito bom
que o diálogo se aprofundasse, para que se transformasse real-
mente numa instituição pública, sempre com o caráter estatal.
Eu gosto muito dessa junção, dessa relação. Você vê como a
Petrobrás hoje, que é uma empresa mista e tem avançado, e
outras também. O mundo é favorável a esse tipo de avanços.
O Sistema S deverá se abrir cada vez mais para esses avanços.
EPCT | Com relação à formação profissional técnica em nível su-perior, qual o papel dos tecnólogos dentro das nossas empresas e indústrias?
Eu tenho uma experiência incrível nesse sentido. Em
1970/1971, tive contato com o Conselho Nacional de Educação
– que na época era o Conselho Federal de Educação. Este
Conselho, formado por José de Vasconcelos, Nilton Sucupira e o
Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, lançou a Nova LDB do
Ensino Médio, em 1971, que foi muito criticada, pois obrigou a
todos terem o ensino profissional. Em decorrência disso, por
motivos de discussões, eu fui aconselhado a sair do Brasil em
1973. Acontece que o ministro da Ditadura Militar inspirou-se
na legislação da educação soviética. Então, de um lado, tínha-
Diante dessa gran-de evolução no mundo do traba-lho, que incorpo-
rou a tecnologia, a inovação e a ciência, acho que todos nós deveríamos nos formar para o trabalho. Todos de-veríamos ter uma formação técnico-profissional.
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mos os objetivos da Lei de Educação Americana, de 1936, e, de
outro lado, em plena Guerra Fria, tínhamos a estrutura da lei
de educação soviética. Em São Paulo, por exemplo, essa lei não
vingou, não foi aceita, devido ao seu teor tecnicista e autoritá-
rio. Se essa discussão tivesse sido feita em outro contexto, que
não o da Ditadura, num contexto democrático, como o que a
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica promove hoje
neste Fórum, a história seria diferente. É empenho do próprio
Presidente Lula promover esse grande debate no Brasil. É claro
que ele ainda tem certas resistências. Mas sustentamos a tese de
que todos nós temos de trabalhar, de nos formar para o trabalho,
e não necessariamente formar profissionalmente o aluno de en-
sino médio, como queria a Lei 5.692, de 1971. Pois para se formar
na educação tecnológica e profissional não precisa exatamente
ser no ensino médio. A tecnologia deve ser ensinada desde
cedo. Eu, por exemplo, quando era criança fazia meus próprios
brinquedos. hoje, as pessoas não conseguem entender nem
coisas mais corriqueiras, como trocar uma lâmpada. A tecnologia
impregna em nossas vidas, por isso temos de ter esse contato
com a tecnologia desde a infância. E é uma preocupação nossa.
Pois não há país algum no mundo que se desenvolveu para valer
sem uma base grande de formação profissional e tecnológica e
de educação geral, evidentemente. Uma educação tecnológica,
dentro dessa nova concepção libertadora, no sentido freireano
da palavra, e não domesticadora, tem de ler o conteúdo dessa
formação tecnológica. Não é qualquer formação tecnológica.
Eu vejo que o Brasil, com um índice ainda tão elevado de anal-
fabetismo, com uma formação ainda muito precária em nível de
formação geral e de formação tecnológica também, encontrará
seu maior obstáculo no desenvolvimento não nos processos
produtivos, mas na falta de um trabalhador qualificado. E este
será o grande desafio de desenvolvimento do futuro: formar
trabalhadores qualificados para viver o século XXI e não o século
XIX, porque ainda a educação no Brasil não chegou ao século
XX. Pensando na revolução tecnológica, pensando no mundo
do trabalho de hoje, que é imaterial, e que vai ser 90% imaterial
para os países desenvolvidos hoje, nós estamos muito atrasados.
Nos governos estaduais, municipais e até no governo federal, eu
acho que não há suficiente sensibilidade para a necessidade de
uma transformação radical de educação no Brasil. Espero que
isso apareça de forma mais contundente na Conae em 2010.
EPCT | Em sua opinião, qual seria a saída?
Em primeiro lugar, acho que seria generalizar a informação
sobre o mundo do trabalho, obter uma visão libertadora do
trabalho e uma educação que não seja para o mercado, mas
para a vida. A educação profissional e tecnológica não pode ser
submetida à lógica do mercado, pois esta, quando introduzida
na educação, faz com que aquela perca seu sentido. Vou dar
um exemplo. Se nós introduzirmos na relação professor-aluno a
mesma competitividade da lógica do mercado, então o profes-
sor perderá a alma dele, porque ele vai virar um reles instrutor,
formador de mão de obra. O mundo do trabalho mudou muito
do fordismo até hoje. Aquela formação em série que se exigia
antes, aquela formação profissional em que só se dominava um
momento do processo, no taylorismo me parece muito claro isso,
não serve mais. hoje, o trabalhador tem de ter uma visão geral
de todo o processo. Então, é outra formação. Enfim, acho que
este Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica está
trazendo discussões fantásticas, que deveriam ser divulgadas por
revistas como esta (Educação Profissional: Ciência e Tecnologia) e
estudadas nas faculdades de tecnologia e também na Fac Senac.
Nesse mundo em que a tecnologia evolui de uma forma muito
rápida e inovações surgem a cada momento, a gente precisa
estar atualizados e por isso a importância de uma faculdade de
tecnologia. Recentemente, estive em Santa Catarina, a convite
do Instituto de Tecnologia da Tupi, que tem uma tradição muito
grande em Joinville na área de formação para o trabalho. Quando
eu e minha família saímos da roça e voltamos para Joinville, quem
nos acolheu foi a Escola Técnica Tupi, que hoje é um Instituto
Tecnológico, operando dentro dessa nossa visão. Chegando lá, vi
as mesmas máquinas que vi há 30 anos, uma máquina que pro-
duzia uma peça de avião, uma pecinha de um avião da Embraer,
que custava 80 mil dólares e estava sendo produzida e testada
lá. Como eu sempre fui fascinado por tecnologia, desde criança,
quando eu ainda trabalhava na roça e me fascinava pelas coisas
novas, arregalei os olhos quando vi aquela peça. Então, perguntei
quem a tinha feito e me apresentaram um torneiro mecânico
vestido de terno. Ele me explicou como ele a produziu e disse-me
que era uma peça muito cara, que não podia fazê-la duas vezes,
pois se errasse perderia o emprego. Por fim, esse tema é de muita
responsabilidade e agradeço a oportunidade.
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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 65-69, jul./dez. 2010
EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional INStRUÇÕeS
INStRUÇÕeS aOS COlaBORadOReS
INFORMaÇÕeS GeRaISA revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia é uma publicação semestral, da Faculdade de Tecnologia Senac-DF, que
divulga artigos originais referentes à pesquisa, ao ensino e à reflexão crítica de temas relacionados à educação profissional. Sua
missão é promover a pesquisa por meio da divulgação de trabalhos técnico-científicos, a discussão de temas relacionados à
educação profissional, bem como incentivar a formação continuada de profissionais e pesquisadores. São aceitos trabalhos em
português, inglês, espanhol e francês.
SUBMISSÃOA submissão dos trabalhos deve ser feita pela página eletrônica da revista (Plataforma SEER) no endereço www.revista.fac-
senac.com.br. O autor deverá efetuar um login – no qual habilitará a opção Autor. Deverá confirmar o cumprimento do que está
expresso em Condições de submissão, na tela de Submissão, para que possa realizar upload do arquivo. Os arquivos devem ser
enviados em formato Word (.doc).
aValIaÇÃO e SeleÇÃO dOS aRtIGOSOs artigos submetidos à apreciação da revista devem ser inéditos. Os originais serão remetidos ao exame da Comissão Editorial
e avaliados por Doutores que possuam conhecimento do tema abordado no artigo. Nas avaliações são observadas, entre outras
coisas, a relevância do conteúdo, a propriedade da exposição, a conformação do texto aos princípios éticos e às normas da revista.
A Comissão Editorial poderá solicitar a colaboração de pareceristas ad hoc. Para garantir a impessoalidade do processo, a autoria
dos artigos não será revelada aos avaliadores, assim como também não será informada aos autores a identidade dos avaliadores
que procederam à análise e avaliação de seu manuscrito. Após aprovação, os artigos entrarão na lista para publicação. Os artigos
a serem publicados em cada número serão selecionados entre aqueles que estiverem na lista para publicação, observando-se os
critérios adotados para publicação científica (tema, categoria do trabalho, representatividade regional, etc.). Modificações formais
poderão ser feitas no texto pela revista, mas as modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Os originais não serão
devolvidos.
tRaMItaÇÃO dO aRtIGOO fluxo dos artigos submetidos à Comissão Editorial da revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia é o seguinte:
i. Avaliação do original
ii. Comunicação ao autor do resultado da avaliação
iii. Reformulação (no caso de os avaliadores indicarem a necessidade de revisões no conteúdo do artigo)
iv. Avaliação da versão reformulada
v. Publicação
dIReItOS aUtORaIS e ReSPONSaBIlIdade SOBRe O CONteúdO PUBlICadOOs direitos autorais dos artigos publicados pertencem à revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia. É permitida a repro-
dução parcial ou integral dos artigos em outros meios de divulgação, com a única condição da completa citação da fonte.
Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores.
A submissão dos originais à revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia pressupõe o conhecimento dos termos aqui
expostos e implica a aceitação de suas condições.
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NORMaS PaRa PUBlICaÇÃO
eSCOPO teMÁtICO dOS aRtIGOSOs artigos submetidos à revista devem focar temas relacionados à educação profissional dentro de uma das seguintes áreas:
comércio, comunicação, conservação e zeladoria, design, gestão, imagem pessoal, informática, lazer e desenvolvimento social, meio
ambiente, saúde, tecnologia educacional, telecomunicações turismo e hospitalidade.
CateGORIaS de tRaBalhOS aCeItaS
ArtigosÜRELATO DE PESQUISA: descrição de investigação baseada em dados empíricos e utilização de metodologia científica (aproximada-
mente 20 laudas);
ÜESTUDO TEÓRICO: análise de construtos teóricos que suscite o questionamento de modelos existentes e proponha hipóteses para
futuras pesquisas (aproximadamente 20 laudas);
ÜRELATO DE EXPERIêNCIA PROFISSIONAL: estudo de situação-problema, contendo análise de implicações conceituais, descrição de
procedimentos ou estratégias de solução, com evidência metodologicamente apropriada de avaliação de eficácia, de interesse
para a atuação em diferentes áreas da educação profissional (aproximadamente 15 laudas);
ÜREVISÃO CRÍTICA DE LITERATURA: análise de corpo teórico-investigativo que ofereça subsídios ao desenvolvimento da educação
profissional (aproximadamente 20 laudas);
ÜNOTA TÉCNICA: descrição de instrumentos e técnicas originais de pesquisa (aproximadamente dez laudas);
O número de laudas de cada artigo inclui, além do corpo do texto, resumo, abstract, figuras, tabelas e referências.
ResenhaRevisão crítica de obra recém-publicada que oriente o leitor quanto às suas características e usos potenciais (aproximada-
mente cinco laudas). Como critério, a revista define obras recém-publicadas àquelas publicadas até dois anos antes da data de
submissão do artigo.
Carta ao editorAvaliação crítica de artigo publicado na revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia, ou resposta de autores a críticas formu-
ladas ao artigo de sua autoria (aproximadamente cinco laudas);
NotíciaDivulgação de fato ou evento de conteúdo relacionado à educação profissional, não sendo exigidas originalidade e exclusividade
na publicação. Limitada a duas páginas impressas na publicação. A publicação de notícias fica a critério do Editor.
Uma lauda do manuscrito original, de acordo com o especificado em Formatação do Texto, equivale a duas páginas da publicação impressa.
eStRUtURaOs artigos deverão ser apresentados da seguinte forma:
ÜFOLhA DE ROSTO PERSONALIZADA: com a) título em português (com no máximo 17 palavras); b) título em inglês (equivalente ao
título em português); c) nome de cada autor, seguido da afiliação institucional e titulação; d) endereço completo para comuni-
cação com os leitores, endereço completo para correspondência com a Comissão Editorial, fax, telefone e endereço eletrônico;
ÜFOLhA DE ROSTO DESPERSONALIZADA: sem o nome do autor, contendo exclusivamente: a) título em português; b) sugestão de
título resumido (máximo de 6 palavras); e c) título em inglês;
ÜRESUMO: em português, com no máximo 150 palavras e acompanhado de quatro palavras-chave. Resenhas e notícias não admi-
tem resumo nem palavras-chave;
ÜABSTRACT: resumo em inglês, equivalente ao resumo em português e acompanhado das palavras-chave (key words). Resenhas e
notícias não admitem abstract e key words.
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Os artigos poderão conter ainda, quando for o caso:
ÜAPêNDICES E/OU ANEXOS: quando contiverem informações indispensáveis à compreensão do texto. Devem figurar no final do
artigo, numerados segundo a ordem de apresentação;
ÜTABELAS E/OU QUADROS: devem incluir legendas e devem ser numerados(as) sequencialmente.
ÜIMAGENS: os arquivos devem ser enviados em alta resolução (300dpi) e, preferencialmente, no formato do programa em que
foram originariamente gerados (Excel, Corel Draw, etc).
FORMataÇÃO dO textOOs textos deverão obedecer à seguinte formatação:
Digitados em papel branco A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço duplo, com margens superior e inferior de 2 cm,
e margens laterais de 3 cm. O corpo do texto não deve conter qualquer elemento que identifique o(s) autor(es). As páginas devem
ser numeradas na parte inferior direita da lauda. O número de páginas deve limitar-se àquele estabelecido para cada categoria de
trabalho (ver Categorias de Trabalhos Aceitos).
SISteMa de ChaMadaS (aUtOR, data)ÜDE UM A TRêS AUTORES: os nomes dos autores deverão ser separados por ponto e vírgula:
(GINTIS; SMITh; BOWLES, 2001)
ÜA PARTIR DE 4 AUTORES: cita-se o nome do primeiro autor seguido da expressão “et al.”:
(CORDANI et al., 2000)
ÜAUTORES COM SOBRENOMES IDêNTICOS: informam-se também as iniciais de seus prenomes:
(SILVEIRA, F., 2006); (SILVEIRA, B., 2007)
(SILVEIRA, B.; SILVEIRA, F., 2007);
caso as iniciais dos nomes também coincidam, os prenomes deverão figurar por extenso
(SILVEIRA, Flávia, 2006); (SILVEIRA, Fábio, 2007)
(SILVEIRA, Flávia; SILVEIRA, Fábio, 2005)
ÜAUTOR COM MAIS DE UMA PUBLICAÇÃO NO MESMO ANO: as obras deverão ser diferenciadas adicionando-se uma letra minúscula
após a data, ordenadas de acordo com a lista da seção de referências:
(SODRÉ, 1969a), (SODRÉ, 1969b)
ÜVÁRIAS OBRAS DO MESMO AUTOR: os anos das publicações devem ser separados por vírgula:
(GIL, 1993, 1995, 1997)
CItaÇÕeS
Citações Diretas (transcrição textual de parte da obra do autor consultado)ÜCITAÇõES DIRETAS CURTAS: com até 3 linhas, deverão ser integradas ao texto, entre aspas, seguidas da chamada pelo sobrenome
do autor, incluindo o número da página.
“[...] do conceito de consciência [...] sentido aos estímulos que nos atingem” (PENNA, 1986, p. 9).
ÜCITAÇõES COM 4 LINhAS OU MAIS: deverão ser deslocadas do corpo do texto, dispostas com recuo de 4 cm da margem esquerda,
sem aspas e com espaçamento simples, seguidas da chamada pelo sobrenome do autor.
Citações Indiretas (texto baseado na obra do autor consultado)As citações indiretas deverão ser seguidas da chamada pelo sobrenome do autor. A indicação do número da página é opcional:
Segundo Fonseca (1986, p. 57-58), em estudo realizado em Recife (UNICEF, 1986)...
Citação de Citação (texto não retirado de fonte original, mas de obra que a ele faz referência)Deverá ser referenciada a fonte consultada e não a fonte original, usa-se a expressão apud (citado por) entre o autor original e o
autor consultado.
Conforme Platão e Fiorin (1990, p. 241 apud MEDEIROS, 2003, p. 71), os pressupostos são idéias não expressas de maneira explícita [...]
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NOtaS, SIGlaS e aBReVIatURaSAs notas deverão figurar no rodapé da página, numeradas seqüencialmente.
As siglas deverão ser apresentadas de forma estendida quando mencionadas pela primeira vez no texto: ...o Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), realizou estudos...
As abreviaturas devem seguir as orientações da NBR 10522/88.
SeÇÃO de ReFeRêNCIaS BIBlIOGRÁFICaSA seção de referências, no final do artigo, deverá conter as referências bibliográficas completas, ordenadas, primeiro por ordem
alfabética do sobrenome dos autores, depois (quando houver mais de uma obra do(s) mesmo(s) autor(es)) por ordem alfabética do
título da obra, conforme o definido pela ABNT (NBR 6023, ago. 2002). O elemento em destaque, a depender do tipo de referência,
deverá ser negritado.
Referências de LivroÜINTEGRAL: ESTEVAM, C. Freud: vida e obra. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ÜPARTE DE LIVRO: PEREIRA, R. R. et al. Ladrões de sonhos e sabonetes: sobre os modos de subjetivação do infância na cultura do
consumo. In: JOBIM E SOUZA, S. (Org.). Subjetividade em questões: a infância como crítica da cultura. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2000.
Referências de RevistaÜINTEGRAL: PSICOLOGIA: Teoria e Pesquisa. Brasília: Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, v. 22, n. 1, jan./abr. 2006.
ÜARTIGOS E/OU MATÉRIA: MOURA, M. L. S. Dentro e Fora da Caixa Preta: A Mente sob um Olhar Evolucionista. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, Brasília, v. 21, n. 2, p. 141-147, maio/ago. 2005.
Quando os artigos ou matérias não forem assinados, o título do artigo passa a ser o primeiro elemento da referência com a pri-
meira palavra em caixa alta: MÃO-DE-OBRA e previdência. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Rio de Janeiro, v. 7, 1983.
Suplemento.
Dissertações e TesesSTRAFORINI, R. Ensinar geografia nas séries iniciais: o desafio da totalidade mundo. 2001. Dissertação (mestrado) – Instituto de
Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
Obras em mídias digitaisA referência segue o padrão indicado para o material impresso acrescida da descrição do meio eletrônico e data de acesso, quan-
do consultadas on-line:
KOOGAN, A.; hOUAISS, A. (Ed.). Enciclopédia e dicionário digital 98. Direção geral de André Koogan Breikmam. São Paulo: Delta:
Estadão, 1998. 5 CD-ROM.
BICCA JUNIOR, R. L. Coisas nossas: a sociedade brasileira nos sambas de Noel Rosa. 2001. Dissertação (mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.samba-choro.com.br/print/debates/>. Acesso
em: 21 ago. 2004.
Autores InstitucionaisA referência começa com o nome da instituição em caixa alta: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL. Plano de
Trabalho 2008. Brasília, 2008
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Formatação das referênciasA formatação da referência deve seguir impreterivelmente os modelos supracitados. Isso inclui o uso dos recursos tipográficos
(negrito ou caixa alta) e a pontuação. As expressões usadas nas referências, tais como “et al.”, “In” “Org.”, “Coord.”, “Ed.”, “v.”, “n.”, “p.”, “s.n.”,
“ed.”, serão sempre seguidas de espaço e devem ter o uso dos caracteres maiúsculos e minúsculos respeitados (o autor deve atentar-se
para o fato de que os recursos de auto-correção do computador podem alterar a configuração da formatação, colocando, por exem-
plo, um caractere maiúsculo onde deveria figurar um minúsculo etc.). Nenhum item da referência deve ser sublinhado. Os recursos
tipográficos devem ser aplicados exclusivamente quando requeridos.
Todas as referências constantes no corpo do texto deverão ser incluídas na seção de referências, assim como todas as referências
listadas na seção deverão estar presentes ao longo do texto. Os casos aqui não contemplados deverão seguir o estabelecido pela ABNT
(NBR 6023, ago. 2002), e aqueles não assistidos pela presente norma nem pela ABNT serão decididos pelo corpo técnico da revista.