educação profissional: ciência e tecnologia

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Edição especial com entrevistas concedidas durante o Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, realizado em Brasília, entre 23 e 27 novembro.

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Volume 4, Número 1 | Volume 4, Number 1

Edição especial | Special edition

Julho-Dezembro 2010 | July-December 2010

Publicação Semestral | Semester Publication

ISSN 1980-5594

Esta publicação conta com o apoio financeiro do Serviço Nacional

de Aprendizagem Comercial do Distrito Federal (Senac-DF).

This publication counts on the financial support of the Senac-DF Capa

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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. iii-iv, jul./dez. 2010

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SUMÁRIO > Volume 4, Número 1, Edição Especial

EDITORIAISv EDITORIAL > Por Juliana Eugênia Caixeta & Flávia Furtado Rainha Silveira

O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica: um marco no Brasil

ix EDITORIAL > Por Luiz Otávio da Justa Neves

Educação ou ensino

ENTREVISTAS1 JOAQUIM AZEVEDO > Por Juliana Caixeta, Ricardo Coelho & Rafael Voigt

O panorama contemporâneo da educação profissional em Portugal: conquistas e desafios

7 RAMÓN MONCADA > Por Juliana Caixeta & Rafael Voigt

Um debate sobre cultura e educação profissional

11 MIChAEL MAyNARD > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael Voigt

Canadian colleges and the policies for access and inclusion MIChAEL MAyNARD > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael Voigt

Centros de Ensino Superior canadenses e as políticas de acesso e inclusão

17 JOS NOLLE > Por Juliana Eugênia Caixeta

Policies for access and inclusion in Canada21 JOS NOLLE > Por Juliana Eugênia Caixeta

Políticas de acesso e inclusão no Canadá

25 ELIEZER PAChECO > Por Ricardo Coelho

A expansão da rede federal de educação profissional

29 ANTONIO CARLOS DAS NEVES & ROSA MARIA PIRES BUENO > Por Flávia Furtado Rainha Silveira

Educação profissional: e experiência da Fundação Bradesco no Brasil

33 SÍLVIA MANFREDI > Por Ricardo Silva & Rafael Voigt

Uma crítica à pedagogia das competências

37 FRANCISCO CORDÃO > Por Flávia Silveira

O panorama da educação profissional no Brasil

43 ISMÁRCIA GONÇALVES SILVA, TIAGO RODRIGUES, CAROLINE FERREIRA > Por Juliana Caixeta & Rafael Voigt

Desafios e conquistas do Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet)

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49 SANDRA REGINA GARCIA > Por Ricardo Silva

O ensino integrado: a experiência do Paraná

53 JOANA BOTINI (SENAC/EAD) > Por Suely Parrini

Educação a Distância: avanços e desafios

57 LUCÍLIA MAChADO > Por Ricardo Coelho & Rafael Voigt

A organização da educação profissional no Brasil

61 MOACIR GADOTTI > Por Ricardo Silva & Rafael Voigt

Por uma educação profissional realizadora do ser humano

INSTRUÇÕES E NORMAS65 Instruções aos colaboradores66 Normas para publicação

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. v-vii, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional edItORIal

edItORIal > Por Juliana Eugênia Caixeta & Flávia Furtado Rainha Silveira

O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica: um marco no Brasil

Queridos/as leitores/as,

A emoção nos invade ao tecer a história do número 4, volume 1 da nossa revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia. O motivo desse sentimento passa pelo fato de que de todos os números já publicados, este carrega em suas páginas a concretização de uma impor-tante vitória da Educação Profissional e Tecnológica: o reconhecimento de seu papel fundamental na história do nosso povo, o reconhecimento do que fizemos até aqui e o reconhecimento de que muito podemos fazer para a construção de um país com igualdade social. O ano de 2009 marcou a Educação Profissional ao tornar visível essa modalidade educacional e colocá-la na agenda de um projeto de país que sabe dos seus desafios, mas também, das possibilidades que emergem do encontro das diferenças inerentes a sua própria constituição e das possibilidades do mundo do trabalho. Dois mil e nove foi o ano do I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, que aconteceu em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, de 23 a 27 de novem-bro. No Brasil, a Educação Profissional e Tecnológica nunca havia sido tão enaltecida, respeitada e defendida

como foi neste fórum mundial, evento que merece des-taque em nossa revista por ter o objetivo de colocar a Educação Profissional e Tecnológica no seu lugar de promotora de transformações sociais:

O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica propor-cionou a primeira grande discussão acerca das dimensões múltiplas a que está hoje vinculada a educação profissional. As atividades estiveram voltadas para movimentos pela cidadania e pelo direito universal à educação profissional, especialmente em propostas que buscaram refletir sobre a universalização da educação, o acesso à educação de qualidade sem perder a ótica de universalização do ensino sob o viés do trabalho, da diversidade, da inclusão, do desen-volvimento sustentável, da ética e da interculturalidade (Relatório do Ministério da Educação sobre I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, 2009, p.2)

Esta revista é a concretização da diversidade que é a Educação Profissional no Brasil e no mundo. No I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, realizaram-se, em cinco dias de imersão cultural e acadêmica, marcada sobretudo pela solidariedade e incursões em prol do reconhecimento da diversidade como traço marcante da condição humana, 143 ativida-

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des culturais, 15 conferências e debates, 165 atividades autogestionadas, 18 Oficinas de Gastronomia, 3 Mostras (Painéis, Artes e Inovação Tecnológica por estudantes), 2 Feiras (Gastronomia e Sustentabilidade) e 3 Sessões Especiais (Abertura, Encerramento e Sessão de Anistia) que foram prestigiadas por um público de 15 mil pessoas, entre professores, alunos, técnicos, políticos, acadêmi-cos, ambientalistas, intelectuais, enfim, uma diversidade de gente para escrever uma história marcante. Descrever, brevemente, as atividades não é suficiente para demons-trar a riqueza da educação profissional que fazemos e desejamos fazer no Brasil, bem como a riqueza das ex-periências dos vários países amigos: Paraguai, Uruguai, Argentina, Venezuela, Colômbia, Camarões, Canadá, Estados Unidos, China, Portugal, França, Espanha, Angola, Benin, para citar alguns países. Por isso, deci-dimos que este número seria todo dedicado ao I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica. Para cumprirmos esse objetivo, nossa equipe mobilizou cerca de 12 profissionais entre funcionários da revista, técnicos, professores universitários e pesquisadores para trazer por meio de entrevistas para vocês, nossos leitores, as temáticas que foram discutidas no fórum.

Assim, essa revista congrega diferentes vozes, constru-ídas no encontro com diferentes personalidades nacionais e internacionais, que debateram conosco a Educação Profissional e Tecnológica no Brasil e o no mundo. A revista congrega diferentes posições ideológicas, políticas, so-ciais, enfim, congrega a diversidade, na rica experiência da imersão e da narrativa das possibilidades que se criam no encontro com os iguais e os diferentes. Esta revista celebra a educação profissional como um sistema educacional com-plexo, que possibilita a inclusão na diversidade.

Ao todo, foram entrevistados 17 profissionais. Nesse número, apresentaremos 11 entrevistas.

A primeira entrevista que apresentamos nesse número é a do professor Doutor Joaquim Azevedo, de Portugal. O professor, que já foi secretário de Educação do Governo Português, discute a educação profissional no seu país de origem, comparando-a com a brasileira e destacando a im-portância e os desafios que ela enfrenta para ser respeitada.

A segunda entrevista é com o professor Ramon Moncada, Diretor Executivo da ConCiudadania, Colômbia, que apresenta o conceito de cidade educadora e defende que a formação profissional deve discutir o papel da cultura na formação tanto de alunos quanto de professores para não assumir um caráter tecnicista. Para ele, a educação tem a função de explorar a leitura de mundo dos alunos, tal

como defende Paulo Freire, e levá-los à autonomia própria da participação cidadã.

A terceira entrevista é a do professor Michael Maynard, Diretor de Estudos do New Brunswick College of Craft and Design. O professor fala sobre a função inclusiva dos colle-ges canadenses e descreve a importância da avaliação e reconhecimento de aprendizagem prévia (procedimento que valida os conhecimentos prévios dos alunos, que não foram construídos no processo formal de escolarização) para seus alunos e para as participantes do programa de inclusão de mulheres, chamado Mulheres Mil, parceria entre os gover-nos Canadense e Brasileiro.

A quarta entrevista, do professor Jos Nolle, Diretor de Educação Internacional e Desenvolvimento do Canadá, aborda a Associação Canadense de Faculdades Comunitárias (Association of Canadian Community College – ACCC) e também a Avaliação e Reconhecimento da Aprendizagem Prévia (ARAP).

Eliezer Pacheco, secretário da Secretaria de Educação Profissional do MEC (SETEC) nos brindou com uma en-trevista na qual discorre sobre a expansão da rede federal de educação profissional, que resultará na abertura de 250 unidades em todo Brasil. Ademais, refere-se ao apoio do órgão ao Sistema S, que se prepara para até 2014 ofertar 66.66% da sua receita compulsória em cursos gratuitos, reconhecendo-o como uma das pontas do tripé da educação profissional no Brasil, da qual também fazem parte a rede federal e as redes estaduais. Essas ações vem, em suas palavras, ao encontro das necessidades de formação de profissionais qualificados para um país em franco desen-volvimento, o que esbarra com o conhecido fenômeno do “apagão de mão-de-obra”.

A educação profissional na renomada Fundação Bradesco é tema da entrevista de Antonio Carlos das Neves e Rosa Maria Pires Bueno. Os diretores de educação pro-fissional da fundação relatam que essa modalidade de edu-cação é oferecida desde 1970, nas 40 escolas da rede que atendem 111 mil alunos no Brasil, com base nas demandas de cada região. Os entrevistados relatam que seus cursos são balizados pela abordagem construtivista e pelos princí-pios do pensar autonomamente, da solidariedade, do volun-tariado e do fomento do empreendedorismo, da criatividade e da inovação. Além dos cursos técnicos, são ofertados cursos de formação inicial e continuada com vistas à poten-cialização da renda das famílias da comunidade nas quais a escola está inserida.

A entrevista de Silvia Manfredi nos esclarece sobre o sistema de certificação profissional idealizado pelo grupo do

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qual fez parte, mas que ainda não foi adotado no Brasil. Para a educadora, presidente do instituto Paulo Freire na Itália e que até 2006 atuou como consultora da OIT no Projeto de Certificação e Orientação Profissional, a certificação, cons-tituída, por exemplo, por temas geradores, poderia resolver os desafios que se impõem e restringem a equivalência en-tres os diversos níveis de ensino. Nessa entrevista, Manfredi demonstrou ser crítica contundente do modelo de educação por competências que, a seu ver, tolhe a criatividade e a iniciativa dos professores e dos alunos.

Referência nacional em educação profissional, Francisco Cordão, consultor educacional do Senac e Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, relata em sua entrevista admiração que tem pela educação profissional praticada pelo Sistema S.

A professora Ismárcia Gonçalves Silva e seus alunos Tiago Rodrigues e Caroline Ferreira nos contam como o Instituto Federal do Rio de Janeiro tem trabalhado para a formação de professores de Química, Física e Matemática, por meio de projetos que se fundamentam numa concepção interacionista de ensino e aprendizagem. Falam sobre a construção do Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet) como um espaço físico e social de construção de conhecimento, onde alunos e pro-fessores da universidade e das escolas públicas cariocas poderão trocar ideias e desenvolver projetos que resultem em processos de ensino-aprendizagem de ciências contex-tualizados à vida cotidiana dos personagens que compõem a escola e a universidade.

Sandra Regina Garcia fala sobre a experiência do Paraná na estruturação da educação integrada. Nessa en-trevista, Sandra conta as características e os desafios da implantação desse programa, defendendo a educação inte-grada como um modelo educacional que permite a formação ampla, em suas dimensões pessoais e profissionais.

Em sua entrevista, Joana Botini comenta a educação a distância em geral e a educação a distância que é promovida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Ela defende que a rede Senac deve atuar em cursos de graduação tecnológica, porque o Senac tem como missão formar profissionais para atuar no mercado de comércio de bens e serviços, turismo, hospitalidade e saúde. Atribui o sucesso dos cursos de EaD do Senac à própria marca e, também, à seriedade e ao foco que sustentam os cursos de graduação, pós-graduação e extensão a distância.

Lucília Machado discute, em sua entrevista, os concei-tos de interdependência, trabalho e educação profissional. Para ela, a educação profissional e tecnológica envolve um conjunto complexo de fenômenos que precisam ser discu-tidos e considerados na concretização dessa modalidade de ensino. Ela defende, inclusive, a perspectiva do trabalho como promotora de identificação da pessoa e de realização pessoal.

Moacir Gadotti, assim como Lucília Machado, defende a articulação de conhecimentos na educação em geral e na educação profissional, em específico. O autor discute a educação profissional na visão de Paulo Freire, marca a importância do fórum no atual momento histórico do país, posiciona-se criticamente em relação a documentos do Conae e à função do Sistema S na promoção da educação profissional. Gadotti defende uma educação contextualizada e articulada em nossas escolas, sintonizada às demandas e características da diversidade vivenciada na contemporanei-dade nos vários espaços sociais em que nós nos construí-mos e ajudamos a construir.

Desejamos que confira todas as entrevistas e que elas sejam úteis na sua atuação como profissional e pessoa comprometida com a educação brasileira.

Boa Leitura!

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EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional edItORIal

edItORIal > Por Luiz Otávio da Justa Neves

Educação ou ensino

O que há de comum entre pensamentos como o de

Pitágoras, “Educai as crianças, para que não seja necessário

punir os adultos”; de Albert Einstein, “A única coisa que inter-

fere no meu aprendizado é a minha educação”; de Burruhs

Frederic Skinner, “A educação é aquilo que sobrevive depois

que tudo o que aprendemos foi esquecido”; de Immanuel

Kant, “O homem não é nada além do que a educação faz dele”;

e de Nelson Mandela, “A educação é a arma mais poderosa que

você pode usar para mudar o mundo”. Mesmo sendo pessoas

de diferentes épocas, culturas e formações, a concepção de

educação de todos eles é convergente e aponta, claramente,

para a diferença entre educar e ensinar; entre educação e

ensino; entre educador, de um lado, e adestrador, treinador,

instrutor ou apenas professor, de outro.

É claro que um professor pode ser, ou não, um educador,

não se restringindo, somente, aos processos de ensino e apren-

dizagem de conhecimentos de natureza técnico-científica. Ele

deve adentrar, em todas as oportunidades surgidas, e nas por

ele criadas intencionalmente, nas questões da cidadania, da

ética e da moral, além das sociais e culturais.

Todo esse esforço do professor-educador não é, ainda,

suficiente para propiciar o que se pode chamar de educação.

É fundamental o exemplo que ele pode ensejar, em todos os

momentos, posto que é modelo para os alunos.

Para ser um verdadeiro educador, o professor deve ser,

também, um contador de estórias, um comentarista dos fatos

e acontecimentos diários, um conselheiro, um amigo, um disci-

plinador. Não basta ser um transmissor de conhecimentos, ele

deve ser um receptor de angústias, de dúvidas, de dificuldades,

de carências e de queixas.

O educador propicia possibilidades de reflexão, de amadu-

recimento emocional, de solidariedade, de responsabilidade,

de respeito, de honestidade, de cidadania, de patriotismo aos

seus alunos, sem prejuízos ao aprendizado acadêmico.

Lamentavelmente, não se encontram educadores com

muita frequência entre os docentes, muitos deles temporários

e outros, ainda, inexperientes. A pressa, a impessoalidade e

tantas outras características dos tempos atuais (inclusive a

redução da educação a números por meio de processos equi-

vocados de avaliação), acrescidas do não reconhecimento do

real valor do professor-educador, expresso em inadequadas

condições de trabalho e baixa remuneração, forçam uma

atuação superficial e descomprometida que, com certeza, fará

tudo, menos educação.

Prof. MSc Luiz Otávio da Justa Neves

Presidente do Conselho de Educação do DF e

Diretor Regional do Senac-DF

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Entrevista concedida em 27.11.2009

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EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

JOaQUIM aZeVedO > Por Juliana Caixeta, Ricardo Coelho & Rafael VoigtJoaquim Azevedo é Professor da Universidade Católica Portuguesa (Portugal)

O panorama contemporâneo da educação profissional em Portugal: conquistas e desafios

EPCT | Como se organiza a educação profissional em Portugal?

hoje o ensino profissional técnico tem três grandes ver-

tentes: uma vertente mais escolar, outra menos escolar e mais

ocupacional, como se costuma dizer, e outra vertente mais

social. Em Portugal, o aluno tem uma formação básica de nove

anos, a partir da qual começa a formação mais especificada, o

ensino secundário. Até o 9º ano o currículo é único, depois os

alunos são direcionados para as escolas profissionais, ou para

as escolas secundárias, que também oferecem cursos profissio-

nais, ou para as escolas artísticas, que oferecem cursos de for-

mação artística. Nosso ensino secundário, que aqui vocês cha-

mam de ensino médio, tem duração de três anos. Terminada a

formação básica de nove anos, que é comum para todos, vem

então o ensino secundário de três anos, que pode ser feito em

diferentes vertentes. Concluído o ensino secundário, todos os

jovens podem se candidatar ao ensino superior em qualquer

área sem nenhuma precedência. Entretanto, Portugal está

trabalhando pela unificação do ensino básico e secundário em

um único ensino. O que nós valorizamos é o desenvolvimento

das pessoas, e este pode se dar tanto no ensino profissional,

quanto no ensino geral inicial, pois estes têm os mesmos re-

cursos e um sistema de aprendizagem equivalente, sendo um

mais para uma área e outro para outra.

EPCT | A sociedade em geral também considera valoroso o ensi-no secundário profissionalizante?

Isso é o que nós buscamos há muitos anos. Essas escolas

profissionais são recentes. há 20 anos estamos a comungar

o nascimento e a proliferação delas em todo o país. Antes

da Revolução da Democracia, existia o ensino técnico, muito

marcado do ponto de vista social. Era o ensino para os pobres,

para os mais necessitados para quem não tinha condições de

conseguir estudos, e isso ficou como uma marca nas represen-

tações sociais. hoje já se ultrapassou muito. No ensino médio

português, por exemplo, que é esse secundário de três anos,

40% dos jovens já estão matriculados em cursos profissionais

em todo o país. Portanto, esse nível de ensino deu um salto

muito grande entre 20 e 25 anos.

EPCT | No Brasil temos o mesmo desafio de superar a idéia de que o ensino profissionalizante é inferior ao ensino geral...

Agora, nós também estamos a superá-lo com mais faci-

lidade. 20 anos é pouco para evoluírem as representações

sociais, mas os resultados têm sido bons porque esses jovens

têm melhores níveis de sucesso escolar que os seus colegas

do ensino geral, têm melhores níveis de aproveitamento

e melhor capacidade de inserção no mercado de trabalho,

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além disso, podem seguir o estudo superior que quiserem.

Destes, 22% querem prosseguir com os estudos e o restante

ingressa no mercado de trabalho.

EPCT | Na abertura do Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinalou que a educação profissional é estratégica para a inserção do Brasil no cenário mundial. Como o governo de Portugal entende atualmente o papel da educação profissional para o seu processo e progresso sócio-educativo?

Está sendo feito um investimento fortíssimo na educação

profissional dos jovens. Estamos expandindo a oferta de educa-

ção profissional e também de ensino superior aos jovens de 16

a 18 anos. No início do ano 2000, lançamos um programa muito

importante para os adultos. A população adulta hoje é pouco

escolarizada por conta da ditadura, foram quarenta anos sem

investimento na educação, quase a metade do século XX sem

investir na educação. E agora compramos esse atraso, mas ainda

estamos com dificuldades. Por isso, lançamos o programa Novas

Oportunidades, com o objetivo de criar novas oportunidades

para toda a população adulta se qualificar, para ver reconheci-

das, validadas e certificadas as suas competências adquiridas ao

longo da vida ou no seu exercício profissional, para complemen-

tar, por exemplo, a formação em TIC – Tecnologia da Informação

e Comunicação – ou em uma língua estrangeira, fazendo a

equivalência ao 9º e ao 12º ano, fim do ensino básico e médio.

E continuamos com esse processo. Em Portugal, há 1 milhão

de pessoas inscritas no programa. Ora, 1 milhão! Nós somos 10

milhões!

EPCT | De que maneira a educação básica portuguesa prepara seus jovens para o mercado de trabalho?

Prepara no sentido de que proporciona uma formação ampla

do ponto de vista da formação de competências gerais. Em

Portugal, chamamos de educação básica os nove anos iniciais,

que têm um corpus comum, que eu chamo de corpus cultural,

que são os instrumentos, a hierarquia de saberes, as compe-

tências gerais, a capacidade de ler, escrever e calcular. Assim, a

educação básica prepara o aluno para avançar no conhecimento,

situar-se no mundo, comunicar-se, distinguir e hierarquizar os

saberes, traduzir informações em mais conhecimento, ter auto-

nomia para estudar e pesquisar e trabalhar em equipe, que já é

uma preparação para o trabalho. Prepara também para o saber-

viver, que é entender o mundo em que se vive, saber se situar

e viver em sociedade, em comunidade e solidariedade com os

demais, o que também é fundamental na formação educacional.

EPCT | A maior parte da formação educacional de Portugal é gratuita?

Sim. Até o 9º ano é gratuito e agora até o 12º ano será gratui-

to, pois foi declarado obrigatório e universal a gratuidade até o

fim do ensino não universitário.

EPCT | Nós pesquisamos no seu site um pouco sobre o 10º ano pro-fissionalizante de Portugal. Como funciona esse programa no qual os jovens devem optar por um curso de profissionalização após saí-rem da educação básica? Em que contexto socioeconômico surgiu a necessidade de oferecer o 10º ano escolar profissionalizante?

Estamos falando de uma maneira muito pontual, creio que

vocês aqui chamam de subsequente. No fim da formação básica

de nove anos, alguns jovens, por diversas razões, não queriam

prosseguir os estudos, queriam sair da escola e entrar no mer-

cado de trabalho. Antes, isso era possível, agora não é mais não,

agora é obrigatório estudar mais três anos, até o 12º ano. Como

não era obrigatório, as pessoas saíam da educação básica sem

qualificação do ponto de vista profissional. Dessa forma, criou-

se um ano a mais de formação profissionalizante, não com o

objetivo de qualificar em nível técnico intermédio de três anos,

mas de proporcionar uma entrada no mercado de trabalho com

o mínimo de qualificação. Então, criou-se o 10º ano, que é quase

um subsequente do ensino da educação básica.

EPCT | Qual o papel das faculdades e universidades portuguesas na preparação de profissionais para o mercado de trabalho?

As universidades portuguesas também têm muito essa

vertente profissionalizante. É claro que elas têm outras mis-

sões além da investigação e das relações de trabalho com

a comunidade. É evidente que elas têm uma relação muito

estreita com a formação profissional e intelectual. Resta saber

até quando elas devem seguir na preparação e qualificação

das pessoas em nível superior ou se devem seguir exatamente

aquilo que as organizações atuais querem que sigam. hoje,

quando o jovem chega à universidade querendo estudar his-

tória, filosofia, ele se depara com a ideia de que não deve es-

tudar, pois não há nenhuma empresa para filósofos instruídos.

Assim, se a lógica é colocar a universidade a serviço de uma

ditadura das necessidades das empresas, nós podemos correr

o risco de deixar de lado a realização pessoal. há muitos jovens

que preferem e acham fundamental estudar antropologia, fi-

losofia, e eu creio que isso é muito importante, essa liberdade

de escolha dos jovens é importante. Outro dia, em Barcelona,

o presidente de uma grande empresa foi buscar filósofos. Por

quê? Porque são os que têm a melhor capacidade de ler o

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mundo. É isto que se dizia aqui

no fórum: combater a hiper es-

pecialização, pois uma empresa,

ainda que trabalhe em uma área

especializada, precisa entender

o mundo para perceber como

são as sociedades, as culturas e

os povos, como eles estão evo-

luindo e também para perceber

como é que ela evolui em sua

capacidade de prestar um servi-

ço mais adequado à sociedade.

Creio que nós não podemos

restringir as universidades à vertente profissionalizante, pois

elas têm uma dimensão mais universal, mais aberta, são para

todos, são para pensar tudo, e não ficar nada de fora, e o mais

importante é pensar o homem e o seu desenvolvimento inte-

gral, essa é a sua principal função.

EPCT | Aqui no Brasil nós temos dividido a educação superior em vários níveis, por exemplo, temos os cursos tecnológicos que são bem voltados para o mercado de trabalho. Nesse sentido, como é em Portugal?

O ensino superior em Portugal está dividido nas vertentes

universitária e politécnica. Nós temos institutos superiores poli-

técnicos e universidades, que são duas instituições distintas, em

que uma forma profissionais direcionados e qualificados para o

mercado de trabalho e a outra também o faz, mas numa lógica

mais investigativa e menos articulada às necessidades do mer-

cado de trabalho.

EPCT | Na Conferência, o senhor comentou sobre a necessidade de aproximação dessas instituições de ensino superior com o mercado de trabalho. Como Portugal tem feito isto, o que as instituições edu-cacionais fazem? Elas promovem rodadas de negócios?

Bom, o que se tem feito nos últimos anos é tentar trazer

para dentro da universidade, e até nos seus próprios órgãos de

governo, órgãos de formação, o mundo exterior: as empresas, os

movimentos culturais e as principais atividades sociais; é tentar

trazê-los para dentro das universidades, em órgãos mesmo para

consulta. Em alguns casos do ensino superior, tendo em vista

fortalecer essa adequação, os cursos têm estudado a emprega-

bilidade de seus diplomados. Os dados desses estudos são pu-

blicados anualmente e essas informações são importantes tanto

para quem está entrando no mercado de trabalho quanto para

quem procura o ensino superior.

EPCT | Há programas do governo de Portugal preocupados com a formação inicial e continuada dos docentes do ensino profissional? Como é que acontece?

No ensino profissional essa

preocupação ainda é pequena.

há pouco investimento para os

docentes do ensino profissional

e do ensino geral também. É

uma lacuna bastante grande que

temos de enfrentar.

EPCT | Como os fóruns, conferências e seminários internacionais sobre educação têm contribuído para a construção de uma agenda programática, positiva, para a democratização do direito à educa-ção básica e profissionalizante? É possível empreender uma mobili-zação mundial e policêntrica em torno desse assunto?

Sim. E uma das áreas da minha investigação é exatamente

sobre isso, sobre a questão que se chama o sistema educativo

mundial. É cada vez maior o número de encontros, simpósios

mundiais e internacionais. há uma dinâmica promovida pela

Unesco e por outras organizações internacionais que facilitam

e incentivam essa articulação internacional, que, a meu ver,

poderia haver bem mais e ir um pouco mais longe. A União

Europeia, por exemplo, vai bastante longe nas articulações

de políticas nacionais. Na questão do reconhecimento dos

diplomas, que é uma questão central que nós, no âmbito

de uma rede de peritos da OEI (Organização dos Estados

Iberoamericanos), tentamos construir uma nova articulação

que permita a mobilidade das pessoas por conhecimentos mú-

tuos de diplomas entre os países da América do Sul, a Europa já

deu um grande passo. Assim, na Europa, mais do que produzir

os mesmos modelos de ensino profissional, agora é possível

encontrar dinâmicas de articulação entre os países para defi-

nirem as linhas comuns, os requisitos comuns, respeitando as

diferenças culturais e históricas de cada país, permitindo a mo-

bilidade entre as fronteiras, facilitada pelas línguas espanhola

e portuguesa, quase que uma língua franca, pelas quais se en-

tendem relativamente bem.

EPCT | Como a educação profissional e tecnológica pode colaborar nas políticas de desenvolvimento sustentável?

O ensino profissional não deve ser um ensino desgarrado

da realidade dos próprios alunos nem das necessidades econô-

micas, sociais e culturais da sociedade, deve estar muito ligado

Outro dia, em Barcelona, o pre-sidente de uma grande empresa foi

buscar filósofos. Por quê? Porque são os que têm a melhor capacidade de ler o mundo.

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ao desenvolvimento social local. No caso dos portugueses, as

necessidades econômicas e sociais têm sido lentamente supe-

radas com bastante sucesso pela sustentabilidade, que, antes

de mais nada, tem de repousar no desenvolvimento humano

de todos. A partir da adolescência e da juventude, sobretudo,

o ensino profissional tem um lugar muito importante, pois

nem todos fazem o mesmo tipo de ensino e nem todos têm o

mesmo tipo de expectativas e capacidades, por isso que a edu-

cação deve criar oportunidades para todos realizarem alguma

atividade. E o ensino profissional deve ser de qualidade como

todos os outros, pois sua missão fundamental não é ensinar

os meninos a fazerem, mas aprenderem a ser fazendo, que é

algo bem diferente. E é esta perspectiva que temos buscado

trabalhar mais em nós: conciliar uma bagagem cultural cientí-

fica, que é necessária a qualquer cidadão do século XXI, com

uma articulação profissional adequada às necessidades não só

locais, mais também mundiais, pois muitos de nossos jovens

hoje estão ligados e articulados a redes mundiais. As fronteiras

estão se desfazendo e rompendo cada vez mais, uma tendên-

cia que se acentua para o futuro. Portanto, creio que o ensino

profissional tem um papel muito relevante, porque forma e

qualifica as pessoas para servirem à sociedade como eletricista,

engenheiros, etc., profissões tão importantes quanto um juris-

ta, um arquiteto, por exemplo. Portanto, é preciso dignificar

igualmente o ensino profissional e os demais setores profis-

sionais e laborais da sociedade, ou seja, dignificar as profissões

técnicas também. O problema do ensino profissional não está

na escola, está na sociedade.

EPCT | Há em Portugal alguma avaliação ou certificação dessas escolas profissionais?

Sim. Existem muitos relatórios de avaliação para acompa-

nhamento e resultados, todo tipo de resultado, como funciona,

quanto se gasta, quantos qualificam, quanto sucesso, quantos

anos demora para qualificar uma pessoa, qual a empregabilida-

de dos jovens por áreas, tudo isso está registrado.

EPCT | As escolas têm acompanhamentos de egressos?

Sim, e é feito pelas próprias escolas. É na ótica que eu fala-

va. Muito se fala das responsabilidades sociais das empresas.

E a responsabilidade social das instituições educacionais?

Uma instituição de ensino e formação tem responsabilidade

social de acompanhar aqueles que ela qualificou. A instituição

não pode simplesmente lançar os egressos e dizer “agora vão

embora, desapareçam”. Não. Os egressos poderão encontrar

emprego na área em que se qualificaram, poderão saltar

de um emprego para outro ao final de um, dois, três anos

e poderão, se precisarem, ter na escola um apoio para uma

qualificação ou atualização profissional de uma ou duas se-

manas, um, dois ou três meses. A escola deve ser uma espécie

de clínica de atendimento permanente capaz de responder

aquilo que é a sua missão como instituição educativa, e não

empurrar as pessoas como se fosse um serviço de contabili-

dade: pagou? Pode ir embora. O próximo! A idéia não é essa.

A responsabilidade social de uma instituição educativa vai

muito mais longe.

EPCT | E os egressos procuram e voltam às escolas?

Eles voltam cada vez mais, à medida que percebem que

há uma instituição que os acolhe. E isso também depende da

maneira como saem. A educação é um desenvolvimento, a

pessoa aprende e cresce ali conosco, criamos laços, por isso,

ao sair, ao receber o diploma, é importante dizer à pessoa

que nós continuamos com ela, e quando precisar estaremos

com um gabinete de apoio para encontrar a melhor solução

para que ela continue pró-ativa, feliz e realizada profissional

e humanamente. Essa é a idéia, a educação tem aí um papel

crucial, nós não podemos negar isto. Portanto, acredito que

as escolas de formação inicial podem e devem cada vez mais

evoluir para essa responsabilidade social de acompanhar seus

diplomados ao longo da vida.

EPCT | Quando o senhor foi secretário de Estado lá em Portugal qual foi a sua maior ação em prol da educação profissional?

Foi a criação das escolas profissionais. Elas foram criadas em

todo o país há 20 anos por minha equipe. Criamos cinquenta no

primeiro ano, mais cinquenta no segundo ano e outras cinquen-

ta no terceiro. E esta rede ainda hoje está toda por aí. E agora

está a ampliar-se por todas as escolas secundárias, para todos os

diversos cursos. Como esses cursos cresceram muito bem e com

bastante sucesso, agora o Ministério da Educação decidiu criá-

los em todas as escolas.

EPCT | Existe rede privada de educação profissional em Portugal?

Sim. As escolas profissionais inicialmente começaram com a

rede pública e privada e hoje estão sendo alargadas a todas as

escolas públicas também. Já temos cerca de 40% dos jovens nos

cursos profissionais. E isso é muito forte.

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EPCT | Quando o senhor fala da expansão da educação profissio-nal para as escolas públicas, isso significa que a escola passa a ser uma instituição de educação profissional ou ela guarda as duas possibilidades?

Guarda sempre as duas possibilidades. há cerca de 600 esco-

las no país que oferecem o nível secundário, o ensino médio como

vocês chamam. Nas escolas secundárias públicas, havia cursos

artísticos e cursos gerais e havia uma razão de quase 75-25. E o

que é que se tem feito nesses últimos anos, uma vez que essas

experiências estavam a dar maus resultados? Não tinham sucesso

e tinham uma má representação social. O Ministério da Educação

estudou essas experiências, que já têm 20 anos e não é mais uma

pequena experiência, e introduziu esses cursos agora em todas

as escolas. Então, em Portugal, há cerca de 150 escolas que são só

profissionais e as outras 600 mesclaram os dois cursos. Daqui a um

ano, todas passarão a oferecer os dois tipos de cursos. Deixará de

haver aquela lógica que vem do passado, o Liceu, escola de ensino

geral, propedêutica do ensino superior e a escola profissional que

prepara para o mercado de trabalho, isso acabou agora.

EPCT | Então, vocês estão implementando um processo que nós chamamos aqui de ensino integrado?

Inclusive, não só integrado no modelo de ensino, mas inte-

grado na mesma escola.

EPCT | Nós tivemos uma experiência com uma lei de educação no nosso país em 1971 que tornou obrigatório o ensino profissionali-zante no país, isso foi péssimo para o ensino médio porque quando ele se tornou obrigatório, as instituições não tinham capacidade de oferecer essa educação profissional e eu tenho a impressão de que o que está havendo lá é algo similar a esse processo. É isso mesmo?

Não é bem obrigatório, não é obrigatório, é um processo

lento que já vai para o 4º ano ou 5º, não deixa de ter esse pro-

blema. Isto é, há muitas escolas que eram de ensino geral, e que

agora tem recursos profissionalizantes, é verdade. E estamos

agora avaliando isso: por que está tendo efeitos negativos

em algumas escolas? Porque elas não sabem o que é o ensino

profissional. Nesse contexto, em quê se transforma o ensino pro-

fissional? Num caixote com lixo para os meninos que reprovam?

E nisso temos problemas, evidente, quer dizer, que nem tudo

isso são rosas e precisamos acompanhar esse processo muito

lentamente agora. Mas, esse problema existe claramente e nós

estamos preocupados com ele, é um problema latente e que se

manifesta em algumas escolas com manifestações desse tipo. Os

alunos que reprovam no primeiro ano – que é o 10º, são 3 anos:

10º, 11° e 12º - e têm os piores índices são re-encaminhados

para ensino profissional e a representação social, que nós está-

vamos tentando ultrapassar há 20 anos, volta a 1970, as pessoas

voltam a dizer: “pois é, aqui, o ensino técnico é para os desgra-

çados, para os que reprovam.” E essa questão está provocando

um grande debate hoje. Isso é um problema. Mas, digamos que a

medida política em si é positiva, está correta? Agora o seu caráter

apressado - vamos fazer isto rápido e... - tem esses contras, né.

O sucesso das escolas profissionais depende de vencer vários

fatores, um deles é que as escolas são de pequena e são escolas

muito dirigidas a uma lógica, como é que eu vou dizer, há uma

cultura profissional: os professores, os alunos, as família, todos

estão ali numa escola profissional, a cultura dentro dela é profis-

sional , há muita obrigação ao mercado, às organizações sociais,

às empresas, porque a escola é profissional. Ora, um Liceu, uma

escola secundária nunca teve essa preocupação e, portanto, por

vezes, é uma espécie de violência obrigá-las a ter um curso, dois

cursos profissionais e, ainda por cima, entre mil alunos tem um

curso profissional, dois cursos profissionais. E pra que isso serve?

Para empurrar, quer dizer, não assumir dentro de uma cultura

profissional e esse é um dos problemas que temos hoje, mas

creio que se for bem acompanhado pode ser superado. É irrever-

sível isso. Porque não é criar uma rede nova, é inserirmos numa

rede que já existe que é uma rede estável que é a rede de escolas

secundárias públicas.

EPCT | Professor, existem vários cursos em cada uma dessas esco-las? São vários cursos profissionais?

Sim. Os cursos profissionais estão divididos em vinte áreas

profissionais, áreas, digamos, do saber ligadas às tecnologias

e dentro de cada área pode haver dois ou três cursos. As

escolas tanto podem oferecer um curso ou outro em função

das necessidades do público-alvo, da capacitação do corpo

docente, das instalações e dos equipamentos que o ensino

profissional requer.

EPCT | Teve algum revezamento de professores da rede para essas escolas oferecerem essa nova modalidade de ensino até o 12º ano ou houve contratação de novos professores?

houve contratação de novos professores. A escola, em coo-

peração com o Ministério da Educação e com outra rede já exis-

tente, contratou e escolheu a área para não criar sobreposições.

Um artigo que escrevi à revista argentina Proposta Educativa, de

número 30, explica como as escolas profissionais nasceram e se

desenvolveram. O artigo ajuda-nos a perceber esta transição e

fala também dos perigos dela e da necessidade de fazê-la com

muita precaução.

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EPCT | Depois de 100 anos de educação técnica e profissional no Brasil, ao contrário do que se esperava – a integração maior entre a rede que já existia e a rede não profissional, criou-se uma nova rede, uma nova expressão que, inclusive, concorre, por exemplo: eu tenho uma rede de educação profissional que está vinculada ao Estado diretamente que é a rede federal e eu tenho uma rede profissional que é do Estado local...

Eu sei, já me falaram disso. Agora nós estamos fazendo outra

coisa que ainda é mais interessante desse ponto de vista que

é receber a população adulta para fazer a formação nas novas

oportunidades. Nesse programa, recebemos a população adulta

para realmente reconhecer, validar e certificar o saber que essas

pessoas construíram ao longo da vida. Essa certificação se faz nas

escolas secundárias. As escolas estão abertas desde manhã cedo

até a meia noite porque tem curso da formação inicial. Depois

das cinco e meia da tarde, quando os alunos jovens vão embora,

entra a população adulta, é onde entram os pais dos que estão

de dia. Eles criam uma dinâmica social muito interessante de

valorização do conhecimento, do saber, com ganhos incríveis

porque são pais de aluno que ficaram com a quarta classe, quar-

ta série como vocês dizem e que nunca mais estudaram, é um

grupo de analfabetos que vêm à escola de novo, que ganham

gosto por saber e que depois vão pra casa fazer uma coisa que

nunca fizeram, que é incentivar os filhos - tem que estudar, tem

que estudar! E é isso que faz aumentar a escolarização no país.

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Entrevista concedida em 27.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 7-10, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

RaMÓN MONCada > Por Juliana Caixeta & Rafael VoigtCoordenador do projeto Conhece tua Cidade,em Medellín, na Colômbia

Um debate sobre cultura e educação profissional

EPCT | Nós pesquisamos um pouco sobre sua história acadêmica e gostaríamos de saber de você o que significa o conceito de cida-de educadora.

Para falar de cidade educadora, é preciso antes falar da re-

lação entre educação e cidade, porque sempre a existência da

uma significa também a existência da outra. Pois onde há cul-

tura e sociedade há também educação. Por isso a necessidade

de diferenciarmos escolarização de educação, pois esta existe

há muito anos, ao passo que aquela é um sistema com pouco

tempo de desenvolvimento na história da sociedade. Então, o

mais importante não é o conceito de cidade educadora, mas

a relação entre educação e sociedade, educação e cultura e

educação e cidade. O conceito de cidade educadora foi pro-

movido pela Unesco, em 1970, e pela Associação Internacional

de Cidades Educadoras, em 1990, com o sentido de qualidade

educativa/educadora das cidades. Toda cidade tem uma fina-

lidade educativa, seja explícita ou implícita. Diz-se que uma

cidade é educadora quando esta tem uma intencionalidade

de educar a sociedade e não apenas de escolarizar. Na cidade

educadora, tem-se a escola e também outros espaços, am-

bientes, agentes e conteúdos educacionais. Em tese, a cidade

educadora é um sistema municipal de educação que se faz no

campo do sistema escolar e também em outros âmbitos edu-

cativos ou educacionais não-formais.

EPCT | Há alguma classificação para as cidades educadoras? Ou o que as diferem é o jeito de elas promoverem os caminhos educacionais?

Sim, há classificação, mas esta tem mais a ver com a in-

tencionalidade do que com o tamanho da cidade. Existem

cidades no mundo que se declaram cidades educadoras

e se associam à Associação Internacional de Cidades

Educadoras, com sede em Barcelona/Espanha1, mas não

fazem tudo o que se deve fazer para se converterem em

verdadeiras cidades educadoras. Para ser uma cidade edu-

cadora é necessário ter objetivos comuns, políticas sociais,

e não só políticas educacionais. Uma cidade educadora não

é somente uma cidade que educa, no sentido simples da

educação, é uma cidade inclusiva, diversificada, democráti-

ca, participativa, cidadã. Uma cidade excludente não pode

ser educadora. Nesse sentido, as cidades latino-americanas

são um pouco contraditórias com a ideia de cidade educa-

dora, pois são pobres e excludentes e também porque suas

ditaduras ou oligarquias não correspondem à imagem da

cidade educadora.

1 Associação Internacional de Cidades Educadoras é uma associação de caráter intergovernamental, com forte influência dos municípios, inclusive, são os municípios os responsáveis por elaborarem declarações referentes ao conceito cidade educadora.

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EPCT | Existe alguma cidade educadora modelo?

Em termos culturais, sociais e políticos, não gosto de falar em

modelo, mas em modelos, no plural. Pois existem modelos de

cidades educadoras dentro de vários continentes, cujas culturas,

sociedades e formas de organização são diversas. As cidades asi-

áticas, por exemplo, não têm o mesmo jeito das cidades latino-

americanas. Então não há como ter um modelo único a ser se-

guido. Sendo assim, nós temos de reconhecer as experiências, as

trajetórias, os percursos de outros continentes, países e cidades

e temos também a necessidade e a obrigatoriedade de construir

os nossos próprios modelos e percursos de cidades nos países

latino-americanos.

EPCT | Como a educação profissional se relaciona com esse concei-to de cidade educadora?

A educação profissional e tecnológica tem justamente essa

relação, porque é uma educação permanente, não só dentro do

sistema escolar formal, mas para a vida toda. Outra característica

que a relaciona à cidade educadora diz respeito às inteligências

múltiplas, de Gardner. Na tradição do sistema educativo esco-

lar sempre dominaram estas duas inteligências: a inteligência

lógico-matemática e a inteligência da linguagem. Na formação

profissional-tecnológica, além dessas, são reconhecidas e pro-

movidas diversas outras inteligências como na maneira de fazer,

de pensar e de se relacionar no mundo. Isto é justamente a ideia

da cidade educadora, em que a promoção da educação não é só

a educação geral acadêmica, mas também a formação técnica-

tecnológica e profissional mais específica e humanizada. Acho

interessante diferenciar a educação acadêmica da educação

técnica-tecnológica, pois são duas maneiras, duas formas com-

plementares de compreender a educação e a cidade educadora.

EPCT | Portugal tem um sistema educacional e profissional que é aglutinado, junto. O Brasil não. Aqui, há redes separadas de educação: a educação profissional, realizada, por exemplo, pelos Institutos Federal de Tecnologia (que são os antigos CEFETs) e a educação regular. Sabendo que há similaridades entre o proces-so educacional profissional da Colômbia e o daqui, como é esse aspecto na Colômbia?

Na Colômbia, é o mesmo problema. Nós temos o sistema

educativo formal geral, de responsabilidade do Ministério da

Educação, e temos também o sistema técnico de formação pro-

fissional e tecnológica, que é de responsabilidade, sobretudo

no Ensino Médio, do Sena – Serviço Nacional de Aprendizagem.

Nós não temos uma unidade no sistema educativo. Dessa forma,

temos buscado fazer um sistema único nacional de educação, mas

precisamos de uma maior coordenação, sobretudo para termos

uma maior coerência, uma maior participação dos subsistemas do

grande sistema educacional nacional. Um outro aspecto impor-

tante a considerarmos é que, com o neoliberalismo, o capitalismo

e a economia de mercado, temos a tendência de promover as en-

genharias, as tecnologias avançadas e, com isso, corremos o risco

de não formamos artistas, sociólogos, filósofos, antropólogos,

psicólogos, etc., também importantes para a sociedade. Portanto,

é preciso haver um equilíbrio na oferta dessas áreas.

EPCT | Como a teoria freireana pode ser aplicada à educação profissional?

Penso que Freire expressou muito bem a ideia e o senti-

do político e cultural da educação, uma vez que a educação

é a compreensão do mundo e sua transformação. Isto é o

que Freire chamou de “leitura do mundo”, que não é a leitura

codificada dos textos, artigos, livros, mas a compreensão do

contexto. A leitura do mundo ajuda a compreender e trans-

formar o mundo. E o mundo, para ser transformado, precisa

de tecnologia. Não é só a tecnologia dos computadores. É a

tecnologia que está na vida toda: para você ter água, energia,

abrir e fechar uma porta. Para viver, você precisa de tecnolo-

gia. A educação, a cultura, a sociedade precisam da formação

tecnológica. Para compreendermos e transformarmos o

mundo, precisamos das tecnologias e, portanto, precisamos

também da formação tecnológica profissional.

EPCT | Em sua conferência, o senhor falou da cultura como essên-cia do humano. O senhor acha que essa temática tem sido bem explorada na educação profissional?

Eu falo sobretudo pela minha experiência na Colômbia. Eu

acho que não. A temática da cultura não está muito relacionada

e explorada na educação profissional e tecnológica. Acredito ser

este um grande risco, pois não se pode formar só pelo saber-

fazer, pelas habilidades e competências, há de se ter também

uma responsabilidade político-social com a cultura, com os

projetos políticos e culturais. Por isso, é necessário saber-fazer

num contexto social, num contexto cultural de responsabilidade

política. Ainda porque os países latino-americanos injetam muita

tecnologia estrangeira, tecnologias de diferentes matérias, e

com isso, temos a obrigatoriedade de refletir, de pensar a relação

entre essas tecnologias que vêm de fora com a nossa cultura,

com os nossos projetos sociais e culturais. Portanto, esta relação

com a cultura é, para mim, um grande desafio da educação e da

formação profissional e tecnológica.

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EPCT | No Fórum do Alto Tietê, o senhor disse que a política educa-cional deve ter um horizonte cul-tural e estratégico a longo prazo. O que isso significa de fato?

Significa que as políticas edu-

cacionais não devem se pautar

apenas nos programas e projetos

no prazo de um governo. Para

mim, isto é muito importante. O

Lula só fica dois governos, mas

isto é muito pouco na história

do povo, da sociedade brasileira.

Os governos têm a responsa-

bilidade de fazer coisas no seu

período, mas têm a obrigatoriedade de pensar a longo prazo,

porque a educação tem a ver com os câmbios culturais, das

mentalidades. É a transformação cultural, a transformação das

mentalidades, não se faz a curto prazo, se faz a longo prazo. É

por isso que precisamos dessa dimensão de políticas educacio-

nais para o longo prazo. Quatro, oitos anos para os programas

e projetos implementados, às vezes, é um tempo curto para

que esses programas sejam de fato efetivados. São poucas as

verdadeiras políticas educativas, porque as políticas educativas

têm a ver com esse longo prazo.

EPCT | Como o senhor percebe as diretrizes pedagógicas do ensino profissional brasileiro no âmbito geral? O senhor acha que o Brasil tem conseguido cumprir essas diretrizes?

Eu estou surpreso com o que vocês chamam de rede fede-

ral de formação profissional e tecnológica. Eu acho que neste

governo a formação profissional e tecnológica ganhou uma

importância que precisa ser reconhecida. Eu espero que a troca

de governo continue nesse mesmo sentido. Oxalá que não fique

como um programa do Governo Lula e da Secretaria do Eliezer.

Esperamos que seja uma política educacional que fique no Brasil,

que fique para o médio e longo prazo, para fortalecer essa rede

federal, para fortalecer as escolas técnicas, para fortalecer os

institutos federais, para ter rede entre eles. Não só rede, porque

são muitos institutos federais, mas porque tem interação, tem

comunicação, tem coordenação de ações entre eles. E, para isso,

precisa mais orçamento, mas também precisa de um projeto

pedagógico e político para fortalecer esse projeto da formação

profissional e tecnológica. Eu estou muito surpreso, porque acho

que o Brasil vai por um bom caminho. E não só um bom caminho

para o Brasil, mas um bom caminho que significa muito para os

outros países da América Latina e do mundo.

EPCT | Quais são as possibilida-des que se abrem para a cultura quando falamos de educação profissional?

Para mim, as culturas se forta-

lecem com a educação profissio-

nal e tecnológica. Fazendo uma

comparação entre a formação téc-

nica e o mundo do trabalho e em-

prego, vejo, no caso da Colômbia,

que a formação tecnológica é vista

apenas com a finalidade de inserir

os jovens no mercado de trabalho.

Entretanto, penso que os jovens

devem ter a possibilidade de se

educar não apenas para entrar de no mercado de trabalho, uma

vez que a razão de ser da educação deve ir além da preparação e

formação para o emprego, deve formar para a vida, nas dimensões

social, política e cultural. Os jovens não precisam entrar no mundo

do trabalho tão rápido, como eles entram agora nos nossos países.

Esta é uma coisa do ponto cultural, porque culturalmente nós

aceitamos. Esta é uma idéia louca, eu acho. O que precisa, para a

nossa cultura e para a nossa sociedade, é um emprego, um traba-

lho digno, para os pais e para as mães, para que os jovens possam

ser jovens, se educar mais tarde, mas não só para o trabalho, não

só para o emprego, porque a razão de ser da educação deve ir

além da preparação e formação para o emprego, é uma formação

para a cultura. É uma formação para a vida. Tendências estatísticas

internacionais apontam que no futuro não haverá emprego e tra-

balho para todas as pessoas. Sendo assim, como as pessoas sem

colocação no mercado de trabalho terão acesso aos direitos so-

ciais, políticos e culturais? Por isso, é que temos de procurar desde

já a reconhecer e garantir esses direitos, inclusive na educação

técnico profissional.

EPCT | Como formar professores que consigam ter essa leitura do mundo para compartilhá-la com seus alunos da educação profissional?

Tivemos essa discussão na Colômbia. Em tese, os professores

das escolas técnicas e do sistema nacional de formação profis-

sional e tecnológica têm uma formação especificamente técnica.

Eles possuem habilidades, competências, domínio e experiência

técnica específicos, mas são professores de uma escola! Não

sei como é no sistema brasileiro, mas no sistema colombiano

você tem umas tecnologias, umas técnicas, que você não tem

a necessidade de ter feito estudos em educação e pedagogia.

Você só precisa ter a experiência, a habilidade, a competência

Não se pode formar só pelo saber-fazer, pelas habilidades e competências, há

de se ter também uma respon-sabilidade político-social com a cultura, com os projetos po-líticos e culturais.

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técnica, mas isso é só uma coisa. É por isso que precisamos que

a formação dos professores tenha não só essa dimensão técnica

e tecnológica, eles têm que ser formados também nessas dimen-

sões políticas, culturais, nessas dimensões estéticas. O professor

é também um gerador e divulgador, o gerador dessa ideia de

leitura do mundo.projeto social e cultural comum.

Então, importa-nos agora promover uma formação que

tenha não só essa dimensão técnica e tecnológica, precisa e de

boa qualidade, mas que contemple também uma dimensão

mais política, social e cultural, promotora da leitura de mundo.

EPCT | O senhor conhece alguma experiência de sucesso que trate essa formação docente da maneira em que pensa?

Aqui no Brasil não conheço nenhuma, mas conheço algumas

experiências na Colômbia. Uma delas é uma experiência interna-

cional dos salesianos, chamada Dom Bosco. É uma escola técnica

com jovens trabalhadores informais, jovens de rua, que recebem

não só uma formação técnica, mas também uma formação muito

importante do ponto de vista cultural, estético e social. E os

professores de lá têm uma formação muito específica. Também

colaboro com o Programa dos Direitos das Crianças e dos

Adolescentes, programa regional no Brasil que se faz na cidade

de Fortaleza, na Cidade de Cochabamba e La Paz, na Bolívia, na

cidade de Cuzco, no Peru, e na cidade de Medelín, na Colômbia.

Conheço duas experiências, uma na cidade de La Paz, que se

chama Fundação La Paz, e outra na cidade de Cochabamba, que

se chama Centro Educacional “Ikipayauassi”, que é quéchua. São

centros escolas técnicas que têm um projeto muito importante

de acompanhamento psicológico e também de prevenção das

doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS. Os professores

de lá são muito mais do que professores de técnica ou de tecno-

logia, são professores do humano, não só do saber-fazer, mas do

saber-ser. Então, essas são as experiências que eu lembro no mo-

mento, que são muito boas e vocês podem constatar, pois são

professores dessa dimensão humana que precisam esses jovens.

EPCT | O que fica do I Fórum de Educação Profissional e Tecnológica?

Para mim, fica uma grande aprendizagem. O fórum não só

foi uma oportunidade de refletir sobre as temáticas específicas

da formação profissional e tecnológica, mas também da conexão

dessa formação com outras temáticas, com uma outra dimensão

da educação, da cultura, da diversidade e da construção de um

projeto social-cultural comum. De outro lado, fica também o

reconhecimento do povo brasileiro, da organização e da rigoro-

sidade no pensamento para construir o Brasil, o projeto brasilei-

ro, e também compartilhar com os projetos de outros países e

continentes. Isso fica no meu coração.

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Entrevista concedida em 27.11.2009

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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 11-12, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional

MIChael MayNaRd > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael VoigtMichael Maynard is President of the New Brunswick Community College (Canada)

Canadian colleges and the policies for access and inclusion

EPCT | Which was the context that allowed the creation of the Colleges in Canada?

The colleges in Canada, the college system, started about

45 years ago when the government recognized that not

enough students were learning applied skills in the univer-

sity, and so each province has a community college system,

which has evolved over the years to include short-term ap-

plied training, joint partnerships with the universities offering

joint degrees, and now, in certain provinces, some colleges

offer their own applied degrees.

EPCT | And how do they work?

We have access policies there. In some programs students

have to complete high school. Grade 12 is the matriculation.

In some special programs, students have to submit portfo-

lios of work. The college where I am the principal is an Art

College, Visual Arts, and so students are… have to complete

high school with good grades and in certain programs they

have to submit a portfolio of work. We also have special con-

sideration, we call it PLAR - Prior Learning Assessment and

Recognition, where we can accommodate those students

who have not completed a formal education.

EPCT | What is the relation between the concept of access and the College?

Well, as I explained, our philosophy is to make sure that

even if the student has not completed high school, they still

have access to college education. It’s not meant to keep peo-

ple out, it’s is meant to bring them in.

EPCT | Is it because it’s just for people who are excluded or not? Or can anybody study at the college?

Anybody can study at the college. We make sure that even

students with disabilities, aboriginal students and internatio-

nal students: all have an opportunity.

EPCT | And what about the technological training in the schools? Is it like technical vocational?

This has been the original mandate of the college system

in Canada: to provide Vocational Applied Training. As I mentio-

ned, it has a vault, so now there’s more theory in some progra-

ms, more critical thinking. But the approach is still vocational;

so very much hands on learning.

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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. 11-12, jul./dez. 2010

EPCT | What is this program “Women 1,000”, and how does it work?

“Mulheres Mil” (A Thousand

Women) is a very important edu-

cational program. The Brazilian

government wanted to try to im-

prove the lives of disadvantaged

women, by bringing them into

the Brazilian college system. They

visited colleges in America and

Europe looking for institutional

models, and they eventually came

to Canada, where they recognized

that the Canadian system was very

close to what could work in Brazil. And so, they visited colleges all

across the country, and the New Brunswick College of Craft and

Design was selected as one of eight Canadian colleges to work

with CEFETS in Brazil’s north and northeast, helping advise on

access policies, curriculum development and the cooperative in-

cubator concept. We’re going to help women learn about fashion

and crafts, within the Brazilian college system, over the four years

of the Mulheres Mil project. It would be a model program, provi-

ding new opportunities for women in Brazil’s college system.

I’ve visited Brazil four times now and I love Brasil (Eu amo

Brasil!). I’m working with Sergipe (Aracaju), Tocantins (Palmas)

and Piauí (Teresina). I was working with Belém (Pará) but I think

that sub-project has been suspended. It has all been a wonderful

experience. I don’t know if you’ll have the opportunity at this

Congress to see some of the women from the project. It’s just,

you know, it’s just amazing. These are women who have little

education, who don’t have a lot of training. I’ve visited them in

their “favelas” (shantytowns) and here they are now, so proud, so

empowered, so confident with their new lives. It’s very special!

EPCT | Which are the other projects in Brazil that are financed by the Canadian Agency BSP/DSP International? Do you know?

I’m sorry. I don’t know. Our project is funded by the Brazilian go-

vernment. They have been spending 4 million reais and the Canadian

government, 2 million dollars to support this exchange and this project.

EPCT | Which are the functions of the IFET’s (Federal Insitute of Education, Science and Technology - IFET’s are like canadenses col-leges)? Which are the aims/the objects?

We are working with the IF/SE, IF/PA, IF/PI, several… and all

of them are doing wonderful work with these disadvantaged

women and the hope is that they are learning from this pilot

project so that we can help sus-

tain the project, so that the access

policies and curriculum can be

broken into the regular program.

EPCT | How does PLAR – Previous Learning Assessment and Recognition and Map of life work?

PLAR works in Brazil di-

fferently from our model in

Canada. There has not been

a lot of similarities. The PLAR

policy in Brazil has been in a

past to exclude applicants, we

have lots of testing. In Canada,

it’s meant to bring students in, so we are trying to help, to

find a better model. The challenge is the numbers. I have just

been speaking with my partners in Teresina: 25,000 women

want to come in to the next project and only 1,700 have been

accepted. how do you test that number of people? It’s just

overwhelming.

EPCT | How do you “process” this testing for selecting one thousand of all the 25,000?

It’s a challenge. It’s a real challenge. I don’t think that the

model that is used in Canada will work, because of the numbers.

So there are people making it happen in Brasília with MEC to try

to think about a system that will work for all colleges.

EPCT | “Map of life”: how does it work?

This is something that has been very successful. Women in

the project have been asked to draw their life: their husbands,

their children, their home, their town, their river… and out of

these drawings they begin to see that they have life experience.

It may not be on a piece of paper, it may not be from school, but

the informal learning, the experiential learning, is as just as im-

portant, as just as powerful. And it’s a very graphical way to them

to understand that they have something to offer.

EPCT | And what other tools do you have in PLAR?

In Canada, we usually have an English language test. We

often have an interview and we also try to have the opportuni-

ties laid down their experience. In certain cases, they might have

to draw a life map, but what we try to do is to look at the whole

person and to try to find a way to match their needs with what

the college can offer to try to find a middle ground. We would

use any means we can to try to help people.

Well, as I explained, our philosophy is to make sure that even if the stu-

dent has not completed high school, they still have access to college education. It’s not meant to keep people out, it’s is meant to bring them in.

Page 24: Educação Profissional: Ciência e Tecnologia

Entrevista concedida em 27.11.2009

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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 13-15, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional

EPCT | Em que contexto foi permitida a criação dos centros supe-riores de ensino chamados colleges no Canadá?

Os centros de ensino de nível superior no Canadá, o sistema

de ensino college, começaram há cerca de 45 anos, quando o

governo reconheceu que um número insuficiente de estudantes

não estava aprendendo as habilidades aplicadas quando ao cur-

sar a universidade. Então, cada estado possui o seu sistema de fa-

culdade, que evoluiu ao longo dos anos para incluir treinamento

aplicado a curto prazo (intensivo) em parceria com as universida-

des, oferecendo graduação conjunta. Agora, em alguns estados,

alguns centros oferecem sua própria graduação tecnológica.

EPCT | E de que forma eles funcionam?

Nós temos políticas de acesso por lá. Em alguns programas,

os estudantes precisam ter concluído o ensino médio. A matrí-

cula se dá no 3º ano do Ensino Médio. Em alguns programas

especiais, os estudantes precisam apresentar um portfólio de

trabalho. Então, para ter acesso à Escola de Artes Visuais, o cen-

tro de ensino técnico do qual eu sou diretor, os alunos precisam

ter completado o ensino médio com boas notas e, em alguns

programas, apresentar o portfólio. Nós também consideramos

especialmente que com o PLAR - Prior Learning Assessment (and

Recognition), tal como o ARAP - Avaliação e Reconhecimento da

Aprendizagem Prévia - daqui, nós podemos acomodar aqueles

estudantes que não completaram a educação formal.

EPCT | Qual é a relação entre o conceito de aos centros de ensino e a instituição em si?

Bem, como eu expliquei, nossa filosofia é assegurar que

o aluno, mesmo que não tenha completado o ensino médio,

ainda terá acesso à educação superior. O programa não foi

feito para manter as pessoas do lado de fora, mas sim para

trazê-las para dentro da instituição.

EPCT | É por que o programa foi feito para as pessoas que são excluídas ou isto não se aplica? Qualquer um pode ingressar nos centros de ensino?

Qualquer pessoa pode estudar nestes centros. Nós ga-

rantimos que mesmo alunos com deficiências, de origem

Aborígene ou estudantes internacionais tenham acesso. Todos

têm uma oportunidade.

MIChael MayNaRd > Por Juliana Eugênia Caixeta & Rafael VoigtMichael Maynard é Reitor do New Brunswick Community College (Canadá)

Centros de Ensino Superior canadenses e as políticas de acesso e inclusão

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EPCT | E sobre o treinamen-to técnico nas escolas? Eles são como os treinamentos técnico-profissionais?

Este tem sido o lema ori-

ginal do sistema college de

ensino superior no Canadá:

oferecer Treinamento Profissional

Aplicado. Como eu mencionei

antes, nós temos um objetivo a

ser alcançado, então, agora temos

mais conhecimento teórico em al-

guns programas, mais pensamen-

to crítico, mas a abordagem ainda

é o ensino profissional, então

muito foco na aprendizagem.

EPCT | No que consiste esse programa “Mulheres Mil” e como ele funciona?

“Mulheres Mil” é um programa importante que o Governo

do Brasil está implementando para tentar melhorar as notas

das alunas do ENEM ao inserí-las no sistema de ensino do

Brasil. Eles visitaram centros tecnológicos na América, na

Europa e, finalmente vieram ao Canadá; e reconheceram que

o sistema canadense de ensino seria o mais próximo do que

poderia funcionar no Brasil. Eles visitaram várias faculdades

pelo país e o meu centro de ensino - a Faculdade de Arte e

Design de New Brunswuick foi selecionada como uma das

oito faculdades no Canadá para trabalhar com treze agricul-

toras/plantadoras, à época no Norte e Nordeste, para ajudar

com as políticas de acesso, currículos e uma incubadora de

cooperativas para ajudar “mil mulheres” dentro do sistema de

ensino superior no Brasil durante 4 anos. Isso serviria como

um modelo para tentar criar novas oportunidades para as

mulheres nos centros de ensino. Eu já visitei o Brasil quatro

vezes e eu “Amo Brasil” [risos] – eu estou trabalhando em

Sergipe (Aracaju), Tocantins (Palmas) e em Piauí (Teresina).

Eu estava trabalhando em Belém (Pará), porém eu acho que o

sub-projeto de lá foi interrompido. Mas isso tem sido uma ex-

periência fantástica e eu não sei se vocês já tiveram a chance

de ver algumas dessas mulheres do projeto nesse Congresso.

É simplesmente maravilhoso. São mulheres que não tiveram

uma educação formal, que não têm muito treinamento. Eu as

visitei nas favelas e aqui estão elas: são tão orgulhosas, tão

cheias de força, estão tão confiantes com suas novas vidas! É

muito especial.

EPCT | Quais são os outros proje-tos no Brasil que são financiados pela Agência Canadense BSP/DSP International? Você sabe?

Desculpe-me, eu não sei.

Nosso projeto é financiado pelo

Governo Brasileiro e Canadense.

Eles nos dão uma verba de qua-

tro milhões de reais e o governo

Canadense nos ajuda com dois

milhões de dólares, dinheiro esse

que mantém esse intercâmbio e

esse projeto.

EPCT | Quais são as funções dos IFET’s - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia?

Quais são os objetivos, as metas?

Nós estamos trabalhando com vários IFET’s, como os de

Sergipe, do Pará, Piauí, todos eles têm desenvolvido um ex-

celente trabalho com essas mulheres desfavorecidas. A nossa

esperança é que elas estejam realmente aprendendo com esse

projeto piloto. Isso nos ajudará a manter o projeto e também

poderá fazer com que as políticas de acesso e currículo sejam

interrompidas e transformadas em um programa regular.

EPCT | Como funciona a ARAP - Avaliação e Reconhecimento da Aprendizagem Prévia e o “Mapa da Vida”?

A ARAP funciona de forma diferente do nosso modelo no

Canadá. Não há muitas semelhanças. A política de ARAP no Brasil

tem um histórico de exclusão, com a realização de vários testes.

No Canadá, ela foi feita para trazer os estudantes para dentro

das instituições de ensino; então, nós estamos tentando ajudar,

tentando achar um modelo melhor. O desafio são os números.

Eu estava conversando com os meus parceiros desse projeto em

Teresina: 25.000 mulheres querem entrar no próximo projeto e

apenas 1.700 foram aceitas. Como você testa essa quantidade de

pessoas? Isso sobrecarrega a equipe do projeto.

EPCT | Como você maneja esse processo para selecionar apenas mil entre todas as 25.000 mulheres?

É um desafio. Este é um desafio de verdade. Devido aos

números, eu realmente não acredito que o modelo usado no

Canadá vá funcionar aqui. Juntamente com o MEC, há um grupo

Bem, como eu expli-quei, nossa filosofia é assegurar que o aluno, mesmo que

não tenha completado o ensi-no médio, ainda terá acesso à educação superior. O progra-ma não foi feito para manter as pessoas do lado de fora, mas sim para trazê-las para dentro da instituição.

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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. 13-15, jul./dez. 2010

procurando fazer esta realidade acontecer em Brasília ao tenta-

rem pensar em um sistema que funcione para todos os centros

de ensino.

EPCT | “Mapa da Vida”, como ele funciona?

Isso é algo que tem atingido bons resultados. É solicitado

que as mulheres no projeto desenhem em uma folha de papel

suas vidas: seus maridos, seus filhos, a cidade em que moram,

suas casas, o rio delas... E a partir desses desenhos, elas começam

a perceber que elas possuem experiência de vida. Isso pode não

ser um certificado obtido em uma escola tradicional, pode não

ser formal, mas o conhecimento e a aprendizagem pela experi-

ência é tão forte e importante quanto a regular. O mapa da vida

é uma forma bem visual, bem gráfica, de fazê-las entenderem

que têm algo a oferecer.

EPCT | E de que outras ferramentas vocês dispõem na ARAP?

No Canadá, geralmente, nós temos um teste de Língua

Inglesa. Nós também entrevistamos as pessoas e tentamos

descobrir as oportunidades que podem ser oferecidas a elas

pela experiência prévia. Em alguns casos, elas podem ter que

desenhar um “mapa da vida”, mas o que nós tentamos fazer é

olhar a pessoa como um todo e tentar combinar as necessidades

dela com o que a escola/centro de ensino pode oferecer a essa

pessoa; procura-se tentar atingir um meio-termo. Nós usamos o

que podemos para tentar ajudar as pessoas.

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Entrevista concedida em 29.11.2009

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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 17-19, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional

JOS NOlle > Por Juliana Eugênia Caixeta

Policies for access and inclusion in CanadaBorn in Holland, Jos Nolle earned his Master̀ s degree in Industrial Design Engineering at the University of Technology in Delft, Holland (1982). Following university he completed internships in Greece, South Africa and the Netherlands. From 1982-1983 he backpacked around the world. Employers included Fokker Aircraft Ltd, Amsterdam, Holland and Medecins sans Frontieres/Doctors Without Borders (medical relief group - two years based in Maputo, Mozambique coordinating medical relief projects, two years based in Toronto, Canada to set up the Canadian branch of this international organization, and two years based in Amsterdam, Holland, as a member of the management team as Director of Human Resources and Training). During these years he lived, worked and traveled in more than 40 countries. He joined Niagara College in 1995, coordinating international education development projects and stimulating the “internationalization process” of Niagara College. A creative and visionary leader, Jos specializes in starting new projects and programs, networking in order to bring the best people together to effect change, and working with budgets, auditors and funding agencies to provide sound financial management. He is an out-of-the-box thinker who is particularly passionate about providing access programs for non-traditional learners and short term practical vocational training programs for people with limited access to formal education.

EPCT | Are you a member of the Association of Canadian Community College (ACCC), sir?

I work at Niagara College. It is one of the 150 institutions

which are members of ACCC.

EPCT | What is this institution? Which are its goals?

ACCC is a member organization which has as objective

to lobby the colleges towards federal and provincial gover-

nments for adequate funding. They are all public institu-

tions, but we only receive about 60 % of our annual bud-

get relocated from the government to us; the rest comes

from tuition fees of our students (including those from

other countries who pay full fees) and contract training

for companies and agencies. It also facilitates information

and experience sharing between teachers and adminis-

trators of all the member colleges. Finally, ACCC pools

resources together from member institutions to bid for in-

ternational projects funded by the Canadian International

Development Agency – CIDA and International Financial

Institutions such as the World Bank and the Inter American

Development Bank.

EPCT | The Association of Canadian Community College – ACCC is the sponsor of this Forum. What were the expectations of the institution when it decided to support the event?

We participated in the Brazil Forum to promote our activities

here and to discuss our ongoing interest to work with Brazilian

institutions, both current partner schools and new ones.

EPCT | Had they been reached?

yes.

EPCT | Since when does Canada have access policies, professor? Which is the concept of “access” that feeds the actions of the go-vernment and the Canadian universities?

It was introduced in Canada about 25 years ago. We nee-

ded to do this because we always have many “non-traditional”

learners who somehow need to be included in the professional

training in order to get work. Right now we have between 30

and 40 % of students at Niagara College who have not com-

pleted secondary education (for a wide range of social reasons)

or who did not enter post-secondary education immediately

after completing secondary education. We can’t leave these

people outside of our training system.

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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. 17-19, jul./dez. 2010

EPCT | What does PLAR (Previous Learning Assessment and Recognition) stand for the achieve-ment of access?

The PLAR analyzes compe-

tencies that people have gained

through work experiences and

informal learning. If those com-

petencies can be articulated and

be proven, then these students

receive academic credits, which

make it for them more attractive

to enter training programs. For

people with little formal edu-

cation, it gives them a sense of self-esteem which they need to

succeed in formal training programs.

EPCT | How does PLAR work?

PLAR specialists need to take time to interview the student

and compare their competencies and experiences with what will

be taught in a training program. They need to talk to teachers

in the training programs and then suggest decisions. This has all

been formalized in the Canadian system.

EPCT | The Canadian government is a Brazilian partner in the Women 1000 project? What does it mean to Canada? What have this partnership brought to Canada?

It is important for Canadian students and teachers to realize

that there are many systems of education around the world in

order to stay positively critical about our own system. Projects

like Women 1000 also bring Canadians to realize that solidarity is

required around the world.

EPCT | Do you deal with a teaching based on competences? Many theorists criticize this teaching model because they particularize the learning activities in a way that the success/failure is attributed to the person instead of the context. What do you think about it?

Non-traditional learners simply need that individualized at-

tention. They have lots of learning barriers otherwise they would

be in the regular system and would not have to be called non-

traditional learners. The barriers can be physical, psychological or

social. Many non-traditional learners had traumatic experiences

in their earlier years. They have in general low self-esteem. They

generally do not do well in a traditional structured learning

model. And we cannot simply exclude them from our formal

working world because of these reasons. So giving them a test in

order to see if they can cope with the traditional system does not

work. Non-traditional learners need “just in time” learning, and

that is for every non-traditional

learner a different path. If we

are not willing to invest in that,

we will continue to exclude po-

tentially good people from our

society.

EPCT | Does Canada have other cooperation projects in Brazil based on this philosophy of access?

yes. There are other projects

of social inclusion in Brazil funded

by CIDA (Canadian International

Development Agency).you can go to the Canadian Embassy in

Brasília and ask to talk to the CIDA representative there to learn

more about these projects.

EPCT | You have talked in your conferences about an access depart-ment in every institution of education. How do these departments in Canada work and how should they work in Brazil? Which institu-tions ought to have these sectors? Which professionals are suppo-sed to constitute them? Which would their functions be?

In our Canadian colleges these access offices actively stimu-

late non-traditional learners to come to the college. Then they

offer a safe and friendly environment to council the students on

an individual basis. Subsequently they keep counseling them

throughout their learning at the college. Once they graduate

they also offer ongoing “mentoring” to assist them to overcome

possible barriers during the process of seeking formal employ-

ment. This requires a good amount of human resources at the

colleges. Our schools are better equipped than Universities who

normally prefer to take only the best of the best students. That

type of higher education is also needed. Colleges complement

the work of Universities.

In Brazil the higher education model has grown differently.

One of our observations is that it has been too centralized, and

that it will need to change overtime. Access program will be

needed more and more because for a relatively rich country as

Brazil, you cannot accept that half the population is excluded

from vocational and higher education and training.

EPCT | How do you evaluate the transference of the pedagogical tech-nology linked to PLAR and other tools like that from Canada to Brazil?

We show the Brazilians our models and experiences (lessons

learned). Our Brazilian colleagues then try to implement these

models in their own realities and design the “made in Brazil”

solutions. how the model looks like is not so important. What is

It is important for Canadian students and teachers to re-alize that there are

many systems of education around the world in order to stay positively critical about our own system.

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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. 17-19, jul./dez. 2010

important is that we can give access and hope to people who

have been excluded from the system, not because of their own

choice but because of their social, economic and family context.

EPCT | What was the main turnover for you after you took part in this forum?

It is always good to meet colleagues from other countries

and discuss these important social issues. however, the most

important aspect is that we do not just talk about change, but

actually do something even if it is not perfect. It was again very

gratifying for me to see some of the beneficiaries of our Mulheres

Mil project at the Forum: women who would never have thought

two years ago they would ever be at a stage like that. Life has

changed for them: they will inspire others; and - as the aboriginal

people in Canada say - maybe changes over the next seven ge-

nerations will be all worth our efforts.

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Entrevista concedida em 29.11.2009

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eNtReVIStaEducação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 21-23, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional

EPCT | O senhor é da Associação Canadense de Faculdades Comunitárias (Association of Canadian Community College – ACCC)?

Eu trabalho na Faculdade Niágara. Ela é uma das 150

instituições que são membros da Associação Canadense de

Faculdades Comunitárias.

EPCT | O que é esta instituição? Quais são os objetivos dela?

A Associação Canadense de Faculdades Comunitárias –

ACCC (Association of Canadian Community College) é uma

organização composta por membros que têm como objetivo

defender os interesses das faculdades junto às províncias e ao

governo federal. Somos instituições públicas, mas o governo

só nós repassa anualmente apenas o equivalente a 60 % do

nosso orçamento; o restante vem das taxas de matrículas dos

nossos alunos (incluindo estudantes vindos de outro país

que pagam taxas integrais) e contratos de treinamento para

companhias e agências. A ACCC também facilita o comparti-

lhamento de informações e experiências entre os professores

e os administradores de todos os membros da associação.

Finalmente, a instituição arrecada recursos junto aos mem-

bros de instituições para submeter projetos internacionais

custeados pela Agência Canadense de Desenvolvimento

Internacional (Canadian International Development Agency

– CIDA) e Instituições Financeiras Internacionais tais como o

Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento

– BID.

EPCT | A ACCC é patrocinadora deste Fórum. Quais eram as ex-pectativas da instituição ao patrocinar o evento?

Nós participamos do Fórum no Brasil para promover as

nossas atividades aqui e debater sobre o nosso interesse cres-

cente de trabalhar com instituições brasileiras, tanto as atuais

faculdades parceiras, quanto aquelas que se tornarão parceiras

futuramente.

EPCT | Elas foram alcançadas?

Sim.

EPCT | Professor, desde quando o Canadá tem políticas de aces-so? Qual é o conceito de acesso que fundamenta as ações do governo e das universidades canadenses?

Estas políticas foram introduzidas no Canadá há aproxi-

madamente 25 anos. Nós precisavámos fazer isto porque nós

sempre temos bastantes estudantes “não-tradicionais” que

precisam ser incluídos no treinamento profissional de algum

JOS NOlle > Por Juliana Eugênia Caixeta

Políticas de acesso e inclusão no CanadáNascido na Holanda, Jos obteve seu diploma de mestre em Engenharia de Projeto Industrial na Universidade Tecnológica em Delft, Holanda (1982). Após a Universidade, ele terminou seus estágios na Grécia, na África do Sul e nos Países Baixos. De 1982 a 1983 ele esteve viajando ao redor do mundo.Pode-se destacar em seu currículo a experiência na Fokker, uma empresa de aviões em Amsterdã, na Holanda e Médicos sem Fronteiras (grupo de socorro médico). No Médicos sem Fronteiras, Jos residiu dois anos em Maputo, no Moçambique, coordenando projetos de ajuda médico-humanitária; dois anos em Toronto, no Canadá para implantar a filial canadense desta organização internacional e de dois anos em Amsterdã, na Holanda, como um membro da equipe diretora, ocupando o cargo de Diretor de Recursos Humanos e Treinamento. Durante estes anos, ele viveu, trabalhou e viajou para mais de 40 países. Juntou-se à faculdade de Niágara em 1995, para coordenar projetos de desenvolvimento internacional de Educação e estimular o processo da internacionalização da faculdade de Niágara. Um líder creativo e visionário, Jos especializou-se em começar projetos e programas novos, trabalhar em rede a fim de reunir as melhores pessoas para efetuar a mudança, a executar orçamentos, revisar contas e financiar agências para fornecer a gestão financeira sadia. É um pensador fora do comum que é particularmente apaixonado em oferecer programas de acesso para aprendizes não-tradicionais e programas práticos de formação vocacional em curto prazo para indíviduos com acesso limitado ao ensino convencional.

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Educ. prof.: C & T, Brasília, v. 4 n. 1, p. 21-23, jul./dez. 2010

modo a fim de arrumar trabalho.

No momento, nós temos entre 30

e 40% dos estudantes na faculda-

de Niágara que não terminaram o

ensino secundário (devido a uma

vasta lista de razões sociais) ou

que não se vinculou à educação

superior imediatamente depois

de terminar o ensino médio.

Não podemos deixar estes indi-

víduos fora de nosso sistema de

treinamento.

EPCT | Professor, o que representa a Avaliação e Reconhecimento da Aprendizagem Prévia – ARAP para a concretização do Acesso?

A ARAP analisa as competências que as pessoas adquiriram

com as experiências de trabalho e da aprendizagem informal.

Portanto, se suas competências podem ser articuladas e testa-

das, estes estudantes recebem os créditos acadêmicos, o que

torna os programas de formação mais atrativos. Para sujeitos

com pouca educação formal, esta proposta confere a eles um

senso de amor-próprio que é indispensável para obter sucesso

em programas de treinamento formal.

EPCT | Como a ARAP funciona?

Os especialistas da ARAP precisam aproveitar o tempo para

entrevistar os estudantes e comparar suas competências e expe-

riências com o que será ensinado em um programa de formação.

Precisam falar com os professores dos programas de capacitação

e então sugerir decisões. Isto tudo foi formalizado no sistema

canadense.

EPCT | O governo canadense é parceiro do governo brasileiro no Projeto Mulheres Mil. O que significa esta parceira para o Canadá? Quais têm sido os ganhos do seu país?

É importante para que estudantes e os professores cana-

denses compreendam que há muitos sistemas de educação

em torno do mundo, para que eles permaneçam positivamente

críticos sobre nosso próprio sistema. Projetos como Mulheres mil

fazem com que os canadenses concluam que a solidariedade é

demandada ao redor do mundo.

EPCT | Professor, nas políticas de acesso, vocês trabalham com o ensino baseado em competências. Muitos teóricos criticam esse modelo de ensino porque individualizam as atividades de ensino de forma que o sucesso/fracasso é atribuído à pessoa e não ao contex-to. O que o senhor pensa a este respeito?

Os estudantes não-tradicio-

nais verdadeiramente necessitam

de uma atenção particularizada.

Eles possuem muitas dificuldades

de aprendizagem, do contrário,

estariam no sistema regular e não

teriam que ser chamados de alu-

nos não-tradicionais. As barreiras

podem ser físicas, psicológicas ou

sociais. Muitos aprendizes não-

convencionais tiveram experiên-

cias traumáticas em suas primeiras

séries. No geral, tais indivíduos

possuem baixa auto-estima.

Geralmente, estas pessoas não

conseguem se adaptar bem a um modelo de aprendizagem es-

truturado da forma tradicional. E nós não podemos simplesmente

excluí-los de nosso mundo de trabalho formal por causa destas

razões. Assim, aplicar uma prova para verificar se eles podem lidar

com o sistema tradicional não funciona. Os alunos não-clássicos

precisam de um protótipo de aprendizagem “sob medida”, e isto

significa que há um percurso distinto a ser vencido por cada um

(a). Se nós não estamos dispostos investir nisto, nós continuare-

mos a excluir da nossa sociedade as pessoas que carregam um

bom potencial.

EPCT | Professor, o Canadá tem outros projetos de cooperação no Brasil baseados nesta filosofia de acesso?

Sim. Existem outros projetos sociais de inclusão no Brasil

financiados pela Agência de Desenvolvimento Internacional

Canadense (CIDA). Os interessados podem se dirigir à embaixada

canadense em Brasília e pedir para falar com o representante da

CIDA para saber mais sobre estes projetos.

EPCT | Nas suas conferências, o senhor tem falado sobre um de-partamento de acesso em todas as instituições de ensino. Como funcionam esses departamentos no Canadá e como deveriam funcionar no Brasil? Quais instituições deveriam tê-lo? Quais seriam os profissionais que deveriam compor estes setores? Quais seriam as suas funções?

Em nossas faculdades canadenses, estes departamentos de

acesso estimulam ativamente estudantes não-tradicionais a in-

gressar na faculdade. Então, eles oferecem um ambiente seguro

e amigável para aconselhar os alunos de forma individualizada. A

seguir, eles continuam a acompanhá-los durante todo seu curso

de aprendizagem na graduação. Do mesmo modo, uma vez

que estes universitários se formam, a faculdade oferece apoio

É importante para que estudantes e os professores cana-denses compreen-

dam que há muitos sistemas de educação em torno do mundo, para que eles perma-neçam positivamente críticos sobre nosso próprio sistema.

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vocacional para ajudar-lhes a superar possíveis barreiras durante

o processo de procurar um emprego formal. Isto exige uma boa

quantidade de recursos humanos nas faculdades. Neste sentido,

nossas instituições são melhores preparadas do que as univer-

sidades, pois estas preferem investir normalmente somente

nos melhores estudantes. Obviamente, esse tipo de educação

superior é necessário também. As faculdades complementam o

trabalho das universidades.

No Brasil, o modelo de educação superior cresceu diferente-

mente. Uma de nossas observações é que este padrão se encon-

tra centralizado demais, e que mais cedo ou mais tarde precisará

mudar em relação ao que estava previsto. O programa do acesso

será cada vez mais imprescindível porque para um país relati-

vamente rico como Brasil, não se pode aceitar que a metade da

população esteja excluída da educação superior e da formação

vocacional.

EPCT | Como o senhor avalia a transposição da tecnologia pedagó-gica ligada a ARAP e outras ferramentas do Canadá para o Brasil?

Nós mostramos aos brasileiros nossos modelos e experiên-

cias (lições aprendidas). Então, nossos colegas brasileiros tentam

executar estes modelos de acordo com as suas próprias realida-

des e esboçar as soluções “com o jeito do Brasil”. Não é tão im-

portante como o modelo parece ser. O que é importante de fato

é que nós podemos dar o acesso e a esperança para pessoas que

foram excluídos do sistema, não por causa de sua própria esco-

lha, mas por causa de seu contexto social, econômico e familiar.

EPCT | Qual foi o principal ganho do senhor na participação deste fórum?

É sempre bom encontrar colegas de outros países e discutir

estas questões sociais importantes. Entretanto, o mais importan-

te é que nós não apenas venhamos a falar sobre a mudança, mas

realmente fazer algo, mesmo que não seja perfeito. Ver algumas

das beneficiárias do nosso projeto Mulheres Mil no Fórum: as

mulheres que nunca pensavam há dois anos que pudessem

estar em um palco como este, foi muito gratificante outra vez

para mim. A vida mudou para elas: elas irão inspirar outras mu-

lheres; e – assim como os aborígenes no Canadá dizem – talvez

a mudança no decorrer das sete gerações seguintes valerá todos

os nossos esforços agora.

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Page 36: Educação Profissional: Ciência e Tecnologia

Entrevista concedida em 27.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 25-28, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

elIeZeR PaCheCO > Por Ricardo CoelhoEliezer Pacheco é Secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação.

A expansão da rede federal de educação profissional

EPCT | Secretário, estamos vivendo um momento de expansão da rede federal de educação profissional no Brasil. Estão sendo criadas mais de 250 unidades federais de educação profissional. Há uma demanda concreta dessa dimensão para a expansão da rede?

Na verdade, a expansão é grande porque as dimensões da

rede federal são muito reduzidas no Brasil. Veja que, em cem

anos de história de educação profissional pública no Brasil,

tivemos apenas 140 unidades. Um país como o Uruguai, por

exemplo, com menos de 10 milhões de habitantes e uma área

menor que o estado do Rio Grande do Sul, tem 150 unidades.

Dessa forma, um país como o Brasil ter apenas 140 unidades

é algo profissionalmente ridículo. No início do processo de

desenvolvimento mais acelerado de nossa rede, tivemos aqui-

lo que a mídia chegou a chamar de apagão da mão de obra.

Aqui no Brasil essa oferta é feita basicamente pela rede federal,

pelas redes estaduais, mesmo que com muitas dificuldades,

pelo Sistema S, e por algumas instituições privadas, no sentido

estrito do termo, as quais acredito que a oferta não seja muito

significativa. O esforço de expansão da rede está veiculado

com o projeto de desenvolvimento do Brasil. Da mesma sorte,

foi o esforço – bem sucedido, aliás - de restabelecer um acordo

com o Sistema S, no sentido de restituir a oferta da gratuida-

de em percentuais maiores. Entendemos que o país precisa

urgentemente expandir sua oferta de formação profissional. E

isto é muito sério, pois sabemos que na educação não existem

projetos a curto prazo. O Ensino Fundamental são nove anos

hoje. O Ensino Médio são três ou quatro anos, dependendo

do curso. Então, na melhor das hipóteses, isso significa que os

primeiros resultados, no Fundamental, acontecerão daqui 10

ou 12 anos; no Médio, daqui a cinco ou seis anos. Portanto,

temos pressa, porque o Brasil precisa dar continuidade a esse

processo de desenvolvimento.

EPCT | Considerando a necessidade como algo latente, ou seja, que ainda está por acontecer, e a demanda como algo concreto, a expansão da rede se deu por necessidade ou por demanda?

Acredito que pelas duas coisas. De um lado, há a necessi-

dade de dar sustentação técnica e tecnológica ao processo de

desenvolvimento, de outro, dada a procura imensamente su-

perior às vagas ofertadas – acredito que em todos os sistemas

-, há uma demanda muito grande por formação profissional

no Brasil. As pessoas hoje valorizam muito a questão da em-

pregabilidade. Um curso de bacharelado nem sempre garante

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empregabilidade, já uma formação técnica de nível médio, prin-

cipalmente no Brasil, garante quase que cem por cento de em-

pregabilidade. Uma pesquisa que realizamos na rede federal com

todos os egressos localizados demonstrou uma empregabilidade

de mais de 97%. Ou seja, todos aqueles que desejaram ingressar

no mercado de trabalho assim o fizeram. Em relação ao percen-

tual restante, estão aqueles que optaram por ir à universidade,

estabelecer seus próprios negócios, empreender, etc. Então a

empregabilidade, não somente no ensino médio, mas também

nos cursos de tecnólogos em nível superior é quase que total.

E as pessoas hoje valorizam muito isso na hora de escolher um

curso.

EPCT | O Senhor considera que a expansão e a criação dos Institutos Federais de Educação podem gerar uma dualidade com relação à rede estadual de educação profissional, uma vez que ambas cum-prem a mesma função com aportes distintos de recursos?

Não. Pois tivemos a preocupação de investir mais na re-

cuperação, ampliação, reforma e equipamento das escolas

estaduais do que das escolas da rede federal. Na expansão da

rede federal, estamos investindo pouco mais de 1 bilhão de

reais. No programa chamado “Brasil Profissionalizado”, que é

para as escolas das redes estaduais, estamos investindo quase

1 bilhão e trezentos reais, porque, evidentemente, as redes

estaduais são imensamente mais numerosas que a rede fede-

ral. Nós temos estados como o Rio Grande do Sul, Paraná, São

Paulo que têm redes estaduais muito numerosas, quase duas

centenas de unidades. Por isso, tivemos essa preocupação.

Sendo assim, todos os estados que desejarem receberão os

recursos necessários para colocar as escolas técnicas estaduais

no padrão das escolas federais. Para nivelar as escolas com o

padrão de qualidade da rede federal, nós oferecemos desde

os laboratórios idênticos ao da rede federal até a planta da

escola padrão. É claro que a manutenção das escolas é uma

responsabilidade dos Estados. Nós não podemos tirar-lhes

isto. Sendo assim, o estado tem de assumir com sua respon-

sabilidade, pois, do contrário, seria melhor federalizar essas

escolas, mas não temos condições de assumir uma rede desse

tamanho. Outra preocupação que temos, e que as pessoas

precisam ter conhecimento, é que os cursos são absolutamen-

te sincronizados com as demandas das matrizes produtivas e

culturais da região. Nós fizemos esse levantamento e levamos

em consideração o que é oferecido pelo Sistema S e pela

rede estadual. Em São Paulo, no Centro Estadual de Educação

Tecnológica Paula Souza, levamos isso em consideração.

Contudo, essa sincronização nem sempre é absoluta, pois, às

vezes, tem oferta, mas ainda tem demanda reprimida. Dessa

forma, procuramos sempre evitar a duplicação. Nos financia-

mentos que fizemos para as redes estaduais, exigimos um

levantamento dos cursos ofertados, das matrizes produtivas,

e os cursos da rede federal e aquelas escolas estaduais finan-

ciadas pelo poder público, necessariamente, tiveram de fazer

inúmeras audiências públicas com a sociedade para então

batermos o martelo. Portanto, acreditamos que, acordados

com o Sistema S, nós vamos conseguir minimamente atender

à demanda nacional que existe de formação de mão de obra.

EPCT | Secretário, a rede federal de educação profissional está co-memorando seu centenário e o Sistema S, seu sexagenário. Em sua opinião, qual a importância do Sistema S para a Rede de Formação Profissional no Brasil?

Nós respeitamos muito o Sistema S. É interessante que

quando nós começamos a fazer aquela proposta disseram:

‘querem acabar com o Sistema S’, etc. Isso é um absurdo. Nós

temos a avaliação de que nós salvamos o Sistema S, pelo que

se começava a observar na sociedade. Realmente é injustificá-

vel o fato que paulatinamente o Sistema S foi abandonando a

gratuidade. Não há nada que justifique isso, já que o Sistema

S recebe recursos substanciais que são públicos, embora na

disputa alguns negassem, isso é reconhecido legalmente,

que são recursos públicos, descontados compulsoriamente,

repassados pelo Ministério da Fazenda. Então nós temos a ava-

liação de que, ao estabelecer esse acordo, no sentido de que,

respeitando inclusive as características, tanto que o Senai terá

que oferecer esse ano no mínimo 50% de gratuidade; o Senac,

20%, porque o Senac tinha zero de oferta de gratuidade. Então

não tinha como, de repente, pular para 50. Nós, quando abri-

mos aquele debate, recebemos muito apoio dos setores do

empresariado, que concordavam com a posição do Ministério

da Educação, que por lei tem que supervisionar o Sistema S,

mas nunca tinha exercido o seu papel. Nós achamos que esse

acordo é extremamente positivo para o Sistema S. A sociedade

brasileira em pouco tempo ia exigir que se tomasse alguma

providência em relação a esse fato. Então, para nós, o Sistema

S faz parte desse tripé fundamental: rede federal, redes estadu-

ais e Sistema S. Por isso, a gratuidade é importante. Não adian-

ta a gente contar com um braço que as pessoas tem que pagar

para estudar. Assim, o Sistema S entrou num acordo – diga-se

de passagem foi um debate de altíssimo nível, respeitoso, em

nenhum momento houve nenhum atrito entre nós e o Sistema

S. É claro que uma negociação dessas é uma negociação mui-

tas vezes dura, difícil, mas sempre de elevado nível e sempre

de forma muito democrática e respeitosa. Tudo foi consensual.

Nada foi imposto. O Sistema S avulta a sua importância na

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medida em que ele entra nesse

acordo e passa a ofertar também

um número expressivo de matrí-

culas gratuitas, com a qualidade

que lhe é peculiar e que é reco-

nhecida pela sociedade e pelo

governo brasileiro.

EPCT | Secretário, o modelo de gestão do Sistema S ainda é algo polêmico. Fala-se em ges-tão pública, privada e tripartite. Existe uma preocupação da vin-culação do Sistema S à gestão pública e a consequente perda da qualidade do ensino. O senhor acha isso possível?

Não mesmo. A nossa discussão se restringiu à gratuidade

dos serviços do sistema S. Eu me lembro que essa proposta

surgiu, mas não era exatamente em relação à gestão, e sim a

um conselho gestor supervisor formado pelas confederações,

federações, movimento sindical e governo. Entretanto, isso

não entrou na mesa de negociações. Acredito que esse debate

vai surgir no futuro. houve sim especulações da mídia sobre a

suspensão das atividades culturais do Sistema S. Não discutimos

acabar com isso, mas sim revermos os altos preços cobrados nas

apresentações teatrais e culturais no Sesi e Sesc, por exemplo,

de forma a atender aos industriários e comerciários que o sus-

tentam. Outra discussão foi rever a distribuição dos recursos do

sistema S para as federações e confederações patronais, pois não

é atribuição dos trabalhadores financiar os patrões, uma vez que

estes têm muito recurso para financiar suas próprias instituições,

entidades. Nosso acordo foi simplesmente uma progressão da

ampliação da gratuidade da oferta correspondente aos recursos

públicos recebidos pelas entidades do Sistema S. Isto, porém,

não impede o Sistema S, como instituição privada, de cobrar o

que bem entender por suas atividades prestadas. O que nós que-

remos é a contrapartida dos recursos públicos recebidos.

EPCT | Secretário, os cursos tecnológicos no Brasil são ofertados desde a década de 1970. Há aproximadamente cinco anos houve um boom de oferta de cursos de tecnólogo. Voltando àquela dife-rença entre necessidade e demanda, em sua opinião, o crescimento da oferta de cursos tecnológicos é consequência de uma demanda ou de uma necessidade de formação de tecnólogos?

De fato, os cursos tecnólogos chegaram a ser ofertados,

mas tiveram um recuo e agora voltam com muita força. E essa

ampliação ocorre não só no Brasil, mas no mundo inteiro. É uma

das modalidades que mais cresce

no Brasil hoje. No último censo,

apresentou 300% de crescimento.

Basicamente, acredito que sua

oferta seja por necessidade, em-

bora exista demanda. O Brasil tem

uma tradição bacharelesca terrível

e prejudicial ao país, um profundo

preconceito com relação ao tecnó-

logo. Não se trata de desmerecer

o bacharel, que também é impor-

tante, mas o desenvolvimento

econômico exige profissionais

cada vez mais focados. E o tecnó-

logo, além dos mesmos direitos de

qualquer graduado, garantidos por lei, não é um profissional de

segunda categoria. Ele é um profissional que tem uma formação

mais específica. Vou te dar um exemplo na área da engenharia.

Um engenheiro civil, com seus quatro, cinco anos de curso, de-

pendendo do currículo, aprende N disciplinas. Um tecnólogo de

construção de estradas estuda três anos sobre construção de es-

tradas. Eu não tenho dúvidas de que ele sabe mais de construção

de estradas do que o engenheiro civil. No mínimo ele sabe igual a

um engenheiro civil. Então, um tecnólogo não é um profissional

de segunda categoria, ele é um profissional mais especializado,

mais focado. O que é uma necessidade para o desenvolvimento

econômico do país. Todavia, isso não significa formar um tecno-

crata. Acho que a rede federal é um bom exemplo disso. Ele tem

de aprender a aprender, porque a tecnologia se supera cada vez

mais rapidamente. Se nós formarmos um profissional focado –

digamos, com uma formação estreita daquilo ali - ele, em pouco

tempo, vai estar defasado no mercado. Por isso ele tem de ser uma

pessoa com formação humanista geral que lhe permita ir se atuali-

zando. Se formar um sujeito muito bitolado, ele, em cinco anos, vai

estar superado no mercado de trabalho. Então, fazer uma forma-

ção focada não significa abrir mão de oferecer uma formação mais

geral para esse profissional.

EPCT | Secretário, o tecnólogo, como comentado pelo senhor, tem o mesmo status do bacharel, entretanto, ainda enfrenta dificuldades com relação à certificação e ao reconhecimento dos conselhos pro-fissionais. Como elaboradora de políticas públicas, de que maneira a Setec resolverá a questão da certificação e do reconhecimento profissional dos tecnólogos?

Isso aí é uma reação coorporativa que estamos avançando.

Com o Confea, que pega grande parte dessas profissões, nós já

chegamos a um acordo. Todos aqueles cursos que constem do

O tecnólogo, além dos mesmos direitos de qualquer gradu-ado, garantidos por

lei, não é um profissional de se-gunda categoria. Ele é um pro-fissional que tem uma formação mais específica.

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catálogo, o Confea os reconhecerá, o que é muito positivo. há al-

guns conselhos profissionais mais resistentes, na área da saúde,

por exemplo. Outras corporações internas de grandes empresas,

como a Petrobrás, por exemplo, não aceitam tecnólogo, o que é

uma ilegalidade, inclusive. Acreditamos ser uma resistência não

da própria direção da Petrobrás, mas da corporação de enge-

nheiros que elabora os editais de concursos da casa e que, no

fundo, temem a competição dos tecnólogos. Pois, se não temes-

se, se partisse do pressuposto de que o tecnólogo é um profissio-

nal de pouco saber, não teria nenhum problema deixá-los fazer o

concurso, porque eles certamente perderiam a competição para

os engenheiros. É, portanto, uma reação corporativa normal, em

um primeiro momento, mas que vamos inevitavelmente superar,

como já estamos superando em várias áreas.

Page 40: Educação Profissional: Ciência e Tecnologia

Entrevista concedida em 25.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 29-32, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

aNtONIO CaRlOS daS NeVeS & ROSa MaRIa PIReS BUeNO > Por Flávia Furtado Rainha SilveiraAntonio Carlos das Neves é Gerente Nacional de Educação Profissional da Fundação Bradesco.Rosa Maria Pires Bueno é Supervisora Técnica de Educação Profissional da Fundação Bradesco.

Educação profissional: e experiência da Fundação Bradesco no Brasil

EPCT | Qual a relação entre a Fundação Bradesco e a Educação Profissional?

A Fundação Bradesco tem uma relação de muitos anos

com a Educação Profissional. Desde 1970 ela trabalha com a

Educação Profissional nos cursos de formação técnica. Desde

a Legislação anterior à Nova Lei de Diretrizes e Bases, ela já

desenvolvia Educação Profissional integrada com o antigo

colegial, e, com o advento da LDB, em 1996, ela separou a

Educação Profissional da Educação Básica.

EPCT | Como surgiu essa relação?

Essa relação surgiu da necessidade de suprir, com o

advento das novas tecnologias, das indústrias e dos par-

ques produtivos, o mercado de trabalho com profissionais

competentes, dotados de habilidades e técnicas específi-

cas, focados nas atividades e no próprio desenvolvimento

do país. Dessa forma, a Fundação Bradesco buscou inserir

no mercado de trabalho a população de baixa renda,

socioeconomicamente não-favorecida, de tal forma que

tivesse formação técnica condizente e correspondente às

necessidades do mercado. Isso aconteceu a partir de 1970,

quando a Fundação Bradesco manteve os cursos técnicos

integrados com o colegial da época. hoje, o curso técnico é

separado da Educação Básica e do Ensino Médio, mas temos

ainda em algumas escolas a Educação Básica e Infantil até

o Ensino Médio. A Educação Profissional Técnica é oferecida

aos jovens após concluir o Ensino Médio, possibilitando o

desenvolvimento das competências e habilidades reque-

ridas pelo mercado de trabalho na região. Temos cursos

técnicos em áreas como Informática, Administração de

Empresas, Agropecuária e Eletrônica, oferecidos de forma

regionalizada. O curso de Eletrônica está localizado no polo

de Porto Alegre, na Escola de Gravataí, que atende algumas

indústrias que absorvem o contingente de alunos formados

na área de Eletrônica. A General Motors, principalmente,

contrata muitos profissionais formados pela Fundação

Bradesco. Na área de Agropecuária, temos o Internato em

Tocantins e Mato Grosso do Sul. São duas escolas em regi-

ões propensas ao desenvolvimento regional da agropecuá-

ria e da agricultura no país e que estão investindo bastante,

principalmente o Tocantins, na área de arroz irrigado, que é

o forte celeiro nacional. Por isso, visamos ofertar formação

técnica para que esses jovens se mantenham na região com

uma boa formação e renda.

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EPCT | Além dos cursos técnicos e da Educação Básica, a Fundação também oferta cursos de formação inicial e continuada em termos de Educação Profissional?

Sim. Nós temos cursos de formação inicial e continuada e a for-

mação técnica de nível médio e ainda o tecnológico. A Fundação

estatutariamente se definiu por oferecer educação fundamental e

média, a Educação Básica, compreendida até a formação técnica

de nível médio. A formação inicial e continuada é mantida na rede

de escolas, porque entendemos que esses cursos dão possibilida-

de às famílias dos alunos de empreender e ter uma fonte de renda

e de sobrevivência na sua cidade. A demanda e a procura pelos

cursos se dá por meio de um cadastro que a Fundação Bradesco

mantém em cada escola, para que a direção da escola e a equipe

técnica proponham a implementação de determinados cursos

de formação inicial e continuada, e de algumas pesquisas sobre

as condições do mercado de determinada região. Nas regiões

Norte e Nordeste, por exemplo, em que o turismo é ponto forte

de renda e receitas, oferecemos vários cursos focados na área de

alimentação, gastronomia, agenciamento e turismo de negócios,

agendamentos e eventos e artesanato regional. Para a formação

daqueles que não tiveram a possibilidade de concluir o ensino

médio, oferecemos na área de Administração cursos de auxiliar

de escritório e recepcionista. Temos ainda cursos de cabeleireiro,

corte e costura, cozinheiro, dando à comunidade toda a formação

e certificação e também a possibilidade de abrir o próprio negócio.

Como mantemos quarenta escolas em rede, nos vinte e sete es-

tados e no Distrito Federal, isso possibilita, hoje, um atendimento

fixo e anual de cento e onze mil alunos no Brasil, com investimento

de duzentos e trinta milhões de reais no ano de 2009 para custear

a manutenção da rede de escolas.

EPCT | E a mantença dessa rede de escolas se dá pelo Bradesco?

A rede é mantida pela Fundação Bradesco, que tem recursos

próprios, é auto-sustentável. A Fundação é acionista do Bradesco.

Ela recebe dividendos de ações do Bradesco e esses dividendos

que ela recebe são investidos no campo social. É uma instituição

social, filantrópica, declarada de utilidade pública, que tem o seu

capital em função das ações que ela possui do conglomerado.

Essas ações proporcionam à Fundação a receita, por meio dos

dividendos distribuídos pela instituição financeira, e esses divi-

dendos acabam sendo a receita e o sustento de todos os projetos

que a Fundação Bradesco mantém socialmente no país.

EPCT | Você falou da missão da Fundação Bradesco e da área de educação dessa fundação. Como é a seleção dos jovens que ingres-sam na Fundação?

A Fundação Bradesco se preocupa em atender os jovens de

condição socioeconômica desfavorecida. Para a Educação Básica

nós abrimos vagas na Educação Infantil, porque o aluno que entra

lá com cinco ou seis anos de idade acaba ficando na Fundação até

se formar técnico. A seleção se dá por meio de uma ficha socioe-

conômica que os interessados preenchem na escola que deseja

estudar. Essa ficha passa por um processo de análise em um sis-

tema, e os pré-selecionados recebem da equipe da escola uma

visita domiciliar para verificar onde residem, como sobrevivem e

para confirmar se a declaração da ficha condiz com a realidade.

Se confirmado isso, faz-se uma triagem da situação analítica dos

menos favorecidos e as vagas são disponibilizadas. Em síntese,

as vagas são oferecidas a partir da situação socioeconômica e da

proximidade entre a residência e a escola. A Fundação Bradesco

zela bastante por esta questão, pois sabe que as pessoas em

situação socioeconômica não-favorecida não têm condições de

custear ou manter transporte escolar, têm dificuldade de pagar

condução para se locomover. Sendo assim, é preciso que o aluno

resida em um raio de três a cinco quilômetros para que, se preciso

for, possa ir à escola caminhando.

EPCT | Em termos econômicos, a Fundação prioriza alguma faixa da sociedade?

Para ilustrar, em umas das últimas escolas inauguradas na

periferia de Osasco, nós tivemos quatorze mil inscritos quando da

inauguração da escola. Desses quatorze mil inscritos, pelo proces-

so de análise da ficha socioeconômica preenchida, nós extraímos

entre quatro e cinco mil inscritos com possibilidades de análise de

visita domiciliar. Como a escola estava sendo implantada naquele

ano, nós trabalhamos com uma equipe grande, em torno de vinte

profissionais técnicos, e distribuímos essas fichas por setor no

bairro. Para se ter uma ideia, os ingressos inscritos tinham renda

per capta entre R$ 87,00 a R$ 100,00, ou seja, abaixo da linha

da pobreza. Realmente, Osasco é um bairro muito pobre, muito

carente. hoje, depois de cinco anos de atividade, a Fundação

Bradesco conseguiu contribuir para mudar um pouco o cenário

daquele bairro. Vários jovens que ingressaram há cinco anos no

Programa Nacional Jovem Aprendiz Técnico hoje têm uma renda

e estão melhorando a condição de vida, desenvolvendo ativida-

des voluntárias e devolvendo para o bairro a graça de ter recebido

uma escola da Fundação Bradesco, sendo agraciado gratuitamen-

te com todo esse nível de qualidade de ensino, material escolar

gratuito, uniforme, merenda escolar e assistência médica.

EPCT | Na palestra proferida pelo professor Leonardo Boff, desta-cou-se a missão da Educação Profissional de fomentar a consciên-cia mundial, a ética e a cidadania. Essas questões são contempla-das nos projetos da Fundação Bradesco?

hoje um dos diferenciais no mercado de trabalho são as

atividades voluntárias desenvolvidas em prol da comunidade. A

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Fundação Bradesco desenhou um

programa nacional de voluntariado

que tem sido hoje destaque e mo-

delo em todo o país. Dessa forma,

o aluno, desde a Educação Infantil

até o Ensino Médio, lida com todas

as questões éticas e de respeito ao

próximo, as questões da moralida-

de, dos vícios e dos cuidados para

se ter uma vida saudável. Todos

esses temas acabam permeando os

currículos da Fundação Bradesco.

De que forma? Nós temos dentro do voluntariado um programa de

contribuição à AACD. A Fundação Bradesco tem preconizado junto

aos seus jovens o apego a essa causa. Anualmente, desenvolvemos

uma série de atividades de arrecadação para ajudar o Programa da

AACD, por meio do Teleton. As crianças, por exemplo, recebem um

cofrinho da AACD para ir enchendo de moedinhas durante o ano.

No ensino técnico trabalhamos a visão de cooperação em assen-

tamentos. Os técnicos em agropecuária vão aos assentamentos,

ajudam tecnicamente os assentados para que eles tenham sua

produção melhorada. Assim, eles além do conhecimento técnico,

aprendem a exercer suas atividades para ajudar o próximo. Acredito

que isso é o diferencial para o país. A perspectiva do governo

Federal é abrir até 2010 quase trezentas escolas técnicas federais.

Imagine se cada escola técnica federal tiver um comitê de volunta-

riado e desenvolver uma central de voluntariado nacional, todo um

programa que permita que esses jovens, técnicos formados pelas

escolas técnicas federais, possam contribuir com essas comunida-

des, a exemplo desse programa da Fundação Bradesco que está

locado nas suas quarenta escolas.

EPCT | A Fundação Bradesco preparou para o fórum um material rico em informações sobre empreendedorismo e criatividade. Qual foi a intenção ao fazer essa escolha e como a Fundação trabalha o empreendedorismo, a criatividade e a inovação?

Nós temos um curso específico na área de geração de ne-

gócios e empreendedorismo de negócios que é trabalhado nos

cursos de formação inicial e continuada. Na formação de um

cabeleireiro, por exemplo, pensamos não só em habilitá-lo e qua-

lificá-lo tecnicamente para cortar um cabelo, fazer um penteado, e

assumir as competências técnicas específicas, mas também busca-

mos desenvolver nele algumas outras competências referentes ao

empreendedorismo para que ele possa estabelecer a relação de

quanto custa seu serviço, a prospecção e marketing do mercado, a

comercialização de produtos de artesanato, bem como participar

de cursos e desenvolver com criatividade seu lado empreendedor

para valorizar o seu trabalho e produto. No Acre, por exemplo,

temos um grupo de ex-alunos

que formaram a Cooperativa

Delícias da Floresta, que comer-

cializa castanhas e frutas cristali-

zadas da floresta. Eles trabalham

não só na produção do produto

em si, mas na embalagem do pro-

duto e na distribuição do produto

no mercado. Portanto, o empre-

endedorismo perpassa todas as

áreas da educação profissional,

ele não está vinculado a apenas

um eixo. A própria atividade voluntariada desperta também o

lado empreendedor da organização, da ação desses consultores

técnicos, dessas cooperativas que se formam.

EPCT | A Fundação certifica por competências?

Nós certificamos o aluno pela conjunção do curso, porém

nosso processo de avaliação é com base nas competências. A

avaliação do ENEM é basicamente por competências e o aluno

tem de realmente ter desenvolvido essas competências para ele

ter uma boa classificação. A Fundação Bradesco incentiva os jo-

vens a participarem do ENEM e por isso trabalha com competên-

cias. Estas são avaliadas por meio da teoria da TRI, cujas questões

são analisadas em relação ao referencial curricular desenvolvido.

As questões são organizadas de tal forma que permitem buscar

na resposta se o aluno de fato recebeu o referencial curricular

que foi dado e se conseguiu assimilá-lo. Então, por meio de

indicadores no processo avaliativo, consegue-se detectar se as

competências técnicas foram desenvolvidas ou não.

EPCT | A Fundação Bradesco tem programas de inclusão de adul-tos? Se sim, como se faz uma flexibilização dos currículos, que é o que tem sido falado também no fórum?

Nós temos um programa de alfabetização de jovens e adul-

tos que é modelo na inclusão de adultos. Em 1998, detectamos

um contingente de mais de treze mil pais analfabetos, que es-

tudaram somente até a 4° série, ou que são analfabetos funcio-

nais. Esse número nos assustou bastante. Diante deste cenário

significativo, em que os pais analfabetos estariam com certa difi-

culdade em acompanhar o próprio desempenho escolar do filho

e com vergonha de participarem das reuniões da escola, surgiu

a ideia de implementar um programa de alfabetização de adul-

tos nas próprias escolas para atender a esses pais. Para você ter

uma ideia, na aula inaugural que fizemos em 1998, em Osasco,

os filhos trouxeram os pais para a sala de aula de mãos dadas

levando-os até o banco escolar. Orgulha-nos dizer que dos treze

mil e quinhentos pais, restam-nos apenas três mil e quinhentos

Hoje um dos dife-renciais no mercado de trabalho são as atividades voluntá-

rias desenvolvidas em prol da comunidade.

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analfabetos ou analfabetos funcionais. Portanto, é um programa

bem sucedido de inclusão de jovens por meio da alfabetização.

EPCT | As conferências desse fórum também falam da necessidade de a Educação Profissional estar conectada ao mercado. Como a Fundação Bradesco faz para se manter próxima ao mercado em suas diferentes unidades?

Nós temos um trabalho com a Educação Profissional que tem

dado muito certo. É um encontro de gestores e empresários que

promovemos anualmente em cada escola. A própria escola orga-

niza o encontro de forma que os jovens possam se apresentar para

o mercado de trabalho e atrair os empresários para a escola. Esse

encontro favorece também aos jovens a oportunidade de esta-

belecer e organizar o evento, desde a parte do planejamento, da

divulgação, dos convites formulados e dos representantes do em-

presariado até a escolha dos gestores convidados, tanto do setor

público, quanto do setor privado. O início do evento sempre se dá

com a exposição do curso: o que é o curso, o que é estudado e

quais as competências desenvolvidas. Isso tudo se promove numa

apresentação, num encontro que geralmente soma em torno de

cem a cento e trinta participantes. Nesses encontros com os em-

presários, os jovens se oferecem para o mercado de trabalho, apre-

sentando o curso, o currículo, as experiências e disponibilidade no

mercado. Na área de Agropecuária, os convidados para o encontro

são fazendeiros, gerentes de comércio de produtos agropecuários

e secretários de agricultura dos municípios. Nós promovemos

um evento que realmente discuta essa questão da vinculação do

profissional de formação técnica às necessidades do mercado de

trabalho, para que aquele possa estar conectado e atualizado.

EPCT | A Educação Profissional costuma ser criticada por sua ênfa-se na prática. Como a Fundação Bradesco trabalha a relação teoria versus prática?

A Fundação acredita que a prática tem um significado impor-

tante para desenvolver as competências e favorecer aos alunos

uma aprendizagem realmente significativa e adequada à vida pro-

fissional que eles irão desenvolver posteriormente. Em alguns cur-

sos trabalhamos com laboratórios próprios, mas, na maioria deles,

o aluno recebe a parte teórica na escola e desenvolve a parte práti-

ca nas empresas, por meio do programa nacional Jovem Aprendiz

Técnico, que oferece bolsas ou estágios remunerados e vincula

os alunos às empresas. Nos cursos técnicos em Agropecuária,

oferecemos fazendas-escolas, que são escolas-modelo em que de-

senvolvemos diversas atividades e experimentos da área agrícola

e projetos, como o de genética animal com gado, que propicia

melhoria genética, reprodução melhorada e maior produção de

carne. Nessas fazendas, os jovens técnicos têm atividades práticas

em todos os setores da escola de forma monitorada. Todos esses

jovens passam pelos diversos setores e aprendem a tirar leite da

vaca, a tratar o rebanho e a manusear a composição da ração, de

forma a ter essa conexão entre a parte teórica do currículo e a

parte prática que são desenvolvidas pelo curso técnico.

EPCT | As escolas da Fundação Bradesco são modelos no país, quais as concepções que fundamentam o trabalho dessas escolas?

A Fundação Bradesco tem uma linha pedagógica construtivista,

em que o jovem é incentivado a aprender a aprender, a buscar por

si só os conhecimentos. O mercado de trabalho exige que os pro-

fissionais formados tenham desenvolvido essa habilidade de apren-

der a aprender, pois nenhum profissional formado hoje se sustenta

apenas com a certificação técnica recebida. Ele recebe a certificação

técnica esse ano e ano que vem sua certificação está desatualiza-

da. Se ele não aprender a se atualizar, ficará defasado no mercado

de trabalho. Portanto, a concepção de educação da Fundação

Bradesco é procurar desenvolver nesse jovem a autonomia para

ele aprender sozinho e se atualizar em busca das instituições que

oferecem aquilo que ele precisa e que o mercado favorece.

EPCT | Como se dá a inclusão de pessoas com necessidades espe-ciais nas escolas da Fundação Bradesco?

Nós temos alguns casos de alunos com deficiência física. No

Espírito Santo, temos um aluno que não tem os membros supe-

riores e foi alfabetizado escrevendo com o pé. hoje, ele frequenta

a sala de aula, está na 4ª ou 5ª série, com alunos que não tem ne-

nhum nível de deficiência, e acompanha o currículo escrevendo

com o pé. Temos também alunos deficientes visuais que frequen-

tam as nossas escolas, eles acompanham as aulas por meio de um

software chamado “Virtual Vision”, que faz a leitura para eles. Na

escola do Jardim Conceição, na periferia de Osasco, há um progra-

ma de trabalho com surdos e intérpretes de Libras.

EPCT | Para finalizar, Sr. Antônio, o que é a Pedagogia da Alternância e como vocês a operacionalizam nas escolas da Fundação Bradesco ou como pretendem operacionalizar?

A pedagogia da alternância nos permite ter um desenvolvi-

mento teórico e pedagógico na formação desses jovens, desde a

educação básica até a técnica, e também um acompanhamento

nas atividades conciliadas desenvolvidas fora do contexto da

sala de aula, nos internatos.

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Entrevista concedida em 26.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 33-36, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

SÍlVIa MaNFRedI > Por Ricardo Silva & Rafael VoigtSílvia Manfredi é Presidente do Instituto Paulo Freire - Itália e Professora aposentada da Universidade de Campinas (Unicamp)

Uma crítica à pedagogia das competências

EPCT | Professora Sílvia, poderia iniciar a entrevista falando um pouco sobre sua atuação profissional?

Sim. Entrei na rede de ensino de São Paulo em 1964.

Paulo Freire já havia sido exilado, mas durante uns quatro

anos o movimento estudantil ainda usava a proposta dele

para fazer trabalhos voluntários de alfabetização no estado

de São Paulo. Fiz parte desse grupo durante três ou quatro

anos. E foram essas experiências que deram sentido à minha

escolha profissional até hoje. Entrei na educação profissio-

nal por conta do grande desafio do movimento sindical

nos anos 1990. Atuei como consultora da OIT no Projeto de

Certificação e Orientação Profissional, de 2004 até o final de

2006. E hoje sou professora aposentada da Unicamp e presi-

dente do Instituto Paulo Freire na Itália.

EPCT | Professora, gostaria que esclarecesse algumas questões relacionadas à certificação. O Senac oferta, há alguns anos, en-sino superior tecnológico. A Faculdade do Senac-DF, por exem-plo, oferta cursos nas áreas de Gestão Comercial, Tecnologia da Informação, Marketing e Recursos Humanos. Entretanto, atualmente, presenciamos uma grande controvérsia envolven-do a atuação dos tecnólogos em certas áreas. O problema que

observamos é que vários órgãos de classe – como o CREA, o Conselho de Administração e alguns outros – não reconhecem plenamente os cursos de formação tecnológica. Qual a sua ava-liação dessa questão?

Primeiramente, é necessário observar que existe uma

disputa conceitual de modelos de certificação entre o

Inmetro, que já faz certificação, a ABNT e o Senai. há uma

tensão mesmo. É provável que um dos motivos pelos quais

não conseguimos instituir um sistema de certificação seja

o fato de esse sistema colocar em confronto as entidades

profissionais, as instituições formadoras e os trabalhadores.

Um acordo só seria possível mediante negociação, para

consolidar os perfis e o tipo de certificação. Mas isso não foi

feito. No caso do Senac, o confronto se dá entre a instituição

que oferece a formação e as entidades profissionais. Ele cer-

tifica com a anuência do Ministério da Educação, mas essa

certificação não é reconhecida pelos conselhos de classe,

por exemplo. O problema é que não possuímos um sistema

de certificação cujas regras sejam universalmente aceitas. O

modelo de sistema proposto pelo professor homérico, na

época em que ocupou o cargo de diretor do departamen-

to de qualificação profissional do Ministério do Trabalho

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e Emprego, previa ainda a criação das câmaras e comissões,

de âmbito setorial, para discutir as questões relacionadas

à certificação. Como isso não foi feito, a solução do impasse

ficou mais complicada. Provavelmente, essas questões serão

discutidas no Inmetro.

EPCT | E como andam as discussões a respeito desse siste-ma de certificação? Há um grupo que discute a questão? O Ministério do Trabalho também teria de estar sentado à mesa de negociação?

De acordo com o projeto do sistema que idealizei, haveria

um Conselho Nacional de Certificação, dentro do qual haveria

as câmaras específicas, setoriais, e os grupos técnicos, que

seriam os responsáveis pela implementação da proposta

concreta de cada setor. As comissões dariam os grandes pa-

râmetros. No caso dos tecnólogos, primeiramente, procurarí-

amos levantar os cursos a serem certificados, reuniríamos os

representantes dos diversos segmentos e definiríamos uma

pauta de certificação, standarts e normas gerais para serem

utilizadas depois. Como o sistema não existe, o único espaço

que há, parece-me, é o MEC. Como associar isso ao Ministério

do Trabalho, confesso a você que não tenho ideia. Porque, no

caso do Senac, entram o Conselho Federal de Administração,

o Conselho Federal de Engenharia, etc., o que torna a questão

bastante complexa. O sistema criaria as normas universais

para os procedimentos de certificação. havendo necessidade,

levantando-se a demanda social, as comissões seriam criadas,

o que facilitaria o início do processo.

EPCT | Em relação à formação intermediária, considerando a experiência em outros países e outros modelos, existe a possi-bilidade de haver certificação intermediária, por exemplo, no Ensino Médio, após o término do primeiro, segundo e terceiro ano, respectivamente?

Sim. Como no caso do sistema francês e do espanhol.

No espanhol, por exemplo, o sistema educacional regular

e o sistema profissional são integrados e equivalentes. Isso

possibilita a certificação, válida em todo território nacional,

e o trânsito do aluno entre os sistemas profissional e regular.

Os sistemas se equivalem, não são diferenciados. No caso

do Brasil, o sistema de educação profissional não se comu-

nica com as ocupações, nem com o sistema regular. O ideal

seria criar, para cada profissão, requisitos de certificação

com base na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), e

para outras qualificações, com base no Catálogo de Cursos

Profissionalizantes do MEC.

EPCT | Qual é a análise que a senhora faz de nosso atual sistema? Considerando a existência de um sistema regular e um sistema de educação profissional que coexistem de maneira paralela, quais os prejuízos dessa segmentação?

O sistema profissional está dividido em três redes: estadual,

federal e privada, que é o caso do Sistema S. Na verdade, o mais

correto nesse Sistema seria a denominação público-privada.

Isso porque, a rigor, ele não é privado, embora seja considerado

como tal, mantendo autonomia administrativa e regulatória,

respeitados os grandes princípios da LDB. Penso que o sistema

deveria ter formas de integração entre os três subsistemas ou,

pelo menos, o estabelecimento de equivalências. Agora, sabe-se

que aí entram os interesses de todas as partes, isto é, tanto do

Sistema S quanto das redes estadual e federal. E isso é um ponto

de tensão, mas creio ser possível a integração. Acho possível o

estabelecimento de equivalências entre as redes por meio do

catálogo de cursos do MEC, bem como do catálogo de qualifi-

cação profissional do Ministério do Trabalho. Os espanhóis, por

exemplo, realizam a integração por conteúdos, porque eles ado-

taram o modelo de competências e estipularam, para cada nível

(primeiro, segundo e terceiro anos), competências mínimas ou

básicas e competências específicas. Os níveis são todos equipa-

ráveis, porque isso vale para o sistema educacional regular, para

a formação profissional e para a certificação. Foi assim que eles

resolveram a questão. No caso do Sistema S, parece-me que a es-

trutura curricular é modular e organizada por competências. Já

o nosso sistema regular, não é, nem as redes federal ou estadual.

Então, é bastante difícil resolver o problema. A certificação pode-

ria ser uma solução? Creio que sim. Seria mais ágil, mais barato

e mais fácil de fazer essa integração e essa passagem. Em minha

opinião, o problema aí é político, e não técnico, ou, pelo menos,

mais político do que técnico, uma vez que a certificação poderia

estabelecer certos parâmetros e certas equivalências.

EPCT | Professora, historicamente, os Parâmetros Curriculares do Ensino Profissional de Nível Médio no Brasil foram construídos com base na matriz curricular conteudista. Na década de 1990, essa ma-triz foi substituída por uma matriz de competências e habilidades. Qual a sua opinião a respeito desses modelos?

Eu não sou muito a favor do modelo de competência. A

matriz de competência, teoricamente, tem origem no campo da

Psicologia. Ela é bastante ligada à noção behaviorista e funciona-

lista. Do ponto de vista sociocultural, ela foi criada na Espanha,

no interior de um movimento empresarial que usou esse modelo

para substituir um antigo modelo de estruturação de carreiras e

de mobilização dentro das empresas. Isso desestruturou todo o

sistema de carreira, que antes era muito claro em todas as empre-

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sas. O modelo de competências

praticamente tira essa possibilida-

de, porque transfere o sistema de

carreira para o indivíduo. Algumas

competências se relacionam com

o posto de trabalho, outras com

o mérito e outras com as necessi-

dades coletivas dos trabalhadores.

Mas o modelo de competências

é individualista, a competência

é algo que você possui ou não

possui, e você é responsável pela

construção de suas competências.

Não há, digamos, uma responsabilidade social. No entanto, uma

série de estudos mostra que as competências são social e cultu-

ralmente construídas. A noção corrente de competências “apaga”

essa dimensão cultural. No caso dos trabalhadores, há muitas

competências que são construídas dentro da cultura de um tra-

balho específico. O metalúrgico, por exemplo, tem uma série de

competências da categoria, assim como o bancário, o professor. A

noção corrente de competência não leva isso em conta. Fora isso,

no meu ponto de vista, os standarts utilizados para construir os

modelos são feitos com grupos de especialistas que se baseiam

nos experts, os superespecialistas. Então você estabelece um

padrão de elite, muito seletivo e exclusivista. Assim, do ponto

de vista ideológico, essa noção torna todos os que não possuem

essas competências/habilidades, como os superespecialistas,

incompetentes. Veja-se então o peso disso. Além disso, há a di-

mensão ideológica que considera o saber-ser e o saber-fazer. O

que significa saber-ser neste modelo de competência? É você agir

e desenvolver comportamentos funcionais. Contudo, é preciso

observar que o problema não é o termo, mas todo o arcabouço

estrutural, a montagem desse modelo. Por que não o adotamos

na certificação? A matriz de competência usa um modelo funcio-

nal de tarefas, bem ao modo do engenheiro, para definir cargos e

funções e a hierarquia dos cargos e funções. Com base nisso, de-

finem-se perfis e standarts. É como se aplicássemos o modelo de

organização do trabalho de cargos e funções da Volkswagen ou da

Chrysler, por exemplo, à certificação. Daí, os perfis e standarts re-

presentam uma elite de trabalhadores altamente especializados. E

toda a massa de trabalhadores que possuir o saber fruto da expe-

riência fará parte desse conhecimento, mas todos os que ficarem

de fora do modelo serão considerados incompetentes. Agora, por

exemplo, a moda nas empresas é o trabalho em grupo. Valorizam-

se as capacidades de coordenar, dirigir grupos, tomar decisões,

etc. Porém, como fica quem não possui essas competências, mas

possui outras? Isso não é considerado na certificação. Então, o

problema do Inmetro e da ABNT é que o seu rol de competências

é muito restrito à função, à tarefa

e, na maior parte das vezes, à

realização de trabalhos concretos,

específicos, muito em função dos

modelos das grandes empresas

e do ideário destas. A adoção de

um modelo como esse significa a

exclusão de boa parte dos nossos

trabalhadores, mesmo os de nível

superior, porque não se contem-

pla uma série de coisas que, numa

avaliação para certificação, é im-

portante. É o que entendo.

EPCT | A senhora afirma que quando consideramos o cargo ou a função tem-se clareza do que se fala, mas, quando se traduz isso em competências/habilidades, a noção fica esparsa. Então, como a senhora avalia os Parâmetros Curriculares, já que eles foram cons-truídos sobre a noção de competências/habilidades?

São uma camisa de força. Sua constituição foi um briga que

nós perdemos. A tradução de cargos e funções para competências/

habilidades é extremamente subjetiva. Os métodos de identifica-

ção e avaliação das competências/habilidades são muito fechados

e estereotipados: teste de múltiplas escolhas, quiz, inventários. E

esses métodos desconsideram as diferenças culturais. A questão

não é só político-ideológica, mas também epistemológica. Como

sou muito mais piagetiana, vygotskyana, penso que cada um tem

um modo próprio de se expressar, de falar, ou seja, as linguagens

são diferentes. Atuei por muito tempo com a formação sindical de

bancários, metalúrgicos, químicos. Para esses sujeitos, a forma de

argumentar e de raciocinar é influenciada pelo processo e pelo

contexto de trabalho em que se encontram. Por exemplo, se se

trata de um bancário que trabalha com números e relações abs-

tratas, ele facilmente expressará um raciocínio conceitual de nível

abstrato. Se for um metalúrgico que parte do mundo concreto, do

real, ele formará o conceito, a abstração, e estabelecerá relações,

mas por outro caminho. O trabalhador rural a toda hora faz o

contraponto com a natureza. Isso é muito bonito. Penso que, do

ponto de vista da certificação, essas diferenças devem ser valoriza-

das. A valorização apenas da educação e da formação próspera, da

padronização e da homogeneização é que é destrutiva. Destrói-se

a diversidade, a cultura, não se considera uma série de coisas que

sempre foram importantes.

Como paulofreireana, entendo que, se houvesse uma organi-

zação por temas geradores, como propúnhamos e lutávamos, por

projetos, ou tantas outras formas de organizar, teríamos parâme-

tros curriculares bem mais abertos do que os que temos hoje.

O modelo de com-petências é indivi-dualista, a compe-tência é algo que

você possui ou não possui, e você é responsável pela cons-trução de suas competências.

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EPCT | Um professor da educação profissional é formado numa matriz conteudista e, ao chegar à escola, recebe uma orientação que diz “você deve desenvolver essas competências no aluno”. Resulta daí um conflito: o professor não consegue fazê-lo, dado à sua formação. Em sua opinião, como se estabelece essa relação no fazer docente?

O fato é que mesmo com essa orientação, os professores a

esquecem e fazem o que sabem e o que bem querem. Não tem

jeito. Do meu ponto de vista, ensinar por competências não é

legal, pois não estimula o trabalho coletivo, a troca, a produção

entre os professores. Tenho vários colegas na Unicamp – na área

da Física e Matemática - que fazem trabalhos com formação de

professores na linha da relação teoria e prática, estimulando

os professores a refletirem sobre o que fazem, sobre como eles

poderiam modificar o que estão fazendo e como poderiam cons-

truir outras estratégias e percursos. E isso é muito interessante. A

formação tradicional - e acredito que o modelo de competências

também - corta a criatividade, a iniciativa, a capacidade produ-

tiva dos professores. Em muitos aspectos, o método de Paulo

Freire é bastante superior, pois se funda em outra lógica. A lógica

do modelo de competências, para mim, é disciplinadora e fabril.

É o modelo de organização da fábrica traduzido para a organi-

zação escolar. É um pouco exagerada essa minha comparação,

mas é válida. Se antes tínhamos uma visão conteudista, muito

clássica, muito fundamentada em elementos pouco vinculados

à realidade prática do mundo do trabalho, hoje, temos o inverso.

EPCT | Professora, para concluir, fale sobre sua atuação no Instituto Paulo Freire na Itália e sobre o trabalho do Instituto nos países em que ele também atua.

Temos o Instituto Paulo Freire de São Paulo, que é a sede,

e uma rede mundial de quase trinta institutos. Alguns são

centros e outros, cátedras. Na Europa, temos estruturados

três institutos: na Itália, Portugal e Espanha. A proposta do

Instituto, tanto na Itália quanto nos demais países, é divulgar

um pouco a filosofia e a pedagogia freireana e, ao mesmo

tempo, ver como ela pode ser reescrita com base na expe-

riência específica e nos desafios de cada país. A Itália, por

exemplo, tem recebido um número enorme de imigrantes.

Muitos deles não falam a língua italiana. Nesse caso, o grande

desafio é trabalhar a questão da integração e da língua. A Itália

também começa a ter uma série de problemas sociais, como

a marginalidade, o consumo de drogas, especialmente entre

os jovens, a enorme quantidade de imigrantes sem família e

de jovens desacompanhados, como eles chamam. Em todas

essas áreas, acredito que a proposta freireana ganha espaço,

não no sentido de “copiar e colar”, mas no sentido de ver os

princípios e o ideário que estão por trás da proposta freireana

e investigar como é possível reescrever e utilizar esses princí-

pios e esse ideário nos trabalhos na educação de adultos, na

escola tradicional, em que a dificuldade é maior, nos espaços,

digamos, não-formais, como centros de jovens, centros de

cultura, teatros, associações culturais, associações de jovens,

etc. Na Itália, o associativismo, a cooperação e o voluntariado

são muito fortes, há associações para tudo, o que é bastante

interessante; há também cooperação com a América Latina

e a África e o voluntariado. há ainda muita gente sensível às

propostas educativas mais dialógicas, interativas e libertárias.

É nesse campo que atuamos. Na escola nosso acesso é muito

difícil, a educação profissional na Itália é bem estruturada,

burocrática, com modelo bastante fechado. Tradicionalmente,

foi assim, as propostas de Freire teve mais aderência nos mo-

vimentos sociais, na educação não-formal. No Brasil, tivemos

quatro importantes experiências na educação escolar: a escola

candanga, a escola plural, em Minas, e a experiência em São

Paulo, mas, infelizmente, não fomos capazes de expandir essa

experiência para a escola pública no plano nacional.

Page 48: Educação Profissional: Ciência e Tecnologia

Entrevista concedida em 26.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 37-41, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

FRaNCISCO CORdÃO > Por Flávia SilveiraFrancisco Cordão é membro do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação.

O panorama da educação profissional no Brasil

EPCT | Em uma entrevista ao Senai, o senhor afirmou que a Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) trouxe um novo sta-tus à Educação Profissional, integrando as dimensões educação, trabalho, ciência e tecnologia. Após 13 anos de promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como está o cenário da educação profissional no Brasil?

Essa mudança proposta pela LDB é uma mudança ra-

dical de ordem cultural. Mudança cultural não se consegue

da noite para o dia. Nós tínhamos durante longo tempo na

história da educação brasileira certo preconceito em relação

à educação profissional. A educação profissional nasceu no

Brasil como obra de benemerência social, para atender aos

pobres, aos desamparados e aos desvalidos da sorte. Esses

são termos utilizados nos documentos antigos a respeito de

educação profissional. Ao longo do século passado, com a

criação do Senai e depois do Senac, houve uma valorização

da educação profissional e da estruturação da rede federal.

Porém, esse ritmo de desenvolvimento da educação profissio-

nal foi um pouco rompido com a lei 5.692/71. A despeito de

valorizar a educação profissional, esta lei, ao contrário, contri-

buiu para a sua desvalorização, na medida em que a educa-

ção técnica do ensino médio foi colocada no lugar do ensino

médio. Essa nova LDB diz que ‘a educação não deve tomar o

lugar da educação básica’. A educação profissional e técnica

complementam a educação básica. E a educação profissional

vai além dos cursos técnicos de nível médio integrados ou

articulados com o ensino médio. Ela integra todo o itinerá-

rio formativo das pessoas, preparando-as para o mundo do

trabalho, para definirem seus próprios itinerários de profissio-

nalização. A escola, ao planejar os seus cursos, deve pensar

em itinerários formativos das pessoas, de tal maneira que elas

possam construir o seu percurso de profissionalização. As

pessoas se preparam efetivamente para o mundo do trabalho

com uma sólida educação básica e complementarmente com

uma sólida educação profissional. A educação profissional

está situada na confluência de dois direitos fundamentais

do cidadão: o direito à educação e o direito ao trabalho, ou

seja, o direito à profissionalização, conforme cita o artigo 227

da Constituição. A educação profissional é então entendida

não mais como preparação para o posto de trabalho. Não é

treinamento operacional. Não é formação de mão de obra.

Até porque não existe mais aquela clássica separação entre a

mão de obra e o “cabeça” da obra, o gerente, o planejador, o

controlador de qualidade. hoje, cada vez mais, quem faz deve

saber por que está fazendo dessa maneira e não de outra. E

quem faz é chamado a planejar a sua ação profissional, a con-

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trolar a qualidade de seu serviço profissional. Então se exige

um profissional mais completo em termos de desenvolvimento

de competência profissional. Dessa forma, na LDB, a educa-

ção profissional integra as dimensões de educação, trabalho,

ciência e tecnologia. Assim, trabalha com o desenvolvimento

do conhecimento dos saberes e não de um conhecimento

desvinculado da prática. A própria prática é impregnada de co-

nhecimento. Muitos trabalhadores desenvolvem o seu conheci-

mento profissional na prática, sem cursos. É por isso que existe

a alternativa da certificação profissional, de avaliar, reconhecer

e certificar os seus conhecimentos desenvolvidos na prática,

para fins de continuidade de estudos e até de conclusão. Dessa

forma, é essencialmente um trabalho educativo voltado para a

realidade do mundo do trabalho.

EPCT | Que norte deve guiar os projetos dos cursos de educação profissional?

O perfil profissional é que estrutura o curso de educação

profissional. Quando vou planejar um curso, seja de qualificação,

técnico ou de tecnologia, seja um curso de graduação ou de pós-

graduação, procuro sempre saber quem é esse profissional, qual

é o campo de atuação dele no mundo do trabalho, quais são

os limites de sua atuação, com quem ele se relaciona, qual é a

cultura dele. Num mundo cada vez mais em constante evolução,

provocada especialmente pelo desenvolvimento científico e tec-

nológico, é importante as dimensões da ciência e da tecnologia

para a qualificação e a evolução desse profissional no mundo

do trabalho. Por isso é que toda instituição de educação profis-

sional, seja de nível básico, seja de nível técnico, seja de nível

superior, tem de ser um centro de referência tecnológica para

trabalhadores e empregadores na sua área de atuação e na re-

gião onde ela está situada. Esse é o grande desafio da educação

profissional pós-LDB.

EPCT | O senhor pode nos exemplificar algum caso de sucesso, algu-ma instituição de educação profissional que tenha conseguido essa articulação entre teoria e prática, certificação de competências, de saberes oriundos da vivência da pessoa, que sirva de modelo para as outras instituições do Brasil?

Nós temos vários modelos. É claro que nós estamos

aprendendo ainda. A LDB é de 1996. A discussão em torno das

diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional

começou logo em 1997, a partir do Decreto 2.208/97, que foi

o primeiro decreto regulamentador. Depois, teve outro decre-

to, o Decreto 5.154, de 2004. Só em 1999, três anos depois da

promulgação da LDB, é que o Conselho Nacional de Educação

conseguiu definir diretrizes curriculares nacionais. Porque

estava muito difícil para o próprio Conselho, para os próprios

conselheiros, identificar o cerne da nova orientação da LDB

em termos de uma educação comprometida, que articulasse

as dimensões educação, trabalho, ciência e tecnologia, objeti-

vando o desenvolvimento de competências profissionais para

desenvolver um trabalho integrado e articulado no mundo da

educação, do trabalho e no mundo da ciência e da tecnolo-

gia. É uma mudança cultural muito grande. De início, muitas

pessoas falavam: “bom, mais eu vou organizar, então, por

competências. Isso significa que eu não vou mais organizar

por conteúdo?” Quer dizer, eu não vou deixar o conteúdo de

fora. É a capacidade de articular e mobilizar conhecimentos e

habilidades que deve ser levada em consideração. Eu tenho

que ver que conhecimentos são necessários para desenvolver

aquela competência, porque competência implica capacida-

de de articular conhecimentos, habilidades, atitudes, valores,

emoções. Com que valores eu vou trabalhar aqueles conteú-

dos? Que habilidades eu vou desenvolver? Então, se eu estou

organizando um curso básico de cabeleireiro, eu tenho de

questionar: quais são as práticas do cabeleireiro? Quais são

os conhecimentos que formam aquela prática e como aquela

prática dá forma aos conhecimentos? Eu não posso fazer de

maneira descolada: agora, é teoria; agora, é prática. Tem-se

de trabalhar de maneira integrada, porque o conhecimento

informa a prática e a prática informa o conhecimento tec-

nológico. Muitas escolas começaram a trabalhar com isso já

a partir de 1999. Nós consideramos como momento de tran-

sição, de 1999 até o final de 2000. E ampliamos depois esse

momento de transição até o final de 2001, porque as escolas

tinham muita dificuldade de se planejarem dessa maneira. As

primeiras instituições que implantaram essa nova proposta

foi o Senac, o Senai e muitas unidades da rede federal de

ensino, alguns Centros de Educação Estadual, como o Centro

de Educação Estadual Paula Souza, em São Paulo. A comu-

nidade europeia está seguindo a mesma linha. Só que eles

começaram antes da gente. Quando nós estávamos discu-

tindo as diretrizes curriculares nacionais, nós nos inspiramos

nos debates que estavam ocorrendo na Espanha, Inglaterra

e França, em Portugal e também no Canadá, em termos de

organização da educação profissional comprometida com o

desenvolvimento de competências. Em 1999, estive em Turim,

no Centro de Educação Profissional da OIT (Organização

internacional do Trabalho), junto com a Cleonice Rein, do

Ministério da Educação, discutindo com gente do mundo in-

teiro o planejamento de ensino centrado no desenvolvimento

de competências. O Canadá conseguiu resultados muito mais

efetivos porque desenvolveu uma cultura de planejamento,

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de competências profissionais,

com professores e técnicos, de

maneira mais sólida, mais parti-

cipativa e com maior debate.

EPCT | Qual o papel do professor nesse novo modelo?

Neste ponto, a nossa LDB

é muito sábia. Nos artigos 12 e

13, que, para mim, está ali a sua

espinha dorsal, são definidas as

competências das escolas, inclusi-

ve da educação profissional, e dos

docentes. A primeira competência do professor não é dar aulas e,

sim, participar da concepção, elaboração, execução, avaliação e

replanejamento do projeto pedagógico da escola. Participar no

sentido de pelo menos ter pleno conhecimento, ou, num segundo

estágio de participação, vestir a camisa da escola para concretizar

aquele projeto pedagógico ou, num estágio mais aprofundado

de participação, fazer a escola vestir a sua camisa, ao levar os seus

conhecimentos, suas habilidades e seus valores para aprimorar o

projeto pedagógico da escola. A segunda incumbência também

não é dar aula. É elaborar o seu plano de trabalho de forma coe-

rente, vinculada com o projeto pedagógico da escola. A terceira

incumbência ainda não é dar aula. É zelar pela aprendizagem

dos alunos. Porque as atividades de ensino terão de ser avaliadas

pelos resultados de aprendizagem dos alunos. Se o aluno não

aprendeu, não significa que o professor não ensinou. Significa que

não foi eficaz a ação docente do professor. A quarta incumbência

do professor ainda não é dar aula. É recuperar os alunos de menor

rendimento. Quando isso foi apresentado no Senado Federal, o

senador Darcy Ribeiro foi questionado: “Escuta, vocês estão colo-

cando recuperação antes de dar aula?” E ele disse: “Claro. Só que,

antes da recuperação, está o zelo pela aprendizagem dos alunos”.

Em termos de competência, esse conteúdo tem de ser trabalhado

de maneira que todos entendam, que todos consigam fazer o link

da informação nova com a informação antiga. Se não tem infor-

mação antiga, tem de ter, por isso a recuperação. Só depois disso

é que vem a incumbência de dar aula. Então, é uma inversão que a

LDB fez, e que é importante. O objetivo da educação profissional é

o desenvolvimento de competências para o exercício profissional

competente. É isso que uma pessoa, por exemplo, quando entra

no Senac está procurando, seja na faculdade, seja no curso técni-

co, seja num curso de capacitação ou de qualificação profissional

na formação inicial, seja num curso de aperfeiçoamento e de

especialização. Ele quer melhorar o seu desempenho profissional

constituindo competências profissionais, que nós entendemos

com clareza como a capacidade

de articular, mobilizar, colocar em

ação conhecimentos, habilidades,

atitudes, valores, emoções para

responder aos requerimentos da

vida profissional.

EPCT | O senhor poderia falar um pouco sobre a avaliação de competências?

Na realidade, a verdadeira

avaliação de competência não

ocorre na escola, ocorre no

mundo do trabalho, quando se está empregado. É lá no trabalho

que verdadeiramente se é avaliado. A escola avalia evidências

de desempenho e competência, mas não avalia o desempenho

e a competência. Porque, mesmo que o aluno desenvolva uma

determinada tarefa ou uma prática profissional, ele vai desen-

volver numa situação de laboratório. Ele pode explicá-la, pode

demonstrar que sabe o que está fazendo, pode desenvolver

aquela mesma prática profissional de duas, três, maneiras dife-

rentes, mas só estará evidenciando à escola que ele desenvolveu

tais competências. Ele só vai provar mesmo que desenvolveu

competências e habilidades lá fora, depois que ele sair da escola.

há um tempo, eu fui chamado por uma escola que estava

desenvolvendo um curso de técnico de Publicidade. O diretor

da escola estava preocupado e me chamou para discutir com

professores e técnicos a reformulação do curso técnico de

Publicidade, que oferecia 40 vagas. O ponto de equilíbrio do

curso era 20 alunos matriculados. Se ele tivesse uma evasão ou

inadimplência e se a soma não ultrapassasse 20 alunos, ele não

estaria perdendo. Ele teria lucro a partir de 21, 22 até 40 alunos

matriculados. E começaria a perder na hora em que a inadim-

plência e a evasão chegassem aos 20. E essa escola estava no

vermelho. Era uma escola que mantinha o curso de técnico em

Publicidade a longo tempo, mas, naquele ano, o curso estava só

com 16 alunos dos 40. Estava faltando pelo menos mais quatro

para ele empatar. O diretor queria saber o que estava acontecen-

do e então me chamou para fazer uma discussão e avaliação. Os

professores dele eram os mais gabaritados. Um deles era gerente

de produção de uma grande empresa de Publicidade. Um outro

era gerente comercial de outra empresa de Publicidade. Tanto

a parte comercial quanto a de produção era muito bem traba-

lhada. Eram dois gerentes de duas boas empresas. E outros com

formação na ECA-USP. Todos tinham formação de nível superior

de boa qualidade. Eu comecei discutindo com os professores

o plano de curso. Eles achavam que o plano de curso era bom.

Na realidade, a ver-dadeira avaliação de competência não ocorre na esco-

la, ocorre no mundo do traba-lho, quando se está emprega-do. É lá no trabalho que verda-deiramente se é avaliado.

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Ensinavam tudo o que estava no plano e os alunos gostavam do

curso. Perguntei para um dos professores, que era gerente de

uma empresa de Publicidade, se ele levaria um aluno de lá da es-

cola para trabalhar com ele como técnico de publicidade. Ele deu

uma parada e disse: “Eu acho que não”. “E você?” Perguntei para

o outro, que era gerente comercial de uma agência de publicida-

de: “Eu com certeza não levaria. Eu poderia levar como trainee de

técnico de publicidade. Eu o contrataria como trainee.” Eu disse:

“Bom, então muda o nome do curso de técnico de Publicidade

para trainee.” O dono da escola quase me bateu: “Claro que não!”

Mas eu falei: “Você, então, está fazendo propaganda enganosa.

Você está vendendo um curso de técnico em publicidade e não

é técnico. Os seus dois professores que trabalham numa agência

de Publicidade disseram que não os contrataria.” E poderiam

dizer: “Ah, mas a minha agência é agência de ponta!” “Ah, então,

você está preparando para agência pobre. Você não está pre-

parando profissional competente.” Então, eu disse que não ia

preparar o plano de curso deles. O dono da escola falou assim:

“Vocês podem criar o curso que vocês quiserem, podem mudar o

currículo do jeito que vocês quiserem. Eu vou manter o contrato

de trabalho do jeito que está. E se a gente conseguir manter pelo

menos 30 alunos pagantes, o que passa do back-in eu vou dividir

com vocês os lucros.” Daí, eles planejaram um curso fantástico.

Eles chegaram à conclusão de que deveriam reorganizar todo

o conteúdo do curso por projetos. E, ao invés de organizar o

curso por disciplina, eles iriam organizar o curso por projetos.

Criaram 35 projetos diferentes. Aqueles 35 projetos davam conta

de todo o conteúdo do curso. Cada aluno, ao se matricular, re-

cebia um projeto para trabalhar durante o curso. O aluno fazia

um contrato de aprendizagem e de trabalho com a escola. Os

professores começaram a ser considerados pelos alunos como

clientes. Eles se colocavam na posição de cliente, contratavam o

projeto e forneciam informações tecnológicas para executá-lo. E

o aluno se comprometia a desenvolver o trabalho e dar conta do

recado para o seu cliente, que era o seu professor. Cada professor

pegou, segundo sua carga horária, de um a cinco alunos. No final

do curso, os professores tinham 35 projetos. E cada aluno saiu

com um portfólio embaixo do braço, com 35 projetos em mãos

e podia falar à empresa que tinha experiência. “Eu desenvolvi

um projeto para fulano de tal, porque ele fez o contrato – tinha

até o contrato para mostrar – e participei da elaboração de 34”.

Conclusão: dos 35 alunos que entraram, 33 se formaram. E esses

dois que não terminaram o curso não o fizeram porque mudaram

de Estado. Um terceiro aluno iria sair, porque perdera o emprego

e não tinha como pagar a escola. Os alunos discutiram em classe

e se propuseram a fazer uma “vaquinha” para pagar a mensalida-

de dele, mas o diretor, sabendo disso, deu a ele uma bolsa até ele

arrumar um emprego. Entretanto, se o diretor não tivesse dado a

bolsa a ele, os alunos teriam se reunido e feito a “vaquinha”, por-

que qualquer um que saísse atrapalharia o andamento dos pro-

jetos. Aqueles dois que saíram tiveram de passar o projeto em

andamento para outro aluno que tinha tempo disponível para

assumir dois trabalhos. Depois, eu soube que, no ano seguinte,

eles decidiram aprimorar um pouco, e em vez de o trabalho ser

só individual, teria também a opção de dois ou mais assumirem

o mesmo trabalho. E, com essa possibilidade de trabalho coo-

perativo, os projetos melhoraram. Porque, no primeiro ano, em

que o aluno fazia sozinho os projetos, houve muita necessidade

de apoio do professor na recuperação de alguns alunos que ti-

nham maiores dificuldades. E com o trabalho cooperativo, eles

conseguiram manter quase o mesmo ritmo. Aí a avaliação ficou

mais fácil. Por fim, tem escolas na área industrial, eu vi várias, que

constroem trabalhos maravilhosos. Na própria escola do Sesc,

os alunos de um curso de qualificação profissional na área de

Publicidade fizeram peças publicitárias sobre políticas públicas

para cada Ministério e foi um sucesso.

EPCT | Professor, o senhor foi relator das Diretrizes Curriculares para Educação Profissional de Nível Técnico e atualmente examina as diretrizes para os cursos Tecnológicos. Qual o papel dos cursos Tecnológicos no desenvolvimento do Brasil e quais são as suas especificidades?

Quando eu estava relatando as diretrizes para os cursos de

Tecnologia, eu insisti que o tecnólogo é graduação. Ele é um

curso superior de graduação. Isto está na reforma da LDB. Isso foi

marcado, inicialmente, no meu parecer de 2002, que definiu as

diretrizes para a tecnologia. É uma graduação focada no mundo

do trabalho, no desenvolvimento tecnológico, não no sentido

de preparar as pessoas para utilizar tecnologia, mas no sentido

de preparar as pessoas para desenvolver tecnologias, para ad-

ministrar o uso delas, para aprimorá-las e para ter condições de

atuar no mundo do trabalho. Não é um curso generalista. E esse

é o grande diferencial do tecnólogo. É um especialista que não

está voltado exclusivamente para o fazer. Tem condições de ficar

atento ao desenvolvimento tecnológico e ao que ele representa

como desafio para sua empresa e de implementar inovações. Eu

fiquei muito feliz quando participei de um debate em Maringá

(PR), promovido pelo Conselho Regional de Engenharia, em

que o presidente do conselho do CREA do Paraná disse: “Eu

não tenho a menor dúvida quando eu tenho uma demanda na

área de saneamento básico, na área de pontes’ e eu tenho um

engenheiro generalista e um tecnólogo formado em Umuarama.

Eu fico com o tecnólogo”. Então, ele estava dizendo que aque-

la faculdade de tecnologia de Umuarama, que é vinculada à

Universidade Estadual de Maringá, está fazendo o que tem de

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ser feito com seus tecnólogos. Nós temos alguns cursos de tec-

nologia do Senac de São Paulo, por exemplo, na área de Turismo,

que concorre com turismólogos formados no nível de bacharela-

do e ganha todas. Porque ele tem o conhecimento tecnológico,

tem a prática, e tem condições de utilizar-se de serviço e de

novas tecnologias, de administrar o uso de novas tecnologias, de

alterar fazeres na própria empresa e de planejar essa alteração

de modo consequente. A mesma coisa aconteceu com o nosso

primeiro curso de gestão ambiental: teve uma grande empresa

que contratou quatro alunos, por conta da competência desses

tecnólogos na administração de novas tecnologias para resolver

os desafios da empresa naquela área de gestão ambiental.

EPCT | Recentemente, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emi-tiu parecer questionando a ampliação da oferta da educação pro-fissional em nível tecnológico por parte do Sistema S. Como o CNE e o MEC têm se posicionado frente aos pedidos de credenciamento de novas instituições de educação superior do Sistema S?

Aqui tem uma questão muito complicada que deve ser ana-

lisada. Primeiro, ninguém questiona a capacidade do Sistema

S no desenvolvimento da educação profissional, tanto no nível

técnico quanto no nível tecnológico ou nos níveis básicos. O

questionamento surgiu na Câmara de Educação Superior e

pode indicar muito menos uma preocupação com a competên-

cia com que o Senac e o Senai estão atuando na educação supe-

rior e mais com o fato de estarem “tirando” mercado de escolas

particulares. Eles alegam que o Sistema S recebe dinheiro pú-

blico decorrente de contribuição compulsória para a formação

básica do trabalhador e não para a formação em nível superior,

que é assunto das Universidades e dos Institutos Superiores

de Tecnologia. O próprio Ministério da Educação não assumiu

esse questionamento da Câmara Superior de que o Senai e o

Senac não têm, legalmente, vocação para a educação superior.

Da mesma maneira que a nossa lei de criação não fala explicita-

mente dos cursos de educação superior, o da rede federal tam-

bém não falava no início. Porém o mundo evoluiu. E o Senac e

o Senai têm hoje trabalhado toda a sua estrutura ocupacional

com cursos básicos, cursos de formação inicial, continuada e

de qualificação, cursos técnicos e também cursos superiores.

Estatisticamente, os nossos cursos superiores, em nível na-

cional, não chegam a 5%. É inferior a isso. 80% são cursos de

formação inicial, continuada e de qualificação e menos de 20%

são os cursos técnicos. O Ministro aceitou o questionamento

em termos de bacharelado, mas em termos de tecnologia, não,

porque a própria LDB define a educação profissional, tanto a

qualificação, quanto o técnico, o tecnológico, a graduação e a

pós-graduação, inclusive a formação de professores para a edu-

cação profissional, como nosso negócio também. A discussão

hoje está muito mais em torno do Bacharelado. Porém, para o

Senac oferecer um curso de bacharelado, este precisa ser um

curso que faça a diferença. Para fazer igual aos outros, não tem

por que fazer. Aí vale aquela mesma orientação: tem de ser um

centro de referência tecnológica para trabalhadores, emprega-

dores e para a sociedade em geral.

EPCT | Professor, poderia concluir falando um pouco sobre os rumos da educação profissional, para onde estamos caminhando?

Eu sou um otimista inveterado. Eu acho que a LDB colocou

a educação profissional em um novo patamar e não tem volta.

Nós estamos, neste século XXI, caminhando para uma educa-

ção profissional que conduz efetivamente as pessoas para o

desenvolvimento de competências profissionais. Chame isso de

competência, chame como quiser, mas a exigência é essa. Num

mundo pleno de tecnologia e conhecimento e de exigência de

profissionais de qualidade e de produtividade, ou nós nos en-

gajamos nesse movimento de aprendizagem permanente, para

responder aos desafios da vida profissional de modo original

e criativo a cada momento, ou estaremos perdendo a parada

nesse mundo globalizado. É uma questão de inclusão ou de

exclusão. Ou desenvolvemos uma educação profissional de qua-

lidade, que seja referência para trabalhadores, empregadores e

para a sociedade, ou não sobreviveremos. A nossa sobrevivência

está na qualidade do serviço que nós oferecemos para os nossos

clientes, que são os nossos alunos, os empregadores dos nossos

alunos e a sociedade que se beneficia do trabalho dos profissio-

nais que nós capacitamos.

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Entrevista concedida em 27.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 43-47, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

ISMÁRCIa GONÇalVeS SIlVa, tIaGO ROdRIGUeS, CaROlINe FeRReIRa > Por Juliana Caixeta & Rafael VoigtIsmárcia Gonçalves Silva é Professora do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro.Thiago Rodrigues é Estudante de Química do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio de JaneiroCaroline Ferreira é Estudante de Química do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro.

Desafios e conquistas do Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet)

EPCT | Conte-nos um pouco sobre o Laboratório de Metodologias de Ensino de Ciências e Matemáticas.

Professora Ismárcia: Como conversamos ontem na ofici-

na1, as licenciaturas começaram em 2004 com os cursos de

Química, Física e depois Matemática. Nós sempre tivemos a

preocupação de trabalhar muito bem a área de ensino dentro

do projeto do curso, de forma a capacitar nossos alunos para

trabalharem com versatilidade, utilizarem diversos materiais

didáticos e entenderem o ato de ensinar. hoje, nós trabalha-

mos dentro de uma nova proposta orientada pelo MEC. Antes,

os alunos cursavam disciplinas específicas, para só então

cursar disciplinas da área pedagógica. hoje, em nosso curso,

os alunos estão sendo preparados desde o início para serem

educadores de Química, Física e Matemática. O Laboratório de

Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática (Labmet)

surgiu da necessidade de criar um ambiente que fosse comum

às três licenciaturas, que já tinham muitas pesquisas acumula-

das nessas áreas, para que os professores de Física, Química e

Matemática pudessem trabalhar essas disciplinas em sala de

aula. Os cursos são independentes. há uma grade curricular

1 Oficina interdisciplinar de ensino de ciências e matemática aconteceu no dia 26/11/2009 como atividade autogestionada do I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica. Foi ofertada pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ.

para cada um. Porém, existem componentes curriculares que

são comuns aos três cursos e a estrutura é muito semelhante.

A proposta é formar educadores nessas áreas e o Labmet é um

ambiente em que os alunos vão trabalhar junto conosco, crian-

do e testando materiais didático-pedagógicos.

EPCT | O Labmet é uma determinação do MEC?

Professora Ismárcia: Sim. Esse projeto é da Capes/MEC. Nós

tínhamos a ideia e o pessoal qualificado para trabalhar, mas

não tínhamos o investimento. A aprovação desse projeto era

tudo o que nós precisávamos. O laboratório está se construin-

do a partir disto: da união de pessoas qualificadas, de pessoas

interessadas e do investimento que temos.

EPCT | Há quanto tempo existe o Laboratório?

Professora Ismárcia: O curso de Química existe desde 2004,

já o Laboratório está passando a existir, de fato, agora.

EPCT | Qual a função do Labmet para vocês alunos?

Professora Ismárcia: Deixa eu explicar para ficar bem

claro, até para entender, porque eles vão falar sobre isso. O

Laboratório, ambiente físico, ainda não existe. Quer dizer, o

Laboratório existe, só que ele não está equipado. Então, por

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enquanto, a gente realiza todo o projeto dentro da sala de aula,

tanto no curso de Química quanto nos outros cursos.

Aluno Tiago Rodrigues: Na disciplina de Química, da professo-

ra Ismárcia, além de trabalharmos os textos mais teóricos e pe-

dagógicos, nós nos aprofundamos no ensinamento dos autores,

pondo-os em prática por meio de materiais alternativos. Esses

materiais alternativos é uma forma interessante de tentar sanar

as dificuldades de recursos pedagógicos que encontramos nas

escolas públicas, por isso é importante pôr isso em prática e que

isso possa crescer cada vez mais.

EPCT | A ideia de usar materiais alternativos vem de onde?

Aluna Caroline Ferreira: Essa ideia de usar material alternativo

– ou de baixo custo – veio da dificuldade de as escolas, princi-

palmente as públicas, conseguirem material para trabalhar com

essas atividades específicas. O mais fácil para o professor é dar

uma ideia da utilização desses materiais, para poder trabalhar

em sala de aula sem um laboratório propriamente dito.

Professora Ismárcia: Posso até complementar. A pesquisa

com materiais alternativos não é nossa. Nós não iniciamos

essa pesquisa. Ela já existe. Nós temos publicações de outros

autores dessa área. Eu posso dizer que eu faço isso desde que

eu estava na graduação, porque dentro da Universidade Rural

nós já trabalhávamos um projeto de integração de ensino de

ciências com a universidade. A intenção era usar ao máximo

qualquer material que fosse viável dentro de qualquer espaço.

Então, é uma pesquisa antiga, que, hoje, várias licenciaturas

tentam fazer adaptações. O interessante é que eles, os alunos

que estão conosco, fazem essa pesquisa. Eles são estimulados

dentro do seu curso, de uma disciplina como a Química em

Sala de Aula, a buscarem isso. A gente brinca que é uma pes-

quisa diferente, é entrar numa farmácia, numa drogaria, num

supermercado e descobrir o que tem dentro deles que pode-

mos usar em sala de aula. Não é para minimizar a importância

de um laboratório, até porque eles sabem que este também

é importante. Eles trabalham, eles estudam dentro de um la-

boratório. Mas é para mostrar que a aula experimental, que é

essencial para o desenvolvimento da nossa ciência, não pode

ficar restrita a um ambiente que tenha tecnologia. Então, são

essas adaptações que eles fazem. Eles buscam recursos que

possam ser utilizados nos espaços que não têm tecnologia ou

que não estão totalmente preparados.

EPCT | O ensino de Ciências e Matemática foi apresentado neste Fórum como um grande desafio para muitos países, inclusive para o Brasil. É uma das áreas que tem mais nota baixa. Em que medida o Labmet pode contribuir para a reversão do fracasso escolar nas áreas de Ciências e Matemática?

Professora Ismárcia: Eu já trabalho com a área de ensino

há bastante tempo, inclusive numa escola pública do Estado

do Rio de Janeiro. Essa deficiência é uma coisa que qualquer

professor da área de Ciências da Natureza e Matemática per-

cebe. O que nós tentamos no Labmet é buscar metodologias

que possam melhorar tanto a interação aluno/ensino de

Ciência quanto a interação professor/aluno. Nós buscamos

mostrar isso ontem, na oficina. Muito mais do que trabalhar

uma fórmula, é poder ajudar o aluno a construir um conceito,

que é a maior dificuldade. Se analisarmos as turmas que eu já

assumi até hoje, vamos perceber que a linguagem e a cons-

trução de conceitos são as maiores dificuldades dos alunos.

Então, se ele tem dificuldade de construir um conceito, ele

vai simplesmente memorizar, e aí, se tiver boa capacidade de

memorização, ele vai em frente sem perceber que aprendeu

ou não. O professor também não percebe. Então, o aluno ou

vai ficar retido ou vai ter dificuldade. E a dificuldade que mais

tenho enfrentado é a construção de conceitos, que vem desde

o momento em que o aluno começa a estudar Matemática e

Ciências. O que não é no ensino médio, com certeza. É desde

sua formação básica, sua formação fundamental. Por isso,

a tentativa das propostas desenvolvidas no Labmet não é

apenas formular e elaborar um experimento, mas também

elaborar uma metodologia para aplicar esse experimento,

para desenvolvê-lo dentro da aula. Porque o experimento

por si não resolve, mas sim como ele vai ser aplicado e uti-

lizado para construir um determinado conceito. A mediação

é importante. A linguagem que o professor vai utilizar, como

ele vai mediar isso em conjunto com seu aluno também.

Portanto, essa tem sido a preocupação do Labmet.

EPCT | Quais trabalhos o Labmet já desenvolveu ou vai desenvolver para multiplicar esses conhecimentos com os grupos sociais locais ou além das fronteiras do estado do Rio de Janeiro? O que vocês pensaram como proposta de atividades para divulgá-los?

Professora Ismárcia: Num primeiro momento, nossa pro-

posta junto ao Prodocência – Programa de Consolidação

das Licenciaturas - é fazer atualizações ou oficinas junto

aos nossos professores e colegas da rede que trabalham no

município de Nilópolis, que é o nosso foco, e nos municí-

pios do entorno. Nosso objetivo é trabalhar primeiro com os

nossos colegas mais próximos. À princípio, trabalharemos

com oficinas, mas também são previstos cursos de aperfei-

çoamento e atualização. Assim, nossa intenção é aplicar, a

partir de 2010, em todas as escolas da rede, a oficina que

aplicamos aqui no Fórum. As oficinas terão um tutor para

dar um suporte e uma segurança a mais aos participantes.

Sendo assim, o ano de 2010 será um ano de muito trabalho.

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Todos estão felizes de entrar

no projeto e ficarão felizes de

trabalhar bastante também.

EPCT | E como vocês selecionam os alunos?

Professora Ismárcia: Nesse

primeiro momento, nós esta-

mos selecionando a partir da

experiência que os alunos têm

dentro do curso. Não avaliamos

em relação a notas, mas em re-

lação às experiências que eles acumularam durante o curso. Os

dois alunos aqui já estão na metade do curso. Eles chegaram a

um ponto em que eles já têm uma boa bagagem tanto na área

específica, quanto na área de ensino, que é o que a gente mais

precisa. Em princípio, nós selecionamos a partir da manifestação

de interesse do aluno. Os dois que estão aqui já fazem parte de

um projeto de pesquisa, que é o PIBID - Programa Institucional de

Bolsa de Iniciação à Docência. Eles quiseram fazer parte do proje-

to. Nós temos outro aluno, que é de Matemática, que tem uma

bolsa de iniciação científica, ele a ganhou a partir da experiência

acumulada dele e do interesse de participar.

EPCT | E quando o PIBID ganhar reconhecimento na universidade, como é que vocês vão fazer para selecionar?

Professora Ismárcia: Ano que vem, nós, com certeza, vamos

precisar de mais pessoas, e pessoas interessadas. Então, já para

março ou abril, nós devemos abrir inscrição e fazer as entrevistas.

Agora, como é que nós vamos avaliar quem é que vai entrar ou

não, vai ser uma tarefa difícil. Pois a entrevista é uma avaliação

qualitativa. Não tem como nós quantificarmos quem está mais

interessado ou não. O nosso curso é noturno. Muitos dos nossos

alunos trabalham durante o dia e por isso têm pouca disponi-

bilidade. Esse aspecto, infelizmente, será um dos critérios de

seleção. Muitos deles estão aptos a trabalhar, mas, por terem

dedicação a um emprego durante o dia, ficam impossibilitados.

Então, a seleção vai ser a partir do interesse, da bagagem acumu-

lada e da disponibilidade para trabalhar.

EPCT | Vocês pensam em ampliar, por exemplo, atividades no sá-bado ou no domingo para que os alunos que trabalham durante a semana possam participar?

Professora Ismárcia: Sim. Pensamos em ampliar para o sába-

do, principalmente, porque daí conseguiremos fazer atividade

dentro de uma outra escola, e

não necessariamente só na nossa.

Podemos fazer uma atualização,

uma oficina numa escola local.

Assim, se tivermos um público in-

teressado numa escola da rede no

nosso município ou em município

próximo, nós podemos ir até lá.

O Labmet tem uma sede dentro

do Instituto Federal de Educação

Profissional, no entanto, ele é uma

proposta que pode circular para

onde ele for necessário.

EPCT | Vocês pensam em montar um laboratório móvel, um labo-ratório de matemática itinerante, por exemplo, como é isso para vocês? Conte-nos a experiência de vocês ao montar o laboratório móvel e o que são aquelas malinhas?

Aluno Tiago Rodrigues: O interessante da Química em sala

de aula é que eu já tinha montado os kits2, uma espécie de com-

plemento. Dentro do município de Nilópolis, as escolas foram

selecionadas e nós levamos os kits para os alunos. Sabendo das

dificuldades das escolas, nós não exigimos salas com azulejo nem

nada disso, só pedimos que o ambiente tivesse bancada, água e

boa iluminação, só esses recursos. Com os nossos kits, que é feito

com objetos e soluções alternativas, nós estudamos a proposta e

a metodologia que seria aplicada para os alunos. Eu trabalho com

alunos do ensino fundamental e é difícil conseguir deles um enten-

dimento do conteúdo, mas, com esses materiais alternativos, ao

fazermos a mudança do ácido e base da coloração, eles observam

aquilo e ficam bestificados. E com interesse eles falam: ‘poxa, pro-

fessor, semana que vem tem outra experiência?’. E são alunos de es-

cola pública, então o professor já vai com aquele preconceito: será

que eles vão gostar? Então, quando eles veem os experimentos

serem realizados, eles ficam encantados e pedem mais e mais. Esta

experiência está sendo muito boa. E com o Laboratório, esperamos

mesmo ampliar esses conhecimentos que adquirimos durante o

curso de licenciatura, entrar nas escolas e ver como vai ser.

Professora Ismárcia: Como uma espécie de estágio, os alunos

vão às escolas e instituições de ensino para atuarem diretamente

por meio dos laboratórios portáteis. Com o laboratório móvel,

os alunos podem trabalhar com os professores, qualificando-os

e formando multiplicadores para atuarem em outras escolas

2 Os kits são maletinhas em que os alunos colocam materiais a serem usados em experimentos que são conseguidos em farmácias, pet shops, supermercados, entre outros comércios de fácil acesso. Os alunos entrevistados, por exemplo, tinham kits feitos com soluções encontradas em lojas de aquários e kits feitos com materiais de sucata.

A dificuldade que mais tenho enfren-tado é a construção de conceitos, que

vem desde o momento em que o aluno começa a estudar Matemática e Ciências.

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e instituições. A intenção do Labmet é ter um conjunto de ex-

perimentos e de atividades propostas, chamados de kits, que

possam se deslocar de um ambiente para outro e que possam

ser multiplicadores. Uma das propostas dentro da Labmet é

fazer oficinas de atualização e capacitação, fornecendo às esco-

las alguns materiais básicos de laboratório que não podem ser

substituídos. Nós compramos esses materiais por meio de verba

recebido do projeto Prodocência. A proposta também é oferecer

em algumas escolas materiais alternativos que possam substituir

os oficiais e ensiná-las como usá-los de maneira alternativa.

EPCT | Como vocês compartilham essas experiências do Labmet com os cursos profissionalizantes, especialmente aqueles que têm Química, Física e Matemática em seus currículos? Sabemos que as dificuldades nessas disciplinas não é são só no ensino médio tradicional. Os alunos que cursam cursos técnicos também têm e re-clamam de dificuldades de aprendizagem nessas áreas específicas. Como vocês do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia podem contribuir para que os alunos de cursos técnicos e profissio-nalizantes possam entender mais facilmente os conhecimentos de Física, Química e Matemática?

Professora Ismárcia: Primeiro, realizaremos uma oficina de

capacitação dentro da nossa própria instituição. Vale lembrar que

os nossos cursos técnicos estão dentro da área de Química, tendo

apenas alguma bagagem de Física e Matemática. Então, aluno

vai estudar Química do início ao fim do curso. Para tentar sanar

alguma possível dificuldade que os alunos apresentam no início

do curso, faremos uma qualificação interna, não para falar dos ex-

perimentos, porque isso os professores já fazem nos laboratórios,

mas para falar da construção dos conceitos na realização desses

experimentos, que é o mais importante no momento. Então só

depois é que passaremos a qualificar as escolas da região.

EPCT | Quais são os maiores desafios no ensino integrado nas es-colas em geral? Ontem, vocês propuseram uma oficina integrando várias áreas do conhecimento. Imagino, então, que vocês já tenham alguma experiência com a integração de áreas de conhecimento nos cursos.

Professora Ismárcia: Essa integração é extremamente difícil.

Quando sugerimos uma atividade ou oficina interdisciplinar, o

primeiro obstáculo é o de os professores de áreas diferentes se

encontrarem. Eu sei, porque eu vivencio isso sempre. Contudo,

uma das coisas que eu sempre digo é: temos de tentar. Temos

de tentar pelo menos conversar, fazer um planejamento com

o colega de outra área. E, na medida em que esse planejamen-

to ou essa conversa for ficando limitados, temos de ter esse

pensamento interdisciplinar. O professor, dentro da sua área,

tem de saber fazer essas relações em sala de aula, tentando ao

máximo fazer esse contato com as áreas correlatas. No institu-

to, por exemplo, não temos aulas interdisciplinares, mas temos

pessoas com atitudes ou propostas interdisciplinares em suas

aulas. Acreditamos que o Labmet seja um importante espaço

de possibilidade para essa integração. Por isso vamos começar

a trabalhar com a interdisciplinaridade dentro da instituição.

Porque temos de fazer a discussão interdisciplinar primeiro entre

nós. Nós temos de ter certeza do que nós desejamos e de qual é

a nossa proposta.

EPCT | Foi desafiante para vocês fazer esta oficina?

Aluno Tiago Rodrigues: Foi realmente um grande desafio.

Como a professora mencionou anteriormente, nós estamos há

menos de um mês nesta oficina. Foi desafiador arrumar as malas,

deixar as provas da faculdade e vir para o Fórum fazer a oficina.

De início, estávamos apreensivos se o experimento seria legal de

ser aplicado. Não sabíamos também em função de espaço como

seria. Fazendo uma avaliação geral, a oficina foi muito interessan-

te. Ao conversarmos com algumas pessoas, inclusive do Pará, elas

disseram que havíamos aplicado um experimento novo que eles

ainda não tinham feito no projeto deles. E até nos pediram uma

cópia por email, a qual gentilmente disponibilizamos. Gostaram

tanto dos nossos experimentos que quiseram levar para aplicá-los

no Pará. E isso foi bastante positivo para nós. Portanto, foi desafia-

dor sair do Rio de janeiro e vir para Brasília, sem saber como seria

a aceitação das pessoas presentes e a quantidade de pessoas. Nós

não esperávamos uma quantidade tão grande de pessoas. Foram

quase 60 alunos presentes, entre professores e educadores. Nós

esperávamos 20 ou 30 pessoas no máximo. E quando vimos aque-

la imensidão de alunos, professores, educadores, sentimos um frio

na barriga, mas valeu a pena. Foi muito produtivo. Estamos felizes

com a proposta que trouxemos para vocês de Brasília e de outros

estados. Acho que isso foi essencial para o Fórum.

EPCT | Qual o maior aprendizado que vocês estão tendo com essa experiência do Labmet?

Aluna Caroline Ferreira: O maior aprendizado que estamos

tendo e que vamos levar para a nossa carreira é a questão de

trabalhar com materiais alternativos em sala de aula, mostrando

que se pode ensinar Química de uma maneira mais simples, e

não só em laboratório, e ainda assim os alunos terem um bom

aproveitamento em sala de aula.

Professora Ismárcia: Eu só complementaria. Eu me sinto na

obrigação de falar. Se existe dificuldade de integração para o

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professor, é lógico que ela vai existir para quem está se formando

como professor também. Porque cada área tem suas especifi-

cidades. Os alunos tiveram dificuldade de integrar os conheci-

mentos de Química, Física e Matemática. E isso foi ótimo. Porque

tendo dificuldade agora, eles saberão, na hora em que tiverem

em sala de aula com uma turma, como é que o aluno do ensino

fundamental ou ensino médio se sente ao tentar juntar tudo

aquilo que todas as disciplinas dizem e transformar isso num

conhecimento. Eu tive dificuldade de orientá-los, e as professo-

ras Carla, na Física, e Gisela, na Matemática, também. Mas eles

conseguiram se sair muito bem. O planejamento foi anterior ao

período que eles mencionam. O período de um mês foi o perío-

do com os alunos, mas já temos essa oficina mais ou menos es-

truturada há uns dois anos. Ela começou só com Química, depois

Química e Física e posteriormente Química, Física e Matemática.

Ou melhor, as Ciências e a Matemática. A Biologia está implícita,

tem até uma atividade que envolve Biologia dentro do roteiro.

Só que nós não temos a licenciatura em Biologia. Então, os

alunos ainda não se sentem à vontade. Nós temos uma profes-

sora de Biologia no grupo, que é a professora Gabriela, mas não

temos alunos de licenciatura em Biologia. Primeiro, precisamos

construir em todos os alunos o pensamento de que são profes-

sores de ciências. Sendo professores de ciências, nós temos de

conhecer as ciências como um todo para só então conhecê-las

de acordo com suas especificidades.

EPCT | É ideia do Labmet futuramente poder compartilhar ou fazer, dentro do instituto, uma política de integração cada vez maior de várias áreas do conhecimento?

Professora Ismárcia: Sim. Primeiramente, dentro das próprias

licenciaturas. Porque mesmo que tenhamos uma proposta nova,

uma proposta dentro das novas diretrizes, todos nós formadores

temos, nesse momento, um histórico num curso tradicional. Meu

curso de licenciatura foi tradicional. Então, eu tenho de me trans-

formar para pensar de uma maneira diferente. Primeiramente,

temos de trabalhar essa ideia no nosso grupo de docentes das

licenciaturas. Nós temos de ter certeza de que estamos forman-

do um profissional diferente, um profissional integrado. E, para

isso, nós temos de repensar nossa formação também.

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Entrevista concedida em 26.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 49-51, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

SaNdRa ReGINa GaRCIa > Por Ricardo SilvaSandra Regina Garcia é Professora Assistente da Universidade Estadual de Londrina na área de Políticas Educacionais

O ensino integrado: a experiência do Paraná

EPCT | Qual é a concepção do Paraná sobre o Ensino Integrado?

O Ensino Integrado é um sistema que possibilita ao jovem e

ao adulto ter uma formação integral em um único currículo, que

vai além daquilo que é necessário para o mercado de trabalho ou

para o seu processo de escolarização e formação continuada. Na

verdade, o Ensino Integrado é a possibilidade de o aluno fazer uma

escolarização profissional com uma formação mais sólida. Contudo,

esse sistema ainda está em processo de construção. No estado do

Paraná, iniciamos o projeto em 2004, e ainda não concretizamos a

segunda estruturação curricular. Para avançarmos nessa perspec-

tiva da integração, partimos da junção de conhecimentos para a

articulação de conhecimentos, pois julgamos ser este o caminho

necessário para o professor compreender a integração não só como

uma soma de disciplinas, mas também como uma construção de

conhecimentos num processo de formação única, continuada,

profissionalizada, voltada para a inserção no mercado de trabalho.

EPCT | Professora, quais são os arranjos curriculares do Ensino Integrado?

O currículo do Ensino Integrado parte de uma concepção

de sociedade, de formação do homem constituída coletiva-

mente, de forma representativa, diferentemente do coletivo. O

Currículo Integrado constitui uma rede, em regime não experi-

mental, que começou com setenta e seis escolas e foi aumen-

tando gradativamente. hoje são mais de duzentas escolas que

integram a rede no Paraná. Quando a escola opta pelo Ensino

Integrado, partimos então para a construção coletiva do currí-

culo. A secretaria não propõe o currículo, nem contrata profis-

sionais para elaborá-lo. Primeiramente, propomos que a escola

observe sua região, sua comunidade, por meio de indicativos e

estudos clipados do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento

do Paraná, que a própria Secretaria apresenta, para então traçar

uma fotografia do Estado do Paraná e de suas expectativas para

o futuro. Então, a partir dessas duas perspectivas, é possível à

escola indicar, num rol de opções de cursos técnicos, o curso

mais adequado para a sua comunidade. Depois disto, nós con-

vidamos os gestores e professores da escola a iniciarmos um tra-

balho coletivo com base num documento da rede estadual que

apresenta os pressupostos pedagógicos e políticos da educação

profissional do estado do Paraná e que nos ajuda a escolher os

cursos. Para construirmos a proposta curricular, sempre con-

vidamos um profissional do ensino superior da área específica

de cada curso para articular os currículos com os professores da

escola. Lembrando que a matriz curricular é disciplinar, ordena-

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da de forma alfabética e não por prioridade – como disciplinas

básicas mais importantes que as disciplinas técnicas. A materiali-

zação desse currículo nas escolas tem uma variação muito grande.

Dizemos que ela é representativa, porque é um ir e vir. As escolas

indicam alguns professores, que participam da discussão, voltam

para a escola, discutem com seus pares e retornam até construir

a proposta curricular. Muitas vezes, a proposta não é unânime,

pois há pensamentos diferenciados, mas nós tentamos construí-la

de tal forma que a maioria dos professores concordem e tenham

opção de trabalho. E então a validamos. Após a validação, pro-

curamos de dois em dois anos fazer uma realimentação desse

currículo, buscando subsídios tanto da escola quanto dos alunos e

professores, para a reelaboração. Portanto, é um currículo que está

sendo sempre realimentado a partir da inserção de novas escolas

para que possamos chegar a essa integração.

EPCT | Professora, segundo seu comentário, a matriz curricular do Paraná é pensada sob uma perspectiva disciplinar. Entretanto, os parâmetros curriculares do MEC apresentam as competências e habilidades a serem desenvolvidas. O currículo de vocês é pensado a partir da matriz de competências ou não?

É uma opção da educação do Paraná não adotar a matriz de

competências. Em 2003, tivemos amplas discussões e decidimos

romper com ela. O estado do Paraná não trabalha com compe-

tências e habilidades na educação básica e, principalmente, na

educação profissional, pois as julgamos inconcebíveis na forma-

ção de um sujeito integral. Discutimos muito, avançamos nesta

discussão e hoje nosso currículo trata de conhecimentos e não

de competências e habilidades.

EPCT | Por que não é possível a formação integral com base nas competências e habilidades?

Assim como alguns pesquisadores da área, entendemos

que as competências e habilidades são limitadoras. Para nós, o

conhecimento deve ser trabalhado na perspectiva da aplicabili-

dade e nosso entendimento é que ele é mais amplo que isso.

EPCT | Professora, quais as consequências da implementação desse currículo na prática docente?

há a necessidade de um grande investimento na formação

dos professores, pois a maioria deles vem de uma formação frag-

mentada. E por isso suas práticas precisam ser rediscutidas. Assim

como o currículo é construído coletivamente, o trabalho docente

na escola também deve ser coletivo. Mas esta ainda é uma tarefa

difícil. Mesmo que o professor tenha 20% de sua carga horária de

hora atividade a ser desenvolvida na escola e use esse momento

para discutir com seus pares, no sentido de construir essa nova me-

todologia e promover a integração, sentimos ainda a necessidade

de um melhor compartilhamento de experiências por parte dos

professores. Temos feito essa discussão desde 2003 e constatamos

que a formação lá no chão da escola ainda é uma necessidade mais

concreta. Pois, por mais que os professores se desloquem para fazer

atividades, cursos, atualizações, para a escola obter esse retorno, por

meio do compartilhamento coletivo entre os professores, ainda é

um desafio muito grande para nós. Por isso, estamos procurando

fazer agora um trabalho que enfoque mais a escola.

EPCT | De que maneira os conhecimentos da formação humana aparecem na matriz curricular do Ensino Integrado?

O desenho curricular dos cursos prevê ementas e a matriz

curricular varia conforme a carga horária – de 2.000 a 2.400 horas

para o nível médio e de 800 a 1.200 horas para os cursos técni-

cos. Alguns conhecimentos da área de formação humana são

estruturados em disciplinas e outros são adicionados às ementas

dos cursos. A segurança do trabalho, por exemplo, tem de per-

mear todos os cursos. Ela está presente não como uma discipli-

na, mas como um conhecimento que permeia todo o processo

de formação. Assim também ocorre com as questões ambientais,

que não devem compor apenas o curso de meio ambiente, mas

têm de permear a construção de todos os currículos, como um

conhecimento necessário para a formação do sujeito.

EPCT | Como o estado do Paraná está tratando da formação do corpo docente da rede?

Esse é um problema que nós temos discutido muito com o

Ministério da Educação. Desde 2004, realizamos dois concursos para

professores de educação profissional. No primeiro concurso foram

quinhentas vagas e no segundo concurso foram mil e quinhentas

vagas. Os inscritos para as áreas técnicas, em sua maioria, foram ba-

charéis, portanto, não-licenciados para atuarem como professores.

Para resolvermos esse impasse, articulamos com as universidades

estatuais do Paraná, a partir da proposta pedagógica que tínhamos

e dos fundamentos políticos pedagógicos nossos, um curso de

complementação pedagógica de quinhentos e quarenta horas, que

é o que a lei permite. A proposta foi discutida entre as cinco uni-

versidades e firmamos uma parceria para oferecer aos professores

essa formação. Já formamos quinhentos professores inicialmente e

agora estamos em formação de mais mil e quinhentos professores.

Provavelmente, abriremos um novo concurso para mais duas mil

vagas, expandindo a formação não só para aqueles que já consti-

tuem a rede, mas também para o público externo em geral.

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EPCT | Professora, qual a sua avaliação a respeito das escolas que já implementaram o Ensino Integrado no Paraná?

Nós temos escolas em fases

diferentes. Temos escolas que

estão iniciando, outras que já

avançaram bastante e outras

que estão bem próximas da

integração. Sabemos que o

Ensino Integrado é o resultado

de uma discussão e de uma decisão envolvendo a comunida-

de escolar, o gestor, o conjunto de profissionais da escola e a

comunidade externa. Mesmo assim, mudar um curso de três

para quatro anos não é uma tarefa fácil, pois envolve uma

mudança de cultura. No primeiro ano, tivemos problemas de

evasão. hoje já diminuiu bastante, mas ainda ocorre, assim

como ocorre no ensino médio, pois é uma característica

que temos. Tivemos casos de escolas que fizeram a escolha

de curso inadequada para a comunidade delas. Em outras,

tivemos gestores que decidiram isoladamente, apesar da

indicação de que tinha de ser coletivamente discutido o

programa. A formação de professores ainda é uma dificul-

dade que a gente tem de trabalhar mais. A reestruturação

e atualização curricular também precisam ser constantes. É

importante também que o professor seja do quadro próprio

do estado, e não contratado temporariamente, como ainda

acontece, pois ele precisa acompanhar esses quatro anos de

formação do aluno. Outro ponto não resolvido é a questão do

financiamento. Nós ainda não temos uma relação de custo/

aluno na educação profissional de nosso país. O que temos

são medidas paliativas, tanto do governo estadual quanto

do federal. A medida paliativa agora é a expansão do IFET

(Instituto Federal de Educação Tecnológica) e a expansão do

Brasil Personalizado. Entretanto, a gente tem de ter o pé no

chão, pois não adianta construir, reformar, equipar, temos de

ter professores bem preparados e a manutenção também é

essencial. Nós não temos um fundo específico da educação

profissional. O estado do Paraná possui um fundo rotativo de

manutenção das escolas de ensino regular, com um valor não

muito alto, para a escola realizar alguns reparos na estrutura.

Nosso avanço foi conseguir aprovar um fundo rotativo da

educação profissional, para que as escolas recebam recurso

para fazer a manutenção dos seus equipamentos. Contudo,

por mais que o médio integrado possa utilizar os recursos do

Fundeb, ele ainda não é suficiente. Por isso, o governo do es-

tado tem colocado a maior parte de recursos para que esses

cursos possam ser mantidos.

EPCT | Professora, o que é tratado em seu livro?

O livro, na verdade, é uma cole-

tânea de textos de alguns autores

que iniciaram a discussão conosco

no Paraná. Ele está dividido em três

partes: a primeira traz uma funda-

mentação do programa, a segunda

fala um pouco sobre a política de

integração no estado do Paraná

e a terceira parte traz duas contri-

buições de escolas, relatando um pouco como foi o segundo passo

da reestruturação curricular do estado do Paraná. O livro é apenas

uma pequena contribuição, mas queremos continuar essa discus-

são, pois acreditamos no ensino médio integrado no Paraná.

EPCT | Professora, para concluirmos, no Paraná há tanto o ensino médio regular quanto o integral, em qual deles a oferta é maior? Há alguma estatística com respeito a isto? E quanto ao tempo, por que o regular continua com a duração de três anos e o integral com quatro?

Ainda não temos como fazer essa estatística. No Paraná, há

cerca de 400 municípios, muitos deles com baixa densidade po-

pulacional – com cinco a sete mil habitantes apenas –, o que torna

inviável a oferta de escola com ensino técnico. Pois, por exemplo,

se abrirmos um curso de informática em um desses municípios,

em quatro anos formaremos a cidade inteira, e deixaremos o

professor sem atividade. Nos pequenos municípios a gente não

consegue checar isso, mas nos maiores e médios – a partir de 15

mil habitantes – podemos, pois trabalhamos com arranjos e arcos

ocupacionais, isto é, pegamos cursos como de informática, secre-

tariado, recursos humanos e fazemos rodízio entre os municípios

para que eles não fiquem permanentes. Oferecemos certo curso

em um município, depois de três anos mudamos o curso e os

professores para outro município e, a partir daí, vamos formando

uma cidade inteira em informática, meio ambiente e assim por

diante. Em algumas localidades, nós temos de ter pelo menos

dois cursos, o parzinho, para recuarmos um e ampliarmos o outro.

Já nas cidades, como Curitiba, Londrina, Cascavel, a variação de

cursos é imensa. Para vencermos o desafio dos pequenos muni-

cípios, a Setec, em parceria com o Instituto Federal Tecnológico

e a Universidade Tecnológica do Paraná, criou e vem buscando

implementar o e-Tec Brasil (Escola Técnica Aberta do Brasil) –

programa com cursos de formação profissional técnica de nível

médio a distância para todos os municípios do estado –, de forma

a atender à demanda desses municípios, sem assumir o risco de

ter professores do quadro em cada um deles. Ano que vem, nós

chegaremos a 382 municípios com o e-Tec Brasil.

Assim como o cur-rículo é construí-do coletivamente, o trabalho docen-

te na escola também deve ser coletivo.

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Entrevista concedida em 27.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 53-55, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

JOaNa BOtINI (SeNaC/ead) > Por Suely ParriniJoana Botini é Coordenadora de EaD do Diretório Nacional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-DN).

Educação a Distância: avanços e desafios

EPCT | Fale um pouco sobre sua formação e atuação no Senac.

Sou licenciada em Física e Matemática, com Especialização

em Educação a Distância há mais de 30 anos. Trabalhei como

professora primária e secundária e fui diretora de escola no

setor de escolas estaduais. No Senac, atuo na produção de

materiais institucionais para a educação a distância e estou há

cinco anos na coordenação nacional da rede.

EPCT | Como você explica o crescimento dos cursos a distância no Brasil?

Um marco da educação a distância no Brasil foi o Decreto

n. 5622, que regulamentou o artigo 80 da LDB. A educação a

distância já existia na LDB de 1996, mas foi regulamentada a

partir desse Decreto. Acredito que as experiências internacio-

nais também serviram de insumo para a expansão da educa-

ção a distância no Brasil. Temos hoje grandes universidades na

China, Japão e Índia que impulsionaram a demanda por uma

formação profissional e exigiram de várias empresas de porte

nacional a criação de universidades in company e também da

universidade aberta do Brasil. O governo tem investido bastan-

te na educação a distância, disseminando essa modalidade e

minimizando os preconceitos que há em torno dela.

EPCT | Os cursos de nível superior a distância ainda são relati-vamente novos, estão em processo de aceitação pelo público brasileiro. Que razões você apontaria para o sucesso dos cursos de pós-graduação na modalidade a distância do Senac? Como você explica esse sucesso?

Considero que o sucesso veio devido à marca Senac. É uma

marca muito forte e de credibilidade. Ao mesmo tempo, acre-

dito que ele veio também em razão de sermos uma instituição

de educação profissional que, ao entrar no mercado de pós-

graduação, vem oferecer uma especialização não com foco aca-

dêmico, mas voltada para a fundamentação teórica e prática, de

forma a facilitar a entrada do egresso no mercado de trabalho.

Então, para mim, a marca e a proposta pedagógica do curso de

aliar a teoria à prática foram primordiais para esse sucesso.

EPCT | Recentemente, o MEC autorizou o curso de Administração a distância no Senac de São Paulo. Para você, os cursos de gradu-ação oferecidos pelo Senac vão ter a mesma visibilidade que têm os cursos de pós-graduação na modalidade a distância?

Acredito que o Senac deva investir na graduação tecnoló-

gica, pois esse é o viés da instituição, e marcar isso como foco.

Não nos cabe competir com instituições de ensino superior que

já tem seu espaço dentro do bacharelado e da licenciatura. O

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ministro da educação deixou bem claro que o espaço do sistema

Senac na graduação é no tecnólogo. Eu não vejo também que haja

uma discrepância entre o modelo presencial e a distância. Se você

tem uma marca forte no presencial, você vai poder ter essa mesma

marca forte na educação a distância. Contudo, penso que não de-

vemos sair criando e ofertando graduação tecnológica só porque

está em alta no mercado ou por modismo. Se o foco for a gradua-

ção tecnológica, devemos, sim, fazer uma pesquisa de mercado, de

demanda, e uma análise do perfil do aluno. Considero essa pesqui-

sa fundamental para se definir a proposta pedagógica dos cursos.

EPCT | Você comentou sobre a necessidade de conhecer a clientela do curso e traçar um perfil do aluno. Diante disso, quais são as ca-racterísticas que esse público deve ter ou terá de adquirir para lidar com a educação a distância?

É primordial que o aluno tenha o domínio integral da sua

capacidade de leitura, interpretação e escrita. Além da sua capa-

cidade de formação básica, ele precisa ter autonomia, coopera-

ção, disciplina, participação e domínio das tecnologias. Ele deve

ser capar de buscar seus próprios recursos para a construção do

conhecimento e interagir de forma colaborativa com o outro na

plataforma. Por fim, ele precisa ter disciplina para estudar a dis-

tância e saber administrar o seu tempo de estudo.

EPCT | Como as metodologias pedagógicas com base em EAD têm abordado a questão da afetividade como um dos elementos funda-mentais do processo de aprendizagem?

Verifica-se que esse vínculo da afetividade é maior na educa-

ção a distância do que na presencial. No ambiente virtual, de 15

dias a um mês, o professor já consegue traçar o perfil do aluno,

se ele gosta de se expor, se ele tem características de liderança,

se é tímido, etc. Portanto, para se criar um vínculo de afetividade

é preciso trabalhar com uma metodologia ativa, em que o tutor

deixa de ter o papel de detentor do conhecimento e passa a ser

um mediador no processo de ensino-aprendizagem, permitindo

ao aluno construir o conhecimento de forma autônoma e co-

laborativa. Nesse sentido, cabe ao tutor trabalhar a questão da

afetividade na construção coletiva do conhecimento.

EPCT | Joana, fale um pouco sobre a dificuldade que se tem de ter uma tutoria formada por um profissional especialista, capacitado para a docência e com domínio da tecnologia ao mesmo tempo. Quais os elementos que potencializam ou limitam o trabalho da tutoria em educação a distância?

Consideramos mais fácil capacitar para a tutoria do que para

a especialização. Sendo assim, buscamos o tutor em sua área de

especialização e vamos trabalhando internamente a formação pe-

dagógica, oferecendo cursos de tutoria, ou mesmo na prática, com

a observação e acompanhamento de um coordenador pedagógico

ou de um tutor orientador. Muitas instituições optam por estes dois

tipos de tutoria: o tutor especialista e o tutor orientador. O tutor es-

pecialista tem o domínio do conteúdo e o tutor orientador, o domí-

nio pedagógico. Eles normalmente fazem uma dobradinha, acom-

panham simultaneamente a turma e um ajuda o outro. O tutor

orientador acompanha o trabalho do tutor especialista e os alunos

da turma no que diz respeito às dúvidas, às dificuldades de acesso

e ao feedback. Assim, quando não temos um especialista com uma

formação pedagógica, podemos então associá-lo com o trabalho

de um tutor orientador ou de uma monitoria, cujo papel normal-

mente é ajudar o coordenador quando este tem muitas turmas. Por

fim, acho fundamental que o tutor especialista tenha formação ou

experiência em EAD, mas se não tem, tem de ser capacitado, e cabe

à instituição a formação em trabalho desse profissional.

EPCT | No caso da Faculdade Senac-DF, que está montando um núcleo de educação a distância com cursos tecnológicos, a maior dificuldade talvez seja a falta de profissionais técnicos qualificados para aturarem como professores, principalmente como professores de educação a distância. Em sua opinião, como podemos resolver isso?

Temos que oferecer capacitação pedagógica para esse

profissional e fazer reuniões constantes para dar-lhe o apoio e

as condições necessárias e acompanhar e avaliar o seu desem-

penho ao longo do processo. Entretanto, mesmo oferecendo

capacitação, é importante observarmos, no universo de pessoas

especialistas, aquelas que possuem algumas características que

as identificam com a tutoria e a educação a distância. Não po-

demos, por exemplo, selecionar uma pessoa que não acredita

na educação a distância, que não tem capacidade de liderança,

que é autoritária e não abre mão de seu papel de detentora do

conhecimento. Então, precisamos, primeiro, traçar um perfil

desse profissional, buscando características como facilidade de

diálogo, motivação, liderança, organização, etc.

Para ser um bom tutor é preciso acreditar na modalidade,

na construção coletiva do conhecimento e ter organização. O

professor tem de abrir mão do seu papel de dono da verdade e

trabalhar em equipe.

EPCT | Joana, com relação ao material didático-pedagógico, você disse ser favorável à terceirização das atividades relacionadas à criação de produção do material. Por quê? Que experiência você teve nesse sentido para chegar a esse posicionamento?

Inicialmente, tínhamos uma equipe multidisciplinar, um

designer instrucional e um núcleo de produção. Com o tempo,

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notamos que era inviável man-

termos o núcleo integrado e em

sintonia, devido à rotatividade

dos designers instrucionais.

Vimos também que é caro

ter esse núcleo de produção,

pois muitas vezes inviabiliza o

projeto e encarece o material.

Por isso, optamos pela tercei-

rização, tão comum em todo

o mundo. hoje nosso foco não

é a produção, é a oferta. Nesse

sentido, o Senac conta com

um designer instrucional que acompanha e valida os cursos

produzidos.

EPCT | Como coordenadora da rede EAD do SENAC, como você organizaria a sua equipe?

É preciso ter um gestor, um coordenador pedagógico, um

designer instrucional e um suporte tecnológico com um progra-

mador ou profissional com experiência na plataforma Moodle,

por exemplo. Então, para a rede funcionar precisaria basica-

mente de um núcleo de suporte

tecnológico, alguém para dar esse

suporte, um núcleo administrativo,

que pode ser o da própria faculda-

de, juntamente com a secretaria,

e uma coordenação pedagógica,

com coordenadores de curso, de-

signer instrucionais, tutores, moni-

tores, etc.

EPCT | O que fazer para despertar no público o interesse de fazer uma graduação a distância?

O aluno da pós-graduação sabe exatamente o que ele

quer, seu perfil é de um trabalhador que busca estratégias para

continuar seus estudos. Já o aluno de graduação, não. Como

geralmente não trabalha, ele tem tempo para fazer um curso

presencial. Então você despertar nesse aluno a vontade de fazer

um curso a distância é um grande desafio. Assim, acho que

devemos fazer um trabalho de sensibilização dessa clientela,

mostrando-lhe as vantagens e despertando neles o desejo de

estudar a distância.

No ambiente virtual, de 15 dias a um mês, o professor já conse-gue traçar o perfil do

aluno, se ele gosta de se expor, se ele tem características de li-derança, se é tímido, etc

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 57-60, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

Entrevista concedida em 26.11.2009

lUCÍlIa MaChadO > Por Ricardo Coelho & Rafael VoigtLucília Machado é Professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais

A organização da educação profissional no Brasil

EPCT | Lucília, a sua palestra abordou os vários temas que estão vinculados à organização da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), entre eles a interdependência. De que trata essa caracterís-tica e qual a relação dela com a organização da EPT?

Interdependência significa que a educação profissional e

tecnológica é uma parte da sociedade que não sobrevive por

si só. Ela não tem sustentabilidade pedagógica, social e política

se não for integrada a um corpo mais amplo, que podemos

dar o nome de sistema, do qual fazem parte outras instâncias

da sociedade. Essa interdependência é que dá vitalidade à

educação profissional e tecnológica. E compreendê-la é funda-

mental. Para isso, é preciso olhar para a origem da educação

profissional e tecnológica e para a sua finalidade. Olhando para

a origem, nós temos de responder, como parte de um sistema

maior, às necessidades e demandas sociais. Porém, há uma dis-

tinção entre necessidade e demanda. Nem sempre as pessoas

que têm necessidade de ter educação profissional têm cons-

ciência ou conseguem expressar e traduzir essa necessidade

em demanda. A demanda é quando se faz a reivindicação, a

exigência. E as necessidades sociais são de diferentes origens:

jovem, famílias, governos, setor produtivo, movimentos so-

ciais, trabalhadores, etc. Portanto, nós temos uma interligação

a partir da origem. E temos também uma necessidade de in-

tegração ao sistema social respondendo pelas finalidades da

educação profissional e tecnológica, que é a outra ponta. Essas

finalidades dizem respeito ao atendimento, com qualidade so-

cial e pedagógica, das necessidades e demandas, garantindo

a acessibilidade, produzindo os efeitos necessários em termos

de eficácia e respondendo também pela noção e consciência

de cuidar do meio ambiente, da sustentabilidade do planeta

e das pessoas, garantindo, portanto, requisitos necessários à

sua legitimidade social. Atendendo a essa lógica, poderemos,

então, passar com maior facilidade pelo crivo do controle

social, que diz respeito às sanções, positivas e negativas, que

recebemos da sociedade com relação à nossa atuação.

EPCT | Atualmente, a educação profissional e tecnológica está respondendo mais às necessidades ou às demandas?

Eu acredito que ela tem problema nas duas dimensões. Se

nós compreendermos a necessidade como desenvolvimento

integral do ser humano, portanto uma formação integral,

e como desenvolvimento das potencialidades e multilate-

ralidade da pessoa, no sentido da dignidade humana, nós

podemos dizer que já caminhamos, porém, ainda pouco. Do

ponto de vista das demandas, eu acho que a interlocução da

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educação profissional e tecnológica com relação à sociedade

ainda está fraca, pois existem muitas demandas reprimidas,

que estão latentes e ainda não tiveram os canais abertos para

a sua expressão. Fala-se muito do mercado de trabalho. É um

diálogo necessário, porém, ele ainda se figura numa abstração.

Nós temos de personificá-lo. O mercado de trabalho diz respeito

fundamentalmente às relações mercantis de compra e venda da

força de trabalho. Isso é o mercado de trabalho. Entretanto, o tra-

balho é mais do que isso, mais do que vender e comprar a força

de trabalho. É essa instância que precisa ser considerada, e bem

considerada, do ponto de vista das suas múltiplas implicações,

tanto para o trabalhador, que vende a sua força de trabalho,

quanto para quem compra a força de trabalho. O trabalho é mais

amplo, pois ele envolve a realização humana em atividades que

não são necessariamente mercantis. há pessoas que trabalham

sem, contudo, vender a sua força de trabalho. há pessoas que

trabalham porque querem produzir algo de bom e útil para a

sociedade, independentemente de ganharem o seu sustento.

Por isso, há, hoje em dia, a preocupação de pensar demandas e

necessidades do mundo do trabalho, para dar conta de todos os

componentes, sejam eles econômicos, políticos, sociais, cultu-

rais, que nós deveremos ouvir e com os quais dialogar.

EPCT | Ainda sobre essa discussão da necessidade e da deman-da, ontem, ao tratar dos problemas a serem enfrentados pela EPT, a senhora citou a dualidade estrutural. No que consiste essa dualidade estrutural?

A dualidade estrutural é um marco constitutivo não só do

sistema educacional brasileiro, mas das sociedades de classe.

Ela diz respeito à constituição de redes de ensino que são

destinadas a públicos distintos do ponto de vista da origem

socioeconômica. Assim, se temos uma origem popular, a rede

é de educação profissional, se a origem for de outros estratos

não populares da sociedade, a rede é de formação geral, uma

formação profissional em nível superior. Esta foi a forma que se

constituiu em quase todos os países os sistemas nacionais de

educação, em que um braço era praticamente independente

do outro. Quem ingressasse em uma linha teria uma destinação

social diferente da outra. Esse é o modelo clássico de análise.

Todavia, este modelo está um pouco mais complexo hoje, por-

que temos, no âmbito da educação profissional e tecnológica,

o acesso ao ensino superior, à pós-graduação. Nós temos uma

maior complexidade dessa rede, que antes era pensada como

uma formação muito restrita e com uma terminalidade muita

imediata. hoje, a educação profissional e tecnológica é pensa-

da de uma maneira mais complexa, com itinerários formativos,

com perfis amplos, com capacidades de desenvolvimento

intelectual e com articulação entre a ciência e tecnologias.

Foi o próprio mundo do trabalho que trouxe a necessidade

de pensar uma outra lógica. Embora o avanço tecnológico e a

ciência tenham dado maior significação para a educação pro-

fissional e tecnológica, a questão da divisão social do trabalho

nas sociedades em classe repõe a mesma lógica anterior, só

que de uma maneira diferente. Temos hoje a dificuldade de

os cursos superiores de tecnologia serem reconhecidos como

cursos superiores de igual qualidade que os de bacharelado. E

não é necessariamente a carga horária que faz com que o curso

seja melhor do que o outro. Nós temos cursos de licenciatura

que tem uma carga horária idêntica a de determinados cursos

superiores de tecnologia.

EPCT | A educação profissional e tecnológica no nosso país foi es-truturada a partir das redes estaduais e municipais. Recentemente, foram criados os Institutos Federais de Educação Profissional, com status de universidade. A existência de distintas instâncias gover-namentais responsáveis pela educação profissional não reforça a dualidade comentada anteriormente?

Bom, os institutos respondem a uma confirmação, a uma

oficialização de um movimento que já estava ocorrendo do

ponto de vista prático. As instituições da rede federal de edu-

cação profissional e tecnológica são antigas. Durante cem anos,

elas foram acumulando experiências, saberes e competências

que fizeram com que houvesse a necessidade de melhorar a

qualidade. Vejo o ensino de excelência que foi construído ao

longo desse período e que mostrou que esse acúmulo de-

mandava um novo registro e a necessidade de potencializar

todos esses recursos que foram construídos historicamente.

Os institutos federais saem de um diagnóstico em que a ri-

queza acumulada estava, de certa forma, subutilizada, com

um atendimento muito restrito em relação às vagas e à res-

ponsabilidade que eles poderiam atender. Portanto, a criação

de uma oferta verticalizada abriu campo para a pesquisa e

para a extensão e deu mais sentido a esta riqueza que estava

aprisionada. Então, considerando esses fatos, eu avalio como

positivo os institutos federais de educação profissional. Estes

possuem personalidade jurídica diferente e um lugar diferente

do das universidades tradicionais. As universidades tradicionais

não fazem curso técnico. Essa é uma diferença fundamental. A

outra questão que se coloca é em relação às escolas técnicas

ou à educação técnico-profissional das redes estaduais a cargo

das entidades subnacionais. Falo do estado porque o municí-

pio não tem, por força de lei, nenhuma responsabilidade no

âmbito do ensino médio. As redes estaduais ainda estão muito

deficitárias. Eu acho que existe uma falta de suporte de políti-

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cas de financiamento o que tem

impedido o desenvolvimento

dessas redes estaduais. O Fundef,

que era do ensino fundamental,

não previa recursos para o ensi-

no médio. Por conseguinte, não

tinha também como financiar

por parte da rede estadual os

cursos técnicos em nível médio.

Agora, com o Fundeb, cria-se

uma perspectiva desses inves-

timentos. E existe também uma

ação importante por parte do

governo federal, que é o progra-

ma Brasil Profissionalizado, que

veio garantir um aporte, dentro da filosofia do regime de co-

laboração, para que os estados também possam desenvolver.

E hoje se trabalha também com uma noção de arranjos educa-

cionais. O que é o arranjo educacional? Significa que todas as

entidades públicas e privadas são chamadas a trabalhar juntas

agora. Isso faz parte da organização. O arranjo educacional

significa que tanto instituições públicas estaduais, municipais

e federais de ensino, quanto instituições privadas de ensino,

possam congregar esforços e trabalhar conjuntamente para

atender localmente as demandas. Eu acho que há espaço para

todo mundo, principalmente de perspectivas solidárias de coo-

peração, de relacionamento interinstitucional. De certa forma,

isto já está acontecendo, porque o programa E-tec – Programa

de Educação Tecnológica a Distância – está sendo construído

exatamente com esse desenho. Ele está sendo construído e al-

guns cursos já começaram. Então, a experiência já deslanchou.

Também o curso de formação de professores. Nos IFs também

eles se apóiam na noção de arranjo educacional.

EPCT | Em sua opinião, o sistema de educação profissional e tecno-lógica se integra com os demais sistemas de educação do nosso país?

Ainda não da forma como deveria. Nós temos avanços,

mas ainda existe um estranhamento muito grande, um estra-

nhamento recíproco. Este se manifesta de uma maneira muito

clara nas experiências de cursos técnicos integrados. O ensino

técnico como uma modalidade do ensino médio ainda é pouco

compreendido, assim como é pouco compreendida a especifi-

cidade da educação profissional e tecnológica. A grande vanta-

gem é que as tendências do desenvolvimento da ciência e da

tecnologia no mundo do trabalho estão obrigando esses dois

mundos a se encontrarem e promoverem um diálogo numa

perspectiva de interdisciplinaridade. Por que isso? Porque a

formação básica está se tornan-

do cada vez mais tecnológica

e a formação tecnológica mais

requisitante dos conteúdos bá-

sicos. Então, a tendência é essa

síntese e a abolição das diferen-

ças, que são muito artificiais.

EPCT | Atualmente, que problemas são enfrentados no campo das pesquisas da área da educação profissional?

Mesmo que tenha ocorrido

avanço no campo da pesquisa,

ainda temos dificuldade em reconhecer que a educação profis-

sional também realiza pesquisas. A ideia que ainda prevalece

é a de que somente na instância acadêmica é que se realizam

pesquisas e que o campo da educação profissional é o campo

da prática, de pôr a mão na massa, somente. Volto a dizer que

hoje é impossível pensar no profissional técnico, tecnólogo,

que seja puramente voltado para o fazer. Isso não existe. hoje,

nos processos de trabalho, exige-se do profissional uma atitude

de investigação, uma atitude de pesquisa para responder aos

problemas. Acredito que a diferença maior entre a pesquisa

acadêmica e a pesquisa tecnológica é que a pesquisa acadêmica

responde muito pelas questões do por quê das coisas, na esfera

mais básica, ainda que seja muito artificial separar pesquisa

básica da pesquisa tecnológica. Já a pesquisa tecnológica é

predominantemente uma pesquisa aplicada, propositiva, que

busca exatamente a solução dos problemas. E nosso país precisa

muito disso. Precisa realmente ter linhas de financiamento para

garantir o crescimento de pesquisas no campo da educação pro-

fissional e tecnológica.

EPCT | Como é a pós-graduação na área da educação tecnológica e profissional?

Existe agora um modelo, que é o mestrado profissional. Eu

sou coordenadora do mestrado profissional em Gestão Social,

Educação e Desenvolvimento Local, do Centro Universitário

UMA, uma instituição de Belo horizonte. Eu estou muito encan-

tada com esse formato de mestrado. Durante muitos anos, eu

trabalhei no mestrado e no doutorado na perspectiva acadê-

mica. Então me dei conta de que uma parte dos alunos não se

localizava muito bem na proposta do mestrado ou doutorado

acadêmico, eles vinham com perguntas e questões muito ligadas

à prática profissional: como melhorar a prática profissional deles

Há, hoje em dia, a preocupação de pensar demandas e necessidades do

mundo do trabalho, para dar conta de todos os componen-tes, sejam eles econômicos, políticos, sociais, culturais.

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ou como responder questões ligadas ao seu contexto de traba-

lho, por exemplo. No mestrado acadêmico, trabalha-se menos

as ferramentas de intervenção e de inovação e mais as questões

conceituais, no máximo, um diagnóstico. Em áreas propriamente

tecnológicas, embora sendo acadêmicos, eles conseguem ter

essa ponte com as ferramentas de intervenção, mas não é isso

que acontece nas áreas de ciências humanas e sociais. Então, o

nosso mestrado profissional visa exatamente dotar o profissional

que não está no mundo acadêmico com os conceitos e ferra-

mentas de intervenção e de inovação que permitam melhorar

a sua prática profissional. É importante lembrar que o mestrado

profissional é reconhecido e tem o mesmo valor e status do

mestrado acadêmico pela Capes. Ele também habilita para a

docência, formando profissionais docentes, capazes de dialogar

com o mundo do trabalho e de levar a experiência prática profis-

sional aos alunos que estão formando. Acredito que o mestrado

profissional tem uma perspectiva muito grande de crescimento

no Brasil, como já ocorre em outros países. Porém, ele ainda sofre

com a tal dualização estrutural da educação brasileira. há alguns

que acham que é um mestrado de menos valor, mas isso é fruto

de preconceito de uma sociedade que ainda não conseguiu en-

tender o valor da educação profissional.

EPCT | Qual a sua opinião a respeito da gestão do Sistema S?

Eu acredito que houve um avanço considerável na relação da

política educacional pública com o Sistema S, com o grande acor-

do que se estabeleceu em relação à gratuidade. Eu acho que foi

um avanço muito bom. Contudo, ainda existem algumas questões

que, no meu entendimento, precisam ser mais discutidas. Uma

delas é a questão da gestão do Sistema S. Eu acredito que o sis-

tema tripartite pode oferecer uma perspectiva muito promissora,

no sentido de dar ao Sistema S a oportunidade de conviver com

a diversidade de pontos de vista, com os diferentes interesses,

necessidades e demandas da sociedade e, inclusive, fazê-lo mais

próximo da sua missão, no sentido de tornar-se uma instituição

que realmente responda às necessidades que os diferentes atores

sociais e suas redes sociais representam. Não acho que seja o caso

de passar o Sistema S para a gestão do Estado. Não coloco nesses

termos. Pois um modelo muito fechado num só braço também

inviabiliza certos diálogos sociais que são fundamentais.

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Entrevista concedida em 25.11.2009

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 61-64, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional eNtReVISta

MOaCIR GadOttI > Por Ricardo Silva & Rafael VoigtMoacir Gadotti é Diretor Geral do Instituto Paulo Freire e Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)

Por uma educação profissional realizadora do ser humano

EPCT | Qual a concepção de Paulo Freire sobre a Educação Profissional?

Segundo as próprias palavras de Paulo Freire, a trajetória

dele deve-se ao trabalho e à “escola” que ele fez no Sesi de

Pernambuco. O Sesi foi a grande escola técnica na década

de 1940, época em que Paulo Freire trabalhou lá. E ele falou

uma coisa fantástica, disse que o Sesi fez com que ele tivesse

contato com a classe trabalhadora e descobrisse a vocação

dele de profissional da área de educação de adultos. Desde

então, ele sempre vinculou a educação para cidadania à edu-

cação para o trabalho. É claro que ele entendia o trabalho, a

formação profissional, não só como formação para o mercado,

mas, sobretudo, como formação humanística, uma formação

profissional mais integral. Ele usava as palavras “integral” e “in-

tegradora”. Então, se a gente recorrer aos seus textos e às suas

falas, a gente vai ver que essa influência inicial da relação que

ele teve com os trabalhadores do Sesi, o fez valorizar muito os

pais dos alunos da escola. Os primeiros textos dele, de 1955,

estão ainda escritos à máquina – a tecnologia mais avançada

da época. Ele nunca aprendeu a datilografar, nem a digitar.

Escrevia tudo à mão, adorava escrever à mão. O fascínio dele

era escrever devagarzinho à mão. Os primeiros escritos são

sobre a participação dos pais dos alunos do Sesi. Ele tinha uma

visão muito humanista da educação profissional e tecnológica

e acompanhou a vida toda essa relação, em que a formação

para o trabalho deve ser uma formação homem “onilateral”,

como diria Marx, integral, e uma formação voltada para a jun-

ção do trabalho e da cidadania.

EPCT | O pensamento de Paulo Freire sobre a educação profissio-nal converge para a concepção de educação integrada de Marx e para a concepção de educação unitária de Gramsci?

Ele foi decididamente um leitor de Gramsci, que, como

se sabe, foi traduzido tardiamente no Brasil, na década de

1960. O primeiro livro Intelectuais e a formação da cultura

é de 1968. Carlos Nelson Coutinho foi quem o traduziu.

Paulo Freire já estava no exílio. Ele tomou conhecimento de

Gramsci no exílio por meio das traduções em espanhol e de-

pois em inglês e francês. Gramsci teve uma grande influência.

Ele tinha uma visão marxista da questão da formação para

o trabalho. A visão dele trabalhou muito a questão do bom

senso no senso comum. Existem dois Gramsci, segundo os

intérpretes: o Gramsci popular e o Gramsci mais partido de

vanguarda. Paulo Freire se identificava muito com o Gramsci

dito popular, o Gramsci da cultura popular, que valorizava as

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academias que eram centros de formação popular na Itália e

esse bom senso que existe na cultura popular.

EPCT | Qual a importância da realização desse Fórum Internacional de Educação Profissional?

Olha, eu estava conversando há pouco com o Eliezer

Pacheco, Secretário de Educação Profissional e Tecnológica do

MEC, sobre a repercussão de 15 mil inscritos. E, passando nos

estandes, a gente vê a riqueza de como a educação profissional

e tecnológica está pulsando no Brasil, sobretudo, com a aber-

tura das novas escolas e dos Institutos Superiores. Isso dá outra

marca à educação brasileira. Assim, acredito que todos deve-

ríamos ter uma formação profissional e tecnológica no Brasil.

É claro que não necessariamente para trabalhar naquela área

específica da tecnologia. Não é isso! Nem todo mundo preci-

sa trabalhar com isso. Mas se a gente reparar hoje, no mundo

mais desenvolvido, 90% das pessoas têm um trabalho ligado

ao chamado trabalho imaterial; no Brasil, isso já chega a 75%.

Portanto, é um vínculo com o trabalho. Muita gente entende

a educação profissional como uma coisa do século XIX ainda.

Se você pegar um torneiro mecânico hoje não tem nada a ver

com um torneiro mecânico de 50 anos atrás. hoje, ele é um tor-

neiro mecânico que tem de dominar a informática e o desenho

gráfico. Ele cria a peça no computador, mas é a máquina que

vai executar. Não é mais ele que vai ao torno fazer a peça meca-

nicamente. Portanto, diante dessa grande evolução no mundo

do trabalho, que incorporou a tecnologia, a inovação e a ciên-

cia, acho que todos nós deveríamos nos formar para o trabalho.

Todos deveríamos ter uma formação técnico-profissional. Por

fim, acho que um dos problemas da nossa qualidade de ensino

é que ela não conseguiu se articular em torno da questão do

trabalho, da formação para o trabalho. há um distanciamento

tão grande, principalmente nas camadas populares, que têm

de ir para a escola para aprender coisas que nunca vão usar,

acarretando, consequentemente, desistências.

EPCT | Sobre a resistência, ela não seria consequência da pouca articulação da educação profissional e tecnológica com os outros níveis de ensino?

Sim. A história mostra esse paralelismo absurdo que exis-

te entre a educação profissional e a tecnológica. É certo que

isto está sendo quebrado, mas essa cultura do sistema para-

lelo de educação ainda resiste. Pois a integração ainda não

foi bem feita. É por isso que eu conclamo muito às pessoas

que estão trabalhando na Conae (Conferência Nacional de

Educação) que o sistema seja articulado, que o ensino pro-

fissional esteja vinculado à definição do sistema como um

todo. No período da ditadura, por exemplo, foi até criado um

sistema de educação permanente para separar a educação

de adultos da educação de jovens e crianças. hoje, o concei-

to básico é a educação ao longo da vida. Não tem mais esses

quadradinhos, essas gaiolinhas, esses espaços reservados

para isso ou para aquilo. A articulação é importante. Eu acho

que a mudança no currículo, que é um desejo antigo, a uni-

lateralidade e a formação integral estão sendo cada vez mais

incorporados, mais na teoria do que na prática. Pois as práti-

cas ainda resistem a essa intersetoralidade, interculturalida-

de e integralidade da educação. Penso que esse Fórum tem

um grande significado por isso. Porque ele está colocando a

questão do trabalho como uma questão central da formação

do ser humano e não só do trabalhador.

EPCT | No documento base da Conae, a Educação Profissional é citada apenas em dois ou três parágrafos. A impressão que ficou foi que não há necessidade de discutir sobre ela. Qual a sua opinião sobre a educação profissional no documento da Conae?

Olha, eu já fiz essa crítica ao documento base da Conae,

que tem uma concepção Iluminista, pré-capitalista, quase. Eu

acho que as pessoas que o fizeram, que o elaboraram, deram

uma grande contribuição para que a gente pudesse ter o

documento. Quanto ao documento, a ausência da educação

profissional é tão grande quanto a ausência da educação

popular. Não se fala em nenhum momento em educação po-

pular. O artigo é tão repetitivo, tal a falta de imaginação do

documento, que sequer conseguiu desenvolver a educação

de adultos e a alfabetização de adultos. Tampouco apresenta

sobre a educação cidadã, que é hoje o documento mais avan-

çado do século XXI. Sobretudo, a concepção geral do docu-

mento me parece muito falha, dá a ideia de que a qualidade

da educação depende da existência de um sistema, como se a

gestão do sistema fosse suficiente para melhorar a educação.

É uma tese muito velha esta e pouco consistente de que basta

gerenciar melhor a educação para que ela seja melhor quali-

ficada. Na verdade, eu só vejo uma vantagem no documento:

que é tê-lo. Mas o documento em si, como você falou, não

atende às exigências atuais. É um documento muito antigo

numa visão filosófica e ideológica muito antiga. Acho que,

pedagogicamente, ele é iluminista ainda, com uma visão eli-

tista da educação. Porém está sendo consertado na prática e

as necessidades da prática estão sendo colocadas nele. Dessa

forma, acho que cabe a nós defendermos essa outra visão e

fazermos com que, nas conferências municipais, estaduais e

na Conferência Nacional, ano que vem, tenhamos uma pre-

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sença forte para defendermos

essa visão nova da educação

profissional e tecnológica.

EPCT | Professor, falando em siste-ma de educação profissional, nós temos a rede federal de educação que se dedicou mais à formação de nível médio – educação integrada-, formação técnica de nível médio, principalmente no Nordeste e Estados do Brasil. Agora, nós temos o Sistema S, que também vem, há 60 anos, contribuindo considera-velmente para a questão da forma-ção profissional no Brasil. Como o senhor vê o Sistema S hoje?

há uma luta para que o

Sistema S realmente evolua numa linha de maior participação,

já que é um dinheiro do trabalhador, um dinheiro público, não

necessariamente estatal. há uma diferença enorme entre o mer-

cantil e o privado. A grande contradição não está entre o estatal

e o privado. Está entre o público e o mercantil, porque você pode

ter uma visão mercantil dentro do Estado também. Uma insti-

tuição estatal pode operar com uma visão extremamente mer-

cantilista, enquanto outras instituições privadas de ensino, por

exemplo, podem ter uma visão extremamente pública. Tornar

mais pública uma instituição como o Sistema S é se articular

mais com as funções do Estado, evidentemente, sem perder as

características de uma empresa privada, mas torná-la realmente

um serviço público. Para isso, o acesso a esses serviços deveria

ser ampliado gratuitamente ao público por meio de serviços que

possam atender cada vez mais as camadas populares.

A história do ensino profissional no Brasil é muito elitista.

Eu me lembro das escolas agrícolas, por exemplo, porque meu

pai é agricultor. Nas escolas agrícolas, o povão não tinha muito

acesso, não. Era só filho de fazendeiro que tinha acesso. E era

onde se formavam os grandes quadros. Assim, acho que essa

rediscussão tem de ser feita dentro de um diálogo de constru-

ção coletiva. Não por rupturas violentas. O Sistema S é um bem

da humanidade. Eu estive em Tóquio numa reunião do Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), para apresentar a

metodologia de Paulo Freire, e o ministro da educação quando

me apresentou numa reunião que nós tivemos em Okinawa,

um Estado do Japão, ele disse o seguinte: há duas grandes

contribuições da América Latina à educação mundial: uma é o

método Paulo Freire e a outra é o Sistema S (Senac, Sesi, Senai).

Eu iniciei minha fala dizendo que as duas têm uma origem em

comum. O Paulo Freire também

se originou dentro dessa visão.

E, hoje, o Lula, na abertura do

Fórum Mundial de Educação

Profissional e Tecnológica, re-

conheceu que ele devia a sua

trajetória dele aos cursos que

ele fez no Sesi, em São Paulo.

Assim, com a presença do Lula,

com a mudança do mundo do

trabalho, com essa visão freire-

ana do mundo do trabalho e da

educação, eu acho que a conjun-

tura é muito favorável para que

haja avanços significativos e o

Sistema S possa avançar ainda

mais, além do que já avançou

nos últimos 60 anos. Eu acho

que, para as instituições que ficam muito presas a métodos e

visões tradicionais, a lição pode ser a mesma, mas as organiza-

ções do século XXI são, para mim, organizações caórdicas, que

têm a ordem com base na missão, ou seja, que tem a ordem

orientada sempre para aquele foco, objetivo e missão do tra-

balho. As metodologias vão variando ao caos da reorganização

das coisas. As grandes instituições, como o Google, o Visa, a

Microsoft, operam dentro dessa nova lógica. É natural que

o Sistema S passe por essa transformação. E seria muito bom

que o diálogo se aprofundasse, para que se transformasse real-

mente numa instituição pública, sempre com o caráter estatal.

Eu gosto muito dessa junção, dessa relação. Você vê como a

Petrobrás hoje, que é uma empresa mista e tem avançado, e

outras também. O mundo é favorável a esse tipo de avanços.

O Sistema S deverá se abrir cada vez mais para esses avanços.

EPCT | Com relação à formação profissional técnica em nível su-perior, qual o papel dos tecnólogos dentro das nossas empresas e indústrias?

Eu tenho uma experiência incrível nesse sentido. Em

1970/1971, tive contato com o Conselho Nacional de Educação

– que na época era o Conselho Federal de Educação. Este

Conselho, formado por José de Vasconcelos, Nilton Sucupira e o

Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, lançou a Nova LDB do

Ensino Médio, em 1971, que foi muito criticada, pois obrigou a

todos terem o ensino profissional. Em decorrência disso, por

motivos de discussões, eu fui aconselhado a sair do Brasil em

1973. Acontece que o ministro da Ditadura Militar inspirou-se

na legislação da educação soviética. Então, de um lado, tínha-

Diante dessa gran-de evolução no mundo do traba-lho, que incorpo-

rou a tecnologia, a inovação e a ciência, acho que todos nós deveríamos nos formar para o trabalho. Todos de-veríamos ter uma formação técnico-profissional.

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mos os objetivos da Lei de Educação Americana, de 1936, e, de

outro lado, em plena Guerra Fria, tínhamos a estrutura da lei

de educação soviética. Em São Paulo, por exemplo, essa lei não

vingou, não foi aceita, devido ao seu teor tecnicista e autoritá-

rio. Se essa discussão tivesse sido feita em outro contexto, que

não o da Ditadura, num contexto democrático, como o que a

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica promove hoje

neste Fórum, a história seria diferente. É empenho do próprio

Presidente Lula promover esse grande debate no Brasil. É claro

que ele ainda tem certas resistências. Mas sustentamos a tese de

que todos nós temos de trabalhar, de nos formar para o trabalho,

e não necessariamente formar profissionalmente o aluno de en-

sino médio, como queria a Lei 5.692, de 1971. Pois para se formar

na educação tecnológica e profissional não precisa exatamente

ser no ensino médio. A tecnologia deve ser ensinada desde

cedo. Eu, por exemplo, quando era criança fazia meus próprios

brinquedos. hoje, as pessoas não conseguem entender nem

coisas mais corriqueiras, como trocar uma lâmpada. A tecnologia

impregna em nossas vidas, por isso temos de ter esse contato

com a tecnologia desde a infância. E é uma preocupação nossa.

Pois não há país algum no mundo que se desenvolveu para valer

sem uma base grande de formação profissional e tecnológica e

de educação geral, evidentemente. Uma educação tecnológica,

dentro dessa nova concepção libertadora, no sentido freireano

da palavra, e não domesticadora, tem de ler o conteúdo dessa

formação tecnológica. Não é qualquer formação tecnológica.

Eu vejo que o Brasil, com um índice ainda tão elevado de anal-

fabetismo, com uma formação ainda muito precária em nível de

formação geral e de formação tecnológica também, encontrará

seu maior obstáculo no desenvolvimento não nos processos

produtivos, mas na falta de um trabalhador qualificado. E este

será o grande desafio de desenvolvimento do futuro: formar

trabalhadores qualificados para viver o século XXI e não o século

XIX, porque ainda a educação no Brasil não chegou ao século

XX. Pensando na revolução tecnológica, pensando no mundo

do trabalho de hoje, que é imaterial, e que vai ser 90% imaterial

para os países desenvolvidos hoje, nós estamos muito atrasados.

Nos governos estaduais, municipais e até no governo federal, eu

acho que não há suficiente sensibilidade para a necessidade de

uma transformação radical de educação no Brasil. Espero que

isso apareça de forma mais contundente na Conae em 2010.

EPCT | Em sua opinião, qual seria a saída?

Em primeiro lugar, acho que seria generalizar a informação

sobre o mundo do trabalho, obter uma visão libertadora do

trabalho e uma educação que não seja para o mercado, mas

para a vida. A educação profissional e tecnológica não pode ser

submetida à lógica do mercado, pois esta, quando introduzida

na educação, faz com que aquela perca seu sentido. Vou dar

um exemplo. Se nós introduzirmos na relação professor-aluno a

mesma competitividade da lógica do mercado, então o profes-

sor perderá a alma dele, porque ele vai virar um reles instrutor,

formador de mão de obra. O mundo do trabalho mudou muito

do fordismo até hoje. Aquela formação em série que se exigia

antes, aquela formação profissional em que só se dominava um

momento do processo, no taylorismo me parece muito claro isso,

não serve mais. hoje, o trabalhador tem de ter uma visão geral

de todo o processo. Então, é outra formação. Enfim, acho que

este Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica está

trazendo discussões fantásticas, que deveriam ser divulgadas por

revistas como esta (Educação Profissional: Ciência e Tecnologia) e

estudadas nas faculdades de tecnologia e também na Fac Senac.

Nesse mundo em que a tecnologia evolui de uma forma muito

rápida e inovações surgem a cada momento, a gente precisa

estar atualizados e por isso a importância de uma faculdade de

tecnologia. Recentemente, estive em Santa Catarina, a convite

do Instituto de Tecnologia da Tupi, que tem uma tradição muito

grande em Joinville na área de formação para o trabalho. Quando

eu e minha família saímos da roça e voltamos para Joinville, quem

nos acolheu foi a Escola Técnica Tupi, que hoje é um Instituto

Tecnológico, operando dentro dessa nossa visão. Chegando lá, vi

as mesmas máquinas que vi há 30 anos, uma máquina que pro-

duzia uma peça de avião, uma pecinha de um avião da Embraer,

que custava 80 mil dólares e estava sendo produzida e testada

lá. Como eu sempre fui fascinado por tecnologia, desde criança,

quando eu ainda trabalhava na roça e me fascinava pelas coisas

novas, arregalei os olhos quando vi aquela peça. Então, perguntei

quem a tinha feito e me apresentaram um torneiro mecânico

vestido de terno. Ele me explicou como ele a produziu e disse-me

que era uma peça muito cara, que não podia fazê-la duas vezes,

pois se errasse perderia o emprego. Por fim, esse tema é de muita

responsabilidade e agradeço a oportunidade.

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Educação Profissional: Ciência e Tecnologia | volume 4, número 1, p. 65-69, jul./dez. 2010

EDIÇÃO ESPECIAL | fórum mundial de educação tecnológica e profissional INStRUÇÕeS

INStRUÇÕeS aOS COlaBORadOReS

INFORMaÇÕeS GeRaISA revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia é uma publicação semestral, da Faculdade de Tecnologia Senac-DF, que

divulga artigos originais referentes à pesquisa, ao ensino e à reflexão crítica de temas relacionados à educação profissional. Sua

missão é promover a pesquisa por meio da divulgação de trabalhos técnico-científicos, a discussão de temas relacionados à

educação profissional, bem como incentivar a formação continuada de profissionais e pesquisadores. São aceitos trabalhos em

português, inglês, espanhol e francês.

SUBMISSÃOA submissão dos trabalhos deve ser feita pela página eletrônica da revista (Plataforma SEER) no endereço www.revista.fac-

senac.com.br. O autor deverá efetuar um login – no qual habilitará a opção Autor. Deverá confirmar o cumprimento do que está

expresso em Condições de submissão, na tela de Submissão, para que possa realizar upload do arquivo. Os arquivos devem ser

enviados em formato Word (.doc).

aValIaÇÃO e SeleÇÃO dOS aRtIGOSOs artigos submetidos à apreciação da revista devem ser inéditos. Os originais serão remetidos ao exame da Comissão Editorial

e avaliados por Doutores que possuam conhecimento do tema abordado no artigo. Nas avaliações são observadas, entre outras

coisas, a relevância do conteúdo, a propriedade da exposição, a conformação do texto aos princípios éticos e às normas da revista.

A Comissão Editorial poderá solicitar a colaboração de pareceristas ad hoc. Para garantir a impessoalidade do processo, a autoria

dos artigos não será revelada aos avaliadores, assim como também não será informada aos autores a identidade dos avaliadores

que procederam à análise e avaliação de seu manuscrito. Após aprovação, os artigos entrarão na lista para publicação. Os artigos

a serem publicados em cada número serão selecionados entre aqueles que estiverem na lista para publicação, observando-se os

critérios adotados para publicação científica (tema, categoria do trabalho, representatividade regional, etc.). Modificações formais

poderão ser feitas no texto pela revista, mas as modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Os originais não serão

devolvidos.

tRaMItaÇÃO dO aRtIGOO fluxo dos artigos submetidos à Comissão Editorial da revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia é o seguinte:

i. Avaliação do original

ii. Comunicação ao autor do resultado da avaliação

iii. Reformulação (no caso de os avaliadores indicarem a necessidade de revisões no conteúdo do artigo)

iv. Avaliação da versão reformulada

v. Publicação

dIReItOS aUtORaIS e ReSPONSaBIlIdade SOBRe O CONteúdO PUBlICadOOs direitos autorais dos artigos publicados pertencem à revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia. É permitida a repro-

dução parcial ou integral dos artigos em outros meios de divulgação, com a única condição da completa citação da fonte.

Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores.

A submissão dos originais à revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia pressupõe o conhecimento dos termos aqui

expostos e implica a aceitação de suas condições.

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NORMaS PaRa PUBlICaÇÃO

eSCOPO teMÁtICO dOS aRtIGOSOs artigos submetidos à revista devem focar temas relacionados à educação profissional dentro de uma das seguintes áreas:

comércio, comunicação, conservação e zeladoria, design, gestão, imagem pessoal, informática, lazer e desenvolvimento social, meio

ambiente, saúde, tecnologia educacional, telecomunicações turismo e hospitalidade.

CateGORIaS de tRaBalhOS aCeItaS

ArtigosÜRELATO DE PESQUISA: descrição de investigação baseada em dados empíricos e utilização de metodologia científica (aproximada-

mente 20 laudas);

ÜESTUDO TEÓRICO: análise de construtos teóricos que suscite o questionamento de modelos existentes e proponha hipóteses para

futuras pesquisas (aproximadamente 20 laudas);

ÜRELATO DE EXPERIêNCIA PROFISSIONAL: estudo de situação-problema, contendo análise de implicações conceituais, descrição de

procedimentos ou estratégias de solução, com evidência metodologicamente apropriada de avaliação de eficácia, de interesse

para a atuação em diferentes áreas da educação profissional (aproximadamente 15 laudas);

ÜREVISÃO CRÍTICA DE LITERATURA: análise de corpo teórico-investigativo que ofereça subsídios ao desenvolvimento da educação

profissional (aproximadamente 20 laudas);

ÜNOTA TÉCNICA: descrição de instrumentos e técnicas originais de pesquisa (aproximadamente dez laudas);

O número de laudas de cada artigo inclui, além do corpo do texto, resumo, abstract, figuras, tabelas e referências.

ResenhaRevisão crítica de obra recém-publicada que oriente o leitor quanto às suas características e usos potenciais (aproximada-

mente cinco laudas). Como critério, a revista define obras recém-publicadas àquelas publicadas até dois anos antes da data de

submissão do artigo.

Carta ao editorAvaliação crítica de artigo publicado na revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia, ou resposta de autores a críticas formu-

ladas ao artigo de sua autoria (aproximadamente cinco laudas);

NotíciaDivulgação de fato ou evento de conteúdo relacionado à educação profissional, não sendo exigidas originalidade e exclusividade

na publicação. Limitada a duas páginas impressas na publicação. A publicação de notícias fica a critério do Editor.

Uma lauda do manuscrito original, de acordo com o especificado em Formatação do Texto, equivale a duas páginas da publicação impressa.

eStRUtURaOs artigos deverão ser apresentados da seguinte forma:

ÜFOLhA DE ROSTO PERSONALIZADA: com a) título em português (com no máximo 17 palavras); b) título em inglês (equivalente ao

título em português); c) nome de cada autor, seguido da afiliação institucional e titulação; d) endereço completo para comuni-

cação com os leitores, endereço completo para correspondência com a Comissão Editorial, fax, telefone e endereço eletrônico;

ÜFOLhA DE ROSTO DESPERSONALIZADA: sem o nome do autor, contendo exclusivamente: a) título em português; b) sugestão de

título resumido (máximo de 6 palavras); e c) título em inglês;

ÜRESUMO: em português, com no máximo 150 palavras e acompanhado de quatro palavras-chave. Resenhas e notícias não admi-

tem resumo nem palavras-chave;

ÜABSTRACT: resumo em inglês, equivalente ao resumo em português e acompanhado das palavras-chave (key words). Resenhas e

notícias não admitem abstract e key words.

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Os artigos poderão conter ainda, quando for o caso:

ÜAPêNDICES E/OU ANEXOS: quando contiverem informações indispensáveis à compreensão do texto. Devem figurar no final do

artigo, numerados segundo a ordem de apresentação;

ÜTABELAS E/OU QUADROS: devem incluir legendas e devem ser numerados(as) sequencialmente.

ÜIMAGENS: os arquivos devem ser enviados em alta resolução (300dpi) e, preferencialmente, no formato do programa em que

foram originariamente gerados (Excel, Corel Draw, etc).

FORMataÇÃO dO textOOs textos deverão obedecer à seguinte formatação:

Digitados em papel branco A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço duplo, com margens superior e inferior de 2 cm,

e margens laterais de 3 cm. O corpo do texto não deve conter qualquer elemento que identifique o(s) autor(es). As páginas devem

ser numeradas na parte inferior direita da lauda. O número de páginas deve limitar-se àquele estabelecido para cada categoria de

trabalho (ver Categorias de Trabalhos Aceitos).

SISteMa de ChaMadaS (aUtOR, data)ÜDE UM A TRêS AUTORES: os nomes dos autores deverão ser separados por ponto e vírgula:

(GINTIS; SMITh; BOWLES, 2001)

ÜA PARTIR DE 4 AUTORES: cita-se o nome do primeiro autor seguido da expressão “et al.”:

(CORDANI et al., 2000)

ÜAUTORES COM SOBRENOMES IDêNTICOS: informam-se também as iniciais de seus prenomes:

(SILVEIRA, F., 2006); (SILVEIRA, B., 2007)

(SILVEIRA, B.; SILVEIRA, F., 2007);

caso as iniciais dos nomes também coincidam, os prenomes deverão figurar por extenso

(SILVEIRA, Flávia, 2006); (SILVEIRA, Fábio, 2007)

(SILVEIRA, Flávia; SILVEIRA, Fábio, 2005)

ÜAUTOR COM MAIS DE UMA PUBLICAÇÃO NO MESMO ANO: as obras deverão ser diferenciadas adicionando-se uma letra minúscula

após a data, ordenadas de acordo com a lista da seção de referências:

(SODRÉ, 1969a), (SODRÉ, 1969b)

ÜVÁRIAS OBRAS DO MESMO AUTOR: os anos das publicações devem ser separados por vírgula:

(GIL, 1993, 1995, 1997)

CItaÇÕeS

Citações Diretas (transcrição textual de parte da obra do autor consultado)ÜCITAÇõES DIRETAS CURTAS: com até 3 linhas, deverão ser integradas ao texto, entre aspas, seguidas da chamada pelo sobrenome

do autor, incluindo o número da página.

“[...] do conceito de consciência [...] sentido aos estímulos que nos atingem” (PENNA, 1986, p. 9).

ÜCITAÇõES COM 4 LINhAS OU MAIS: deverão ser deslocadas do corpo do texto, dispostas com recuo de 4 cm da margem esquerda,

sem aspas e com espaçamento simples, seguidas da chamada pelo sobrenome do autor.

Citações Indiretas (texto baseado na obra do autor consultado)As citações indiretas deverão ser seguidas da chamada pelo sobrenome do autor. A indicação do número da página é opcional:

Segundo Fonseca (1986, p. 57-58), em estudo realizado em Recife (UNICEF, 1986)...

Citação de Citação (texto não retirado de fonte original, mas de obra que a ele faz referência)Deverá ser referenciada a fonte consultada e não a fonte original, usa-se a expressão apud (citado por) entre o autor original e o

autor consultado.

Conforme Platão e Fiorin (1990, p. 241 apud MEDEIROS, 2003, p. 71), os pressupostos são idéias não expressas de maneira explícita [...]

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NOtaS, SIGlaS e aBReVIatURaSAs notas deverão figurar no rodapé da página, numeradas seqüencialmente.

As siglas deverão ser apresentadas de forma estendida quando mencionadas pela primeira vez no texto: ...o Centro Brasileiro de

Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), realizou estudos...

As abreviaturas devem seguir as orientações da NBR 10522/88.

SeÇÃO de ReFeRêNCIaS BIBlIOGRÁFICaSA seção de referências, no final do artigo, deverá conter as referências bibliográficas completas, ordenadas, primeiro por ordem

alfabética do sobrenome dos autores, depois (quando houver mais de uma obra do(s) mesmo(s) autor(es)) por ordem alfabética do

título da obra, conforme o definido pela ABNT (NBR 6023, ago. 2002). O elemento em destaque, a depender do tipo de referência,

deverá ser negritado.

Referências de LivroÜINTEGRAL: ESTEVAM, C. Freud: vida e obra. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

ÜPARTE DE LIVRO: PEREIRA, R. R. et al. Ladrões de sonhos e sabonetes: sobre os modos de subjetivação do infância na cultura do

consumo. In: JOBIM E SOUZA, S. (Org.). Subjetividade em questões: a infância como crítica da cultura. Rio de Janeiro: 7 Letras,

2000.

Referências de RevistaÜINTEGRAL: PSICOLOGIA: Teoria e Pesquisa. Brasília: Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, v. 22, n. 1, jan./abr. 2006.

ÜARTIGOS E/OU MATÉRIA: MOURA, M. L. S. Dentro e Fora da Caixa Preta: A Mente sob um Olhar Evolucionista. Psicologia: Teoria e

Pesquisa, Brasília, v. 21, n. 2, p. 141-147, maio/ago. 2005.

Quando os artigos ou matérias não forem assinados, o título do artigo passa a ser o primeiro elemento da referência com a pri-

meira palavra em caixa alta: MÃO-DE-OBRA e previdência. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Rio de Janeiro, v. 7, 1983.

Suplemento.

Dissertações e TesesSTRAFORINI, R. Ensinar geografia nas séries iniciais: o desafio da totalidade mundo. 2001. Dissertação (mestrado) – Instituto de

Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Obras em mídias digitaisA referência segue o padrão indicado para o material impresso acrescida da descrição do meio eletrônico e data de acesso, quan-

do consultadas on-line:

KOOGAN, A.; hOUAISS, A. (Ed.). Enciclopédia e dicionário digital 98. Direção geral de André Koogan Breikmam. São Paulo: Delta:

Estadão, 1998. 5 CD-ROM.

BICCA JUNIOR, R. L. Coisas nossas: a sociedade brasileira nos sambas de Noel Rosa. 2001. Dissertação (mestrado) – Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.samba-choro.com.br/print/debates/>. Acesso

em: 21 ago. 2004.

Autores InstitucionaisA referência começa com o nome da instituição em caixa alta: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL. Plano de

Trabalho 2008. Brasília, 2008

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Formatação das referênciasA formatação da referência deve seguir impreterivelmente os modelos supracitados. Isso inclui o uso dos recursos tipográficos

(negrito ou caixa alta) e a pontuação. As expressões usadas nas referências, tais como “et al.”, “In” “Org.”, “Coord.”, “Ed.”, “v.”, “n.”, “p.”, “s.n.”,

“ed.”, serão sempre seguidas de espaço e devem ter o uso dos caracteres maiúsculos e minúsculos respeitados (o autor deve atentar-se

para o fato de que os recursos de auto-correção do computador podem alterar a configuração da formatação, colocando, por exem-

plo, um caractere maiúsculo onde deveria figurar um minúsculo etc.). Nenhum item da referência deve ser sublinhado. Os recursos

tipográficos devem ser aplicados exclusivamente quando requeridos.

Todas as referências constantes no corpo do texto deverão ser incluídas na seção de referências, assim como todas as referências

listadas na seção deverão estar presentes ao longo do texto. Os casos aqui não contemplados deverão seguir o estabelecido pela ABNT

(NBR 6023, ago. 2002), e aqueles não assistidos pela presente norma nem pela ABNT serão decididos pelo corpo técnico da revista.

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