v. 2 n. 1 revista de educação, ciência e tecnologia do jan

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revista de educação, ciência e tecnologia do IFG v. 2 n. 1 jan./jul. | 2017 ISSN: 2526–2130

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revista de educação, ciência e tecnologia do IFGv. 2 n. 1

jan./jul. | 2017ISSN: 2526–2130

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Conselho Científico

ADRIANA GOMES DICKMAN, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Brasil

ÂNGELO MÁRCIO LEITE DENADAI, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil

ANNA MARIA CANAVARRO BENITE, Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

CARLOS FERNANDO DA SILVA RAMOS, Instituto Politécnico do Porto (IPP), Portugal

CELINA CASSAL JOSETTI, Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF), Brasil

CIBELE SCHWANKE, Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Brasil

DIÓGENES BUENOS AIRES DE CARVALHO, Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Brasil

EDÉSIO FIALHO DOS REIS, Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

EDUARDO MARTINS GUERRA, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Brasil

ENOQUE FEITOSA SOBREIRA FILHO, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil

EVA TEIXEIRA DOS SANTOS, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil

FERNANDO ANTONIO BATAGHIN, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil

FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil

INALDO CAPISTRANO COSTA, Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil

IRIA BRZEZINSKI, Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO), Brasil

JEANE SILVA FERREIRA, Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Brasil

LAURETE MEDEIROS BORGES, Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Brasil

LEONARDO GABRIEL DINIZ, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG), Brasil

LUANA ALVES LUTERMAN, Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil

MARÍA DEL MAR LORENZO MOLEDO, Universidade de Santiago de Compostela (USC), Espanha

MIGUEL ANGEL SANTOS REGO, Universidade de Santiago de Compostela (USC), Espanha

NELSON DE LUCA PRETTO, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

REGINA DA SILVA PINA NEVES, Universidade de Brasília (UNB), Brasil

RICARDO DOS SANTOS COELHO, Instituto Federal de São Paulo (IFSP), Brasil

ROBERTO ABDALA JÚNIOR, Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

RONEI XIMENES MARTINS, Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil

ROSANE ROCHA PESSOA, Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

RUTH CATARINA CERQUEIRA RIBEIRO DE SOUZA, Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

SEIJI ISOTANI, Universidade de São Paulo (USP), Brasil

SERGIO SCHEER, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil

SIMONE SOUZA RAMALHO, Instituto Federal de Goiás (IFG), Brasil

SOLANGE MARTINS OLIVEIRA MAGALHÃES, Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

PareceristasADEMÁRIO ÍRIS SILVA JÚNIOR (IFRJ)ANA RITA ALMEIDA CHIARA (IFBA)ANGELA MARIA DA COSTA E SILVA COUTINHO (IFRJ)ANGELO FRANCKLIN PITANGA (IFBA)CARLOS CARLOS CÉZAR SILVA (IFG)CARLOS DE MELO E SILVA NETO (IFG)CAROLINA COELHO FORTES (UFF)CLÁUDIA AZEVEDO PEREIRA (IFG)CLÁUDIA HELENA DOS SANTOS ARAÚJO (IFG)DANIELA DE SOUZA BEZERRA (IFG)DANIELLY SPÓSITO PESSOA DE MELO (IFAL) ELIÉZER MARQUES FARIA (IFG)EWERTHON CLAUBER DE JESUS VIEIRA (IFBA)

FLOMAR AMBROSINA OLIVEIRA CHAGAS (IFG)LEONARDO RAMOS DA SILVEIRA (IFG)MARCELA FERREIRA MATOS (IFG)NEIMY BATISTA DA SILVA (UFG)PAULO HENRIQUE DE SOUZA (IFG)RUBERLEY RODRIGUES DE SOUZA (IFG)RUTH CATARINA RIBEIRO DE SOUZA (UFG)SUELENE VAZ DA SILVA (IFG)WESLEY PACHECO CALIXTO (IFG)IVONE CELLA DA SILVA (UNEMAT)FABIANA LULA MACEDO (IFG)ILSE LEONE BORGES CHAVES DE OLIVEIRA (UFG)WARDE ANTONIETA DA FONSECA-ZANG (IFG)

ReitorJerônimo Rodrigues da Silva

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoRuberley Rodrigues de Souza

Coordenadora da EditoraVanderleida Rosa de Freitas e Queiroz

Editora-Chefe da TecniaVanderleida Rosa de Freitas e Queiroz

Editores AssistentesCarlos de Melo e Silva NetoOlliver Robson Mariano Rosa

Conselho EditorialCarlos de Melo e Silva NetoCláudia Azevedo PereiraFernando dos Reis de CarvalhoLuiz Marcos DezanetiMarcela Ferreira MatosMary Lopes ReisNathália Cordeiro LauriasRuberley Rodrigues de SouzaTania Mara Vieira SampaioVanderleida Rosa de Freitas e Queiroz

Projeto Gráfico, Diagramação, Ilustração e CapaPedro Henrique Pereira de Carvalho

RevisãoEllen Torres PereiraGustavo Lopes SilvaOlliver Robson Mariano RosaVanderleida Rosa de Freitas e QueirozZaire Ferreira Franco

Apoio técnicoKepler Benchimol FerreiraCleiton Bispo Rodrigues dos Santos

Expediente

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS

Imagem da CapaObra sem título. Pintura (136 x 88cm) Autor Desconhecido. Exposta na sala dos servidores do IFG/Câmpus Goiânia. Acervo artístico do IFG/Câmpus Goiânia.

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Sumário Editorial ......................................................................................................................................................................... 5

Profesionalización docente en Brasil: reflexión teórica y conceptual .............................................................. 9

O papel do professor como disseminador da nova pedagogia para a hegemonia ...................... 31

Diálogos entre a poesia contemporânea no Brasil e em Portugal ...................................................... 49

A cultura da evasão: diferenças entre os evadidos e os permanentes no Curso de Licenciatura

em Química do IFG/Câmpus Uruaçu ............................................................................................................... 65

Escoamento de fluidos em tanques: uma ferramenta alternativa para o ensino de Mecânica

dos Fluidos ................................................................................................................................................................ 85

Um panorama da pesquisa nacional sobre gamificação no ensino de Física ............................... 105

Sobre a implementação numérica da Fórmula de Chézy-Manning .................................................. 123

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Editorial Prezados leitoras e leitores, É com muita satisfação que lançamos o segundo volume da Tecnia,

oferecendo ao público um novo número com o selo do Instituto Federal de Goiás (IFG). Mesmo em um cenário nacional preocupante, com cortes de verbas nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia e redução de direitos dos trabalhadores da Educação, a revista Tecnia busca melhorar a qualidade de seus artigos e ampliar sua atuação em áreas técnicas, como forma de resistência à crescente precarização imposta à instituição pública.

A nova edição confirma o perfil multidisciplinar da revista, destacando-se a área de Ensino pela boa classificação obtida na última avaliação dos periódicos pela Capes (B2). Neste número trazemos discussões de pesquisadores de diferentes instituições, inclusive de filiação internacional, com artigos que tematizam a atuação docente, o papel do professor, a questão da qualidade da educação e da evasão de discentes, a produção de conhecimento na interface entre os conteúdos das áreas técnicas e a prática de sala de aula, com contribuições relevantes para o ensino de Física, aos quais se soma discussão técnica específica da área de Hidráulica.

Abre esta publicação um trabalho escrito em língua espanhola numa parceria entre as pesquisadoras Solange Martins Oliveira Magalhães, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG)/Brasil e coordenadora da Rede de Pesquisadores sobre Professores(as) da Região Centro-Oeste (Redecentro), e Susana Beatriz Argüello, professora da Universidad Nacional de Jujuy (UNJu)/Argentina e diretora da Especialização em Investigação Educativa dessa universidade. As autoras discutem a profissionalização docente no Brasil, tecendo análise crítico-analítica dos princípios epistemológicos e das demandas políticas concernentes a esse tema.

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Com um movimento de análise semelhante, calcado numa perspectiva crítica sobre a educação em nosso país, o segundo trabalho discute o papel do professor no Brasil das últimas décadas como agente disseminador da nova pedagogia para a hegemonia. Escrevem o texto as pesquisadoras Fernanda Soares Rezende, mestre em História pela UFG, e Lajla Katherine Rocha Simião, mestranda em Letras e Linguística por essa mesma universidade.

O terceiro texto, apesar de não ter como objeto a educação, mantém relação com os dois primeiros ao abordar seu objeto de estudo com um procedimento dialético. O pesquisador Alexssandro Ribeiro Moura, professor do IFG, desenvolve uma reflexão dialógica sobre os pontos convergentes entre as poesias contemporâneas brasileira e portuguesa, trazendo, ademais, uma visão sobre os conceitos de modernidade e contemporaneidade.

No quarto trabalho, encontramos um estudo sobre a evasão no curso de Licenciatura em Química do IFG/Câmpus Uruaçu. Os pesquisadores Adel Fernando de Almeida Vanny, Wolney Heleno de Matos, Marcilene Dias Bruno de Almeida e Mayara da Silva Bastos Montenegro, docentes e discentes do IFG, apresentam dados sobre o comportamento dos alunos evadidos e permanentes desse câmpus e analisam que, no caso em análise, a evasão tem um fundo cultural, sobretudo em relação à visão social disseminada sobre o valor das licenciaturas.

Nos dois artigos seguintes, os estudos tematizam o ensino de Física. No primeiro, o pesquisador Rodrigo Ferreira Silva, professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA), descreve uma técnica para aulas experimentais sobre Mecânica de Fluidos por meio da construção de protótipos de simulação para escoamento de água, diesel (b7) e óleo vegetal. No segundo, os pesquisadores João Batista da Silva, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Instituto Federal do Ceará (IFCE), e Gilvandeny Leite Sales, docente desse instituto, fazem uma análise numérica da produção bibliográfica sobre o uso de jogos nas aulas de Física.

No último trabalho deste número, os pesquisadores Jordana Fernandes Costa e Diogo Gonçalves Dias, egressa e docente do IFG, respectivamente, tratam do cálculo da vazão de canais hidráulicos por meio da Fórmula de Chézy-Manning, considerando seções usuais (retangular, triangular, trapezoidal e semicircular) e não usuais (poligonais), com ênfase nestas últimas.

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Por esta edição, agradecemos os servidores da Editora IFG, que realizam um trabalho excepcional, buscando sempre a melhoria da qualidade da revista. Agradecemos também aos revisores e avaliadores, que atuam de forma voluntária, mas são fundamentais para a qualidade dos trabalhos aqui apresentados. Finalmente demonstramos nossa gratidão aos autores, por escolherem compartilhar com a revista Tecnia o conhecimento produzido em suas pesquisas.

Vanderleida Rosa de Freitas e Queiroz Carlos de Melo e Silva Neto

Olliver Robson Mariano Rosa Os editores

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Profesionalización docente en Brasil: reflexión teórica y conceptual1 Teaching professionalization in Brazil: theoretical and conceptual reflection profissionalização docente no Brasil: reflexão teórica e conceitual

Solange Martins Oliveira Magalhães Universidade Federal de Goiás [email protected]

Susana Beatriz Argüello Universidade Nacional de Jujuy, Argentina [email protected]

Resumen Esto artículo tiene como fundamento central la temática de la profesionalización docente, considerada como una

cuestión del conocimiento, por lo tanto epistemológica. Se asume un posicionamiento crítico-analítico, a la luz de

la contribución teórica de la dialéctica, para retomar, analizar y comprehender las bases epistemológicas, los

fundamentos y los principios sustentados en los actuales discursos sobre la profesionalización y de sus impactos

en la constitución de la ocupación del “profesor”. Esos impactos se dan por las demandas políticas, también

fundamentadas en principios epistemológicos, los cuales ayudan a constituir y fortalecer el modo en que la

profesionalización debe ser conducida y evaluada en tiempos neoliberales. Las mismas demandas y directrices

políticas e ideológicas neoliberales hacen que la profesionalización sea instalada en la permanencia de las

relaciones de explotación; instaura un movimiento que materializa la desprofesionalización docente e instala al

profesor en sofisticados mercados educacionales, con su identidad transformada, lo que inviabiliza la promoción

de los lazos de solidaridad, de la participación en movimientos sociales, asociativos y sindicales.

Palabras clave: Profesionalización docente. Profesores. Perspectiva crítica. Contra-hegemonía.

1 Investigación financiada por CNPq (Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico) de la Fapeg (Fundación de Apoyo a la Investigación del Estado de Goiás).

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Abstract This article is based on the theme of the professionalization of the teacher, considered as a question of

knowledge, therefore, epistemological. A critical-analytical position is assumed, in the light of the theoretical

contribution of the dialectic, to retake, analyze and understand the epistemological bases, the foundations and

principles sustained in the current discourses on professionalization and their impacts on the constitution of

being a "teacher". It is understood that the impacts on professionalization come from political demands,

assumed epistemological principles, which help to constitute and strengthen a form of neoliberal

professionalization. The same neoliberal political and ideological demands and guidelines include

professionalization in the relations of exploitation. This establishes a movement that materializes the

deprofessionalization of the teacher, transforms his identity, which makes it impossible to promote ties of

solidarity, participation in social, associative and union movements.

Keywords: Professionalization of teachers. Teachers. Critical perspective. Counter-hegemony.

Resumo Este artigo baseia-se no tema da profissionalização do professor, considerado como uma questão de

conhecimento e, portanto, de cunho epistemológico. Assume-se uma posição crítico-analítica, à luz do contributo

teórico da dialética, para retomar, analisar e compreender as bases epistemológicas, os fundamentos e os

princípios sustentados nos discursos atuais sobre a profissionalização e seus impactos na constituição do ser

“professor”. Entende-se que os impactos na profissionalizção advêm das demandas políticas e dos princípios

epistemológicos assumidos, os quais ajudam a constituir e fortalecer uma forma de profissionalização neoliberal.

As mesmas exigências e diretrizes políticas e ideológicas neoliberais inserem a profissionalização nas relações de

exploração. Estabelece-se, assim, um movimento que materializa a desprofissionalização do professor e

transforma sua identidade, o que torna impossível promover os laços de solidariedade e a participação nos

movimentos sociais, associativos e sindicais.

Palavras-chave: Profissionalização dos professores. Professores. Perspectiva crítica. Contra-hegemonia.

Problematización

Eric Hobsbawm (2009, p. 461) presentó la décima primera tesis marxista sobre Feuerbach – “Los filósofos hasta ahora interpretaron el mundo de maneras diferentes: se trata ahora de transformarlo” –, para cuestionar los historiadores que están optando por abordajes relativistas del real, cambiando la forma de interpretar el mundo. Hobsbawm identifica el alejamiento de una reflexión objetiva, crítica sobre sí misma y sobre la realidad, abogando la necesidad de “reconstrucción del frente de la razón”; especialmente en el campo de producción del conocimiento. A ese cuestionamiento de Hobsbawm se asocia al alerta de Moraes (2001), cuando, refiriéndose al ámbito de producción del conocimiento, también reportó la

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presencia de racionalidades instrumentales, de corte pragmático, que caracterizan el progresivo abandono teórico. Movimiento que compromete la reflexión crítica, al apoyarse en bases epistemológicas que difunden y afirman concepciones similares a los más variados matices de conformidad.

La asociación de los dos autores indica la existencia de posiciones paradigmáticas y ejes epistemológicos que ayudan a la promoción de diferentes analices sobre los condicionantes sociohistóricos, culturales y políticos, identificando el modo como influencian el proceso de transformaciones de las relaciones sociales, de los procesos formativos y de la producción del conocimiento. Ese proceso puede tener una referencia neoliberal y responder a la hegemonía, pues no hay neutralidad en las articulaciones propuestas, pero hay embates y contradicciones que tornan los procesos sociales en instrumentos con diferentes usos ideológicos, para que sirvan a los intereses mercadológicos, lo que acaba de afectar a los profesores en su formación y profesionalización.

Esas notas, en general, representan importantes cuestiones para los autores que vienen trabajando en análisis sobre el movimiento de conformación de los profesores. Cabe destacar que esa conformación ocurre desde el proceso de formación inicial, con la recepción de múltiples influencias neoliberales, reforzadas durante la profesionalización docente, distanciando a los profesores de las ansias de emancipación y liberación. Por eso, epistemológicamente hablando, tanto la formación como la profesionalización hoy, sugieren significativos cambios en las formas de entender y conducir la educación.

El proyecto político-educacional brasileño, por ejemplo, ha dado centralidad ideológica a los profesores, posicionándolos como protagonistas en la construcción del consenso activo. Conforme definido por Neves (2013), el consenso activo torna los profesores comprometidos con el posicionamiento político hegemónico y, siendo así, hay una efectividad de la Pedagogía de la Hegemonía, que busca promover un proceso de enseñanza, cuya finalidad es hacer que los sujetos acepten la lógica neoliberal a pesar de los efectos nocivos en su formación.

Como actores importantes en la consolidación de la política de Tercera Vía (NEVES, 2013), los profesores se tornan protagonistas en la

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transformación de los sentidos de la educación brasileña. La política de Tercera Vía es una estrategia alternativa del neoliberalismo para que el desarrollo educacional sea direccionado al mercado, con cualidad mercadológica (NEVES, 2013, p. 2). Esa estrategia justifica la lógica del capital en la administración de la educación, tornándola una mercancía y el profesor sujeto a plusvalía.

Paralelamente, hay una propagación de la idea que la solución para los problemas actuales – (por lo visto, de todos!) – es muy simple: basta con preparar adecuadamente al profesorado. Eso mejoraría la calidad de la educación, y por eso significaría mejorar la vida de sujetos que frecuentan escuelas y viven en sociedad. Esa idea falaz ha sido ideológicamente sostenida, difundida, reforzada e internalizada, al mismo tiempo que también ha generado una lectura fatalista y mecánica de la acción de los profesores. Desvalorizados y culpabilizados por los problemas de la educación, los profesores se distancian, tristemente, de la posibilidad del desarrollo de una contra-conciencia o de la promoción de una educación emancipadora, “más allá del capital” (MÉSZÁROS, 2011).

Ya es posible comprender que el proyecto histórico coyuntural de las políticas de formación y profesionalización docente en Brasil, como la Ley 9394/96 – Ley de las Directrices y Bases/LDB (BRASIL, 1996), los Parámetros Curriculares Nacionales, el Sistema de Evaluación de la Educación Básica, las Directrices Curriculares Nacionales, los Planes Nacionales de la Educación I y II (BRASIL, 2001; 2014), el documento “Todos por la Educación” (BRASIL, 2007), y el reciente documento “Patria educadora”, presentado por la Secretaria de Estrategias del Gobierno Federal, consolidan un rol de las políticas que priorizan, directa o indirectamente, formar profesores que ayuden al fortalecimiento del consenso activo a la ideología neoliberal (MAGALHÃES; SOUZA, 2017). En el campo de la formación y de la profesionalización, el consenso activo genera aceptación y hace que los profesores apoyen el sistema, manteniendo un círculo educacional vicioso promovido para el sostenimiento del status de la clase dominante.

Como sugiere Hobsbawm y Moraes, los discursos neoliberales se afirman por medio de bases epistemológicas pragmáticas; que se

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encuentran en la epistemología de la práctica y su aparato teórico conceptual, metodológico e instrumental. Por medio de directrices y procesos de evaluación externa, concretizan una formación de profesores que con foco en el desarrollo de habilidades gerenciales y profesionales, e inducen la diseminación de la idea que profesores sean “súper sujetos”, los cuales pueden suavizar los problemas sociales. De modo imperativo, la figura del profesor fue transformada en un sujeto necesario y estratégico para la formación de una sociedad, supuestamente, más democrática, pero en los moldes del capital. En este sentido, el profesor es cooptado para trabajar activamente en el proceso de humanización del orden capitalista.

Se puede afirmar que, cumpliéndose las actuales directrices políticas, la formación y la profesionalización se instalan en la permanencia de las relaciones de explotación, lo que proletariza la profesión, descalifica, desprofesionaliza, aliena, genera condiciones para no confrontar al capitalismo. Al final, tales políticas convierten al profesor en una sofisticada mercancía educacional.

Siguiendo esa idea, esa reflexión busca escapar de las amarras que vinculan economía, educación, formación y profesionalización, tornando visible y comprensible la ideología dominante para, así, promover procesos de desalienación, en lo que se refiere a la realidad actual de un profesor.

Por lo tanto, se establece una triple dirección para analizar, más profundamente, las especificidades de la profesionalización docente: la primera es el foco paradigmático, que ayudará a comprender la relación entre el paradigma actual y las demandas neoliberales para la formación y profesionalización docente; la segunda es el foco histórico-conceptual, lo cual se refiere a la temporalidad e historicidad del movimiento ideológico, en la articulación de los sentidos producidos sobre la profesionalización docente; y la tercera y última se refiere al foco político que, en una perspectiva contrahegemónica, explicita el sentido despolitizante de la actual política nacional de profesionalización y sus agravantes para la educación. Al final, se articulan en las consideraciones finales los sentidos de una profesionalización docente desalienadora, en el significado de praxis.

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El foco paradigmático

La construcción del foco paradigmático tiene el objetivo de ayudar a la comprensión de la relación entre el paradigma actual y las demandas neoliberales, mostrando el carácter contradictorio del paradigma científico, específicamente con respecto del modo como sustenta los intereses del capital en el campo de la formación y profesionalización docente (QUEIROZ, 2014; BRZEZINSKI, GARRIDO, 2006).

Inicialmente, la posición paradigmática positivista no describe la formación del profesor, porque la reduce al entrenamiento, para, a posteriori valerse de la profesionalización para fortalecer una lógica profesionalizante definida por el mercado de trabajo. Esa idea es fuertemente sostenida por la fecundidad explicativa del paradigma positivista, que utiliza teorías que justifican el foco en la necesidad de eficacia técnica y que hace tiempo fue responsable de la emergencia del desarrollo de la ciencia. Proceso que no tardó en llegar a todos los aspectos de la existencia humana, inclusive la actuación docente.

Con base en el paradigma científico se constituyeron las ciencias naturales; posteriormente, siguiendo el método desarrollado por estas ciencias, se constituyeron las ciencias humanas en el ámbito de las cuales se formaron de modo similar las ciencias de la educación. El campo de las ciencias de la educación no se quedó inmune a la racionalidad técnica instrumental que el paradigma delega, promoviendo un fuerte impacto, sea en el plano de las expresiones teóricas, epistemológicamente positivistas, sea en el modo como se pasó a estructurar y a dominar los procesos formativos. Se testifica el modo como su fuerza adentró en la subjetividad de los sujetos, imponiéndoles una manera de ser, dominar y manipular el mundo.

En su fase más adelantada, el paradigma científico estructuró la cultura del pragmatismo en la ciencia, extendiendo su lógica instrumental y práctica al campo de la formación y profesionalización. Como efecto, fue importante la valorización del foco en la adquisición de las competencias técnicas para el ejercicio de las operaciones funcionales, en el sofisticado engranaje tecnológico de la producción. En el caso de los profesores, se priorizó una formación que los habilitase a realizar una lectura teórica-experimental del mundo, cuyo sentido y valor estaban directamente

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relacionados a los hechos producidos. Por medio de las lentes de esa cosmovisión pragmática, la formación pasó a preocuparse del desarrollo de un sistema de saber basado en una episteme de la práctica, que es ampliamente reforzada por la profesionalización. Desafortunadamente, como Queiroz (2014, p. 75) declaró: “[…] la crítica no es el atributo de conciencias individuales, que tienen talento para ejercerla. La crítica requiere formación”.

El foco paradigmático genera esa percepción y entendimiento; se apoya en la afirmación de que cualquier intento de cambio en la actual política nacional de formación y profesionalización se torna vacía de significado, puesto que involucra, necesariamente, una modificación paradigmática. Como Santos (2000) afirmó, la emergencia de una nueva subjetividad depende de la lucha paradigmática y solamente ella puede resultar en la ruptura epistemológica y social. El autor entiende que la lucha paradigmática puede favorecer a la constitución de una nueva subjetividad – la emergente, que es capaz de romper con lo que fue instituido.

Las posibilidades de esa afirmación son entendidas desde la dialéctica. Las condiciones objetivas y subjetivas de la existencia humana se articulan, promoviendo la resistencia y contradicción ante los mecanismos de formación humana que no estén comprometidos con los intereses del bien común. Pero, eso también depende de las condiciones histórico-conceptuales, que cargan en sí la génesis de la crítica (o su falta), incluso dicen que el enfoque conceptual a favor de la praxis, es una referencia de la acción humana (QUEIROZ, 2014; BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006). Se sigue en la búsqueda de esta comprensión.

El foco histórico-conceptual

A partir del foco paradigmático, fue posible comprender que el proyecto de cientificidad demanda de los profesores la función de forjar sujetos que respondan apropiadamente a los impactos de los cambios resultantes del sistema capitalista. Ese proyecto también responde a un ciclo socio-histórico, generador de políticas economicistas globalizadoras. Tal ciclo tuvo su inicio en la década del 1990, cuando los profesores fueron llamados

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a asumir un nuevo papel, más técnico, delegado por el paradigma de la racionalidad técnica, que acabó por difundir la idea de que había una solución técnica para todos los problemas educacionales.

Al contrario de aquella época, comenzaron varios cuestionamientos sobre el proceso formativo que se consolidaba. En el papel de las discusiones se encontraba representantes de la universidad pública y de asociaciones científicas y políticas del área educacional, como la Asociación Nacional de Posgrado e Investigación en Educación (ANPEd) y la Asociación Nacional de Formación de Profesores (Anfope), que ya se mostraban preocupados con la calidad de la formación y profesionalización docente (QUEIROZ, 2014; BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006). La preocupación por la calidad de la educación ofrecida, se asociaba a la aprehensión con su conversión en mercancía, siendo considerada “como un servicio prestado al mundo económico” (MAUÉS, 2003, p. 106). Al cambiar la visión de la educación y de su función, se cambiaba también el rol social de profesores.

En la secuencia histórica, el foco de las políticas públicas fue direccionado a la reconfiguración del rol social del profesor, con el abandono definitivo del modelo de formación que atendía las necesidades de la educación como bien social. Ese movimiento fue reforzado con la producción de documentos oficiales, leyes, decretos y directrices, que mantenían el foco en la formación y profesionalización docente, haciendo que ambas ganasen nuevos sentidos, más neoliberales. Tales sentidos explicitaban una formación de carácter técnico e instrumental, preferencialmente aligerada y con bajos costos, para formar un “prestador de servicios” que pudiese atender a las necesidades de una educación como mercancía de utilidad económica.

Como Shiroma y Evangelista (2003a), lo mismo ocurrió con las publicaciones brasileñas del Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia (United Nations International Children's Emergency Fund – UNICEF) y de la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, Ciencia y Cultura (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization – UNESCO). Para las autoras, las publicaciones dejaban de tener como foco la formación docente, para referenciar la retórica de la profesionalización, que refuerza un modo de producir un profesor competente y barato para el siglo XXI. Las

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publicaciones ayudaban a comprender las determinaciones históricas y las múltiples relaciones establecidas entre la formación, la profesionalización y el contexto más amplio, revelando los propósitos y los intereses políticos que pasaron a coordinar la educación y su cualidad.

Eso significa que los cambios que afectan el hacer docente, actualmente, encuentran sintonía con las transformaciones que vienen ocurriendo en el mundo del trabajo; a partir de la reestructuración productiva, la retórica de la profesionalización señala la exigencia de investirse en nuevas formas de sociabilidad del capital, que debe cambiar la organización del trabajo y en su concepción, implicando una serie de desarrollos que impactan sobre el docente y la consolidación de perfiles productivos y de trabajadores.

Aun en el período hubo una prolífica producción de documentos oficiales que, en conjunto, ayudaron a estructurar una nueva visión del profesor, además de cooptar varios intelectuales en Latino América, como por ejemplo2 Tedesco, Casassus, Torres, Mello, que pasaron a reforzar la idea de que los países deberían ocuparse de (o mejor, controlar a) la profesionalización de sus docentes, para alcanzar la construcción de competencias exigidas por la reorganización del capital. Los argumentos de estos intelectuales neoliberales fueron profundamente contradictorios, más ayudaron, a partir de una perspectiva crítica, a entender por qué se direccionó el foco de la calidad de la educación a los profesores: para ejercer total control de su formación y profesionalización.

Histórica e ideológicamente, el Estado, al someterse a los dictámenes neoliberales, deliberó políticas direccionadas a la educación, entre las cuales están aquellas relativas a la formación y profesionalización docente. En conjunto, tales políticas legitiman los discursos oficiales que defienden el control social sobre los resultados de la educación, los cuales ahora se extienden de forma orgánica al profesor y su actuación. Ejemplos del resultado de esa inversión y control pueden ser observados en la situación vivida por las instituciones de enseñanza: la provocación de disputas entre ellas en busca de la adaptación a las exigencias del

2 Casassus (1995), ver Tareas de la educación; Mello (2002), ver Formación de professores en América Latina y el Caribe: en búsqueda de la innovación y la eficiencia; Tedesco (1998), ver El nuevo pacto educativo; Torres (1995), ver Qué (y cómo) es necesario aprender?

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mercado; la transformación de instituciones públicas a organizaciones sociales, destituyéndolas de su rol social (CHAUI, 2013); en el caso de los profesores, ellos discuten por bonos y reconocimientos, fortaleciendo la lógica empresarial de concurrencia y competitividad; en el caso de los sujetos en período de formación, ellos conviven con la retórica de la calidad de la formación que sigue los dictámenes de la hegemonía. En este sentido, la formación y consecuentemente la profesionalización, en su mejor desempeño, forja el “operario docente”, el “prestador de servicios” que el capital desea. En su peor desempeño, desemboca en un prejudicio para a los profesores, los cuales se tornan víctimas de la desintelectualización y posterior proletarización.

Ese proceso continúa siendo fortalecido por documentos oficiales. En el Plan Nacional de la Educación (2014-2024), por ejemplo, se refuerzan sistemáticamente las medidas políticas impuestas anteriormente, generando reacciones contradictorias que mezclan crítica y adhesión. Después de la adhesión, los profesores ayudan a componer el consenso activo, como es definido por Neves (2013), lo que incluye comprometerse con el posicionamiento político hegemónico. En el campo del trabajo docente, eso implica la concreción de la Pedagogía de la Hegemonía y sus efectos en la formación de los sujetos. Desde la crítica, se obtiene el repudio a la reificación del consenso activo, reforzado por el posicionamiento político contra-hegemónico, con la preocupación centrada en la lucha por una Pedagogía de la Emancipación, conforme Freire (1997).

Es por la crítica que se desnuda esa realidad. Por la crítica es posible comprender que la actual formación y profesionalización docente son y no son lo que dicen ser, y que, en la dinámica instituida, el profesor acaba siendo un operario desintelectualizado y proletarizado. El proceso de desintelectualización expropia el docente de la condición de sujeto de su conocimiento, y la proletarización lo torna en un operario, por eso él es vulnerable a la evaluación y al control (SHIROMA; EVANGELISTA, 2003b). Ese proceso es constantemente reforzado por la retórica de la profesionalización, que forja una búsqueda insana de un perfil profesional que responda a las necesidades del mercado por su competencia (MAGALHÃES, 2014).

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Por la crítica, con un posicionamiento político contra-hegemónico, se vislumbra la posibilidad de construcción de un concepto de profesionalización de carácter emancipatorio. O sea, desde la dialéctica, profesionalización “[…] implica un conjunto de conocimientos, saberes y capacidades marcado por un continuum de cambios que se confunde con la propia evolución del conocimiento educacional, de las teorías, de los procesos pedagógicos y de la praxis educativa” (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2006, p. 44). Tal conjunto de conocimientos, saberes y capacidades no es estático, se resignifica de acuerdo al momento histórico, lo que se conceptúa sobre la identidad docente.

Como afirma Brzezinski (2002), el profesor debe ser comprehendido como un profesional que tiene una identidad unitas multiplex, o sea, que emerge de la “articulación de al menos dos procesos identitarios, por los cuales se construye la identidad colectiva: uno que se refiere a la identidad personal – identidad para sí – y otro, la identidad social –identidad para otros” (BRZEZINSKI, 2002, p. 8). Magalhães e Souza (2017) también resaltan que la identidad docente se constituyó en la articulación de aspectos que componen la formación y la profesionalización, a saber: la sindicalización, la acción colectica y la inserción en el trabajo docente. Los autores entienden que la identidad docente se constituyó solamente en una articulación complementaria, en muchos aspectos contradictoria, pero esencialmente dialéctica.

Aún sobre la identidad docente, Castells (1999) agrega que ella tiene una dimensión colectiva, que es el producto de un proceso de sucesivas socializaciones. Por lo tanto, se configura por medio de una doble transacción que el individuo realiza: una interna, del sujeto consigo mismo (ser una persona); y otra, externa, de él con el mundo (ser un ciudadano). La constitución de la identidad profesional ocurre en ese movimiento, que se transforma continuamente en relación a las maneras por las cuales los profesores son representados o tratados en los sistemas culturales que circundan, así como describen Brzezinski (2002) y Magalhães e Souza (2017).

El foco histórico-conceptual esclarece cómo la insistencia de políticas en el campo de las competencias se continúa sosteniendo conceptualmente en el primado de prácticas. Eso no quiere decir que el profesor presente más

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autonomía de acción, eso solamente revela que la actual concepción funcionalista forja un nuevo modo de ser, actuar y comprender el trabajo de los profesores, movilizando la construcción de un nuevo rol profesional –“el especialista”.

Es posible comprender que, como resultado de la epistemología de la práctica, el objetivo velado de las políticas de profesionalización concretiza conceptualmente una formación y una profesionalización basada en estímulos por productividad, justificada en el pago individualizado a aquellos que dan mayor retorno financiero a su institución y a las demandas del sistema. Tal vez esa sea una de las razones de la segmentación de categorías y a su inmensa desafiliación sindical. Se concluye que la comprensión generada exige, indiscutiblemente, la claridad política de los profesores con relación al proyecto de educación que están compartiendo.

El foco político

El foco político ayuda a componer el ciclo de análisis, especialmente por develar que las intencionalidades establecidas en las políticas educacionales, resguardadas en documentos oficiales, comprometen el posicionamiento político de los profesores. La cuestión de la profesionalización docente fue considerada como concepto clave de la reforma educacional en América Latina durante la década de 1990, además de traer una orientación general en documentos de agencias multilaterales que prescribieron indicaciones similares por las cuales los profesores de AL debían: participar de políticas educacionales, formulándolas y ejecutándolas; ser reflexivos, autónomos, creativos y comprometidos en el sentido de garantizar los cambios dictados; desarrollar el aprendizaje formal y a distancia, además de una amplia lista de atribuciones que promovieron y reforzaron procesos que inviabilizaron la comprensión de los verdaderos significados ideológicos puestos a los profesores por las agencias.

Al retomar la idea de la educación como un acto político (FREIRE, 2001), se puede asumir que la pérdida del carácter político de la acción pedagógica dificulta la emancipación, pues se pierde la claridad teórica y epistemológica, se hace inviable el posicionamiento ético político, además de deconstruir formas de trabajo colectivamente organizadas. A largo plazo,

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son inviabilizadas asociaciones sindicales que ayudarían en la lucha por la transformación de la propia profesión docente.

En el análisis de este proceso, Magalhães e Souza (2015) mostraron que, en esencia, uno de los principales objetivos de las políticas es controlar las posibles participaciones de los profesores en sus organizaciones políticas, ya que esa participación podría implicar discusiones y reflexiones de cuño político, comprometiendo la adhesión de profesores a las propuestas neoliberales. Se trata de efectuar la reconversión profesional del profesor, promoviendo su precarización, expropiación, espoliación, opresión, proletarización, despolitización docente, aspectos que, en conjunto y según los intereses de la clase dominante, distancian a los profesores de formas alternativas de colaboración.

La idea de tornar al profesor como un profesional competente y competitivo es muy útil al proyecto social neoliberal, pues, conforme explica Queiroz (2014, p. 80) él pasa a asumir su papel en la preparación de nuevas generaciones siguiendo los formatos del capitalismo, de modo que sean capaces de “reproducirlo y de no percibir las contradicciones que el capitalismo. O, percibiendo, comprenderlas como diferencias naturales”, las cuales pueden ser amenizadas con medidas compensatorias. En otras palabras, los profesores tienden a ser así formados y profesionalizados para, posteriormente, formar sujetos en la misma lógica alienadora (MARX, 1999 [1845]).

El proceso, en conjunto, reafirma la hegemonía burguesa. Conforme fue explicado, en el foco paradigmático se utilizan bases epistemológicas que son responsables por tornar aceptable una serie de conceptos neoliberales; de acuerdo al foco socio-histórico, el discurso constituido y propagado se muestra en perfecto acuerdo con la clase dominante, justamente la que está en indiscutible oposición con la de los trabajadores, de la cual es parte el segmento docente, conforme el foco político nos lleva a comprehender.

Entretanto, es necesario afirmar que hay una contradicción de clase, y esa solamente es entendida en la articulación dialéctica de las dimensiones paradigmática, histórica, conceptual y política. En la perspectiva de Freire (1997), esa contradicción de clase también pasa a la formación y posteriormente, a la profesionalización, pues ambas tratan de transformar

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los profesores en sujetos apolíticos, lo que a largo plazo perjudica el ejercicio democrático, que es un elemento fundamental al cambio social.

Para Freire (2001), comprometer la dimensión política de los sujetos es comprometer la ética humana, o sea, la perspectiva de una ética para la vida, para la liberación, para la humanización creciente del hombre, para el protagonismo humano en la transformación de la historia. En opinión del autor, ética es una postura que los individuos en proceso de humanización y, por lo tanto, liberación, tienen que asumir ante otras personas y ante la sociedad.

El mismo proceso ayuda que los sujetos muestren su responsabilidad en la lucha contra la ética del mercado, de la negación del otro y, en consecuencia, de la exclusión social. En cuanto a los profesores, sin formación y profesionalización politizadas, se compromete el ejercicio democrático y el ideal de compromiso con la emancipación del hombre. Solamente desde una postura crítica y contra-hegemónica, la formación y la profesionalización pueden tornar perceptible de qué lado el docente está – del oprimido o del opresor –. Además, su acción no deja de ser una práctica ingenua, desleal en relación a sí mismo y a los otros, y puede ayudar a no segmentar la categoría y de hacer inviables asociaciones colecticas y sindicales.

Paradojalmente, cuanto más las políticas refuerzan la necesidad de un profesor muy cualificado, o más adecuado decir, apto y adaptado, más se obtendrá profesores inadecuados y sin autonomía porque son apolíticos. El foco político posibilita comprender que cuanto más la formación y profesionalización docente asumen un sentido de manutención de las condiciones de “perfeccionamiento” del modelo social vigente, las chances de estar teniendo un profesor que entienda los límites de la politicidad de su práctica son menores. Finalmente, no basta decir que educación es un acto político, así como no basta decir que el acto político es también educativo. Es necesario asumir la politicidad de la educación, que, en el caso de profesores, es obtenida por medio de la formación y profesionalización contrahegemónica.

Se concluye que el profesor apolítico interesa al capital, en un doble sentido: primero, porque él responde a las demandas de las políticas de formación y profesionalización, perdiendo su autonomía intelectual durante el proceso. No se emancipa, se aliena y pasa a alienar. Segundo, al perder el sentido ontológico de su trabajo, se ve impedido de una acción

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humanizadora. Al final, su trabajo se torna extraño, se presenta desfigurado, es una actividad mecánica e irreflexiva, un simple practicismo, y despojado de su sentido transformador, pues es distanciado de la praxis. Con esa idea, los siguientes cuestionamientos se destacan: ¿Debemos luchar contra quién? ¿Debemos emprender una lucha contra las políticas actuales?

Es un círculo vicioso, pero en la compañía de Freire, se busca rescatar el sentido dialéctico que permea lo social. Es posible notar que, actualmente, se forma y se profesionaliza a un profesor que no es capaz de desvelar el juego político; alienado, él se torna con facilidad en una pieza fundamental para la formación del consenso activo, que es importante para la manutención de la hegemonía.

Desde una perspectiva crítica, se rescata el hecho de que el trabajo docente tiene una especificidad – la inmaterialidad –. Eso significa que el producto generado no puede ser separado de suyo productor (profesor), pues es inmaterial. Tal característica “[…] limita, de cierta manera, la realización del trabajo docente, según el modo capitalista” y, por eso, es posible comprender el control ejercido sobre él, por diferentes mediaciones y acciones, por la fuerza o por la persuasión, con el objetivo de tornar el profesor en un ser “artífice de la propia explotación” (KUENZER, 2011, p. 678).

Entretanto, la inmaterialidad del trabajo docente muestra una condición para una acción de resistencia de los profesores, en el sentido de actuar a contramano a lo que es impuesto, pues el trabajo emancipa; y cuando eso ocurre, se torna en una praxis, que cambia la capacidad humana de pensar y actuar (VASQUEZ, 1977). En la perspectiva freiriana, eso genera la oportunidad de desarrollar potencialidades para que sujetos sean conscientes de su propia acción. También implica conocer su realidad y reconocer las necesidades, posibilidades y aspiraciones, incluyéndolos en ese proceso que se constituye como un proyecto de emancipación e inserción social, que no (re)produce mecanismos de diferenciación y exclusión social.

Conforme Queiroz (2014), ese es el espacio de la interlocución entre la contradicción y negación, que son dos caras de la misma moneda. En el caso de la formación y profesionalización, esa interlocución hace que el

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profesorado se encuentre con dos posibilidades: la resiliencia y la contestación. La resiliencia está relacionada a aceptación por parte del profesorado del slogan neoliberal de la necesidad de su adaptación a las exigencias de competencias y habilidades personales, para ser desarrollado en su trabajo, de forma que responda a la calidad de la educación neoliberal. Ser resiliente implica una adecuación y adaptación del profesor a las condiciones históricas y políticas, por lo tanto a las deliberaciones del capitalismo. La otra cara de la moneda es la contestación, defendida por la misma autora, como un estado de extrañamiento, inconformidad, combatible y denunciante. En esas condiciones, el profesorado es estimulado al cuestionamiento, después se revela su insatisfacción ante a las demandas neoliberales. Gradualmente, se torna posible superar el foco en lo individual y competitivo para pasar al colectivo y solidario, movimiento que se completa en la asociación politizada y consciente, que, además de develar las cuestiones de base de la lucha de clase instituída, ayuda a los profesores a asumir el compromiso por la educación como práctica social humanizante y humanizadora – Bildung (SOUZA, 2014).

Por lo tanto, en ese embate dialéctico, se tiene el escenario propicio para la alienación y para la emancipación de forma que el círculo vicioso se torna virtuoso, pues tiene como objetivo transformar las condiciones sociales en el sentido de la praxis. Queiroz (2014, p. 226) aún reporta que la contestación ayuda a constituir la praxis docente, una vez que es construida por el colectivo de docentes.

Al final de la construcción del foco político, se concluye que la educación no es una acción neutra, que tiene poco o casi nada que ver con la lucha de clases; es necesario comprender que un profesor no se desarrolla en aquello que no sabe, bien como no clarifica a favor de quien él practica su acción docente –¿de los oprimidos o de los opresores? Es ese “a favor de quien” lo que lo sitúa. El ángulo político debe ser el de la clase, que divisa “el contra quién” y “para quién” él actúa. Por lo tanto, la posición política define el “porque” de cualquier acción, o sea, expresa la claridad del sueño que motiva la consolidación de un tipo de sociedad, que sea más democrática y solidaria.

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Notas Finales

Profesionalización: el profesor como una sofisticada mercancía

educacional.

El camino hasta aquí recorrido consolida la comprensión de que el proyecto oficial de formación y profesionalización docente altera significativamente, en Brasil y en América Latina, las condiciones de trabajo de los profesores, sobre todo cuando los posiciona como sostenedores de un proyecto social que enfatiza el individualismo, la competitividad y la despolitización. Otro agravante es el hecho de que el mismo proyecto delibera un tipo de calidad de la educación, que es sostenida por el profesor, por medio de la “Pedagogía Hegemonía” (NEVES, 2005), la cual se ocupa de sistematizar la formación de nuevos sujetos destinados a la adaptación y manutención de la hegemonía.

El proyecto oficial de la formación y profesionalización docente promueve un movimiento monolítico, con estrategias que orgánicamente reiteran la alienación de los sujetos y su ajuste al pragmatismo como racionalidad impuesta. Siguiendo esa lógica, el profesor es preparado, conforme explica Gramsci (1989), para repetir cotidianamente el discurso de hegemonía con el objetivo de promover la generación de consensos. A despecho de cualquier cambio, se refuerzan los siguientes aspectos: 1) foco en los esfuerzos individuales; 2) creación de una nueva cultura de gestión educacional; 3) cambios en la participación de la comunidad en actividades educacionales; 4) apoyo a las nuevas políticas de acompañamiento y evaluación del desempeño de profesores; 5) descentralización en todos los niveles de administración; 6) incorporación de ideas relacionadas a la eficacia de la competencia, habilidades y eficiencia, como indicadores de calidad en educación, entre otros aspectos que refuerzan la adhesión de profesores a estrategias neoliberales, que son particularmente llamados a contribuir, tal como fue explicado.

La fragilidad y fragmentación de la formación y profesionalización del profesor, procesos pensados articuladamente, crean una formación inicial frágil que obliga el profesor a profesionalizarse, en una tentativa de superar sus deficiencias; pero, como eso no ocurre, al final todo acontece en una

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lógica mercantil, el profesor vive la culpa por sus elecciones personales inadecuadas, sin percibir que eso lo transforma, lo mercantiliza. De un supuesto profesor experto, él se torna en una mercancía. Demo (2000, p. 2, grifo del autor) afirma que la

pobreza política es fácilmente embutida en programas educativos, acrecienta efectos que los

torna débiles porque no formulan teoría y práctica críticas satisfactorias. La pobreza política

es el resultado del cultivo de la ignorancia, la condición de masa de manobra, en la cual la

persona es manipulada de fuera para dentro, generalmente sin notar. En vez de apostar en la

emancipación, se acomoda en la ayuda externa, en las recomendaciones del propio verdugo,

en las buenas voluntades de la causa principal de exclusión. No niega la exclusión material,

solamente apunta para el suyo núcleo político principal, o sea, la destitución de la condición

de sujeto, para posicionarse como un simple objeto de manipulación.

El actual discurso sobre profesionalización puede tener este efecto, según señala Demo (2000), y difícilmente implica emancipación autónoma de las poblaciones pertinentes. Los excluidos precisan esencialmente de la capacidad de confrontarse. Eso proceso no ocurre sin ambigüedades. A pesar de ser posible evidenciar el control al cual el profesor está sometido, es necesario resaltar que hay el juego de fuerzas opuestas entre los intereses del gobierno y los de la sociedad civil. Desde una perspectiva dialéctica, en cuanto se refiere a la formación y profesionalización de profesores, es necesario enfrentar la disonancia existente, intentar problematizarla, analizarla siempre con el ejercicio de la crítica, para entonces transformarla.

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O papel do professor como disseminador da nova pedagogia para a hegemonia The Paper of the Teacher as the Disseminator of the New Pedagogy for Hegemony El papel del profesor como diseminador de la nueva pedagogía para la hegemonía

Fernanda Soares Rezende [email protected]

Lajla Katherine Rocha Simião Universidade Federal de Goiás [email protected]

Resumo O presente artigo objetiva trabalhar o papel angariado pelo professor na sociedade brasileira como intelectual

de grande relevância no delineamento da nova pedagogia para a hegemonia, sobretudo no que diz respeito ao

capitalismo neoliberal da Terceira Via, tendo em vista que o processo de ampliação da educação escolar

representou um marco no desenvolvimento da política educacional brasileira dos anos de neoliberalismo. Essa

ampliação ocorreu em consonância com o crescimento do número de professores, de modo que proporcionou ao

debate educacional a incorporação de novas temáticas e interpretações. Esse fato colaborou para que o professor

assumisse um papel primordial na disseminação dessa nova prática pedagógica. O recorte temporal deste artigo

compreende o século XX, momento em que o projeto da hegemonia burguesa é gestado. No que concerne à

decisão metodológica, optamos por realizar uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico.

Palavras-chave: Professor. Hegemonia. Sociedade Civil. Gramsci.

Abstract This paper aims to investigate the role raised by the teacher in Brazilian society as an intellectual of great

relevance in the delineation of the new pedagogy for hegemony, especially with regard to the neoliberal

capitalism of the Third Way. Considering that, the process of expansion of school education is very important to

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the development of Brazilian educational policy in the years of neoliberal capitalism. This expansion occurred in

line with the increased of the number of teachers, so that it allowed the incorporation of new themes and

interpretations to the educational debate. This fact was important for teachers to assume a relevant role in the

dissemination of this new pedagogical practice. The temporal cut of this study comprises the 20th century,

when the project of bourgeois hegemony rising. We chose a qualitative bibliographic research methodology.

Key-words: Teacher. Hegemony. Civil Society. Gramsci.

Resumen El presente artículo objetiva trabajar el papel recabado por el profesor en la sociedad brasileña, Como

intelectual de gran relevancia en el delineamiento de la nueva pedagogía para la hegemonía, sobre todo, en lo

que se refiere al capitalismo neoliberal de la Tercera Vía. En vista de que el proceso de ampliación de la

educación escolar representó un hito en el desarrollo de la política educativa brasileña de los años de capitalismo

neoliberal. A saber, su expansión se produjo en consonancia con el crecimiento del número de profesores, de

modo que proporcionó, en lo que se refiere al debate educativo, la incorporación de nuevas temáticas e

interpretaciones. Hecho que corroboró para que el profesor asumiera un papel primordial como diseminador de

esta nueva práctica pedagógica. Para ello, el recorte temporal comprende el siglo XX, momento en que el

proyecto de la hegemonía burguesa es gestado. En lo que concierne a la decisión metodológica, optamos por

realizar una investigación cualitativa de cuño bibliográfico.

Palabras clave: Profesor. Hegemonía. Sociedad civil. Sociedad política.

O período que compreende o final dos anos 1980 e início dos 1990 representou, no cenário brasileiro, uma conjuntura de mudanças políticas e econômicas. Essas mudanças foram difundidas, sobretudo, pelo discurso ideológico de que era imprescindível reformular o papel do Estado,1 a fim de incluir o Brasil no mundo “globalizado”.

Desse modo, a educação passou a angariar um papel de destaque, de maneira que se difundia a ideia de que o Brasil só se tornaria um país

1 De acordo com Gramsci (1999), o conceito de Estado fundamenta-se na ideia de uma categoria cuja representação corresponde a uma manifestação e concretização de uma vontade universal obtida na interação entre os diversos interesses privados que habitavam a sociedade civil. Essa vontade universal, a partir da qual o Estado opera, corresponde à própria expressão do resultado das negociações essenciais à sociedade civil. A mediação entre o privado e o público, nesse caso, tem início nos interesses individuais, que posteriormente passam a ser tidos como particulares (GRAMSCI, 1999).

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“desenvolvido” à medida que se adequasse aos padrões e às orientações estabelecidas pelo grande capital. Nesse contexto, o país, então, redefine seu programa político apoiado nos preceitos do neoliberalismo de Terceira Via2, de modo a promover uma relação ainda mais direta entre a formação escolar e a produção capitalista (LAMARE, 2011).

Nesse sentido, o processo de ampliação da educação escolar nas últimas décadas se apresenta como um traço de grande evidência do desenvolvimento da política da educação brasileira, sendo esta influenciada pelo prisma do capitalismo neoliberal, haja vista que formar para o mercado “passou a ter a conotação mais ampla de formar para o mundo” (LAMARE, 2011, p. 20).

Nessa nova roupagem do mundo capitalista, o professor assume o papel de disseminador da pedagogia para as novas faces da hegemonia, quer seja pelo expressivo número de profissionais, quer seja pela influência que exerce tanto na formação técnica como na ética e na política das novas e futuras gerações de estudantes. Dessa maneira, a formação e a prática desses profissionais adquiriram uma progressiva relevância estratégica para a construção e a consolidação de qualquer projeto político-social na atualidade brasileira.

A partir desses pressupostos, o presente artigo apresenta como método a dialética materialista histórica de Marx.3 Entretanto, esse método será empregado não como um sistema explicativo de mundo, mas como instrumento de análise apoiado em conceitos e categorias historicamente

2 Neoliberalismo de Terceira Via é uma expressão utilizada pelo Coletivo de Estudos de Política Educacional para indicar as atualizações efetivadas no projeto político neoliberal a partir de meados da década de 1990 (NEVES, 2013, p. 2). 3 A atuação do professor, como intelectual orgânico, tendo em vista a nova pedagogia para a hegemonia, requer o conhecimento dos distintos elementos que envolvem a prática educativa. Tal fato só é possível por intermédio de um método que possibilite compreender a nova roupagem do sistema educacional. Assim, a escolha do método materialista histórico dialético torna possível esse caminho de análise. Nas palavras de Marília Pires (1997, p. 86): “A lógica formal não consegue explicar as contradições e amarra o pensamento impedindo-lhe o movimento necessário para a compreensão das coisas. Se o mundo é dialético (se movimenta e é contraditório), é preciso um Método, uma teoria de interpretação, que consiga servir de instrumento para a sua compreensão, e este instrumento lógico pode ser o método dialético tal qual pensou Marx”.

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produzidas, redefinidas no decorrer do desenvolvimento das relações sociais, da ciência e do conhecimento.

De acordo com Lima e Mioto (2007), o materialismo histórico dialético induz o pesquisador a analisar a contradição, o conflito, o “devir”, a totalidade, a historicidade e a unidade dos contrários, além de compreender as dimensões política, filosófica e social que abrangem o objeto de estudo (LIMA; MIOTO, 2007). Assim, este estudo buscará, a priori, identificar as principais características da nova pedagogia para a hegemonia e promover um delineamento sobre a figura do professor como intelectual orgânico que colaborou para a configuração dessa nova pedagogia.

Desenvolvimento Nas últimas décadas do século XX, com o intuito de contornar tanto a crise4

econômica como a hegemonia política e cultural brasileira, os governos consecutivos do país atribuíram ênfase às ações de reforma estrutural, sobretudo no que concerne às esferas social e ideológica. As políticas definidas nessa conjuntura incluíam reformas conforme a ideologia do “Estado mínimo”, a abertura da economia nacional ao mercado externo, a privatização das empresas públicas e a desregulamentação do trabalho.

Para que esse novo modelo de sociedade e de “cidadão” fosse gestado, as classes dominantes e dirigentes brasileiras estabeleceram mecanismos para efetivar a reforma na aparelhagem estatal, para que, assim, fosse minimizada a intervenção direta do Estado em determinadas áreas, pela privatização de empresas públicas bem como pela constituição de uma nova sociabilidade em consonância com a lógica do capital. Nessa direção, foi conferido um novo valor à educação5 e às políticas sociais de modo geral (LAMARE, 2011).

4 Sob a perspectiva de Souza (2002, p. 74): “os períodos de crise são, na realidade, uma necessidade vital para o capitalismo, pois são nesses momentos que se produzem as rupturas necessárias para a sua continuidade”. 5 Para Lima (2002, p. 45), a educação, no final do século XX, “passa a ser o principal instrumento para o ‘alívio a pobreza’ e para a garantia de desenvolvimento (subordinado) dos países periféricos”.

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A burguesia, então, disseminou o preceito de que o Estado não conseguia suprir por si só as demandas sociais. Em vista disso, era indispensável uma sociedade civil6 mais ativa. Esse discurso passou a fundamentar o surgimento de organizações sociais estruturadas baseadas nos parâmetros empresariais. Nas palavras de Virginia Fontes (2010, p. 258):

A adesão empresarial brasileira ao programa globalizante ou neoliberal [...] expressa um

salto em direção ao novo patamar de concentração de capitais, com a participação de

capitais estrangeiros, exigindo rearranjos no interior da classe dominante brasileira e

resultando em aprofundamento do predomínio do capital monetário, associando

estreitamente os interesses de todos os setores monopolistas: industriais urbanos e

rurais, fabris ou de serviços; comerciais; bancários e financeiros não bancário, que

tiveram enorme crescimento na década.

Diante do presente cenário, vislumbra-se, por meio da burguesia, um movimento com os propósitos de convencer e tornar cada vez mais hegemônicos os princípios, valores e hábitos que orientam a concepção de mundo sob a égide do capital. Como bem afirma Neves (2005, p. 16):

[...] como estratégia de legitimação social da hegemonia burguesa, o Estado brasileiro,

enquanto Estado educador, redefine suas práticas, instaurando, por meio de uma

pedagogia da hegemonia, uma nova relação entre aparelhagem estatal e sociedade civil,

com vistas a estabilizar, no espaço brasileiro, o projeto neoliberal de sociabilidade.

6 De acordo com Gramsci (2000), a sociedade civil corresponde ao campo em que se concebe a materialização dos interesses privados. Para tanto, esse autor salienta que o Estado se fundamenta na ideia de uma categoria, cuja representação corresponde à manifestação e à concretização de uma vontade universal, obtida na interação entre os diversos interesses privados habitantes da sociedade civil. Desse modo, a vontade universal, a partir da qual o Estado opera, corresponde à própria expressão do resultado das negociações essenciais à sociedade civil. A mediação entre o privado e o público, nesse caso, tem início nos interesses individuais, que a posteriori são tidos como particulares. Assim, Gramsci (1999) defende que a sociedade civil compreende a mediação entre a estrutura econômica e o Estado propriamente dito.

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Para essa autora, portanto, o capitalismo neoliberal, difundido por meio de uma nova pedagogia para hegemonia,7 propalou sua lógica em torno da compreensão de que o Estado não pode estar em todos os lugares de forma simultânea. Dessa forma, é imprescindível que cada cidadão, tanto de modo individual como associado, seja responsável pela mudança que deseja na sociedade. Em suas palavras:

a partir de 1995, vêm sendo postas em prática reformas educacionais que alteram

substancialmente as funções econômicas e político-sociais da escola brasileira. Essas

reformas têm por finalidade formar, no espaço nacional, intelectuais urbanos de novo

tipo, ou seja, especialistas e dirigentes que, do ponto de vista técnico, possam aumentar

a competitividade e produtividade do capital, nos marcos de um capitalismo periférico

e, do ponto de vista ético-político, possam criar e difundir uma cidadania política,

baseada na colaboração de classes, corroborando a tese gramsciana de que a escola tem,

no mundo contemporâneo, a função primordial de formar intelectuais de diferentes

níveis (NEVES, 2005, p. 104).

Consoante à discussão, é necessário possibilitar o entendimento tanto do conceito da nova pedagogia para a hegemonia como do processo histórico em que ela se insere, para que, assim, possamos compreender o papel que o professor do atual contexto vem exercendo nas camadas sociais. Dessa maneira, é exatamente no período de redefinição dos fundamentos e das práticas do Estado brasileiro, na perspectiva da consolidação e do aprofundamento do projeto burguês, que surgem algumas práticas pedagógicas constitutivas da atual corrente da pedagogia da hegemonia representada pela Terceira Via. Isso ocorre por um processo em que o Estado ampliado se requalifica historicamente como agente educador.

Em vista disso, fica explícito o papel de relevância que a educação escolar passa a desempenhar, considerando que está ligada à disseminação de uma nova concepção de mundo, ordenada com as práticas político-ideológicas da

7 Lúcia Neves (2010, p. 19) definiu a nova pedagogia da hegemonia enquanto: “uma educação para o consenso em torno das ideias, ideais e práticas adequadas aos interesses privados do grande capital nacional e internacional”.

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burguesia, embora também possa ser usada na luta da classe trabalhadora para a transformação social. Nesse sentido, a educação não detém o papel de mera reprodução das relações sociais dominantes, por ser marcada por intensas contradições, práticas, ideias e lutas capazes de estabelecer limites aos projetos dominantes e ainda de instituir novas direções.8

Desse modo, as reformas educacionais no final do século XX visavam formar um novo intelectual em consonância com os pilares da ideologia burguesa. Esse fato denota a propagação de novos referenciais e práticas sociais que não evidenciam os projetos antagônicos de sociedade, os quais têm como base um modelo de sociabilidade voltado à conciliação de classes (LAMARE, 2011). Nas palavras de Neves (2011, p. 235):

O professor da educação superior e também o da educação básica são intelectuais

orgânicos de projetos de sociabilidade. Eles podem contribuir para consolidar a

hegemonia de um projeto político conservador ou mesmo colaborar na construção de

uma outra direção moral e intelectual em um determinado momento histórico (NEVES,

2011, p. 235).

A escola detém, portanto, um papel imprescindível na formação desses intelectuais tanto em sentido amplo como em sentido estrito, haja vista que representa um espaço de disputa, pois, ao mesmo tempo que atua como reprodutora dos valores do capital, também representa o lugar em que a classe trabalhadora pode instituir probabilidades de transformações dessa lógica. Assim,

a educação escolar neoliberal visa formar homens empreendedores, do ponto de vista

técnico, e homens colaboradores, do ponto de vista ético-político, ou seja, homens que

não mais confrontam valores, conceitos e práticas de exploração e de dominação,

limitando sua intervenção técnica e sócio-política ao aprimoramento das relações

sociais vigentes (NEVES; PRONKO; SANTOS, 2007, p. 166).

8 A escola corrobora com a formação de intelectuais para conservar ou transformar as relações sociais vigentes. Haja vista que são “criadores e disseminadores da cultura” em diferentes níveis e modalidades (MARTINS; NEVES, 2010, p. 32).

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É por esse viés que chegamos à definição de uma nova pedagogia para a hegemonia no mundo contemporâneo, a qual se caracteriza como um conjunto de iniciativas e ações políticas voltadas à legitimação de um novo padrão social, capaz de assegurar o exercício da dominação de classe por meio de processos educativos positivos, para que haja uma consonância social em favor tanto do capitalismo como da burguesia da atualidade.

Assim sendo, a pedagogia para a hegemonia consiste em uma educação em conformidade com uma nova sociabilidade, na qual os sentidos de democracia, cidadania, ética, por exemplo, são redefinidos de acordo com os interesses privados do capital nacional e internacional. Para tanto, o respectivo processo pedagógico objetiva conduzir a um movimento de (re)educação dos indivíduos, propondo-se a estabelecer uma ponte entre os projetos sociais do mundo do capital e do mundo do trabalho. Logo, pode-se entrever que a pedagogia para a hegemonia é produzida e reproduzida pelo próprio Estado e por seus aparelhos públicos. Nas palavras de Gramsci (2001, p. 49):

Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida

e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de tipo

profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos,

predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais

paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvada como democrática,

quando, na realidade, não só é destinado a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a

cristalizá-las em formas chinesas.

Gramsci (2001) defende que, nessa perspectiva, a educação assume o caráter de serviço, uma vez que é direcionada a preparar “homens-máquinas” e, consequentemente, a atender às necessidades imediatas da classe dominante (LAMARE, 2011). Assim, para Gramsci (2001), tal situação somente seria revertida a partir do momento em que o proletariado tomasse consciência de sua força política, de modo que fosse possível libertar suas mentes e corpos do consenso forjado pela classe dominante. Para tanto, seria necessário, primeiramente, lançar mão de dispositivos simbólicos culturais, o que conferiu aos intelectuais orgânicos um papel de fundamental importância. Por isso, abordaremos alguns

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aspectos primordiais sobre a atuação dos docentes no que concerne aos direcionamentos rumo à hegemonia brasileira.

Os reflexos do cenário político neoliberal sob a atuação docente e a política educacional brasileira.

A expansão considerável da educação escolar, conforme foi ressaltado na seção anterior, apresenta-se como um traço marcante no desenvolvimento da política educacional brasileira dos anos de capitalismo neoliberal. Nessa perspectiva, com o mundo cada vez mais posicionado sob o prisma do capital, a formação dos professores passou a adquirir relevância estratégica para a construção e a consolidação de qualquer projeto político-social na atualidade brasileira, quer seja pelo grande contingente desses trabalhadores quer seja pela influência que eles exercem na formação intelectual e política das novas gerações.

De acordo com Lamare (2011), a proposta apresentada para a formação de professores ocorreu por intermédio da perspectiva de profissionalização, conceito que pressupõe profissionalizar os docentes mediante o saber-fazer, que almeja superar a dicotomia entre a prática educativa e a vida, de tal modo que, “buscando retirar do mestre a identidade construída ao longo da história de seu ofício, esvaziando-a de seu sentido original [...], procura construir uma outra mentalidade, competitiva e individualista por excelência” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 99).

Assim, pode-se compreender que o Estado esforçou-se em encontrar medidas para profissionalizar os professores, contudo tal formação passou a ser pautada pelas características requeridas pelo mercado em detrimento de uma formação intelectual ampla. A função social conferida aos professores tem sido paulatinamente direcionada aos interesses do modo de produção capitalista a partir de uma perspectiva dual.

O professor é, então, requisitado para contribuir com o desenvolvimento social e a produção de consensos em prol da hegemonia burguesa, ao passo que tem suas condições de trabalho precarizadas, suas subjetividades corrompidas e sua alienação fortificada pela retirada de sua autonomia e pela ausência de uma formação comprometida com seu desenvolvimento intelectual (ANES, 2015, p. 48). Não obstante, sob a ótica

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do neoliberalismo, o professor deve possuir a capacidade de transformar o aluno em cidadão, flexível, proativo, empreendedor e polivalente. Nas palavras de Lamare (2011, p. 96):

A chamada de “Pedagogia das Competências” ou do “Capital” propõe, então, que o ensino

deva se adequar, permanentemente, às exigências do mercado de trabalho, seguindo,

assim, sua flexibilização. Fica evidenciado que o mercado é o parâmetro e desloca-se o

conceito de qualificação e formação humana para o modelo de competências.

Esse autor ainda afirma que as noções de eficiência, competência, produtividade e competitividade foram, paulatinamente, inseridas no processo de formação dos professores, integrando as reformas educacionais brasileiras. Assim, a denominada “Pedagogia das Competências”9 assinala que o ensino precisa se adaptar, de maneira constante, às demandas do mercado de trabalho, seguindo assim seus princípios de flexibilização. Isso demonstra que o mercado é o parâmetro pelo qual a educação passou a se orientar (LAMARE, 2011, p. 96).

Diante desse cenário, reportar-se à disputa de projetos de sociedade e de sociabilidade é igualmente remeter-se aos processos de formação humana empreendidos, também, pela escola. Assim posto, os espaços de formação de professores foram paulatinamente ampliados, não apenas como resposta às necessidades e às condições atribuídas pelo desenvolvimento econômico, mas como condição primordial para a construção de um projeto de sociedade na formação de uma nova sociabilidade capitalista, cuja burguesia fosse capaz de se perceber como integrante do projeto de liberalismo clássico.

Para Neves (2011, p. 236): “As classes dominantes no Brasil de hoje sabem que é preciso educar os educadores segundo os fundamentos técnicos e ético-políticos de seu projeto de sociedade e de sociabilidade”. O

9 Ramos (2002, p. 295) considera que “a pedagogia das competências [...] assume e se alimenta ao senso comum como lógica orientadora das ações humanas [e] reduz todo sentido do conhecimento ao pragmatismo”.

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professor se insere nesse projeto com o intuito de aumentar a produtividade do trabalho – que se encontra cada vez mais racionalizado – e de, simultaneamente, viabilizar a consolidação do novo padrão de sociabilidade neoliberal no âmbito escolar.

No século XX, especificamente, o professor se inscreve como mediador da expansão tanto do mercado interno brasileiro, da competividade internacional, quanto da consolidação da hegemonia da burguesia por intermédio da difusão de ideias, valores e práticas no ambiente escolar. Nesse contexto, perante a nova roupagem do capitalismo, o professor se insere como um intelectual orgânico da nova pedagogia para a hegemonia.

Gramsci (2002) analisa que os intelectuais não representam um grupo autônomo e independente, mas sim uma criação das classes sociais fundamentais para dar homogeneidade e consciência ao seu projeto de sociedade nas dimensões econômica, política e social. Assim, compreende como intelectual: “todo [indivíduo ou] estrato social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no da cultura e no político-administrativo” (GRAMSCI, 2002, p. 93). Entretanto, salienta que nem todos os indivíduos são capazes de exercer essa função em sentido estrito na sociedade, evidenciando, assim, que o conceito de intelectual precisa ser ampliado.

Gramsci (2002), ao referir-se a esse sentido amplo, oferece bases para uma reflexão acerca da importância da atuação do intelectual tanto na propagação do projeto hegemônico quanto na provável promoção da transformação social. Em suas palavras,

criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas

“originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já

descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de

ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que

uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária

a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a

descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permaneça

como patrimônio de pequenos grupos intelectuais (GRAMSCI apud MARTINS; NEVES,

2010, p. 29).

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A partir de Gramsci (2002), percebemos que, na sociedade contemporânea, o professor passa a desempenhar cada vez mais um papel político significativo no cenário nacional, uma vez que a capilaridade da sua atuação contribui de modo decisivo para a propagação de práticas culturais incorporativas. Sob a perspectiva de Coutinho (2006, p. 115-116), é primordial a atuação dos intelectuais orgânicos como “criadores e propagadores de ideologias”, proporcionando, assim, a socialização do conhecimento, especialmente o conhecimento relacionado ao pensamento social.

Entretanto, dependendo do nível de correspondência das forças sociais em cada formação social concreta, esses intelectuais podem se transformar em produtores e disseminadores de uma hegemonia opositora. Logo, a essência de sua formação e da sua prática profissional, por consequência, é crucial para fomentar a coesão social ou para promover a crítica do status quo (WILLIAMS, 2011; LAMARE, 2011).

Sobre o contexto brasileiro, Neves (2013, p. 4) afirma que

a metamorfose ocorrida nas relações de poder no país a partir de 1995 e a solidez

alcançada pelo projeto capitalista neoliberal permitem assegurar que o professor, em

todos os níveis de ensino, vem se constituindo, no capitalismo contemporâneo, em

importante intelectual orgânico da nova pedagogia da hegemonia.

A reforma educacional brasileira foi gestada nos anos 1990 e materializou-se, no que diz respeito à formação de professores, no início dos anos 2000. As políticas concretizadas pelos governos, em maior parte sob a forma de programas, tiveram como referencial teórico, técnico e ético-político as determinações dos diferentes organismos internacionais. Como exemplo disso temos o governo de Fernando Henrique Cardoso, que instaurou no Brasil um projeto neoliberal de Terceira Via, cuja representação corresponde à atualização do projeto político neoliberal clássico. Com tal propósito, na tentativa de obter um consentimento da população, tendo em vista as novas propostas neoliberais, foram redefinidas as práticas educativas do Estado visando à disseminação de um novo padrão de sociabilidade de modo que

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o novo papel desempenhado pelo Brasil no capitalismo mundial e a consequente ênfase

atribuída à expansão homogeneizada da produção material e simbólica da vida fizeram

redimensionar o papel atribuído à educação escolar e à educação política no país. Se, nos

anos anteriores, era realçada a relação entre educação e inclusão social, a partir de

meados dos anos 2000, sem que esta relação tenha perdido importância, passa a ser

realçada a relação educação e produção, traduzida em melhoria da qualidade de ensino e

um maior protagonismo do empresariado brasileiro nos rumos da educação escolar

(NEVES, 2013, p. 7).

Dessa forma, houve uma transformação na composição e na dinâmica da sociedade civil para que ela se tornasse, gradativamente, um espaço de prestação de serviços sociais e de conciliação dos inúmeros conflitos sociais (NEVES, 2005). As estratégias do bloco no poder do país se concentraram, então, em três movimentos, sendo eles: a disseminação das ideias, valores e práticas neoliberais do projeto político hegemônico, a refuncionalização dos instrumentos de síntese da classe trabalhadora e a criação de novos sujeitos políticos coletivos. De acordo com Martins (2009, p. 112),

no primeiro movimento, a escola, as igrejas e a mídia se constituíram em aparelhos

privados de hegemonia cultural privilegiados por essa ação política. O segundo

movimento procurou trazer para dentro da ordem os conflitos de classe, buscando

apagar a compreensão das contradições capital-trabalho. Os partidos, os sindicatos e os

movimentos sociais populares foram convidados a participar, de forma subalterna, da

implementação das políticas públicas, diluindo o potencial contestador de suas

reivindicações. O terceiro movimento consistiu na criação de novos sujeitos políticos

coletivos voltados majoritariamente para a defesa de interesses específicos de afirmação

de identidades culturais (negros, idosos, mulheres, jovens, gays, entre outros) e a

prestação de serviços sociais. As organizações não governamentais (ONGs) e, mais

tarde, os institutos e fundações empresarias tiveram papel relevante nesse processo.

Nesse contexto, foram empreendidas inúmeras reformas educacionais sob o slogan “Educação para todos”, cujo intuito era o de propiciar a ampliação das oportunidades educacionais, de modo a suprir a carência de estrutura técnica e ético-política da força de trabalho conforme as exigências do projeto neoliberal da Terceira Via.

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Na percepção de Sobrinho e Dias (2006), a formação, em função dos interesses econômicos e produtivos, passou a se revelar como um campo de conflitos e disputas integrado por diferentes forças, fato que ocasionou impactos significativos nas orientações políticas conferidas à educação em todos os níveis de ensino.

Assim, o ensino passou a ser descaracterizado como instituição social voltada à educação, à formação humana e à produção do conhecimento científico, para ceder lugar à sua condição de educação mercantilizada, direcionada para o aprimoramento da capacitação desenvolvida de maneira aligeirada e fragmentada, de maneira a ocasionar um processo de formação superficial e ao mesmo tempo suficiente para impossibilitar ações de contestação (SOBRINHO; DIAS, 2006).

Destarte, o professor, como intelectual orgânico inserido no contexto de reestruturação produtiva, também é acometido pelos impactos do neoliberalismo, haja vista que, para Anes (2015, p. 57), com base em Soares (2007),

seu trabalho é, ao mesmo tempo, supervalorizado porque envolve diretamente

conhecimento e formação, e precarizado porque espera-se dele o necessário para

produzir formações comprometidas com o mercado, justificando assim a sua baixa

remuneração e as condições adversas que afetam sua prática, como salas de aulas cheias

e os inúmeros compromissos burocráticos que assume para corresponder as demandas

o contexto universitário.

Por conseguinte, os professores participaram, em suas múltiplas peculiaridades dos movimentos para a nova pedagogia da hegemonia, quer de forma singular, por intermédio da execução de políticas públicas de propriedade social no seu cotidiano, quer coletivamente, através da participação dos seus organismos representativos nas múltiplas instâncias de acordos sociais. Desse modo, passaram a integrar o grupo de intelectuais

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que, por meio de novas estratégias de repolitização10 da política, propagam essa nova pedagogia (NEVES, 2005). Em vista disso, pode-se inferir que, no cenário brasileiro atual, o professor, em seus mais distintos níveis de discernimento político, tem desempenhado, em sua quase plenitude, o papel de intelectual disseminador da nova pedagogia para a hegemonia.

Considerações finais

Ao longo deste artigo, abordamos o papel estratégico que o professor tem desempenhado tanto na difusão de valores como na disseminação de uma “nova cultura” e de uma nova sociabilidade burguesa, a qual colabora para a estruturação dos indivíduos conforme o modelo hegemônico de sociedade. Nesse sentido, o ensino, paulatinamente, passou a ser redefinido com as transformações sociais, políticas e econômicas pautadas pelo desenvolvimento do capitalismo. Sob a ótica do neoliberalismo de Terceira Via, essas políticas angariaram uma nova roupagem a partir do momento em que velhas propostas se (re)configuraram, instaurando o discurso da formação indispensável de um “novo homem” apto para um “novo tempo” (LAMARE, 2011).

Todavia, faz-se necessário evidenciar que a pesquisa possibilitou a compreensão de que a escola tem obtido um papel central diante do novo capitalismo. Os professores, como intelectuais orgânicos mediadores dessa nova pedagogia da hegemonia, têm a função primordial de cooperar na constituição de atitudes e comportamentos que “preparem” os alunos, em seus mais distintos níveis de ensino, para um mundo de incertezas, de

10 De acordo com Nakamura (2014, p. 84), Marx compreendia que “as instituições sociais não podem aparecer imediatamente em seu significado político, pois isso significaria um retorno à Idade Média. [...] As instituições sociais enquanto tais não têm significado político e só podem então ganhar ‘eficácia e significação política’ quando elas renunciam aos seus interesses para que esses se realizem apenas de maneira puramente ‘formal’ como ‘assunto geral’ do Estado. Por isso, o burguês pode ser cidadão do Estado apenas como indivíduo, ou seja, enquanto ele está em ‘contradição com estas únicas comunidades aí presentes’”.

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modo a incentivar entre os seus discentes um senso recoberto de criticidade.

Para tanto, um novo direcionamento na formação dos professores foi essencial para o desenvolvimento do projeto que visava à nova sociabilidade para o capital. Conforme Oliveira (2008, p. 283), esse projeto teve duas intenções basilares:

formar os novos organizadores da cultura de acordo com as demandas técnicas e ético-

políticas do capitalismo mundializado, e preparar as novas gerações para ser, pensar e

agir de acordo com as exigências do capitalismo contemporâneo, além de prepará-la

para a sobrevivência material e para a convivência social.

Desse modo, perante a redefinição das políticas de formação de professores, houve uma reconfiguração da função do Estado como responsável pelos direitos à educação, além de um intenso estímulo à instauração de parcerias empresariais com os setores da sociedade civil. Portanto, pode-se afirmar que a reforma gestada no Brasil após os anos 1990, sobretudo no campo educacional, ocorreu em meio ao projeto neoliberal de Terceira Via, que era expresso nos princípios da nova pedagogia da hegemonia.

Sendo assim, seja pela implementação de políticas públicas de qualidade social no seu cotidiano ou por meio da participação dos seus organismos representativos nas várias instâncias de pactuação social, os professores vêm se inserindo entre os intelectuais que, a partir de novas estratégias de organização da política, atuam na nova pedagogia da hegemonia.

Referências

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COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

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Diálogos entre a poesia contemporânea no Brasil e em Portugal Dialogues between contemporary poetry in Brazil and Portugal Diálogos entre la poesía contemporánea en Brasil y Portugal

Alexssandro Ribeiro Moura Instituto Federal de Goiás [email protected]

Resumo Este artigo consiste num estudo sobre as principais características da poesia contemporânea no Brasil e em

Portugal. Com o uso de escritos teóricos sobre o percurso poético da tradição universal na modernidade e na pós-

modernidade e a leitura de produções artísticas modernas e contemporâneas, será feito um levantamento de

aspectos que irão compor, gradativamente, o desenvolvimento do pensamento crítico e estético sobre as relações

entre poesia, leitor e poeta.

Palavras-chave: Poesia. Modernidade. Contemporaneidade. Subjetividade. Leitor.

Abstract This paper is a study on the main characteristics of contemporary poetry in Brazil and Portugal. With the use of

theoretical writings about the poetic path of the universal tradition in modernity and post modernity and the

reading of modern and contemporary artistic productions, it will be a survey of aspects that will make gradually

the development of critical thinking and aesthetic thinking about the relationships among poetry, reader and

poet.

Keywords: Poetry. Modernity. Contemporary. Subjectivity. Reader.

Resumen Este trabajo es un estudio sobre las principales características de la poesía contemporánea en Brasil y Portugal.

Con el uso de escritos teóricos sobre la ruta de la tradición poética en la modernidad y la postmodernidad y la

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lectura universal de producciones artísticas modernas y contemporáneas, será una encuesta de los aspectos que

harán gradualmente el desarrollo del pensamiento crítico y estético sobre la relación entre poesía, lector y poeta.

Palabras clave: Poesía. Modernidad. Contemporaneidad. Subjetividad. Lector.

Quando acompanhamos estudos sobre poesia contemporânea constantemente nos deparamos com uma dificuldade sistemática, devido à grande gama de produções que não têm um ponto de convergência tão claro entre elas, como ocorria em outros momentos da história da literatura, a exemplo do romantismo, ou do modernismo.

Um olhar sobre criações poéticas que comungam de uma mesma língua nos dá a sensação de uma maior possibilidade de encontrarmos elos substanciais entre as obras analisadas, mas nem sempre isso ocorre. A poesia brasileira e a poesia portuguesa, embora produzidas em línguas semelhantes, se afastam em alguns aspectos e se aproximam em outros ao longo do percurso literário dos dois países.

Mesmo não se tratando de uma tarefa simples, alguns autores se propõem a observar as principais características da poesia contemporânea no Brasil (NUNES, 2009) e em Portugal (MARTELO, 1999), o que nos indica alguns movimentos específicos de construção em um contexto mais amplo. Além da adoção de estilos que problematizam as ideias de modernidade e pós-modernidade, da exploração de elementos do cotidiano, intensificando os acontecimentos mínimos, e da quebra da noção de elevação das coisas do mundo que o poeta evoca, um aspecto importante que muito aproxima as poesias brasileira e portuguesa é o diálogo com a tradição. T. S. Eliot (1989) via que um olhar para a tradição é um processo natural do escritor, que deve estar consciente de que

ela não pode ser herdada, e se alguém a deseja, deve conquistá-la através de um grande

esforço. Ela envolve, em primeiro lugar, o sentido histórico, que podemos considerar

quase indispensável a alguém que pretenda continuar poeta depois dos vinte e cinco anos;

e o sentido histórico implica a percepção, não apenas da caducidade do passado, mas de

sua presença; o sentido histórico leva um homem a escrever não somente com a própria

geração a que pertencem seus ossos, mas com um sentimento de que toda a literatura

europeia desde Homero e, nela incluída, toda a literatura de seu próprio país têm uma

existência simultânea e constituem uma ordem simultânea. (ELIOT, 1989, p. 38-39).

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A reflexão sobre o termo tradição é complexa, pois evoca e problematiza outros conceitos que acompanham e complementam seu significado. Para Octávio Paz (1984, p. 17-35), a tradição abriga aspectos ambivalentes como a ruptura e a continuidade, já que a ruptura promove outra tradição assim como a não ruptura é capaz de obter um resultado semelhante. Acreditando que a novidade não é efetivamente mudança, porque pode ser uma associação diferente de elementos já existentes, Paz (1984) nos auxilia na observação de que a poesia contemporânea não busca uma ruptura, como os movimentos de vanguarda propunham, e sim uma releitura do passado. Essa releitura não se detém apenas em elevar a tradição como algo sagrado, também questiona os discursos e propostas poéticas de outras épocas e dialoga com eles.

A postura do poeta pós-moderno, que busca um diálogo incessante com o passado, com a tradição literária, nos conduz à inevitável reflexão sobre o significado de contemporaneidade e pós-modernismo. Para Giorgio Agamben (2009, p. 55-73), o contemporâneo não é necessariamente o presente, ele não coincide perfeitamente com o seu tempo. O contemporâneo percebe no mais moderno e contemporâneo os índices e assinaturas do passado. O contemporâneo divide e interpola o tempo. Transforma-o e coloca-o em relação com outros tempos. A imagem proposta por Osip Mandelstam, em que o poeta está na “fratura das vértebras do tempo” (apud AGAMBEN, 2009, p. 61-62), é ideal para entendermos que o poeta faz uma conexão entre tudo o que é matéria de poesia nos diversos tempos e gerações.

Para uma melhor compreensão da contemporaneidade, devemos nos voltar para o conceito de pós-modernismo. Segundo Fredric Jameson (2006, p. 18), “o pós-modernismo se caracteriza por promover algumas reações contra algumas formas do alto modernismo”. Entre essas reações, está a abolição de algumas fronteiras ou a separação entre a alta cultura e a cultura de massa. Desse modo, com a junção de várias áreas do conhecimento na criação artística, haveria uma impossibilidade de demarcação do que é artístico. Jameson (2006, p. 20) vê como dois aspectos significativos do pós-modernismo o pastiche e a esquizofrenia, sendo que os dois realizariam uma nova experiência com o espaço e o

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tempo, o primeiro trazendo o passado à tona e reaproveitando sua produção, e o último inserindo imagens de espaços e tempos diferentes numa mesma realidade.

A poesia contemporânea de Portugal não pode ser compreendida sem um olhar cuidadoso para o modernismo português. Fernando Pinto do Amaral (1991) faz uma análise da gradação de algumas características modernistas para entender as práticas poéticas atuais. Para Amaral (1991, p. 38), a geração de Orpheu é o ponto de partida da poesia contemporânea, pois muitas qualidades desta poesia já eram vistas, mesmo que de forma incipiente, nas produções de Fernando Pessoa e seus seguidores, como, por exemplo, o olhar para o passado como constituição do presente, aproveitando contribuições simbolistas ao mesmo tempo que se propunha uma autonomia da linguagem, uma libertação da palavra, o uso da intelectualização sem deixar de lado a emocionalidade. Na poesia portuguesa atual, segundo Amaral (2003, p. 20), a experiência pessoal substitui a experimentação meramente linguística. O grupo denominado Poetas sem Qualidades tem seguido atualmente, sobretudo com Manuel de Freitas, essa premissa num tom de participação no mundo: “Peço outro ovo cozido./ O poema que espere, se quiser,/ pois <<o pobre tem aquilo que pode ter,/ e o resto é conversa>> - acrescenta/ a Dona Maria ao sal e à pimenta/ com que volto a distrair a fome” (FREITAS, 2002, p. 66). O poema “4 de junho de 2001” alia sua precisão cronológica a fatos corriqueiros que surgem para o poeta, que é um ser comum, semelhante aos outros homens que atuam em diversas funções produtivas. Manuel de Freitas caracteriza, predominantemente, seus seguidores e a si mesmo através de negações, como podemos observar nas palavras do próprio poeta: “Só é possível falar destes poetas negativamente (e ainda bem): aproxima-os a falta de todas as qualidades em que os seus contemporâneos se têm revelado pródigos” (FREITAS, 2002, p. 15). A experiência pessoal envolve também a experiência de leitura. O livro Sic (2002), de Freitas, apresenta como epígrafe os seguintes versos de Mário Sá-Carneiro: “Fingidas, afinal, todas as portas” e no poema Cronofobia (2002, p. 23), aliás, de título bastante irônico, o poeta escreve: “Sou contemporâneo de Villon/ Às vezes escrevo a Montaigne”. Observamos, portanto, que Freitas propõe uma leitura crítica

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do passado. A expressão Sic, do latim, reforça a relação do livro com a tradição, já que essa expressão é utilizada para justificar uma citação que reproduz o conteúdo original da forma com que foi grafado, mesmo que contenha erros ou imperfeições gráficas.

No Brasil, Célia Pedrosa (2008, p. 41-50) vê o cenário cultural atual num processo de esvaziamento de dispositivos de legitimação da poesia, uma vez que a crítica continua contaminada por moldes modernistas de avaliação, mas a autora observa que há uma pluralidade de dicções líricas, que podem ser analisadas pelo viés do anacronismo. Pedrosa (2001) atribui valor positivo a esse viés e demonstra que até mesmo os modernistas brasileiros, como é o caso Mário de Andrade, trabalhavam com o anacrônico na produção literária. Numa perspectiva diferente, mas também relacionando contemporaneidade com tradição, Silviano Santiago (1989) vê no pastiche uma possibilidade de explicação da literatura contemporânea, entendendo tal ocorrência como um suplemento a algo da tradição, que se apresenta como um substituto da paródia modernista, haja vista que a relação com o passado também se modificou. O embate modernista seria substituído por uma reativação crítica pós-modernista. O pós-moderno reconhece: “Toda palavra já foi dita. Isso é/ sabido. E há que ser dita outra vez./ E outra. E cada vez outra. E a mesma./ Nenhum de nós vai reinventar a roda./ E no entanto cada um re-/ inventa, para si. E roda. E canta” (BRITTO, 2007, p. 87).

Reforçando o pensamento de Amaral (2003, p. 20), segundo o qual “os poetas contemporâneos não escrevem contra a geração anterior, rompem com a tradição da ruptura”, podemos refletir com mais rigor sobre o significado do termo anacronismo. Segundo Enzensberger (2003, p. 12), o anacronismo é algo inevitável e, por mais que seja visto de forma pejorativa, como um atraso, está presente nas diversas formas de expressão artística e cultural de uma sociedade. Utilizando o exemplo da massa folhada, cotidianamente repetida pelos padeiros, em que várias camadas de ingredientes entram em contato umas com as outras, o autor observa que o mesmo ocorre com as construções socioculturais ao longo do tempo e afirma que

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o contato entre diferentes camadas do tempo não conduz ao retorno da mesma coisa,

mas a uma interação que, todas as vezes, produz algo novo em ambos os lados. Nesse

sentido, não é apenas o futuro que é imprevisível. O passado também está sujeito a

mudança contínua, transforma-se sem cessar aos olhos de um observador que não

possua uma visão geral de todo o sistema. (ENZENSBERGER, 2003, p. 20).

A relação entre leitor, poeta e poesia sofre certas modificações ao longo da modernidade, segundo João Alexandre Barbosa (1986, p. 13-37), havendo cada vez mais uma exigência de consciência de leitura por parte do leitor, este se torna encarregado de recifrar o texto poético, o que resulta numa passagem da leitura de poesia para uma leitura incrustada na poesia. Se essa configuração pode ameaçar o interesse de um maior público, por exigir um maior grau de formação intelectual para ler o poema, sabemos que, na verdade, “o aparente desprezo é a afirmação da dependência do poeta-leitor” (BARBOSA, 1986, p. 22), porque o leitor assume um papel preponderante na recuperação da qualidade histórica do poema e na compreensão de sua intemporalidade.

A exigência de um leitor crítico e reflexivo promove uma mudança da postura poética que vai da crítica em busca da verdade, no período clássico, para a verdade crítica de si mesma, na era moderna (MACIEL, 1999, p. 19-41). Com a mescla de diferentes tipos de discurso, como o científico e o literário, teremos os poetas críticos em constante multiplicação nos séculos XIX e XX. Para Leyla Perrone-Moisés (apud MACIEL, 1999, p. 31-32), os valores estáveis da crítica tradicional levam ao surgimento dos poetas críticos e estes irão adotar uma visão simultaneísta, privilegiando a sincronicidade sem abandonar a diacronia. Desse modo, os poetas críticos foram os primeiros a teorizar a modernidade. O exemplo de Manoel de Barros é significativo na poesia brasileira, pois o poeta produz ao longo de várias décadas uma poética de reconfiguração de valores e um novo conceito de lirismo: “Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso/ a menos./ Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso/ trocado do que a menos./ A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa/ disfunção lírica./ [...] Essas disfunções líricas acabam por dar mais/ importância aos passarinhos do que aos senadores” (BARROS, 2010, p. 399-400).

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Manoel de Barros expõe em seu livro Ensaios fotográficos: “Escrevi 14 livros/ E deles estou livrado. / São todos repetições do primeiro” (BARROS, 2000, p. 379). A repetição de que trata esse poema nos remete à ideia de escrita simultânea desenhada por Eliot. O ato de escrever é sempre um olhar para trás. Desde suas primeiras obras, como podemos observar em Poemas concebidos sem pecado (1937), Barros apresenta sua preocupação com a possibilidade de ressignificação da palavra poética através de novas associações sintáticas e/ou semânticas e esse exercício é promovido através de uma leitura consciente da tradição. Lembremos o poema “Informações sobre a musa”. O conceito de Musa, utilizado pelo sujeito lírico, é trazido de uma tradição poética clássica, mas a reconfiguração de suas características nos apresenta outra possibilidade de poesia. Ao lermos os versos “Musa pegou no meu braço. Apertou./ Fiquei excitadinho pra mulher. / Levei ela pra um lugar ermo que eu tinha que fazer uma / lírica” (BARROS, 2010, p. 31), vemos que a importância da Musa continua existindo, a mudança que ocorre é na sua relação com o eu poético, ou seja, há uma aproximação entre o corpo do sujeito lírico e o corpo da poesia. É importante lembrarmos que a ideia de sublime continua presente na poética manoelina, mas elementos antes tidos como inúteis ou desnecessários são elevados à condição de peças imprescindíveis para a compreensão da relação do homem com o mundo.

A reflexão crítica sobre a criação poética está presente desde o romantismo, como em Keats com a sua certeza de que “o poeta é a mais antipoética das criaturas na existência, porque não tem identidade, está esperando o tempo todo ocupar algum outro corpo” (apud HAMBURGER, 2008, p. 68). Nos autores do pós-romantismo, essa reflexividade ganha uma dinâmica maior, com a tentativa de afastamento do caráter confessional romântico. Na visão de Hamburger (2008, p. 63), Baudelaire propõe um mergulho no abismo que separa o eu poético de sua identidade, mas não abandona totalmente o eu empírico, enquanto Rimbaud irá dissipar os traços desse eu confessional e Mallarmé irá destruí-lo completamente em sua poesia. A percepção de que o sujeito que se expressa na poesia deve possuir uma identidade descontínua, já que a poesia não se preocupa tanto com o tempo contínuo, e sim com uma dicção inter-relacional, faz com que a verdade da poesia para os escritores modernos seja a verdade das máscaras,

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na qual o poeta, consciente da perda de sua identidade fixa, sente-se capaz de seguir a proposta de Rimbaud ao afirmar que “Je est un autre”, ou a indicação de Baudelaire, ao observar que “o poeta goza do incomparável privilégio de ser, à sua vontade, ele mesmo e outrem” (apud HAMBURGER, 2008, p. 73-74). Muitas vezes as palavras que atribuem sentido preciso não cumprirão seu papel nesse jogo em que o sujeito lírico se projeta para fora de si, provocando uma ambiguidade proposital em que a confusão entre os pronomes eu e ele revela a intenção lírica: “Escalda-me a saliva onde a memória a surpreende,/ costumava-me ele dizer. Começa-se o verão a descolar/ por toda a parte. A uma luz que de nós próprios irradia é/ impossível conhecer seja o que for” (NAVA, 2002, p. 146).

A poesia pós-Baudelaire irá se desenvolver em mais de uma direção, os poetas começam a explorar as verdades em vez de afirmá-las. Dessa forma, veremos um afastamento da tradição hegeliana que opunha subjetividade e objetividade para explicar a poesia lírica em oposição à poesia épica. O eu-lírico moderno se projeta em direção ao exterior para concretizar a sua experiência de pertencimento ao outro. Para realizar esse movimento, é bastante importante a passagem de uma visão filológica para uma visão fenomenológica, “que não considera o sujeito como substância, mas em sua relação com um fora, acentuando a relação em seu ser no mundo e para o outro” (COLLOT, 2004, p. 166-167). A poesia de Luís Miguel Nava nos fornece exemplos de problematização da relação entre identidade-consciência-realidade: “Um lábio contraindo irrealidade/ – é isso o que me traz/ o mar, de que os espelhos são reminiscências” (NAVA, 2002, p. 114). Essa percepção da falta de controle do indivíduo sobre os elementos que o identificam vai estar presente também em José Tolentino Mendonça, que explora o elemento “casa” para demonstrar o seu nem sempre preciso significado: “A casa onde às vezes regresso é tão distante/ da que deixei pela manhã/ no mundo/ [...] Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai/ uma viagem se deu/ entre mãos e o furor/ uma viagem se deu: a noite abate-se fechada/ sobre o meu corpo” (MENDONÇA, 2000, p. 35).

O sujeito lírico acentua suas qualidades de múltipla identificação com os seres e as coisas do mundo no modernismo, e a modernidade deixa como legado uma nova visão sobre poesia: algo que não deve ser visto com uma

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elevação distanciada, já que a poesia está inscrita no mundo e cabe ao poeta olhar para o tempo histórico, rompendo fronteiras espaciais e temporais e utilizando o poema como espaço da experiência. Assim, poetas contemporâneos, como a brasileira Claudia Roquette-Pinto, fazem do poema o lugar de diálogo com grandes nomes da tradição: “Isto, enquanto imprimo/ os teus Hinos à Noite/ nestas folhas ordinárias/ [...] Duzentos anos mais tarde e/ úmidas, ainda” (ROQUETTE-PINTO, 2000, p. 43), versos que ela dedica a Novalis; ou, em outro momento, a poetisa irá utilizar a experiência materna de proteção da criança para compor versos que se universalizam através da consciência particular: “Pequeno pássaro sem presságios/ íntimo do meu (em desabalo) / [...] Sem fôlego, em fast-forward sigo/ o filme contínuo do seu sonho/ [...] Dos grandes perigos te poupo/ se te pouso/ na palma das mãos enormes” (ROQUETTE-PINTO, 2000, p. 73). Esse poeta que lemos hoje em dia quer, inclusive, aproximar sua reflexão poético-crítica de fatos que estão à sua volta, como propõe Luís Quintais (2002, p. 27): “[...] e a paisagem se cerra de signos/ que despertam para a natureza perfeita das pedras,/ vogais, vagarosas sílabas ou fronteiras entre objectos:/ [...] Uma criança – o meu filho – aproxima-se e decreta o fim/ do que se esboçava início”. O poeta português reforça a inscrição da poesia no mundo, com a exposição de elementos palpáveis e incidentais de uma realidade cotidiana.

Ao visualizarmos a poesia contemporânea, podemos observar que muitas características da estética pós-romântica continuam a existir, mesmo que de forma atenuada. A poesia contemporânea retoma o sujeito como aquele que fala no poema, mas modifica a postura romântica, ou seja, o eu biográfico se transforma no eu inscrito no mundo. Portanto, a crise de versos, sugerida por Mallarmé como tendência moderna, de acordo com Siscar (2008, p. 211), propiciou uma capacidade de mobilização da tradição por parte dos poetas contemporâneos, que se veem influenciados por várias dicções poéticas, que não prescrevem formas específicas de criação. O uso do verso livre, a possibilidade do poema em prosa e a poesia narrativa promovem um reencontro da poesia com o leitor. Cada vez mais o leitor pode compartilhar um processo de redenção do caráter existencial em relação ao estético, que, em seu auge, valorizou mais a poesia como

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atividade linguística e menos como leitura crítica de um sujeito que se reconhece nos fragmentos. A identidade metonímica, vista como constituinte do sujeito da modernidade (COMBE, 1999, p. 10), abre espaço tanto para a experiência autobiográfica quanto para a incorporação de outras subjetividades. A perda da aura do poeta abre espaço tanto para nostalgia do sublime quanto para a sublimação do baixo. O poema pode apresentar um olhar imagético sobre o mundo, apresentando uma subjetividade sem a presença manifesta de um sujeito, sem indícios da presença de um “eu”, o que ocorre, de modo significativo, em Manoel de Barros, por exemplo, quando o autor define os conceitos de poesia e poeta:

Poesia, s. f.

Raiz de água larga no rosto da noite

Produto de uma pessoa inclinada a antro

Remanso que um riacho faz sob o caule da manhã

Espécie de réstia espantada que sai pelas frinchas

de um homem

Designa também a armação de objetos lúdicos

Com emprego de palavras imagens cores sons etc.

- geralmente feitos por crianças pessoas esquisitas

Loucos e bêbados (BARROS, 2010, p. 181)

Poeta, s. m. f.

Indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu

Espécie de vasadouro para contradições

Sabiá com trevas

Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como

um rosto (BARROS, 2010, p. 182).

A proposta de um glossário indica a configuração de poesia que incorpora o discurso corrente da própria língua; portanto, o poema também é o lugar da exposição dos conceitos, mesmo que, conforme o título do texto, trate-se de um “Glossário de transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) ou menos”.

A sensibilidade criadora pode ainda trazer um viés anacrônico para representar uma dificuldade do dia a dia, como podemos perceber nos

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seguintes versos: “Estou acorrentado a este penhasco/ logo eu que roubei o fogo dos céus/ [...] Artur diz ‘claro’ e recomenda um amigo/ que parcela pacotes de excursões. / Abutres devoram-me as decisões” (CÍCERO, 2002, p. 33). A permeabilidade de tempos históricos coloca lado a lado o conhecido mito de Prometeu e a angústia do sujeito do presente, a memória intertextual se alia à experiência de vida na representação da subjetividade.

A relação do poeta com a mitologia, com a criação, pode utilizar a ironia a fim de propor um novo olhar para o verso poético, que não abandona a erudição, a leitura do passado, mas não se anula diante dele, mostrando sua inscrição na condução de uma nova visão que dessacraliza o poema e o tom elevado que, porventura, venha a envolvê-lo. Antonio Cícero apresenta essa nova possibilidade de abordagem, que, presente desde o título deste seu poema (em latim), intensifica-se ao longo dos versos:

Deus ex machina

Serei ainda mais um decassílabo

E mais um soneto e ainda por cima

Invocarei, só por questão de rima,

Figuras mitológicas, feito Ícaro,

Cativo do labirinto que Dédalo,

Seu pai, artífice também das asas

Que brindariam ao filho, bipétalo,

Seu mergulho no azul, arquitetara.

Dédalo explicou a precariedade

Do artefacto de papel e madeira

Colados com cola de goma-arábica

Que o sol dissolve. Mas agora é tarde

E a geringonça rasga o céu à beira

Do nada, seu destino, sua dádiva

(CÍCERO, 2002, p. 35).

A poesia brasileira e a poesia portuguesa abrem margem para dicções que se complementam e interpenetram-se na procura de um diálogo com as várias formas de conhecimento e informação a que temos acesso na contemporaneidade. Os elementos urbanos, a narratividade, a descrição crua das relações humanas, tudo isso pode se transformar em verso, por

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exemplo, nas mãos de Manuel de Freitas, que realiza esse processo no poema “Sumário”:

Tão real que até faz pena. Tirou

a dentadura para sorver as últimas pedras

de gin no cibercafé do bairro alto.

Depois descalçou-se e foi outra vez

estrangeira e loura, como se houvesse morte

para isto. Aquela que haverá, decerto,

e nos encontra mudos ao final da tarde.

Nós, digamos assim, tínhamos visto tudo.

Só não sei quem chorava mais: tu

ou o ar condicionado da 24 de Julho.

Os semáforos, em vez de coração,

lembravam um pénis no lavatório

à espera de outro poema

E da vida nem por isso

(FREITAS, 2002, p. 31).

O poema de Manuel de Freitas apresenta personagens, espaços reconhecíveis geograficamente, mas a linguagem cria, ao longo dos versos, metáforas compostas por associações de imagens inusitadas, que ganham densidade com as quebras provocadas pelo uso do enjambement e dão ao texto um caráter marcadamente lírico.

Quando pensamos no quadro atual da poesia no Brasil e em Portugal, vemos que existem características universais que permeiam a criação poética dos dois países e aspectos específicos que se justificam pelo desenvolvimento sociocultural distinto (ALVES, 2003, p. 83- 92). A história literária portuguesa possui maior extensão que a história literária brasileira, e o modernismo literário ocorreu de forma distinta em cada uma delas, o que influenciou bastante a formação diversa de seus poetas contemporâneos. Enquanto no Brasil a proposta modernista era de criação da identidade nacional, em Portugal adotou-se certo tom de nostalgia em relação às suas bases de fundação literárias. Sabemos que é característico do

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poeta contemporâneo fazer uma leitura crítica do passado; então, passados diferentes nos levarão a leituras diferentes, embora saibamos que a universalidade da poesia torna grande parte do passado comum a todos. Sendo assim, momentos recentes da poesia brasileira, como a Poesia Marginal, possuem grandes confluências com os Poetas sem Qualidade portugueses, entre elas a narratividade e a recusa ao formalismo. A presença de poetas críticos é uma qualidade em comum aos brasileiros e aos portugueses, assim como o resgate da tradição através de uma perspectiva reflexiva. A escrita poética no Brasil não possui a mesma aceitação que a portuguesa e o número de leitores e escritores no Brasil é menor. Poderíamos explicar esse fenômeno pelo fato de que, em geral, os poetas brasileiros possuem uma escrita mais hermética, atraindo predominantemente a leitura de um público especializado, enquanto os jovens poetas portugueses assimilam com maior facilidade uma escrita mais voltada para o cotidiano, com uma linguagem mais “palatável”, sem que com isso se percam a dicção e o ritmo poéticos.

Podemos enxergar nessas características não necessariamente um distanciamento de estéticas poéticas, pois, como temos visto ao longo da história da literatura, existem escritores que possuem a capacidade de ultrapassar fronteiras nacionais e linguísticas, e é a partir do legado desses escritores que se constroem uma tradição e uma cultura literária.

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A cultura da evasão: diferenças entre os evadidos e os permanentes no Curso de Licenciatura em Química do IFG/Câmpus Uruaçu The Culture of Evasion: Differences Between Dropouts and Permanent in the Course of Degree in Chemistry from the IFG/Campus Uruaçu La Cultura de la Evasión: diferencias entre los evadidos y los permanentes en el Curso de Licenciatura en Química del IFG/Campus Uruaçu

Adel Fernando de Almeida Vanny Instituto Federal de Goiás [email protected]

Wolney Heleno de Matos Instituto Federal de Goiás [email protected]

Marcilene Dias Bruno de Almeida Instituto Federal de Goiás [email protected]

Mayara da Silva Bastos Montenegro Instituto Federal de Goiás [email protected]

Resumo O presente artigo tem como objetivo delimitar aspectos comuns aos estudantes evadidos e aspectos que se

apresentam em estudantes permanentes no curso de Licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia de Goiás – Campus de Uruaçu. Para tanto, fez-se uso de questionários para a coleta e

análise de dados sobre a questão da evasão entre os anos de 2011 a 2013. A partir disso, tornou-se possível

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estabelecer diferenças entre os grupos de alunos que evadiram e os que permaneceram no curso. Como

resultado, o grupo dos evadidos sustentou especificidades que apontam para características culturais, referentes

a uma desvinculação e desvalorização da educação frente ao mundo do trabalho, ou seja, vem à tona o indício de

que os estudantes em questão carregam traços específicos de uma sociedade industrial, na qual há pouco espaço

à valorização da vida acadêmica como alternativa de ascensão profissional e social.

Palavras-chave: Educação. Evasão. Química. Licenciatura.

Abstract This article aims to define common aspects to students who dropped out and aspects which are in permanent

students in the Bachelor's Degree in Chemistry from the Instituto Federal de Goiás- Campus Uruaçu. Therefore,

this work made use of questionnaires for collecting and analyzing information about evasion between the years

2011 to 2013. From this, it became possible to establish differences between the groups of students who

dropped out and those who remained in the course. As a result, the group of drop out had characteristics related

to culture, relating to a untying and devaluation of the education in relation to the labor market, that is, this

presents the evidence that the students in question carry specific features of an industrial society in which there

is little room for appreciation of academic life as an alternative to professional and social advancement.

Keywords: Education. Evasion. Chemistry. Degree.

Resumen El presente artículo tiene como objetivos delimitar aspectos comunes a los estudiantes evadidos y aspectos que

se presentan en estudiantes permanentes en el curso de Licenciatura en Química del Instituto Federal de

Educación, Ciencia y Tecnología de Goiás - Campus de Uruaçu. Para ello, se hicieron uso de cuestionarios para la

recolección y análisis de datos sobre la cuestión de la evasión entre los años 2011 a 2013. A partir de eso, se hizo

posible establecer diferencias entre los grupos de alumnos que evadieron y los que permanecieron en el curso.

Como resultado, el grupo de los evadidos sostuvo especificidades que apuntan a características culturales,

referentes a una desvinculación y desvalorización de la educación frente al mundo del trabajo, o sea, viene a la

luz el indicio de que los estudiantes en cuestión cargan rasgos específicos de una sociedad industrial, en la que

hay poco espacio a la valorización de la vida académica como alternativa de ascenso profesional y social.

Palabras Clave: Educación. Evasión. Química. Licenciatura.

Este artigo propõe-se à apresentação e análise dos dados obtidos em dois projetos de pesquisa desenvolvidos no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG)/Câmpus Uruaçu, voltados ao tema da evasão estudantil na Licenciatura em Química. O primeiro projeto, intitulado “Evasão no IFG Campus Uruaçu: análise e identificação dos aspectos comuns”, teve início oficial em março de 2012 e terminou em

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fevereiro de 2013, entretanto começou a colher dados sobre evasão no Campus desde o ano de 2011. Os resultados do primeiro projeto decorrem de pesquisas realizadas sobre todos os cursos do Câmpus (integrado em Informática, integrado em Química, integrado em Edificações, subsequente em Edificações, licenciatura em Química e PROEJA em Informática). O relatório final apontou para causas culturais referentes à visão de mundo dos acadêmicos como causa predominante para a evasão estudantil no IFG/Câmpus Uruaçu. O segundo projeto, de um PIBIC/CNPq, voltou-se apenas para o curso de Licenciatura em Química, tendo como título “Evasão na Graduação em Química no IFG/Câmpus Uruaçu: identificação de características comuns entre os evadidos”. Os dados para esse projeto começaram a ser coletados em agosto de 2012 com as duas turmas ingressantes na Licenciatura em Química do mesmo ano. O resultado desse segundo projeto corrobora as conclusões do anterior e permite particularizar a hipótese de causa central da evasão na instituição para o curso de licenciatura do Câmpus.

Para o desenvolvimento do trabalho, foram utilizados dois questionários. O primeiro questionário buscou alcançar características relacionadas aos estudantes, no que diz respeito aos seguintes itens: valores pessoais, expectativas educacionais e profissionais, condições educacionais do IFG Campus Uruaçu, (primeiro projeto) e disponibilidade de tempo para os estudos (item que foi adicionado ao questionário do segundo projeto). As respostas tinham um valor específico para cada questionário. No discente variavam de A a C. As respostas A sugeriam maiores intensidades (referente a valores e expectativas do estudante) e iam decaindo até a C (menores intensidades). No socioeconômico variavam da A a E, indicando o grupo socioeconômico ao qual pertenciam (não foram encontrados alunos da classe E; por essa razão, essa letra não estará presente nos gráficos). Para visualização desse questionário, ver Anexo I. O segundo questionário visou caracterizar os aspectos socioeconômicos. Para tal questionário, foi usado um modelo proposto pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), de 2008, com eventuais atualizações referentes ao vocabulário defasado. Para visualização do referido questionário, ver Anexo II.

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Após a tabulação dos questionários e a geração dos gráficos, foi possível obter três constatações relevantes: I. não houve uma variação significativa entre os gráficos obtidos no segundo projeto em comparação aos gráficos obtidos no primeiro projeto; II. contrariando as notórias expectativas, não ocorreu evasão acentuada dos indivíduos de classe econômica D; III. na questão adicionada ao questionário discente, sobre disponibilidade de tempo dos estudantes, também não houve resultados significativos para os gráficos do último projeto.

O primeiro resultado fez com que se mantivessem as conclusões do projeto anterior, no qual o aspecto fundamental, tanto para evasão quanto para permanência, foi indicado como cultural, dado que advinha de uma visão de mundo referente à valorização efetiva do trabalho acadêmico. O segundo resultado fortaleceu a ideia apresentada no relatório final do projeto anterior de que, no Câmpus Uruaçu, não se verifica efetivamente, como condição determinante, o abandono escolar devido às condições socioeconômicas. O terceiro não possibilitou comprovar ou refutar a hipótese de que a evasão está diretamente relacionada com a pouca disponibilidade de tempo do estudante para se dedicar aos estudos, haja vista a insuficiência de dados, pela inclusão da questão apenas no último questionário.

Nota-se que, no que tange ao segundo projeto, a quantidade de acadêmicos frequentes que responderam aos questionários foi relativamente pequena, assim como a quantidade de evadidos. Com isso, não foi possível chegar a resultados estatísticos conclusivos, no entanto, ao somar os resultados de ambos os projetos (referentes ao curso de Licenciatura em Química), amplia-se o número de alunos pesquisados e confere-se maior consistência aos resultados da primeira pesquisa.

O problema da evasão

Os dados sobre a evasão para o ensino superior no Brasil são bem preocupantes. Segundo Nogueira (2011), “apenas 47,2% dos estudantes se titularam após quatro anos de curso”. O autor segue lembrando que a evasão é um problema nacional, “no ensino superior, no ano de 2009,

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segundo o censo da educação superior do Ministério da Educação, o índice de abandono escolar foi de 20,9%, levando a um prejuízo de 9 bilhões para o país” (NOGUEIRA, 2011). Do mesmo modo, um artigo sobre evasão na Universidade Federal do Rio de Janeiro destaca que ela deve ser contabilizada como item de despesa para o Estado no ensino superior público (MACHADO, 2005, p.2). Nesse sentido, diversas instituições de ensino superior vêm realizando estudos sobre a evasão para tentar erradicá-la ou amenizar os seus efeitos. Nesse contexto, os resultados destacados neste artigo buscam contribuir para o alcance desses objetivos nos cursos de Licenciatura em Química das instituições de educação pública brasileiras.

Diante desse panorama, deve-se ter em vista que a evasão nos cursos de Química é um problema notório e difícil de ser tratado, pois suas causas não são de modo algum fáceis de detectar. Muito disso resulta do fato de que cada região, cada Instituição de Ensino e cada estudante tem suas particularidades. Não obstante, as instituições de cursos superiores parecem compartilhar problemas fundamentais que dificultam a minimização das taxas de evasão. Isso fica bem destacado nesta análise de Machado (2005, p. 2):

Não há uma causa única responsável pela evasão nos Cursos de Química. Se assim fosse,

a solução para tal evasão seria facilmente encontrada. Independente dos aspectos

regionais que não podem ser minimizados, percebe-se que muitas das causas da evasão

são comuns a quase todos os Cursos de Química das Instituições Federais de Ensino

Superior (IFES).

Das possíveis causas da evasão nos cursos superiores de Química, buscou-se, com base em trabalhos publicados sobre o tema, fazer um levantamento daquelas que são mais comuns, tendo como objetivo corroborar ou refutar, a partir dos resultados aferidos pela pesquisa, as hipóteses de causas da evasão presentes no curso de Licenciatura em Química do IFG/Câmpus Uruaçu. Em vista disso, possíveis causas da evasão na Licenciatura em Química podem estar relacionadas com reprovações recorrentes nas mesmas disciplinas (CUNHA, 2000, p.4). Isso faz com que o aluno se desestimule com o curso, pois não consegue atingir sua meta, que é ser aprovado.

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Os fatores socioeconômicos ganham destaque central por Braga (1997, p. 440), em trabalho que relaciona essa característica ao índice de evasão da Universidade Federal de Minas Gerais. Machado (2005, p. 2), em consonância, considera que os fatores principais da evasão no curso de Química da UFRJ, sem desconsiderar a existência de causas secundárias, são os aspectos socioeconômicos e, ademais, a pouca idade dos alunos ao escolher o curso. Esses fatores contribuiriam para uma falta de condições e para uma ausência de vontade dos jovens em permanecer no curso. O desinteresse pelo curso e a qualidade das licenciaturas aparecem como causas de evasão em artigo que analisa dados da Universidade Federal do Ceará, como fica sublinhado na seguinte passagem, que foi precedida da ideia de que muitos estudantes evadem por encontrarem nas licenciaturas uma forma de ingresso com baixa concorrência no Ensino Superior:

o Censo do Ensino Superior revela que a sobra de vagas é predominante nos cursos de

Licenciatura, pouco atraentes para quem está ingressando no ensino superior. O

desinteresse pelas áreas de Licenciatura pode estar sendo influenciado pela baixa

qualidade do ensino e pelo surgimento de novas carreiras, sinalizando que estes cursos

precisam melhorar sua qualidade, já que faltam professores qualificados para dar aulas

no ensino fundamental e no ensino médio. (MAZZETTO, 2002, 1207)

A qualidade das licenciaturas é destacada também por Gonçalves (2007, p.3) e por Passoni (2012, p. 201) como entrave ao desenvolvimento educacional, ao interesse profissional e ao próprio aprimoramento da visão de mundo técnico científico dos cursos de Licenciatura em Química, contribuindo com os diversos problemas associados à educação, ainda que as prerrogativas da legislação educacional brasileira busquem mudar esse quadro.

Para Thomas Corts, ex-presidente da Samford University, “estudantes não abandonam faculdades por grandes razões, mas por acúmulo de pequenas razões que destroem suas justificativas de escolha de uma instituição” (apud SILVA FILHO, 2007, p. 1). Em estudo de caso, Bardagi (2008) aponta para o apoio parental como uma pilastra para incentivo à escolha e à permanência do estudante no curso superior pelo qual este

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optou, adicionando que pesquisadores “observaram influências nos valores de trabalho entre pais e filhos, especialmente em relação à busca por realização profissional ou estabilidade” (BARDAGI, 2008, p.33).

O número de possíveis causas para evasão, como se pode notar, é crescente e variado, ainda que algumas sejam repetidas. Como cuidado metodológico, no decorrer deste trabalho, procurou-se não pressupor qualquer uma dessas hipóteses apresentadas, ou outra não apresentada, sobre a origem da evasão, pois, como propõe Hempel (1970, p. 17), uma hipótese precisa ser devidamente testada, sem se correr o risco de assumir uma causa antes da devida verificação. Isso não significa a exclusão da possibilidade de tais causas serem efetivamente a origem da evasão, mas sim juntar um número apropriado de dados para testá-las. Assim, esta pesquisa é desdobramento de outro projeto pensado igualmente para amenizar a evasão no IFG/Câmpus Uruaçu, sendo que, como o estudo anterior, não vai partir de nenhuma hipótese básica, mas sim, após colher os dados, identificar características comuns, de uma parte, entre estudantes evadidos e, de outra, entres estudantes permanentes. Essas características deverão servir para fornecer ou refutar possíveis hipóteses sobre a evasão e, consequentemente, para guiar ações voltadas à redução desse problema.

Resultados obtidos

Os gráficos de 1 a 4 apontam indícios que levam a considerar a questão da evasão na licenciatura em Química no IFG/Câmpus Uruaçu, como um problema, na maioria dos casos, de fundo cultural.

Para o apropriado entendimento dos gráficos a seguir, cabe notar que as barras apresentadas em cores distintas representam o grau de intensidade, destacado de A a D, excetuando-se a questão 12, na qual tais letras dizem respeito à situação socioeconômica. As colunas dos gráficos concernem às questões feitas no questionário discente e estão representadas pela letra Q seguida do respectivo número da questão, salvo a questão 12 (Q12), que diz respeito à classificação socioeconômica.

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No Gráfico 1, apresenta-se o número total de alunos aferidos na licenciatura em Química, com suas respectivas respostas para cada uma das questões analisadas. Ressalta-se, novamente, que a questão 12 (Q12) diz respeito à delimitação socioeconômica, cuja classificação foi obtida pelo segundo questionário.

Gráfico 1 – Amostragem total de estudantes que responderam à pesquisa entre 2011 e 2013

No Gráfico 2, nota-se o grupo de alunos que evadiram no curso de Licenciatura em Química.

Gráfico 2 – Amostragem apenas dos estudantes evadidos que responderam à pesquisa entre

2011 e 2013

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Em seguida, observa-se o gráfico dos estudantes que permaneceram no curso de Licenciatura em Química (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Amostragem dos estudantes que permaneceram no curso e responderam à pesquisa

entre 2011 e 2013

Analisando os gráficos 1 e 2, tal como se apresenta no relatório final da primeira pesquisa, percebe-se que na questão número 4 (grau de expectativa com relação à própria educação), os permanentes indicaram ter maior intensidade (Gráfico 2). A questão 5 igualmente apresentou números em que, quanto maior as expectativas profissionais, menor a evasão. Da mesma forma, a questão 6 demonstra uma leve relação entre a expectativa salarial maior, projetada pelo estudante para seu futuro, e uma menor evasão. Na questão 9 e 10, referentes à expectativa com relação à instituição de ensino, nota-se que os índices mais altos não aparecem no gráfico de evadidos (Gráfico 2), ou seja, os estudantes que apresentaram expectativas altas com relação à instituição não evadiram. A questão 12 traz um ponto de destaque: entre os indivíduos de situação socioeconômica mais baixa (D), não houve evasão, somando-se à conclusão do projeto básico de que tal situação não é determinante para a evasão no IFG/Câmpus Uruaçu e abrindo a perspectiva de que não está entre as causas mais recorrentes.

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Feitas essas considerações, nota-se então que a evasão é mais frequente entre os estudantes que possuem menores expectativas com relação ao seu futuro acadêmico e profissional, características de uma concepção cultural que não vincula o desenvolvimento acadêmico com ganhos profissionais e não assume a ideia de que a sociedade atual já não é fundamentalmente industrial, isto é, não está voltada basicamente para a formação de mão de obra na qual bastasse compreender operações mecânicas simples. Trata-se, aparentemente, de uma visão de mundo herdada em que o trabalho braçal e mecânico permanece sendo assumido como resposta imediata no que concerne às questões profissionais. Não obstante, a sociedade contemporânea, muitas vezes chamada de sociedade do conhecimento, necessita e valoriza os indivíduos com maior grau educacional. De acordo com Marcos Cavalcanti (2012), a incompreensão dessa transformação é um atraso cultural que está presente e marca o Sistema Educacional Brasileiro. Tal necessidade de valorização do desenvolvimento educacional, apontam os dados da pesquisa, não condiz com a visão de mundo que o estudante traz em sua bagagem cultural para os cursos do IFG/Câmpus Uruaçu.

Em convergência, em artigo apresentado na virada do século, Moacir Gadotti (2000) problematizava as perspectivas da educação na contemporaneidade. Para ele, no que se refere ao lugar central dado ao conhecimento em todos os setores da sociedade atual, “pode-se dizer que se vive mesmo na era do conhecimento, na sociedade do conhecimento, sobretudo em consequência da informatização e do processo de globalização das telecomunicações a ela associada” (GADOTTI, 2000, p.7). Trata-se, assim como propõe Cavalcanti (2012), de um momento histórico de mudanças de paradigmas, análogo ao que se deu no passado com a Revolução Agrícola e a Revolução Industrial.”

Nesse sentido, vigora um conflito entre visões culturais próprias de sociedades em que os recursos básicos fundamentais diferem hierarquicamente. De acordo com Antunes (2000, p. 33), não significa que o conhecimento substitua a indústria, mas sim que ele se alia a ela, como recurso econômico, passando a ocupar um lugar central. O que se nota, entretanto, é um descompasso entre tais mudanças culturais e a Educação. Ainda se mantém, principalmente no ensino básico, uma Educação

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projetada em pedagogias basicamente tradicionais e voltada para uma “sociedade industrial”, que prepara mão de obra para processos técnicos industriais (fato que pode ser bem observado no documentário Pro dia nascer feliz, dirigido por João Jardim, no ano de 2004 e 2005). Os métodos e técnicas educacionais encontram-se em grave defasagem, frente às necessidades básicas da sociedade contemporânea, como Gadotti (2000, p. 5) previa:

Os que defendem a informatização da educação sustentam que é preciso mudar

profundamente os métodos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é

peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvolver a memória. Para ele, a função

da escola será, cada vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso é preciso

dominar mais metodologias e linguagens, inclusive a linguagem eletrônica.

Isso não deve ser entendido como um mero problema de adequação didática às novas exigências tecnológicas; o problema é de cunho imensamente mais amplo, tanto no campo educacional quanto no panorama político. Gadotti (2000, p. 6) já destacava como tarefa a ser realizada:

Neste começo de um novo milênio, a educação apresenta-se numa dupla encruzilhada:

de um lado, o desempenho do sistema escolar não tem dado conta da universalização da

educação básica de qualidade; de outro, as novas matrizes teóricas não apresentam

ainda a consistência global necessária para indicar caminhos realmente seguros numa

época de profundas e rápidas transformações.

Visto isso, é preciso frisar que os resultados deste trabalho não buscam reduzir o problema da evasão a um conflito cultural ou a uma inadequação educacional aos novos paradigmas sociais globalizados, mas destacam indícios de tal problemática, primeiramente, nas altas expectativas referentes à educação pessoal, que em geral os acadêmicos permanentes mostraram, e, em segundo lugar, no vínculo entre Educação e profissionalização, também mais presente em tal grupo.

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Considerações finais

Com base nos resultados obtidos pelas pesquisas sobre evasão no IFG/Câmpus Uruaçu, sugere-se que a evasão na região norte goiana resulta fundamentalmente de características culturais voltadas para: I. resultados imediatos, sem esforço acadêmico; II. desvinculação do curso superior com um projeto de vida; III. desvalorização do curso de Licenciatura no que se refere à compensação financeira. Ademais, nota-se que a condição socioeconômica dos estudantes não vigora como causa determinante para o abandono do curso. Se isso se dá por políticas assistenciais ou melhoria da renda econômica da população brasileira (no período de desenvolvimento da pesquisa), não será possível visualizar aqui, posto que não há indícios levantados pelo trabalho que autorizem a discussão sobre o tema. Mas, ainda que se assuma a proposta referente às políticas assistenciais, é preciso lembrar que a manutenção dos grupos de menor renda no curso de Licenciatura em Química não diminui os altos índices de evasão, o que indica causas adicionais para tais índices. Em síntese, a ideia de que a maior parte da evasão escolar do IFG/Câmpus Uruaçu deriva de causas culturais segue e reafirma-se no curso de Química.

Como sugestões, elaboram-se as seguintes propostas: 1) ações de médio e longo prazo, no sentido de estimular e informar os discentes sobre oportunidades que o curso de Licenciatura em Química oferece; 2) ações de médio e longo prazo, para avaliar o aumento referente ao número dos evadidos; 3) ações de curto e médio prazo, para demostrar exemplos de antigos e atuais estudantes que obtiveram avanço social e profissional a partir da Educação ofertada no curso de Química; 4) criação de um espaço online para a apresentação de depoimentos de estudantes a respeito de suas experiências no Curso e no mercado de trabalho.

Referências

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Anexo I Questionário discente Nome: ________________________________________________________

Curso: ________________________________________________________

Período: ________________________________________________________

Na busca por melhorar a qualidade da educação no IFG/Uruaçu, procure

responder as questões abaixo com o máximo de sinceridade, marcando apenas uma alternativa para cada questão.

I.

1. Você tem uma religião? Se sim, com que frequência vai à igreja?

☐ NÃO.

☐ SIM. VOU RARAMENTE OU NÃO COSTUMO IR À IGREJA.

☐ SIM. UMA VEZ POR MÊS.

☐ SIM. MAIS DE UMA VEZ POR MÊS.

2. Você segue alguma tendência política?

☐ NÃO.

☐ SIM. SIMPATIZO COM TENDÊNCIAS SOCIAIS.

☐ SIM. SIMPATIZO COM TENDÊNCIAS LIBERAIS.

☐ SIM. DEFENDO TENDÊNCIAS POLÍTICAS.

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3. Quanto aos valores, qual das sequências a seguir melhor representa suas prioridades?

☐ EDUCACIONAIS, PROFISSIONAIS, FAMILIARES.

☐ PROFISSIONAIS, EDUCACIONAIS, FAMILIARES.

☐ PROFISSIONAIS, FAMILIARES, EDUCACIONAIS.

☐ FAMILIARES, PROFISSIONAIS, EDUCACIONAIS.

II.

4. Qual a sua expectativa com relação a sua educação?

☐ TER O ENSINO MÉDIO PROFISSIONALIZANTE.

☐ TER UM CURSO SUPERIOR.

☐ FAZER UMA ESPECIALIZAÇÃO.

☐ FAZER MESTRADO E/OU DOUTORADO.

5. Qual o seu planejamento quanto ao seu futuro profissional?

☐ CONSEGUIR UM EMPREGO FIXO.

☐ REALIZAR CONCURSOS EM DIVERSAS ÁREAS.

☐ MUDAR PARA UM EMPREGO NA MINHA ÁREA DE INTERESSE.

☐ REALIZAR CONCURSOS NA MINHA ÁREA DE INTERESSE.

6. Em vista das necessidades e interesses pessoais, quanto você pensa ser um bom salário?

☐ ATÉ MIL REAIS.

☐ ATÉ DOIS MIL REAIS.

☐ DE TRÊS MIL A QUATRO MIL REAIS.

☐ ACIMA DE QUATRO MIL REAIS.

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III.

7. Quanto ao espaço físico da instituição, você classificaria como:

☐ ÓTIMO. ☐ BOM.

☐ SUFICIENTE. ☐ INADEQUADO.

8. Quanto aos professores, nos aspectos conhecimento e habilidades didáticas, você os classificaria como:

☐ ÓTIMO. ☐ BOM.

☐ SUFICIENTE. ☐ INADEQUADO.

9. Quanto aos professores, nos aspectos atenção ao aluno e abertura para o diálogo, você os classificaria como:

☐ ÓTIMO. ☐ BOM.

☐ SUFICIENTE. ☐ INADEQUADO.

10. A biblioteca atende seus interesses e necessidades?

☐ NÃO FREQUENTO. ☐ SIM.

☐ SUFICIENTEMENTE. ☐ NÃO.

IV.

11. Você possui um emprego ou estuda em outra Instituição?

☐ ESTUDO APENAS NO IFG.

☐ ESTUDO NO IFG E EM OUTRA INSTITUIÇÃO.

☐ TENHO UM EMPREGO E ESTUDO NO IFG.

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Anexo II Questão 12

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS/CAMPUS URUAÇU

CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO ECONÔMICA BRASIL (Associação Brasileira de Empresa de Pesquisa - ABEP, 2003)

Nome: ________________________________________________________

Turno: ________________________________________________________

Curso: ________________________________________________________

Turma: ________________________________________________________

1. Quais e quantos destes itens você possui na sua casa? Marque a quantidade de Itens 0 1 2 3 4 ou +

☐ TELEVISÃO EM CORES

☐ RÁDIO

☐ BANHEIRO

☐ AUTOMÓVEL

☐ EMPREGADA MENSALISTA

☐ MÁQUINA DE LAVAR

☐ VIDEOCASSETE E/OU DVD

☐ GELADEIRA

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☐ FREEZER (APARELHO INDEPENDENTE OU PARTE DA GELADEIRA DUPLEX)

2. Marque qual o grau de instrução do chefe de família?

☐ ANALFABETO

☐ PRIMÁRIO INCOMPLETO

☐ PRIMÁRIO COMPLETO (ATÉ A 4ª SÉRIE FUNDAMENTAL)

☐ FUNDAMENTAL INCOMPLETO

☐ FUNDAMENTAL COMPLETO

☐ MÉDIO COMPLETO

☐ SUPERIOR COMPLETO

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Escoamento de fluidos em tanques: uma ferramenta alternativa para o ensino de Mecânica dos Fluidos Fluid flow in tanks: an alternative approach to fluid mechanics teaching classes Flujo de fluidos en tanques: una herramienta alternativa para la enseñanza de mecánica de los fluidos

Rodrigo Ferreira Silva Instituto Federal da Bahia [email protected]

Resumo Independentemente das discussões em torno das técnicas de ensino, são notórias a importância e a eficácia de

uma abordagem teórico-prática no ensino de Ciências. Sendo assim, neste trabalho foram desenvolvidos dois

protótipos para simulações de escoamento em tanques a fim de utilizá-los em aulas experimentais de Mecânica

de Fluidos. Com o primeiro protótipo, foi avaliado o escoamento de água utilizando-se três diferentes diâmetros

de saída. No segundo protótipo, realizaram-se ensaios com três diferentes fluidos, água, diesel (b7) e óleo

vegetal de milho, em regime estacionário, por meio de bombeamento com um mesmo diâmetro de saída. Nos

dois protótipos, avaliou-se o nível dos líquidos nos recipientes em função do tempo de escoamento e, com os

dados obtidos, foram aplicadas as equações de Bernoulli e Torricelli e foi verificada a qualidade do método de

medição. Os valores encontrados permitiram, usando tabelas e gráficos, a constatação de que, respeitados os

conceitos teóricos de fluido ideal, é possível extrair resultados satisfatórios, sendo os modelos experimentais

uma ferramenta ao ensino de escoamento dos fluidos.

Palavras-chave: Escoamento de fluidos. Modelos. Ensino. Protótipo.

Abstract Putting the discussions about teaching techniques aside, its notorious the importance and the efficiency of a

theoretical-practical approach in science teaching. Therefore, in this work two prototypes were developed for

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flow simulations in tanks, so we could use them in experimental classes, of Fluid Mechanics. In the first

prototype, it was evaluated the flow of water, using three different exit diameters. In the second one, tests were

carried out with three different fluids: water, diesel (B7) and corn vegetable oil, in a stationary regime, thru

pumping with the same exit diameter. In both prototypes the liquids level were gauged in the recipients, as a

function of flow time, and with the data obtained, Bernoulli and Torricelli’s equations were applied, and the

measurement method’s quality was verified. The obtained values allowed, using tables and graphics, the

confirmation that, respected the theoretical concepts on ideal fluids, it is possible to extract satisfactory results,

been the experimental models a teaching tool in fluids flow.

Keywords: Fluid flow. Models. Teaching. Prototype.

Resumen Independientemente de las discusiones en torno a las técnicas de enseñanza, son notorias la importancia y la

eficacia de un enfoque teórico-práctico en la enseñanza de Ciencias. Siendo así, en este trabajo se desarrollaron

dos prototipos para simulaciones de flujo en tanques con la finalidad de utilizarlos en clases experimentales de

Mecánica de Fluidos. Con el primer prototipo, se evaluó el flujo de agua utilizando tres diferentes diámetros de

salida. En el segundo prototipo, se realizaron ensayos con tres diferentes fluidos, agua, diésel (b7) y aceite

vegetal de maíz, en régimen estacionario, por medio de bombeo con un mismo diámetro de salida. En este

contexto, en los dos prototipos, se evaluó el nivel de los líquidos en los recipientes en función del tiempo de flujo

y, con los datos obtenidos, se aplicó las ecuaciones de Bernoulli y Torricelli y se verificó la calidad del método de

medición. Los valores encontrados permitieron, usando tablas y gráficos, verificar que, respetados los conceptos

teóricos de fluido ideal, es posible extraer resultados satisfactorios, siendo los modelos experimentales una

herramienta para la enseñanza de flujo de los fluidos.

Palabras clave: Flujo de fluidos. Modelos. Enseñanza. Prototipo.

Sabe-se que o ensino das Ciências vem sendo alvo de grandes debates entre diferentes profissionais da educação, estudantes e outras pessoas de diversos setores da sociedade. Nesse contexto, Werlang, Schneider e Silveira (2008), por exemplo, relatam as dificuldades e alternativas encontradas no ensino de Física em uma escola técnica. Os autores sinalizam a importância das aulas experimentais na formação técnica.

Lima, Aguiar Júnior e Braga (1999) discorrem sobre a função da experimentação na relação entre o aprendiz e os objetos de seu conhecimento, sobretudo quando se trata do conhecimento científico. Esses autores deixam clara a importância da teoria/prática associada ao uso dos saberes e experiências individuais, como ferramentas para o completo entendimento dos fenômenos naturais.

Krasilchik (2008), por sua vez, cita algumas modalidades didáticas: aulas expositivas, demonstrações, excursões, discussões, aulas práticas e

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projetos, como formas de vivenciar o método científico. O uso integrado e dinâmico de tais modalidades pelo docente vem se mostrando uma estratégia adequada para a completa aprendizagem por parte de estudantes.

O estudo do escoamento de fluidos é obrigatório para a formação dos futuros profissionais da indústria química e petroquímica. Diante disso, e na ausência de um laboratório de Fenômenos de Transporte, sentiu-se a necessidade da criação de protótipos, através dos quais tal estudo fosse realizado de forma mais completa e motivadora.

Sendo assim, descreve-se neste artigo uma pesquisa que teve como objetivo a construção de tanques em escala de bancada, de baixo custo, de modo a possibilitar o emprego de modelos teóricos e a obtenção de modelos empíricos complementares. Ademais, uma abordagem alternativa para o estudo do escoamento de fluidos, por intermédio de protótipos, é apresentada de forma detalhada.

Fundamentação teórica

Educação Fazer com que os estudantes recebam as mais diversas informações –

conhecimento gerado por grandes homens e mulheres ao longo dos séculos – e construam uma estrutura de conhecimento em sua vida acadêmica é um desafio que requer experiência e muito estudo por parte dos profissionais da educação.

É indiscutível que, no curso do século XX, muitas mudanças ocorreram na sociedade. Para enfrentar os novos desafios, a escola precisou buscar ferramentas alternativas de modo a melhorar a eficiência do processo educacional. Nesse contexto, o uso responsável da informática e de kits didáticos para aulas experimentais ilustra muito bem a gama de possibilidades existentes.

O número de empresas que fornecem kits didáticos para as mais diferentes áreas do saber vem crescendo em nosso país. Na área referente aos Fenômenos de Transporte, temos, por exemplo, a utilização disseminada das bancadas hidráulicas, nas quais é possível realizar muitos

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experimentos, como a determinação de perda de carga, medição de vazão, associação de bombas etc.

A aula experimental não é novidade no ambiente educacional. Sua execução deve ser considerada totalmente natural no processo de ensino. É inconcebível o ensino de conteúdos técnicos ser conduzido na ausência de aulas práticas ou outras atividades similares. Contudo, uma aula experimental não pode acontecer sem um suporte teórico. Outro aspecto fundamental é a discussão prévia sobre tudo o que ocorrerá no laboratório e sobre a execução do pré-relatório.

O fazer auxilia o processo de aprendizagem possibilitando ao estudante, além do efetivo entendimento daquele(s) conhecimento(s) trabalhado(s) teoricamente, o desenvolvimento de habilidades que só a prática proporciona. Outra vantagem das aulas práticas consiste no fato de o estudante ser instigado espontaneamente ao pensamento crítico multi e interdisciplinar.

No quesito motivação do estudante pelo estudo – que enfrenta vários “concorrentes” –, o apoio e o incentivo familiar, o respeito às vocações e um ambiente escolar saudável e motivador são essenciais. Já com relação ao docente, a frequente desmotivação por conta, por exemplo, da falta de laboratórios deve ser superada com comprometimento e criatividade.

Fluidos A definição mais comum de fluido é: uma substância que se deforma

continuamente sob a ação de uma tensão de cisalhamento (Figura 1). Além disso, é um material que, como não tem uma forma própria, assume o formato do recipiente (BRUNETTI, 2008).

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Figura 1 – Comportamento de um fluido sob a ação de uma força de cisalhamento constante

Fonte: Elaborada pelo autor (2017).

A Figura 1 mostra a experiência das duas placas. Sob a ação de uma força tangencial (Ft) ou cisalhante, o elemento de fluido se deforma continuamente. Por sua vez, o quociente entre a força tangencial aplicada e a área da placa em contato com o fluido é a chamada tensão cisalhante ou tensão de cisalhamento.

Escoamento de fluidos Segundo Ferraro, Ramalho Junior e Soares (2007), a Hidrodinâmica é o

estudo dos fluidos (líquidos e gases) em movimento, como a água escoando ao longo de um tubo ou no leito de um rio, o sangue que corre pelas veias de uma pessoa etc. Embora nesse ramo da ciência estude-se o movimento dos fluidos em geral, o nome Hidrodinâmica (do grego: hydro, água) é conservado por tradição, pois originalmente esse estudo se restringia ao movimento da água.

O escoamento de um fluido pode ocorrer de modo transiente, como nas corredeiras e nas cachoeiras, em que a velocidade e a pressão em cada ponto mudam de instante para instante, ou em regime estacionário (ou permanente), situação na qual a velocidade e a pressão do fluido em cada ponto não variam no decorrer do tempo, sendo função apenas da posição do ponto.

O escoamento pode ser classificado como, além de transiente, laminar ou turbulento. No regime laminar, idealiza-se que as partículas se deslocam

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em lâminas individualizadas, sem trocas de massa entre elas. No regime turbulento, no qual surgem os turbilhões, as partículas apresentam um movimento aleatório macroscópico, isto é, a velocidade apresenta componentes transversais ao movimento geral do conjunto do fluido (BRUNETTI, 2008). Já o regime transiente, comportamento intermediário entre o laminar e o turbulento, pode ser visualizado, por exemplo, num filete de água saindo de uma torneira parcialmente aberta.

Equação da continuidade A equação da continuidade, oriunda do Princípio de Conservação da

Massa, relaciona a vazão volumétrica, Z, na entrada e na saída de um sistema, conforme a Equação 1. Tomando por referência um tubo cuja seção transversal não seja constante (Figura 2), as seções S1 e S2 têm áreas A1 e A2, sendo v1 e v2 as velocidades do fluido em S1 e S2 respectivamente. Considerando o fluido incompressível, cuja densidade não varia ao longo do tubo, podemos concluir que, no intervalo de tempo Δt, o volume de fluido ΔV que atravessa a seção S1 é o mesmo que atravessa S2.

𝑍𝑍1 = 𝑍𝑍2 𝐴𝐴1 . 𝑣𝑣1 = 𝐴𝐴2 . 𝑣𝑣2 (1)

Figura 2 – Trecho de tubulação para aplicação da equação da continuidade

Fonte: Elaborado pelo autor (2007).

Equação de Bernoulli Por volta de 1738, Johann Bernoulli e Daniel Bernoulli desenvolveram,

com as equações hidráulicas que governam parte do comportamento do escoamento de líquidos, um teorema que mais tarde recebeu o sobrenome

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desses dois cientistas. A equação relaciona pressão, velocidade do fluxo e altura para o escoamento não viscoso (sem atrito interno) de um fluido incompressível, sem turbulência. Tal equação representa o teorema da energia cinética para o movimento dos fluidos.

Na Figura 3, um fluido incompressível e invíscido (teoricamente sem viscosidade), de densidade d, escoa por uma canalização em regime estacionário – sejam P1 e P2 as pressões nos pontos 1 e 2, cujas alturas, em relação a um plano horizontal α de referência, são h1 e h2, respectivamente; sejam v1 e v2 as velocidades do fluido nos pontos 1 e 2 e g a aceleração da gravidade local. A Equação 2 estabelece que:

𝑃𝑃1 + 𝑑𝑑𝑑𝑑ℎ1 + 𝑑𝑑𝑣𝑣21/2 = 𝑃𝑃2 + 𝑑𝑑𝑑𝑑ℎ2 + 𝑑𝑑𝑣𝑣22/2 (2)

Figura 3 - Trecho de tubulação para aplicação da equação de Bernoulli

Fonte: Ferraro, Ramalho Junior e Soares (2007).

Portanto, para qualquer ponto do fluido, P+dgh + dv2/2 é constante. Nessa equação P+dgh é a chamada pressão estática, e dv2/2, a pressão dinâmica.1 Aplicando a equação de Bernoulli em caso particular em queh1 = 1 O termo pressão estática é usado pelo fato de a ação da força gravitacional ser independente do escoamento. Já o termo pressão dinâmica é utilizado por envolver a velocidade do fluido.

α

..

h1

h2

1

2

P1

P2

v1

v2

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h2= h e A1 > A2, temos pela equação da continuidade que v2 > v1 e p2 < p1, mostrando que no trecho onde a velocidade é maior, a pressão é menor. Segundo Brunetti (2008), a equação de Bernoulli é baseada em hipóteses simplificadoras que restringem sua aplicação a determinadas situações:

• Regime permanente;

• Sem máquina no trecho de escoamento em estudo;2

• Sem perda por atrito no escoamento do fluido ou fluido ideal;

• Propriedades uniformes nas seções;

• Fluido incompressível;

• Sem troca de calor.

Equação de Torricelli Um líquido, cujo nível é mantido constante3 (estado estacionário), de

densidade d está contido num recipiente. Um pequeno furo é feito na lateral a certa distância h da superfície do líquido. A velocidade horizontal com que o líquido escoa pelo orifício tem módulo v (Figura 4). Para determinamos v, vamos aplicar, para os pontos 1 (na superfície) e 2 (no orifício), a equação de Bernoulli.

Figura 4 – Recipiente modelo para aplicação da Equação de Torricelli.

Fonte: Elaborada pelo autor (2017).

2 Entende-se por máquina qualquer dispositivo mecânico que altere a energia do fluido na forma de trabalho. As que fornecem energia ao fluido serão denominadas “bombas” e as que extraem energia do fluido, “turbinas”. 3 O nível pode ser mantido constante com a recirculação do fluido.

h1

h2

h

2

v

1

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Sendo P1 = P2 igual à pressão atmosférica, v1 próximo de zero (o nível é mantido aproximadamente constante) e v2 = v, sendo h1 – h2 = h, a equação de Bernoulli sofre modificação até chegar à chamada equação de Torricelli conforme Equação 3.

𝑃𝑃1 + 𝑑𝑑𝑑𝑑ℎ1 + 𝑑𝑑𝑣𝑣21/2 = 𝑃𝑃2 + 𝑑𝑑𝑑𝑑ℎ2 + 𝑑𝑑𝑣𝑣22/2

𝑑𝑑𝑑𝑑ℎ1 = 𝑑𝑑𝑑𝑑ℎ2 + 𝑑𝑑𝑣𝑣22/2 𝑣𝑣2 = 2.𝑑𝑑 . (ℎ1 – ℎ2)

𝑣𝑣 = (2𝑑𝑑ℎ)0,5 (3)

em que g é a aceleração da gravidade.

Metodologia

Utilizando-se materiais de baixo custo e fácil aquisição (baldes, mangueiras, tubos e conexões de PVC), foi possível a construção de dois protótipos para o desenvolvimento de estudos em escala de bancada.

Protótipo 1 A Figura 5 mostra um esquema do primeiro protótipo. O sistema

consiste em um tanque com medidor de nível e conexões.

Figura 5 – Esquema do protótipo 1: tanque sem recirculação de fluido

Fonte: Elaborada pelo autor (2017).

H

d

D

Med

idor

de

níve

l D = 35 cmH = 50 cmd = 0,1;0,5; 2,0 e 2,5 cm

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Já a Figura 6 mostra detalhes reais do protótipo. O flange (a) possibilita a medição da vazão, e o flange (b) foi utilizado para conectar o medidor de nível. Observa-se que no flange (a) foi conectada uma válvula esfera e adaptadores, de forma a viabilizar a variação de diâmetro.

Figura 6 – Visualização dos flanges e medidor de nível.

Fonte: Elaborada pelo autor (2017).

No decorrer do experimento, foram feitos alguns ensaios de escoamento usando água como fluido e utilizando três diâmetros de saída. Durante os ensaios, analisou-se, por meio de regime transiente, a variação do nível dentro do recipiente e a velocidade de escoamento do fluido, obtendo dados empíricos para esses três diâmetros. Também foi utilizado um adaptador com 0,1 cm de diâmetro na saída do fluido, para simulação de escoamento em regime permanente. Verificou-se o tempo que o fluido permanecia escoando sem alterar o seu nível dentro do recipiente. Além disso, a velocidade teórica foi obtida por intermédio da Equação de Torricelli com o valor da altura do fluido no tanque (hexp.).

Protótipo 2 A Figura 7 mostra o esquema do protótipo 2. O sistema consiste em um

tanque com recirculação do fluido auxiliada por uma bomba de máquina de lavar de 100W.

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Figura 7 – Esquema do protótipo 2: tanque com recirculação do fluido

Fonte: Elaborada pelo autor (2017).

Detalhamentos do sistema real são mostrados na Figura 8.

Figura 8 – Detalhamentos do sistema: (a) tanque em escala de bancada, (b) recipiente para recirculação do fluido e (c) bomba adaptada.

Fonte: Elaboradas pelo autor (2017).

O tanque (a) consiste em um tubo de PVC com uma tampa na base e um flange para escoamento do fluido que cai diretamente no recipiente (b), no

Bomba (100 W)Reservatório

Tanq

ue e

m e

scal

a de

ba

ncad

a

D = 10 cmH = 50 cm

D

H

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qual se utilizou um flange na parte inferior conectado a uma bomba (c), que recircula o fluido por meio de mangueiras.

No decorrer do experimento com o protótipo 2, foram feitos alguns ensaios de escoamento utilizando como fluido: água, diesel (B7) e óleo vegetal de milho. Após o sistema entrar em regime permanente, foram obtidas as vazões volumétricas e, posteriormente, as velocidades de escoamento. Durante os ensaios, analisou-se a variação da velocidade de escoamento conforme o fluido utilizado. Além disso, para cada fluido, foi determinada a velocidade teórica empregando a Equação 3, conforme o nível do fluido observado em cada caso.

Resultados e discussão

Resultados obtidos com o protótipo 1 Na Tabela 1, encontram-se os valores do nível em função do tempo de

escoamento, usando água como fluido em três diferentes diâmetros de saída. Observa-se experimentalmente que, quanto menor o diâmetro na saída do tanque, menor será a variação do nível ao longo do tempo. Em outras palavras, para cada diâmetro de saída, tem-se uma taxa de variação de nível com o tempo correspondente.

TABELA 1 Comportamento do nível em função do tempo para três diâmetros de saída

Diâmetros de saída (cm)

2,5 2 0,5

Tempo (s) Nível (cm) Tempo (s) Nível (cm) Tempo (s) Nível (cm)

0 32 0 32 0 32

5 29,9 5 30,3 5 31,9

10 27,5 10 28,5 10 31,7

15 25 15 26,2 15 31,6

20 22,4 20 24,9 20 31,4

25 20,2 25 23 25 31,3

30 18 30 21,2 30 31,1

35 15,8 35 19,5 35 31,0

40 13,7 40 17,9 40 30,8

45 11,8 45 16,3 45 30,7

50 10 50 14,7 50 30,5

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De posse dos valores da Tabela 1, foi possível a obtenção de equações empíricas para cada diâmetro de saída, com o uso do software Excel. A Equação 4 corresponde ao diâmetro de 0,5 cm; a Equação 5, ao diâmetro de 2,0 cm; a Equação 6, ao diâmetro de 2,5 cm.

ℎ = −0,03𝑡𝑡 + 32 (𝑅𝑅2 = 1,00) (4)

ℎ = −0,448𝑡𝑡 + 31,78 (𝑅𝑅2 = 0,997) (5)

ℎ = −0,348𝑡𝑡 + 31,83 (𝑅𝑅2 = 0, 998) (6)

em que h representa o nível do fluido no tanque, e t representa o tempo de escoamento.

Na Figura 9, é possível observar a diminuição do nível dentro do recipiente: quanto maior for o diâmetro de saída para o fluido, maior a taxa de variação do nível com o tempo. Este fato pode também ser constatado por intermédio dos coeficientes angulares das Equações 4, 5 e 6.

0

5

10

15

20

25

30

35

0 10 20 30 40 50

Níve

l de

flui

do n

o ta

nque

(cm

)

Tempo (s)

D = 2,5 cm

D = 2,0 cm

D = 0,5 cm

Figura 9 – Variação do nível do fluido no tanque conforme os diferentes diâmetros de saída.

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Em posse das equações empíricas (Equações 4, 5 e 6), foi possível a obtenção de valores teóricos para o nível, empregando valores de tempo intermediários ou próximos daqueles apresentados na Tabela 1. Em seguida, realizaram-se novos ensaios de nível em função do tempo, registrando valores conforme a Tabela 2. É interessante ressaltar que os tempos empregados neste novo conjunto de experimentos foram os mesmos utilizados para a obtenção dos dados teóricos.

TABELA 2 Novos valores de nível em função do tempo para três diâmetros de saída

Diâmetros de saída (cm)

2,5 2 0,5

Tempo (s) Nível (cm) Tempo (s) Nível (cm) Tempo (s) Nível (cm)

0 32 0 32 0 32

6 29,5 6 30,6 6 31,8

12 27,2 12 28,5 12 31,6

18 24,6 18 26,2 18 31,4

24 21,5 24 24,2 24 31,2

26 19,4 26 24 26 31

31 17,2 31 22,5 31 30,8

33 16,1 33 21,6 33 30,6

37 14,4 37 20 37 30,4

41 12,8 41 18,4 41 30,2

44 11,4 44 17,5 44 30

Comparando os dados teóricos com os dados experimentais, foi possível

estabelecer a qualidade do método de medição para os três diâmetros de saída do fluido, conforme as figuras 10, 11 e 12. Na Figura 10, é possível verificar os valores em concordância com a linha de tendência (linha 45°),4 evidenciando a aproximação entre os valores preditos pela equação empírica e os valores encontrados experimentalmente.

4 A aparente tendência senoidal dos pontos não é relevante para o presente estudo. Aqui, o objetivo é a comparação entre os dados preditos e os experimentais: quanto mais próximos da linha, melhor o poder de predição dos modelos e melhor o procedimento experimental.

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Figura 10 – Comparação entre valores teóricos e experimentais do nível do fluido no tanque (diâmetro de saída 2,5 cm)

É visível que alguns pontos ficaram levemente distantes da linha de tendência. Isto se deveu a possíveis erros de medição, uma vez que as medições foram feitas manualmente com o auxilio de um cronômetro.

Neste momento, vale enfatizar a importância do levantamento de dados e da obtenção dos modelos empíricos (com o uso de algum software). Tais atividades certamente favorecem o aprimoramento de habilidades complementares àquelas desenvolvidas em sala de aula. Apesar de o aluno apenas trabalhar com modelos empíricos simples, a prática experimental auxilia no entendimento do sistema e de como ele pode ser representado matematicamente.

Figura 11 – Comparação entre valores teóricos e experimentais do nível do fluido no tanque (diâmetro de saída 2,0 cm)

11

16

21

26

31

11 16 21 26 31

Nív

el e

xper

imen

tal d

e flu

ido

no ta

nque

(cm

)

Nível teórico de fluido no tanque (cm)

161820222426283032

16 21 26 31Nív

el e

xper

imet

al d

e flu

ido

no ta

nque

(cm

)

Nível teórico de fluido no tanque (cm)

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Tanto a Figura 11 quanto a Figura 12 mostram que para as medidas realizadas no início do experimento, foram obtidas ótimas aproximações entre os valores teóricos e os empíricos. Vale ainda ressaltar que cada conjunto de dados refere-se a um determinado diâmetro de saída para o fluido.

Figura 12 – Comparação entre valores teóricos e experimentais do nível do fluido no tanque (diâmetro de saída 0,5 cm)

Quanto mais os valores se aproximam da linha, melhor é a qualidade do modelo empírico, o que evidencia um grau satisfatório de precisão e a possibilidade do uso do protótipo 1 para o ensino de conceitos básicos de escoamento de fluidos em medições experimentais para validação da teoria.

Emprego da Equação de Torricelli

Além dos diâmetros descritos na Tabela 1, foi adaptada outra saída com diâmetro igual a 0,1 cm. Dessa forma, foi alcançada a condição de um diâmetro de superfície (D) muito maior que o diâmetro da seção de saída (d). Nessa configuração, à medida que o fluido escoa, a variação de nível, em um limite de tempo, pode ser considerada irrelevante, possibilitando o emprego da equação de Torricelli (Equação 3).

Em outras palavras, podemos desprezar, até determinado limite de tempo, a variação do nível do fluido no reservatório, sendo possível

3030,230,430,630,8

3131,231,431,631,8

32

30,7 30,9 31,1 31,3 31,5 31,7 31,9

Nív

el e

xper

imen

tal d

e flu

ido

no

tanq

ue (c

m)

Nível teórico de fluido no tanque (cm)

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comparar dados experimentais de escoamento com o dado fornecido pela equação de Torricelli (hexp=0,308 m), segundo a Tabela 3.

TABELA 3

Comparação entre a velocidade teórica e as obtidas experimentalmente

Tempo (s) Volume Velocidade Velocidade

Erro Gasto (mL)

Experimental (m/s) Teórica (m/s)

3 5,8 2,46 2,46 0

6 11,5 2,44 2,46 0,82

15 28 2,37 2,46 3,80

18 30,6 2,23 2,46 10,31

60 94,4 2,0 2,46 23,0

No entanto, ao se observar a situação em que o nível no reservatório

varia de maneira apreciável, pode-se perceber facilmente que a velocidade do jato diminui. Nesse caso, o uso da equação de Torricelli vale apenas em pequenos intervalos de tempo (até 15 segundos) com um erro percentual aceitável em torno de 4%

Esse experimento pode ser utilizado para reforçar aquilo que conceitualmente é trabalhado com relação à aplicação da Equação de Torricelli em sistemas que se encontram em estado estacionário. Além disso, possibilita a montagem e a visualização de um sistema alternativo que permanece em estado estacionário, mesmo de forma limitada, em razão da falta de circulação do fluido.

Resultados obtidos com o protótipo 2

Após o sistema entrar em regime permanente, foram registrados os níveis dos fluidos no tanque para o cálculo das velocidades teóricas conforme a Equação 3. O nível de água no tanque foi de 11,1 cm, o de diesel foi de 10,4 cm e o de óleo foi de 4,2 cm. Cabe ainda lembrar que tais níveis foram observados tomando como eixo de referência uma linha imaginária que passa pela seção de saída do fluido.

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Na Tabela 4, encontram-se os valores da velocidade de escoamento, tendo como fluidos água, diesel (b7) e óleo vegetal. Comparando os valores experimentais com os valores teóricos obtidos por intermédio da equação de Torricelli, foi possível constatar experimentalmente que, dependendo das propriedades de cada fluido, os resultados diferem dos encontrados pelas equações, evidenciando um distanciamento da condição de fluido ideal ou invíscido.

TABELA 4 Comparação entre dados teóricos e experimentais obtidos para o protótipo 2

Fluido Densidade (g/cm3)

Velocidade Velocidade %Erro

Experimental (m/s) Teórica (m/s) Água 1,0 1,49 1,48 0,67

Diesel (B7) 0,81 1,41 1,43 1,39

Óleo Vegetal (milho) 0,85 0,38 0,91 58,24

Embora a equação de Torricelli seja obtida desconsiderando os efeitos

viscosos, ela fornece valores razoáveis de velocidade para a água e o diesel. No entanto, como já esperado, a Tabela 4 apresenta um erro percentual elevado para o caso do óleo vegetal, já que este apresenta uma viscosidade consideravelmente superior à dos outros fluidos estudados.

O protótipo 2, ao contrário do protótipo 1, permite perfeitamente a aplicação da Equação de Torricelli em qualquer momento após o sistema entrar em estado estacionário. No entanto, o resultado obtido com o óleo mostra claramente que, quando as condições experimentais se afastam consideravelmente daquelas hipóteses simplificadoras empregadas para a obtenção da equação de Torricelli, tal equação deixa de ser útil para a análise.

Considerações finais

A construção dos protótipos possibilitou a coleta e a análise de um número interessante de dados relacionados ao comportamento do nível do fluido em relação ao tempo. Permitiu também a obtenção de modelos empíricos e a aplicação de modelos teóricos para predição dos dados

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experimentais, mostrando-se, dessa forma, uma adequada ferramenta para o ensino de conceitos básicos sobre escoamento de fluidos.

Apesar de fluidos reais como água e diesel não obedecerem perfeitamente à equação de Torricelli, tal modelo teve, nos limites esperados, seu poder de predição confirmado. Os modelos empíricos, por sua vez, possibilitaram um estudo não fenomenológico do escoamento da água no tanque em estado não estacionário. O estudo não fenomenológico também possibilitou o relevante uso de uma ferramenta computacional (Microsoft Excel) para a análise dos dados.

Fica como sugestão para trabalhos futuros a elaboração de um roteiro de prática para os alunos de nível técnico. Além disso, seria muito interessante a realização de uma pesquisa no sentido de verificar a melhora no desempenho de alunos que puderem construir os protótipos e realizar os experimentos desenvolvidos neste trabalho.

Referências

BRUNETTI, F. Mecânica dos fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

FERRARO, N. G.; RAMALHO JUNIOR, F.; SOARES, P. T. Os fundamentos da física. 9. ed. São Paulo: Moderna, 2007.

LIMA, M. E. C. C.; AGUIAR JÚNIOR, O. G.; BRAGA, S. A. M. Aprender ciências: um mundo de materiais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

KRASILCHIK, M. Prática de ensino de Biologia. São Paulo: Edusp, 2008.

WERLANG, R. B.; SCHNEIDER, R. S.; SILVEIRA, F. L. Uma experiência do ensino de Física de fluidos com o uso de novas tecnologias no contexto de uma escola técnica. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 30, n. 1, p. 1503, 2008.

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Um panorama da pesquisa nacional sobre gamificação no ensino de Física A Panorama of the National Research on Gamification in Physics education Un panorama de la investigación nacional sobre gamificación en la enseñanza de Física

João Batista da Silva Instituto Federal do Ceará [email protected]

Gilvandenys Leite Sales Instituto Federal do Ceará [email protected]

Resumo A gamificação é uma metodologia de aprendizagem ativa que consiste na utilização de elementos de games em

contextos fora dos games para envolver, motivar, aumentar a atividade, promover a aprendizagem e resolver

problemas. Nos últimos anos, foi evidenciado um aumento exponencial da quantidade de pesquisas sobre essa

metodologia. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo fornecer um panorama atualizado e sistematizado da

produção científica nacional na área de gamificação no ensino de Física. Portanto, foi realizada uma revisão da

literatura nacional sobre a gamificação aplicada ao ensino de Física nos últimos anos. A consulta foi feita em

três bases de dados: Google Acadêmico, Directory of Open Access Journals (DOAJ) e Bielefield Academic Search

Engine (Base). Os resultados da pesquisa revelaram a necessidade de desenvolvimento de mais investigações na

área de gamificação aplicada ao ensino de Física, e uma enorme carência de trabalhos que abordem esse tema,

principalmente sobre a Educação Básica. Apesar da carência revelada, foi evidenciado o potencial dessa

metodologia ativa para motivar, atrair e engajar os alunos em atividades na sala de aula.

Palavras-chave: Gamificação. Ensino de Física. Tecnologias digitais. Pesquisa.

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Abstract Gamification is an active learning methodology that consists of using game elements in contexts outside of

games to engage, motivate, increase activity, promote learning, and solve problems. In recent years, an

exponential increase in the amount of research on this methodology has been evidenced. In this sense, this

article aims to provide an updated and systematized overview of national scientific production in the area of

gamification in Physics education. Therefore, a review of the national literature on gamification applied in

Physics education has been carried out in recent years. The query was done in three databases: Google Scholar,

Directory of Open Access Journals (DOAJ), and Bielefield Academic Search Engine (Base). The results of the

research revealed the need to develop more research in the area of gamification applied in Physics education,

and a huge shortage of papers that address this theme, especially about Basic Education. Despite the revealed

lack, was evidenced the potential of this active methodology to motivate, attract and engage students in

classroom activities.

Keywords: Gamification. Physics education. Digital Technologies. Search.

Resumen La gamificación es una metodología de aprendizaje activa que consiste en la utilización de elementos de juegos

en contextos fuera de los juegos para involucrar, motivar, aumentar la actividad, promover el aprendizaje y

resolver problemas. En los últimos años, se ha evidenciado un aumento exponencial de la cantidad de

investigaciones sobre esa metodología. En ese sentido, este artículo tiene como objetivo proporcionar un

panorama actualizado y sistematizado de la producción científica nacional en el área de gamificación en la

enseñanza de Física. Por lo tanto, se realizó una revisión de la literatura nacional sobre la gamificación aplicada

a la enseñanza de Física en los últimos años. La consulta se realizó en tres bases de datos: Google Académico,

Directorio de Open Access Journals (DOAJ) y Bielefield Academic Search Engine (Base). Los resultados de la

investigación revelaron la necesidad de desarrollar más investigaciones en el área de la gamificación aplicada a

la enseñanza de Física, y una enorme carencia de trabajos que aborden ese tema, principalmente sobre la

Educación Básica. Aunque existe una carencia de estudios, la investigación evidenció el potencial de esa

metodología activa para motivar, atraer e involucrar el alumnado en actividades en sala de clase.

Palabras clave: Gamificación. Enseñanza de Física. Tecnologías digitales. Investigación.

Algumas dificuldades encontradas pelos professores de Física, especificamente na Educação Básica, não são recentes, e várias estratégias de ensino têm surgido para viabilizar o ensino dessa disciplina. Uma dessas estratégias foi o uso de games como recurso didático para motivar e envolver os alunos no processo de aprendizagem.

A introdução dos games em sala de aula ocorreu principalmente devido ao seu caráter lúdico e sua capacidade de motivar e envolver o usuário, pois costumam ser prazerosos e eficazes, não necessariamente “por causa do que são, mas por causa do que eles incorporam” (ECK, 2006, p. 18). Além disso, o uso de games em atividades educacionais permite combinar recursos

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poderosos de interação com ganhos significativos de aquisição de competências (LENCASTRE; BENTO; MAGALHÃES, 2016).

Estudos sobre pesquisas experimentais mostram os efeitos positivos da aprendizagem baseada em games, e parte desses efeitos é devida às características incorporadas pelos games (PRENSKY, 2001; ECK, 2006). Segundo Fardo (2013), os games incorporam alguns elementos que estão interconectados como: motivação intrínseca,1 regras claras, objetivos, níveis, recompensas, conflitos e feedbacks imediatos. Porém, o autor destaca que há mais elementos envolvidos nos games do que os citados, pois um game é muito mais do que a soma dos elementos que o compõem.

A partir da influência positiva dos games no processo de aprendizagem surge um fenômeno suficientemente novo e distinto, denominado gamificação (DETERDING et al., 2011). Segundo os autores, a gamificação é a utilização dos elementos de design de game em contextos fora dos games para motivar, aumentar a atividade e reter a atenção do usuário.

Inicialmente, esse fenômeno surgiu no meio corporativista, no qual algumas empresas, principalmente no marketing, incorporaram alguns elementos de games em suas atividades para fidelização de clientes e para a capacitação de profissionais, obtendo grande sucesso (ZICHERMANN; CUNNINGHAM, 2011; ALVES, 2015).

A partir desse sucesso, foram investigadas as contribuições da aplicação direta da gamificação em processos de ensino no ambiente escolar (SHELDON, 2011; KAPP, 2012; DOMÍNGUEZ et al., 2013). Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo fornecer um panorama atualizado da pesquisa nacional sobre a gamificação aplicada no ensino de Física.

Gamificação

O termo gamificação surge após a difusão das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), principalmente depois do advento dos

1 Motivação intrínseca é uma ação movida por motivações próprias do sujeito (CSIKSZENTMIHALYI, 1990).

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jogos digitais (digital games) pela indústria da mídia digital e pela proliferação de softwares baseados em games. Por ser um fenômeno suficientemente novo e distinto, Deterding et al. (2011) investigam as origens históricas do termo gamificação, o que revelou sua relação com os fenômenos lúdicos associados aos games.

Nesse sentido, o termo gamificação foi definido como sendo a utilização de elementos de game em contextos fora dos games para motivar, aumentar a atividade e reter a atenção do usuário (DETERDING et al., 2011). Ou seja, a gamificação é utilização das mesmas mecânicas, estratégias e pensamentos contidos nos games para envolver pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas (KAPP, 2012).

De acordo com Deterding et al. (2011), a ideia de usar elementos de design de jogo em contextos fora do jogo surge após o sucesso do serviço de localização Foursquare, e essa estratégia ganhou ainda mais força nas áreas de design da interação e de marketing digital. Algumas empresas, ao incorporarem os elementos contidos nos games em suas atividades, principalmente na capacitação de profissionais, obtiveram grande sucesso (ZICHERMANN; CUNNINGHAM, 2011; ALVES, 2015).

Embora tanto os games quanto a gamificação utilizem basicamente os mesmos elementos, para Studart (2015) a diferença entre games e gamificação é que os games contemplam a jogabilidade, ao passo que a gamificação não. Todavia, esta é caracterizada por utilizar apenas os elementos essenciais que tornam os games tão atrativos para o ser humano (Figura 1).

Figura 1. Demarcação do campo da gamificação em relação a outros contextos semelhantes

como games, brincadeiras e design lúdico

Fonte: Deterding et al. (2011), traduzido.

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Por não dispor de uma estratégia de ensino bem definida, não produzindo efeitos tão satisfatórios como na gamificação aqui descrita, alguns professores já tentaram incorporar elementos dos jogos de maneira isolada, como é o caso das recompensas e da pontificação (pointsification).2 Um exemplo disso é quando as crianças ganhavam estrelinhas pelos seus esforços, ou seja, eram recompensadas. Para Studart (2015), uma gamificação efetiva aplicada ao ensino e à aprendizagem inclui muito mais do que recompensas, pois as pessoas jogam games não apenas para ganhar pontos e obter recompensas (motivação extrínseca), mas para atingir a proficiência, vencer desafios e buscar a socialização (motivação intrínseca).

Mesmo antes da definição formal de gamificação, as escolas já tentaram incorporar alguns elementos de games, mas isso ocorreu de maneira isolada e superficial, sem um conhecimento da essência da gamificação, por isso não tiveram tanto sucesso. Nesse sentido, Fardo (2013, p. 18) destaca que

a maioria das escolas já utiliza, praticamente desde que foram criadas, muitos dos

elementos que são encontrados nos games. Assim, um aluno entra na escola no

primeiro nível, o mais básico (jardim de infância ou maternal), e a partir desse ponto

começa a avançar para outros níveis mais difíceis, um por ano. Se falhar em algum deles,

tem a chance de repetir, mas repete uma grande parte do processo (geralmente um ano

inteiro). Para poder avançar nos níveis, precisa obter certa quantia de pontos (notas)

em um número determinado de desafios (provas e testes escolares). Após cada teste, o

aluno recebe o feedback do seu desempenho (quando o professor corrige a prova e

retorna o resultado ao aluno). Essa dinâmica soa familiar ao leitor que possa ser

familiarizado com o mundo dos games. Entretanto, se fosse feito o contrário e os

elementos da escola fossem transpostos para um game, o resultado certamente seria um

grande fracasso, tanto de público como comercial.

Uma das causas que levaria a esse fracasso é a falta de feedbacks imediatos. No ensino tradicional, normalmente as provas ou os testes são exaustivos, e o aluno só toma conhecimento do seu desempenho muito tempo depois. Domínguez et al. (2012) ressaltam que a gamificação

2 Pontificação é a aplicação das mecânicas básicas dos games limitadas apenas as recompensas extrínsecas, através de pontos e medalhas (FARDO, 2013).

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apresentará algumas limitações se as tarefas não puderem ser avaliadas automaticamente, pois o feedback imediato é um dos elementos essenciais que torna os games tão atraentes e envolventes.

Os jovens contemporâneos (Figura 2) são imediatistas, capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo e necessitam de feedbacks imediatos. Para o aluno contemporâneo, é entediante ter que esperar uma semana, ou até um mês para saber o resultado de uma avaliação. Silva (2017, p. 2) destaca que a escola precisa se modificar para receber e integrar esses novos alunos “multitarefa”.

Figura 2 – Características do jovem na sociedade contemporânea

Fonte: Sales, 2015.

Como a gamificação aplicada ao ensino de Física ainda se encontra em fase embrionária aqui no Brasil, a sua implementação depende de um conjunto de elementos essenciais que devem ser utilizados para garantir a sua efetiva aplicação funcional no ambiente de aprendizagem, entre eles estão: inclusão natural do erro no processo de aprendizagem, feedbacks imediatos, níveis, subdivisão de tarefas complexas em tarefas menores, recompensas e estado de fluxo.

O conceito de fluxo (flow) foi proposto por Mihaly Csikszentmihalyi (1990) para descrever um estado de imersão total na realização de uma

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111

tarefa específica, possibilitada pela proporção da relação entre o nível do desafio estabelecido e as habilidades do jogador (Figura 3). É importante destacar que isso só é possível se o jogador receber feedbacks imediatos de suas ações intencionais.

Figura 3 - Diagrama de fluxo das principais sensações do indivíduo na realização de uma

atividade até o estado de Flow

Fonte: Adaptado de Csikszentmihalyi (1990).

Conforme o diagrama de fluxo (Figura 3), para que o aluno alcance o estado de fluxo (A1 e A4) é necessário que o professor planeje o nível de exercícios de acordo com o nível de habilidade do aluno. Ou seja, o nível dos exercícios não pode ser tão difícil que o aluno não possa resolver corretamente (o que o deixará frustrado e ansioso) nem tão fácil que ele não se sinta desafiado e motivado para se envolver (o que o deixará entediado).

Metodologia

Este artigo apresenta uma revisão da literatura da produção acadêmica apresentada em periódicos sobre a gamificação no ensino de Física no Brasil. Com esse propósito, foi realizado um levantamento para investigar a quantidade de produções em âmbito nacional e conhecer quais são os seus resultados. Nesse estudo bibliográfico, foram analisados os trabalhos

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publicados em periódicos nos últimos dez anos. A pesquisa foi realizada entre os meses de junho e julho de 2017. Para essa busca, foram utilizadas três bases de dados, escolhidas por estarem disponíveis gratuitamente na internet: o Google Acadêmico, Directory of Open Access Journals (DOAJ) e Bielefield Academic Search Engine (BASE).

Resultados e discussões

Inicialmente, foi realizada uma busca no Google Acadêmico para analisar a dimensão da produção das pesquisas sobre o tema gamificação. Para realização da busca, foi introduzido apenas o descritor primário “gamificação” sem restrição alguma, de maneira que o descritor pudesse estar em qualquer parte do texto. Nesse caso, foram localizados 1.570 resultados. Na área de pesquisa avançada, especificou-se que a posição do descritor “gamificação” estivesse no título. Com essa restrição, foram obtidos apenas 316 resultados. O resultado quantitativo da busca, por ano de publicação, está sintetizado no Gráfico 1.

Gráfico 1. Demonstrativo do crescimento exponencial das publicações que trazem o termo

“gamificação” no título

Fonte: Elaboração do autor.

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Os tipos de documentos pesquisados foram artigos publicados em revistas e em encontros científicos. Após essa etapa, foram introduzidos os descritores “gamificação” + “Ensino de Física” para restringir ainda mais a pesquisa (Tabela 1), porém sem a condição de que os descritores estivessem necessariamente no título dos trabalhos.

A busca no Google Acadêmico foi a mais expressiva: os resultados apontaram 48 trabalhos que relacionam os descritores “gamificação” + “Ensino de Física”. Após a leitura dos resumos, verificou-se que apenas 7 pesquisas realmente eram pertinentes ao tema gamificação no ensino de Física. Os demais trabalhos foram excluídos por não atenderem a esse critério. Em alguns casos, os artigos traziam o descritor “ensino de Física” apenas em suas referências, mas sem estabelecer relação alguma entre esse objeto e a gamificação. Em outros casos, os artigos eram relacionados a outras áreas do conhecimento, como a Educação Física.

A busca na plataforma de dados Base foi inexpressiva. Com o descritor “gamificação”, apareceram apenas 130 resultados. Contudo, a associação do termo “gamificação” com “ensino de Física” na busca não resultou em nenhum trabalho que relacionasse os dois (Tabela 1).

Também foi inexpressiva a busca no DOAJ. Para o descritor “gamificação”, foram registrados apenas 11 resultados; após a combinação do primeiro descritor com o termo “ensino de Física”, também não apareceu nenhum trabalho que vinculasse os dois descritores. O Quadro 1 sintetiza o resultado da busca.

QUADRO 1 Síntese dos resultados da busca nas bases de dados utilizando os termos Gamificação + Ensino de Física

Termo de busca BASE DOAJ Google Acadêmico

"Gamificação" 130 11 1570

"Gamificação" and "Ensino de Física" 0 0 48

Pertinentes ao tema 0 0 7

Fonte: Elaboração do autor.

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Dos sete trabalhos selecionados que abordam o uso da gamificação no

ensino de Física, três são pesquisas teóricas e quatro são pesquisas experimentais (Quadro 2).

QUADRO 2

Síntese dos artigos selecionados sobre gamificação no ensino de Física

Ano Título Autor(es) Base de Dados

2017

Gamificação e ensinagem híbrida na sala de aula de Física: metodologias ativas aplicadas aos espaços de aprendizagem e na prática docente

Gilvandenys Leite Sales et al.

Google Acadêmico

2016 Ensinando Física através da gamificação Érico Rodrigues Paganini Márcio de Souza Bolzan

2016

Física no futebol: objeto de aprendizagem gamificado para o ensino de física em mídias digitais por meio do esporte a partir do edutretenimento

Fernando Chade De Grande

2016 Gamificação de materiais didáticos: uma proposta para a aprendizagem significativa da modelagem de problemas físicos.

Thiago Machado da Costa Maria de Fátima da Silva Verdeaux

2015 Simulação, games e gamificação no ensino de Física Nelson Studart

2015 O aumento do engajamento no aprendizado através da gamificação no ensino Rafael Gomes de Almeida

2015 Tecendo novos métodos de ensino e avaliação: utilizando o Game Angry Birds Rio no ensino de Física

Lucas Henrique Viana et al.

Fonte: Elaboração do autor.

Paganini e Bolzan (2016) realizaram uma revisão bibliográfica da literatura para apontar as aplicabilidades da gamificação. Em seu trabalho, primeiramente são apresentadas a definição de gamificação e a sua relação com os jogos. A partir da revisão, os autores propõem a utilização de um jogo como recurso facilitador para gamificar o processo de ensino de Física. O objetivo de tal recurso é facilitar o ensino de Mecânica, especificamente queda dos corpos e resistência do ar. O recurso utilizado foi denominado

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“Game dos Investigares”, que foi projetado para fazer com que o aluno investigue sozinho o tema determinado pelo professor e, ao final da aula, apresente a sua hipótese sobre o tema proposto. De acordo com a proposta, os alunos podem aprender conceitos científicos enquanto estiverem jogando.

No momento da aplicação o professor deve propor a realização do jogo à turma e

aqueles que quiserem participar devem formar duplas. O dueto deve passar as fases do

jogo, seguindo todas as regras a fim de concluir a meta final do game, que é construir

uma hipótese a respeito do tema proposto. Durante a realização de cada etapa do game

um feedback instantâneo da pontuação (que pode ser convertida em nota final) da

dupla é mostrado (PAGANINI; BOLZAN, 2016, p.19).

A ferramenta, proposta para ser trabalhada com os alunos do Ensino Médio, objetivou aumentar as diversas possibilidades e a facilidade de aplicação da gamificação em sala de aula através do envolvimento e dos feedbacks imediatos.

De Grande (2016) propôs a utilização de um objeto de aprendizagem (OA) gamificado como recurso facilitador no ensino de conceitos de Mecânica Clássica. O objetivo da proposta foi contribuir na aprendizagem associando prazer ao processo de ensino para aumentar o interesse e o engajamento do aluno, já que uma das características dos jogos é proporcionar prazer e diversão. Para elucidar os conceitos físicos envolvidos na atividade, o OA possibilitou a interação e a interferência do aluno nas variáveis físicas envolvidas no jogo alterando a trajetória da bola. A temática do futebol foi escolhida para aproximar o conteúdo da realidade do aluno. O autor destaca que um dos desafios para o processo de ensino é estimular pesquisadores a se comprometerem com buscar maneiras mais motivadoras de ensinar, seja pelo uso de OA gamificados, seja pela adoção de novas metodologias de ensino (DE GRANDE, 2016).

Studart (2015) afirma que a gamificação é um recurso promissor por proporcionar, com os elementos de game, engajamento, sentimento de realização e vontade intrínseca do sujeito de vencer desafios, sem alterar a estrutura curricular vigente da escola. Além disso, o autor reforça que a ideia de gamificação tem sido recentemente discutida no contexto educacional, destacando que se trata de “metodologia inovadora e que pode

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ser usada na gamificação, por exemplo, de uma sequência de ensino e aprendizagem para se ensinar um determinado assunto, mantendo a estrutura curricular vigente em nossas escolas” (STUDART, 2015, p. 12).

Costa e Verdeaux (2016) realizaram um estudo utilizando o método de investigação experimental, cujo objetivo foi levantar indícios de aprendizagem significativa dos estudantes após serem submetidos a uma metodologia de ensino de Física utilizando um material instrucional gamificado. Os autores demonstram o maior cuidado possível na investigação de forma que possam controlar ao máximo as variáveis contidas na atividade experimental. Nesse sentido, o delineamento experimental da pesquisa envolveu a seleção de dois grupos designados aleatoriamente (grupo experimental e grupo de controle). Em ambos os grupos foram aplicados um pré-teste e um pós-teste. Apenas o grupo experimental foi submetido ao tratamento (material instrucional gamificado), enquanto o grupo de controle foi submetido a aulas expositivas sem a disponibilização do material instrucional. O pós-teste aplicado em ambos os grupos foi o mesmo do pré-teste.

Nessa pesquisa, fundamentada na Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel, a gamificação foi incorporada às atividades, não só no texto didático, mas em toda a sequência de aulas. Considerando que a escola tem que se aproximar do cotidiano do aluno para avançar em sua missão (SILVA et al., 2015), o texto didático foi elaborado a partir de uma situação fictícia do cotidiano: brigas de namorados. A situação foi proposta para que os alunos pudessem trabalhar a ideia de estimativa, aproximação e simplificação. Nesse caso, a primeira missão dos alunos foi levantar hipóteses acerca de fatores que poderiam influenciar no tempo gasto por um homem desde a hora que ele começa a se arrumar até a hora que chega à casa da namorada. Os capítulos do livro foram divididos em missões, e cada missão com um nível de dificuldade e recompensa correspondentes. Ao final da pesquisa experimental, os autores concluíram que essa estratégia contribuiu para a resolução de problemas. Além disso, a gamificação foi aceita pelos alunos, os quais se sentiram motivados durante as aulas, acreditando terem compreendido melhor os conceitos científicos, o que

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colaborou para que houvesse um crescimento conceitual do grupo experimental em relação ao de controle.

De Almeida (2015) implementou a gamificação no ensino de Física em uma turma de terceira série do Ensino Médio, do Colégio Pedro II (CPII) – Campus São Cristóvão III. A autora aplicou a atividade gamificada utilizando os recursos proporcionados pelas TDIC. Inicialmente, a professora enviou roteiros digitais para o e-mail da turma para nortear a realização das atividades (missões) pelos alunos. Cada atividade foi proposta com um tempo determinado para sua missão. O interessante dessa implementação foi a exposição das regras claras, que são essenciais para implementação da gamificação. A parte presencial foi realizada no laboratório de informática, onde foram trabalhadas atividades em grupo, o que caracteriza uma aprendizagem colaborativa. Nesse sentido, a autora concluiu que a gamificação se mostrou uma alternativa viável para aprimorar o engajamento dos alunos.

Sales et al. (2017) potencializaram a gamificação na situação formal de ensino utilizando as mais diversas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) em sala de aula: glossário hipertextual, construção de páginas wiki e quizzes com suporte no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Moodle. A turma foi separada em times, o que potencializou a realização do trabalho colaborativo. Inicialmente, os times foram informados sobre as regras (ações, metas, missões, peso de cada missão, pontuação e média de aprovação), que são fundamentais em qualquer jogo, pois possibilitam a interação racional entre alunos. A disciplina foi dividida em seis fases: introdução à óptica geométrica, reflexão da luz, refração da luz, lentes e aplicações, ondas, e batalha final (quizzes). Cada fase foi organizada por níveis de dificuldade de cada missão. As missões foram constituídas por tarefas que deveriam ser realizadas em um determinado tempo para alcançar o objetivo. Um exemplo das missões foram os quizzes, cujo uso se justifica pelo fato de proporcionar os feedbacks ao aluno e possibilitar a recuperação e a possível superação da missão.

A gamificação e o uso das TDIC contribuíram para promover um ambiente motivador e envolvente através da colaboração, competição e desafios lançados aos times. Em suas considerações finais, Sales et al.

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(2017) destacam que o aluno contemporâneo precisa estar numa sala de aula com um professor de Física que faça uso de metodologias ativas com a gamificação e utilize as tecnologias digitais.

Por fim, Viana, Pereira e Moita (2015), utilizando os princípios da gamificação, planejaram suas aulas para estimular os alunos a aprender Física de uma maneira dinâmica e espontânea. Para isso, eles utilizaram um jogo denominado “Angry Birds Rio” como recurso didático para facilitar o ensino do conteúdo de lançamento de projéteis. Durante as aulas a turma, foi dividida em times, e cada time foi desafiado a resolver os problemas propostos com o auxilio do game. A utilização de desafios, quando definida por regras, com interatividade e feedbacks imediatos, é uma das características marcantes do processo de gamificação em sala de aula. É importante enfatizar que o nível dos desafios deve estar de acordo com as habilidades dos alunos, pois um jogo tende a se tornar entediante quando o desafio é fácil demais e frustrante quando ele é demasiadamente difícil.

Considerações finais

Nos últimos anos, apesar do crescimento exponencial das pesquisas na área da gamificação, principalmente a partir de 2012, foi demonstrado nas seções precedentes que a produção acadêmica na área de gamificação no ensino de Física no Brasil ainda encontra-se em fase embrionária, tendo em vista que os primeiros trabalhos surgiram a partir de 2015.

Com base na análise dos trabalhos selecionados, foi possível inferir que há uma enorme carência de estudos que abordem o uso da gamificação no ensino de Física, especificamente na Educação Básica. Apesar do pequeno número, as publicações na área evidenciaram o potencial dessa metodologia ativa para motivar, atrair, envolver, engajar, influenciar o comportamento, promover a aprendizagem e resolver problemas através da participação dos alunos. Pelo descrito nas pesquisas, foi possível concluir que, para uma gamificação efetiva aplicada no ensino de Física, deve haver muito mais do que apenas recompensas. Em suma, a gamificação se mostrou uma boa metodologia de ensino a ser utilizada por professores, pois uma de suas características fundamentais é que sua implementação não requer a alteração da estrutura

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curricular vigente na escola; requer, no entanto, que os professores, de acordo com a realidade de seus alunos, planejem aulas mais dinâmicas, permitindo uma real compreensão dos conteúdos a serem ensinados.

Por fim, acredita-se que o objetivo de fornecer um panorama da pesquisa nacional na área da gamificação no ensino de Física foi atingido. Porém, existem lacunas na literatura que devem ser preenchidas por pesquisadores da área, mediante a literatura de artigos de revisão. Considera-se que revisões semelhantes à presente pesquisa poderiam ser produzidas sobre o ensino de Química, Biologia, e Matemática, visto que cada uma dessas áreas apresenta um número crescente de artigos.

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Sobre a implementação numérica da Fórmula de Chézy-Manning On the Numerical Implementation of the Chézy-Manning Formula’s Acerca de implementación numérica de la Fórmula de Chézy-Manning

Jordana Fernandes Costa (IFG)

Diogo Gonçalves Dias (IFG)

Resumo Os canais hidráulicos, que possuem escoamento uniforme e livre, têm sua vazão calculada a partir da Fórmula

de Chézy-Manning. Neste trabalho, essa fórmula foi desenvolvida para as seções usuais, como a retangular,

triangular, trapezoidal e semicircular, e também para as seções não usuais, como as poligonais, que resultaram

em equações polinomiais. Para a realização dessas equações, foram utilizados os métodos numéricos, entre os

quais foi escolhido o método de Newton-Raphson, por ter convergência quadrática. Para obtermos as raízes de

cada polinômio, a altura ou o apótema de cada seção, foi implementado esse método nas equações polinomiais,

via programa computacional Scilab. Através desse código, também é demonstrada a aproximação da vazão de

uma seção poligonal com 𝑁𝑁 lados para a vazão de uma seção circular. Com isso, foi mostrado analiticamente que

o limite da vazão de uma seção poligonal com 𝑁𝑁 lados, em que 𝑁𝑁 tende ao infinito, é igual à equação da vazão da

seção circular. Dessa forma, percebe-se que, em uma seção poligonal, mantendo a abertura fixada, quanto mais

aumenta o número de lados, mais sua vazão irá tender à vazão da seção circular.

Palavras-Chave: Projeto. Fórmula. Chézy-Manning. Vazão. Seção circular.

Abstract Hydraulic channels, which have uniform and free flow, have their flow calculated from the formula of Chézy-

Manning. In this work, this formula has been developed for the usual sections, such as rectangular, triangular,

trapezoidal and semi-circular, and also the unusual sections, such as polygonal, which resulted in polynomial

equations. To perform these equations, numerical methods were used in which the Newton-Raphson method

has been chosen because it has quadratic convergence. To get the roots of each polynomial, namely the height or

the apothem, this method was implemented in these polynomial equations, via computer software Scilab. Also,

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through this code, it is demonstrated the approaching between the flow of a polygon section with 𝑁𝑁 sides with

the flow of a circular section. With this has been shown analytically that the flow limit of a polygonal section

with 𝑁𝑁 sides, where 𝑁𝑁 goes to infinity equation is equal to the flow of circular section. Thus, it is clear that in a

polygonal section, keeping the opening the same size, the more increases the number of sides, the more its flow

will tend to the flow of a circular section.

Keywords: Project. Formula. Chézy – Manning. Flow rate. Circular section.

Resumen Los canales hidráulicos, que poseen un flujo uniforme y libre, tienen su flujo calculado a partir de la fórmula de

Chézy-Manning. En este trabajo, esa fórmula ha sido desarrollada para las secciones habituales, tales como

rectangular, triangular, trapezoidal y semicircular, y también para las secciones raras, tales como poligonal, que

se tradujo en ecuaciones polinómicas. Para llevar a cabo esas ecuaciones, se utilizaron métodos numéricos en la

que el método de Newton-Raphson ha sido elegido por presentar convergencia cuadrática. Para obtener las

raíces de cada polinomio, es decir, la altura o la apotema de cada sección se puso en práctica ese método en esas

ecuaciones polinómicas, por medio del programa de computación Scilab. Además, con ese código, se muestra la

aproximación del flujo de una sección poligonal de 𝑁𝑁 lados al flujo de una sección circular. Con esto se ha

demostrado analíticamente que el límite de flujo de una sección poligonal de 𝑁𝑁 lados, donde 𝑁𝑁 va al infinito es

igual a la ecuación del flujo de la sección circular. Por lo tanto, es evidente que en una sección poligonal,

manteniendo el conjunto de apertura fijada, cuanto más aumenta el número de lados, más el flujo tenderá al

flujo de la sección circular.

Palabras clave: Proyecto. Fórmula Chézy – Manning. Deflujo. Sección circular.

Introdução

O canal hidráulico é uma vala artificial que pode ou não estar revestida de material que lhe dê sustentação e que se destina a passagem da água (VIEIRA, 1985). O regime do escoamento é a forma como os fluidos se comportam em diversas variáveis. As duas principais formas de escoamento são os livres e os forçados. No escoamento em condutos forçados, as condições de contorno são sempre bem definidas, como em bombas de sucção e tubos de recalque. Já o escoamento livre, ou escoamento em canais abertos, é caracterizado pela presença de uma superfície em contato com a atmosfera, submetida, portanto, à pressão atmosférica, como em canais fluviais.

Os canais são projetados usualmente em uma das quatro formas geométricas seguintes: retangular, trapezoidal, triangular e semicircular, sendo a forma trapezoidal a mais utilizada. No caso de seções simples e regulares, os elementos hidráulicos são expressos e relacionados entre si,

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matematicamente, em função da altura de água no canal. No entanto, no caso de seções mais complexas e não uniformes, como são os canais naturais, não há uma equação simples que possa correlacioná-los, uma vez que são variáveis.

Em canais abertos ou de condutos livres, durante o escoamento livre e uniforme, a profundidade da água, a área molhada da seção transversal e a velocidade são constantes ao longo do conduto. Nestas condições a linha energética total, a superfície do líquido e o fundo do canal possuem a mesma declividade (BAPTISTA; LARA, 2014).

Na Figura 1 é demonstrado um exemplo de canal que possui escoamento livre e uniforme, em uma seção quadrada. Com isso, a Equação 1 é o resultado da projeção das forças em um eixo horizontal correspondente ao escoamento:

F1 − F2 + W sin θ − Ff = 0, (1)

em que F1e F2 são as forças aplicadas na lateral do canal, W é o peso, θ é

o ângulo de inclinação do canal e Ff é a força de resistência ao escoamento.

Figura 1 – Forças atuantes no escoamento uniforme.

Fonte: Baptista e Lara (2014).

Supondo que a profundidade seja constante e considerando a validade hidrostática das pressões, que ocorre quando inexistem componentes de

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aceleração no sentido longitudinal, pode-se escrever que F1 = F2. E também, admitindo tratar-se de canais com declividades reduzidas, pode-se também escrever que sin θ ≅ tan θ ≅ I, em que I é a declividade. Resultando:

WI − Ff = 0 (2)

Assim, a equação da velocidade de escoamento uniforme (Equação 3) é gerada, a partir do desenvolvimento da Equação 2:

𝑈𝑈 = 1𝑛𝑛𝑅𝑅ℎ23 𝐼𝐼

12 (3)

Combinando esta expressão com a equação da continuidade (Q = UA), chega-se à Fórmula de Chézy-Manning (Equação 4):

Q = 1n

ARh

23 I

12, (4)

sendo:

TABELA 1

Fórmula de Chézy-Manning

Q Vazão, em m3/s

A Área, em m2

Rh Raio hidráulico em m

I Declividade, em m/m

n Coeficiente de rugosidade de Manning

Assim, o objetivo deste trabalho é demonstrar analiticamente que a vazão de uma seção poligonal com N lados tende a vazão de uma seção circular. Com o código computacional, em que a vazão é calculada a partir dos métodos numéricos, é possível demonstrar a aproximação dessa vazão,

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que é provado a partir do cálculo do limite de uma seção poligonal com N lados, em que N tende ao infinito, é igual à vazão da seção circular.

Desenvolvimento

Bases teóricas Para algumas equações existem fórmulas explícitas que dão as raízes em

função dos coeficientes. Mas em algumas equações é praticamente impossível se achar os zeros exatamente. Dessa forma, procuram-se apenas aproximações para esses zeros com alguns métodos (RUGGIERO; LOPES, 1996).

A ideia central desses métodos é partir de uma aproximação inicial para a raiz e em seguida refinar essa aproximação através de um processo iterativo. Os métodos contam de duas fases: a localização das raízes e o refinamento. Os principais métodos são: o da bissecção, o da posição falsa, o do ponto fixo (MPF), o de Newton-Raphson e o da secante (FRANCO, 2007).

Método da Bissecção O método da bissecção consiste em reduzir a amplitude do intervalo

que contém a raiz até se atingir a precisão requerida: �b – a� < ξ, utilizando a sucessiva divisão de [a, b] ao meio. Dessa forma, a raiz aproximada é simplesmente a média aritmética entre a e b.

Método da Posição Falsa O método da posição falsa utiliza a média aritmética ponderada entre a

e b com pesos │f(b)│e│f(a)│respectivamente:

x = a|f(b)|+b|f(a)||f(b)|+|f(a)| = af(b)−bf(a)

f(b)−f(a) , (5)

visto que │f(a)│ e│f(b)│ possuem sinais opostos.

Método do Ponto Fixo (MPF) O método do ponto fixo (MPF) consiste em transformar a função

contínua em uma equação equivalente e a partir de uma aproximação inicial

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gerar a sequência de aproximações para a raiz. Uma função equivalente que satisfaz essa condição é chamada de função de iteração para a equação f(x) = 0.

Método de Newton O método de Newton, para tentar garantir e acelerar a convergência do

MPF, escolhe para a função de iteração (φ(x)) a função derivada (f ’(x)) da função contínua (f(x)). Assim, a função de iteração será:

φ(x) = x − f(x)f ’(x), (6)

tal que φ’(ξ) = 0. (BOYER, 1968)

Método da Secante O método da secante é uma aproximação para o método de Newton,

pois ocorre a substituição da derivada f’(xk) pelo quociente das diferenças:

f ′(xk) ≈ f(xk)−f(xk−1)xk−xk−1

. (7)

Nesse caso, a função de iteração resulta:

φ(xk) = xk−1 f(xk)− xkf(xk−1)f(xk)−f(xk−1) . (8)

Decisões Metodológicas

A Fórmula de Chézy-Manning (Equação 4) é bastante utilizada em cálculos hidráulicos relativos a canais naturais e artificiais. Essa fórmula pode ser demonstrada em diversas seções e com o seu desenvolvimento para cada uma, utilizando a área molhada e o raio hidráulico, como demonstrado a seguir para a seção retangular.

A = Bh

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129

Rh = Bh

B + 2h

Q = 1n

ARh

23 I

12 (4)

Q = 1n

Bh (Bh)

23

(B + 2h)23

I12

Q3n3 = (Bh)3(Bh)2

(B + 2h)2 I32

Q3n3(B2 + 4Bh + 4h2) = (Bh)5I32

B5I32

n3h5 − 4Q3h2 − 4Q3Bh− Q3B2 = 0 (9)

Desse modo, percebe-se que, a partir desse desenvolvimento, chega-se a um polinômio em função da altura. Com isso, a Equação 4 foi desenvolvida para dezesseis seções diferentes de canais hidráulicos, que resultaram em polinômios em função da altura ou do apótema de água no canal, como é demonstrado na Tabela 2.

TABELA 2

Seções de canais hidráulicos

Seção Polinômios

Quadrada

I32h8 − 9Q3n3 = 0

Retangular B5I32

n3h5 − 4Q3h2 − 4Q3Bh − Q3B2 = 0

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130

Triangular com constante Z

Z5I32h8 − 4Q3n3Z2 − 4Q3n3 = 0

Triangular com ângulo interno

B5I32 sin2 θh3 − 128Q3n3 = 0

Trapezoidal com constante Z

(B + Zh)5I32h5 − 4Q3n3(1 + Z2)h2

− 4Q3n3B�1 + Z2h − −Q3n3B2 =

Trapezoidal com Ângulos Externos Iguais

(B + b)5I32 cos2 θ h5

− 32Q3n3[B+ b(cos θ − 1)]2 = 0

Trapezoidal com Ângulos Externos Diferentes

(B + b)5 sin2 θ1 sin2 θ2 I32h5

− 32Q3n3(sin θ1+ sin θ2)2 h2 −

−64Q3n3b sin θ1 sin θ2 (sin θ1 + sin θ2)h − −32Q3n3b2 sin2 θ1 sin2 θ2 = 0

Parabólica

32B7I32h5 − 1728Q3n3h4 − 1296Q3n3B2h2

− 243Q3n3B4 = 0

Pentagonal

3125L3I32a5 − 512Q3n3 = 0

Hexagonal 243L3I32a5 − 25Q3n3 = 0

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131

Heptagonal

16807L3I32a5 − 1152Q3n3 = 0

Octogonal

1024L3I32a5 − 49Q3n3 = 0

Eneagonal

59049L3I32a5 − 2048Q3n3 = 0

Decagonal

3125L3I32a5 − 81Q3n3 = 0

Poligonal com N lados

2r2N2Q3n3 �1 − cos �θN�� −

−r10

32�N sin �

θN�

+ [1− cos(2π

− θ)] tan �2π − θ

2��

5

I32

= 0

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132

Circular

r2θ2Q3n3 −r10

32�θ

+ [1− cos(2π

− θ)] tan �2π − θ

2��5

I32

= 0

Assim, para essas equações se aproximarem de zero e obter-se o valor

aproximado da altura (h) ou do apótema (a), utilizam-se os métodos numéricos. O método escolhido para ser utilizado nas equações polinomiais das seções de canais abertos com escoamento livre e uniforme foi o método de Newton-Raphson, pois ele possui convergência quadrática, com isso será necessário um menor número de iterações para a aproximação ao erro relativo e possui um esforço computacional menor (FILHO, 2007).

O método de Newton-Raphson foi proposto por Isaac Newton em dois momentos, em 1669 e em 1671, e foi aprimorado para qualquer tipo de função real em 1690 por Joseph Raphson. Porém, muitos outros matemáticos contribuíram para visualizar como o método é utilizado atualmente, como Cauchy, J. Fourier, Kantorovich, Fine e Bennet. Fourier provou que esse método convergia quadraticamente desde que o ponto inicial fosse tomado em uma vizinhança da solução procurada e Cauchy provou que ele se estende para funções de várias variáveis e que pode ser utilizado para provar a existência de raízes de outras equações (MACHADO; ALVES, 2013).

Análise e discussão

O desenvolvimento por meio da fórmula de Chézy-Manning para diversas seções, como apresentamos neste artigo, poderá contribuir com a implementação de novos algoritmos no auxílio ao cálculo de canais hidráulicos, como coletores de esgotos, galerias de água pluviais, túneis-canais, calhas, canaletas, entre outros muito utilizados na construção civil e em outras áreas. Além disso, a fórmula demonstra a importância da

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utilização dos métodos numéricos para a engenharia civil, sendo esse um dos exemplos de sua aplicação.

Para a realização dos cálculos da altura ou do apótema de cada seção utilizada, foi implementado, via programa computacional Scilab, o método de Newton-Raphson nas equações polinomiais. Na Tabela 3, é demonstrado como o código foi realizado para as três primeiras seções (quadrada, retangular e triangular utilizando a constante Z) e assim foi realizado para todas as dezesseis seções demonstradas na Tabela 2.

TABELA 3

Código Scilab

001 002 003 004 005 006 007 008 009 010 011 012 013 014 015 016 017 018 019 020 021 022 023 024 025 026 027 028 029 030

I = input ('Qual a seção que deseja utilizar (1-Quadrada, 2-Retangular, 3-Triangular, 4-Triangular utilizando o ângulo, 5-Trapezoidal utilizando a constante Z, 6-Trapezoidal com ângulos iguais, 7-Trapezoidal com ângulos diferentes, 8-Parabólica, 9-Pentagonal, 10-Hexagonal, 11-Heptagonal, 12-Octogonal, 13-Eneagonal, 14-Decagonal, 15-Circular, 16-Poligonal com N lados)?'); if I:1 then a = input ('Entre com o valor do coeficiente de rugosidade de Manning: '); D = input ('Entre com o valor da Declividade (m/m): '); Q = input ('Entre com o valor da Vazão (m³/s): '); N = input ('Entre com o número máximo de iterações: '); x0 = input ('Entre com o valor do x inicial (x0): '); delta = 10^(-3); xn = x0; for n=1:N xn1 = xn - ((((xn)^8)*((D)^(3/2)))-(9*(Q^3)*(a^3)))/((8*((xn)^7)*((D)^(3/2)))- (9*(Q^3)*(a^3))); if abs((xn1-xn)/xn1) < delta then printf("Valor do lado = %10.7f", abs (xn1)) return end xn = xn1; end end if I:2 then B = input ('Entre com o valor da Base(m): '); a = input ('Entre com o valor do coeficiente de rugosidade de Manning: '); D = input ('Entre com o valor da Declividade (m/m): '); Q = input ('Entre com o valor da Vazão (m³/s): '); x0 = input ('Entre com o valor da altura inicial (x0): '); N = input ('Entre com o número máximo de iterações: '); delta = 10^(-3); xn = x0; for n=1:N xn1 = xn - (((xn^5)*((B^5)*(D^(3/2)))/(a^3))-(4*(Q^3)*(xn^2))-(4*(Q^3)*(B)*(xn))-((Q^3)*(B^2)))/((5*((xn^4)*(B^5)*(D^(3/2)))/(a^3))-(8*(Q^3)*(xn))-(4*(Q^3)*(B))); if abs((xn1-xn)/xn1) < delta then

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031 032 033 034 035 036 037 038 039 040 041 042 043 044 045 046 047 048 049 050 051 052 053 054

printf("Valor da altura = %10.7f", xn1) return end xn = xn1; end end if I:3 then Z = input ('Entre com o valor da inclinação do Talude (Z=dimensão horizontal/dimensão vertical) : '); a = input ('Entre com o valor do coeficiente de rugosidade de Manning: '); D = input ('Entre com o valor da Declividade (m/m): '); Q = input ('Entre com o valor da Vazão (m³/s): '); x0 = input ('Entre com o valor da altura inicial (x0): '); N = input ('Entre com o número máximo de iterações: '); delta = 10^(-3); xn = x0; for n=1:N xn1 = xn - (((Z^5)*(D^(3/2))*(xn^8))-(4*(Q^3)*(a^3)*(Z^2))-(4*(Q^3)*(a^3)))/(8*((Z^5)*(D^(3/2))*(xn^7))); if abs((xn1-xn)/xn1) < delta then printf("Valor da altura = %10.7f", xn1) return end xn = xn1; end end

Dessa maneira, quando o programa é executado, ele pergunta qual é a

seção que deseja utilizar e, a partir de sua resposta, questiona sobre as outras variáveis do polinômio apresentado. Em seguida, o programa gera a altura ou o apótema da seção utilizada, como é demonstrado na Figura 2, em que foram usadas a seção retangular e a trapezoidal com ângulos externos diferentes.

Figura 2 – Código Scilab executado

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A partir dos dados adquiridos com esse algoritmo, foram produzidos alguns gráficos no programa computacional VCN (Visual Cálculo Numérico), que nos possibilita ver como a variação do valor da base (figuras 3 e 5) ou do valor da vazão (figuras 4 e 6) influencia o valor da altura na seção retangular e trapezoidal regular.

Figura 3 – Gráfico da seção retangular com variação da base de 2m a 3m

Figura 4 – Gráfico da seção trapezoidal regular com variação da base de 1m a 2m

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136

Figura 5 – Gráfico da seção retangular com variação da vazão de 3m³/s a 4m³/s

Figura 6 – Gráfico da seção trapezoidal regular com variação da vazão de 5m³/s a 6m³/s

Percebe-se que os gráficos em que ocorre a variação da base são decrescentes, e os gráficos em que ocorre variação da vazão são crescentes.

Também com esse código computacional, podem-se demonstrar como o aumento de lados em uma seção poligonal com N lados influencia a vazão e faz com que esta tenda à mesma vazão da seção circular.

Na Tabela 4, é demonstrado o código computacional que calcula o valor da vazão de uma seção circular e de uma seção poligonal com N lados.

TABELA 4

Código Scilab para a seção circular e para seção poligonal com 𝐍𝐍 lados

264 265

if I:15 then r = input ('Entre com o valor do Raio (m): ');

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266 267 268 269 270 271 272 273 274 275 276 277 278 279 280 281 282 283 284 285 286 287 288 289 290 291 292 293 294 295 296 297 298 299 300 301 302 303 304 305 306 307

b = input ('Entre com o valor do ângulo, em radianos: '); a = input ('Entre com o valor do coeficiente de rugosidade de Manning: '); D = input ('Entre com o valor da Declividade (m/m): '); x0 = input ('Entre com o valor da Vazão inicial (x0): '); N = input ('Entre com o número máximo de iterações: '); c = cos(2*%pi-b) e = tan((2*%pi-b)/2) delta = 10^(-3); xn = x0; for n=1:N xn1 = xn - (((r^2)*(b^2)*(xn^3)*(a^3))-(((r^10)/32)*((b+((1-c)*(e)))^5)*(D^(3/2))))/((3*(r^2)*(b^2)*(xn^2)*(a^3))-(((r^10)/32)*((b+((1-c)*(e)))^5)*(D^(3/2)))); if ((xn1-xn)/xn1) < delta then printf("Valor da Vazão (m³/s) = %10.7f", xn1) return end xn = xn1; end end if I:16 then f = input ('Entre com o Número de Lados do Polígono (N): '); r = input ('Entre com o valor do Raio (m): '); b = input ('Entre com o valor do ângulo em radianos: '); a = input ('Entre com o valor do coeficiente de rugosidade de Manning: '); D = input ('Entre com o valor da Declividade (m/m): '); x0 = input ('Entre com o valor da Vazão inicial (x0): '); N = input ('Entre com o número máximo de iterações: '); c = cos(2*%pi-b) e = tan((2*%pi-b)/2) g = sin(b/f) h = cos(b/f) delta = 10^(-3); xn = x0; for n=1:N xn1 = xn - (((2*(r^2)*(f^2)*(xn^3)*(a^3)*(1-h)))-(((r^10)/32)*(((f*g)+((1-c)*(e)))^5)*(D^(3/2))))/(((6*(r^2)*(f^2)*(xn^2)*(a^3)*(1-h)))-(((r^10)/32)*(((f*g)+((1-c)*(e)))^5)*(D^(3/2)))); if ((xn1-xn)/xn1) < delta then printf("Valor da Vazão (m³/s) = %10.7f", xn1) return end xn = xn1; end end end

Na Figura 7, o código computacional é compilado e a primeira vazão

gerada é a vazão da seção circular. Em seguida, as vazões geradas são da seção poligonal com N lados, em que esse número de lados vai aumentando e as outras variáveis permanecem constantes.

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Figura 7 - Código Scilab executado com valor da vazão da seção circular e seção poligonal com 𝐍𝐍 lados.

Dessa forma, a partir do aumento de número de lados da seção poligonal com N lados, sua vazão tende cada vez mais à vazão da seção circular. Isso pode ser provado analiticamente a partir da fórmula de Chézy-Manning.

Para a seção circular, a área (Equação 10), o raio hidráulico (Equação 11) e a equação da vazão (Equação 12) serão:

A = r2

2�θ + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2�� (10)

Rh = �r2

2�θ + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2��� 1

rθ (11)

Q = 1n

ARh

23 I

12 (4)

QC = I12

n�r

2

2�θ + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2���

53 1

(rθ)23 (12)

Para a seção poligonal com N lados, a área (Equação 13), o raio hidráulico (Equação 14) e a equação da vazão (Equação 15) serão:

A = r2

2�N sin �θ

N� + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2�� (13)

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Rh = �r2

2�N sin �θ

N� + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2��� 1

�Nr�2�1−cos�θN���

(14)

Q = 1n

ARh

23 I

12 (4)

QP = I12

n�r

2

2�N sin �θ

N� + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2���

53 1

�Nr�2�1−cos�θN���

23

(15)

Assim, a partir do limite (Equação 16) da seção poligonal com N lados (Equação 15), em que N tende ao infinito:

limN→∞I12

n�r

2

2�N sin �θ

N� +

[1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ2���

53 1

�Nr�2�1−cos�θN���

23

=

(16)

I12

nlimN→∞

�r2

2 �N sin�θN�

+ [1− cos(2π

− θ)] tan �2π − θ

2���

53

limN→∞

1

�Nr�2 �1− cos �θN���

23

=

No primeiro limite (Equação 17):

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140

limN→∞

�r2

2�N sin �θ

N� + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π−θ

2���

53, (17)

com a substituição: u = θN

,

limu→0

�r2

2 �θu

sin(u) + [1 − cos(2π − θ)] tan �2π − θ

2���

53

.

A partir do limite fundamental (Equação 18):

limx→0

sinxx

= 1 (18)

A resposta desse primeiro limite será:

limN→∞

�r2

2�N sin �

θN� + [1 − cos(2π − θ)] tan �

2π − θ2

���

53

= �r2

2�θ+[1 − cos(2π − θ)] tan �

2π − θ2

���

53

Já no segundo limite (Equação 19):

LimN→∞

1

�Nr�2�1−cos�θN���2/3, (19)

em que, a partir de �sin �θ2�� = �1−cos(θ)

2,

ocorre o desenvolvimento, chegando a:

1 − cos(θ) = 2 sin2 �θ2�, o segundo limite (Equação 19) resultará:

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141

1r2/3 lim

N→∞1

�N�2�1−cos�θN���2/3 = 1

r2/3 limN→∞

1

�N�4sin2� θ2N��

2/3 =

1r2/3 lim

N→∞1

�2Nsin� θ2N��

2/3.

Com a substituição u = θ2N

:

1 r2/3 lim

u→01

�θu sin(u)�2/3,

a partir do limite fundamental (Equação 18), a resposta do segundo limite será:

limN→∞

1

�Nr�2 �1− cos �θN���2/3 =

1r2/3 lim

u→0

1

�θu sin(u)�2/3 =

1r2/3

1θ2/3

=1

(rθ)2/3

Dessa forma, com esses dois limites calculados, pode-se provar que:

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limN→∞

I1/2

n �r2

2 �N sin�θN�

+ [1− cos(2π

− θ)] tan �2π − θ

2���

5/31

�Nr�2 �1 − cos �θN���2/3

=I1/2

n �r2

2 �θ

+ [1 − cos(2π − θ)] tan �2π − θ

2���

5/3 1(rθ)2/3

limN→∞ QP = QC (20)

Assim, é provado analiticamente que, quanto mais cresce o número de lados de uma seção poligonal, mais sua vazão tenderá à vazão da seção circular.

Considerações finais

Dessa forma, conclui-se que neste trabalho foi desenvolvido um algoritmo que calcula a altura ou o apótema de diferentes seções de canais hidráulicos, incluindo os que não são usuais, como os poligonais, com uma implementação numérica do método de Newton-Raphson.

Também foi demonstrada a aproximação da vazão de uma seção poligonal com a vazão de uma seção circular, a partir do aumento do número de lados desse polígono, através do algoritmo, via programa

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computacional Scilab. Assim sendo, prova-se analiticamente que o limite de uma seção poligonal com N lados, em que N tende ao infinito, resulta na equação da vazão de uma seção circular.

Agradecimentos

Agradeço ao CNPq e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás/Câmpus Aparecida de Goiânia pela oportunidade e pelo incentivo à pesquisa.

Referências

BAPTISTA, M.; LARA, M. Fundamentos da engenharia hidráulica. 3.. BELO HORIZONTE: ED. UFMG, 2014.

BOYER, C. B. A History of Mathematics. Nova York: Wiley International Edition, 1968.

FILHO, F. F. C. Algoritmos numéricos. 2.ed. Belo Horizonte: LTC, 2007.

FRANCO, N. B. Cálculo numérico. São Paulo: Pearson Education, 2007.

MACHADO, I. A.; ALVES, R. R. Método de Newton. Revista Eletrônica de Educação da Faculdade Araguaia, v. 4, n. 4, p. 30-45, 2013.

RUGGIERO, M. A. G.; LOPES, V. L. R. Cálculo numérico: aspectos teóricos e computacionais. 2.ed. São Paulo: Pearson – Makron Books, 1996.

VIEIRA, A. Iniciação à navegação marítima. Lisboa: Editorial Presença, 1985.