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Copyright © 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 1 MÓDULO DE: FILOSOFIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS AUTORIA: GABRIELE GREGGERSEN Copyright © 2008, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil

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MÓDULO DE:

FILOSOFIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

AUTORIA:

GABRIELE GREGGERSEN

Copyright © 2008, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil

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Módulo de: Filosofia e Políticas Educacionais

Autoria: Gabriele Greggersen

Primeira edição: 2008

CITAÇÃO DE MARCAS NOTÓRIAS

Várias marcas registradas são citadas no conteúdo deste módulo. Mais do que simplesmente listar esses nomes

e informar quem possui seus direitos de exploração ou ainda imprimir logotipos, o autor declara estar utilizando

tais nomes apenas para fins editoriais acadêmicos.

Declara ainda, que sua utilização tem como objetivo, exclusivamente a aplicação didática, beneficiando e

divulgando a marca do detentor, sem a intenção de infringir as regras básicas de autenticidade de sua utilização

e direitos autorais.

E por fim, declara estar utilizando parte de alguns circuitos eletrônicos, os quais foram analisados em pesquisas

de laboratório e de literaturas já editadas, que se encontram expostas ao comércio livre editorial.

Todos os direitos desta edição reservados à

ESAB – ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL LTDA

http://www.esab.edu.br

Av. Santa Leopoldina, nº 840/07

Bairro Itaparica – Vila Velha, ES

CEP: 29102-040

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Apresentação

Cara/os alunas/os,

Bem-vinda/os a esse módulo de Filosofia e Políticas Educacionais. Espero que estejam

muito motivados e com grandes expectativas, pois neste módulo vamos compreender melhor

o papel da Filosofia e das Políticas de Educação.

O fim desse material não é estritamente acadêmico, mas antes didático, no sentido de

comunicar a filosofia numa linguagem informal, inteligível e prazerosa, sem a preocupação

com precisão e detalhe. O aluno mais versado em filosofia poderá se encarregar de

aprofundar os diversos pontos, em caso de necessidade e interesse, através dos textos de

apoio. Não se pretende formar filósofos, mas educadores com gosto pela filosofia, capazes

de se valer dela para incrementar e aprofundar a sua didática e ampliar o seu repertório com

conhecimentos elementares da filosofia e políticas educacionais.

Então, relaxe e deixe-me conduzi-los através dos principais pensadores e temas da história

da filosofia e das políticas.

Objetivo

Despertar o gosto pela filosofia e sua prática cotidiana, através da reflexão crítica, da

capacidade contemplativa, desenvolvimento de habilidades e atitudes filosóficas, linguísticas,

científicas, artísticas, literárias, éticas, políticas e religiosas, sob a perspectiva político-

educacional.

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Então, espero que você não apenas aprenda, mas também consiga desfrutar e se divertir

nessas verdadeiras viagens e navegações que pretendemos empreender juntos nas

próximas unidades.

“Vejo” vocês na próxima!

Atenção! As atividades sugeridas no corpo do módulo são apenas para desenvolver o

seu autoestudo dirigido. Não haverá cobrança e nem há como nós, tutores, darmos

qualquer feedback a essas atividades. Mas elas serão fundamentais para seu preparo

para as atividades e avaliação on-line, mas principalmente para o seu preparo para a

prova presencial, pois muitas questões poderão reaparecer nessas avaliações.

Ementa

Aproximação e estudo crítico das Filosofia, em seus vários campos com a Educação, com

foco no aspecto político social.

Reflexão filosófica sobre os principais temas que fundamentam a filosofia de todos os

tempos e lugares.

Aproximação e estudo crítico das principais correntes da reflexão filosófica com ênfase na

filosofia da educação e suas tendências, no Brasil e mundo.

Sobre o Autor

Graduada em Teologia e Pedagogia, Especializada em Administração Escolar, Mestrado em

Filosofia da Educação e Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo;

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Pós-Doutora em História das Idéias Contemporâneas do Instituto de Estudos Avançados da

Universidade de São Paulo;

Professora, coordenadora de projetos de Educação à Distância e autora na área de

Pedagogia e Filosofia.

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 ........................................................................................................ 9

O quê, quando, como, onde .................................................................................................. 9

UNIDADE 2 ...................................................................................................... 16

Clássicos da Filosofia I ........................................................................................................ 16

UNIDADE 3 ...................................................................................................... 24

O pensamento Aristotélico .................................................................................................. 24

UNIDADE 4 ...................................................................................................... 35

Clássicos da Filosofia III ...................................................................................................... 35

UNIDADE 5 ...................................................................................................... 44

Clássicos da Filosofia IV: Do Renascimento à Modernidade .............................................. 44

UNIDADE 6 ...................................................................................................... 55

Lógica, é lógico! .................................................................................................................. 55

UNIDADE 7 ...................................................................................................... 61

A metafísica ........................................................................................................................ 61

UNIDADE 8 ...................................................................................................... 71

Filosofia da Ciência I ........................................................................................................... 71

UNIDADE 9 ...................................................................................................... 80

Filosofia da ciência II ........................................................................................................... 80

UNIDADE 10 .................................................................................................... 93

Epistemologia ...................................................................................................................... 93

UNIDADE 11 .................................................................................................. 102

Filosofia da linguagem ...................................................................................................... 102

UNIDADE 12 .................................................................................................. 109

Filosofia Analítica .............................................................................................................. 109

UNIDADE 13 .................................................................................................. 119

Filosofia e Literatura .......................................................................................................... 119

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UNIDADE 14 .................................................................................................. 126

Filosofia da Mente ............................................................................................................. 126

UNIDADE 15 .................................................................................................. 137

Estética e Arte ................................................................................................................... 137

UNIDADE 16 .................................................................................................. 146

Filosofia, Psicanálise e Religião. ....................................................................................... 146

UNIDADE 17 .................................................................................................. 155

Filosofia Política ................................................................................................................ 155

UNIDADE 18 .................................................................................................. 162

Filosofia da Educação ....................................................................................................... 162

UNIDADE 19 .................................................................................................. 170

Filosofia Ética I .................................................................................................................. 170

UNIDADE 20 .................................................................................................. 177

Ética II ............................................................................................................................... 177

UNIDADE 21 .................................................................................................. 189

Tendências e Políticas Públicas da Educação – Panorama Histórico............................... 189

UNIDADE 22 .................................................................................................. 200

Políticas Públicas da educação - Panorama Histórico Recente ........................................ 200

UNIDADE 23 .................................................................................................. 212

Políticas Públicas da Educação: Tendências Pedagógicas .............................................. 212

UNIDADE 24 .................................................................................................. 222

Políticas Públicas de Educação: Dando nome aos bois .................................................... 222

UNIDADE 25 .................................................................................................. 232

Políticas Públicas de Educação - A Aprendizagem como Processo ................................. 232

UNIDADE 26 .................................................................................................. 242

Políticas Curriculares e Afirmativas ................................................................................... 242

UNIDADE 27 .................................................................................................. 249

Políticas Curriculares e Afirmativas ................................................................................... 249

UNIDADE 28 .................................................................................................. 258

Realidades Políticas e a Avaliação ................................................................................... 258

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UNIDADE 29 .................................................................................................. 270

Pós-modernismo ............................................................................................................... 270

UNIDADE 30 .................................................................................................. 278

Questões da atualidade .................................................................................................... 278

GLOSSÁRIO .................................................................................................. 286

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 290

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UNIDADE 1

O quê, quando, como, onde

Objetivo: Compreender o significado e conceituação da filosofia.

O filósofo é “aquele que se encontra num quarto escuro”,

à procura de um gato preto que não está lá.

E ele o encontra..."

Guimarães Rosa

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Só para esquentar a cabeça e chegar à mesma conclusão de muitos pensadores, como

Marx, por exemplo, de que ela não passa de uma náusea, que só serve para ludibriar as

pessoas? Acontece que se não fosse pela sistematização de algumas ideias por homens

como Marx e Engels, entre outros, muitos acontecimentos da história não teriam se dado no

mundo (Revolução Russa, a Revolução Francesa, a Independência de Colônias, etc.).

Você também pode achar que a filosofia é reservada àquelas cabeças privilegiadas que

“sabem tudo”.

A verdade é que só é possível fazer filosofia, quando se tem consciência da própria

ignorância. Se não, se soubéssemos de tudo, para que gastar tempo e neurônios

filosofando?

As grandes perguntas da humanidade, para as quais ainda não se tem resposta, os mistérios

que trazem o espanto, são precisamente o que empurra o homem para a filosofia.

E sempre que nos deparamos com o desconhecido, temos medo e nos sentimos inseguros,

não é mesmo? O que diferencia o filósofo do homem comum e do cientista é que o filósofo

não foge dos mistérios, mas tenta encará-los, mesmo sem garantia de solução precisa e

resultados imediatos.

Pois é, sei que muitos de vocês têm certos temores da filosofia. Bem, eu lhes digo que não

poderia haver melhor condição para se ter sucesso num módulo como esse. Talvez você

fique mais tranquilo em saber disso - a filosofia aprecia e estimula em grande parte essa

atitude de susto e espanto.

Ela faz perguntas o tempo todo, pois parte do pressuposto de que nós, seres humanos não

temos domínio sobre a totalidade do real, Em princípio só pode entender a filosofia ou até

filosofar quem concorda com Sócrates, quando dizia: “Só se sei que nada sei!”.

Então, quer dizer que todo mundo filosofa quando faz perguntas sobre coisas que confessa

ignorar? Em princípio, sim. Principalmente, quando quiser entendê-las a fundo e em

comparação ao um todo.

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A filosofia não quer descobrir quem matou fulano como um detetive, mas qual a natureza do

assassinato e da morte em geral. Não quer desvendar a cura para determinada doença, mas

o que é ser doente, o que é ser sadio. Nesse sentido, todos nós filosofamos. Não o tempo

todo, é claro, mas em alguns momentos especiais, que tendem a passar como uma brisa de

vento numa tarde ensolarada.

Entretanto, a maioria das pessoas não se dá conta de que está filosofando e acha que só os

nerds, que vivem enfiados nos livros e a meio palmo do chão da realidade da vida “real”,

filosofam. E o que consideram realidade, normalmente se refere às coisas materiais, ao

mundo do trabalho e do consumo, enfim, ao visível e palpável “aqui e agora”,

Na verdade, quando Sócrates pronunciou essas palavras, que se tornaram célebres, ele o

fez porque algumas pessoas haviam perguntado ao Oráculo de Delfos quem ele considerava

ser o mais sábio de todos os seres humanos e ele respondeu que era Sócrates.

E qual foi a reação do sábio ao ficar sabendo disso? Ele

disse humildemente: “Só sei que nada sei”.

Com isso, ele demonstrava toda a humildade necessária

para a reflexão filosófica. Pois, quem é que precisa de

filosofia, se já é um espertalhão sabe-tudo? Sim, isso vale

também para você e para mim. Se você ou eu achamos

que não existem mistérios no mundo, podemos desembarcar imediatamente desse navio.

Pois ele é movido pela convicção de que “navegar é preciso” sempre! Esse, aliás, será o

nosso lema.

Como a filósofa brasileira Marilena Chauí (2000, 11-12), deixa claro em seu livro Convite à

Filosofia, que muito nos inspira, filosofar é refletir, mas não sobre qualquer coisa e sim, sobre

as grandes questões da vida:

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos?

Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos,

dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos?

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2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que

queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que

pensamos, dizemos ou fazemos?

3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos?

Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?

Essas três questões podem ser resumidas em: O que é pensar, falar e agir?

E elas pressupõem a seguinte pergunta: Nossas crenças cotidianas são ou não um saber

verdadeiro, um conhecimento? Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando: O que

é? Como é? Por que é? Dirigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos seres humanos que

nele vivem e com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência, a significação ou a

estrutura e a origem de todas as coisas.

Já a reflexão filosófica indaga: Por quê?, O quê?, Para quê?, dirigindo-se ao pensamento,

aos seres humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade

humanas para conhecer e agir.

Então, a filosofia é um filosofar, ou seja, uma ação concreta, ao invés da condição daquele

que anda olhando para o céu e em um minuto cai no primeiro buraco à sua frente. O filósofo

alemão, Immanuel Kant, dizia que o filósofo é aquele que tem a cabeça aberta para o cosmo,

enquanto os pés permanecem firmemente fincados no chão. E nisso toda a filosofia oriental,

desde a chinesa até a greco-judaica, concordaria com a ocidental.

Por outro lado, não é apenas quando fazemos perguntas que nos flagramos filosofando.

Sempre que citamos algum provérbio popular, contamos uma história ou mencionamos

algum livro religioso ou de sabedoria, ou recitamos algum poema, estamos nos aproximando

“perigosamente” do campo da filosofia.

E ao mesmo tempo, quase sem querer, acabamos ingressando também no campo da

educação. Isto é, porque será que todos os pensadores da filosofia ocidental e o oriental

foram mestres educadores, sem exceção? Bem, por estarem engajados precisamente nisso

que chamamos de “grandes questões” da vida, também estaremos engajados em buscar

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respostas e com isso também as queremos compartilhar com outros seres em busca de

resposta.

Em suma, a filosofia sempre envolve esse elemento de abertura para a totalidade do real,

para o desconhecido, para o que se encontra e vai além do aqui e agora, da transcendência

em contraposição à imanência.

Mas a filosofia também acontece quando emitimos juízos de valor, ou consideramos algo

justo, belo, verdadeiro ou inteligente. Acontece ainda quando temos que decidir que

profissão escolher; com que tipo de pessoas andar; com quem se casar; ou mesmo, que

roupa usar; ou confiar ou não em uma pessoa determinada para fechar um importante

negócio.

Fazendo isso, usamos necessariamente algum padrão de comparação ou pressuposto.

Nesse sentido, como destaca o prof. Marco Antonio Franciotti, num dos textos propostos

para este estudo, a filosofia pode ser comparada com a geografia. Ou seja, ela se ocupa de

criar mapas orientativos da conduta e das decisões

humanas. Nesse sentido ela também se aproxima da

teologia, como ele tão bem destaca.

Sem a filosofia, o mundo fica preto e branco, pois

ninguém saberia distinguir as matizes de cor, seria

desprovido de mistérios e, portanto, de encanto, de

criatividade e de liberdade.

Seria vazio de expressões artísticas de todo tipo:

literatura, teatro, cinema, pintura, escultura, etc. Se não fosse pela filosofia, as cidades

funcionariam como uma máquina e não, como verdadeiras polis, ou seja, cidades, regidas

pela política, ou arte do bom convívio e pela cidadania, que é o respeito ao direito e espaço

do outro.

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O próprio ser humano se confundiria com um autômato. Sem filosofia, não haveria família.

Todos viveriam como iguais num mundo perfeitamente eqüitativo e massificado.

Todos tratariam os outros como número. Não haveria organizações com visão de futuro, não

haveria a conquista do espaço e outras conquistas da ciência. Não haveria amor, nem

amizade; muito menos fé e paz.

Sem a filosofia, nem sequer haveria as outras áreas do conhecimento, pois, se para

Aristóteles, a “teologia é a mãe de todas as ciências”, a filosofia é, no mínimo, o pai...

Está certo que a filosofia não acaba com as injustiças e não basta termos uma Declaração

Universal dos Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente decretados para

os termos realizados em ação. Mas já é alguma coisa. Como dizia o famoso educador Paulo

Freire, que, como todo bom educador, não estabelece grande diferença entre a educação e

filosofia: “a educação não pode tudo, mas pode alguma coisa”.

Então, o quê é a filosofia mesmo? É claro que não existe uma definição precisa, mas uma

das coisas é saber perguntar com uma atitude crítica, que tem dois pólos: o da aceitação das

coisas que nos pareciam incompreensíveis e insólitas, e a da rejeição daquilo que se prova

absurdo ou sem sentido.

A crítica filosófica equivale, assim, a uma rede: tudo depende do tamanho da malha, como

lemos em “Dois modos de ser crítico” de Josef Pieper proposto para essa unidade.

Ela tem que reter o peixe que queremos pegar, mas também tem que deixar passar a bota

imprestável, que não serve para nada. Já o peixe que queremos fisgar presta para muita

coisa, até mesmo para o colocarmos num aquário e o ficarmos só admirando.

Mas haveria um momento certo para filosofar? Não, na verdade esse momento se dá de

repente, sem a gente tê-lo planejado: num passeio, numa conversa solta na cozinha, num

bate-papo da internet ou mesmo no ponto, esperando o ônibus chegar.

Mas na verdade, podemos localizar a origem da prática sistemática da filosofia na

Antiguidade, particularmente entre os povos orientais e os gregos. Pretendemos apresentar-

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lhes alguns dos clássicos da filosofia nas próximas unidades. Depois trataremos de assuntos

diversos, sem pretensão de que ninguém se torne expert em nenhum deles, não se

preocupem!!!

Então, a filosofia não é esse bicho de sete cabeças, com que alguns autores o pintam. Na

verdade muitas vezes querem reservar para si o direito a esse saber ou impedir que outros o

detenham. Nesse sentido, quem ainda não leu O Mundo de Sofia, de J. Gaadner, deveria

fazê-lo.

Não se trata de um livro acadêmico, mas perfeitamente compreensível. O autor pretende

fazer o contrário de alguns intelectuais indigestos, desmistificando e popularizando a filosofia

através da literatura de ficção.

É claro que você que passa mal só de ver a grossura de livros assim (e sem uma só figurinha

para refrescar...) terá as suas dificuldades no começo. Mas todas as leituras básicas e

complementares aqui propostas foram cuidadosamente selecionadas e certamente o farão

passar por experiências jamais vividas antes, e que o transportarão para tempos e lugares

que talvez nunca virá a ver de verdade.

E certamente você terá bem mais desenvoltura na conversa com seus amigos e superiores

se tiver lido muitos desses textos considerados clássicos do patrimônio da cultura comum a

toda a humanidade..

O que acharam da nossa primeira unidade?

Bem, ainda temos uma porção de textos para ler nesse módulo.

“Vejo” vocês na próxima!

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UNIDADE 2

Clássicos da Filosofia I

Objetivo: Situar historicamente e contextualizar a origem de alguns conceitos sobre o pensamento filosófico e as maiores ideias e sabedorias de todos os tempos.

Olá minha gente,

Hoje vamos começar a nossa breve “viagem” para contextualização histórica da filosofia, a

começar pelas regiões encantadoras da filosofia clássica. Para isso, nós nos inspiraremos

em alguns clássicos da mitologia grega. Um dos fatores do nosso “encantamento” por essa

filosofia são os mitos que balizavam o

pensamento filosófico e as maiores ideias e

sabedorias de todos os tempos.

Mas é importante que você saiba que o estudo

de filosofia não é sinônimo de “história da

filosofia” ou dos “pensadores”, embora também

nos propuséssemos a tratar desse assunto ao

longo das unidades. Pois a história e os

pensadores ajudam a nos situar historicamente e

contextualizar a origem de alguns conceitos.

Se bem que em filosofia, mais do que em

qualquer outro campo do saber, nunca se sabe

ao certo a autoria das ideias, pois, no fundo,

ninguém é original. Como dizia Paulo Freire “ninguém ensina ninguém, todos aprendemos

em cooperação e interação uns com os outros”.

O universo da filosofia pré-socrática é muito vasto, vocês devem saber, e em grande parte

desconhecido pelos longos séculos que nos separam dele. Nada que pudesse ser esgotado

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em qualquer curso de infinita duração. Mas quem sabe consigamos despertar curiosidade

suficiente em você para que se aventure a fazer suas investigações e incursões, por sua

própria conta e risco e, por que não, um dia até estude a filosofia mais a fundo.

Bem, de acordo com o resumo dos “Principais períodos da Filosofia” de Marilena Chauí da

unidade passada, vamos começar pela filosofia grega. Outros a chamam de filosofia clássica

ou antiga. O período helenístico foi o áureo da cultura grega. É claro, que antes dela, já havia

toda uma filosofia oriental, com grande quantidade de pensadores. Infelizmente, os

ocidentais pouco sabem dela.

E a grande maioria dos filósofos dessa época eram também “educadores”, uma vez que

costumavam ter discípulos (até Jesus Cristo seguiu essa estratégia pedagógica e muito

filósofos a seguem até hoje) e fundar “escolas”.

Nesse sentido, um dos primeiros filósofos desse período de que se tem registro foi Tales de

Mileto (aprox. 580 a.C.), aquele que, dizem as más línguas, caiu num buraco, de tão “no

mundo da lua” que andava. Ele fundou a chama escola “jônica”, que era basicamente

“materialista” e procurava explicar o mundo todo, a partir da astronomia, a física, fenômenos

meteorológicos, fazendo investigações científicas, principalmente com substâncias. Assim, a

filosofia se “misturava” com a alquimia e a metafísica (calma, vamos estudá-la mais adiante).

O discípulo de Tales, Anaximandro (aprox. 611- 547 a.C), defendia a ideia de que tudo

tivesse se originado de um fluido invisível, intangível e infinito. Acreditava ainda que todos os

corpos fossem compostos por substâncias observáveis, antecipando teorias modernas sobre

a origem do cosmo. Sua teoria elucida as sensações de calor, frio, ocasionadas pelos

elementos da natureza, terra, ar e fogo.

Outro filósofo, que era defensor da ideia de uma substância primeira foi Anaxímenes,

seguidor da filosofia Jônica, que foi um dos primeiros a defender que a luz da lua é

proveniente do sol.

Ele defendia que essa substância primeira devia ter sido gasosa. As transformações da

natureza eram explicadas pela rarefação e condensação do ar. Ele foi o primeiro a identificar

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diferenças qualitativas em função de alterações quantificáveis, o que foi fundamental para o

desenvolvimento do que chamamos hoje de “método científico”.

Além dessa linha mais físico-química, temos a matemática. Lembram do famoso teorema

dos triângulos retângulos? Pois é, a fórmula da relação entre seus lados e seus ângulos

recebeu o nome de Pitágoras, em homenagem a esse filósofo.

Ao lado de Tales, Pitágoras (530 a.C.) foi uma das principais figuras do pensamento

matemático antigo. Ele fundou uma escola que tinha elementos mais religiosos e místicos, do

que propriamente filosóficos, procurando fazer a síntese entre o pensamento mitológico e o

científico, que já estava fazendo seus primeiros ensaios. Para os pitagóricos, a totalidade das

coisas pode ser reduzida a números, formas geométricas e a harmonia musical.

Do ponto de vista religioso, eles conceberam uma teologia reencarnacionista e uma ética

moralista, através da qual o corpo poderia ser vencido pela alma, de modo que a pessoa

pudesse evoluir para graus mais elevados de existência nas vidas futuras. Para eles os

corpos celestes seguem uma dança ou música, que pode ser

terapêutica para o ser humano. Com isso, contribuíram muito

para a matemática, a astronomia e a teoria musical.

De resto, podemos “classificar” (nunca faça isso de modo

absoluto) a filosofia entre epicuristas e estóicos. Como o próprio

nome diz, os epicuristas seguiam as ideias de Epicuro, aprox.

(341-270 a.C).

“Aproveitamos a “deixa” para comentar que em filosofia é bom

nunca pensar que um seguidor traduza todas as ideias do seu

“mestre” literalmente”. Por isso, costumamos chamá-los de “epígonos” (continuador das

doutrinas do seu “mestre”).

Epicuro fundou a sua escola em um jardim, o que era comum na época. Sua metodologia,

além de “ecologicamente correta” era também boa para a saúde física, já que o filosofar se

dava em movimento, ou seja, caminhando. Daí surgiu o nome de filósofos “peripatéticos”,

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que significa “filósofos andantes”. Basicamente, fundavam sua cosmovisão no princípio do

prazer. Dizem que grandes pensadores, como Marx e Nietzsche foram influenciados por

essa escola.

Já os estóicos (aprox. 300 a.C) estão no outro extremo da luta contra os desejos materiais e

busca dos ideais metafísicos e abstratos. Eles se inspiraram principalmente em Sócrates,

mas também nos céticos e seu moralismo, que beira o maniqueísmo.

Eu sei, são “ismos” demais para a sua cabeça. Concordo. Mas é bom conhecê-las, inclusive

para impedir cair nelas (ou quem sabe até, “aderir” a alguma delas, rsrsrs).

Mas vamos em frente. Outros dois pensadores importantes da época ocupavam

posicionamentos opostos sobre o estado “natural” das coisas. Um defendia a mudança,

como princípio geral e o outro, a permanência. Heráclito defendeu a ideia de que “você não

pode se banhar no mesmo rio duas vezes”.

Ele também acreditava que tudo havia se originado do fogo, mas de um criador inteligente.

Criou assim a teoria do Logos ou de uma Razão Criativa por trás de todas as coisas. Como

veremos na unidade sobre a Filosofia da Religião, sua tese era panteísta (crença de que

Deus está em tudo), posteriormente adotada pelos estóicos.

Todo tipo de mudança geraria paradoxos, que foram estudados por um discípulo seu,

chamado Zenão, considerado um dos fundadores do estoicismo. A preocupação dessa

escola com a consistência lógica da mudança nas coisas representou uma importante base

para a lógica científica.

Já os seguidores de Parmênides (aprox. 515 a.C), fundaram a chamada Escola de Eléia, que

defendia o estado de estabilidade esférica de todos os seres. Toda e qualquer mudança

dessa estabilidade é, segundo eles, contraditória e não-lógica. A única coisa de que se pode

ter certeza é da unidade do ser.

Temos no mundo grego pré-socrático ainda os pluralistas, que substituíram a ideia de uma

só substância pela de várias, que usualmente são a terra, o ar, a água e o fogo, que se

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combinariam e lutariam entre si. Com isso, o mundo sairia do caos e entraria nele novamente

num eterno retorno.

Pode-se considerar essa uma resposta alternativa e religiosa para a crença geral dos gregos

em deuses personificados, sendo Zeus o maior de todos.

Um de seus defensores, Anaxágoras, acreditava numa “teoria da evolução cósmica”, que

supõe que haveria uma mente mundial,

responsável pela mudança e evolução das

coisas.

Eles também desenvolveram uma teoria da

matéria, que influenciou outra escola, a dos

atomistas. Eles deram um passo a mais em

relação aos pluralistas. Inferiram que a matéria

se compõe de partículas ínfimas, chamadas de

átomos (que significa indivisível – hoje com a

teoria nuclear já sabemos que eles são, sim,

divisíveis), teoria essa bastante estudada por

Demócrito, cuja visão de mundo era totalmente

materialista.

Para ele, o átomo, daí o nome, é a menor partícula da matéria. Assim, as sensações de frio,

calor, gosto, cheiro são provocadas pela mudança de tamanho, forma e combinação de

átomos das coisas.

Ele também desenvolveu uma psicologia, fisiologia, teoria do conhecimento, ética e política

deterministas, seguindo as leis da física.

Mais uma palavra sobre os filósofos pré-socráticos, os já mencionados sofistas. Eles foram

os primeiros a se autodenominar professores. Isso não soa bem, não é? Já que atrelamos a

palavra “sofista” a “enganador”, “trapaceiro” e “malandro”.

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Mas na verdade eles introduziram uma metodologia bastante interessante para se filosofar.

Eles eram conhecidos como filósofos peripatéticos (isto é, não ensinavam numa sala de aula

de quatro paredes, mas enquanto andavam pelos bosques e campinas).

Eles tiveram um papel importante no desenvolvimento das cidades gregas de monarquias

puramente agrárias para democracias comerciais. Mas na medida em que esses

comerciantes novos-ricos tomavam o poder, sem a educação dos aristocratas, eles

passavam a contratar as aulas dos sofistas para se prepararem para a vida política e social.

Eles lhes ensinavam a falar em público e a fugir dos cobradores.

Apesar da sua contribuição para o desenvolvimento grego, entretanto, eles acabaram

adquirindo má-fama, por sua demagogia, mentiras e falta de ética.

Um deles, Protágoras, dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. (E muitos

pensadores da atualidade pensam assim até hoje, já repararam? Bem, vamos deixar isso

para a última aula, certo?) Ou seja, cada um é responsável pelos seus atos e pela definição

do bem e do mal.

Eles negavam a existência de um conhecimento ou verdade objetiva, acreditando que tanto a

ciência natural quanto a teologia tinham pouca importância, por terem nenhuma influência

significativa sobre a vida cotidiana. Sua máxima era uma bastante conhecida entre nós: a do

mínimo esforço para o proveito máximo. Ou para os íntimos: a lei de Gérson.

Já no período clássico da filosofia grega, destacaram-se três

pensadores, sendo que um foi discípulo de outro.

O primeiro foi Sócrates (469-399), que viveu no auge da cultura e da

economia do império grego. Nesse período floresciam não apenas a

arte e a literatura, mas também a filosofia, pela relação de mestres e

discípulos que formavam as chamadas “escolas” de pensadores

que se reuniam nos mencionados jardins.

Reuniam-se frequentemente numa delas, a chamada “academia”, em homenagem ao seu

dono e doador, Academos (daí até hoje a palavra academia e seus derivados).

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Uma das discussões mais populares girava em torno de formas de argumentar melhor para

quem estava endividado ou precisava se apresentar aos tribunais por um motivo ou outro.

Por ensinarem as pessoas a se “safarem” de situações complexas, usando meios antiéticos,

o nome de “sofista” continua sendo pejorativo até os dias de hoje, pois, na verdade, eles

pouco se importavam com as grandes questões da vida, como a verdade, mas muito mais

com técnicas para alcançar os objetivos interesseiros de cada um valendo-se das “armas” da

retórica e da oratória.

Tudo indica que a figura de Sócrates, da qual se tem tão pouca certeza, quanto de outras, se

existiu mesmo ou passou de uma figura mitológica, abria uma exceção a essa regra. Mas

sua filosofia é amplamente reconhecida como válida para o campo da filosofia, ao contrário

de outras que até hoje se encaram mais como lendas, do que personagens históricos. Dizem

até que o método socrático, também chamado de "maiêutico", inspirou-se na mãe de

Sócrates, que teria sido parteira e teria financiado seus estudos e atuação como filósofo

"livre". Mas o que se pode dizer, para citar novamente Chauí (2000, 44, 45):

Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um

lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade

grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam ideias tão contrárias entre si

que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. (Nota:

Historicamente, há dificuldade para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não

possuímos seus textos). Restaram fragmentos apenas.

Por isso, nós os conhecemos pelo que deles disseram seus adversários - Platão, Xenofonte,

Aristóteles - e não temos como saber se estes foram justos com aqueles.

Os historiadores mais recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do

espírito democrático, isto é, da pluralidade conflituosa de opiniões e interesses, enquanto

seus adversários seriam partidários de uma política aristocrática, na qual somente algumas

opiniões e interesses teriam o direito para valer para o restante da sociedade.

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Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e

dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que,

antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer

persuadir os outros, cada um deveria primeiro e antes

de tudo, conhecer-se a si mesmo.

A expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava

gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego

da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.

Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a

condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período

socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, particularmente de

seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade.

Sugerimos várias leituras para complementar essa unidade, o que fazemos em todas elas.

Entre as leituras desta unidade, recomendamos a leitura do famoso “Mito da caverna” que se

encontra na República de Platão, na versão de Marilena Chauí, bem como os demais textos

de Platão, atribuídos a seu mestre Sócrates.

Boa leitura e até a próxima unidade!

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UNIDADE 3

O pensamento Aristotélico

Objetivo: Conhecer o pensamento de Aristóteles, suas convicções, crenças, através dos escritos feitos por Platão.

Minha gente,

Sei que vocês devem achar que com Sócrates e Platão e os contadores de histórias ou

mitologias que os antecederam, já temos filosofia suficiente para darmos conta da

Antiguidade. Errado!

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A diferença do mais importante discípulo de Sócrates em relação ao seu mestre foi que

Platão deixou um legado escrito, seu e do seu mestre, tanto que fica difícil diferenciar um de

outro nos seus escritos.

Sócrates acreditava que escrever as coisas faz com que elas se degradem e caiam no

esquecimento. Por isso nunca escreveu nada, da mesma forma que Cristo.

Ele saía pelas praças e ruas de Atenas, fazendo as perguntas que ninguém mais fazia.

Chauí (200, 45-46) registra um desses debates entre Sócrates e seus discípulos, em que ele

aponta para a importância de certos conceitos, discutindo, antes de tudo, o que eles são em

si (a coragem, a beleza, a justiça e a amizade). E com tais perguntas, ele conseguia o que

queria: fazer com que, através do espanto e do susto, eles descobrissem que, no fundo,

ignoravam todos esses conceitos que diziam conhecer. Esse também era conhecido como

método da ironia, que era parte integrante do seu método mais amplo. A ironia estava em

fazer os outros perceberem que, no fundo, não conheciam os conceitos sobre os quais

queriam discutir.

Pois é, assumindo a sua própria ignorância primeiro, ele conquistava autoridade para

convencer as outras pessoas (ou melhor, conscientizá-las) de que também não sabiam. Ele

descobriu que ninguém que pensa que sabe alguma coisa pode aprender. Então,

ironicamente, esse mesmo não-saber é o que faz as pessoas buscarem o saber, e, no final

das contas, saber alguma coisa, a parte boa da ironia.

E esse método de tirar as pessoas de sua zona de conforto para galgar o saber também foi

um dos diferenciais da pedagogia de Piaget e Vigotski, que são atualíssimos. Então,

surpreendia novamente quando, ao invés de responder a essas coisas, fazia novas

perguntas, levando seus interlocutores mesmo chegarem às respostas pretendidas, se é que

ele mesmo as tinha. Sua estratégia parecia ser antes, a do “só sei que nada sei”, buscando,

partindo da ignorância, chegar à essência, idéia, valor ou verdade das coisas, em

contraposição à sua opinião.

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Assim, suas perguntas sempre giravam em torno do fundamento último, da base das coisas,

não penas individuais e isoladas, sobre a ética de cada um, mas sobre o bem comum, sobre

as coisas relativas à cidadania e a boa convivência.

Com isso, é claro que ele não se tornava muito popular, diante dos sofistas que não estavam

nada contentes em ser lembrados de sua própria ignorância.

Tornando-se uma concorrência desleal, não apenas pelo seu método revolucionário e sua

ênfase na verdade das coisas, que os outros preferiam mais é falsear e contornar, mas o

pior: sem cobrar um tostão de seus discípulos, já que era financiado por sua mãe, que era

parteira. Sócrates se inspirou nela para dar nome a esse método das perguntas e do diálogo.

Maiêutica quer dizer isso mesmo – ajudar os outros a conceber a verdade das coisas.

Mas tudo isso são apenas boatos, que não têm fundamentação histórica certa comprovada.

Há quem defenda até que Sócrates e Platão não passassem de personagens lendários.

Em todos os casos, diz a história que esse seu jeito, ele incomodava também aos

governantes, já que fazia o povo pensar e

refletir, o que sempre representou uma

ameaça para eles. Então ele acabou sendo

acusado de várias coisas, que não cometeu,

não se defendendo em nenhum momento

contra seus acusadores:

Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”,

dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando

as acusações, e eu não as aceito.

Se eu me defender, o que os juízes vão exigir

de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu

prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia.

O julgamento e a morte de Sócrates são

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narrados por Platão numa obra intitulada Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates,

feita por seus discípulos, contra Atenas.

Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de

seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles.

Se reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além da

exposição de suas próprias ideias, poderemos apresentar como características gerais do

período socrático:

A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos

comportamentos, das ideias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com

as questões morais e políticas.

O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um

ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão.

Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; é a

consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas,

alcançando o conceito ou a essência delas.

Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação

se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a

verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios

próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo

o que investiguemos.

A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas,

tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as ideias

e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos

quanto como cidadãos? (...)

É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as

imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas

tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as ideias.

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As ideias se referem à essência íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem

ser alcançadas pelo pensamento puro que afasta os dados sensoriais, os hábitos

recebidos, os preconceitos e as opiniões.

A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual,

que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e

necessária.

A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas,

mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o

pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.

A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo

fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e

trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e

Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas,

como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que

nunca alcançam a verdade plena da realidade.

Mas além de Platão e Sócrates, o mundo grego não teria sido o mesmo sem outra terceira

figura memorável Aristóteles, cuja grande diferença em relação a Sócrates e Platão é ter

desenvolvido um sistema completo dos saberes, ou seja, uma metafísica. Em outras

palavras ele criou uma física ou ciência que vai além (é esse o significado dos prefixos

“meta” ou “trans”) dela mesma, dando explicação a todo o universo e à essência das coisas.

Outra diferença importante é que Aristóteles superou o chamado dualismo de seus mestres.

Para ele as coisas não se dividem em dois extremos opostos: o estático e o dinâmico; o

mundo das ideias e o da matéria; o corpo e a alma; sendo que o corpo constitui o “cárcere da

alma”.

Platão preconizava que o corpo deveria ser domado pela alma como um cavalo xucro. Já

para Aristóteles, tudo, inclusive o corpo e a alma se constituem de um misto que se encontra

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entre dois extremos: o ato e a potência. Nada se encontra absolutamente estático entre eles

nem mesmo as ideias, ou principalmente elas.

Vamos dar um exemplo prático: Se eu segurasse uma pedra agora mesmo no ar, vocês

diriam que ela tem energia? “É claro que não, ela está parada!”, sugeririam alguns. Mas na

verdade, mesmo parada, a pedra contém energia, coisa que vocês deveriam ter aprendido

em suas aulas de física mecânica. Ts, ts, ts! Lamentável! Pois a física é para Aristóteles a

ciência que mais se parece com a filosofia e com a própria natureza, que para ele foi criada

do nada pelo Ato Puro, que é Deus.

A pedra tem, sim, uma energia, que se chama potencial. Basta uma coisa, para que ela se

manifeste em ato: abrir a mão. Não precisa nem jogar a pedra para cima, já que a força da

gravidade se encarrega de transformar a energia potencial em cinética sozinha.

Assim são as coisas do mundo: nem ato puro, nem potência pura e só. É preciso distinguir o

que é ato e o que, potência. Algumas características já se realizaram em ato, enquanto as

outras ainda se encontram em potência.

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É mais fácil observar essa dinâmica numa criança. Ela está constantemente desenvolvendo

potenciais, enquanto o adulto parece ter “congelado” em alguns aspectos. Realização Pura

de todas as potencialidades seria a perfeição, que só o Primum Móbile (Primeiro Movedor)

de todo o universo pode apresentar. Potência pura, quem sabe um feto, mas até esse já tem

energia potencial transformada em ação, desde que a vida surgiu nele.

Quanto à sua metafísica, Chauí (2000, 49-50) comenta que Aristóteles apresenta uma

verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em

todos os ramos do pensamento e da prática considerando essa totalidade de saberes como

sendo a Filosofia.

Esta, portanto, não é um saber específico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer

todas as coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que

conhece. Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade dos conhecimentos e práticas

humanas, ela também estabelece uma diferença entre esses conhecimentos, distribuindo-os

numa escala que vai dos mais simples e inferiores aos mais complexos e superiores. Essa

classificação e distribuição dos conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os

campos de investigação da Filosofia como totalidade do saber humano.

Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto específico, procedimentos

específicos para sua aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e prova. Cada

campo do conhecimento é uma ciência (ciência, em grego, é episteme).

Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento constituir seu objeto e seu campo

próprios, seus procedimentos próprios de aquisição e exposição, de demonstração e de

prova; deve, primeiro, conhecer as leis gerais que governam o pensamento,

independentemente do conteúdo que possa vir a ter.

O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo, chama-se

lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do conhecimento em qualquer

campo do saber. A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na

classificação das ciências feita por Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela seja

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indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos específicos

dela...

Mais adiante, ela nos fornece um quadro bastante resumido do sistema de ciências

desenvolvido por Aristóteles.

Vejamos, pois, a classificação aristotélica:

Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto

é, as ações humanas cuja finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade

é a produção de um objeto, de uma obra.

São elas: arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa), economia (cujo fim é a

produção agrícola, o artesanato e o comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e

para o acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a saúde ou a cura), pintura,

escultura, poesia, teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc.

Em suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas que resultam num

produto ou numa obra.

Ciências práticas: ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações que

têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma,

é o próprio ato realizado.

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São elas: ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para

alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais (coragem,

generosidade, fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade, justiça, modéstia,

honradez, temperança, etc.); e política, em que a ação é realizada pela vontade

guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum.

Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à

ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é

conseguida na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela,

a vida livre.

Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são aquelas que estudam coisas que

existem independentemente dos homens e de suas ações e que, não tendo sido feitas

pelos homens, só podem ser contempladas por eles. Theoria, em grego, significa

contemplação da verdade.

O que são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas, independentes de

nossa ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e política? São as coisas da

Natureza e as coisas divinas.

Aristóteles, aqui, classifica também por graus de superioridade as ciências teóricas, indo da

mais inferior à superior:

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1. Ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao devir: física, biologia,

meteorologia, psicologia (pois a alma, que em grego se diz psychê, é um ser natural,

existindo de formas variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e homens);

2. Ciência das coisas naturais que não estão submetidas à mudança ou ao devir: as

matemáticas e a astronomia (os gregos julgavam que os astros eram eternos e

imutáveis);

3. Ciência da realidade pura, que não é nem natural mutável, nem natural imutável, nem

resultado da ação humana, nem resultado da fabricação humana. Trata-se daquilo

que deve haver em toda e qualquer realidade, seja ela natural, matemática, ética,

política ou técnica, para ser realidade.

É o que Aristóteles chama de ser ou substância de tudo o que existe. A ciência teórica

que estuda o puro ser chama-se metafísica;

4. Ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a finalidade de tudo o que existe

na Natureza e no homem. Vimos que as coisas divinas são chamadas de theion e, por

isso, esta última ciência chama-se teologia.

A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais alto na metafísica e na teologia, de

onde derivam todos os outros conhecimentos. A partir da classificação aristotélica, definiu-se,

no correr dos séculos, o grande campo da investigação filosófica, campo que só seria

desfeito no século XIX da nossa era, quando as ciências particulares se foram separando do

tronco geral da Filosofia.

Assim, podemos dizer que os campos da investigação filosófica são três:

1. . O do conhecimento da realidade última de todos os seres, ou da essência de toda a

realidade;

2. . O do conhecimento das ações humanas ou dos valores e das finalidades da ação

humana: das ações que têm em si mesmas sua finalidade, a ética e a política, ou a

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vida moral (valores morais) e a vida política (valores políticos); e das ações que têm

sua finalidade num produto ou numa obra: as técnicas e as artes e seus valores

(utilidade, beleza, etc.);

3. . O do conhecimento da capacidade humana de conhecer, isto é, o conhecimento do

próprio pensamento em exercício.

Aqui, distinguem-se: a lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do

conhecimento, que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências

propriamente ditas e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a epistemologia.

Vai até aqui a segunda parte dos nossos “clássicos da filosofia”, pessoal! Mas na unidade

que vem tem mais!

Leiam os textos disponibilizados nessa unidade, participem do primeiro fórum do curso e me

aguardem para a próxima! Até lá!

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UNIDADE 4

Clássicos da Filosofia III

Olá minha gente,

A essa altura, você já deve ter se identificado com alguma linha clássica da filosofia ou

(espero) pelo menos simpatizado com algum pensador e detestado outros. E isso é

perfeitamente normal. Mas é melhor que você se esforce por se manter imparcial até o final

do curso – sei que é difícil, mas é importante que você dê ouvidos a todas as abordagens

possíveis, antes de tirar conclusões precipitadas. Quanto mais fizer isso, mais certeza terá

sobre a filosofia de vida, que quer adotar para si mesmo. Isso inclui aquela tendência que eu

estarei voluntária ou involuntariamente propondo nas entrelinhas desse curso. Então vamos

avançar mais um pouco.

Como dizia na unidade passada, três grandes

pensadores marcaram a filosofia clássica grega:

Sócrates, Aristóteles e Platão. Depois deles, do

século IV até o nascimento do cristianismo,

predominaram quatro escolas, que se dedicavam

principalmente às questões da ética e da religião:

A dos epicuristas, fundada em 306 a.C. por Epicuro,

funcionava no jardim de sua casa em Atenas. Ele foi

muito influenciado pela filosofia física dos atomistas,

implantando algumas modificações nela. Ao invés da movimentação aleatória dos átomos

em todas as direções, ele admitia o elemento do acaso e a imprevisibilidade na sua teoria

física, dando base para a doutrina do livre arbítrio. Ele valorizava a ciência apenas na medida

em que pudesse ser útil para a tomada da acondecisão e a defesa contra o medo dos

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deuses e da morte. O objetivo da vida humana - defendia ele - era de alcançar o máximo de

prazer, que para ele era sinônimo de ausência de sofrimento.

Os epicuristas, apesar de terem sido conhecidos por seus baixos padrões morais de vida,

levada despreocupadamente, tinham uma ética materialista que muito influenciou Marx em

suas teorias sociais e políticas. E se assistiram o filme Sociedade dos Poetas Mortos, terão

uma ideia de como eles pensavam, na figura daquele professor carismático, que vivia a

repetir: Carpe Diem – Viva o Dia.

Já a escola dos estóicos foi fundada em Atenas, por volta de

310 a.C., tendo sido precedida pelos cínicos, que rejeitavam as

instituições sociais e os valores materiais. A liberdade pode ser

conquistada apenas depois da negação da ambição ou busca

por riquezas e dedicação plena à razão e virtude. Essa escola

influenciou os maiores pensadores do império greco-romano.

Eles seguiam a filosofia de Heráclito, quanto aos quatro

elementos básicos de que se compõe a natureza e na sua

adoração do Logos, que consideravam ser a síntese da energia, lei, razão e providência da

natureza. Isso é possível na medida em que a razão humana faz parte da divina. Isso resulta

no universalismo, a ideia de que todos participavam de uma divindade única, abriu alas para

uma religião única, o cristianismo.

De outro lado, a escola dos céticos, muito influenciada pela dos estóicos e pela crítica dos

sofistas ao conhecimento objetivo, foi bastante forte desde o terceiro século, principalmente

entre os platonistas. Uma das suas ferramentas básicas, segundo Zenão de Eléia, era a

lógica, capaz de desconstruir de forma elegante qualquer positivismo. Sua doutrina básica é

que o ser humano não pode ter conhecimento sobre a realidade e que o caminho para a

felicidade, portanto, encontra-se na total suspensão do julgamento. Eles não acreditavam em

qualquer possibilidade de certeza.

Finalmente, o neoplatonismo, uma das escolas filosóficas e religiosas mais importantes como

contraponto ao cristianismo, foi fundado no terceiro século d. C. por Plotino e outro filósofo

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menos conhecido. Plotino fundou suas ideias sobre Platão, os pitagóricos e Filo, um filósofo

judaico que tentou a síntese do pensamento grego com o judaísmo. Para Plotino, o papel

principal da filosofia é de preparar os indivíduos para a experiência de êxtase no

relacionamento com Deus. Deus, ou o Um, o Logos, do qual emana todo o universo, por um

processo misterioso de superabundância de energia, encontra-se além da compreensão

racional, sendo a fonte da realidade.

O maior objetivo da vida é de purificar-se da dependência do conforto material, e por meio da

meditação filosófica, preparar-se para o encontro transcendental com Ele. Grandes

pensadores da Idade Média foram influenciados primeiro pelo Neoplatonismo, do que por

Platão, cujos escritos só lhes foram resgatados e trazidos anos mais tarde pelos árabes.

A essas alturas do campeonato, Cristo já havia surgido, cumprido sua missão e encarregado

seus discípulos de implantarem e expandirem o cristianismo pela terra. Os chamados “pais

da igreja” ou primeiros que sistematizaram a teologia cristã, realizando estudos profundos

dos filósofos pagãos. Com isso, estabeleceram um diálogo entre os mesmos e os

ensinamentos de Cristo e das Sagradas Escrituras. Dessa forma, é possível estabelecer

várias intersecções e sobreposições entre os mesmos, principalmente os neoplatônicos.

Santo Agostinho, que foi professor de retórica, oratória e filosofia em Roma e Tagaste,

passou de uma vida devassa e imoral para o cristianismo, sob a influência de sua mãe,

Mônica, que, apesar de cristã, ainda praticava diversos ritos greco-judaicos. Ele se destacou

no esforço de reconciliação do cristianismo com a filosofia pagã. Desenvolveu ainda um

sistema de pensamento, que se tornou base para diversas ciências modernas, como a

historiografia, a psicologia, a crítica literária e a psicanálise.

Sua influência fez com que o cristianismo sofresse forte influência do (neo)platonismo, pelo

menos, até o século XIII, quando o pensamento aristotélico se tornou predominante. Para ele

a filosofia e a religião são complementares e não opostas, e a fé é pressuposta à razão. Mas

a alma continua sendo supervalorizada em relação ao corpo.

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Agostinho, que é considerado iniciador não apenas da psicanálise, foi também da filosofia da

história, que via como uma luta dramática entre o bem e o mal, como se pode observar na

sua obra clássica, Cidade de Deus, mas não de forma dualista.

O livro de Fernando Meireles, que virou filme, inspirado em um bairro do subúrbio do Rio,

assim chamado, como vocês devem lembrar, pouco ou nada tem a ver com Agostinho, a não

ser o tema do mal, misturado com o bem numa realidade brasileira bem concreta.

Para Agostinho, existem três cidades: a cidade de Deus, que começa no aqui e no agora e

se cumpre no Reino de Deus; a cidade do mal, que começa igualmente aqui e termina na

perdição eterna; e a cidade mista, que é a que predomina na história. De acordo com

Agostinho, a verdadeira felicidade só pode ser obtida no além, na comunhão com Deus. A

pouca felicidade que podemos ter hoje, representa um aperitivo da que poderemos obter na

eternidade. Sua visão do tempo, memória e experiência religiosa interna inspirou grande

parte da metafísica e filosofia da religião posterior.

Depois dele, no séc. VI, Boécio reavivou o interesse

pela filosofia grega ao traduzir importantes obras,

principalmente Aristotélicas. Sua principal obra A

Consolação da Filosofia, tornou-se basilar para a

formação da filosofia cristã. No século IX houve uma

tentativa de interpretar o cristianismo à luz do

panteísmo neoplatônico.

Já no séc. XI, o reavivamento do pensamento

filosófico começou em decorrência do contato

crescente entre religiosos de diferentes partes do

mundo ocidental. As obras de Platão, Aristóteles e

outros pensadores gregos foram traduzidas pelos

estudiosos árabes e trazidas para a Europa. Filósofos muçulmanos, judeus e cristãos

interpretaram e esclareceram esses escritos, no esforço por conciliar a filosofia com a fé

religiosa e providenciar bases racionais para a fé cristã. O legado desses autores

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estabeleceu o fundamento do escolasticismo, que era criticado por não se interessar tanto

por novas descobertas, e mais pelo debate das grandes questões da vida.

Esse método é confundido ou substituído por aquele adotado pelos jesuítas na América

Latina e na Europa, depois da Idade Media, no período da contra-reforma, que infelizmente

levou o mesmo nome. O que foi sistematizado como Ratio Studiorum, com a lista dos “livros

proibidos” (que aparece no livro e filme O Nome da Rosa) preservava apenas a rigidez e

clima da época da “Santa inquisição”. A metodologia partia da quaestio disputata, muitas

vezes vindas do povo era discutida com claras regras de respeito à opinião e dignidade do

outro. Só após a lectio, ou leituras comuns de textos relacionados à questão, partia-se para a

discussão, primeiro, arrolando as posições a favor, e depois, contra a questão. Ao final, o

“mestre” encerrava com a determinatio, que era na verdade, uma provocação para mais

questões. Era, portanto uma educação bastante democrática, que deu base para a

democratização do ensino. A riqueza de tais debates levou à fundação das primeiras

universidades. Assim, o método de ensino-aprendizado nessa época era o da argumentação

dialética e dialógica, associada à filosofia neoplatônica e árabe, e à poesia judaica.

A visão contrária ao realismo escolástico, o nominalismo, defendia que somente os objetos

individuais e concretos existem e que os universais, as formas essenciais e as ideias usadas

para classificar as coisas, não passam de etiquetas, negando a existência de substâncias

intangíveis. O famoso romance Abelardo e Heloísa. Essa história dramática aparentemente

verídica ocorrida entre Heloísa e o filósofo Pedro Abelardo iniciou-se em Paris, no período

entre o final da Idade Média e o início da Renascença (séc. XII). Ela gira em torno da

polaridade entre nominalistas, vulgarmente conhecidos como materialistas e os escolásticos,

também conhecidos como idealistas. Acabou assim por criar uma síntese dialética, mais

conhecida por conceitualismo, que atribuía aos nomes um caráter particular e aos seus

sentidos, o universal. Com isso, pode fazer distinção entre a lógica e a metafísica, pelo que

estabeleceu as bases da escolástica e da síntese tomista, que acrescentou à influência

neoplatônica, a lógica, epistemologia e ética aristotélica.

O extenso período da Idade Média costuma ser dividido em três fases: a

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Patrística, ou Antiguidade Tardia, ou Idade Média Antiga, que vai do início no séc. V até o

séc. X; a

Alta Idade Média, que começa aprox. em 1.050, com as cruzadas, o

nascimento da cultura gótica e a superação do sistema feudal,

unificando a Europa; e a

Baixa Idade Média, que se estende do século XIV até o XV, pautada

pela luta política e desenvolvimento das ciências, além do surgimento

de uma nova espiritualidade, buscada no isolamento individual ou em

grupos, as chamadas ordens.

Os pensadores de maior destaque são, respectivamente, Santo

Agostinho e Boécio, para a primeira fase; São Abelardo e Santo Tomás de Aquino, para a

segunda – esse é o ápice com o surgimento das Universidades e campos do saber mais

sistematizados, embora ainda não fragmentados -; e Guilherme de Ockham. Na terceira fase,

marcada ainda em meados do séc. XIV pela Peste negra, expansão do comércio e o

surgimento de líderes messiânicos, era forte ainda o mencionado nominalismo, sobre a qual

Umberto Eco escreveu seu famoso O Nome da Rosa e que muitas vezes faz o público

reduzir todo período da Idade Média a essa fase final.

A escolástica destacou-se no período da Alta Idade Média como um

método de estudo e ensino bastante inovador e democrático.

Infelizmente ele foi posteriormente distorcido e esvaziado pelos jesuítas

e outros religiosos da contra-reforma. Ele era dividido em três fases:

lectio, disputatio e determinatio. Na lectio, todos liam uma determinada

quantidade de livros e autores, sagrados e profanos em comum,

levantando questões sobre eles ou colhendo questões teológicas

provenientes do povo. A disputatio, que vinha logo em seguida, era a fase do debate, em que

eram seguidas regras muito claras de respeito ao próximo e à verdade. O debate não

poderia ter prosseguimento, se não estivesse claramente fundamentado ou na autoridade ou

na razão. O mestre só interferia com conceitos e preleções no final, procurando fazer uma

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síntese entre os argumentos contra e a favor da coisa em disputa, mas que normalmente

levava a uma nova questão a ser discutida numa próxima aula.

Muitos anos mais tarde, o filósofo alemão Hegel viria a denominar esse método de

“dialético”, sendo suas fases da “tese”, da ”negação da tese” e da “negação da negação da

tese”. Outros epígonos passaram a chamá-las de “tese”, “antítese” e “síntese”.

Esse método combinava muito bem também com o

currículo da época pelo fato de ter sido altamente

“holístico”, composto pelas chamadas “artes liberais”, que

hoje poderiam ser chamadas de “competências e

habilidades” básicas para uma formação humana integral.

Ele resgatava e refletia o ideal de educação como paidéia,

palavra altamente complexa, cujo sentido já foi perdido

pelas línguas e culturas ocidentais, como deixou claro o

historiador alemão, Werner Jaeger.

Apesar desses pensadores importantíssimos para o avanço

do saber, que eram todos religiosos, a igreja medieval

costuma ser pintada como “vilã da história”.

O que os historiadores só descobriram recentemente é que, se não tivessem sido os

mosteiros e os monges estudiosos dos antigos escritos, que se preservaram nos lugares

religiosos, não teria havido renascimento. Isso é evidente, pois os mosteiros e monastérios

eram os únicos lugares que os bárbaros não ousaram invadir após a queda de Roma. O fato

de os seminaristas da época e candidatos à batina terem tido tempo e vontade de sobra para

o estudo e tradução desses documentos contribuiu muito.

Apesar de ser conhecida como Idade das Trevas, devido à Santa Inquisição, as ordens

mendicantes que pregavam a autoflagelação e as doenças que dizimavam populações

inteiras, os mil anos iniciados com a invasão da biblioteca de Alexandria – o marco do

império cultural greco-romano, terminando com a Queda do último pedaço do Império

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Romano, a Constantinopla - foi extremamente importante para o desenvolvimento posterior

da ciência e da tecnologia.

Nesse sentido, é difícil estabelecer uma linha clara de passagem da Idade Média para o

Renascimento. Muitos autores como Dante (A Divina Comédia), João Milton (Paraíso

Perdido) e pensadores como Erasmo de Rotterdam (Utopia) e Tomás A. Kempis (Imitação de

Cristo), embora fossem renascentistas, demonstram ainda fortes traços do pensamento

medieval, que também pode ser entendido como pensamento antigo e judaico cristianizado.

É claro que a discussão sobre o que deve predominar como critério de verdade - a tradição

da igreja e das Escrituras ou a razão - durou praticamente o período todo, sendo que o

triunfo da razão sobre a fé foi brindado pelos filósofos renascentistas e do Iluminismo ou

Época das Luzes.

Antes, tanto os antigos quanto os medievais olhavam para as coisas como quem está numa

casa, a mirar (daí vêm as palavras admiração e mirante) o céu estrelado lá fora, onde se

encontra o reino das divindades e entidades maravilhosas, vendo coisas que iam além do

mero “olhar”.

A diferença em relação ao homem renascentista e moderno, é que ele resolveu

simplesmente dar as costas para a janela e passar a ”olhar” somente para as quatro paredes

do seu próprio domínio doméstico e controlável, fazendo de conta que o que está lá fora não

existe, não interessa, ou não é passível de discussão pública ou científica. Ele simplesmente

não quer mais saber ou “falar sobre” a realidade externa ao “aqui e agora”. Nesse sentido, o

homem moderno fez predominar o nominalismo sobre o escolasticismo e a imanência sobre

a transcendência. Para Ockham não existe essência nas coisas. Elas são o que o homem vê

nelas, como as interpreta e como as chama. As coisas não passam de nomes, mais o menos

como Carlos Drummond de Andrade descreve o mundo consumista moderno no poema “Eu,

etiqueta”.

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É claro que a fé não é totalmente negada ou separada

da razão, isso seria simplesmente impossível ou uma

inversão das coisas. Um dos movimentos que trabalhou

contra a negação da transcendência foi o da Reforma,

cujos ideais eram, entre outros, a luta contra a venda de

indulgências e os absurdos da Santa Inquisição.

Batalhavam ainda pela tradução da Bíblia para o

vernáculo, e assim, pelo acesso a ela por toda gente do

povo. Mas, como lemos no texto de Chauí,

paradoxalmente o que os reformadores conseguiram foi

estabelecer uma separação definitiva entre fé e razão,

submetendo a última à primeira e promovendo o

ceticismo contra a ciência e a razão.

Na próxima unidade falaremos mais do período moderno. Por hora, leiam atentamente os

textos propostos, preparem-se para a primeira bateria de exercícios e até a próxima!

Para um resumo conciso e linha do tempo dos pensadores da educação, recomendamos a

Linha do Tempo da Filosofia, disponível em

<http://www.filosofia.com.br/bio_popup.php?id=%2055>. Acesso 30 Jan. 2012.

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UNIDADE 5

Clássicos da Filosofia IV: Do Renascimento à Modernidade

Objetivo: Estudar os filósofos que mediaram o pensamento medieval e o moderno, no chamado Renascimento.

Olá minha gente!

Apostos para mais um emocionante estudo? Espero que sim, pois eu estou, e muito!

Comentamos na unidade passada acerca dos filósofos e pensamento medieval e suas

controvérsias entre materialismo e idealismo; fé e razão. Vamos nos dedicar agora aos

filósofos que tentaram fazer, por assim dizer, o “meio de campo” entre o pensamento

medieval e o moderno, no chamado renascimento.

Para começar, podemos citar René Descartes, filósofo e matemático, que simbolizava o

conhecimento como uma árvore, dotada de vários “ramos” do saber. O tronco, o que será?

Acertou quem disse “a Filosofia, é claro”! E a seiva para alimentar os ramos e as folhas, o

que é? Nada menos, do que a matemática.

Por outro lado, um dos detalhes em que ele não pensou foi que, se alguém um dia

resolvesse subir na árvore para se especializar em algum dos “ramos”, constatará duas

coisas: quanto mais subisse, maior seria o risco de queda, e maior a sua distância em

relação a outros ramos. Daí que ele tenha sido considerado um dos maiores céticos de todos

os tempos.

Na verdade, o Renascimento, termo cunhado pelo historiador Jules Michelet para se referir à

redescoberta do “homem mundano” (em contraste com o metafísico e religioso), teve seus

prenúncios já no séc. XIV na Itália, espalhando-se pelo resto da Europa nos sécs. XVI e XVII.

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Nesse meio tempo, a Europa feudalista medieval já se havia transformado em uma

sociedade urbana, dominada por instituições políticas centralizadas, com uma economia

comercial e educação laica.

Ela teve repercussões principalmente na arte, com grandes obras como as de Giotto, Virgílio,

Ovídio, Cícero e Sêneca. Os ideais de harmonia e proporção culminaram com o legado de

Rafael, Miquelângelo, Leonardo da Vinci, no séc. XVI.

Esses pensadores deram continuidade à

tradição gramática e retórica medievais do

tomismo, escotismo e ockhamismo, com sua

herança do aristotelismo e platonismo.

Essa época foi marcada por grandes avanços

e descobertas na matemática, na medicina,

com a tradução das obras de Hipócrates, com

as teorias de Copérnico e Kepler na

astronomia. A invenção da imprensa

representou uma verdadeira revolução

tecnológica e cultural, aumentando a

quantidade e acessibilidade de livros ao público, tornando o trabalho intelectual algo

colaborativo, ao invés de solitário. Na indústria bélica, deve-se lembrar da invenção da

pólvora.

O período é marcado principalmente pelas Grandes Navegações e a descoberta do Novo

Mundo; pelo fenômeno urbano, com o surgimento de cidades importantes como Florença,

Milão, Bolonha, Oxford e Cambridge, que já haviam sido traçadas na Alta Idade Média, em

que foram desenvolvidas técnicas de contabilidade e administração financeira e comercial.

A historiografia tornou-se, assim, um ramo da literatura, mais do que um campo próprio de

estudo. Trata-se de um movimento que se deu pela gradual adoção da cultura clássica e

antiga, como padrão universal de toda a cultura, rompendo com predomínio do pensamento

escolástico cristão. Também houve um renascimento dos pais da igreja, pois o objetivo era

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trazer a formação humanista clássica para todos os setores da vida social, inclusive o

eclesiástico.

Com isso, retomou-se a valorização do aperfeiçoamento do corpo e treino físico na

educação, bem como das artes. Fortaleciam-se ainda os valores da família como centro de

poder. Grandes e poderosas famílias como os Médici na Espanha, marcaram a história

dessa época de mudança decisiva de paradigmas.

Ao invés de compreender o universo criado, o objetivo da humanidade passa a ser o de

dominar a natureza pelo método científico, desenvolvido por Francis Bacon, cujo sistema se

tornou base da ciência e da tecnologia modernas. As ideias de liberdade e democracia

medievais foram mantidas e incrementadas pelo humanismo e pela teoria constitucionalista

inglesa.

Já os iluministas ou enciclopedistas, crivados pelos ideais da Revolução Gloriosa,

Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa preferiram mudar de metáfora.

O saber não era mais entendido como uma árvore, mas uma

fonte de luz, da qual emanam vários raios luminosos.

Adivinha, qual seria o nome dessa fonte? A razão humana é

claro, que dá nome a todas as demais coisas e que determina

sua verdade, realidade e bondade. Em outras palavras, o

homem se independeu completamente de Deus e da

transcendência, declarando sua total independência.

O século XVI foi marcado ainda pela Reforma, que modificou

em muito o pensamento ocidental, particularmente o liberal e

instituiu o protestantismo, como mostra Weber em A Ética Protestante e o Espírito do

Capitalismo.

Sua tese básica nesse livro é que o cristianismo protestante se instalou logo após a reforma,

precisamente na Europa e nos Estados Unidos, onde o “Espírito” era o de que “tempo é

dinheiro”, ou seja, o que importa é produzir e render capital. Dessa forma, o cristianismo

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protestante, muito focado no trabalho, acabou legitimando uma classe de comerciantes e

industriais que estava especialmente interessada nas colônias africanas e nas terras

promissoras do Mundo Novo americano. Tanto, que a primeira constituição americana

expressa claramente os valores liberais do cristianismo.

Já em 1700 inicia-se a primeira Revolução Industrial na Grã Bretanha, onde mulheres e

crianças eram exploradas pela indústria mineradora, surge uma nova classe, a burguesa, a

dos que se valiam do lucro ou mais-valia dos trabalhadores que eram explorados ao máximo.

Na verdade, ela se estendeu até o século XX (1950) com as novas descobertas da ciência

sendo aplicadas à indústria e produção dos bens de capital. Nessa época, destacam-se os

inventores Benjamin Franklin, Thomas Edison, Graham Bell e Henry Ford, criador da primeira

linha de automóveis produzidos em série e de uma vasta filosofia liberal, além de Taylor &

Fayol, que muito contribuíram para a filosofia liberal adotada amplamente nos Estados

Unidos e na Europa em geral.

Um nome importante dessa época, o filósofo, botânico, pensador político, social e das artes,

além de eminente escritor, Jean Jaques Rousseau (1712-78), foi um dos precursores do

Iluminismo.

Com sua utopia Emílio, ele propõe uma educação totalmente livre de amarras sociais, junto à

natureza e longe da sociedade e Contrato Social, em que defende uma vida social apenas

regulada por convenções e contratos, ele forneceu a base ideológica para a Revolução

Francesa.

Por suas ideias pouco convencionais, ele foi bastante perseguido, fugindo de seu país e

fazendo amizade com o filósofo escocês David Hume, com o qual não demorou a brigar

também.

Sua vida moral e emocionalmente conturbada fica clara em uma de suas últimas obras:

Confissões. Além do direito, da educação, da psicanálise e da filosofia existencialista, as

obras de Rousseau influenciaram a filosofia política com sua ideia de liberdade individual e

sua luta contra os absolutismos da igreja.

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Muitos revisores de suas ideias, porém consideram-no totalitário em sua defesa das

liberdades individuais.

Outro filósofo importante do iluminismo foi o alemão Immanuel Kant (1724-1804), que

também era totalmente favorável à ideia de liberdade, particularmente na conduta e ética.

Em sua Crítica da Razão Pura, ele defende que existem dois tipos de filosofia: a analítica e a

sintética.

A analítica vem da razão pura e é abstrata. Mas

a sintética é a que vem da experiência e que

tem pressupostos a priori, ou seja,

pressuposições que são dadas e indiscutíveis,

como o tempo e o espaço, e que transcendem

a razão. Mas, usando a percepção, combinada

com a razão, é possível criar juízos sintéticos a

priori, o que depois também foi denominado

transcendentalismo.

Por seu racionalismo no estudo do fenômeno

religioso, Kant foi proibido de dar aulas sobre

esse assunto pelo rei da Prússia. Mas acabou

aderindo aos empiricistas, quando ele diz que

“foi acordado do seu sono dogmático” pelo

empiricista David Hume, que o fez

compreender que as coisas são

incompreensíveis pela razão e só podem ser apreendidas pela experiência.

Elas nem sequer existem, se não apenas como matéria prima para as sensações, que

existem na mente apenas como intuição que são julgadas e medidas pela percepção

apenas. Kant dividiu os a priori em quatro categorias: quantidade, unidade, pluralidade e

totalidade.

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Mas conceitos como o de liberdade e existência escapam a tais categorias, pois pertencem à

ética. Em A Metafísica da Ética, Kant defende que a razão é a autoridade final para a moral.

Somente os atos conscientes à razão podem ser considerados morais. Quem age bem por

medo da lei simplesmente ou de punição, não está sendo moral ou ético.

O princípio do bem agir para Kant era: “Aja da maneira que você possa considerar sua

atitude um imperativo categórico.” Ou “aja como gostaria que os outros agissem com você”,

um princípio bíblico bastante antigo.

Em sua Crítica da Razão Prática, ele reafirma a sua fé na liberdade individual fundamental e

que pode ter inspirado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma vez que em sua

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Paz Perpétua (1795), ele advoga o estabelecimento de uma federação mundial de Estados

Republicanos.

Não se trata de uma libertinagem, mas a liberdade de agir conscientemente, de acordo com

a lei. Kant teve uma grande influência sobre o seu discípulo, o filósofo alemão G.W.F. Hegel,

que por sua vez lançou as bases do marxismo.

O método dialético por ele lançado foi usado tanto por Hegel, quanto por Marx, como

decorrência do método de Kant, de pensar em termos de “antinomias” ou contradições.

Como se sabe, Hegel desenvolveu esse método naquele da tese, negação da tese (antítese)

e negação da negação da tese (síntese). Kant influenciou ainda o filósofo e poeta Johann

Fichte, que rejeitou a tese do seu mestre de que o mundo é dividido em partes objetivas e

subjetivas, desenvolvendo a filosofia idealista, que teve uma forte influência sobre os

socialistas do séc. XIX. Outro de seus discípulos J.F. Herbart, traduziu em prática as teses

Kantianas sobre a pedagogia.

A sangrenta Revolução Francesa, que se estendeu de 1789 até 1799, com seus ideais de

Liberdade, Igualdade e Fraternidade e, teve forte influência da Constituição americana, mas

também da Revolução Gloriosa na Grã Bretanha.

Outros fatores também tiveram sua influência, tais como a luta pelo poder entre

monarquistas e republicanos, a fome e miséria da massa proletária em busca de condições

mais humanas de vida e a organização do sistema de ensino e das leis trabalhistas.

O iluminismo também teve várias consequências como organização da primeira assembleia

constituinte e a instituição da primeira república europeia, a que seguiram várias outras. Mas

na verdade, o que parecia uma revolução das massas mais pobres, acabou se tornando uma

batalha pela legitimação filosófica para a supremacia da nobreza, o chamado segundo

estado, que lutava o primeiro estado, o clerical, até a supremacia do que estava se formando

e tomando viria a ser chamado por Marx, a classe burguesa.

O que deve ter passado despercebido aos iluministas, também chamados de ilustrados, é

que eles não foram capazes de resolver o problema dos “ramos do saber” cartesiano, mas

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apenas lhe deram outra forma. Pois, na medida em que alguém persegue determinado raio a

partir de uma fonte de luz, ele também se distanciará em relação aos outros.

Não se pode negar que ao menos esse movimento, que também deu origem a outras

correntes, além da liberal, como a anarquista e socialista, estabeleceu ideais grandiosos para

a humanidade (liberdade, igualdade e fraternidade), que também tiveram suas repercussões

no Brasil, com a Inconfidência Mineira, muito em decorrência dos jovens que vinham estudar

na Europa e viriam a sofrer essas influências.

As universidades daqui só começaram a surgir no início do séc. XX, já que eram

consideradas um luxo, num país que se autoidentificava como sendo essencialmente

“agrário” e cuja ideologia era basicamente positivista, como dão a entender até hoje os

dizeres da bandeira: “Ordem e Progresso”.

Como se não bastasse o sangue jorrado no

confronto dos franceses que lutavam contra

o totalitarismo monárquico ou absolutismo

de Luiz XV e dos que defendiam os

interesses da burguesia emergente, muitas

práticas criminosas como a da exploração

de mulheres e crianças durante a Revolução

Industrial, tiveram seu papel na formação

das democracias republicanas, mais ou

menos estáveis que temos hoje.

Na contraparte da filosofia liberal burguesa,

outra revolução se desencadeia, mas agora

inspirada nas filosofias de Marx e Engels e

do anarquista Proudhon, seu opositor, a

quem é atribuído o termo “proletário” (aquele

despossuído que só tem é dono de um

“bem”, a prole).

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A humanidade teve que passar por duas grandes guerras para notar que a ciência não seria

a salvadora da humanidade e protetora dos interesses do bem estar geral da humanidade

(Wellfare State) que prometia, principalmente a filosofia dos “aliados”, mas que também

servia a interesses ou forças, que não eram absolutamente compartilhadas por todos.

Além da filosofia, a sociologia contribuiu muito para a denúncia dos limites reais da ciência e

do capitalismo, dando certo “espaço” para pensadores como os da Escola de Frankfurt

(Adorno, Habermas, Benjamin, entre outros), que desenvolveram a Teoria Crítica, baseada

em Marx. Mas a maioria desses críticos, da mesma forma que muitos autores, artistas e

cientistas contrários ao sistema tiveram que buscar o exílio.

Uma escola alemã de Filosofia, a Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida

como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas da razão: a razão instrumental e a razão

crítica.

A razão instrumental é a razão técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um

meio de liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e

desespero.

Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do

pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só se

realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e

não as ideias de controle e domínio técnico-científico sobre a Natureza, a sociedade e a

cultura. (Chauí, 2000, 60)

Já a psicologia, que pretendia descobrir todos os mistérios do self humano, hoje reconhece

que detém mais mistérios do que certezas e que o homem é mais emocional, espiritual e

imaginativo, do que o paradigma da razão fazia crer. Assim, particularmente a Segunda

Guerra Mundial pôs fim ao otimismo exacerbado e positivista em relação à ciência e

tecnologia.

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A fragmentação dos saberes e de olhares, bem como a

supremacia da subjetividade foram alguns aspectos do

pensamento humano dos mais destacados pelos filósofos

pós-modernos, principalmente durante e após os

movimentos estudantis de 1968, tais como Michael

Foucault, Deleuze e Durant, entre outros.

O que eles se encarregaram de fazer, em suma foi

estabelecer pontes entre os raios da fonte de saber da

razão, numa espécie de “teia” holística. Assim, passamos

da era do conhecimento - em que a matéria prima perfazia

70% dos produtos industrializados, contra os 30 % de

saber, invertendo a proporção anterior - para a era da rede

e das comunicações, onde o real compete com o virtual.

A filosofia praticada desde meados do século XIX e que perdura até os dias de hoje,

denominada filosofia contemporânea ou pós-moderna, é, assim, marcada pelo pluralismo e

multiplicidade de visões e perspectivas em todos os sentidos: político – temos desde

ditaduras até anarquias; religioso – o mundo se aterroriza com o fundamentalismo religioso,

mas reconhece cada vez mais a importância da religiosidade e fé; psicológico – temos desde

o psicologismo até a total negação do que diz respeito à psique ou alma; e cultural – temos

desde gangues e tribos urbanas, até colônias rurais conscientemente isoladas do mundo.

Dessa forma, é difícil ter uma visão do todo e até criar um nome adequado para o tempo

presente, sendo que o “pós-modernismo”, na verdade, não passa de uma solução muito

precária e limitada. É verdade que o modernismo sobrevive em todas as esferas, mas há

elementos de difícil definição, realmente diferentes nesse período, devido à novidade do

contexto.

O que dizer do fenômeno dos jogos de videogame e das últimas gerações de simuladores de

realidade virtuais? Como avaliar a chamada “globalização”, que muitos também questionam

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como sendo um fenômeno inovador, encarando-o antes, como uma decorrência da evolução

"natural" e cíclica do capitalismo e da visão de mundo liberal.

Muitos desses temas serão aprofundados nas próximas unidades. Leia com atenção os

textos acrescentados a essa unidade, particularmente a de Marilena Chauí, e continue a

fazer suas anotações no caderno virtual, ou em um lugar físico, bons estudos e até a

próxima!

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UNIDADE 6

Lógica, é lógico!

Objetivo: Compreender sobre o significado da lógica que é a reflexão sobre as regras do bem pensar.

Olá minha gente,

Hoje, que encerramos nosso panorama geral do desenvolvimento da filosofia ao longo da

história, vamos agora começar a tratar dos temas próprios da filosofia.

Um dos mais antigos, que começou já na Antiguidade com os céticos, como vimos e depois

foi reformulado pelos positivistas, é a lógica, ou seja, a reflexão sobre as regras do bem

pensar.

Não se trata de nenhuma ciência, mas antes, de uma ferramenta ou técnica, que para os

gregos, que ainda não tinham indústria e tecnologia, assumiu quase que o sentido oposto,

era sinônimo de arte (techné).

E ela fazia parte das chamadas artes liberais, das quais já falamos na unidade sobre os

clássicos da filosofia. Elas representavam as ferramentas básicas do pensamento e do

saber.

A lógica fazia parte do trivium (Gramática, Retórica, Lógica), que se articulava ao quadrivium

(Aritmética, Música, Astronomia, Geometria) no currículo básico adotado nas escolas, com

algumas variações, até a Idade Média, que depois foi retomado por idealizadores da

Reforma como João Calvino e João Amos Comênio.

Pode-se afirmar ainda que a lógica é uma metalinguagem, ou seja, uma linguagem sobre a

linguagem, que tem as suas regras próprias, como em um jogo, certo?

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A primeira regra é a da não contradição. Ou seja, não posso dizer que algo é uma coisa e

que não é ao mesmo tempo. Por exemplo: não posso dizer que a parede é (totalmente)

branca e, ao mesmo tempo, que não é ou então, que está chovendo e que não está.

Ou está chovendo, ou não, não é lógico? Ou, não posso dizer que fulano é paulistano e ao

mesmo tempo é pernambucano. Ou ele é paulistano ou pernambucano, certo?

Outra regra é a dos silogismos, como nos explica a professora Marilena Chauí (2000 200):

O silogismo é um conjunto de três juízos ou proposições que permite obter uma conclusão

verdadeira. Trata-se de um método dedutivo no qual, de duas premissas, deduz-se uma

conclusão. Por exemplo:

Todos os homens são mortais.

Sócrates é homem.

Logo, Sócrates é mortal.

Esse é o exemplo clássico da lógica dedutiva, ou seja, daquela que parte de uma totalidade,

de uma regra geral, tida como universal, para se chegar a uma conclusão, do tipo:

Todo A é B

C é A_____

Logo, C é B

As duas primeiras proposições chamam-se premissas e a última, conclusão. Uma das coisas

que não se pode admitir jamais, mas que infelizmente se comete aos montes em artigos de

jornal ou revistas populares é a chamada falácia.

Ela pode acontecer de pelo menos duas maneiras: partindo de premissas falsas (pelo menos

uma) para se chegar à conclusão logicamente correta, no entanto, falsa. Exemplo:

Todo brasileiro é paulistano,

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Jorge é brasileiro,

Logo, Jorge é paulistano.

É lógico que somente por ser brasileiro, isso já não significa que Jorge é necessariamente

paulistano, não é mesmo?

Ou então:

Todo nascido em São Paulo é paulistano,

Jorge Bush é nascido em São Paulo,

Logo, Jorge Bush é paulistano.

Usando esses exemplos fica até engraçado, hehehe. O outro erro que não se deve jamais

cometer é a inversão da lógica na segunda premissa, como em:

Todo paulistano é brasileiro, (Todo A é B)

Jorge é brasileiro, (C é B)

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Logo, Jorge é paulistano (Então, C é A)

Note que, mesmo se a conclusão for verdadeira, e Jorge for de fato paulistano, trata-se de

um sofisma, pela forma como o argumento foi construído. É claro que existe um sem-número

de outras regrinhas e erros lógicos, mas esses são os mais frequentes. Infelizmente não

temos tempo para isso agora, snif, snif. O problema dessa lógica, que funciona muito bem, é

com as premissas absolutas, que parecem cada vez mais incertas e raras no mundo

contemporâneo.

A outra é a chamada lógica indutiva, que abrange todas as conclusões a que chegamos

unicamente pela experiência ou empiricamente, que é a grande maioria. Nesse caso, ao

invés de partir do todo para chegar à parte ou ao silogismo, parte-se da parte, do incidente

ou fato ocorrido, para inferir dele um princípio geral.

Vou dar um exemplo. Faz de conta que um cientista maluco queira testar a cor dos cisnes de

uma determinada região. Então, ele vai lá, arma a sua barraquinha de observação no meio

da floresta e começa a observar e contar: um cisne branco, dois cisnes brancos, três cisnes

brancos e por aí a fora, até chegar a uma amostra que considerou significativa: “um milhão

de cisnes brancos”.

Aí foi correndo publicar suas conclusões que lhe renderam vários prêmios e elogios dos

fomentadores das suas pesquisas: “Todos os cisnes são brancos”. Essa conclusão fez com

que recebesse os maiores louros acadêmicos, por ter sido esperto o suficiente para

patentear a descoberta.

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Mas o que ele não suspeitava é que ele estava à beira da sua ruína…

Veja, anos depois de o nosso cientista maluco ter chegado à sua brilhante conclusão

empírica, um de seus discípulos resolve repetir a sua experiência e eis que um dia, repara

em um cisne que, pasmem: ...tinha uma mecha cor de rosa na cabeça! Rsrs. Entendeu o

drama? O problema da lógica indutiva, apesar de ser bastante eficiente, é sua fragilidade.

Como vocês já repararam, um método interessante de se ensinar lógica é o estudo de caso.

Nele é apresentada uma situação ilustrativa e exemplar, um “caso” da lei geral que se quer

demonstrar.

Vamos dar o exemplo do raciocínio tendencioso e, portanto, falacioso. Certa pesquisa na

área de educação investigava o seguinte problema:

“Qual a melhor forma de tratar os problemas e dificuldades de aprendizagem das crianças

do sistema escolar paulista, provenientes do nordeste?“

Numa primeira olhada, a pergunta parece bastante pertinente. Mas se prestarmos mais

atenção e desdobrarmos a pergunta, notaremos que ela parte de um pressuposto, tratado

como se fosse absoluto: (Todas) as crianças nordestinas têm problemas de linguagem.

Além da problemática sobre a língua padrão, que é bastante debatida entre os linguistas

brasileiros, sobre a forma correta de falar, o que está em jogo aqui é o problema do

preconceito racista. Quem disse que toda a criança nordestina tem problemas com a língua

portuguesa?

Esse tipo de pergunta é irrefutável, precisamente por conter uma afirmação oculta, absoluta

e inquestionável. Com isso, ela é viciada, pois tende a justificar-se com seu próprio

pressuposto, que vira conclusão da investigação:

A criança nordestina deve ser tratada, porque tem problemas com a língua estabelecida

como padrão, por sua vez porque é nordestina. Sugere-se assim, que a melhor forma de

“tratar” o seu problema é fazer com que ela deixe de ser nordestina, o que nos levaria ao

extermínio de todas as crianças nordestinas rsrs.

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Você deve estar rindo, pois parece engraçado, mas é exatamente esse tipo de raciocínio que

está por trás da filosofia nazista, do totalitarismo, do terrorismo e do fundamentalismo

religioso. E também pode contaminar o pensamento científico, como no caso acima citado.

Outro exemplo é o do charlatão religioso, que diz:

Se você contribuir suficientemente para os cofres da igreja, alcançará a prosperidade.

Você alcançou a prosperidade.

Logo, precisa contribuir mais com a igreja.

E se por acaso, você não alcançar a prosperidade, a conclusão será a mesma, pelo que o

religioso garante a dele...

Essa lógica falaciosa não se aplica somente ao campo religioso, mas a qualquer um, que

prometa o que não pode garantidamente

cumprir, por um preço que você pode pagar: o

político, que promete vantagens pelo seu voto;

o cientista, que promete a solução para todos

os problemas da humanidade; o médico que

promete a cura até para a morte.

Essa é a lógica dos “ismos”, ou “agens”:

“politicagem”, “cientificismo”, “consumismo”,

“chantagem”, etc.

Mas fique tranquilo, que essas não são as

únicas lógicas existentes, e nem os cientistas,

os únicos seres inteligentes ou malucos do

planeta, como veremos nas próximas

eletrizantes unidades. Até lá!

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UNIDADE 7

A metafísica

Objetivo: Compreender que a metafísica é a parte da filosofia que pergunta indaga a essência ou natureza própria das coisas, em especial, do ser humano .Saber que meta significa algo que se encontra para além do ordinário.

Olá minha gente,

Depois do nosso papo descontraído sobre a lógica, vamos nos entreter agora com outro

assunto “cabeludo” para alguns, pois não parece ter muita serventia. Mas trata-se de uma

das áreas mais importantes e mais ameaçadas no mundo pós-moderno. A metafísica é a

parte da filosofia que pergunta coisas do tipo:

O que são as coisas nesse mundo?

O que é um sujeito e o que, um objeto?

O que é o ser? O que é o nada, ou melhor, o não-ser?

O que é a consciência? E a subjetividade? Existe subjetividade sem objetividade?

Em resumo: trata-se da famosa pergunta de Hamlet em Shakespeare “Ser ou não ser, eis a

questão”. O que vem antes, o “ser” ou o “existir”. Ou, qual a essência ou natureza própria das

coisas, em especial, do ser humano?

Parece estranho, mas até a linguagem publicitária já usou essa ideia. Lembram da frase de

propaganda de anos atrás, “Coca-cola é o que é”?

Para o grego, o nada é o não ser; no lugar de objeto, ele fala em ente; em vez de

consciência ou alma ou então, em psique, que en- forma o ego.

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A subjetividade como a entendemos hoje só passou a ser discutida a partir de Agostinho.

Antes dele, a realidade se limitava ao que existe fora de nós.

Como você deve saber, meta significa algo que se encontra para além do ordinário. Uma

metáfora, por exemplo, é uma expressão ou imagem que significa algo mais ou além do seu

sentido literal.

Outro exemplo é a metamorfose ou metanóia (transformação), o metabolismo e a

metanarrativa. Eventualmente, ela pode ser substituída por outro prefixo, que é o trans, como

em transformação e transcendente.

Aliás, a metafísica investiga essencialmente tudo aquilo que transcende a física, ou seja, que

supera a física.

Aliás, ela vem de uma indagação pelo ser e origem das coisas e de todo universo, ou seja,

inclui a cosmologia. No grego, ta meta ta physika significa

literalmente: os escritos catalogados após os escritos da física.

O próprio Aristóteles considerava-a como Filosofia Primeira,

cujo tema é o estudo do “ser enquanto ser”. E ser, em latim,

traduz-se por esse, de onde deriva a palavra essentia. Chauí

elucida muito bem, em que sentido a filosofia consagrou a

metafísica:

Que quer dizer “vir antes”? Para Aristóteles, significa estar

acima dos demais, estar além do que vem depois, ser superior

ao que vem depois, ser a condição da existência e do

conhecimento do que vem depois. Ora, a palavra meta quer dizer isso mesmo: o que está

além de, o que está acima de, o que vem depois, mas no sentido de ser superior ou de ser a

condição de alguma coisa. Se assim é, então a palavra metafísica não quer dizer apenas o

lugar onde se encontram os escritos posteriores aos tratados de física, não indica um mero

lugar num catálogo de obras, mas significa o estudo de alguma coisa que está acima e além

das coisas físicas ou naturais e que é a condição da existência e do conhecimento delas...

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Metafísica, nesse caso, quer dizer aquilo que é condição e fundamento de tudo o que existe

e de tudo o que puder ser conhecido. (Chauí, 2000, 268).

Por exemplo, quando discutimos a pobreza, a metafísica vai além para discutir o que é a

vida, em que sentido a fome e outras dificuldades sociais podem ameaçá-la e assim por

diante. Podemos dividir a história da metafísica em três períodos, a saber:

1. Período que vai de Platão e Aristóteles (séculos IV e III a.C.) até David Hume (século

XVIII d.C.). Nessa época, a filosofia preocupava-se com a realidade das coisas. Para os

antecessores de Hume, as coisas tinham existência própria e um sentido externo, ou

seja, independente.

Entretanto, não se trata de uma realidade que possa ser conhecida pela experiência

direta ou pela mera observação, mas apenas pela

razão pura e pela conceituação abstrata. Trata-se

ainda de um conhecimento sistematizado, que parte do

pressuposto de que haja distinção entre ser e parecer,

entre realidade e aparência, cuja compreensão

depende do entendimento daquilo que se encontra

para além dela.

2. Período que vai de Kant (século XVIII) até a fenomenologia de Husserl (século XX).

Nesse segundo período, parte-se do pressuposto de que as conceituações metafísicas

não passam de nomes que damos às coisas que percebemos e sentimos, mas que não

têm realidade própria. Kant, pensador chave desse período, propõe a impossibilidade de

compreensão da realidade em si. Assim, ela não passa de uma reflexão sobre a nossa

capacidade de reflexão e compreensão das coisas.

Ele negou tanto a existência de uma “razão pura” ou totalmente teórica, quanto de uma

“razão ‘puramente’ prática”, propondo a existência de uma interação entre teoria e prática.

As coisas só existem “para nós”, como são experimentadas na prática e trabalhadas pela

mente.

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São fenômenos que se revelam a nós. Os nomenos, ou seres em si, as essências não

nos são cognoscíveis, mas são dadas a priori. Kant inspirou vários outros pensadores

europeus e americanos, inclusive os contemporâneos que terminaram de colocar a

metafísica como que “entre parêntesis”.

3. Metafísica contemporânea vai dos anos 20 aos anos 70 do século passado (XX). Hoje,

alguns preferem chamar a metafísica de ontologia, ou estudo do ser (ousia). Outros a

consideram a arqueologia da relação homem-mundo. Ela investiga as formas de

existência dos seres, ou seja, sua estrutura. Também é discutida a relação entre ser e

essência das coisas que se nos apresentam pelos sentidos, pela linguagem,

intersubjetividade, imaginação, memória, reflexão, ação moral e política, prática artística,

pelas técnicas, etc.

Por ter rejeitado a discussão dos universais, a ontologia moderna e contemporânea é

muitas vezes chamada de estruturalista ou descritiva, uma vez que descreve a forma

como se vê e percebe o mundo.

Essa nova forma de perguntar iniciou-se, não por acaso, no séc. XVII, com o chamado

“racionalismo clássico”. A pergunta central passou a ser: até que ponto podemos

conhecer a realidade? Todos os demais campos da filosofia e dos demais saberes

dependem dessa pergunta como critério para chegar a alguma conclusão sobre seus

objetos de estudo, em contraposição ao realismo clássico, que perguntava diretamente

pela realidade circundante.

Parmênides, a quem já nos referíamos na primeira unidade, foi um dos primeiros a discutir a

questão do ser. Para ele, o que percebemos pelos sentidos é puramente ilusório, composto

de aparências. Também não temos conhecimentos, e sim, opiniões sobre as coisas. Assim,

o ser é sempre o que é:

idêntico a si mesmo, imutável, eterno, imperecível, invisível aos nossos sentidos e

visível apenas para o pensamento. Foi Parmênides o primeiro a dizer que a aparência

sensível das coisas da Natureza não possui realidade, não existe real e

verdadeiramente, não é. Contrapôs, assim, o Ser (On) ao Não-Ser (me On),

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declarando: o Não-Ser não é. A Filosofia é chamada por Parmênides de a Via da

Verdade (aletheia), que nega realidade e conhecimento à Via da Opinião (doxa), pois

esta se ocupa com as aparências, com o Não-Ser (Chauí, 2000, 269).

Já a física para eles, ocupa-se das coisas mutantes, ou seja, das coisas que passam de uma

condição de existência para outra e que se movem. E se moverem, elas não passam do nível

da aparência, sendo menos reais do que aquilo que permanece. Portanto, a física dedica-se

a estudar o devir, que vem antes do ser: o frio e o calor; os corpos em movimento; a saúde e

a doença; o seco e o molhado; o dia e a noite; etc.

Em sua lógica, Parmênides afirmava que a condição para se dizer alguma verdade é que o

ser seja idêntico a si (uno e não múltiplo) e que não seja, ao mesmo tempo, não-ser,

evitando-se a contradição. O ser é a verdade e o devir é o “não-ser”, portanto é ilusório.

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Para Heráclito, o que existe é o devir. O ser é que é ilusório. Então eles representam dois

pontos de vista diametralmente opostos sobre a realidade e o ser.

Se pedíssemos para que observassem uma bola em movimento, por exemplo, Parmênides

diria que o que está vendo é uma bola, ou melhor, a essência dela. Heráclito, em

contraposição, diria que o que está vendo é um movimento e que a bola não passava de

aparência ilusória e provisória desse movimento.

Platão procurou traçar um meio termo entre os dois posicionamentos antagônicos, admitindo

que

...Parmênides está certo ao exigir que a Filosofia devesse abandonar esse mundo

sensível e passar a ocupar-se com o mundo verdadeiro, invisível aos sentidos e visível

apenas ao puro pensamento. O verdadeiro é o Ser, uno, imutável, idêntico a si

mesmo, eterno, imperecível, puramente inteligível. Eis por que a ontologia platônica

introduz uma divisão no mundo, afirmando a existência de dois mundos inteiramente

diferentes e separados: o mundo sensível da mudança, da aparência, do devir dos

contrários, e o mundo inteligível da identidade, da permanência, da verdade,

conhecido pelo intelecto puro, sem qualquer interferência dos sentidos e das opiniões.

O primeiro é o mundo das coisas. O segundo, o mundo das idéias ou das essências

verdadeiras. O mundo das idéias ou das essências é o mundo do Ser; o mundo

sensível das coisas ou aparências é o mundo do Não-Ser. O mundo sensível é uma

sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do mundo inteligível das idéias ou

essências. Notamos, aqui, uma diferença entre a ontologia de Parmênides e a de

Platão. Para o primeiro, o mundo sensível das aparências é o Não-Ser em sentido

forte, isto é, não existe, não é, não tem realidade nenhuma, é o nada. Para Platão,

porém, o Não-Ser não é o puro nada. Ele é alguma coisa. O que ele é? Ele é o outro

(alienus) do Ser, o que é diferente do Ser, o que é inferior ao Ser, o que nos engana e

nos ilude, a causa dos erros. Em lugar de ser um puro nada, o Não-Ser é um falso ser,

uma sombra do Ser verdadeiro, aquilo que Platão chama de pseudo-Ser. O Não-Ser é

sensível. (Chauí, 2000, 270-1)

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O mito da caverna, que estudamos na segunda unidade é bem ilustrativo dessa concepção.

Mas Platão não concordava com Parmênides quando ele dizia que as essências são unas.

Para ele há tantas essências quanto há entes.

Com isso Platão estabelece um dualismo entre o quê ou quididade, a forma sensível de algo

e seu ser ou sua essência invisível e perfeita.

Este módulo, por exemplo, pode-se

dizer que tem um quê de filosofia,

mas não se pode dizer que se trata

de filosofia pura. Mas isso seria

inteiramente inadmissível para

Parmênides:

O sensível é, pois, uma imitação

imperfeita do inteligível: as coisas

sensíveis são imagens das ideias,

são não-seres tentando inutilmente

imitar a perfeição dos seres

inteligíveis.

Cabe à Filosofia passar das cópias imperfeitas aos modelos perfeitos, abandonando as

imagens ou aparências pelas essências, e as opiniões pelas ideias. O pensamento deve

passar da instabilidade contraditória das coisas sensíveis à identidade racional das coisas

inteligíveis, à identidade das ideias que são a realidade, o ser, o to on. Como passamos das

coisas sensíveis, das cópias, imagens ou opiniões às ideias ou essências? (Chauí, 2000,

272)

Eis aí uma pergunta quase insolúvel para os platônicos. Já Aristóteles nega o dualismo entre

mundo sensível (ilusório) e mundo das ideias (real), quando propõe que todos os seres,

exceto o Primum Móbile ou Ato Puro, são compostos de ato e potência. Ou seja, estão num

constante processo de “vir-a-ser”, que é o sentido mais profundo e transcendente do devir.

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1. Diferentemente de seus dois predecessores, Aristóteles não julga o mundo das coisas

sensíveis, ou a Natureza, um mundo aparente e ilusório. Pelo contrário, é um mundo real

e verdadeiro cuja essência é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança

incessante.

Em lugar de afastar a multiplicidade e o devir como ilusões ou sombras do verdadeiro

Ser, Aristóteles afirma que o ser da Natureza existe, é real, que seu modo próprio de

existir é a mudança e que esta não é uma contradição impensável. É possível uma

ciência teorética verdadeira sobre a Natureza e a mudança: a física. Mas é preciso,

primeiro, demonstrar que o objeto da física é um ser real e verdadeiro e isso é tarefa da

Filosofia Primeira ou da metafísica.

2. Diferentemente de seus dois predecessores, Aristóteles considera que a essência

verdadeira das coisas naturais e dos seres humanos e de suas ações não está no mundo

inteligível, separado do mundo sensível, onde as coisas físicas ou naturais existem e

onde vivemos.

As essências, diz Aristóteles, estão nas próprias coisas, nos próprios homens, nas

próprias ações e é tarefa da Filosofia conhecê-las ali mesmo onde existem e acontecem.

Como conhecê-las? Partindo da sensação até alcançar a intelecção.

A essência de um ser ou de uma ação é

conhecida pelo pensamento, que capta as

propriedades internas desse ser ou dessa

ação, sem as quais ele ou ela não seriam

o que são.

A metafísica não precisa abandonar este

mundo, mas, ao contrário, é o

conhecimento da essência do que existe

em nosso mundo. O que distingue a

ontologia ou metafísica dos outros saberes

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(isto é, das ciências e das técnicas) é o fato de que nela as verdades primeiras ou os

princípios universais e toda e qualquer realidade são conhecidos direta ou indiretamente

pelo pensamento ou por intuição intelectual, sem passar pela sensação, pela imaginação

e pela memória.

3. Ao se dedicar à Filosofia Primeira ou metafísica, a Filosofia descobre que há diferentes

tipos ou modalidades de essências ou de ousiai.

Existe a essência dos seres físicos ou naturais (minerais, vegetais, animais, humanos),

cujo modo de ser se caracteriza por nascer, viver, mudar, reproduzir-se e desaparecer –

são seres em devir e que existem no devir.

Existe a essência dos seres matemáticos, que não existem em si mesmos, mas existem

como formas das coisas naturais, podendo, porém, ser separados delas pelo pensamento

e ter suas essências conhecidas; são seres que, por essência, não nascem não mudam

não se transformam nem perecem, não estando em devir nem no devir.

Existe a essência dos seres humanos, que compartilham com as coisas físicas o surgir, o

mudar e o desaparecer, compartilhando com as plantas e os animais a capacidade para

se reproduzir, mas distinguindo-se de todos os outros seres por serem essencialmente

racionais, dotados de vontade e de linguagem... E, finalmente, existe a essência de um

ser eterno, imutável, imperecível, sempre idêntico a si mesmo, perfeito, imaterial,

conhecido apenas pelo intelecto, que o conhece como separado de nosso mundo,

superior a tudo que existe, e que é o ser por excelência: o ser divino.

À essência, entendida sob essa perspectiva universal, Aristóteles dá o nome de

substância: o substrato ou o suporte permanente de qualidades ou atributos necessários

de um ser. A metafísica estuda a substância em geral. (Chauí, 2000, 277-278).

Aristóteles criou conceitos relativos ao ser cujas combinações propõem-se a dar conta ad

infinitum da totalidade do real (ou pelo menos, tentam dar). Resumidamente, então

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A metafísica investiga:

Aquilo sem o que não há seres nem conhecimento dos seres: os três princípios lógico-

ontológicos (identidade, não-contradição e terceiro excluído) e as quatro causas

(material, formal, eficiente e final);

Aquilo que faz um ser ser necessariamente o que ele é: matéria, potência, forma e ato;

Aquilo que faz um ser ser necessariamente como ele é: essência e predicados ou

categorias;

Aquilo que faz um ser existir como algo determinado: a substância individual

(substância primeira) e a substância como gênero ou espécie (substância segunda).

(Chauí, 2000, 281-282)

Mais adiante, a autora descreve os esforços dos cristãos, desde a Idade Média, até a

modernidade, de usar a metafísica para evangelizar o mundo. Na Idade Média, por exemplo,

criou-se a ideia de “transcendentais do ser”, ou seja, ideias que são equivalentes ao ser ou

derivadas dele, que seriam seis: a unidade (ou uno), o verdadeiro, o bom, o belo, o quê (ou

qüididade) e o real. Muitas vezes acontecem “coincidências” entre esses transcendentais no

nosso linguajar cotidiano. Por exemplo, quando queremos dizer que um trabalho é bom,

dizemos: “que belo trabalho” ou simplesmente “que trabalho?” ou “esse é o trabalho.”.

Quando dizemos para alguém “cair na real”, queremos dizer que é para ele ver “as coisas

como são”. Tomás de Aquino contribui para a metafísica ao conceber o hilemorfismo, ou

seja, a fusão da forma com a matéria.

Para ele, a realidade é cognoscível, mas apenas imperfeitamente ao olho humano. Se Deus

enxerga o mundo como nosso olho à luz do sol, nós o enxergamos como a ave noturna.

Ele é por demais luminoso para conseguirmos abarcá-lo por inteiro. Muito menos à realidade

criada. Daí a necessidade de dividi-lo em categorias. Mas os cristãos não são os únicos

religiosos a usarem a metafísica como base para suas doutrinas. Mais adiante, falaremos de

algumas religiões mundiais, sua metafísica, cosmovisão e ética. Até lá!

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UNIDADE 8

Filosofia da Ciência I

Objetivo: . Distinguir o que é ciência e senso comum; que os conhecimentos que veiculam geralmente não se chamam ciência e sim, senso comum, pois não representam nenhum método ou técnica, mas são meros meios de expressão do que o povo, de uma forma geral pensa.

Gente boa,

Espero que depois dos “casos” que estudamos na aula passada, você tenha ficado mais

esperto com o que lê por aí nas revistas e jornais e com o que ouve na TV. Como

aprendemos anteriormente, vivemos hoje em meio a um grande emaranhado de

conhecimentos e uma pluralidade de saberes.

E os professores se sentem cada vez menos preparados para ministrar ou até administrá-los.

Os conhecimentos que esses meios veiculam geralmente não se chamam ciência e sim,

senso comum, pois não representam nenhum método ou técnica, mas são meros meios de

expressão do que o povo, de uma forma geral pensa.

Alguns séculos atrás, por

exemplo, achava-se que a terra

era quadrada, que o sol girava em

torno da Terra e que o mesmo era

menor do que o nosso planeta.

Hoje, grande parte das pessoas já

tem acesso aos conhecimentos

científicos veiculados pela escola

e meios de comunicação, porém,

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muitos ainda vivem mais baseados em pesquisas de opinião, boatos e lendas rurais e

urbanas, do que na ciência.

Acreditava-se inquestionavelmente na criação do ser humano e do mundo como ele se

encontra hoje, com sua estrutura familiar, ética e código de conduta, em sete dias, a partir do

nada.

Hoje, a ciência questiona isso tudo e propõe alternativas para tais crenças. Ela mostra que a

ideia de família, raça, economia e de educação são recentíssimas e não existiam há alguns

séculos atrás.

Chauí estabelece alguns sinais típicos dos conhecimentos que hoje denominamos senso

comum:

São subjetivos, isto é, exprimem sentimentos e opiniões individuais e de grupos,

variando de uma pessoa para outra, ou de um grupo para outro, dependendo das

condições em que vivemos. Assim, por exemplo, se eu for artista, verei a beleza da

árvore; se eu for marceneira, a qualidade da madeira; se estiver passeando sob o Sol,

a sombra para descansar; se for boia-fria, os frutos que devo colher para ganhar o

meu dia. Se eu for hindu, uma vaca será sagrada para mim; se for dona de um

frigorífico, estarei interessada na qualidade e na quantidade de carne que poderei

vender;

São qualitativos, isto é, as coisas são julgadas por nós como grandes ou pequenas

doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou velhas, belas ou feias, quentes ou frias,

úteis ou inúteis, desejáveis ou indesejáveis, coloridas ou sem cor, com sabor, odor,

próximas ou distantes, etc.;

São heterogêneos, isto é, referem-se a fatos que julgamos diferentes, porque os

percebemos como diversos entre si. Por exemplo, um corpo que cai e uma pena que

flutua no ar são acontecimentos diferentes; sonhar com água é diferente de sonhar

com uma escada, etc.;

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São individualizadores por serem qualitativos e heterogêneos, isto é, cada coisa ou

cada fato nos aparece como um indivíduo ou como um ser autônomo: a seda é macia,

a pedra é rugosa, o algodão é áspero, o mel é doce, o fogo é quente, o mármore é

frio, a madeira é dura, etc.;

Mas também são generalizadores, pois tendem a reunir numa só opinião ou numa só

ideia coisas e fatos julgados semelhantes: falamos dos animais, das plantas, dos

seres humanos, dos astros, dos gatos, das mulheres, das crianças, das esculturas,

das pinturas, das bebidas, dos remédios, etc.;

Em decorrência das generalizações, tendem a estabelecer relações de causa e efeito

entre as coisas ou entre os fatos: “onde há fumaça, há fogo”; “quem tudo quer, tudo

perde”; “dize-me com quem andas e te direi quem és”; a posição dos astros determina

o destino das pessoas; mulher menstruada não deve tomar banho frio; ingerir sal

quando se tem tontura é bom para a pressão; mulher assanhada quer ser estuprada;

menino de rua é delinquente, etc.;

Não se surpreendem e nem se admiram com a regularidade, constância, repetição e

diferença das coisas, mas, ao contrário, a admiração e o espanto se dirigem para o

que é imaginado como único, extraordinário, maravilhoso ou miraculoso. Justamente

por isso, em nossa sociedade, a propaganda e a moda estão sempre inventando o

“extraordinário”, o “nunca visto”;

Pelo mesmo motivo e não por compreenderem o que seja investigação científica,

tendem a identificá-la com a magia, considerando que ambas lidam com o misterioso,

o oculto, o incompreensível.

Essa imagem da ciência como magia aparece, por exemplo, no cinema, quando os

filmes mostram os laboratórios científicos repletos de objetos incompreensíveis, com

luzes que acendem e apagam, tubos de onde saem fumaças coloridas, exatamente

como são mostradas as cavernas ocultas dos magos. Essa mesma identificação entre

ciência e magia aparece num programa da televisão brasileira, o Fantástico, que,

como o nome indica, mostra aos telespectadores resultados científicos como se fosse

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espantosa obra de magia, assim como exibem magos ocultistas como se fossem

cientistas;

Costumam projetar nas coisas ou no mundo sentimentos de angústia e de medo

diante do desconhecido. Assim, durante a Idade Média, as pessoas viam o demônio

em toda a parte e, hoje, enxergam discos voadores no espaço;

Por serem subjetivos, generalizadores, expressões de sentimentos de medo e

angústia, e de incompreensão quanto ao trabalho científico, nossas certezas

cotidianas e o senso comum de nossa sociedade ou de nosso grupo social

cristalizam-se em preconceitos com os quais passamos a interpretar toda a realidade

que nos cerca e todos os acontecimentos. (Chauí, 2000, 316-7)

Mas o que, de fato, distingue o senso

comum da ciência? Na verdade, não

é tanto uma definição, pois hoje em

dia, está-se descobrindo a verdade

científica de vários saberes do senso

comum, como remédios caseiros,

plantas medicinais e conhecimentos

sobre a saúde e o cosmo. Trata-se

antes de uma atitude reflexiva e

crítica. Reflexiva, porque dá mostras

claras de consciência, coisa que os

animais não demonstram ter.

Mesmo o ser humano só começa a

se reconhecer, depois de certa idade

na infância, refletido no espelho. A

criança de colo e o animal não conseguem fazer isso porque não têm consciência de si.

Agostinho chamou essa consciência de “Mestre Interior”, Freud dividiu-a em “ego”,

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“superego” e “id”; Jung, de self. É esse mestre que consultamos quando avaliamos as coisas

de acordo com nossos padrões de julgamento.

A crítica, por outro lado, é a malha da rede, ou fibra do filtro pelo qual fazemos passar as

coisas: ela não pode ser fina demais, para reter o que não presta, e nem demasiado larga,

para deixar passar o que é válido e verdadeiro. Trata-se de um “desconfiômetro”, por assim

dizer, que transforma aparentes certezas em incertezas; afirmações em perguntas, soluções

em problemas.

Chauí estabelece os seguintes contrapontos do senso comum em relação ao conhecimento

científico:

É objetivo, isto é, procura as estruturas universais e necessárias das coisas investigadas;

É quantitativo, isto é, busca medidas, padrões, critérios de comparação e avaliação para

coisas que parecem ser diferentes. Assim, por exemplo, as diferenças de cor são

explicadas por diferenças de um mesmo padrão ou critério de medida, o comprimento das

ondas luminosas; as diferenças de intensidade dos sons, pelo comprimento das ondas

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sonoras; as diferenças de tamanho, pelas diferenças de perspectiva e de ângulos de

visão, etc.;

É homogêneo, isto é, busca as leis gerais de funcionamento dos fenômenos, que são as

mesmas para fatos que nos parecem diferentes. Por exemplo, a lei universal da

gravitação demonstra que a queda de uma pedra e a flutuação de uma pluma obedecem

à mesma lei de atração e repulsão no interior do campo gravitacional; a estrela da manhã

e a estrela da tarde são o mesmo planeta, Vênus, visto em posições diferentes com

relação ao Sol, em decorrência do movimento da Terra; sonhar com água e com uma

escada é ter o mesmo tipo de sonho, qual seja, a realização dos desejos sexuais

reprimidos, etc.;

É generalizador, pois reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas

leis, aos mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma

estrutura. Assim, por exemplo, a química mostra que a enorme variedade de corpos se

reduz a um número limitado de corpos simples que se combinam de maneiras variadas,

de modo que o número de elementos é infinitamente menor do que a variedade empírica

dos compostos;

São diferenciadores, pois não reúnem nem generalizam por semelhanças aparentes, mas

distinguem os que parecem iguais, desde que obedeçam a estruturas diferentes.

Lembremos aqui um exemplo que usamos no capítulo sobre a linguagem, quando

mostramos que a palavra queijo parece ser a mesma coisa que a palavra inglesa cheese

e a palavra francesa fromage, quando, na realidade, são muito diferentes, porque se

referem a estruturas alimentares diferentes;

Só estabelecem relações causais depois de investigar a natureza ou estrutura do fato

estudado e suas relações com outros semelhantes ou diferentes. Assim, por exemplo, um

corpo não cai porque é pesado, mas o peso de um corpo depende do campo

gravitacional onde se encontra – é por isso que, nas naves espaciais, onde a gravidade é

igual a zero, todos os corpos flutuam, independentemente do peso ou do tamanho; um

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corpo tem certa cor não porque é colorido, mas porque, dependendo de sua composição

química e física, reflete a luz de uma determinada maneira, etc.;

Surpreende-se com a regularidade, a constância, a frequência, a repetição e a diferença

das coisas e procura mostrar que o maravilhoso, o extraordinário ou o “milagroso” é um

caso particular do que é regular, normal, frequente. Um eclipse, um terremoto, um

furacão, embora excepcionais, obedecem às leis da física. Procura, assim, apresentar

explicações racionais, claras, simples e verdadeiras para os fatos, opondo-se ao

espetacular, ao mágico e ao fantástico;

Distingue-se da magia. A magia admite uma participação ou simpatia secreta entre coisas

diferentes, que agem umas sobre as outras por meio de qualidades ocultas e considera o

psiquismo humano uma força capaz de ligar-se a psiquismos superiores (planetários,

astrais, angélicos, demoníacos) para provocar efeitos inesperados nas coisas e nas

pessoas. A atitude científica, ao contrário, opera um desencantamento ou

desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas

e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser

transmitidos a todos;

Afirma que, pelo conhecimento, o homem pode libertar-se do medo e das superstições,

deixando de projetá-los no mundo e nos outros;

Procura renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a transformação das teorias

em doutrinas, e destas em preconceitos sociais. O fato científico resulta de um trabalho

paciente e lento de investigação e de pesquisa racional, aberto a mudanças, não sendo

nem um mistério incompreensível nem uma doutrina geral sobre o mundo. Os fatos ou

objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana,

mas são construídos pelo trabalho da investigação científica. Esta é um conjunto de

atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em métodos que

permitem e garantem:

Separar os elementos subjetivos e objetivos de um fenômeno;

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Construir o fenômeno como um objeto do conhecimento, controlável, verificável,

interpretável e capaz de ser retificado e corrigido por novas elaborações;

Demonstrar e provar os resultados obtidos durante a investigação, graças ao rigor das

relações definidas entre os fatos estudados; a demonstração deve ser feita não só para

verificar a validade dos resultados obtidos, mas também para prever racionalmente novos

fatos como efeitos dos já estudados;

Relacionar com outros fatos um fato isolado, integrando-o numa explicação racional

unificada, pois somente essa integração transforma o fenômeno em objeto científico, isto

é, em fato explicado por uma teoria;

Formular uma teoria geral sobre o conjunto dos fenômenos observados e dos fatos

investigados, isto é, formular um conjunto sistemático de conceitos que expliquem e

interpretem as causas e os efeitos, as relações de dependência,

Identidade e diferença entre todos os objetos que constituem o campo investigado.

Delimitar ou definir os fatos a investigar, separando-os de outros semelhantes ou

diferentes; estabelecer os procedimentos metodológicos para observação,

experimentação e verificação dos fatos; construir instrumentos técnicos e condições de

laboratório específicas para a pesquisa;

elaborar um conjunto sistemático de

conceitos que formem a teoria geral dos

fenômenos estudados, que controlem e

guiem o andamento da pesquisa, além de

ampliá-la com novas investigações, e

permitam a previsão de fatos novos a partir

dos já conhecidos: esses são os pré-

requisitos para a constituição de uma

ciência e as exigências da própria ciência.

(Chauí, 2000, 318-320)

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Assim, a ciência se destaca pelo compromisso com a verdade, baseada em pesquisas,

investigações metódicas e sistemáticas e na submissão das mesmas ao crivo da

comunidade acadêmica, que a testa com

todo o rigor. E o que distingue uma

teoria advinda do senso comum, por

exemplo, de que “todo político é

corrupto” (que é mais prática, do que

teórica, rsrsrs) de uma “teoria científica”?

Ao ver de Chauí, é o fato de se tratar de

um sistema ordenado e coerente de

proposições ou enunciados baseados em um pequeno número de princípios, cuja finalidade

é descrever, explicar e prever do modo mais completo possível um conjunto de fenômenos,

oferecendo suas leis necessárias. A teoria científica permite que uma multiplicidade empírica

de fatos aparentemente muito diferentes seja

compreendida como semelhantes e submetidos

às mesmas leis; e, vice-versa, permite

compreender por que fatos aparentemente

semelhantes são diferentes e submetidos a leis

diferentes. (Chauí, 320)

E então, conseguiu identificar alguns saberes que

você tem do senso comum? E os científicos? Às

vezes é difícil de distinguir, não é? E como essa

distinção é importante, particularmente para o

futuro professor, continuaremos com esse

assunto na unidade que vem. Até lá!

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UNIDADE 9

Filosofia da ciência II

Objetivo: Saber que antes de se tornar distintamente “científico”, o conhecimento humano foi sistematizado, pelo pensador desde o primeiro período da história da filosofia: Aristóteles.

Minha gente,

Que bom “ver” vocês de novo! Bem-vindos a mais uma unidade eletrizante de Filosofia e

Políticas Públicas Educacionais

Lembram do que comentávamos sobre o esquema de classificação da ciência de Descartes?

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Na unidade passada, discutimos um pouco a diferença existente entre a ciência e o senso

comum. Mas essa distinção não veio do nada, ela mesma tem uma história.

A história da ciência acontece ciclicamente, como vemos no texto de Thomas Kuhn,

passando por pelo menos três fases, muitas vezes sobrepostas, quais sejam:

A racionalista, para a qual a ciência é um conhecimento racional dedutivo e

demonstrativo que tinha a matemática por modelo de objetividade e exatidão, e que

perdura da Antiguidade até o século XVII;

A empirista, para a qual a ciência é uma interpretação dos fatos, baseada em

observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que, resultam na

definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento, tomando por

modelo de objetividade a medicina grega e da história natural do século XVII, indo que

vai da Antiguidade de Hipócrates e Aristóteles até o século XIX;

E mais recentemente, desde o séc. XX, a estruturalista ou construtivista, que vê a

ciência como um constructo, que só pode ser tido como ciência, por mostrar-se

coerente; seguir modelos e ser capaz de superá-los. Essa nova concepção que

questiona a realidade externa e objetiva, na qual as outras duas acreditam, tem seu

modelo de objetividade depositado na ideia de representação e das verdades

científicas como dotadas de valor apenas aproximativo e descritivo e não exato ou

certo.

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Fonte: MASSONI, Neusa Teresinha e MOREIRA, Marco Antonio, “O Cotidiano da Sala de Aula de uma Disciplina de História E

Epistemologia Da Física Para Futuros Professores de Física” Porto Alegre: Instituto De Física – UFRGS recebido em 21.11.2005; aceito

Em 26.03.2007, disponível em

http://Www.If.Ufrgs.Br/Public/Ensino/Vol12/N1/V12_N1_A1.htm

Antes de se tornar distintamente “científico”, o conhecimento humano foi sistematizado, por

esse mesmo pensador que conhecemos na segunda unidade e que vem do primeiro período

da história da filosofia: o tal de Aristóteles. Como vimos anteriormente, ele se encarregou de

chamar a teologia de mãe de todas as ciências e a filosofia, de sua rainha.

Não é para menos que filosofia significa literalmente, amante (filos) ou devoto, da sabedoria

(sofia). Ele atribuía a ela o papel de ser a ciência de todas as ciências. E a ciência,

comparada a outros tipos de saber, como o senso comum, a arte e a religião, destaca-se por

ter uma positividade, ou seja, um objeto de estudo, e pelo uso de um método científico

sistematizado para dissecá-lo.

Um deles é a lógica, com a qual se imaginava poder comprovar a verdade das coisas. Em

seu Organum, que mais tarde foi chamado de Metafísica (para além da física), ele classifica

as ciências nas áreas já estudadas.

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Francis Bacon, o homem de estado e filósofo inglês, procura ampliá-las em seu Novum

Organum (1621).

Temos hoje uma distinção semelhante, mas bem mais complexa: ciências exatas, incluindo a

matemática, a geometria e as engenharias e suas subáreas; as ciências da natureza ou

naturais, como a biologia, medicina, química, física e suas subáreas; e as ciências humanas,

que envolvem a filosofia, a história, a psicologia, a sociologia, a antropologia, a educação e

hoje até a teologia e suas subáreas.

Quanto às ciências naturais, é importante notar que ela estuda os fatos físicos e vitais

observáveis, estabelecendo leis que exprimem relações necessárias e universais entre eles.

Sua concepção de natureza é a de um todo articulado de relações e interdependências,

visando identificar as constantes entre as mesmas, aumentando assim a capacidade de

previsão dos fenômenos naturais. A experimentação e pesquisa constantes são as melhores

armas dos cientistas dessa área contra eventuais equívocos e seus métodos são

basicamente dois:

Hipotético-indutivo: O cientista observa inúmeros fatos variando as condições da

observação; elabora uma hipótese e realiza novos experimentos ou induções para confirmar

ou negar a hipótese; se esta for confirmada, chega-se à lei do fenômeno estudado.

Hipotético-dedutivo: tendo chegado à lei, o cientista pode formular novas hipóteses,

deduzidas do conhecimento já adquirido, e com elas prever novos fatos, ou formular novas

experiências, que o levam a conhecimentos novos. A lei científica obtida por via indutiva ou

dedutiva permite descrever, interpretar e compreender um campo de fenômenos

semelhantes e prever novos, a partir dos primeiros. (Chauí, 2000, 336).

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A grande luta atual desse campo é travada entre os que acreditam nas leis necessárias e na

realidade objetiva e os que crêem no acaso. Ambos têm um inimigo comum, o determinismo,

que pode ser assim resumido:

Dado um fenômeno, sempre será possível determinar sua causa necessária;

Conhecido o estado atual de um conjunto de fatos, sempre será possível conhecer o

estado subsequente, que será seu efeito necessário. Em outras palavras, o

determinismo afirma que podemos conhecer as causas de um fenômeno atual (isto é,

o estado anterior de um conjunto de fatos) e os efeitos de um fenômeno atual (isto é, o

estado posterior de um conjunto de fatos). (idem, idem)

Os deterministas acreditam ainda, que a causalidade é uma regra universal, um dogma. Para

citar apenas dois exemplos de determinismo, temos as teorias Freudianas, segundo as quais

todo o comportamento humano pode ser explicado com base em motivações e impulsos

sexuais recalcados e inconscientes ao sujeito.

Ora, se tais impulsos são inconscientes, como seria possível estudá-los ou sequer ter

alguma certeza sobre sua real existência? O outro é o marxismo ou materialismo histórico,

segundo o qual toda e qualquer sociedade vive em função do princípio da exploração da

mais-valia pela classe dominante e da luta de classes. Querer avaliar ou provar a existência

da ideologia e seu conteúdo é tão complicado quanto querer provar ou decifrar o

inconsciente.

Graças à física contemporânea, entretanto, temos resgatada a ideia de acaso e

indeterminação. Leia o texto de Chauí sobre esse assunto e veja como ele abalou toda a

ciência. Até o campo da matemática sofreu influências com a sua teoria dos fractais, bem

como pesquisas recentes da matemática aplicada ao webdesign, desenho industrial e

eletrônico e à informática.

Já as ciências humanas são por si só mais complexas, pois trata do ser humano, estudando

a si mesmo. Como ele pode ter certeza de alguma coisa a respeito de si mesmo, sem

recorrer a nada externo e sem interferir na coisa estudada e observada, principalmente

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considerando que essa coisa é ele mesmo? Até então, a filosofia limitava-se à atividade

auto-reflexiva.

E essa ideia é ainda recente, advinda do séc. XIX. De uma maneira geral, todas as ciências

humanas são “recentes”. Chegou o momento até em que se questionou a própria

possibilidade de se fazer ciência com esse objeto, pelo que todas as ciências humanas

ficaram sob suspeita, gerando uma “crise geral de positividade”. Ela ocorreu na

administração, na pedagogia, na psicologia (e acontece até hoje na psicanálise),

amenizando-se somente na pós-modernidade.

Como observar-experimentar, por exemplo, uma cultura e diferenciá-la da outra, sem incorrer

em viés e preconceito? Como perscrutar a consciência humana, o objeto da psicologia? Ou

investigar uma época passada, objeto da história?

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Vê-se por esses poucos exemplos, a dificuldade de aplicação direta do método científico

para o estudo do homem. Seria como querer realizar uma cirurgia em si mesmo, usando

nada mais do que um espelho. E a pergunta que não cala: “Como dar uma explicação

científica necessária àquilo que, por essência, é contingente,

pois é livre e age por liberdade?... Como transformá-lo em

objetividade, sem destruir sua principal característica, a

subjetividade?” (Chauí, 2000, 347)

Esses e outros desafios se colocaram às ciências humanas,

que apresentaram e continuam apresentando as seguintes

tendências, sendo que as últimas três causaram uma

verdadeira revolução, dividindo o campo em subáreas:

Humanismo – a crença nos ideais da dignidade humana e na civilização, promovida

pela conduta ética e moral e pelas ciências naturais entendidas como controle da

natureza e como modelo para as ciências humanas.

Positivismo – seu maior expoente é Augusto Comte, para quem as sociedades

evoluem de maneira piramidal e progressiva, sendo que a base da pirâmide são as

sociedades teológicas, que acreditam em um Deus, a parte intermediária é a

sociedade metafísica e o pico são as sociedades que acreditam na ciência, as

positivas.

“Comte enfatiza a idéia do homem como um ser social e propõe o estudo científico da

sociedade: assim como há uma física da Natureza, deve haver uma física do social, a

sociologia, que deve estudar os fatos humanos usando procedimentos, métodos e

técnicas empregados pelas ciências da Natureza.“ (Chauí, 2000, 347-348)

Historicismo – Desenvolvido no final do século XIX e início do século XX, essa

tendência tem o idealismo alemão (Kant, Fichte, Schelling, Hegel) como precursor e

Dilthey, filósofo e historiador alemão, por expoente. Ele chamou as ciências humanas

de ciências do espírito ou culturais, enfocando com persistência a diferença entre

homem e natureza e entre ciências naturais e humanas.

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Elas não devem usar os mesmos métodos observacionais das ciências naturais, já

que as ciências humanas seguem uma “causalidade histórica” ou temporal. Os

defensores dessa linha acreditavam que todos os fatos sociais, psicológicos,

religiosos e políticos tinham as mesmas causas, alterando apenas a visão de mundo

de cada uma. Eles viviam em conflito entre o relativismo e a subordinação à filosofia

da história.

Relativismo – os adeptos dessa linha não acreditam em leis universalizáveis ou em

absolutos. Seu principal expoente é Einstein, embora sua teoria fosse antes de tudo,

física. Ele constatou, por exemplo, que a velocidade de um corpo depende do seu

ponto de referência no espaço.

Afinal, tudo, essa mesa, esse prédio, você e eu, estamos sempre em movimento, uma

vez que vivemos em um planeta e um universo em movimento. Essa teoria foi quase

que imediatamente aplicada às ciências humanas, gerando alguns equívocos

históricos como o relativismo cultural e ético.

Filosofia da História – os defensores dessa tendência acreditam em um processo

histórico universal, a que até a ciência se subordina. O sociólogo Max Weber inventou

a teoria de “que as ciências humanas – no caso, a sociologia e a economia –

trabalhassem seus objetos como tipos ideais e não como fatos empíricos.

O tipo ideal , como o nome indica, oferece construções conceituais puras, que

permitem compreender e interpretar fatos particulares observáveis. Assim, por

exemplo, o Estado se apresenta como uma forma de dominação social e política sob

vários tipos ideais (dominação carismática, dominação pessoal burocrática, etc.),

cabendo ao cientista verificar sob qual tipo encontra-se o caso particular investigado.”

(Chauí, 2000, 348)

Estruturalismo – Essa tendência criou uma alternativa para que o mecanicismo das

ciências naturais fosse aplicado diretamente na pesquisa do ser humano, encarando

as realidades como estruturas, que se pode observar e descrever a partir “de fora”.

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E tais observações são relativas ao observador, que, ora enfoca uma perspectiva, ora

outra, sem que as duas sejam necessariamente contraditórias. Um dos maiores

expoentes dessa linha, que valoriza muito a percepção, foi o antropólogo C. Lévi-

Strauss, que também realizou pesquisas no Brasil.

Chauí descreve as estruturas como:

“sistemas que criam seus próprios elementos, dando a estes sentido pela posição e

pela função que ocupam no todo. As estruturas são totalidades organizadas segundo

princípios internos que lhes são próprios e que comandam seus elementos ou partes,

seu modo de funcionamento e suas possibilidades de transformação temporal ou

histórica. Nelas, o todo não é a soma das partes, nem um conjunto de relações

causais entre elementos isoláveis, mas é um princípio ordenador, diferenciador e

transformador. Uma estrutura é uma totalidade dotada de sentido. O modo como cada

um desses sistemas ou estruturas parciais se organiza e se relaciona com os outros

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define a estrutura geral e específica de uma sociedade “primitiva”, que pode, assim,

ser compreendida e explicada cientificamente.” ” (Idem, idem)

Uma vertente específica do estruturalismo é a do

Marxismo - De acordo com essa abordagem do ser humano, principalmente do ponto de

vista sócio-político, os fatos humanos são instituições sociais e históricas, organizadas em

superestrutura, a chamada ideologia, e infraestrutura, geradas pela luta de classes e pela

dominação, numa analogia à sobrevivência do mais forte na natureza.

Essa tendência trouxe uma grande contribuição particularmente à sociologia, à economia e à

história. A filosofia marxista influenciou fortemente a educação, na medida em que alguns

pensadores russos como Lênin e Illich (Sociedade sem Escolas) e Althusser, do lado

ocidental, desvendavam a escola como sendo um “aparelho reprodutor do Estado” e que

todo professor do sistema capitalista veicularia a ideologia da classe dominante.

Então, alguns defendiam melhor destruir o sistema existente, expurgá-lo, por assim dizer, e

voltar à educação primitiva familiar e no ambiente de trabalho. No Brasil, essa teoria

redundou na tendência crítico-social dos conteúdos, que procura encontrar, apoiado no

italiano Gramsci, uma síntese entre os conteúdos tradicionalmente ministrados e o

comprometimento do professor e da instituição com a causa dos trabalhadores e

despossuídos, funcionando como “intelectual orgânico”.

Outra vertente que fez grandes avanços na linha estruturalista foi a da Gestalt, com seus

experimentos de percepção figura-fundo. Um dos seus maiores expoentes, Victor Frankl,

desenvolveu o que chamou de “logoterapia”, ou terapia do sentido da vida e dos projetos

vitais. Dessa linha surgiram muitas filosofias que usam a dinâmica de grupo como método

filosófico e psicológico.

Fenomenologia – essa tendência acredita na objetividade das coisas, embora também

estabeleça uma diferença nítida entre a esfera ou região do humano e a da natureza.

Acontece que essa realidade só pode ser entendida em forma de fenômeno ou manifestação

e não, como meros fatos.

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Assim, ela garantiu às ciências humanas a existência e a especificidade de seus objetos

Para essa escola, a ciência não pode nem sequer ser simplesmente descritiva, pois já se

envolve desde o começo com a realidade observada. Então, tudo o que pode dizer, é como

as coisas se revelam ou manifestam, como sugeria a filosofia kantiana. Para isso, é preciso

primeiramente aproximar-se delas quase que inocentemente, para depois estranhá-las e de

certa forma, destruí-las, mas não sem antes reconstruí-las numa espécie de metamorfose.

Um dos ícones dessa tendência é o recentemente falecido filósofo francês Paul Ricoeur.

Com isso a fenomenologia “garantiu

às ciências humanas a existência e a

especificidade de seus objetos.”

(Chauí, 2000, 350)

Em resumo, a fenomenologia permitiu

a definição e a delimitação dos

objetos das ciências humanas; o

estruturalismo permitiu uma

metodologia que chega às leis dos

fatos humanos, sem que seja

necessário imitar ou copiar os

procedimentos das ciências naturais;

o marxismo permitiu compreender

que os fatos humanos são

historicamente determinados e que a historicidade, longe de impedir que sejam conhecidos,

garante a interpretação racional deles e o conhecimento de suas leis. Com essas

contribuições, que foram incorporadas de maneiras muito diferenciadas pelas várias ciências

humanas, os obstáculos epistemológicos foram ultrapassados e foi possível demonstrar que

os fenômenos humanos são dotados de sentido e significação, são históricos, possuem leis

próprias, são diferentes dos fenômenos naturais e podem ser tratados cientificamente.

(Chauí, 2000, 351)

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No Brasil, tais tendências só chegaram como produtos de importação. O positivismo foi o que

mais “pegou”, principalmente em épocas de ditadura. Mas foram particularmente os

educadores que “arejaram” um pouco o predomínio dessa visão de mundo, introduzindo

novas tendências de pensamento.

Entre eles é preciso dar destaque especial a Paulo Freire, por sua contribuição na luta por

um sistema educacional menos elitista e mais democrático no Brasil. Hoje as escolas têm

que concorrer com a mídia e sua filosofia globalizadora e massificadora, como acontece em

todo o mundo, mas sem a tradição filosófica dos países do primeiro mundo, introduzindo

ideias como a inclusão e o pluralismo nos currículos, inclusive o ensino religioso obrigatório,

porém não-proselitista (criador de prosélitos – adeptos), que tem causado tanta polêmica.

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Fonte: MASSONI, Neusa Teresinha e MOREIRA, Marco Antonio, “O Cotidiano da Sala de Aula de uma Disciplina de História E

Epistemologia Da Física Para Futuros Professores de Física” Porto Alegre: Instituto De Física – UFRGS recebido em 21.11.2005; aceito

Em 26.03.2007, disponível em http://Www.If.Ufrgs.Br/Public/Ensino/Vol12/N1/V12_N1_A1.htm

Leiam atentamente os textos adicionados a essa unidade e até a próxima!

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UNIDADE 10

Epistemologia

Objetivo: Compreender que o produto da mente metafísica é o objeto de estudo da

epistemologia: o saber ou conhecimento. A palavra epistéme significa isso mesmo:

conhecimento ou ciência.

Olá minha gente,

Tudo bem até aqui? Mesmo depois de tanto “papo-cabeça”?

Não sei se para acalmar os ânimos ou acirrá-los ainda mais, vamos conversar agora um

pouco sobre o produto dessa mente metafísica, que é o objeto de estudo da epistemologia: o

saber ou conhecimento.

A palavra epistéme significa isso mesmo: conhecimento ou ciência.

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Imagem disponível no link “Estudo Complementar”

Fonte: Massoni, Neusa Teresinha e Moreira, Marco Antonio “O Cotidiano Da Sala De Aula

De Uma Disciplina De História E Epistemologia Da Física Para Futuros Professores De

Física” (Classroom culture in a course on History and Epistemology of Physics for prospective

physics teachers), Porto Alegre: UFRGS, disponível em

<http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol12/n1/v12_n1_a1.htm> recebido em 21.11.2005;

aceito em 26.03.2007

Mas, antes de aprofundarmos esse ponto, é preciso nos perguntar, o que é o conhecimento

ou “saber”? Quem já assistiu a filmes como Matrix, Homens de Preto ou Trueman sabe o

quanto a relação entre o que percebemos e achamos conhecer da realidade e o que

acontece realmente é relativa.

Às vezes criamos “fantasmas” na nossa mente que nada têm a

ver com a realidade. Mas o que é saber, e o que, realidade?

Isso é muito importante para o professor, particularmente no

Brasil, em que precisamos lidar com tantos tipos de saberes e

diversidades culturais, não é mesmo?

Bom, primeiro é preciso distinguir entre o saber, a informação e o dado. Vamos usar o

exemplo da medicina. Quando vamos ao médico por motivo de doença, por exemplo, ele nos

pede informações sobre o que está havendo. Depois, ele pede para fazermos alguns exames

de laboratório, onde outros profissionais técnicos usarão dos seus saberes para levantar

dados a respeito da nossa saúde.

Quando voltamos ao médico, esse reúne as informações que lhe demos com os dados

colhidos no laboratório, formando um conhecimento a respeito da nossa condição que o leva

a um diagnóstico e uma prescrição de remédios ou uma recomendação de dieta alimentar,

etc.

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Dados e informações podem ser armazenados num chip e num computador, mas será que

os conhecimentos também? Até que ponto a internet, a enciclopédia, e a televisão

transmitem conhecimentos?

Ao que tudo indica, o que esses meios transmitem são no máximo informações, que podem

ou não ser transformadas em conhecimentos pelo seu receptor. Diga-se de passagem,

muitos professores infelizmente também não ultrapassam o nível da informação, se não, do

dado cru em suas aulas, tornando-se facilmente substituíveis por um computador...

Conhecimentos de verdade não são transmissíveis, nesse sentido mecânico. Eles são

construídos pela pessoa, num processo insubstituível. É como na alfabetização ou ir ao

banheiro: ninguém pode fazê-lo por você. Quem é que já ficou mais inteligente ou sabido de

um site da internet, que só contém informações? Aliás, tudo indica que quanto mais

informação, mais “poluição”, menos aprendizado e mais confusão.

Podemos comparar a diferença entre aquisição de informação e aprendizado de

conhecimentos com a alimentação celular. A alimentação que penetra passivamente pela

membrana externa da mesma, a chamada osmose, pode ser comparada a alguém que se

enche até a tampa de informações.

Já quem não apenas ouve passivamente, mas também “apreende” nesse processo é a

imagem da fagocitose, que é a alimentação ativa, em que se formam como que braços na

membrana, que “capturam” e trazem o alimento para dentro da célula.

Muitos educadores, como Jean Piaget e Lev Vygotsky, concebiam o conceito de aprendizado

como algo dinâmico e não passivo. Piaget estabelecia uma diferença, quanto ao processo

de aprendizagem, entre assimilação e acomodação, duas fases distintas e dialéticas do

processo de ensino-aprendizado. Já Vygostky introduziu o conceito de "zona de

desenvolvimento proximal", da qual falaremos mais adiante.

Aplicando essas imagens à criança, no caso da osmose, o educando absorve passivamente

as informações novas dentro de si.

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Na segunda, ele as “trabalha”, redundando em uma “apropriação” desse saber novo, que

passa a fazer parte integrada à sua estrutura cognitiva, dando um “salto” para uma nova

etapa do seu desenvolvimento cognitivo.

Um exemplo disso é o da criança que sabe realizar operações de somar e subtrair, mas não

sabe aplicá-las a situações-problema novas, ou a equações, com incógnita, portanto.

Ele terá captado ou memorizado informações, mas não terá adquirido nenhum conhecimento

novo. Além de mais complexo e mais “seu”, o conhecimento real, precisamente por fazer

parte do ser da pessoa, tem outras dimensões além da racional.

Uma delas é a dimensão ética: todo conhecimento tem uma moral, sem falar nos aspectos

metafísico e religioso.

Para entendermos melhor essas diferenças, é sempre útil partir do próprio nome,

cognoscere, conhecer em latim, que revela desde já uma relação íntima com a cognição.

Ela pode ser comparada com a relação que há entre inteligência e legere, ou seja, ler.

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Assim, a inteligência é mais precisamente intus legere: ler dentro das coisas, inteligir.

Conhecer, então, é usar a cognição para se apropriar de saberes, o que sugere uma

interação entre a razão, que denota a realidade interna, e a realidade externa. Mas, nesse

caso, o que fazer com a subjetividade, que pode ludibriar os nossos sentidos?

Como se lê no texto de Grayling, que também traz uma relação das maiores teorias do

conhecimento ou epistemologias de todos os tempos, todo conhecimento envolve a crença

ao menos numa verdade. Então não me alongarei sobre o assunto, mas apenas resumirei os

principais pontos.

Primeiro, existem aqueles - diria até que a grande maioria - que acreditam que o

conhecimento é produto exclusivo da razão humana, os racionalistas. Essa tese foi

defendida principalmente pelos filósofos do iluminismo. Por outro lado, há os que acham que

o conhecimento provém exclusivamente da experiência, os chamados empiristas.

Finalmente, temos os céticos, que simplesmente acreditam que não há conhecimento certo,

só dúvidas sobre a realidade. A única coisa certa para eles é a dúvida.

Importante notar que, além da razão, o conhecimento também envolve a percepção. De

acordo com Tomás de Aquino, por exemplo, e nisso, ele concorda com quem veio antes

dele, Aristóteles, não há nada na mente que antes não tenha passado pelos sentidos. Locke

e Hume também concordam que a mente

funciona a partir de estímulos externos e não se

nutre apenas de recordações pré-existentes na

memória, como queria Platão, para quem

“aprender é recordar”.

O problema é que a percepção às vezes leva ao

engano. E a mente também. Então, tanto os

racionalistas, quanto os empiristas vêem-se

defrontados com o mesmo problema, que é um

prato cheio para os céticos. Alguns deles chegam

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ao extremo de achar que nada exista ou possa ser afirmado como verdadeiro o que por sua

vez é uma afirmação com pretensões de verdade, fazendo-os cair em contradição. Incorrem-

nos no mesmo equívoco que os que afirmam que “tudo é relativo”, supondo que essa tenha

sido a grande invenção de Einstein.

O maior argumento contra os céticos nos parece ser o de Ryle, que lembra que só existem

moedas falsas, porque antes delas existiram as verdadeiras, ou seja, é preciso concordar

com os antigos e os pensadores da Alta Idade Média, que a verdade não depende apenas

da percepção humana, muito menos a realidade, e que ela também deve existir “lá fora”.

A dificuldade em captá-la perfeitamente não deve ser uma prova de sua não-existência. Essa

atitude seria até infantil (não posso ganhar sempre, então não quero mais jogar...rsrs).

Está certo que a dúvida sistemática, pregada por Descartes, mas já anunciada por Santo

Agostinho em seu “duvido, logo existo”, é um ótimo método para galgar ao saber. Mas ele

tem limites, que se mostram quando duvidamos da própria dúvida.

Outros filósofos, como Locke e Berkeley, que tentaram dar resposta ao ceticismo,

preconizaram uma espécie de idealismo, que vê no homem uma “luz interior”, beirando o

idealismo.

Outros ainda passaram a acreditar numa causalidade impessoal e mecânica, um a priori

dado ao homem que é transcendental. Ao homem resta apenas ler essa realidade a partir de

sua perspectiva, ou seja, como ela se manifesta os olhos dele.

Essa teoria, já mencionada anteriormente, também é chamada de “fenomenologia”. Tanto os

pensadores dessa corrente, quanto os da filosofia analítica propõem uma alternativa à ideia

de Deus como causador externo do que há de inteligível no mundo. E a proposta é um calar-

se (à moda de Wittgenstein e o círculo de Viena) sobre os assuntos que transcendem a

razão, como Deus e a própria existência das coisas.

No lugar de Deus e dessa verdade externa, então, são muitas vezes, como propõem

Durkheim e Dewey, são postas convenções coletivas. Pois o conhecimento para eles sempre

tem essa dimensão social e pública.

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O grande pomo da discórdia, com relação ao conhecimento humano é saber, se é que ela

existe em que medida ele pode coincidir com a realidade externa, se é que existe alguma e

não vivemos em um eterno e permanente matrix.

Pois, se nenhum ser humano está observando, quem é que nos garante que a floresta está

pegando fogo de fato? A solução de Descartes mesmo, o mais “cartesiano” de todos os

racionalistas, foi dizer que as coisas são cognoscíveis, porque existe um Deus bom que as

originou e comunicou. Afinal, o bem e a verdade têm que existir, pois quer acreditemos neles

quer não acreditemos, nós os utilizamos como contraponto do mal e da falsidade.

E se existe(m) esse(s) deus(es) bom (ns), então ele(s) não pode(m) estar ludibriando nossos

sentidos o tempo todo, o que seria absolutamente cruel. Assim, só o fato de pensarmos é

uma prova contundente de que existimos de fato e não estamos sonhando. Daí a famosa

frase: “penso, logo existo”.

Muito antes de Descartes, Tomás de Aquino o assumiu com todas as letras: a realidade

externa existe e nós podemos conhecê-la, porque Ele, o Criador, conheceu-a primeiro. Nós

conseguimos “ler” a realidade, porque Alguém, um Outro original, de fato, a “escreveu” e viu

“que era boa” antes de nós. A queda se encarrega de explicar os nossos ocasionais “defeitos

de vista”. Daí que seu “sistema”, tão pouco conhecido pelos filósofos contemporâneos, tenha

sido denominado “realismo moderado”.

A verdade das coisas, ou seja, da forma como foram criadas, então, não é apenas real, como

é boa e podemos alcançá-la, na medida em que nossa razão coincide ou concorda com a

razão (ratio ou logos) impressa por Deus nas coisas que criou. Isso vale particularmente para

o homem, criado “à imagem e semelhança” de Deus.

Mas é claro que não é necessário abraçar a epistemologia ou perspectiva cristã do mundo,

como a de Tomás de Aquino e tantos outros filósofos cristãos como Blaise Pascal, Paul

Ricoeur, Martin Buber, Josef Pieper, para citar apenas alguns, para se chegar à conclusão

de que, tanto racionalistas, quanto empiristas e céticos têm extrema dificuldade em levar as

suas teorias até o fim.

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Pouco importa se chamamos essa realidade externa de Primeiro Movedor, como o

denominou Aristóteles, de “transcendência”, “convenção coletiva” ou de “Deus”, como toda a

tradição do pensamento cartesiano. O que importa é evitar os absurdos a que os equívocos

antropocêntricos já levaram à humanidade, tais como o nazismo, a bomba atômica e mais

recentemente, o domínio do mundo pela tecnologia e mídia, desprovidas de “controles”

éticos externo - a chamada “globalização”.

Somente atentando para ela seremos sensíveis à realidade circundante, à pobreza, às

injustiças, à degradação ambiental, e aos poetas que, como Rubem Alves nos lembram em

seus contos e reflexões sobre a ciência e o conhecimento, que o saber autêntico, também

tem que ter sabor. É isso precisamente que distingue uma boa receita de uma boa comida e

um bom livro de receitas de uma boa cozinheira.

Tal saber-sabor é mais do que conhecimento, podendo ser denominado de sabedoria, que

acrescenta a ele a ética, a paixão da descoberta e o respeito pelo mistério e a

transcendência.

Você pode até discordar, mas essa é pelo menos a sabedoria que podemos detectar tantos

nas tradições de saber ocidental, quanto oriental e que ainda inspira muitos seres humanos

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do planeta a ter bom-senso de lutar por um mundo melhor e não permitirem certas

aberrações tomarem conta das sociedades humanas.

Não deixe, portanto, de ler os textos acrescentados a essa unidade e até a próxima!

Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua

SALA DE AULA e faça a Atividade 1 no “link” ATIVIDADES.

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UNIDADE 11

Filosofia da linguagem

Objetivo: Compreender a importância da linguagem como fenômeno universal, e que deve ser encarada como um patrimônio comum da humanidade, capaz de separar, mas também de unir culturas e povos inteiros.

Cá estamos nós, (espero que) prontos para mais uma dose de filosofia! Até agora, você deve

ter ficado com mais perguntas, do que respostas sobre essa coisa de filosofar. Isso é bom.

Mas você também deve ter se perguntado, afinal, se filosofar é duvidar de tudo, que sentido

pode ter?

É muito mais fácil ficar no campo das certezas, que são muito mais práticas e nos deixam

bem mais confortáveis e relaxados, não é mesmo?

Pois é, aprendemos nas últimas aulas, coisas sobre a mente, o conhecimento humano e a

ciência, sobre as quais nunca tínhamos pensado antes. Nunca paramos para discutir

conosco mesmos, se a realidade existe mesmo, ou se ela é uma ilusão das nossas mentes.

Muito dessa confusão pode ser esclarecida, se atentarmos para a linguagem.

Sempre que eu me refiro a essa rosa, por exemplo, posso estar falando da rosa mesmo,

como objeto externo, ou de uma palavra que se soletra “r”, “o”, “s”, “a”, e que só tem sentido

inserida em um sistema lógico, ou um nome, que se entende por si só e cujo sentido é

imanente.

Os já mencionados nominalistas acreditam que as palavras não passam de “etiquetas” ou

“códigos de barras” que convencionamos pôr nas coisas, e que não são nada além de uma

cifra. A língua ideal para eles seria a que tem um nome específico para cada coisa, excluindo

nomes genéricos.

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Já os filósofos analíticos, como se pode ver pelo texto de Alston acrescido a essa unidade,

acham que a verdadeira natureza das coisas só aparece quando decodificamos o nome e

analisamos suas partes.

Uma de suas afirmações diz que a linguagem é um dos temas mais complexos e ambíguos

de toda a filosofia, o que, sem dúvida é correto. Depois ele faz a crítica à linguagem dos

filósofos que em geral é ininteligível para a grande maioria das pessoas, usando palavras

que só os filósofos podem entender, pondo em risco todo sentido de sua filosofia.

Por outro lado, restam ainda aqueles chamados realistas, consideram o nome das coisas

como relativo à coisa mesmo, agindo como um mediador (signo) de uma realidade externa e

não meramente autoevidente. Para eles, a palavra “rosa”, por exemplo, é dotada de um

sentido pela mente humana, que, no sentido literal remete à rosa mesma.

Mas ao mesmo tempo, para os realistas moderados, ela pode ir muito além dela, quando

aparece num poema, por exemplo, onde geralmente funciona como metáfora ou qualquer

outra figura de linguagem. Então se torna um símbolo, que transcende o significado material

do código, mas sem colocar em risco o sentido literal da rosa.

Para entendermos essa distinção, é preciso considerar a própria palavra linguagem. Logos

no grego, que significa “palavra”, ou mais especificamente, “verbo”. Ela traduz-se para o latim

por ratio, ou seja, razão.

Essa palavra aparece diversas vezes na

Bíblia, mas principalmente no Evangelho de

João, onde é comparada ao verbo criacional

divino, que teria se encarnado em Cristo: “No

princípio era o Verbo, e o Verbo estava com

Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no

princípio com Deus. Todas as coisas foram

feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do

que foi feito se fez.” (João 1.1-3).

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Assim, a linguagem é complexa e misteriosa, porque ela parece dar sentido ao próprio

homem. O que seria de nós sem ela? Simplesmente deixaríamos de ser humanos.

De onde ela veio, tanto a oral, quanto a escrita? Poderia ela ser reduzida a um conjunto de

sinais, que seguem determinadas regras gramaticais para se combinar?

Seria ela comparável ao código de trânsito, que basta “decifrar” para entender? Se fosse

assim, a gramática seria a mais importante das ciências, já que é a principal ferramenta para

tal “decifração”.

Mas então, por que ela é usualmente tão odiada nas escolas?

A atenção às palavras não é um interesse recente. Desde os gregos antigos, ela é estudada

a fundo. Tanto que temos hoje várias línguas “inventadas” como o esperanto, as linguagens

computacionais, a linguagem dos ícones, etc.

As linguagens chamadas “naturais” têm hoje uma “árvore” genealógica, como se vê na

figura. Daí que nos refiramos à “língua materna”, como sendo a primeira que aprendemos,

quando começamos a falar.

Não sei se vocês lembram a cena de um filme sobre a colonização dos Estados Unidos, O

Último dos Moicanos, em que um branco se comunicou com outro através de um bilhete.

Quando os índios, que evidentemente só conheciam a língua dos sinais de fumaça, mas

nenhuma escrita, entenderam o que estava acontecendo, adoraram o branco como a um

deus. E de fato, até hoje, depois de séculos de estudos da linguagem, não há um consenso

sobre a sua origem, quer falada, quer escrita.

Há os que defendem a origem da fala nos sons da natureza. No alemão, por exemplo, a

palavra para “trovão” é “Donner”, que parece mesmo com o som de um trovão. Tais ruídos

teriam sido imitados ao longo de muitos anos, até se instituírem como palavras.

Outros defendem a origem, a partir da necessidade pura de comunicação lógica e inteligível

entre os seres humanos, que a “inventaram”, como inventaram ou descobriram o fogo e a

roda.

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Há ainda os que acreditam na criação do homem pelo Logos divino, portanto, já propenso ao

uso da língua. Sua diversidade se torna ainda mais intensa depois da famosa história da

Torre de Babel.

De acordo com o filósofo judaico, Martin Buber, por exemplo, não só o homem, mas todas as

coisas têm em si essa natureza lingüística, que ele chamou de “Wortcharakter” (caráter

verbal).

Assim, o estudo da linguagem é análogo ao estudo do

próprio homem. É, portanto, uma ferramenta

importantíssima para a filosofia, como C.S. Lewis

demonstra no livro Studies in Words (Estudos em

palavras). E como Lohmann demonstra, as diferentes

formas de pensamento equivalem às diferentes

formas de linguagem.

Como fenômeno universal, portanto, a linguagem

deve ser encarada como um patrimônio comum da humanidade, capaz de separar, mas

também de unir culturas e povos inteiros.

Eu, que sou fui alfabetizada em duas línguas (português e alemão), sei muito bem como uma

língua pode unir e separar. Na verdade, ela molda o pensamento ao mesmo tempo em que é

moldada por ele.

Nesse sentido, o estudo da linguagem revela muito não apenas sobre o indivíduo e sua

psique, mas sobre toda a visão de mundo de um povo.

E o melhor método filosófico que os adeptos dessa outra linha descobriram foi o da

linguagem comum (bem ao contrário dos filósofos analíticos, cujos textos, em geral, não são

inteligíveis para o simples mortal). O que o brasileiro pensa, por exemplo, quando diz

“obrigado” ou “obrigada” e não simplesmente “mercy”, “thank you” ou “danke schön”? Ele

está dizendo: “estou obrigado (a) a lhe retribuir o favor algum dia”.

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Mais do que reconhecer com gratidão um favor prestado por outro, como no caso das

línguas francesa, inglesa e alemã, essa expressão de agradecimento vai além, quando a

pessoa afirma que está em dívida para com a outra.

Essa é uma das formas mais profundas de gratidão existentes entre seres humanos, embora

muitas vezes os falantes da língua portuguesa esqueçam isso, usando o termo mecânica ou

erradamente. Mas, se escavarmos fundo o sentido original da palavra, encontraremos

preciosos tesouros de sabedoria e cultura humana ocultos sob essa palavra.

Se não houvesse essa “origem” ou “tronco” comum, seria impossível explicar com base

somente na teoria de evolução, a equivalência por todo o mundo de inúmeros provérbios,

como “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” e até de narrativas como as dos

mitos e contos de fada ou mesmo de imagens, que Jung chamou de “arquétipos”. Tais

“coincidências” não podem ser explicadas inteira e exclusivamente pela ciência e muitos

cientistas, como o próprio Jung, admitem o fato com todas as palavras.

O filólogo de Oxford e autor de livros de ficção, J.R.R. Tolkien sempre dizia que a origem dos

contos de fada é tão misteriosa quanto à origem do próprio homem.

Estudos da linguagem desse tipo se mostram muito férteis para o campo da reflexão e crítica

filosófica, mais do que as análises fragmentárias e exaustivas. empreendidas pelos filósofos

analíticos. Ao invés de isolar o filósofo na sua cátedra, eles acabam aproximando-o do

homem comum e do poeta, a ponto de torná-los indissociáveis, como podemos observar

nessa poesia:

Antes do Nome

(Adélia Prado)

Não me importa a palavra, esta corriqueira.

Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,

os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",

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o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível

muleta que me apóia.

Quem entender a linguagem entende Deus

cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.

A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,

foi inventada para ser calada.

Em momentos de graça, infreqüentíssimos,

se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão

Puro susto e terror.

Recomendamos com relação a isso o livro PERFUMES, Poemas, (2004, Segunda Edição)

do (Poeta) Salvino Pires Sobrinho, veja resumo disponível em

http://www.revista.agulha.nom.br/scleite2.html, acesso em 13.09.2007.

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Outra crítica interessante, agora contra o nominalismo (que acha que o nome é a essência

da coisa e não apenas um indicativo para o que elas são de fato) é o poema “Eu, etiqueta”

de Carlos Drummond de Andrade. Ele mostra claramente, como o consumismo se expressa

pela moda de grifes, marcas e patentes, que acabam adquirindo um significado ideológico,

opressor e desumanizador, substituindo o sentido da pessoa. “Fulano é bacana, porque usa

tênis de tal marca.” Em Diálogo, temos a mesma crítica.

Mas, para ser coerente com o realismo moderado, é importante fazer distinção entre a

palavra ou verbo humano, que é secundário e não cria a partir do nada, e o verbo divino,

capaz de criar do nada. Recomendamos para essa compreensão que se leia o texto de São

Tomás de Aquino, “Sobre a Diferença entre a Palavra Divina e a Humana”, acrescentado nas

referências dessa unidade.

Muitos dos problemas concernentes à linguagem poderiam ser resolvidos, se atentássemos

um pouco mais para essa diferença, que explica nossa limitação em abarcar a totalidade do

real. Quando alguém se apaixona, por exemplo, não há carta de amor suficiente para

expressar tal sentimento em sua completude, para a frustração da pessoa que procura

expressá-lo.

Mas também recomendamos o de Chauí, que apresenta uma visão geral bastante

abrangente para a questão.

Nas próximas unidades, teremos uma ideia da diversidade de linguagens existentes,

principalmente as da arte, literatura e religião. Leia atentamente os textos sugeridos para

essa unidade e até a próxima!

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UNIDADE 12

Filosofia Analítica

Objetivo: Entender que o termo “analisar” alguma coisa, normalmente significa dizer que vamos precisar de um tempo para observar e verificar detalhes, pressuposições todos os ângulos da questão.

Olá minha gente,

Preparados para mais uma emocionante unidade?

Uma vez discutido o caráter problemático da linguagem, gostaríamos agora de nos

aprofundar no que o prof. Eduardo Chaves chama de “movimento”, mais do que uma

“escola” filosófica, que concentra toda a sua atenção na linguagem e lógica analíticas.

Mas o que é “análise” mesmo? Quando dizemos que vamos “analisar” alguma coisa,

normalmente queremos dizer com isso, que vamos precisar de um tempo para observar e

verificar detalhes, pressuposições e todos os ângulos da questão.

Quando analisamos algo, estamos aplicando o famoso método do nosso amigo Jack. Sim,

aquele mesmo, o “estripador”, que costumava dizer “vamos por partes”.

O grande problema desse método, entretanto, é que de tanto dividir, muitas vezes matamos

o sujeito no meio do caminho, ou seja, o próprio ser humano, que acaba sendo reduzido a

um código vazio de significado e relevância, a não ser para algumas poucas cabeças

privilegiadas.

Matamos também a própria filosofia, cuja tarefa é perguntar-se: “até que ponto sequer é

justificável falar em parte e todo, em conhecimento, em verdade na ciência, na psicologia, na

teologia, na estética, na moralidade?” E isso, aplicado a todas as ciências, cada qual, tendo

as suas “regras de campo”, ou de “jogo”, próprias.

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A filosofia analítica reúne elementos de empirismo, positivismo lógico, racionalismo, realismo

e anti-realismo, mas principalmente, de oposição à metafísica.

O principal expoente da filosofia analítica, que também pode

ser entendida por oposição à filosofia continental, inspirado

pelos precursores, o alemão Gotlob Frege e Bertrand

Russel, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein concentrou-

se nas formas e modos de funcionamento da linguagem. Foi

ele que inspirou o chamado “Círculo de Viena”, que

desenvolveu um método de rigorosa análise de conceitos e

descrições definidas, uma espécie de lógica, que tinha a

pretensão de poder ser aplicado a todas as demais

ciências. Uma das suas frases memoráveis é “sobre o que

não se pode falar, deve-se calar”. Isto é, a filosofia se limita explicitamente ao que pode ser

julgado com objetividade, excluindo do seu campo de estudo tudo o que é misterioso,

subjetivo ou transcendente.

Ele ingressou em Cambridge como discípulo de Bertrand Russel, em1912. Sua obra mais

conhecida, Tratactus Logico-Philosophicus, data de 1922. Foi na década de trinta que os

positivistas lógicos sistematizaram os pensamentos de Russel e Wittgenstein, organizando o

chamado “Círculo de Viena”.

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Mas eles também tinham adeptos em Berlim, Escandinávia e Polônia e em lugares isolados

dos Estados Unidos. Sua maior influência deu-se na Grã-Bretanha, onde acabou assumindo

o nome de “Filosofia linguística”, “Filosofia de Oxford” ou “Filosofia de Cambridge”, onde

perdurou até os anos sessenta. E domina até hoje na Grã-Bretanha, em seu sentido pré-

linguístico até os dias de hoje.

Essa linha defende que a realidade tem natureza mental e não pode ser totalmente

analisada, já que primeira impressão que temos dela nos é dada pela percepção, sendo,

portanto, de natureza subjetiva. Com isso, eles combatem os idealistas, que imaginam que

suas ideias podem ser traduzidas em verdades objetivas. Suas ferramentas principais são a

lógica e a matemática.

Não é para menos que os educadores costumam se afeiçoar mais às filosofias menos

abstratas e mais otimistas quanto ao que podemos conhecer sobre a natureza...

Juntos, Russel e Wittgenstein desenvolveram o que passou a se chamar “atomismo lógico”.

Toda a realidade pode, segundo eles, ser representada em forma de proposições lógicas,

seguindo critérios de verdade e realidade próprios. Elas são puramente formais e sem

sentido empírico ou prático. Só são consideradas asserções aquelas que se reduzem a

abstrações.

Com isso, estariam excluídas todas as proposições e frases poéticas, artísticas, religiosas,

por não se curvarem às regras lógicas, sendo de cunho mais emocional. Com isso,

estabeleceram um dualismo entre a filosofia, a arte e a metafísica, e com isso, também a

distanciaram da educação.

Os positivistas lógicos mais recentes negaram algumas proposições dos seus inspiradores.

Ampliaram a concepção de linguagem de Wittgenstein, incluindo a pictórica e representativa.

Contra Russell, voltaram a sustentar a realidade de corpos e mente, ainda que apenas como

constructos e não, realidades elementares. Também diversificaram os métodos de fazer

filosofia, acrescentando, por exemplo, o método histórico e contextual à lógica pura e

simples.

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Depois dos anos sessenta, essa escola praticamente desapareceu. Hoje sobrevivem alguns

pensadores como W. V. Quine, que se identificam com essa corrente, ainda que negando a

existência de uma clara distinção entre verdades analíticas e não analíticas, ou que a lógica

analítica seja o único critério de verdade existente.

Com seu "Dois Dogmas do Empirismo", publicado na década de 50, Quine acabou com o

positivismo lógico, fazendo com que a filosofia analítica se desdobrasse e fragmentasse em

várias direções: da filosofia da mente, que veio concorrer com a lógica e a filosofia da

linguagem anteriormente estudadas; da metafísica ou teologia analítica; da filosofia política

de John Rawls e de várias vertentes da ética.

Carl Popper foi outro pensador que muito contribuiu para o avanço da filosofia analítica,

demonstrando a fragilidade das proposições indutivas, e estabelecendo a refutabilidade,

junto com a relevância e a verificabilidade, como critérios de verdade científica.

O primeiro critério significa que as ideias, antes de se argumentar em cima delas, precisam

ser formuladas de tal maneira que possam ser refutadas.

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Exemplo: “Como os alunos deficientes lidam com o preconceito a que são expostos?” A

pergunta é irrefutável porque parte de uma verdade, posta como inabalável, de que o aluno

deficiente sofre preconceito. Por mais que isso seja verdade na maior parte dos casos, ela

não é necessária e nem uma regra inquebrável (graças a Deus, rsrs – se não fosse assim,

de que serviriam as escolas e os educadores????).

Então, para tornar a pergunta refutável, seria preciso perguntar: “Caso os alunos sofram

preconceito, como eles lidam com esse fenômeno”? Ou “Se tratadas com preconceito, como

as crianças deficientes lidam com ele?”.

Dadas essas condições, podemos então proceder à análise. Acontece que nem assim ela é

suficiente para dar resposta a questões como essa. O que lhe falta é o método contrário ao

da análise que é o da “síntese”.

O que os filósofos analíticos tendem a esquecer em meio a todo seu esforço analítico pela

dissecação da linguagem em seus mínimos detalhes, chegando ao extremo do positivismo

lógico, é a origem e natureza da própria linguagem.

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Isso não significa que a filosofia analítica não tenha seu valor.

Se considerarmos o logos como razão, toda linguagem é racional e, portanto, o positivismo

lógico seria um método extremamente adequado para analisá-la.

O problema, entretanto, é de perspectiva e do objeto a ser analisado, que na maioria das

vezes não parece nada lógico. Ou seja, quando analisamos alguma linguagem, seja ela qual

for, partimos do pressuposto de que haja falantes dessa linguagem, da mesma forma como

um predicado sempre pressupõe um sujeito.

O problema da filosofia analítica é que trata a linguagem como algo que se justifica por si só,

perdendo o seu referencial inalienável de subjetividade. Filósofos mais recentes, como

Searle e Michael Foucault (veja os textos propostos nessa unidade) procuraram resgatar

esse lado. Em sua chamada “arqueologia das palavras”, esse último pensador previu o fim a

que levam as filosofias analíticas e positivistas se levadas às últimas consequências, que é

nada mais é do que a dissolução do próprio homem.

Assim, por mais que devamos respeito à filosofia analítica – ou seja, da decifração das

palavras, de acordo com as regras da lógica - e seus defensores não podemos aceitá-la

como a única possível ou mais verdadeira e racional, como veremos nas próximas unidades.

Nem tão pouco foram eles os únicos a notar a importância da lógica e da linguagem.

O que restou da filosofia analítica em alguns meios filosóficos de hoje, é o respeito ao rigor

na argumentação, ao esclarecimento prévio do significado de palavras e o respeito à ciência,

como critério de verdade por parte de alguns filósofos.

E certamente isso é muito válido em particular para o educador, que muitas vezes se vê

confrontado com incompreensões conceituais, esquecendo que, antes de dar quaisquer

explicações é preciso deixar claros os conceitos a que se está referindo e analisá-los com

mais afinco.

Isso é importante inclusive para a metodologia científica. Quem pretende escrever um

trabalho considerado “acadêmico”, por exemplo, precisa dar muita atenção às palavras que

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emprega. Isso é mais importante no mundo pluralista em que vivemos hoje e devido à

diversidade cultural e religiosa em que nos encontramos no Brasil.

Muita discussão fútil poderia ser evitada se as pessoas envolvidas dessem mais atenção às

palavras e conceitos que estão usando, para não recair em reducionismos, determinismos e

redundâncias pré-conceituosas e tendenciosas. Estamos falando do velho problema do viés.

É claro que não podemos evitá-lo, enquanto tivermos uma subjetividade (graças a Deus

ainda não viramos robôs). Então, o melhor a fazer é explicitá-los o máximo possível.

Num trabalho acadêmico sugiro até que se esclareça a origem dos conceitos que se

emprega (também chamado de etimologia), de quem ou de que escolas são oriundos etc.

Pode-se usar a palavra cognição no sentido de Jean Piaget, por exemplo. Não se deve partir

do pressuposto de que o leitor do trabalho ou o aluno já tenha claro a que estamos nos

referindo.

Obviamente, jamais conseguiremos alcançar a clareza e lógica total, expurgando toda e

qualquer ambiguidade, devido à complexidade mesma da linguagem, que reflete a do ser

humano, como discutíamos na unidade anterior.

Mas certamente vale o esforço por “abrir o jogo” sobre os conceitos usados no trabalho

acadêmico. O mesmo vale para a nossa postura pedagógica em sala de aula, que não deve

ser menos “acadêmica”.

Outro exemplo de aplicação

da filosofia analítica à

educação são os métodos

de alfabetização tradicionais,

que se chamam sintéticos,

por seguirem o princípio de

“juntar as letras”. Na verdade

eles são analíticos, pois partem do pressuposto de que a linguagem se compõe de signos

que precisam ser decifrados pelo aluno.

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Para isso, as letras são divididas em partículas mínimas (letras), para galgar até as sílabas e

as palavras. Essa ideia continua presente no uso mais recente da palavra “letramento” no

lugar de “alfabetização”.

É claro que não estamos denegrindo o avanço nos estudos sobre o assunto, mas apenas

apontando para a permanência da ideia central de que é preciso partir das letras para se

alcançar o nível da leitura. Veja estudo exaustivo sobre o assunto em no site da editora

moderna, outro no site da editora Scipione, sobre o projeto, encerrado em 2007 e outro no

portal do Mec, com pesquisas mais recentes.

Para dar outro exemplo de proposta educacional que pode ter sido influenciada por essa

escola, podemos citar David Ausubel e sua teoria de aprendizagem significativa.

Ele defendia que, no seu planejamento de ensino, o professor estabelecesse um “mapa

conceitual”, ou seja, definisse o conceito central no qual quisesse chegar e imaginasse os

subconceitos que levariam os alunos até lá, numa espécie de “árvore” ou “fluxograma”, que

vai dos conceitos mais familiares e simples, galgando até chegar ao conceito chave, valendo-

se de “subsunções”, ou seja, conectivos de significado entre os conceitos. Como por

exemplo: para se chegar ao conceito de educação, partir-se-ia dos conceitos mais simples

de ação e reação, de ensino e aprendizado e de assimilação e acomodação, numa espiral

ascendente, usando como conectivos as relações interativas que esses pólos têm entre si.

Ausubel criou ainda o conceito de “organizadores prévios”, que seriam aqueles

estimuladores significativos que o professor usaria para prender a atenção do aluno, mas

também para lançar os conceitos básicos dos quais partirá para “construir” o conceito chave.

A própria teoria de Piaget vale-se em grande parte da filosofia analítica, quando divide a

formação cognitiva da criança em “estágios”, que vão do concreto até o abstrato. A ideia de

“construção”, da qual procede ao “construtivismo” que tem muito também de herança do

estruturalismo, sugere essa divisão em partes, os tijolos, serão sobrepostos para formar um

todo, ou constructo, chamado conhecimento.

Já a filosofia de alfabetização de Paulo Freire parte de um conceito holístico da linguagem,

segundo o qual, a letra sozinha é desprovida de qualquer sentido, pelo que se torna vazia.

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O professor não deve inculcar letras ou famílias silábicas na cabeça da criança e sim, colocar

livros inteiros em sua mão. Partindo de “palavras geradoras” a criança mesma (ou adulto)

estabeleceria nexos significativos entre as palavras, que seriam divididas em sílabas, que por

sua vez seriam associadas às suas famílias, com as quais se formaria novas palavras, num

processo contínuo e não linear.

Podemos dizer que, de uma forma ou de outra, todas as ciências humanas se inspiraram na

filosofia analítica para procurar parecer mais “científicas”, tornando-se mais sistemáticas,

lógicas e lineares. Hoje as ciências humanas já não sentem, em geral, necessidade de seguir

o modelo lógico das ciências exatas, criando os seus próprios métodos e “positividade”.

Espero que esta unidade tenha feito você dar ainda mais atenção à linguagem, que leia

todos os textos e até a próxima oportunidade!

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UNIDADE 13

Filosofia e Literatura

Profa. Gabriele Greggersen

“Todo livro belo é um tipo de Bíblia” (Novalis)

“O Belo é a prova experimental

de que a encarnação é possível” (S. Weil)

Oi minha gente,

Gostaram das aulas sobre a filosofia da ciência, da linguagem e sobre a filosofia analítica?

Quem diria que dependemos tanto da filosofia, principalmente o educador, não é? Ela é um

dos mais valiosos meios de preparo do professor, ao mesmo tempo em que é um dom ou

dádiva, isso é, vale por si só, sem deixar-se submeter a fins utilitaristas. Um dos meios mais

poderosos dessa encarnação é a linguagem, dotada de autoria, enredo e moral, a literatura.

Ela tem um quê, que ninguém sabe muito bem definir, que encanta e arrebata nossa mente e

emoções, através da imaginação.

No dicionário de filosofia de Abbagnano, imaginação é equivalente a Phantasie e

Einbildungskraft, que no alemão quer dizer, respectivamente, fantasia e poder ou capacidade

de criar imagens internas. Para o autor, semelhantemente, o termo designa nada mais do

que “Em geral, a possibilidade de evocar ou produzir imagens, independentemente da

presença do objeto a que se referem” (Abbagnano,1998, p. 537).

Aristóteles também já estabelecia importantes distinções como, por exemplo, entre a

imaginação e a sensação, pois a imaginação pode existir sem sensações, como no caso do

sonho. Segundo ele a imaginação distingue-se ainda da opinião, pois não exige que se

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acredite nela. “Aristóteles considerou a imaginação como uma mudança (kinesis) gerada

pela sensação, semelhante a esta, embora não ligada a ela... Nesse sentido, a imaginação é

condição da apetição, que tende para alguma coisa que não está presente e da qual não se

tem sensação atual (ABBAGNANO, 1998, p.538).

Este conceito só foi alterado por Santo Agostinho que lhe atribuía funções múltiplas e

variadas. O mundo da imaginação é um mundo onde se pode fazer

praticamente tudo. É a terra do nunca, dos impossíveis no mundo

real. Ela é particularmente importante como via de comunicação

com o mundo interior e em especial com o nosso “mestre interior”,

como Agostinho chamou.

Santo Tomás, que se inspira em Santo Agostinho, embora não

tivesse se aprofundado no assunto, também concordava com esta

multiplicidade de funções do imaginário. A imaginação tem para ele

relação com o lúdico e o brincar, que não são o oposto de trabalhar, mas são necessários

para o trabalho e aprendizado significativo. Mas, como tudo que é humano, pode ser

corrompido e por isso, deve observar limites e regras claras.

Daí para frente o conceito de imaginação foi cada vez mais ampliado em suas funções,

consideradas mais e mais complexas. Com Sir Francis Bacon, a imaginação é posta lado a

lado com a razão e a memória, como bases essenciais para a poesia. Por outro lado, ele

também a associa às superstições e “ídolos”, que deveriam ser “expurgados” da mente. Em

Descartes, ela é vista ainda como algo fundamental para as atividades espirituais. Já em

Hobbes, ela é mais associada às atividades mentais e à sensação, à imagem corporal e à

falta de atividade do espírito (ócio). Mas ele também a associando à memória e à

experiência, que também dariam acesso ao intelecto e ao juízo.

Na filosofia dos séculos XVII e XVIII generaliza-se a noção de que a função da imaginação é

a de organizar as faculdades humanas, inclusive a racional e intelectual.

A partir de Fichte, [poeta e filósofo alemão], o idealismo romântico atribui à imaginação um

alcance bem maior: “a Imaginação é a ação recíproca e a luta entre o aspecto finito e o

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aspecto infinito do Eu, ou seja, o aspecto graças ao qual o Eu impõe um limite à sua

atividade produtiva e o aspecto graças ao qual o supera e distancia. (ABBAGNANO, 1998, p.

538-9)

Assim a imaginação permite criar uma dialética entre o tempo (kronos) e a eternidade

(kairós); a realidade e o insólito, que é assumida por toda a tradição estética e literária

romântica e idealista. Hegel, que era idealista, por exemplo, faz uma distinção entre

imaginação e fantasia, embora ambas se produzam no intelecto, a primeira é mais

reprodutora; enquanto a segunda é criadora do real. Foi sobre esta concepção de fantasia

que Hegel baseou o seu conceito de gênio.

Através da imaginação, podemos ver além das coisas do aqui e agora: a carreira, ao

olharmos para o diploma; o casamento, ao vermos o véu; mas também coisas forjadas pela

propaganda, como a virilidade, quando olhamos para o cowboy fumando Malboro. Pois à

imaginação “é confiada à representação das vivências como puros objetos de contemplação,

o que constitui a própria possibilidade da fenomenologia.” (ABBAGNANO, 1998, p. 539) Daí

a sua ambiguidade, podendo servir tanto para o bem, quanto para o mal.

Devido a esta capacidade de apreensão da essência das coisas e da sua verdadeira (ou

falsa) natureza é que Husserl considera a ficção a chave da fenomenologia, a que nos

referimos em unidades anteriores.

Também na tradição literária, muitos autores valeram-se de formas originais da ficção e da

imaginação, como meio para expressar críticas há seu tempo. Numa sociedade que se

queixa da ausência de referenciais humanos básicos, e da exploração desenfreada do

imaginário pelos produtos da mídia, qual seria o lugar e valor dos clássicos contos de fada,

com seu forte apelo imaginativo? Qual o sentido de se defender a veiculação de valores

humanos universais através da linguagem universal dos contos?

Precisamente nos momentos de maior crise de valores na história da humanidade que a

literatura parece assumir um papel de expressão da cidadania e dos bons costumes, por um

lado; mas também da ideologia dominante, por outro.

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Os clássicos contos cuja autoria se deve ao imaginário coletivo, e não a alguma classe social

específica, já que existem desde antes da formação da sociedade de classe, da mesma

forma como os mitos, podem ser consideradas grandes metanarrativas acerca do homem em

busca da preservação de sentido mais amplo da vida, valendo-se da linguagem do

imaginário. E eles têm uma função muito importante na cultura.

Comparemos a função da literatura imaginativa ao que ocorre com uma pessoa, perdida em

um deserto, que se depara com uma miragem. A grande maioria das pessoas deixa-se

induzir facilmente pela suposição de que não se trata de mais do que uma alucinação, ou

seja, um mero produto do desejo e da subjetividade humana, quando, na realidade, no

sentido literal da palavra, estamos falando de um fenômeno tão físico, que é possível até

fotografar miragens.

É claro que existe a possibilidade de se tratar de um delírio, provocado por um desejo

extremo, mas essa hipótese é bastante remota, em se tratando de um ser humano normal,

com todas as suas faculdades mentais intactas. A miragem, além de motivar e dar esperança

de sobrevivência à pessoa perdida no deserto, permite-lhe obter um rumo, um norte, uma

direção para continuar a sua caminhada. O limite da relação da miragem com a realidade

está na precisão da imagem. Ela sempre vem, de alguma forma, distorcida, duplicada, ou

deslocada no espaço, parecendo muitas vezes mais próxima e acessível, do que realmente

se encontra.

Alguns estudiosos vislumbram ao menos duas “funções” para as incursões pelo mundo da

imaginação: a esperança de sentido na vida, e a consequente motivação, e a orientação ou

norteamento ou indicação do rumo certo a seguir.

Já J.R.R. Tolkien, que não se atrevia a definir os contos de fada, por serem tão misteriosos

quanto a própria linguagem, resumia as funções dos contos de fada como sendo: consolo, ou

seja, o refrigério como num oásis de uma realidade muitas vezes vasta como um deserto;

escape de uma visão medíocre da vida e das pessoas; e cura de certos traumas e doenças

mentais.

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Essa descoberta parece ter sido a que motivou

grandes autores de todos os tempos como

Cervantes, Shakespeare, Júlio Verne, Alexandre

Dumas, Goethe, Guimarães Rosa, Machado de

Assis, Malba Tahan, Monteiro Lobato entre outros. A

certa altura de suas vidas, eles parecem ter

despertado para o poder da literatura imaginativa.

Passaram então consciente ou inconscientemente a

promover a cooperação entre imaginação, razão e

realidade dos fatos e essa, por sua vez com a

formação ética e moral. Ele usava o sítio até para ensinar história, geografia, gramática e

uma série de outros conteúdos escolares, pelo que foi bastante criticado.

Como dizíamos, há coisas na vida que não podem ser expressas em conceitos abstratos ou

sistemáticos. Mas como diz o nosso Ministro da Cultura, Gilberto Gil, em sua canção

“Metáfora”, temos uma saída, que é a poesia. Pois na “lata do poeta”, “tudo nada cabe”. Por

isso mesmo é que temos que ser vigilantes sobre o que deixamos entrar na lata.

Por esse seu caráter transcendente, a poesia, entendida como Dichtung, criação ou obra

poética, portanto, é a chave para entender as relações entre a filosofia e a literatura. Uma

não vive sem a outra. Não é que todo poeta seja já um filósofo, mas voluntária ou

involuntariamente, ele “filosofa”, pelo que sua poesia se torna rico substrato para o ensino-

aprendizagem da filosofia. Não que a poesia não apele também para a razão. Mas ela o faz

de modo significativo e vivo. A razão constroi ou executa a obra; cujo sentido ou arquitetura

foi tecida pela imaginação. Assim, a colaboração de ambas vai abrindo caminho para a

verdade.

Filósofos eminentes como Jean Paul Sartre (existencialista) e Durand (pós-modernista)

defendiam que a leitura imediata da realidade natural depende mais da imaginação do que

do intelecto, da mesma forma que uma casa bem feita depende mais do engenheiro e

arquiteto, do que do peão de obra (que pode ser a mesma pessoa, é claro).

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Mesmo que muitas vezes a visão romântica e encantada entre em choque com a dura

realidade da vida, o efeito do uso da imaginação será positivo no processo de ensino-

aprendizagem, pois ela efetuará uma ampliação da compreensão do real. Pode haver

realidade mais dura do que a da Gata Borralheira, ou da Bela em A Bela e a Fera? A

diferença está no final feliz que reflete o caráter transcendente da vida, que por mais difícil

que possa parecer, tem sempre alguma beleza, glória e esperança, que Paulo Freire

chamava de “boniteza da vida”. Assim, uma das funções da imaginação é de motivar,

sensibilizar, para o belo que há além do duro da vida, que é seu lado estético, como veremos

mais adiante. A razão encarrega-se então de selecionar, ordenar e as verdades alcançadas,

mas agora, de uma forma viva, significativa e esperançosa.

Pois a realidade não pode ser tão pobre, consumista, conformista e reducionista, quanto a

indústria cultural nos quer convencer. Nem tão pouco, tão “cor de rosa”, como faz crer

principalmente nossos jovens e adolescentes.

Se concordarmos que o conhecimento humano não dá conta da totalidade do real, teremos

que lutar para manter um espaço aberto para o mistério e a incerteza na nossa postura

educacional, que podem até produzir espanto e medo, mas também o encanto e a

esperança.

Podemos nos arriscar em dizer que a aprendizagem profunda e transformadora, com a qual

o educador e o filósofo devem se comprometer exige mais criatividade e fé, do que razão.

Mas o maior argumento em favor da imaginação é que até os mais céticos não resistem a

ela.

Bem, pessoal, espero que tenham apreciado essa aula sobre tema tão crucial, tanto para a

filosofia, particularmente a ética, quanto para a educação e que resolvam tirar o pó de cima

daquele livro esquecido no fundo da sua biblioteca que você sempre quis ler. Vejo vocês na

próxima!

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UNIDADE 14

Filosofia da Mente

Objetivo: Saber mais sobre a filosofia da mente, que chamamos de “mente”, “mundo interior”, “cérebro”, “inteligência”, “cognição”, e o fascínio que exerce sobre o homo sapiens, por seus mistérios e descobertas em torno do seu funcionamento, mas também por suas limitações e vícios.

Olá minha gente,

Espero que vocês tenham lido todos os textos da unidade passada, pois esse módulo foi

criado numa sequência lógica, é claro, mas espero que não tanto, que se torne pesado.

Então, quem não leu, boiou. E agora não adianta

reclamar que “não está entendendo nada”, o que é uma

afirmação necessariamente falaciosa, a menos que você

não fale português ou que eu fale grego, ou melhor,

alemão.

Depois de termos falado da lógica como ferramenta do filosofar, da metafísica, da filosofia da

ciência e da literatura, vamos agora nos dedicar a uma parte específica da filosofia da

ciência, que parece estar tomando conta do cenário, desde, pelo menos, o séc. XVIII.

Pois é, ela remonta à dicotomia entre mente e corpo, pelo que vocês já devem ter lido na

aula dos clássicos antigos (particularmente no diálogo de Platão denominado “Filebo”), que é

uma briga de longa data.

Os partidários da mente acham que ela deve controlar o que Platão chama de “o cárcere da

alma”, o corpo. Os defensores do corpo afirmam que a mente deve dar liberdade de ação

aos instintos do corpo. Toda essa briga, acirrada pela guerra e os movimentos pacifistas dos

anos do pós - guerra era pós-freudiana aceitou com muita naturalidade a regra da “não-

repressão”.

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Essa dicotomia não se manifesta apenas no campo da ciência, em que grande parte dos

cientistas procura explicações fisiológicas e soluções bioquímicas para os problemas

psicológicos e até espirituais. Mas mesmo nessa era, muitas religiões como o budismo,

pregam a total negação do corpo, e a vida em um estado que denominam de “nirvana”, como

veremos mais adiante.

Os maiores pensadores do cristianismo, como o apóstolo Paulo, que teve a sua formação

filosófica aos pés de grandes mestres judaicos e gregos, já registraram a luta que se trava

entre corpo e mente quando diz: “Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei

de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha

mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado

homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7.22-24).

Quer chamemos de “mente”, “mundo interior”, “cérebro”, “inteligência”, “cognição”, ela

sempre fascinou o homo sapiens, por seus mistérios e descobertas em torno do seu

funcionamento, mas também por suas limitações e vícios. Estou curiosa para saber quando é

que teremos uma “filosofia do corpo”. Seria no mínimo de interesse amplo, como os escritos

mais filosóficos de Freud, que muito falava em Weltanschauung (visão de mundo), já

provaram.

O curioso, entretanto, é que quanto mais se dá vazão aos desejos e sentidos, mais a mente

e seu funcionamento entram em foco.

A partir das pesquisas de Darwin sobre a origem das espécies e sua teoria da evolução e as

subsequentes pesquisas genéticas. Hoje, em que estamos completando quase 150 anos do

lançamento do livro clássico no gênero, há quem acredite que a “origem das espécies” está

longe de ter sido “descoberta” e que existem ainda muitos mistérios em torno dela.

Muitos cientistas têm a humildade de reconhecer que, por mais explicações que possamos

encontrar explicações racionalistas e cientificistas para o surgimento da vida, a partir do

nada, o que coloco seriamente em dúvida, ninguém poderá explicar de onde surgiu o amor, a

intencionalidade e a criatividade, quiçá a própria ciência, sem um design inteligente.

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Por outro lado há os naturalistas, para os quais tudo,

inclusive a chamada “intencionalidade” e subjetividade,

pode ser reduzido às reações químicas e esquemas

genéticos. O egoísmo, um dos pecados capitais para os

cristãos, é explicado em termos fisiológicos, como sendo

decorrente de um vírus.

É claro que as descobertas da genética contribuíram e

muito para tal desenvolvimento. Pouco antes da primeira

guerra mundial, muitas dessas pesquisas redundaram em índices e escalas do que se

chamava na época de Q. I. (coeficiente de inteligência) e que davam sustento a teorias

nazistas a respeito da superioridade de certas raças sobre as demais.

Anos mais tarde, notaram-se, graças em grande parte aos antropólogos, que resolveram sair

de seus gabinetes e estudar os povos no seu “habitat natural”, que tais testes eram

totalmente enviesados linguística, ideológica e culturalmente, beneficiando em grande parte

os brancos ocidentais, e que colocavam negros, latinos e judeus em condições

automaticamente desfavoráveis.

Mais recentemente, os estudiosos da inteligência têm questionado essas formas de

mensurar a inteligência humana, ampliando o seu conceito para outros campos, menos

“naturalistas” e mensuráveis como a inteligência emocional, social, e artística. Fala-se hoje

muito em Q.E. ou coeficiente (de inteligência) emocional e até em Inteligência Multifocal. Não

citarei nomes e referências, pois até a autoria desses conceitos duvidosos do ponto de vista

científico é duvidosa nessa era de “copiadores” cibernéticos, rsrs.

Mas persistem as tentativas de simulação mecânica das funções da mente, havendo aqueles

que creem, para bem ou mal, que um dia, um simples “chip” poderá se encarregar de todas

as funções do cérebro e até mesmo, de superá-las.

E quem sabe o mundo acabasse realmente dominado pelas máquinas em um futuro não

muito distante. E essa história geralmente não tem o final feliz de um conto de fadas como o

de Pinóquio, que mostra um Gepeto “dominado” pela sua própria criação, um boneco de

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madeira, mas que para isso, teve que se transformar antes em um ser humano de verdade,

deixando de lado a dissimulação e a mentira.

Mas o que é a verdade, afinal de contas? O que, a vida? Quando ela começa? Parece que

todas as pesquisas em torno da mente insistem em apontar para essas perguntas radicais e

condicionais ou pressupostas ao avanço da tecnologia.

Assim, numa sociedade cada vez mais dominada pela tecnologia e o know how pragmatista,

ao mesmo tempo em que a palavra “inteligência” vem adquirindo um significado cada vez

mais abrangente, para além do puramente “racional”, surgem, no sentido inverso, tentativas

de aplicar à máquina as funções da chamada “inteligência artificial”.

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Temos aí, por exemplo, os chamados “farois inteligentes” e outras máquinas, que na

verdade, superam o paradigma binário, adotando o analógico.

Esse novo sistema permite às máquinas “raciocinar” de forma inversa, proporcional e mais

complexa do que no simples esquema 01010...

Quem sabe o setor que mais tenha se beneficiado com esse avanço da lógica binária para a

analógica tenha sido o das comunicações, com a introdução dos telefones celulares e o

advento da internet, que permitiu uma comunicação em rede, com abrangência global.

Mas também a genética e a medicina em geral têm tido avanços, com a substituição de

órgãos e descobertas de meios de cura, graças a experiências com células-tronco, que estão

sendo discutidas em nível governamental e jurídico.

Temos ainda as experiências com a clonagem e os transgênicos, que têm causado polêmica

ao redor do mundo, não apenas entre cientistas, mas também entre políticos e religiosos.

Ilustração 1 Fonte: Fialho (1998)

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Todos esses avanços representam desafios também para os filósofos e educadores, cuja

função mais uma vez, é a da reflexão crítica e da práxis transformadora, no sentido libertador

e não, de tirania tecnológica.

Até que ponto estamos diante da iminência de uma sociedade dominada pela ciência e pelos

autômatos? Que implicações têm a chamada “sociedade do conhecimento” ou “sociedade da

mente” para a vida humana individual e em sociedade? Estariam as utopias de autores de

ficção como Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo e George Orwell em 1984, ou mais

recentemente, filmes como Eu, robô ou Mulheres Perfeitas se tornando realidade?

Qual a legitimidade dos cientistas naturalistas, que divulgam o dualismo mente-corpo,

privilegiando a mente, no que ela possa ser simulada pela inteligência artificial? O que

exatamente acontece dentro das nossas cabeças e o quanto disso é correspondente aos

fatos? Existirá uma espécie de “mestre interior”, na concepção de Agostinho, ou de “teatro

interno”, como queria Descartes, ou ainda um Ego, Id e Superego, como Freud ou um self,

como Jung defendiam?

Como veremos nos textos de Putnam,

nada disso está claro nem para cientistas,

nem filósofos ou para os religiosos. A tese

da correlação psicofisiológica, ou seja, de

que todo estado ou função psicológica

interna corresponde a uma fisiológica

externa não faz qualquer sentido. Pois há

um comum acordo hoje de “que o

significado das palavras de uma pessoa

depende de coisas exteriores ao corpo e

ao cérebro da pessoa.”

Esse reconhecimento simples e quase

evidente, entretanto, gera uma série de

problemas, como, por exemplo, a

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problemática da fé que é tão “interna”, quanto o conhecimento e o saber racional.

Aliás, como educadora e apreciadora da teologia, tanto quanto da filosofia, ouso dizer que

não é possível construir um raciocínio com sentido e significado, se não partirmos de um

universal, de uma verdade absoluta, portanto, que tomamos por certa.

Por mais que a chamemos de apriorística, empurrando a questão para o campo da

metafísica e da religião, sem ela, estaremos literalmente construindo “castelos no ar”.

Vou dar um exemplo muito simples disso. Todos vocês já devem ter ouvido a afirmação de

que “tudo é relativo”. Acontece que a construção dessa frase é absoluta. Ora, como pode

uma frase absoluta afirmar que nada é absoluto?

Isso é uma contradição em termos, um círculo quadrado (para usar a expressão que

Heidegger usou para se referir, não a essa frase, mas à ideia de que possa haver alguma

filosofia cristã). O problema é que, se admitirmos apenas que “alguma coisa” ou “a maioria

das coisas” é relativa, não estaríamos contribuindo com grande novidade.

Assim, a briga entre os filósofos, cientistas e psicólogos sobre a mente sempre esbarra no

mesmo ponto, já discutido anteriormente: a linguagem e suas regras de comunicação. Se

analisarmos a palavra comunicação, notaremos que ela vem de comum. Isto é, se não

houvesse certas crenças comuns ao eu e ao outro, não haveria terreno comum, entre as

pessoas, capaz de gerar uma interlocução. Nem haveria meios comuns para se trocar ideias

de forma inteligível.

Muito menos, de construir civilizações e tecnologias, muito menos de arte (lembrando que

tekné para o grego significava arte, daí o artesanato, que, com a industrialização, acabou

virando artefato de linha de produção) e nem, de destruí-las.

Teríamos que ficar provando e convencendo o outro de todas as coisas o tempo todo, ad

infinitum, sem avançar em nada. Teríamos que estar constantemente “reinventando a roda”.

Se não fossem alguns absolutos inabaláveis, tais como o da vida, da justiça e do bem, nem

seria possível construir relacionamentos humanos, pois estaríamos constantemente

desconfiados das (más) intenções por trás de outro.

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Sem falar das línguas orientais, que são as mais complexas e semanticamente carregadas

de significações do planeta. Ela não é composta de letras e sílabas, mas de ideogramas.

Cada “letra” tem um significado holístico ou integral, denotando a totalidade da realidade.

Aliás, a linguagem dos ambientes de computador, com seus inúmeros ícones, funciona de

uma forma semelhante.

Mesmo se chamarmos tais absolutos de convenções, teríamos que nos perguntar

constantemente sobre a legitimidade delas. E certamente, a chamada evolução é um

argumento muito frágil para dar conta dessa legitimidade. Qual o critério para definir o mais

ou menos evoluído. A complexidade? O que é complexidade?

Não existe, como alguns filósofos pragmatistas tentam provar, um “mentalês” uma língua

exclusiva da mente, da mesma forma que não existe a telepatia, ou seja, a comunicação

direta de uma mente para a outra.

Da mesma forma em que estamos presos ao tempo e ao espaço, estamos atados a meios

para nos comunicar, locomover, avançar, aprender. Dominar tais meios é uma das maiores

artes tanto do comunicador, quanto do educador.

De acordo com o texto sobre a inteligência artificial, uma das diferenças entre a inteligência

artificial e a “natural” é que, enquanto a primeira tem uma sintaxe, ou regras puramente

gramaticais mecânicas e precisas, a segunda tem uma semântica para além da sintaxe, que

nem sempre é precisa.

Enquanto a primeira só tem uma intencionalidade atribuída (que provavelmente reflete a do

seu criador ou do grupo que a criou) a segunda tem uma intencionalidade intrínseca. A

primeira não detém algo chamado consciência e, portanto, nem responsabilidade, enquanto

a segunda tem ambos.

Como fica a filosofia do direito diante disso? Como se observa no clássico Eu, robô será que

deveremos contar com máquinas tão “inteligentes” que sejam capazes de cometer crimes no

futuro? Sim, porque se a criatura seguir o modelo humano, necessariamente será falha e

propensa às maiores maldades.

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E nesse caso, como seria o seu julgamento e punição? Então, fica aqui a minha sugestão de,

junto com os tais robôs inteligentes, criarmos também as prisões inteligentes para as

máquinas bandidas.

Pois ninguém provou até hoje que a tão indefinível inteligência seja sinônimo de eticidade,

caráter e incorruptibilidade ou infalibilidade. Sempre que uma máquina falha,

convencionamos falar em “falha humana”. Mas haverá produto da criatividade humana capaz

de refletir uma perfeição inexistente? Que outro tipo de falha pode haver numa máquina, que

não fosse humana? A diabólica? E que outro tipo de virtude? A divina?

Visto pelo ângulo inverso, alguns cientistas preveem que a nanotecnologia não apenas será

usada para introduzir minicomputadores nos nossos corpos, para destruir células

cancerígenas ou substituir glóbulos vermelhos, mas também para potencialmente introduzir

vírus mortais e exterminadores de toda a humanidade.

Quem costuma assistir documentários do National Geographic ou Discovery sabe que as

previsões mais otimistas dizem que o homem, se continuar “evoluindo” como no presente,

acabará com a humanidade em vinte e cinco anos. E os mais pessimistas, que acabarão

com toda a vida do planeta nesse mesmo espaço de tempo.

Já outros, definitiva e absolutamente otimistas, dizem que estaremos aproveitando o melhor

da tecnologia e dos robôs para podermos desfrutar do melhor que a humanidade jamais

poderia sonhar em ter. Mas o que é melhor?

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Quem disse que passar metade do dia enfiado no trânsito, enchendo as narinas de fumaça,

outra metade e meia diante do computador, sem saber muito bem o que fazer em meio ao

mar de informação e outra metade - que já nem sabe de onde tirar - desfrutando das

maravilhas de lazeres tecnológicos do mundo pós-moderno, é melhor do que passar uma

vida “naturalista”, à moda dos índios?

E a pergunta mais importante é: quem poderá desfrutar dessas maravilhas da tecnologia,

tendo em vista as disparidades sociais e tecnológicas que temos hoje? Para que servirão os

educadores e as instituições educacionais, a partir do momento em que bastar um chip

implantado no cérebro para ter acesso a milhões de informações e comunicar-se

telepaticamente com os outros?

A propósito, ouvi dizer que a mente oriental, funciona de maneira inversa à ocidental. Nos

ocidentais, o hemisfério direito é o mais “intuitivo”, “artístico” ou “emocional”, o esquerdo é o

racional. Os orientais veem tudo como num espelho.

Por quantas gerações isso perdura no caso de inculturação no mundo ocidental é outro

mistério... Mas também ouvi dizer que o mandarim será justamente a língua dos negócios do

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futuro, e que as grandes potências econômicas do mundo serão os “tigres asiáticos”. Mas

tudo isso não passa de profecias futuristas e utopia, não é mesmo? Ou alguém discorda?

Aproveite o fórum desta unidade para dar vazão ao que pensa disso tudo, principalmente a

suposta perda da interioridade e da alma humana com a excessiva automatização do mundo.

Estou curiosa...

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UNIDADE 15

Estética e Arte

“O Belo é a prova experimental

de que a encarnação é possível” (S. Weil)

Objetivo: Compreender a importância do estudo da estética e da arte no campo da Filosofia. A arte envolve muito mais do que a razão. Ela envolve o lado emocional, intuitivo e imaginativo da mente, com importantes implicações sobre o corpo. Esse último é particularmente interessante para o estudo da estética.

Olá, gente boa,

Espero que você tenha lido todos os textos da unidade anterior e chegado a uma conclusão

sua, sobre o papel que dará à filosofia na sua vida pessoal e profissional. Mas espero que

ainda não a tenha fechado, pois ainda temos muito que conhecer e discutir, que pode fazer

você mudar totalmente de ideia.

E não se preocupe, quando isso acontecer, pois a filosofia é assim mesmo: quando você

acha que resolveu uma questão, logo vem a próxima para esquentar novamente a massa

cinzenta.

“Hoje” vamos nos dedicar a um capítulo muito importante da filosofia que é a teoria da arte

ou a estética (aviso aos navegantes: não estamos falando de dietas mirabolantes ou

cirurgias linfáticas ou plásticas), da qual a literatura foi um mero aperitivo, ou quem sabe até,

o pressuposto.

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Pelo menos é isso que nos fazem supor praticamente todas as civilizações letradas de que

se tem notícia. Mas mesmo as civilizações sem língua escrita têm em seu imaginário coletivo

um rico arsenal de histórias, lendas e contos.

A forma predileta que os gregos tinham para explicar as coisas: a origem do mundo, do

homem e da vida, eram os mitos, que em geral também eram contados, ou melhor, cantados

como, hinos, em forma a um tempo poética e musical.

Alguns historiadores sustentam que Homero, um dos maiores narradores de mitos de todos

os tempos, era cego e, portanto, teve que usar de muita criatividade e arte, para dar

expressão às suas histórias e visões de mundo.

É interessante notar que poiesis equivale ao alemão Schaffung, no sentido estético, ou

criação. A palavra tem a mesma raiz que o verbo schaffen – que significa realizar algum

projeto, empreendimento, ou pôr em ação uma idéia.

Ela se caracteriza por provocar em quem a contempla uma sensação ou sentimento de

admiração ou elevação, capaz de nos elevar ao que Kant costumava chamar de sublime.

Em O papel da teoria na estética, Morris Weitz (1956) elucida a relação da literatura com a

arte em geral:

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O que se verifica no caso do romance verifica-se também, penso eu, em todos os

subconceitos de arte: "tragédia", "comédia", "pintura", "ópera", etc., e verifica-se no caso do

próprio conceito de "arte". Nenhuma questão do tipo «É X um romance, uma pintura, uma

ópera, uma obra de arte, etc.?» permite uma resposta definitiva no sentido de um sim ou um

não baseado em fatos. A resposta à questão «É esta colagem uma pintura ou não?» não

assenta num conjunto de propriedades necessárias e suficientes da pintura, mas em saber

se decidimos ou não -- como de fato o fizemos -- alargar o termo "pintura" para abranger este

caso. O próprio conceito de "arte" é um conceito aberto. Novas condições (novos casos)

surgiram e continuarão certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos

movimentos, que irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de

arte profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem

estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias e suficientes para

a correta aplicação do conceito. Com o conceito "arte", as suas condições de aplicação

nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos podem sempre

ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que exigirá uma

decisão por parte de alguém em alargar ou fechar o velho conceito ou em inventar um novo.”

E na conclusão “Compreender o papel da teoria estética não é concebê-la como uma

definição, logicamente condenada ao fracasso, mas lê-la como sumários de recomendações

feitas com seriedade atender de determinadas maneiras a certas características da arte”.

Ao invés de tentarmos conceituar o que é

inconceituável, contaremos uma história

antiga que mostra em que sentido a arte de

criar sempre foi divina.

Estava Zeus no Olimpo, num fim de semana

extremamente tedioso, quando resolveu se

destacar dos demais por uma criação

realmente inovadora. Depois de tê-la

finalizado, ele convidou os seus colegas

divinos para um pequeno happy hour.

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Enquanto serviam os drinques e salgadinhos, ele disse:

- Gostaria de pedir a vossa atenção nesse solene evento. Uma das razões para eu tê-los

convidado, que mantive em segredo até agora, foi a criação que decidi realizar nesse fim de

semana, após uma violenta inspiração.

Todos se entreolharam com ar indagador. Instantes depois, sopraram as cornetas e uma

cortina vermelha foi erguida. Foi um silêncio de espanto geral. Vários minutos depois, ouviu-

se uma rajada de palmas entusiasmadas. Até que, momentos depois, quando os ânimos se

acalmaram, um dos mais tímidos deuses levantou a mão e disse gaguejante:

- Sr. Zeus, é muito linda a sua criação. Esse “cosmo” certamente é prova contundente de sua

superioridade infinita sobre todos nós.Tenho porém a observar que ela está com defeito e

fatalmente necessitará de um “recall”.

- Que defeito é esse? – quis saber o soberano alarmado.

- É esse ser aí que você cri..criou, e...esse antropos aí, eeeestá com dededefeito – disse ele.

- Defeito? Mas que defeito, homem de Zeus? – perguntou Zeus.

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- É que ele, ele, está com a memória avariada, não está vendo? Lembra de tudo quanto é

coisa: a final do campeonato de futebol, o nome dos jogadores do time escalado, o dia que a

sogra vem visitar a filha (para arranjar uma desculpa e não estar em casa) e até da conta do

banco! Mas ele se esquece de uma coisa fundamental!

- O que é? O que é? – todos inquiriram em coro.

- Ele esquece quem ele é!

- Nossa! – disse Zeus – Isso é mesmo muito grave. Ele fatalmente vai se matar!

Depois de pensar um pouco, ele decidiu:

- Já sei o que fazer! - E saiu para reunir as mais belas e inteligentes deusas, pedindo para

que elas lhe dessem o que tinham de mais belo e virtuoso. Depois pegou essas qualidades e

criou as musas, enviando-as para a humanidade.

- Isso – disse aos deuses

novamente reunidos – irá resolver

o problema. Pois as musas se

encarregarão de inspirar uma

espécie especial de seres

humanos, chamados de poetas,

que as verão, se inspirarão e

lembrarão toda a humanidade de

quem eles são.

Foi assim que surgiu a arte, como contemplação do belo que nos faz lembrar quem nós

somos. Mas atenção!

A arte e o belo são perigosos e não existem sem uma outra coisa.

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Essa é a história de dois outros deuses: Epimeteu e Prometeu. Um pensava antes e outro,

depois.

Só sei que eles se encarregaram de distribuir dons para todos os animais da terra. Como

eles deixaram o ser humano para o final, não sobrou nada. Então o Prometeu tentou dar um

jeito no estrago, roubando o que era mais precioso do Olimpo, que é o fogo e o distribuiu

entre eles. Ora, o fogo equivale ao techné, que pode ser entendido como técnica e tecnologia

ou arte. Zeus, quando viu aquilo, entendeu que mais uma vez a humanidade corria perigo e,

além de castigar Prometeu, resolveu enviar mais uma arte para a humanidade, que é a arte

política. Mas dessa falaremos mais adiante.

O que importa reter aqui é que o estudo da arte é a estética, que envolve um lado do belo,

mas outro do bem e outro ainda, do mistério, tangendo a metafísica. Assim, a arte envolve

muito mais do que a razão. Ela envolve o lado emocional, intuitivo e imaginativo da mente,

com importantes implicações sobre o corpo. Esse último é particularmente interessante para

o estudo da estética.

A arte certamente andou dividindo filósofos e educadores. Por um lado, ela é incentivada,

particularmente nas escolas que se dizem de linha “construtivista”, pois é considerada

condição essencial para a produção de saber. Por outro lado, poucos pais ficariam contentes

em descobrir um artista nos seus filhos ou os colocariam em escolas, como as Escolas

Walldorf, que seguem a filosofia antroposófica de Rudolf Steiner.

Assim, a arte, à semelhança de tudo que é ligado à imaginação e o lúdico costuma despertar

desconfiança nos pais e educadores. Isso se deve em grande parte à persistência da

predominância do racionalismo cartesiano no pensamento ocidental, como lemos nos textos

propostos para essa unidade.

E o que é mais importante: é visível a diminuição gradativa do espaço que se concede à arte

nos dias de hoje. Particularmente no Brasil, quem escolhe seguir carreira de músico, artes

circenses ou teatro tem grandes dificuldades para encontrar mercado ou é explorado. Assim,

os brasileiros mais talentosos acabam abandonando o Brasil e ocupando os espaços aberto

para a arte no Primeiro Mundo.

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O artigo sobre a função da imaginação, escrito pelo professor britânico George MacDonald

em 1867, que estudamos na unidade sobre a literatura, parte de uma crítica aos conceitos de

educação que promovem o ócio. Pois, se educar fosse meramente tornar a vida mais fácil,

prática e pronta para ser desfrutada, o homem estaria reduzido ao animal e suas habilidades

humanas, aos instintos.

MacDonald acreditava que a imaginação não significa nada mais, do que a capacidade de

imitar a mente do criador. Como Sócrates, Aristóteles e grande parte da tradição filosófica,

particularmente do mundo ocidental, ele acreditava que a capacidade criadora humana deve-

se à sua semelhança com o poder criador divino.

Daí que ela também seja chamada de criatividade, em especial, no que se refere à criação

de imagens. A sua função é dar forma ao pensamento, não uma forma sistemática ou

abstrata, mas simbólica, usando símbolos que os sentidos sejam capazes de captar. É

evidente que entre a criação humana e a criatividade divina há uma grande distância.

Enquanto Deus chama à existência e à vida, o homem é chamado a elas. O artista nada

mais é do que um imitador de modelos pré-existentes na mente criada ou no mundo

circundante. Aristóteles chamava isso de mimese. Deus é o protótipo, nós, o reflexo.

Nesse sentido, Aristóteles é totalmente criacionista em sua Poética. A originalidade das

criações humanas se faz apenas pelas formas de imitar, e pelo nível de envolvimento de

outras habilidades humanas como a visual, auditiva, e corporal e de dimensões como do

desejo e da emoção.

Enquanto nós temos Shakespeare como modelo de criatividade e arte, esclarece

MacDonald, Ele é o criador de Shakespeare. Enquanto nós temos ideias na cabeça, Ele nos

tem a nós e toda a realidade criada em sua mente. Enquanto nós precisamos das mediações

para expressar ideias, ele imprime a sua própria natureza na criação.

E as formas de mediação disponíveis aos seres humanos para expressar estas ideias são

infinitas, embora o homem sempre tenha a impressão de haver uma forma só e que a

imaginação se esgotasse na sua própria mente ou nas formas que a mente cria.

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O homem tem a tendência de

limitar o sentido das imagens

internas à imanência e esquecer-

se do seu aspecto transcendente.

Nesse sentido, toda autêntica obra

de arte tem algo de divino, ou pelo

menos, de sublime, como o

expressaria Kant.

Na visão de George MacDonald, o que o homem também ignora muitas vezes é que este

dilema entre ser criativo, mas não chegar a ser tão criativo, quanto o seu criador, pode ser

em parte superado, precisamente pela via da imaginação: “O homem precisa acender a luz

da lâmpada que existe na forma das coisas: a sua imaginação é a luz, não é a forma. Esta

luz que incide sobre a forma torna-a imediatamente visível, tornando-se ela mesma visível

através da forma”. (tradução própria, idem).

É claro que, por mais que

tentemos estabelecer os

limites entre o que se

considera arte e o que

não, temos que admitir

que certos critérios de

gosto e de moda variam

de tempos em tempos e

de cultura para cultura.

Certamente nem tudo que vem da cultura oriental é considerado bonito por um ocidental.

Mas certamente isso o impressionará de alguma forma, fazendo-o parar para contemplá-lo e

no mínimo achará exótico. O mesmo acontece no sentido inverso.

Isso tudo te faz pensar? Isso é bom, mas não se esqueça de que a arte, da mesma forma

que a poesia e a imaginação são ambíguas escapando, portanto, às convenções e critérios

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que se usa para considerar algo bonito. Então, devemos, no mínimo, atribuir-lhe o valor

devido.

Espero que aprecie todos os textos desta unidade e até a próxima!

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UNIDADE 16

Filosofia, Psicanálise e Religião.

Objetivo: Discutir os pontos de intersecção entre a filosofia, a psicanálise, particularmente a freudiana e a junguiana, e a religião.

Olá gente boa,

Espero que estejam animados para mais uma emocionante unidade. Dessa vez discutiremos

os pontos de intersecção entre a filosofia, a psicanálise, particularmente a freudiana e a

junguiana, e a religião.

Para isso consultaremos vários livros, mas em especial um que minha criadora traduziu

recentemente, que compara C.S. Lewis, cuja vida já virou filme, Terra das Sombras,

estrelando Anthony Hopkins como ator principal, e criador das Crônicas de Nárnia, que já

viraram filme de Hollywood, e professor de crítica literária de Oxford e Cambridge, C.S. Lewis

(1898-1963).

Eles tinham em comum a morte de um dos pais na infância, um relacionamento difícil com o

pai, um passado ateu e um fascínio por temas relacionados ao desejo e à imaginação

(wishful thinking).

Embora fosse um pouco mais jovem do que Freud, Lewis é um exemplo típico da influência

ampla que esse autor teve quase que imediatamente sobre gerações inteiras e a tem até o

dia de hoje. Lewis é um dos poucos que ensaiou respostas às teorias freudianas.

Como se sabe, uma das maiores era que há no ser humano uma memória e desejo

arquetípico por um pai carrasco, que, por ter negado relações sexuais de qualquer um de

seus filhos da tribo com qualquer mulher e acabou sendo morto pelos próprios filhos.

Para Freud, o que chamamos de Deus não passa desse espaço vazio na memória, que nada

mais é do que a projeção de um desejo reprimido de reparação e felicidade.

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Em princípio, Lewis não tinha nada contra a

psicologia ou psicanálise, usada como um

instrumento, desde que ela não quisesse se

impor como visão de mundo, como o texto de

Timpanaro elucida. É importante ainda atentar

para algumas distinções. Pois há uma grande

diferença entre a fantasia no sentido filosófico,

no sentido psicológico e no religioso.

No sentido psicológico há três concepções de fantasia:

Algo que resulta da ilusão, que a pessoa confunde com a realidade, mas que é causado

por um desejo reprimido.

Um ideal ou ilusão “consciente”, ou seja, de quem “sonha” com algo, mas que sabe que

dificilmente alcançará em plenitude sozinho ou em vida. A pessoa se deixa seduzir

voluntariamente pela imagem da coisa desejada e com uma possibilidade remota de

alcançá-la. Trata-se de uma atitude egoísta, que busca a autosatisfação, mais do que

uma maior compreensão da realidade, via imaginação. Chamamos essas pessoas de

visionários ou idealistas.

Algo que está presente nas atividades imaginativas despretensiosas, com a única

finalidade do prazer em usar a imaginação. As crianças costumam ter mais gosto pela

literatura fantástica, pois ainda se encontram menos contaminadas pelo racionalismo

adulto. Elas conseguem interpretar o realismo de sentido que há nas histórias e

normalmente não têm medo de encontrar o Lobo Mau no armário ou debaixo da cama.

Muitas vezes as crianças alcançam maior profundidade em suas incursões pelo mundo da

imaginação, usualmente quando estão em grupo. Elas são capazes de vivenciar o faz-de-

conta com grande realismo, sem, no entanto, confundi-lo com o real. Mas quando este

estágio é atingido, acionou-se algo mais do que mero devaneio: o que está se procedendo

agora é um constructo, uma invenção, em uma palavra, ficção (Lewis, C.S., 1996, 52-53).

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Esta concepção de fantasia como “canteiro de obras” é sem dúvida muito semelhante ao de

Piaget, mas é certamente mais abrangente, pois traz no seu bojo, não apenas uma

concepção da psique humana e uma teoria do desenvolvimento cognitivo, mas também uma

concepção de natureza e da existência humana. Por outro lado, este tipo de fantasia não foi

“feita para crianças” como muitos adultocêntricos acreditam.

... a associação entre fantasia (incluindo os Märchen [contos de fada]) e a infância, a crença

de que as crianças são os leitores mais adequados para este tipo de obra, ou que seja a

leitura mais apropriada para crianças é uma concepção moderna e local. A maioria das

grandes fantasias e contos de fada jamais foram escritas para crianças. O professor Tolkien

descreveu o estado real do caso ( Idem, 70).

Depois Lewis explica como os contos de fada simplesmente ficaram “fora de moda” entre os

adultos, devido principalmente ao racionalismo e ceticismo e por isso foram parar nas

creches e setores de literatura infantil das livrarias e bibliotecas. O fato é que eles não têm

nada de “infantil” e requerem muita maturidade para serem devidamente lidos e apreciados.

Os contos realmente fantásticos têm esta característica de concretizar os níveis mais

profundos da realidade que normalmente não são imediatamente visíveis, em outros

mundos. Para se evitar as distorções que a tendência totalitária da perspectiva psicanalista

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pode ocasionar, é necessário distinguir-se ainda outros conceitos fundamentais o da culpa e

da imaginação:

A imaginação tem duas formas de atuação, uma livre, e a outra

escravizada aos desejos do proprietário para quem ela tem que

providenciar gratificações imaginativas. Ambos podem ser pontos de

partida para obras de arte. A primeira forma de atuação, a ‘livre’

continua nas obras que produz e passa do estágio de sonho para o de

arte, por um processo que poderia ser legitimamente chamado de

‘elaboração’: trata-se de um poder de motivação que dá início à

atividade e que retrocede, assim que a máquina se põe em movimento, ou uma armação que

é retirada quando o prédio está pronto. (Lewis, apud Hooper, Walter, 1996, p. 565)

Já no sentido da moral, a psicanálise promove princípios semelhantes aos das religiões mais

comuns, tendo o mesmo objetivo de levantar as causas dos problemas de consciência do ser

humano. Com a diferença, talvez, de a psicanálise ser mais “tolerante”, do que a religião e

essa última propor não apenas uma explicação, mas também uma solução para esses

dilemas.

Enquanto a psicanálise se preocupa em oferecer matéria-prima para as escolhas do homem,

o cristianismo se preocupa com as escolhas em si mesmas em termos de acerto ou erro.

Quando uma pessoa faz uma escolha moral, há dois elementos envolvidos nessa decisão.

Um é o próprio ato de escolher; o outro são os diversos sentimentos, impulsos, emoções,

etc. que o “equipamento” psicológico dessa pessoa põe em jogo simultaneamente, e que

constituem por assim dizer a “matéria-prima”... Por mais que melhoremos a matéria-prima

das decisões humanas, sempre haverá um “algo mais”: a autêntica decisão livre – baseada

na nossa matéria-prima – entre pormos a nossa própria vantagem em primeiro lugar ou em

último. E esta decisão livre é a única coisa que diz respeito à moral. Um material psicológico

ruim não é pecado, mas doença. Não precisa de arrependimento, mas de cura (LEWIS, C.S.,

1997, 95-96.).

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Para o cristão, por exemplo, como é o caso de Lewis, mais do que a matéria-prima, o que

importa é o uso bom ou mal que fazemos dela. Não importa, se estamos falando do

comportamento sexual, social, profissional. A visão complexa e não dualista do bem e do mal

que Lewis revela aponta para toda uma ética da imaginação:

Não é tanto a grandeza ou a pequenez do ato externo o que realmente conta... Lembremo-

nos de que, como vimos acima, o caminho certo não conduz somente à paz, mas também ao

conhecimento. Quando uma pessoa vai melhorando, compreende com clareza crescente o

mal que continua a existir nela; em contrapartida, quando piora, apercebe-se cada vez

menos da sua maldade. Um homem moderadamente mau tem consciência de que não é lá

muito bom; um homem inteiramente mau considera-se um bom sujeito...Só podemos nos dar

conta da embriaguez enquanto ainda estamos sóbrios, não quando estamos bêbados. Da

mesma forma, as pessoas boas, além do bem, conhecem igualmente o mal, ao passo que as

más não conseguem discernir nem o bem, nem o mal (Idem, 99).

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Normalmente os psicanalistas subestimam a profundidade e complexidade do nosso

subconsciente, além de transformarem os seus pacientes em meros “casos interessantes”

pelo resto da vida. Para Lewis, Freud colocou um problema ilusório, que na verdade, pode

ser resolvido pela simples obediência à Moral Cristã.

A psicanálise, se prescindir da visão de mundo cristã, pode se tornar um substituto, pois, em

última instância, ela pretende fazer o mesmo que o cristianismo: “curar” o homem. Neste

sentido, ela até diz coisas que são bíblicas.

A crítica que Lewis faz frequentemente é que os analistas costumam dar tratamento clínico a

tudo, como se tudo fossem “doenças” e ninguém tivesse culpa real. Tanto que a palavra

pecado, tornou-se proibitiva na era pós-freudiana. Daí que enquanto a psicanálise

permanecer uma ciência (coisa questionada até os dias de hoje) e não tiver pretensões de

interpretação total, religiosa do mundo, Lewis não tem nada contra ela.

Outro conceito importante é o de self. Enquanto Freud tem uma visão unilateral, Lewis diz

que existem dois tipos de self: eu e mim. Trata-se de uma questão de intensidade. O mim

está mais interessado em alcançar o seu interesse, enquanto o eu quer fazer o outro feliz, o

que não exclui o amor por si mesmo. Pelo contrário, ninguém poderia amar ao próximo, se

odiasse a si mesmo. Paradoxalmente, porém, só conseguimos amar a nós mesmos, quando

“matamos” o nosso self.

Enquanto o mim é egoísta e centrado nos seus interesses, o eu está focado no processo de

auto-realização. Ele envolve sempre certa abnegação ou certa renúncia. Mas é melhor a

pessoa egoísta, consciente disso, do que o ascético total, que se considera um santo. Pois,

há duas forma de amor do self, uma egoísta, e outra, consciente de que necessitamos do

outro para encontrarmos o caminho da realização. A busca distorcida pelo self acaba no

egocentrismo e a certa, no ágape, que é o amor que sabe se sacrificar.

O ascetismo equivocado atormenta o self, o tipo adequado é o antídoto do egoísmo. Temos

que morrer diariamente: mas é melhor amar o self do que não amar nada, e ter

autocomiseração, do que não ter comiseração de nada (Lewis, C. S., 1996, 195).

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No entender de Dalfonzo (on line, 2002), um dos aspectos que distinguem Lewis de Freud é

o conceito de amor. Enquanto Freud tem uma acepção única, reduzida aos impulsos

sexuais, Lewis distingue quatro tipos de amor:

Como se sabe “Freud acreditava que o ‘amor sucal’ (genital) é o protótipo de toda a

felicidade... os impulsos sexuais são referidos como incluindo todos aqueles impulsos

meramente afetivos e amigáveis, a que costumamos dar o nome extremamente ambíguo de

‘amor’. Entre outras coisas, esta definição implica que o amor está, em última instância,

baseado na busca do prazer – uma questão de satisfazer o self. Talvez não seja tão

estranho que Freud se sentisse tão abandonado nos seus relacionamentos pessoais e

íntimos.

O que espero ter ficado claro, meus queridos alunos, é que a filosofia se vale muito da

psicanálise, particularmente de Freud e da psicologia em geral, que já foi uma disciplina

subordinada a ela, pelas descobertas que ela tem feito quanto ao funcionamento da mente,

sem a qual ninguém filosofa.

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Por outro lado, quando trata de desejos profundos, como aquele pela existência de Deus, a

psicanálise não tem como evitar o diálogo com a religião e é preciso que esse diálogo seja

igualmente “filosófico”, a não ser que ambos os lados cheguem a embates igualmente

dogmáticos e praticamente insolúveis.

Vivemos, hoje, um mundo pluralista, onde predomina o discurso inclusivista e igualitário. Ora,

mas se não houvesse o diferente, não haveria o igual. A luta contra a unidade e promoção

única do pluralismo traz a dissolução e o totalitarismo.

Não é o argumento contra o perigo de dogmatismo que impedirá jamais que as pessoas e

nem mesmo os cientistas ou ateus, tenham expressem a sua fé, não importa, em quê. Esse

é um direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como a

Constituição brasileira.

Agora, achar que é tarefa da filosofia impedir a fé de ter dogmas ou assertivas é a mesma

coisa que achar que a filosofia pluralista impedirá que a ciência deixe de ter seus enunciados

com pretensões de verdade ou de o totalitarismo religioso ou político tomar conta de certos

países. Ora isso não é dar poderes à própria filosofia, a ciência ou (pior) a política de estar

acima do perigo do fundamentalismo?

Todo dogmatismo, totalitarismo, fundamentalismo e até terrorismo tem uma filosofia. Seriam

estas pseudofilosofias? Como, nesse caso, a filosofia verdadeira pretenderia combatê-las?

Então, voltamos à estaca zero: filosofia, cosmovisão, dogma religioso ou credo político: será

que dá na mesma?

Ao contrário do que pensa ainda a grande maioria dos cientistas e acadêmicos,

particularmente no Brasil, como tão bem elucida o então diretor da Faculdade de Filosofia da

UFSC, razão e fé só podem ser distintas para “fins didáticos”, não na realidade dos fatos.

Da mesma forma como não podemos distinguir os princípios da ética (a poiesis para

Aristóteles) e conduta humana e a política (ou educação ou práxis em Aristóteles), a menos

que queiramos entrar num processo dificilmente reversivo de degradação e corrupção da

sociedade.

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Nenhum conhecimento existe sem pontos de partida absolutos, muito menos fundamentos,

mesmo que provisórios. E um dos pressupostos inabaláveis não ditos, dos quais o professor

parece partir nesse pequeno esterço de Chesterton é que toda a qualquer fé tem que ter

dogmas, não é fé. A nosso ver, existe uma pequena diferença entre ter dogmas claros, e

refutáveis, e ser dogmático no sentido de um fundamentalismo desprovido de crítica e rigor

racional.

Num país que se gaba por ser democrático e tolerante com todas as crenças e religiões

minhas experiências nesse campo sempre têm sido desastrosas, pois não tenho medo,

muito menos vergonha de assumir a minha postura religiosa, mesmo correndo sério risco de

somente por isso ser chamada de dogmática e ser reprovado em muitos meios acadêmicos

por nenhum outro motivo que não o religioso.

E vejo acontecer o mesmo com colegas que professam outras religiões... Pergunta-se: que

espécie de democracia e pluralismo ou tolerância religiosos são esses? Agora, você pode

ser de outra opinião e estou curioso para conhecê-la.

Leia atentamente os textos da aula de hoje e façam os testes para você mesmo conferir o

que assimilou até aqui. Vemo-nos na próxima unidade!

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UNIDADE 17

Filosofia Política

Objetivo: Compreender o verdadeiro significado da palavra político Ela vem do grego polis, que nada mais quer dizer do que “cidade”. Então, o político é simplesmente o habitante da cidade, ou o “cidadão”. Portanto, políticos somos todos nós.

Minha gente!

Sejam muito bem vindos a mais uma emocionante e eletrizante aula.

Infelizmente muita gente diz que não gosta de falar do assunto dessa aula, pela flagrante

corrupção presente no setor, particularmente no Brasil. Temos até piadas sobre os que

chamamos de “políticos”, a quem costumamos dar a culpa a 99 % das coisas negativas que

acontecem na sociedade, não é mesmo? E isso é muito cômodo, não é verdade?

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Mas vocês vão pensar diferente quando atentarem para a origem da palavra “política”. Ela

vem do grego polis, que nada mais quer dizer do que “cidade”. Então, o político é

simplesmente o habitante da cidade, ou o “cidadão”. Portanto, políticos somos todos nós.

Mas também são as coisas que compõe a cidade: a propriedade, as instituições e suas leis e

ações, como lemos no texto de Chauí. Para o homem grego, a política era nada mais, nada

menos do que o espaço do debate e da reflexão públicas. Não se tratava na época do

domínio e exercício de um conjunto de técnicas e de poderes burocráticos, mas de um modo

de ser no mundo e que abrangia todos, a não ser escravos, estrangeiros e mulheres, não

considerados cidadãos.

A polis, para o cidadão grego, era praticamente o que é o Reino de Deus para o cristão,

desde os primórdios do cristianismo, ou de reino de Davi (Terra Santa) para os judeus.

Desconfio que a consciência disso também tenha inspirado Agostinho a escrever o seu

famoso Cidade de Deus.

Daí que para Sócrates o político ideal fosse o filósofo, ideia essa concretizada por Platão no

mito da caverna e realizada, em parte, por Aristóteles, que foi mestre de Alexandre, filho do

imperador Felipe. Foi nessa época aparentemente que ele desenvolveu seu pensamento

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político. Em suma, a política seria a contraparte coletiva da ética, cujo objetivo é a busca da

felicidade individual.

Acontece que hoje em dia estamos muito longe dessa visão holística e filosófica da política,

que se reduziram os jargões e lugares-comuns, resumidos na ideia básica de que “todo

político é corrupto e ladrão”.

A expressão “sociedade civil” cunhado pelos filósofos humanistas, particularmente Hobbes,

Locke e Rousseau, embora já esboçado pelos antigos, é tipicamente moderno, como tão

bem percebido pela filósofa alemã, Hannah Arendt, que foi aluna de Heidegger, Husserl e

Jaspers. Para ela, a marca da modernidade é a substituição do espaço público pelo social,

enquanto o político ficou suspenso, reservado a uma corporação chamada de “políticos”.

Ela inicia um dos seus clássicos, A Condição Humana, com uma indagação sobre o papel do

conhecimento na modernidade, cuja tendência é concentrar-se na racionalidade subjetiva, a

soberania das classes dominantes, através da imposição da sua ideologia, e seu divórcio do

pensamento reflexivo, dominado pela tecnocracia. Assim, ela começa com a filosofia política,

para acabar no campo da antropologia filosófica, discutindo o conceito mais amplo da

condição humana.

No lugar do conceito de exploração, de Marx, entretanto, Arendt sugere o de ação humana

como condição de pluralidade e relação dialógica pela qual o indivíduo desenvolve a sua

verdadeira identidade na esfera pública. Com isso, ela também resgata o conceito de

responsabilidade do indivíduo pelo que ocorre no mundo circundante, que não se explica

exclusivamente com base na luta de classes.

Ao ver de Arendt, o racionalismo é um grande equívoco da humanidade que está na raiz de

todo tipo de totalitarismo (fenômeno que se tornou central na sua obra, Origens do

Totalitarismo, Entre o Passado e o Futuro), irresponsabilidade e indiferença com as coisas,

particularmente com a política, que podemos observar até hoje nas sociedades.

Essa experiência de pensamento, longe de ser reduzida à razão, envolve também o âmbito

espiritual, já que se trata de uma experiência imaterial. Como a política é a experiência da

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felicidade coletiva e essa só pode ser atingida pela virtude, ela também é o instrumento por

excelência do bem na sociedade. E como o mal, para o grego, se encontra na limitação, o

papel do político é precisamente o de impor limites.

O caráter imaterial do pensamento traz à tona a importância da metáfora para exprimir o

“inexprimível” da realidade, por assim dizer, e o predomínio do mundo das aparências, sobre

o empiricamente observável.

Daí a importância da linguagem e particularmente da linguagem poética, que fez Arendt

afirmar que a filosofia teve que frequentar a escola de Homero, pois, segundo Heidegger, a

poesia é “vizinha” do pensamento. Assim a condição humana é marcada por uma dupla

abertura: para o mundo e para a transcendência.

No sentido político, todas as formas de totalitarismo têm em comum a negação da liberdade

e abertura para o transcendente, enquanto a política sensata abre espaços para a verdadeira

experiência de ser-desse-mundo, de maneira responsável.

Nesse sentido, ela tem um papel importantíssimo e valioso, sendo ao mesmo tempo bastante

perigosa, precisamente quando estimula a capacidade de interpretação ou quando essa

ultrapassa os limites estabelecidos. Assim, a literatura representa um convide à

reconsideração sobre o que estamos fazendo, principalmente no campo da ética e da

política. Não é para menos que todas as ditaturas se preocupam com a censura e controle

do que se cria e apresenta no campo da literatura e da arte ou cultura em geral.

Se olharmos pela perspectiva do cristianismo, que deu continuidade à cultura greco-judaica e

romana, vemos que a filosofia da igreja primitiva – aquela primeira que se formou após a

morte de Cristo e que foi ferozmente perseguida pelos imperadores romanos - sempre foi

“comunista”, ou seja, composta de vida em comunidade, sem acepção de pessoas. E ela

sempre teve um livro em seu centro como fundamento: a Bíblia.

Seus membros compartilhavam absolutamente tudo muito antes de Marx sequer ter nascido.

Todas as pessoas são eternas, diz C.S. Lewis, ninguém é medíocre, pois todos os seres

humanos são criaturas de Deus, portanto eu não posso tratar ninguém como se fosse igual a

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todo mundo. Por outro lado quando eu trato a desigualdade da pessoa como ela deve ser

tratada, quando eu valorizo o que a pessoa tem de mais próprio, mais tipicamente dela, aí é

que estarei trabalhando em prol da igualdade.

Quando eu reconheço o outro como infinitamente outro é que posso tratá-lo como igual.

Mesmo entre homens livres e iguais esse princípio precisa ser mantido, pois não é possível

que todos mandem ao mesmo tempo, mas devem revezar-se segundo outra cronologia ou

critério. O importante é que eles sejam legítimos e justos.

Infelizmente essa filosofia foi sucumbindo, de modo que o que se diz “cristão” hoje em dia

esteja muito mais associado a uma filosofia liberal e neoliberal, do que a uma filosofia

comunista.

Essa filosofia comunista era absoluta novidade para os gregos, que acreditavam no que

Aristóteles dizia sobre a igualdade e desigualdade entre os homens:

Efetivamente, todos os homens se apegam à justiça, mas só avançam até certo ponto

e não dizem qual é o princípio de justiça absoluta em seu todo. Pensa-se, por

exemplo, que a justiça é igualdade – e de fato é, embora não o seja para todos, mas

somente para aqueles que são iguais entre si; também se pensa que a desigualdade

pode ser justa, e de fato pode, embora não para todos, mas somente para aqueles

que são desiguais entre si. (Aristóteles, Política, 92)

Em outra parte, ele apresenta um raciocínio ainda mais contundente: “uma vez que pessoas

iguais em uma só qualidade não devem ser consideradas iguais em todas, nem as desiguais

a respeito de uma só qualidade devam ser consideradas desiguais em todas, segue-se que

todas as formas de constituição fundamentadas numa igualdade ou desigualdade

generalizadas são desvios da constituição ideal.” (Idem, 102)

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Parece complexo

demais? A sociedade

grega era assim. Uns

eram considerados

“mais iguais” do que

os outros, os

chamados

aristocratas.

Pois bem, em resumo

o que ele diz é que

existe uma igualdade

por princípio, mas essa igualdade por princípio não anula certas desigualdades, e mais, se

eu anular essas desigualdades menores, acabarei pondo a própria igualdade em risco. Por

exemplo: como posso me identificar com uma pessoa que é igual a mim em tudo? Seria

como me confundir com ela e não me identificar.

Assim, resumidamente, desde Aristóteles, há um consenso sobre os três regimes políticos

existentes (monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas

(tirania, oligarquia, demagogia/anarquia). Nenhum governo usurpado pode ser legítimo ou

justo para ele. Para ser legítimo, ele

deve ser reconhecido ou conquistado.

Vamos ver o que diz um jornalista que

era um grande defensor da visão cristã

do mundo, G. K. Chesterton (2007):

Todos os direitos constantes da

declaração da independência dos

Estados Unidos da América

fundamentam-se no fato de que Deus

criou todos os homens iguais e isso é

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correto, pois se eles não tivessem sido criados iguais, certamente teriam se desenvolvido de

forma desigual, nunca se terá base suficiente para defender a democracia, a não ser através

da doutrina acerca da origem divina do homem.

Bem, essa afirmação é um tanto complicada nos dias de hoje, pois como ficam as teorias

evolucionistas nessa história? Então esse jornalista, declaradamente cristão foi bem ousado,

quando disse que ou você acredita em uma origem eterna, transcendente do ser humano, ou

sua busca pela igualdade está furada.

Mas não só é verdade que há crenças fundamentais que unem os homens, como é certo que

desde que uma diferença nela seja bem definida essa mesma diferença também pode uni-

los, uma fronteira ao mesmo

tempo em que separa, possibilita

a união e cooperação. “Com o

céu limpo", diz Chesterton, “os

homens podem caminhar pela

beirada do abismo; com nevoeiro

os homens afastar-se-ão da

ravina que os separa, ou seja,

acontece o mesmo com a religião

[e a política], ela pode unir as

pessoas, pode fazê-las se

valorizarem como iguais, mas

também pode separar. O limite é

tênue.”.

Polêmico, não? Ou será tão evidente, que fica difícil de engolir? Nesta unidade você terá

muita chance para o debate, tanto no fórum, quanto no exercício dissertativo. Mãos à obra e

até a próxima!

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UNIDADE 18

Filosofia da Educação

Minha gente,

Chegamos a um dos pontos altos da nossa caminhada, pois a educação é um dos mais

importantes capítulos da filosofia e da política a começar pelas questões que dizem respeito

à educação familiar. A experiência comprova que, se eu fizesse uma enquete, grande parte

de vocês concordaria que o principal papel do educador, em especial o da escola, tem por

incumbência “transmitir”, “passar”, “veicular” ou até “transportar” conteúdos para o aluno,

como se fosse um arquivo de computador a ser enviado como ondas de rádio, nas quais o

aluno tem que se sintonizar.

Costumo dizer aos meus alunos e alunas que quem passa alguma coisa lá em casa sou eu,

e são roupas, não conhecimentos. Será que o ensino e aprendizagem acontecem como a

transmissão de ondas magnéticas ou de arquivos via e-mail, de forma mecânica e de mão

única? Tais imagens e metáforas, muito recorrentes no nosso cotidiano mostram a força de

duas escolas, que predominam na prática de sala de aula, que é a do ensino tradicional, com

roupagem tecnicista, que vem combinado ao discurso, mais do que prática construtivista.

Usualmente ele só em tese, pois tudo muda a partir do momento em que o professor fecha a

porta da sala de aula, passando a ser o “dono” da palavra.

Mas antes de entrarmos nos detalhes dos pensadores e escolas educacionais que aí estão

que você pode conferir no arquivo “Tendências Pedagógicas” e no livro Educação e

Democracia, de Demerval Saviani, faz-se necessário primeiro uma pequena “escavação” das

palavras envolvidas, cuja importância conhecemos nas aulas de filosofia da linguagem e

filosofia analítica.

A palavra educação remonta ao conceito de paidéia, embora já tivesse perdido grande parte

desse significado no mundo ocidental. Ela foi cunhada pelos gregos, embora haja indícios de

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ideia equivalente na Bíblia e, portanto, na cultura judaico-cristã. O alemão Werner Jaeger,

por exemplo, dedicou uma obra considerável e bastante conhecida (Paidéia – Ed. Martins

Fontes) ao tema que já havia sido resgatado anteriormente pela Idade Média.

Afirma ele, que a palavra é tão ampla e complexa, que não possui equivalente nas línguas

ocidentais. Trata-se um conceito ainda não fragmentado de educação, no sentido

transcendente e holístico de Bildung ou formação humana. Ela envolve não só a dimensão

intelectual e de informação, mas também a artística ou estética e imaginativa, a emocional, a

física, a político-ideológica, a espiritual, enfim, o ser humano na sua integralidade. Na

concepção dos gregos, tratava-se do “ideal coletivo de homem”, ou seja, o máximo que o

cidadão poderia ser para o bem da “venerada” e “cultuada” polis ou cidade.

Assim a palavra está muito ligada também à

“cultura” no sentido bem amplo e geral. Daí que

uma filosofia da educação autêntica seja, ao

mesmo tempo, uma antropologia filosófica.

Tal concepção antiga expressa-se através de um

currículo ou programa das já mencionadas “artes

liberais”, concebido na antiguidade e

reaproveitado até a Reforma, que era

extremamente holístico. O falando do trivium

(gramática, retórica, dialética) e do quadrivium

(aritmética, geometria, astronomia, música), do

qual já falamos anteriormente, quando

discutíamos na educação na Antiguidade e Idade

Média.

Esse currículo interdisciplinar dispensava qualquer “livro didático”, uma vez que os gregos já

dispunham de uma rica mitologia ou de contos imaginativos de poetas como Homero e

Hesíodo, da mesma forma como os judeus possuíam o Antigo Testamento e suas histórias.

Quem é que não fica fascinado com essas histórias? Quem precisa de mais alguma coisa

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para aprender o que tem que ser aprendido? Tanto que temos versões das mesmas até os

dias de hoje. Dessa forma, a educação assume um papel político, pelo simples fato de

privilegiar alguns conteúdos, que correm pelo rio da educação e não a outros, que ficam por

assim dizer, na “margem”, menos propenso a ser distorcido pelos interesses ideológicos,

sejam eles tradicionais, neoliberais idealistas (escola nova – otimismo pedagógico) ou até de

“progressistas”, para servir ao interesse da sociedade em geral, mas sem ao mesmo tempo

pretender “neutralidade”. Sem querer mudar o mundo, como Saviani destaca em sua teoria

de curvatura da vara de Lênin, Guattarri, com sua “Revolução Molecular” e Paulo Freire, com

suas várias “pedagogias” (“do oprimindo”, “da autonomia”, “da esperança”), mas

principalmente com a Pedagogia dos Sonhos Possíveis, onde é enfático em insistir que “a

educação não pode tudo, mas pode alguma coisa.” A proposta de Antônio Gramsci de

educador como “intelectual orgânico”, que muito inspiraram Saviani em sua teoria crítico-

social dos conteúdos, também pode ser acrescido a essa linha.

Outra raiz menos remota da palavra

“educação”, do latim educatione, quer dizer

aperfeiçoamento, polidez, cortesia,

instrução ou ensino. Ela está intimamente

relacionada à edu-cere, literalmente

“colocar para fora o ser”. Significa ainda

desenvolver habilidades e competências

físicas, intelectuais e morais. A palavra

pode ser sinônima também de instruir,

doutrinar, ambientar, ou então, pode

equivaler à habilidade do autodidata, de adquirir dotes intelectuais, de instruir-se ou de

educar-se a si mesmo.

Temos ainda o sentido negativo de “domesticar” ou “doutrinar”.

Nesse sentido, a educação se aproxima de outra palavra, a didática, que vem do grego

didaktiké e significa a arte, ciência ou modo prático de ensinar. A didática viria a se tornar

uma das principais disciplinas do campo “científico”, inaugurado na era moderna,

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denominado Pedagogia. Lembramos que pedagogo era na sociedade grega o escravo que

“conduzia” a crianças para a escola e assim, para o saber. Enquanto a didática se encontra

bem no cerne da pedagogia, a educação necessariamente a transcende, já que não se deixa

reduzir a limites metodológicos rígidos. Ela simplesmente acontece, envolvendo vocação,

motivação e coração para além da técnica, aproximando-se, por esse aspecto, da arte e da

filosofia.

Assim, idealmente, a educação envolve uma responsabilidade ou compromisso e uma

vocação intencional e realizada com excelência, por todas as instituições sociais,

particularmente a família, mas também a igreja e a organização ou instituições em geral, que

concorrem para a formação da pessoa humana. Nada como a consulta a outras línguas para

entendermos a distinção entre didática e educação.

Infelizmente hoje, grande parte desse sentido ideal, perdeu-se e as instituições acabam

adotando o que chamamos de “Currículo oculto”, ou seja, um conteúdo ideológico, para além

do explícito, que se pauta ainda pela fragmentação (seriação) e pela linearidade. Como

pudemos ver então, as palavras educação e didática têm hoje ramificações de sentidos

variados, assumindo, inclusive, sentidos pejorativos de pedantismo e enciclopedismo, que

põe em dúvida o seu valor moral. Portanto, o sentido mais remoto do ser didático na maioria

das línguas é também o mais utilizado, qual seja o de ser “chato” ou excessivamente

“sistemático”.

Na verdade, a "didática“ está em íntima relação com o substantivo feminino grego didaché,

que quer dizer "magistério“. Até bem pouco tempo atrás, os cursos de formação de

professores levavam esse nome, sendo substituídas mias tarde pelos cursos de ensino

Normal Superior. Já na Roma antiga, a palavra para crianças, didicoi, também podia ser

aplicada a jovens delinquentes.

Surge daí outra grande questão: como teria se dado esta passagem do sentido da “arte ou

ciência” para o do “ensinamento da doutrina”; do “manual de instruções” para apoiar a

formação de pessoas carentes de formação, de maneira cada vez mais individualista e

fragmentária que temos hoje?

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Supõe-se que essa perda de significado pode estar por trás de boa parte da ambiguidade e

falta de positividade da didática: por um lado, ela envolve vocação, paixão, criatividade de

artista e por outro, ela aponta para caminhos ou métodos claros e objetivos para corrigir e

disciplinar a ovelha que anda fora do aprisco.

Além dessa polaridade entre a criação e a condução por vias de acesso mais ou menos

seguras a um destino pretendido ou intencional, um dos maiores clássicos da educação,

Israel Scheffler (1974).1, aponta para outra polaridade envolvida no conceito: a da

conservação ou da tradição, por um lado, e da transformação, por outro.

A pluralidade e ambiguidade dos conceitos

do campo educacional em geral são para

ele nada mais do que reflexo da

complexidade própria do seu “objeto” de

estudo, o ser humano. Longe de nos fazer

desanimar, entretanto, ela nos convida ao

diálogo, ao exercício da reflexão crítica e

da tolerância.

Quanto mais complexo o objeto, mais

importante é a promoção de uma

linguagem simples e comunicativa para

veiculá-lo. Daí a importância da busca de

ilustrações e metáforas alternativas para

os diferentes conceitos relacionados à

educação, adotados por educadores

europeus como A. Nóvoa e Scheffler.

“Ensinar”, por exemplo, pode ser

comparado a escrever uma carta. Ninguém

sabe se a carta foi “boa” enquanto não tiver uma resposta positiva. Trata-se assim de uma

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tentativa e esforço que exige uma resposta positiva: o aprendizado. O ato de ensinar, que

envolve continuidade, depende intrinsecamente assim, de feedbacks constantes entre

professor e aluno; aluno e aluno, e de todos os demais envolvidos.

Como Rubem Alves gosta de usar, ensinar pode ainda ser comparado com o cozinhar, ou

seja, uma ação que envolve arte e técnica a um só tempo. Finalmente, o educador também

pode ser comparado ao médico, pois envolve não apenas um diagnóstico prévio, mas

também a colaboração do paciente na ministração da medicação adequada para a volta à

saúde.

Da mesma forma que no ato de cozinhar e cuidar da saúde dos outros o ato de ensinar só

não é suficiente para completar ou ocasionar o aprendizado. Para o ensino ter sido “real”, é

preciso que se tenha alcançado a mudança de comportamento almejada, sob certas

condições. É preciso, usando termos de Paulo Freire, que seja transformador e libertador.

Para a cozinheira ou mestre-cuca, isso normalmente se expressa em palavras e

exclamações de prazer daqueles que provam a comida.

Também está embutido na ideia do ensino o

fator tempo. Ninguém duvida que seja

fundamental para um professor levar em conta

esse elemento para o sucesso de todo o

processo de aprendizado. Daí a importância, na

didática, da sequência e duração de cada fase

do método empregado. Além dos grandes

pensadores clássicos da filosofia, que se

preocuparam de forma mais ou menos intensa

pela educação, temos os clássicos dedicados a

essa área específica. Poucos tentaram

sistematizar uma proposta de maneira tão completa como João Amos Comênio, criador do

primeiro livro didático e também da primeira proposta metodológica educacional e da filosofia

educacional que chamava de Pansofia.

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O que temos depois são escolas, que agregaram a pedagogia às descobertas das ciências

naturais e humanas, como dimensão a ser considerada. Elas podem ser classificadas em

várias tendências pedagógicas, sendo que ninguém as segue exclusiva ou completamente

(veja novamente o quadro-resumo nos textos complementares). Qualquer classificação

rígida nessa área seria danosa, devido a sua não possibilidade de delimitação clara.

A grande questão para o educador agora, diante desse pluralismo é: qual é a minha

alternativa? Tenho que tratar meus alunos como iguais. São as chamadas “políticas

afirmativas” articulando-se às propostas educacionais.

Com isso, os professores precisam manter-se atualizados tratar de novos assuntos, como os

“Temas transversais”, em novas linguagens como libras e braile?

Resta aí uma pergunta delicada: até que ponto os educadores devem assumir grande parte

do que era reservado ao foro familiar, como a orientação sexual e religiosa Recomenda-se

efetivamente que não sejam proselitistas ou tratarem seus alunos com preconceito, quando,

como ocorre com qualquer ser humano, é evidente que os têm? Será que isso por outro lado

não se torna uma nova versão de tirania e manipulação? O educador vê-se muito nesse

dilema já que a sociedade impõe e exige algumas coisas que a família não cumpre mais. A

sociedade quer que a escola resolva todos os problemas de aprendizado e disciplina, só que

ao mesmo tempo os professores estão de mãos amarradas, porque não podem emitir

opiniões morais, éticas, religiosas. Eles são instruídos a se despir do que muitas vezes lhes é

mais precioso e a que têm direito como qualquer outro cidadão, adotando uma postura de

neutralidade e exigindo dos alunos o mesmo. Muitas vezes, principalmente nas escolas

particulares, para evitar problemas com pais, diretoria, etc., o educador deve evitar sequer a

falar de princípios da vida e da existência, para não serem acusados de doutrinação.

Um reformador da educação espanhola, A. L. Quintás (2006), é de grande ajuda para

compreendermos o que vem a ser “manipulação”. Ele diz em resumo, que manipular é tratar

o outro como se estivesse em um nível de existência inferior ao seu, ou seja, é subestimar,

desmerecer, não tratar com apreço merecido, não apreciar a pessoa como ser humano que

é. E essa depreciação acontece em geral, através da linguagem verbal e não-verbal:

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A linguagem é o maior dom que o homem possui, mas também, o mais arriscado. É

ambivalente: a linguagem pode ser terna ou cruel, amável ou displicente, difusora da verdade

ou propagadora da mentira. A linguagem oferece possibilidades para, em comum, descobrir

a verdade, e proporciona recursos para tergiversar as coisas e semear a confusão. Basta

conhecer tais recursos e manejá-los habilmente, e uma pessoa pouco preparada, mas astuta

pode dominar facilmente as pessoas e povos inteiros se estes não estiverem de sobreaviso.

Para compreender o poder sedutor da linguagem manipuladora, devemos estudar quatro

pontos: os termos, o esquemas, as propostas e os procedimentos (idem).

E essa postura costuma voltar-se de novo para seu autor, na forma de sofrimento dobrado, o

que muitas vezes o leva a rebaixar ainda mais o nível em um ciclo vicioso e autodepreciativo.

Pessoas assim, manipuladas-manipuladoras normalmente assumem uma postura em sala

de aula que Paulo Freire “batizou” de educação bancária. Ou seja, o professor dá seu ponto

na lousa e se sente com a “missão cumprida”. Ele, como “dador” de aula maioral e que

controla todo o processo de ensino-aprendizagem, despejando seus saberes na lousa e na

mente dos alunos e deixa por sua conta, “trocar” o “cheque” em miúdos. Não raro, trata-se

ainda de um “cheque sem fundos”. Esse é um dos ranços do sistema educacional brasileiro

devemos combater e, de resto usar dos melhores conhecimentos trazidos por cada uma das

tendências.

Espero que leia o que puder/mais lhe interessar do material acrescentado a essa aula e até a

próxima!

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UNIDADE 19

Filosofia Ética I

Objetivo: Compreender a relação existente entre ética e valor e que esta tem relação direta e indireta com a educação.

Olá pessoal,

Nesta unidade vamos falar de um dos mais importantes assuntos da filosofia e que tem mais

uma vez relação direta e indireta com a educação. Já que é tão importante, subdividirmos o

tema em duas unidades!

Antes de nos aprofundarmos nas diferentes teorias, como sempre, vale a pena uma pesquisa

etimológica. A palavra ética vem do latim ethos, que significa costume, e é sinônimo de

mores, no grego.

De acordo com o Aurélio, trata-se do "estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta

humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a

determinada sociedade, seja de modo absoluto." Ou seja, embora o comportamento moral se

confunda em grande parte com a

ética, por estar nela inserido, este

não dá conta da abrangência do

conceito, pois, além do

comportamento, a ética envolve

um juízo, ou seja, um julgamento

entre o bem e o mal.

Nesse sentido, Vázquez (apud,

NASH, Laura L. 1993, p. 121)

esclarece qual a relação entre

esses dois conceitos:

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Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e isto os distingue dos

problemas morais da vida cotidiana, que são os que nos apresentam nas situações

concretas.

O ético transforma-se assim numa espécie de legislador do comportamento moral dos

indivíduos ou da comunidade. Mas a função fundamental da ética é a mesma de toda teoria:

explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos

correspondentes...

Mas o campo da ética nem está à margem da moral efetiva, nem tampouco se limita a uma

determinada forma temporal e relativa da mesma.

Assim, a ética, longe de reduzir-se a um moralismo simplista de uma lista de coisas que se

“pode” ou “não pode” fazer, não se limita absolutamente ao comportamento, que é regulado

pelas convenções sociais, mas abrange algo que procede do reconhecimento de um valor

objetivo intrínseco às coisas.

Nesse sentido, o tão usado e abusado "código de ética", adotado hoje pela maioria das

entidades de classe e empresas, é simplesmente contraditório, já que a ética não pode se

reduzir a nenhum conjunto restrito de regras.

Mas qual a relação entre ética e moral, que por sua vez está ligada aos valores? O estudo

exclusivo dos valores tem outro nome, chamado de axiologia.

Para Aristóteles, a ética está ligada a ethos (costume), ou seja, a ação que se repete por ser

considerada moral, e à poiésis. A ética, para ser verdadeira, tem que se fundar na intuição e

transcendência, da qual depende também o ato poético, inspirado pelas musas, como vimos

na narrativa da criação do mundo.

Elas lembram os poetas do que são os homens, e assim, são ricas em orientações éticas. A

moral, por sua vez, é a práxis equivalente, a aplicação inalienável da “ética teórica”.

Também os valores, como o da família, da convivência social, do trabalho em equipe, que

sem dúvida estão em crise, não são próprios das coisas, mas constructos sociais. Eles

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normalmente se baseiam na experiência, mas também se orientam pela cultura. Toda cultura

pode ser diferenciada pelos seus valores próprios.

Um dos valores do meu povo, por exemplo, é a disciplina e subordinação, que se expressa

com rigidez Já o americano valoriza muito mais a conduta autônoma e criativa.

Os valores nos fazem estabelecer listas de

prioridades que normalmente guiam as nossas

decisões cotidianas. Por outro lado, o fato da

ética estar ligada a valores, não quer dizer, que

ela seja puramente subjetiva e relativa, pelo

contrário, o valor das coisas guia-se, em última

instância por grandes referencias éticos

universais.

O trabalho em equipe entre bandidos, por

exemplo, que provam essa capacidade no

assalto a um banco, não pode ser considerado

louvável. Ou a disciplina na exploração

desenfreada do trabalho humano.

Assim, a ética não se limita ao mero costume ou à simples convenção social e valores de

uma cultura, mas está ligada a referenciais, que por sua vez, dependem de critérios, que,

embora atribuídos socialmente por pessoas, precisam ter uma dimensão mais ampla,

objetiva e permanente, sem a qual seria simplesmente impossível falar em "direitos

humanos", por exemplo.

Tais direitos não podem ser impostos ou codificados por um computador, mas dependem da

educação, entendida como conscientização autônoma. Tendo em vista o desnorteamento

ético que observamos na maior parte das escolas, que tendem ao relativismo moral, de

acordo com alguns profetas mais pessimistas, estaremos mecanicizando cada vez mais a

sociedade, fazendo-a ingressar num processo de extinção da própria espécie que pode ser

irreversível.

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Assim, para fins didáticos o estudo da ética é dividido em dois campos: da ética geral, que

trata das grandes questões universais, como “o que é liberdade?”, “o que é o bem e o mal?”,

etc; e da ética específica, ou aplicada ao dia a dia, no caso, ao cotidiano em geral, das

empresas, que pode ser denominada de "moral".

Acontece que esses dois planos encontram-se intimamente mesclados na realidade da vida

e a maioria das pessoas procura esquivar-se ao máximo do grande dilema humano, que é o

lidar com a diversidade moral, sem pôr em risco a unidade ética, como elucida Valls:

a ética tem pelo menos também uma função descritiva: precisa procurar conhecer,

apoiando-se em estudos de antropologia cultural e semelhantes, os costumes das

diferentes épocas e dos diferentes lugares. Mas ela não apenas retrata os costumes:

apresenta também algumas grandes teorias, que não se identificam totalmente com as

formas de sabedoria que geralmente concentram os ideais de cada grupo humano. A

ética tem sido também uma reflexão teórica, com uma validade mais universal (Idem,

11-12).

Embora o "espírito do tempo" (Zeitgeist) tendesse mais à negação dos princípios universais,

por uma pretensa "tolerância" e aceitação "democrática" da diversidade dos modos de vida

humanos, muitos princípios da ética encontram-se implícitos na sabedoria dos povos e do

que costumamos chamar de “bom-senso”.

Certos comportamentos parecem

indiscutivelmente "bons", "desejáveis" ou

"nobres", enquanto outros são tão

"deploráveis", "desprezíveis" e

"degradantes", que não requerem maiores

explicações. Podemos ver exemplos disso

nos jornais diários de todo o mundo. Isso

também pode ser observado no dia a dia

do trabalho.

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A professora Nash destaca alguns desses princípios universais no contexto organizacional:

... a concordância sobre os ideais [modernos como ganhar dinheiro] não significa

concordância sobre sua aplicação. O aborto, por exemplo, pode ou não ser considerado um

ato de justiça, amor ou respeito pelos outros. O trabalho duro, quando em excesso, pode ser

considerado como danoso à família, muito embora sua intenção seja a expressão de um

compromisso. A honestidade à custa de carreira pode ou não, ser vista como uma barganha

aceitável, mas é importante notar que, apesar de não haver acordo nas aplicações

específicas, os termos têm significado. O idealismo ético não é totalmente relativo, mesmo

em uma América pluralista (...). Os diversos grupos que pesquisei nunca sugeriram que seus

ideais éticos centralizavam-se, digamos, no hedonismo sádico, na exploração desenfreada

ou na discriminação violenta. Muito embora tais valores, às vezes, influenciem o pensamento

gerencial, eles não são aclamados como atos de integridade... Nessas bases, é possível

usar essa lista de valores como ponto de partida de minha discussão. Após ter trabalhado

com cerca de duzentos códigos de ética corporativa..., depois de entrevistas com,

literalmente, milhares de executivos, após analisar artigos pró e contra as empresas na

imprensa em geral, eu sugeriria que, de forma geral, os mesmos padrões de decência

conduzem as definições de nossa sociedade para a integridade nos negócios.

Assim sendo, uma descrição geral da integridade nos negócios compreenderia os seguintes

valores básicos.

*Honestidade - precisão ao avaliar e representar qualquer atividade relevante para ela.

*Confiabilidade - ser consistente nas ações com os valores que se defende. Isso implica

desde cumprir consistentemente as alegações do seu produto até punir os empregados

que não honram os padrões que você alega serem integrantes da empresa.

Justiça - equilibrar os direitos dos diversos grupos com consistência e boa vontade.

Embora as empresas divirjam fortemente quanto aos limites de sua responsabilidade para

com seus parceiros em relacionamentos não-comerciais, parece haver mais consenso

sobre as manifestações comerciais da ética: justiça significa adotar uma ética que não

tenda totalmente nem para o comprador nem para o vendedor (Idem, p. 32-33).

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Hoje, embora a ética seja algo bastante procurado, há uma discrepância nítida entre o vivido

e o recomendado, entre "ser" e o "dever ser". É a lei conhecida no Brasil como “Faça o que

eu digo, mas não faça o que eu faço”. Muitos vivem de forma simplesmente amoral, sem

quaisquer pruridos e poucos entendem o conceito de ética, no seu sentido completo. Mais

raros ainda a praticam, muito devido às influências histórico-sociais, como nos mostra o

Professor Álvaro Valls (199 47):

A reflexão ético-social do século XX trouxe... outra observação importante: na massificação

atual, a maioria hoje talvez já não se comporta mais eticamente, pois não vive imoral, mas

amoralmente.

Os meios de comunicação de massa, as

ideologia, os aparatos econômicos e do

Estado, já não permitem mais a existência

de sujeitos livres, de cidadãos conscientes

e participantes, de consciências com

capacidade julgadora. Seria o fim do

indivíduo?

Assim, a ética tem mais a ver com um

estilo de ser e viver, do que com atos

isolados. Em palestra recente, este mesmo

professor frisou a importância de, antes de

mais nada, o educador ser um exemplo de postura ética em sala de aula, explicitando os

seus valores.

Pois já não se pode mais falar em "neutralidade", quando se trata de valores universais. Ou

os valores éticos existem e nós os assumimos, ou valerá a lei da selva, do mais forte e do

fazer o que bem se entende.

Outro conceito que é mister resgatar neste contexto é o de religião. Para Valls já não é mais

possível querer escapar desta questão que é fundamentalíssima para a compreensão do ser

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humano e da sua eticidade e essencial para a formação integral do homem, como veremos

em unidades futuras.

Espero que essa unidade o tenha feito pensar sobre essa palavra muito falada e infelizmente

tão pouco praticada. Aguardo vocês para a próxima!

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UNIDADE 20

Ética II

Objetivo: Entender criticamente que a formação ética necessariamente passa pela educação e pela cidadania.

Minha gente,

Bem vindas/os a mais uma unidade!

Na verdade estamos complementando a conversa da aula passada, falando um pouco da

chamada “ética clássica”, ou “ética das virtudes cardeais”, assim denominadas, porque

servem como norte, da mesma forma que os pontos cardeais, numa sociedade que vive

dizendo que não tem tempo, mas na verdade tem é preguiça para tratar de questões

profundas e comprometedoras com essa.

É claro que hoje existe

uma diversidade de

outras éticas, como se

pode inferir pelo material

acrescentado a essa

unidade. Mas optamos

conscientemente por ela,

precisamente por ser

“clássica”, que, ao lado

dos PCN sobre ética,

podem servir de pontos de referência norteadores da prática pedagógica.

Mas não basta publicar leis, por mais belas que pareçam no papel, sem se preocupar com o

seu ensino.

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A formação ética necessariamente passa pela educação e pela cidadania. E ela tem que ser

tão incisiva e vivencial, que não apenas arranque velhos paradigmas equivocados, como os

extremos do mero moralismo e do relativismo moral, pela raiz.

Isso significa mexer com o cotidiano e com os hábitos diários das pessoas, que atualmente

são dominados e reféns pela

mídia.

Criadas por Aristóteles, as

quatro virtudes cardeais foram

retomadas por vários autores

ao longo da história, desde os

medievais, até os modernos e

contemporâneos por seu

caráter universal.

Eu também as escolhi porque podem muito bem ser usadas como metodologia de estudo de

contos ou histórias, que, como vimos anteriormente:

1. Justiça ou Equidade:

Trata-se de uma das virtudes mais cobiçadas por todo o mundo e uma contra a qual a maior

parte das pessoas se queixa, quando sentem sua falta. Infelizmente, quando se fala em

justiça hoje, muitos a confundem ou limitam ao sentido forense, dos advogados e

legisladores, ligados ao chamado “Ministério da Justiça”. O filósofo e teólogo alemão, Josef

Pieper, assim a define:

“A justiça já foi chamada também ‘arte de conviver’, uma formulação que por sua vez pode

também ser mal-interpretada, como se não se tratasse de nada mais do que de arranjar-se

com os outros”. Não é isso, no entanto, o que se quer dizer, e sim, mais propriamente, um

conviver em que cada um recebe o que lhe é devido...

E assim, nos casos devidos, deve novamente entrar no lugar da Justiça (impossibilitada de

realizar-se) outra coisa: a piedade. A atitude de honra e de respeito (não realizado apenas

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interiormente) que diz: ‘Devo-te algo que não posso pagar, e manifesto que estou consciente

disso através dessas atitudes. ’ Quando nos sabemos assim agraciados e endividados diante

de deus e dos homens, não pautamos tão facilmente nossa vida pela atitude de

reivindicações que pergunta: ‘O que me é devido?’” (PIEPER, Josef, on line, 1999).

A virtude da justiça está presente numa história ou conto quando:

Alguém é lesado por dano ou perda, com o consequente prejuízo.

Alguém reconhece, assume ou paga uma dívida.

Alguém é devidamente recompensado.

Alguém é devidamente punido.

2. Fortaleza, coragem ou perseverança:

Estamos lidando aqui com aquele indivíduo que é fraco e consciente de sua fraqueza, mas

que resiste bravamente. Por exemplo, aquela pessoa que sabe que está com câncer, mas

que não entrega os pontos e continua a sua vida normalmente, quando possível. Aquela

mulher trabalhadora, abandonada pelo marido e que se desdobra para oferecer uma vida

confortável para os filhos, etc. Pieper assim a define:

“Fortaleza, heroísmo, vitória: tais conceitos sempre são pensados em bloco....

o bem não se impõe por si mesmo, como opinam os liberalismos, para que sito

ocorra, há necessidade do empenho da pessoa. Empenhar-se pela realização

do bem contra o poder do mal (que às vezes também poderá ser um super-

poder), eis aí circunscrito de forma bem completa aquilo que perfaz o ato da

virtude da Fortaleza...E nós, tarde nascidos começamos a perceber porque os

antigos consideravam a parte essencial da Fortaleza o resistir, e não o atacar.”

(Idem).

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A virtude da fortaleza manifesta-se numa história quando:

Alguém executa um plano de resistência contra um poder maligno.

Há uma luta entre um personagem mais fraco e bom, contra um mais forte e mau.

Alguém manifesta um ato de heroísmo ou martírio.

Alguém se empenha ao máximo em um projeto, sacrificando-se para o bem de outra(s)

pessoa (s) ou causa.

3. Temperança, moderação ou autocontrole:

Essa virtude poderia ser resumida como sensatez ou saber como defender-se contra a

autodestruição. É mais fácil reconhecermos a falta dela, do que ela em ação. Quando um

motorista pega o volante, depois de ter tomado umas “cervejas”; quando uma mulher se

arrisca a andar desacompanhada por uma rua escura que sabe ser perigosa; quando alguém

bebe ou fuma ou toma drogas, come sem encontrar o limite, etc.

Há quem diga que ser temperante é, em uma palavra, ser sóbrio e equilibrado ou assertivo,

Ter mansidão ou domínio próprio. O contraponto disso é o descontrole, o excesso, a

exagerada busca da satisfação dos próprios desejos. “Trata-se na verdade, de que

justamente as forças do ser do homem orientadas por natureza para a autoconservação,

aperfeiçoamento e realização, são aquelas mesmas forças que podem também desnaturar-

se para a autodestruição." (Idem)

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A virtude da temperança está presente numa narrativa quando:

Alguém desfruta de algo sadio e com prazer, sem exageros.

Há uma tentativa de sedução do heroi, apelando para o desejo.

O heroi controla algum impulso primeiro, ou adia uma decisão apressada.

Alguém abre mão de um “direito” ou de desfrutar de algo em vista de algo muito

melhor ou para preservar-se.

4. Prudência, sabedoria, ou discernimento:

Esta é considerada a maior de todas as virtudes, pois ela é demonstrada por aquele que fica

com o pé firmemente fincado na realidade e a mente, aberta para o cosmos. Trata-se

daquela pessoa que consegue ver as coisas como são, sem recair num materialismo cego,

nem num idealismo que vê tudo cor-de-rosa, alienado do real.

.Trata-se do bom-senso, de quem manifesta uma “incorruptível ‘busca da verdade’ a respeito

de situações nas quais costumam estar fortemente envolvidos fatores de interesse pessoal.

O que importa, portanto, é fazer calar nossos interesses – e, talvez também ouvir o outro,

possivelmente um oponente.

Quem não consegue isto, ou não está disposto a isto, jamais chegará a ver a realidade

como ela é... Consiste em

transformar aquilo que foi visto, a

verdade das coisas, em diretriz do

próprio querer e agir. Só então se

perfaz a virtude da Prudência, que

com razão foi definida como ‘ a arte

de decidir-se corretamente’ (Idem).

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Ora, numa sociedade em que em tese, não existe mais a verdade, apenas as verdades, é

cada vez mais difícil encontrarmos pessoas verdadeiramente sábias.

A virtude da prudência está presente na história quando:

Um dos personagens mostra capacidade de observação e de ouvir (o inimigo).

Alguém busca investigar a “verdade verdadeira” acerca de algum evento.

Alguém resolve mudar de comportamento, após descobrir uma verdade.

A história é cheia de descrições bastante concretas e plásticas da realidade,

mostrando detalhes extremamente simples, cotidianos e humanos.

C.S. Lewis (1889-1963) observa que como o próprio homem, as virtudes cardeais

encontram-se decaídas, refletindo a dialética do querer o bem, mas de não ser capaz de

realizá-lo totalmente.

Quando o homem quer demais o bem, tende a recair no vício pela via do exagero. Podemos

ver esse fenômeno na mãe superprotetora, no diretor centralizador, no patrão paternalista,

no perfeccionista...

A virtude da prudência é em Cristianismo Puro e Simples, a primeira lembrada por Lewis,

como sendo o ‘espírito infantil’ (que todos, de alguma forma, ainda abrigamos dentro de nós):

A prudência é o bom senso, é o se dar o trabalho de considerar o que se está fazendo e qual

a consequência. Hoje em dia, a maioria das pessoas dificilmente consideraria a prudência

como uma das “virtudes”. Pois Cristo disse que só poderíamos entrar no Seu Reino se nos

tornássemos crianças, e muitos cristãos têm a ideia de que, desde que sejamos “bons”, não

faz mal serem tolos. Mas isso é um engano. Em primeiro lugar, a maioria das crianças

demonstra uma grande “prudência” sobre as coisas em que estão interessadas, e as

consideram bem sensatamente. Em segundo lugar, como indicou o apóstolo Paulo, Cristo

nunca pretendeu que devêssemos permanecer crianças na inteligência; ao contrário, Ele nos

disse que fôssemos não somente “Símplices como as pombas’ mas também ‘prudentes

como as serpentes” (...). Se você está querendo tornar-se um cristão verdadeiro, advirto-lhe

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que está embarcando em algo que vai exigir todo o seu cérebro e tudo o mais (...) o

Cristianismo em si mesmo é um processo de aprendizado. (Lewis, 1952, p. 42-43, grifo

nosso).

Notamos aqui a função pedagógica diretamente envolvida na ética.

A educação, que lida também com a formação do caráter, tem tudo a ver com a ética,

embora lamentavelmente alguns professores, que não são exemplo de conduta para

ninguém, e alunos e diretores o tenham esquecido. Josef Pieper compara a Prudência como

uma espécie de decisão de "abrir o olho“ para as coisas, enxergando-as, mas principalmente

para si mesmo. Por isso dizemos, quando alguém está sendo insensato: “vê se se enxerga”,

“caia na real”.

De certa forma, todo o aprendizado envolve uma ampliação de horizontes da visão. É claro

que enxergar o mundo à volta não passa do primeiro passo. O segundo é deixar guiar-se nas

suas decisões e ações pelo visto, que é a arte da tomada de ação e da coerência com ela na

prática cotidiana. Somente homens e mulheres maduras atingem tal sabedoria de ação.

Como lemos na Bíblia: “São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo

o teu corpo será luminoso;” (Mateus 6.22) Esta virtude é ainda mais importante para quem

quer que desempenhe papel de liderança, e tomada de decisão, na família ou no trabalho.

Quanto à temperança, Lewis comenta:

A temperança é, infelizmente, uma dessas palavras que, mudaram de sentido. Ela

agora normalmente significa total abstinência à bebida alcoólica. Mas nos dias em que

a segunda virtude cardeal era a ‘temperança’ cristã, ela não tinha este significado (...).

O cristão pode achar conveniente renunciar a toda espécie de coisas por motivos

particulares: o casamento, comer carne, tomar cerveja, ou ir ao cinema; mas se

começar a dizer que essas coisas são más em si mesmas, ou desprezar os que dela

se servem, está no caminho errado. (Lewis, 1952, p. 43).

Assim, a temperança realça o sabor próprio e característico de cada um, com todas suas

potencialidades. O mesmo vale para a fortaleza que é por Lewis descrita como a virtude que:

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inclui duas espécies de coragem: a que enfrenta um perigo e a que suporta o sofrimento.

‘Fibra’ talvez seja a palavra moderna que mais se aproxime deste vocábulo. O leitor verá,

certamente, que não se pode praticar nenhuma das outras virtudes por muito tempo, sem

que esta entre em jogo (Idem, p. (44.).

Não se trata, portanto, de uma "força bruta“. Mas daquela força que surge nos momentos de

fraqueza. Pieper a identifica com uma espécie de “heroísmo“ ou “valentia”, como o de um

mártir, ou o heroi do trânsito que tem que "enfrentar“ a hora do rush com coragem.

Num artigo separado, Lewis discute em que sentido o conceito de “cavalheirismo” ou código

de honra da época dos gentlemen, que entendiam a virtude como algo bem difere do

conceito moderno de “heroi” (sem deixar de ser tão ou mais necessário do que no passado).

Ele é nobre, no sentido ético, sem deixar de ser simples:

O rei é sempre um homem de carne e osso, um homem familiarizado com sangue, rostos

esmagados, lábios abertos e corpos decepados. Por outro lado, é um homem delicado,

quase feminino, de fino trato, gentil, modesto e discreto (...).Poderíamos até pôr em questão

a relevância deste ideal para o mundo moderno. Mas ele é terrivelmente relevante. Pode não

estar sendo praticado - a Idade Média já falhou notoriamente em seguir este ideal - mas é,

sem dúvida praticável, tão praticável quanto à necessidade que um homem sente por água,

para não morrer no deserto. E o que é pior: isto indica o fato natural de que o real ideal

humano, nunca terá sido totalmente conquistado, e ninguém jamais poderá conquistar

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realmente, sem que haja a mais árdua disciplina. Isto já foi refutado pela história e

experiência. (1987, p.13-14).

Vemos aqui uma séria crítica contra contos e desenhos animados do tipo japoneses ou

mesmo de Walt Disney em que as virtudes são tão exaltadas que os herois aparecem

desprovidos de defeitos, medos ou ansiedades.

Quem é que poderia alcançar um ideal desses. E que heroísmo existiria numa pessoa que

não tem medo de nada. Por outro lado, o mal é tão depreciado, que todos se sentem

melhores, pois, afinal, ninguém é tão mal assim quanto o vilão da história. Os filmes, livros e

videogames de sucesso hoje em dia são todos assim: maniqueístas, não dando espaço ao

meio-termo da pessoa nem tão perfeito e nem tão má, ou invertem tudo, transformando o

bandido em heroi.

Lewis denuncia o conceito de heroi totalmente distorcido nas escolas e livros didáticos, que

idealizam os “grandes homens” da história, esquecendo-se do barbarismo por eles

cometidos, durante as suas batalhas. Esquecem ainda do lado delicado e sensível de todo

heroi (como podemos observar em memoráveis herois sheakespearianos, como Hamlet).

Além de temperante, o perfeito cavaleiro medieval tinha um extremo senso de justiça, num

sentido que: "significa muito mais do que o que acontece nos tribunais. É aquilo a que nos

referimos quando dizemos que determinado procedimento é ‘certo’: inclui honestidade,

reciprocidade, veracidade, fidelidade aos compromissos, todo esse lado da vida" (1952, p.

(43, 44).

Ainda na Idade Média, Tomás de Aquino, re-significa as quatro virtudes de Aristóteles, de

acordo com uma perspectiva cristã, acrescentando a elas, outras três, que denominou

“teologais”, a fé, a esperança e o amor, introduzindo a ideia de direito de resistência ao

poder, posteriormente desenvolvido pelos reformadores, retoma e re-significa todas as sete

virtudes.

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Lewis aproveita esse esquema de sete virtudes, quatro humanas e três transcendentes e

divinas. Há uma só virtude que não pode ser exagerada. Agape, um dos quatro amores

(Lewis, Os Quatro Amores, p 28 ss.), ou amor espiritual, conceito tão amplamente trabalhado

por Lewis que mereceria um estudo à parte. Lewis comenta que:

Caridade significa amor. Chama-se Agape no Novo Testamento para distinguir se de Eros

(amor sexual), afeição (cordialidade familiar) e Philia (amizade). Então há quatro tipos de

amor, todos bons em seu próprio lugar, mas Agape é o melhor porque é o tipo de amor que

Deus tem por nós e é bom em todas as ocasiões (...). Veja bem, Agape é dedicação total e

sem nada em troca. (Lewis, 1988, p. 438)

O amor representa a porta comum que interliga sensibilidade ética, estética e o lado

emocional do ser humano. O amor ágape revela-se nas Crônicas de Nárnia, por exemplo,

pelo tratamento afetuoso, paterno mesmo e sacrificial que Aslam dispensa às crianças em O

Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas, obra inicial das famosas Crônicas de Nárnia.

Mesmo o amor erótico, que leva ao caminho do romantismo, da adoração da mulher amada,

uma vez frustrado, pode ser o começo do retorno a Deus, que é a fonte do verdadeiro amor,

do qual os demais não passam de mero reflexo. Como podemos ver, da mesma forma que o

próprio homem, sempre tende ao desequilíbrio e exagero, todas as virtudes, exceto o amor

agape, necessitam em algum momento de uma conversão, uma volta ao equilíbrio original.

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Pois, quando nos fixamos, quando cedemos a impulsos obsessivos acabamos com o "bom

gosto" estragado. Pois "não há nada que tire tanto o gosto da boa comida caseira, do que a

lembrança de um mau alimento enfeitiçado" (Lewis, 2003, p. 37).

Tal fixação acaba sempre na decepção (desilusão) e solidão. O mundo moderno todo sofre

deste vício, que já revelava seus sintomas nocivos à sociedade na época de Lewis, quais

seja:

a crescente exaltação da coletividade e a indiferença em relação às pessoas. As

fontes filosóficas provavelmente são Rousseau e Hegel. Mas o caráter geral da vida

moderna com a sua organização impessoal é mais potente do que qualquer filosofia

(...). Nada a não ser um Outro pode ser amado e um Outro só pode existir para um Eu.

Uma sociedade, na qual ninguém tem consciência de si mesmo como pessoa

diferente das outras pessoas; na qual não há a quem dizer Eu te amo, é, de fato,

imune contra (o pecado) do egoísmo, contudo, não por amor. Uma sociedade assim

seria tão insípida e inodora quanto uma garrafa de água. (Lewis, 1975, p. 83-84)

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Usemos, a modo de conclusão, uma passagem do livro de provérbios que todos nós

pertence:

Aceitai o meu ensino, e não a prata, e o conhecimento, antes do que o ouro escolhido.

Porque melhor é a sabedoria do que jóias, e de tudo o que se deseja nada se pode comparar

com ela. Eu, a Sabedoria, habito com a prudência e disponho de conhecimentos e de

conselhos. O temor do SENHOR consiste em aborrecer o mal; a soberba, a arrogância, o

mau caminho e a boca perversa, eu os aborreço. Meu é o conselho e a verdadeira

sabedoria, eu sou o Entendimento, minha é a fortaleza. Por meu intermédio, reinam os reis, e

os príncipes decretam justiça. Por meu intermédio, governam os príncipes, os nobres e todos

os juízes da terra. Eu amo os que me amam; os que me procuram me acham. Riquezas e

honra estão comigo, bens duráveis e justiça. Melhor é o meu fruto do que o ouro, do que o

ouro refinado; e o meu rendimento, melhor do que a prata escolhida. Ando pelo caminho da

justiça, no meio das veredas do juízo, para dotar de bens os que me amam e lhes encher os

tesouros. (Provérbios 8:10-21)

Bem, espero que vocês leiam todos os textos sobre esse importante tema e realizem as

tarefas finais sem maiores traumas, e mais do que apaixonados pela tal da sabedoria!

Até outro dia!

Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua

SALA DE AULA e faça a Atividade 2 no “link” ATIVIDADES.

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UNIDADE 21 Tendências e Políticas Públicas da Educação – Panorama Histórico

Objetivo: Estudar de forma critica as tendências pedagógicas, de acordo com seu

posicionamento político, já considerado inalienável da postura pedagógica, didática e

filosófica do professor e das instituições de ensino.

Olá Gente boa,

Nessa unidade, voltaremos a falar em história, pois é praticamente impossível falar em

“política”, sem antes fazer uma consulta, nem que básica, de como ela se desenvolveu no

Brasil.

É claro que não vamos falar das tribos

milenares da Amazônia, sobre as quais não

se tem quase registro e infelizmente

também não da educação indígena,

embora essa fosse uma pesquisa bastante

útil. Pena que tão poucos intelectuais se

interessam pela nossa própria história, em

especial a pré-história e a história antiga.

Euclides da Cunha, Câmara Cascudo e

Sérgio Buarque de Holanda foram

exemplares nisso, mas praticamente não têm herdeiros (a não ser talvez Florestan

Fernandes e Alfredo Bosi e mais alguns pensadores isolados).

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O máximo que podemos voltar no tempo por hora é aos jesuítas, que foram os primeiros a

tentar criar um sistema de ensino no Brasil e o fizeram tão bem que acabaram por controlá-la

por dois longos séculos (110 anos pelo menos, até a expulsão da ordem do Brasil, em 1759).

Como dizíamos nas primeiras aulas, no primeiro período colonial em que a educação estava

à mercê dos jesuítas, que praticamente detinham o monopólio sobre a educação no país,

praticamente inexistiam políticas públicas da educação. Ela era simplesmente deixada a

cargo da igreja. E essa ordem católica seguia os ditames da “escolástica” reinterpretada na

contra-reforma, que pouco ou nada tinha a ver com a escolástica da Alta Idade Média. A

escolástica jesuíta resumia-se a regras rígidas do que era ou não permitido fazer com hora

para tudo, num verdadeiro cronograma de estudos minucioso, sem falar da lista dos Librum

Proibidum. O “escolasticismo” jesuíta, que infelizmente foi o único que ficou marcado na

memória dos brasileiros, era extremamente rigoroso e rígido. As aulas eram tipo “magister

dixit”, ministradas e avaliadas de forma punitiva, criando todo um rol de personagens hoje

quase folclóricos como o bedel que tinha o papel controlador e delator os colegas que

estivessem infringindo alguma das ditas regras. Era a época da palmatória e do “ajoelhar-se

no milho”, que se preservou principalmente nas cidades interioranas e nas escolas rurais,

durando até hoje em alguns lugares.

A política era tipicamente colonialista, sendo que o Brasil se via como celeiro agrário do

mundo. A educação, particularmente a média e superior era vista como “luxo” e “despesa”

quase dispensável. Com a expulsão dos jesuítas do país, a educação ficou por vários anos

praticamente à deriva.

E é claro que esses se pautaram, além das Sagradas Escrituras, no que estudaram e

aprenderam na Europa, procurando, através da contra-reforma, dar resposta aos primeiros

pensadores a sistematizar a educação como disciplina, como Comênio e Ratíquio, ambos

muito influenciados pela Reforma. Ali, entraram em contato com a filosofia de Rousseau

(iluminista), que defende a autonomia do aluno, seu interesse e seu afastamento das más

influências da sociedade. Pestallozzi procurará traduzir as teorias naturalistas e

evolucionistas para a educação infantil. Mais tarde esses movimentos inovadores da

educação passarão a se chamar “escolanovistas”, como elucida Castro (on line 2001).

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Não é coincidência que a era do liberalismo e do capitalismo, da industrialização e

urbanização tenha exigido novos rumos para a Educação. Na burguesia dominante e

enriquecida, a Escola Nova vai encontrar ressonância, com seus ideais de liberdade e

atividade. É preciso considerar, no entanto, que já se iniciam as novas doutrinas

socialistas que ao final do século vão ser progressivamente dominadas pelo

marxismo. Na prática, o século assiste ao despontar dos poderes públicos com

relação à escola popular, aos debates entre a escola laica e a confessional e às lutas

entre orientações católicas e protestantes, em países atingidos pela Reforma.

A lenta descoberta da natureza da criança que a Psicologia do final do século XIX

começa a desvendar sustenta uma atenção maior, nos aspectos interno e subjetivo do

processo didático. Numa relação que só pode ser plenamente compreendida como de

reciprocidade, uma nova onda de pensamento e ação faz o pêndulo oscilar para o

lado do sujeito da Educação. O movimento doutrinário, ideológico, caracteriza-se por

sua denominação mais comum: Escola Nova, também Renovada, Ativa ou

Progressista, conforme as vertentes de sua atuação. Contrapõe-se, pois, a

concepções consideradas antigas, tradicionais, voltadas para o passado.

Na Europa como nos Estados Unidos, podem-se arrolar tendências diferentes: a

psicopedagogia com CLAPARÈDE, FERRIÈRE, BOVET; a medicina pedagógica com

MONTESSORI e DECROLY ou a sociopedagogia de FREINET, DEWEY,

KERSCHENSTEINER e COUSINET. A base psicológica é predominantemente

funcionalista, mas afastando-se tanto do pragmatismo americano quanto das

influências do associacionismo; no entanto, os fundamentos sociológicos divergem,

indo da linha social-democrata à socialista.

Já Oliveira (2004) deixa claro que a confluência de três fatores gerou o capitalismo europeu:

a Revolução Industrial inglesa (aprox. XVIII); o Iluminismo francês, que significou uma

democratização; e a revolução educacional que ainda estava em processo pelo menos até o

final do século XX. Ele se propõe a analisar as implicações desses movimentos no Brasil,

com especial destaque à hegemonia católica sobre os primórdios da educação brasileira. No

século XVIII, ele constatou “17 colégios e seminários, 25 residências e 36 missões, sem

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contar os seminários menores e as escolas de alfabetização presentes em quase todo o

território.”(idem, on line)

Em meados do século, o primeiro-ministro de Portugal, que também

levou a fama de ter expulsado os jesuítas e assim de ter simplesmente

“extinguido” o “sistema” existente, Marquês de Pombal, empreendeu

várias reformas. Outra medida foi da introdução das ciências práticas no

currículo, e reformando a metodologia completamente, tornando-a mais

uniforme e o ensino, mais utilitário o pragmático do que introspectivo, com forte influência do

positivismo. Mas todas essas novidades deram-se no contexto do “despotismo esclarecido e

enciclopedismo francês”. Nessa época, afirma o autor que:

O Estado tentou assumir, pela primeira vez, os encargos da educação, mas os

mestres leigos das aulas e escolas régias, recém-criadas, se revelaram incapazes de

assimilar toda modernidade que norteava a iniciativa pombalina.

Por conta ainda desta intervenção, registra-se a primeira mudança no que diz respeito

aos custeios da educação no Brasil. Até 1759, as escolas mantidas pelos jesuítas

eram financiadas pelas contribuições dos usuários e Igrejas, através de doações. A

partir de então, institui-se o tributo de subsídio literário, imposto por alvará régio e com

vigência até o início do século XIX. Por outro lado, a manutenção, por parte dos

padres católicos, de colégios para formação de sacerdotes e de seminários para a

formação do clero secular, fez com as características da educação colonial se

perpetuassem. Os novos mestres-escolas e os preceptores da aristocracia rural foram

formados ainda pelos Jesuítas, sendo, de certa forma, mantenedores de sua obra

pedagógica: os mesmos objetivos, os mesmos métodos, a permanência do apelo à

autoridade e à disciplina; o combate à originalidade, à iniciativa e à criação individual.

Somente com a chegada da família real e da corte lisboeta, em 1808, a paisagem

cultural do Brasil começaria a mudar. O país passa a viver um ambiente de efusão

cultural, em que se destacam a criação do Museu Real, do Jardim Botânico, da

Biblioteca Pública e a Imprensa Régia. No setor educacional, surgem os primeiros

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cursos superiores, embora baseados em aulas avulsas e com um sentido profissional

prático. (idem, on line)

As escolas mais destacadas do período foram a “Academia Real da Marinha” e a “Academia

Real Militar” (que se transformou na Escola Militar de Aplicação), cujo perfil de egresso era

evidentemente profissionais para seguir a carreira nas forças armadas ou engenheiros civis.

Já o embrião das primeiras faculdades de medicina foi lançado no Rio de Janeiro e na Bahia.

A visita de uma missão cultural francesa permitiu a criação, em 1820, da Real Academia de

Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. A abertura dos portos e a vinda da família

real ao Brasil permitiram a instauração de um processo de autonomia e criação de novas

faculdades.

A educação do período colonial, conclui Xavier (1980, p. 22), ficou reduzida a algumas

poucas escolas e aulas régias. “E o

Brasil, saindo da fase joanina com

algumas instituições de educação elitária

(escolas técnicas superiores), chegou à

Independência, destituído de qualquer

forma organizada de educação escolar”.

A partir do governo de D. Pedro I, inicia-

se um processo de transferência de

poder para um mesmo grupo de

beneficiários, com acréscimo dos

“letrados” aos cargos administrativos e

políticos para o preenchimento do

quadro funcional do Estado. As

Faculdades de Direito, de São Paulo e

Recife, criadas em 1827, passam a

formar os futuros funcionários do

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governo. Em 1834, um Ato Adicional do Imperador promove uma das primeiras políticas de

descentralização administrativa, conferindo às Províncias o direito de legislar sobre a

instrução pública e de promover estabelecimentos próprios, excluindo os de níveis

superiores, o que vai possibilitar uma dualidade de sistemas, com a superposição de poderes

(provincial e central) relativamente ao ensino primário e secundário. Ao poder central ficou

reservado o direito de promover e regulamentar a educação no Rio de Janeiro e a educação

de nível superior, em todo o Império. Às Províncias foi delegada a incumbência de

regulamentar e promover a educação primária e média em suas próprias jurisdições

(ROMANELLI, 1999). Com o ensino secundário destinado a preparar candidatos ao ensino

superior, o seu conteúdo acabou por ganhar um caráter propedêutico. Nas províncias, o

sistema escolar não passou da tentativa de reunião das antigas aulas régias em liceus, de

forma desorganizada. Motivo: um falho sistema tributário e a consequente falta de recursos.

(idem, on line)

Desde a colonização, continua ele, a educação primária fica em segundo plano, sendo

relegada a pessoas (mestres-escolas) que não se deram bem profissionalmente e que não

tinham formação adequada, muito menos para o magistério. A educação, por mais que

tivesse partidários idealistas, não sai do nível do discurso na Assembleia constituinte e

legislativa. Só o projeto de desenvolvimento do nível superior estava avançando, embora

muitos o considerassem um luxo, uma vez que tinham o Brasil por um país de vocação

agrária e não competitivo com países do primeiro mundo, com a sua indústria bem mais

desenvolvida.

A estrutura geral do ensino ficou da seguinte forma: o

poder central encarregou-se do ensino superior em

todo o País e os demais níveis ficaram a cargo das

províncias — com exceção do Colégio Pedro II,

nomeado em homenagem ao nosso segundo

governante imperial, que deveria servir de modelo às

escolas provinciais. A carência de recursos e a falta de interesse das elites regionais

impediram a organização de uma rede eficiente de escolas. No balanço final, o ensino

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secundário foi assumido, em geral, pela iniciativa particular, especialmente pela Igreja. O

ensino primário, novamente, ficou abandonado do Estado, boa parte do ensino secundário

ficou a cargo da iniciativa privada (...) Ao final do Império, o quadro geral do ensino era o

seguinte: poucas escolas primárias (com 250 mil alunos para um país com cerca de 14

milhões de habitantes, dois quais 85% eram analfabetos), liceus provinciais nas capitais,

colégios particulares nas principais cidades, alguns cursos normais e os cursos superiores

que forjavam o projeto elitista (para formação de administradores, políticos, jornalistas e

advogados), que acabou se transformando num elemento poderoso de unificação ideológica

da política imperial. Como assevera Carvalho (1980, p. 64), “no Brasil imperial, como na

Turquia de Ataturk [...], a educação era a marca distintiva da elite política. Havia um

verdadeiro abismo entre essa elite e o grosso da população em termos educacionais”... Na

transição republicana, com a adesão de parte da elite intelectual aos ideais do liberalismo

burguês, é atribuída à educação a tarefa heróica de promover a reconstrução da sociedade.

A primeira Constituição da República, de 1891, institui o sistema federativo de governo e,

consequentemente, a descentralização do ensino. Em seu artigo 35, itens 3º. e 4º., reservou

à União o direito de criar instituições de ensino superior e secundário nos estados e prover a

instrução secundária no Distrito Federal. Aos estados competia prover e legislar sobre a

educação primária, além do ensino profissional (que compreendia, na época, as escolas

normais de nível médio para moças e as escolas técnicas para rapazes).

Era a consagração do sistema dual que vinha do regime anterior, ampliando a distância entre

a educação da classe dominante (escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a

educação do povo (escola primária e escola profissional) (idem on line).

Nessa época, houve uma série de mudanças no quadro social brasileiro, com chegada de

imigrantes da Europa e do Japão, entre outros lugares, e a formação de uma estratificação

social mais complexa e consciente. Acontece que o sistema escolar estava longe de

conseguir dar conta dessas mudanças, sendo seriamente ameaçada em suas estruturas.

Entre as tentativas de reforma política e escolar nessa época podemos citar a de Benjamin

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Constant, que era tão complexa que foi recebida com desconfiança pelos dirigentes e

acabou se perdendo.

Em 1925, no governo de Arthur Bernardes, ocorre a reforma Rocha Vaz, última tentativa no

período de se instituir normas regulamentares para o ensino, cujo mérito foi buscar

estabelecer, pela primeira vez, um acordo entre a União e os estados para a promoção da

educação primária e para a eliminação dos exames preparatórios e parcelados. Todas essas

reformas, além de frustradas, representaram posições isoladas dos comandos políticos; não

foram, em nenhuma hipótese, orientadas por uma política nacional de educação e acabaram

por perpetuar o modelo educacional herdado do período colonial. Com isto, podemos afirmar

que durante os primeiros anos da República a importação da ideologia liberal atuou de forma

difusa: ao mesmo tempo em que validou um arranjo político em favor de uma parte da elite,

produziu um imediato ressurgimento das propostas para a adequação da estrutura

educacional aos desígnios de uma nova ordem “democrática” em implantação. Somente a

demanda para a ampliação da oferta de ensino de elite (o médio e o superior) às classes

médias em ascensão foi atendida pela União, difundindo-se a ideologia da ascensão social

pela escolarização. Mais do que por exigências econômicas e sociais, a mobilização em

torno destas propostas se deu pela instabilidade política num período de rearticulação das

elites. O atendimento desta demanda funcionou como canalização das insatisfações sociais,

o que explica o sucesso e a incorporação dos pressupostos educacionais liberais em todas

as camadas sociais. A expansão das oportunidades e a reforma das instituições escolares

representavam um custo menor às elites do que a alteração da distribuição de renda e das

relações de poder e, além disso, acalmava as frações mais combativas das camadas

médias. (idem, on line).

Na Europa e EUA, já surgem os idealizadores da educação mais voltada para o social, com a

proposta de John Dewey

que propunha um modelo escolar de cunho reformista, necessário a uma sociedade

com tendências a produzir privilégios e desigualdades, mas que subsiste pela

expectativa de mudança e ascensão social. Pelo vislumbre da democracia e do

progresso, atendendo às aspirações das classes médias e, em parte, ao

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conservadorismo da classe dominante, o pensamento escola-novista foi assimilado

por vários educadores brasileiros, com divergências apenas no que diz respeito à

orientação geral (revolucionária-reformista ou conservadoramente democrática),

mantendo um horizonte comum na interpretação das funções da escola, consolidando-

se em uma ideologia educacional que influenciará o desenvolvimento do ensino

brasileiro.

Os grandes protagonistas do escolanovismo no Brasil foram os pensadores que assinaram o

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova no Brasil (1932), que também foram seus

propagadores: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes e até Paulo

Freire assinou, embora sua filosofia educacional tomasse outros rumos mais para frente.

Como podemos inferir do restante do artigo de Oliveira, muitas outras propostas e reformas

foram feitas no Brasil, principalmente as chamadas LDB’s (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação). Mas sempre numa perspectiva de democracia “descritiva” ou como “forma de

governo” e não de ações afirmativas e transformadoras, mesmo entre os “pioneiros”:

Sobrevivia, desta forma, uma concepção elitista com a renovada defesa da necessária

formação de “líderes condutores”, a mesma prioridade dos jesuítas no início do

processo de desenvolvimento da estrutura educacional brasileira. Assim, fora a Igreja

Católica, que se opunha ao ensino laico e ao monopólio estatal (em descarte no

próprio Manifesto), nem mesmo a fase mais autoritária do período varguista, durante o

Estado Novo que se inicia em 1937, deixou de incorporar o ideário e a retórica escola-

novista. As primeiras impressões da Igreja sobre a Revolução de 1930 foram de

precaução e assombro: significava a vitória do Movimento Tenentista, cerne de

“perigosas” ideias, baseadas na associação do liberalismo com o positivismo,

propositora da substituição da moral religiosa pela crença nos poderes da técnica e da

ciência como critérios para organização da vida e da ação social. É deste movimento

que saíra, por exemplo, o maior mito do socialismo brasileiro, o comunista Luís Carlos

Prestes. Na esfera educacional, a subida de Getúlio Vargas ao poder, na visão da

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Ilustração 2 - Máquina de

Ensinar

Igreja, representava o fortalecimento dos ideais escola-novistas, que com a defesa do

ensino laico e da escola pública colocavam em risco o predomínio das escolas

confessionais. Nas palavras de Alceu Amoroso Lima, militante católico, o movimento

revolucionário poderia ser definido pela “obra da Constituição sem Deus, da escola

sem Deus, da família sem Deus” (...). Mas logo se consolidava o novo regime e a

Igreja não tardaria em encontrar o seu espaço. A referência para a ação vinha do

movimento mineiro de renovação católica, que já na década de 20 estabeleceu fortes

laços com os grupos sociais em ascensão, sem deixar de corroborar antigas ligações

com o poder político conservador. O próprio Alceu Amoroso Lima, expoente deste

movimento, reconhecendo uma “corrente racional, tradicional e cristã” entre os

revolucionários de 1930, clama aos católicos à luta pela incorporação de suas

reivindicações no futuro estatuto político do país... Desta forma, embora não

concretizassem plenamente o “plano de reconstrução nacional” proposto pelos

pioneiros da Escola-Nova, justificavam-se dentro do seu espírito geral as

ambiguidades presentes no Manifesto, atendendo ao novo que podia brotar, mas

preservando a tradicional estrutura dualista, elitista e acadêmica do ensino brasileiro

— pelo menos, afirma Xavier (1980), é o que se pode concluir das exposições de

motivos dos ministros Francisco Campos e Gustavo Capanema e das leis que

organizaram o sistema público brasileiro nas décadas de 1930 e 1940.

Em suma, foram precisos quatro séculos para que a educação

deixasse de ser puramente elitista, com exceção de algumas

escolas “experimentais” e “confessionais”, voltadas para a

formação de burocratas e profissionais liberais. Faltou no Brasil

uma revolução social mais séria para dar fundamento sólido ao

sistema de ensino. Um exemplo disse foi o ideal de universidade

que Fernando de Azevedo tinha para a USP, colocando a

Filosofia com o núcleo de um sistema de faculdades que girariam em torno da mesma, em

seguindo um modelo sistêmico. O modelo nunca foi efetivamente implantado e ficou no

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papel, fazendo predominar o modelo catedrático e departamental, que temos até hoje nas

universidades.

Bem pessoal, por “hoje” é só, mas na aula que vem, retomaremos esse panorama a partir de

meados do século XX aos dias de hoje. Até lá!

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UNIDADE 22

Políticas Públicas da educação - Panorama Histórico Recente

Objetivo: Estudar de forma critica o panorama histórico da educação no Brasil,

contextualizando-o e localizando-o histórica e geograficamente

Gabriele Greggersen

Olá gente boa,

Espero que tenham digerido bem a aula passada em que começamos a tratar do complexo

problema das Políticas Públicas da educação. Não é de se estranhar

que o clima de “otimismo pedagógico”, que imperava até pouco antes

do Golpe Militar, com a criação da ANPED (Associação Nacional de

Pesquisas Educacionais) e a organização de uma massa crítica,

capaz de pensar a educação de maneira mais sistemática,

organizando movimentos de educação popular. Esses movimentos

foram totalmente extirpados com o fechamento de instituições de pesquisas pedagógicas e

reformulação da LDB de 1961, que era humanista e assistencialista, em que ainda vigia o

“otimismo pedagógico”, substituindo-a pela de 1971, com caráter claramente elitista.

Uma maneira fácil de notar o predomínio da tecnocracia no tratamento de questões

educacionais nesse país são os dirigentes: ministros e secretários da educação, reitores de

universidades públicas (e privadas), etc. Pode-se contar nos dedos os que realmente eram

educadores na prática. Embora não tivesse sido formado em pedagogia, o presidente

Fernando Henrique Cardoso, que ensinou muitos anos na USP foi uma rara exceção. Não

podemos deixar de fora também a atual Secretária de Educação Básica, Maria do Pilar

Lacerda Almeida e Silva, que passou mais de três décadas dando aulas na rede pública de

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ensino (o que não significa já que seja formada em educação propriamente dita). O fato é

que, embora o pedagogo seja aquele autorizado a dar palpite em todas os demais campos

do saber que lidem com o ensino, todos os demais campos acham que têm algo a dizer

sobre a educação, enquanto nós, educadores, nos mantemos confortavelmente calados

(com exceção das chamadas reuniões pedagógicas que já mudaram de nome inúmeras

vezes, mas normalmente mantém a sua ineficácia para a solução efetiva dos problemas.

Sem falar da falta de continuidade que os demais campos políticos brasileiros também

sofrem. É espantoso o número de ministros de educação que já tivemos e raros os que

permaneceram mais de um ano no poder.)

Então, vamos nos debruçar mais um pouco sobre a história de meados do século XX.

Oliveira (2004) comenta:

A posterior e progressiva organização da estrutura educacional brasileira terá três

momentos marcantes: o de expansão da demanda social, durante a Primeira

República, cuja melhor expressão será o movimento escola-novista; o de

consolidação, através das reformas Francisco Campos (1931-1932) e Gustavo

Capanema (1942-1946); e o terceiro momento, de crítica e balanço, no pós-1946, que

culmina com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, em 1961, pelo governo João Goulart.

No entanto, em todos estes momentos históricos irá predominar a assistência ao

ensino das elites e o despropósito com a universalização da educação popular,

condição necessária para a consolidação da democracia brasileira. Somente na

década de 1990, durante os dois governos do ex-presidente Fernando Henrique

Cardoso, é que o desenvolvimento do ensino fundamental será estimulado a ampliar

de forma efetiva as oportunidades de acesso, ainda que em termos qualitativos

continue a demandar esforços significativos — sem contar os desafios que significam

o baixo atendimento na educação infantil e a difícil questão do ensino médio,

principalmente o da rede pública que não consegue preparar seus alunos para o

ingresso universitário.

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A esperança é que a partir de uma nova conjuntura política essa importante dívida

social seja resgatada para que o Brasil finalmente possa ingressar no rol das nações

que oferecem a sua população o maior legado da civilização ocidental: o direito a uma

educação que sirva não só para a reprodução material e o desenvolvimento

econômico, como também para a elevação sociocultural que permita a construção de

uma identidade nacional soberana e solidária – a base de uma sociedade mais justa e

democrática.

A polarização entre o ensino católico e protestante; e entre o confessional e laico não são as

únicas controvérsias existentes no

sistema de ensino brasileiro, que

desde seus primórdios oscila entre

pólos opostos: maior ênfase na

socialização ou então na

individuação; na tecnologia ou na

arte; enfim na qualidade para

poucos ou na democratização; na

centralização ou descentralização,

como se fossem mutuamente

excludentes, parece agora rumar para uma síntese. Talvez uma das polarizações mais

essenciais seja aquela entre teoria e prática na educação básica, fundamental e média, mas

principalmente na de ensino superior, em que o perigo de elitização através do “funil” da

abstração e da linguagem excessivamente acadêmica, reservada a poucos especialistas.

Todas essas contradições e ambiguidades entram em crise por praticamente todo o mundo,

com propostas “universais” como a Declaração dos Direitos Humanos e as propostas de

“Educação para todos”, de órgãos como da UNESCO, e movimentos de “educação para

todos” como o de Jomtien, que praticamente exigem uma visão menos polarizada ou

fragmentária e mais holística e dialética da educação.

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Entretanto, mais recente (todas as anteriores pendiam para a postura liberal), desde a

promulgação da LDB 9394/96, antes mesmo da Constituição de 1998, não se pode mais

fazer essa polarização de maneira tão clara. Leia esse outro resumo bem didático para

reforçar a respeito do desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil. O professor

Délcio acrescenta a essas ainda as chamadas “Tendências Pedagógicas pós-LDB 9.394/96”.

Vejamos o que ele diz:

Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n.º 9.394/96, revalorizam-

se as idéias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Um dos pontos em comum entre esses

psicólogos é o fato de serem interacionistas, porque concebem o conhecimento como

resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto. De acordo com ARANHA

(1998), o conhecimento não está, então, no sujeito, como queriam os inatistas, nem no

objeto, como diziam os empiristas, mas resulta da interação entre ambos. Para citar

um exemplo no ensino da língua, segundo essa perspectiva interacionista, a leitura

como processo permite a possibilidade de negociação de sentidos em sala de aula. O

processo de leitura, portanto, não é centrado no texto, ascendente, bottom-up, como

queriam os empiristas, nem no receptor, descendente, top-down, segundo os inatistas,

mas ascendente/descendente, ou seja, a partir de uma negociação de sentido entre

enunciador e receptor. Assim, nessa abordagem interacionista, o receptor é retirado

da sua condição de mero objeto do sentido do texto, de alguém que estava ali para

decifrá-lo, decodificá-lo, como ocorria, tradicionalmente, no ensino da leitura. As idéias

desses psicólogos interacionistas vêm ao encontro da concepção que considera a

linguagem como forma de atuação sobre o homem e o mundo e das modernas teorias

sobre os estudos do texto, como a Lingüística Textual, a Análise do Discurso, a

Semântica Argumentativa e a Pragmática, entre outros.

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204

E o autor conclui que as tendências liberais (tradicional,

renovada e tecnicista) nunca se comprometeram de fato

com a mudança social, contribuindo para a reprodução do

status quo e tornando-se “aparelhos reprodutores do

Estado” por assumirem uma postura de “neutralidade”

político-social. As chamadas posturas “progressistas”, ao

contrário, acentuadas com a nova LDB, contribuíram, e

muito para o avanço da reforma social. No entanto, ao que

tudo indica, continuamos com uma educação à qual se

está longe de dar prioridade político-social - já que as

questões sociais são tratadas separadamente e em outras

instâncias - e refém das políticas internacionais,

principalmente de financiamentos do Banco Mundial e do

Bird. Sem falar do desnorteamento da grande maioria dos

educadores diante de propostas avançadas como dos PCN transversais (temas como ética e

sexualidade), os de inclusão social e digital e as várias mudanças e inovações nos sistemas

de avaliação do rendimento escolar e de financiamento da educação têm ocasionado, como

poderão ler na última aula dedicada a esse assunto.

Pelo menos os filósofos têm visto tais iniciativas com certa reserva, vendo as ditas teorias

“interativistas” e outros modismos com certa reserva e crivo crítico. Perguntam-se até que

ponto tais teorias podem não passar de reflexo de uma visão

reducionista da realidade educacional, por demais complexa.

Não se pode precisar até que ponto as chamadas posturas

“liberal” ou “progressista” têm influência sobre a tendência

pedagógica de cada um, apesar de admitirmos que existe, de

fato um “currículo oculto” por detrás das diferentes posturas em

sala de aula, bem como nas entranhas das instituições

educacionais.

Assim, depois de quase duas décadas praticamente mortas em

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205

termos de pesquisa e ação educacional no Brasil, rendida que estava a um discurso

meramente denunciatório, grandes esperanças foram investidas na década de 90.

Particularmente após a promulgação da nova LDB em 1996 e as iniciativas do banco

mundial, em especial com a implantação do Fundef (Fundo de Manutenção do Ensino

Fundamental e de Valorização do Magistério), colhem-se novas esperanças em torno da

educação. Esse fundo estadual que vincula automaticamente parte dos recursos ao Ensino

Fundamental, já tem sinalizado avanços de acordo com as últimas avaliações de âmbito

nacional, principalmente no ensino básico. Essa iniciativa se insere no processo de

descentralização do sistema de ensino, projetado no final da década de 80 e executado, em

parte, na de 90, em que se consolida a tendência também à municipalização dos serviços

educacionais. Pela lei, 60% das verbas do Fundef devem ser aplicadas na remuneração do

Magistério e na capacitação de professores leigos.

O Fundef vincula 15% dos impostos. Os outros 10% dos 25% que devem ir para a

Educação precisam ser aplicados pelos Estados no Ensino Médio. O problema é que

alguns deles investem muito no Ensino Superior. Mais uma vez, a questão é de

coerência na distribuição das verbas. Não sou contra o Estado investir em

universidades, contanto que o Ensino Médio esteja bem. Priorizar o Ensino Superior é

uma atitude elitista. (idem)

Na perspectiva de Rodriguez (2001, on line), a primeira descentralização do setor

educacional e suas consequências deram-se entre 1988-1996:

O primeiro período do processo de descentralização educacional pode ser resgatado

resumidamente da seguinte maneira: a descentralização fiscal para estados e

municípios, iniciada na década de 1980, aumentou a disponibilidade de recursos

nessas instâncias governamentais.

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O grande problema, porém, é que

Para poder acompanhar esta tímida expansão da oferta no ensino fundamental, por

parte dos municípios, foi necessário recorrer a toda uma série de artifícios contábeis

para cumprir as disposições constitucionais de gasto. Encontram explicação nestes

artifícios todas as formas de desvio na execução orçamentária dos recursos da

educação para outras atividades dos poderes públicos. Foi este, durante a década de

1990, um dos principais problemas apontados pelos foros educacionais. E foi a partir

deste cenário que a União encontrou legitimidade para intervir nacionalmente na

política educacional. Assim, após a resistência de quase uma década dos prefeitos

municipais e governos estaduais para conduzir um processo articulado de

descentralização da oferta educacional entre as esferas governamentais, houve a

intervenção do governo federal por meio da Emenda Constitucional nº 14/96 e da lei

9324/96, as quais concretizam um novo cenário de coordenação do processo. Não há

intermediação política e a burocracia é mínima. O dinheiro é distribuído

automaticamente para as redes municipais e estaduais de cada unidade da Federação

de acordo com o número de alunos matriculados no Ensino Fundamental segundo o

censo do ano anterior. Em 1998, o Fundef movimentou 13,3 bilhões de reais e, em

1999, a previsão é de 14,1 bilhões. Entretanto, ele hoje atende apenas o ensino

fundamental, devido à fratura no sistema educacional brasileiro provocado pela nova

LDB (Capítulo II, Seção I a V e artigo 8 1º), embora existam projetos para ampliação

para a pré-escola e a educação de jovens e adultos, que ficaram fora do cálculo per

capita. Assim, houve uma fuga de fundos para a educação infantil, para o ensino

fundamental e um recuo da oferta de serviços educacionais no nível dos municípios

(idem).

Mais adiante o autor mostra o outro lado da autonomia dos municípios sobre a

educação, que hoje, tende a ser novamente centralizada (diz-se até que a

CAPES vai assumir o sistema da avaliação da rede de educação

fundamental...):

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A forte autonomia política dos municípios herdada de 1988, a total autonomia

financeira dos sistemas municipais de ensino na atual reforma e a falta de foros de

discussão político-institucional apropriados retiram dos estados a capacidade de

articular políticas educacionais estaduais, ou de coordenar os processos de correção e

ajuste das desigualdades geradas pelo próprio Fundo. Assim, deixaria de existir, aos

poucos, um sistema estadual de educação que seria substituído por múltiplos

sistemas municipais diversos e possivelmente desiguais. Este outro tipo de fratura

institucional não é de menor relevância que o anterior (idem).

Para dar conta desse problema, especialmente quanto à oferta de vagas de suplência, foi

preciso recorrer ao veto presidencial, contra a vontade política da maioria, que apoiava o

fundo.

Rodriguez mesmo explica o que entende por “descentralização selvagem” ou

descoordenada, que não levou em conta, nem combateu as diferenças regionais:

Falamos em fratura do sistema de educação básica, porque todos os níveis de ensino

deveriam ser planejados e articulados, no seu crescimento, de forma integrada pelo

sistema público como um todo. O "efeito" do Fundo é o contrário: a focalização

exacerbada dos recursos no ensino fundamental se faz às custas da exclusão dos

outros níveis de ensino (Oliveira, 1999). (idem)

Outro problema destacado pelo autor é que a maior parte do fundo é canalizada para os

municípios menores, com menor capacidade administrativa e poder para negar a

municipalização, como fizeram as cidades de Campinas, Londrina e Maringá, além da

histórica falta de compromisso da União com o ensino fundamental.

Existia um destacado argumento redistributivo nas justificativas para promulgação da

Lei 9424/96, que aventava a ideia de que o Fundo teria três impactos decisivos no

sistema educacional:

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- Reduziria as desigualdades de oferta desse nível de ensino no âmbito nacional.

- Elevaria os índices de qualidade da oferta desse nível de ensino.

- Iria estruturar um verdadeiro sistema descentralizado de ensino.

O governo federal tem realizado várias manobras para burlar esta responsabilidade. A

primeira manobra deu-se quando da promulgação da Emenda constitucional que

constitui a base para implantação do Fundef. Através dela o governo federal reduziu o

percentual dos seus recursos vinculados que deveriam ser aplicados no ensino

fundamental. Este percentual caiu de 50%, segundo regia o artigo 60 das disposições

transitórias da Constituição de 1988, para 30%. Este fato representou uma contradição

no discurso oficial, já que depois de encampar a política dos organismos

internacionais que declaram a necessidade de priorizar o ensino fundamental no Brasil

e estabelecendo esta prioridade na política educacional do país, o governo federal

tomou uma medida que diminui a sua responsabilidade (idem)

Para fazer passo com as mudanças no quadro da educação brasileira, que felizmente vem

melhorando em termos de índices de crianças alfabetizadas e frequentadoras das escolas,

desde 1999, com o PEC 112, extinguiu-se o Fundef, criando o Fundeb, que além receber as

transferências do Fundef, passa a ter destinados 25% da receita tributária própria: IPTU,

ISS, ITBI e IRRFSM.

Para visualizar melhor as novidades trazidas pelo novo fundo, aproveitamos a seguinte

tabela, disponível em

http://74.125.47.132/search?q=cache:ie5mTWLI-

PcJ:ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf+fundef+e+funde

b&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Ou no link “Estudo Complementar” da sua sala de aula.

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209

Isso até seria compreensível, se tudo estivesse às mil maravilhas com a educação, mas há

deputado que defende que é preciso investir no mínimo 7% do PIB nela para resolução dos

problemas mais urgentes.

Além da falta de iniciativa para a busca de novas formas de financiamento da educação no

Brasil, outra forma de se isentar da sua responsabilidade é desrespeitar o mínimo per capita,

estipulado em R$ 423,45 por ano, pagando muitas vezes apenas R$ 315,00, além de se dar

ao direito de intervir nos municípios, através dos chamados Conselhos de Acompanhamento

e Controle Social (Cacs). Tais medidas ao menos estão

dando conta de outro problema histórico, que sempre foi

a heterogeneidade na coleta de dados e as estatísticas

a respeito do sistema de ensino que inviabilizava a

pesquisa em grande parte e a visualização de um

quadro realista da situação e evolução do processo.

A meu ver, paradoxalmente, os Cacs são órgãos que reforçam a tendência à centralização

que nunca foi totalmente abandonada no Brasil, paradigma esse que temo que nem mesmo

tenhamos maturidade suficiente, em termos culturais, sociais e cidadania, para quebrar.

Apesar de a nova LDB ser fruto da reflexão filosófica de uma só pessoa, o falecido Darcy

Ribeiro, sem dúvida ela apresenta várias inovações interessantes. Vamos enumerá-las:

A promoção do desenvolvimento de Projetos Político-Pedagógicos ou Projetos

Pedagógicos de Curso, com ampla participação da comunidade e todos os

participantes da instituição de ensino, no lugar dos burocráticos e autocráticos Planos

Escolares, que não passavam de formalismos;

A substituição dos Guias Curriculares tecnocráticos e impostos de cima, pelos PCN

(Planos Curriculares Nacionais) e das Diretrizes Curriculares para as instituições de

ensino superior, como resultado de amplas discussões nas entidades de classe;

O aumento da autonomia das Universidades, e mais flexibilidade em relação às

instituições isoladas;

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Implantação dos sistemas de avaliação de promoção automática e a criação do

SINAES e consequente maior controle sobre o aumento desenfreado das faculdades

isoladas e melhora do sistema de cobrança de planos de carreira e promoções,

baseadas em titulação;

O incentivo à criação de órgãos internos às IES, responsáveis pela autoavaliação

contínua, visando à redução do intervencionismo do INEP e outros órgãos externos

nos mesmos;

Implantação de leis que promovam a inclusão social, digital, racial e para pessoas

portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida (conf. Decreto 5296, de 02 de

dezembro de 2004);

Implantação de programas de inclusão social e digital;

Ampliação da rede de educação à distância com a implantação da Universidade

Aberta;

Implantação do Prouni,

e tantas outras iniciativas, que mostram a boa vontade do governo em melhorar suas

políticas públicas da educação, embora a mesma ainda não seja assunto premente e que

continue sofrendo forte interferências de órgãos externos como o FMI e o Banco Mundial.

O fato é que, por mais diversidade que tenhamos nas filosofias educacionais e nas posturas

em sala de aula, não há como negar a predominância das tendências neoliberais, tanto no

discurso, quanto, mais intensamente ainda, nas práticas pedagógicas.

Na próxima unidade, falaremos um pouco mais sobre as diversas “tendências de ensino” que

disputam espaço no cenário educacional de hoje. “Vejo” vocês por lá!

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É claro que o Fundef já teve melhorias inquestionáveis com o Fundeb, que aumentou a

percentagem de participação de estados, municípios e governo federal na educação.

Acontece que ainda há muita margem para "empurra-empurra" de responsabilidades nesse

verdadeiro jurisdicismo que temos no Brasil em termos de legislação do ensino e que

certamente poderá ser aproveitada pelos mais espertos

Para visualizar melhor as novidades trazidas pelo novo fundo, aproveitamos a seguinte

tabela, disponível em

http://74.125.47.132/search?q=cache:ie5mTWLI-

PcJ:ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf+fundef+e+funde

b&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

ou como se pode ver por esse quadro tão bem elaborado pelo próprio governo:

<ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf>

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UNIDADE 23

Políticas Públicas da Educação: Tendências Pedagógicas

Objetivo: Estudar de forma critica as tendências pedagógicas, de acordo com seu

posicionamento político, já considerado inalienável da postura pedagógica, didática e

filosófica do professor e das instituições de ensino.

Prof. Gabriele Greggersen

Olá gente boa,

Para introduzir essa aula, gostaria que você lembrasse nesse instante de um professor que

você já teve e que considera de “boa didática”. Do que você lembrou? Seu uso de recursos

técnicos, o material didático que ele usava, um ou outro conteúdo, ou da sua “cara”, seu

rosto, “seu jeitão”?

Certo, você se lembra da segunda alternativa. Nesse sentido, a didática envolve toda uma

“postura” e forma de abordagem que o professor tem das coisas. Ou seja, você se lembra da

filosofia de trabalho daquel(a)e(s) profess(a)or(res), que também envolve uma ideologia, ou

visão política e uma visão de mundo. Certamente ser um bom professor envolve ainda

talentos e vocação. Assim, existem tantas “didáticas”, quanto existem professores.

Historicamente, podemos classificar alguns desses “jeitos” ou “estilos” em grandes correntes.

A maioria delas persiste até hoje, outras foram praticamente extintas. Mas nenhuma delas

pode ser encontrada “pura” em nenhuma sociedade. O que é mais usual encontrar, em

especial nas escolas mais “modernas” é um discurso “construtivista”, combinado com uma

prática tradicional maquiada.

O professor Délcio Barros da Silva oferece um excelente resumo dessas tendências

pedagógicas, que podem ser inicialmente separadas em “conservadoras” e “progressistas”.

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Nosso resumo das tendências pedagógicas baseia-se em MASETTO, Marcos. Didática: a

sala como Centro. São Paulo, FTD, 1997. De uma maneira bastante sumária, poderíamos

dividir as tendências pedagógicas, de acordo com seu posicionamento político, já

considerado inalienável da postura pedagógico, didática e filosófica do professor e das

instituições de ensino.

A. CONSERVADORAS

Tradicional

Centraliza a ação no professor e no ideal do magister dixit. A relação professor-aluno baseia-

se na dominação do sabedor sobre a tábula-rasa, que é o educando (incl. Rousseau, Locke,

Herbart, Decroly, Montessory, Pestallozzi, etc.).

O método tradicional parte do pressuposto de que ensinar é transmitir

conhecimentos. Logo, aprender é assimilar ou absorver conhecimentos.

A função da escola é de ser um agente preparador, que auxilia o aluno na

inicialização ao caminho cultural.

A educação é bancária, conteudista, estática e unilateral.

O conteúdo é preparativo para a vida, pautado pelo enciclopedismo, intelectualismo e

racionalismo, sendo desenvolvido pelo aluno através de exercícios repetitivos.

O método serve para despertar o interesse do aluno, uso de verbo, giz e ponto na

lousa, exercícios de aplicação padronizados e de raciocínio no final da aula, seguindo uma

sequência lógica preparada previamente pelo professor.

A relação professor-aluno é autoritária.

A filosofia parte dos pressupostos a da tábua rasa, do exercício, da abstração, da

repetição mecânica e do elitismo (democratizar é baixar a qualidade de ensino).

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Enfatiza-se o espaço da sala de aula, onde os alunos recebem instruções, ensinadas

pelo professor.

Os conteúdos e informações têm que ser passados de forma eficiente, sendo

reproduzidos e imitados como modelos.

Bom professor é o que fala muito e bem, o conteúdo verbalizado deve ser

memorizado.

Preocupa-se com a sistematização dos conhecimentos apresentados de forma

acabada.

Comportamentalista/Behaviorista/Skinneriana

Baseada na ideia de que a técnica poderá substituir a competência do professor,

garantindo, por si mesma, a aprendizagem. Inclui-se aqui o behaviorismo (Skinner), as

"máquinas de ensinar“, o moderno “ensino à distância”. Baseia-se no princípio do

estímulo e da resposta e na visão evolucionista do conhecimento.

Ensinar consiste num arranjo e planejamento de condições externas que levam os

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estudantes a aprender. É de responsabilidade e compromisso do professor garantir o

bom comportamento do aluno.

Os elementos mínimos a serem considerados no processo de ensino são: o aluno;

objetivos de aprendizagem; o planejamento estratégico, (que garantirá o sucesso da

aprendizagem), e alcance dos objetivos.

Aprender é adotar o tipo de comportamento esperado dos alunos, o qual foi adquirido e

mantido por estímulos (condicionantes) e reforçados, respondendo positivamente a

certos estímulos (elogios, notas, graus, pontos positivos, prêmios, reconhecimento dos

colegas, vantagens, esperanças de ascensão social e sucesso profissional).

A escola serve para modelar o comportamento, organizar, adquirir habilidades, atitudes

e informações específicas.

A educação é a porta para o progresso, civilização e sucesso profissional.

O conteúdo é regido pelas leis naturais, competência, precisão de informações,

eficiência e objetividade.

Os métodos devem ser autoinstrutivos, através de manuais, livros didáticos, máquinas

de ensinar, multimeios, ensino programado e modular, instrumentos de avaliação.

A relação professor-aluno é técnica e profissional focada na qualidade do produto final.

O professor é o coordenador das atividades e o aluno, o executor.

Filosofia pressupõe a organização, o controle, o respeito às leis naturais e a motivação.

Alguns expoentes: B. F. Skinner, Ivan Pavlov.

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Humanista ou Não-Diretiva

Funda-se na liberdade e poder auto-organizador do aluno. O professor é mero auxiliador da

criança (Neil, Makarenko, Illich, etc.). Podemos acrescentar nessa tendência ainda a

Tendência Institucional, em que o professor é o conselheiro do grupo, que tem uma

capacidade auto-organizadora e terapêutica (incl. Lobrot, Lapassade, Lebfebvre, Snyders,

Carl Rogers, etc.)

Ensinar é facilitar a aprendizagem através de uma prática terapêutica. O ensino centra-

se na pessoa do aluno, o que implica orientá-la para sua própria experiência para que,

dessa forma, construa a sua própria ação.

Aprender é interagir com os demais participantes de modo a provocar envolvimento

pessoal e suscitar mudanças no comportamento e nas atitudes.

A escola é vista como meio de formação de atitudes e valores humanos,

autodesenvolvimento e realização pessoal.

Educar é considerar a pessoa em sua sensibilidade e sob o aspecto da realização

pessoal e de potencialidades, que passam a ser incluídas efetivamente na

aprendizagem. É o educando que avaliará o sucesso ou fracasso da mesma.

Os conteúdos são vistos como meio para facilitar a aprendizagem e despertar o

interesse e a experiência do aluno.

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Os métodos são válidos na medida em que servem para a conscientização do aluno e

da pesquisa e descoberta autônoma, não-diretiva.

A relação professor-aluno é democrática, confiante, aberta e participativa, respeitadora,

valorizadora do eu.

Pressupostos filosóficos são a centralização no aluno, a autonomia e a psicanálise.

Entre os inspiradores dessa tendência, podemos citar A.Neil, Rogers, Ausubel,

Alexander S. Neil e Rudolf Steiner, fundador das escolas Waldorf.

Cognitivista, Piagetiana Ou Escolanovista

A tendência muito influenciada pela Escola Nova centra-se no aluno e na sua ação. O

enfoque da educação passa do ensino para a aprendizagem. A qualidade de todo o processo

depende do planejamento mais apropriado, de acordo com objetivos adequados ao nível e

fase do aluno (incl. Piaget, Dewey e todas as metodologias construtivistas). Há uma

valorização do Método Clínico - seu principal aspecto é o da reconstrução do raciocínio

construído pelo aluno, com vistas à determinação do estágio em que ele se encontra e

superação do mesmo. Os professores que seguem essa linha costumam pedir aos alunos a

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virem até a lousa, ou ir até eles para que expliquem o seu raciocínio, mesmo que errado,

para não punir o aluno por seus erros, mas fazer com que aprendam com eles (também

chamado de método de ensaio e erro).

Ensinar é provocar o educando a sair de sua posição acomodada e desafiá-lo a atingir

um novo patamar no seu desenvolvimento cognitivo. É despertar o interesse e a

experiência do aluno.

O ensino é baseado no ensaio e erro, na pesquisa, na investigação, na solução de

problemas por parte do aluno e não na aprendizagem de fórmulas, nomenclaturas,

definições, etc. Assim, a primeira tarefa da educação consiste em desenvolver o

raciocínio.

O ponto fundamental do ensino, portanto, consiste em um processo e não em produtos

de aprendizagem.

Aprender é “aprender a aprender” de forma significativa. A aprendizagem só se realiza

realmente quando o aluno elabora seu conhecimento. Isso porque conhecer um objeto é

agir sobre ele e transformá-lo.

O mundo deve ser reinventado.

A escola serve para adaptar o indivíduo às exigências de sua realidade. Como retrato da

vida, ela representa uma experiência construtiva.

O mais importante na educação é a organização do conhecimento, o processamento

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das informações e os comportamentos relativos à tomada de decisões.

Representantes: E. Ferreiro

B. PROGRESSISTAS

Sociocultural, Crítica (dos Conteúdos), Libertária ou Progressista

A escola do mundo capitalista é vista como reprodutora da ideologia dominante, mas isto não

a isenta de seu compromisso de administração dos conteúdos, que são patrimônio comum

da humanidade, com a conscientização crítica e libertação do aluno (incl. Gramsci, Marx,

Paulo Freire – em sua fase final, Saviani, etc.). Segundo o professor Saviani, da Unicamp, os

professores que seguem essa tendência não devem ver o conteúdo como algo secundário,

priorizando o debate sobre temas políticos e polêmicos. Pois quando isso acontece (e

acontece muito, principalmente em aulas de EJA - Educação de Jovens e Adultos), trata-se

de uma pedagogia Problematizadora, ou seja, parte de um problema ou uma

problematização, da qual se extrai um “tema gerador”, extraído da realidade circundante, que

demanda respostas e ações transformadoras. Funda-se ainda no desvelamento de

pretensas "tramas ocultas“ que ameaçam manter o aluno na ignorância e alienação, por meio

da crítica negativa (até de si mesmo)

O ensino é visto como dialeticamente ligado à aprendizagem. Uma situação de ensino-

aprendizagem, entendida em seu sentido global, deve procurar a superação da relação

opressor-oprimido, através de condições como

Solidarizar-se com o oprimido, o que implica assumir a sua situação;

Transformar radicalmente a situação objetiva geradora de opressão.

A educação problematizadora busca o desenvolvimento da consciência crítica e da

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liberdade como meios de superar as contradições da educação tradicional.

A educação é um constante ato de desvelamento da realidade, um esforço permanente,

através do qual os homens vão percebendo criticamente como estão sendo no mundo.

Neste processo, os alunos deverão assumir desde o início o papel de sujeitos criadores.

A escola é vista como meio de difusão de conteúdos vivos e concretos, que servem ao

interesse comum e social; de democratização de conhecimentos e transformação

histórica das consciências e das relações de trabalho, rumo ao exercício da cidadania.

Os conteúdos servem para dar acesso ao patrimônio cultural comum da humanidade,

tornando o educando um “cidadão do mundo”. É responsabilidade do professor dar

acesso a tais conteúdos pois o educando tem direito a iguais oportunidades de

crescimento profissional e pessoal.

Os métodos mais comuns são os do “diálogo desigual”, dar acesso, explicitação de

objetivos, dialética da continuidade-ruptura, debate e compreensão de temas ligados ao

cotidiano social. As aulas são organizadas em forma cíclica seguindo o esquema ação-

compreensão-ação-síntese.

A relação entre educador e educando é cooperativa, pois ambos são sujeitos de um

processo pelo qual crescem juntos, porque 'ninguém educa ninguém, ninguém se

educa. Os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo' (Paulo Freire).

Os pressupostos dessa tendência resumem-se ao marxismo, à ética do esforço próprio,

à filosofia do intelectual orgânico socialmente engajado, da estrutura cognitiva e do

comprometimento com resultados.

Os grandes inspiradores dessa vertente são: Paulo Freire, Snyders, Saviani,

Makarenko, Gramsci, Freinet, etc.

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Da nossa parte, acrescentaríamos os seguintes métodos, uns mais "populares“ do que

outros:

Método Maiêutico – concebido por Sócrates em homenagem à sua mãe, que era parteira,

caracteriza-se pelo diálogo com o aluno, desafiando-o ao questionamento e busca da

verdade.

Método Escolástico - caracteriza-se pelo equilíbrio entre as ideias e as ações, entre a teoria e

a prática, a escuta e a palavra, o insight e a sabedoria.

Pedagogia dos amthal - baseia-se no potencial educacional milenar dos exemplos, contos

populares, provérbios, parábolas, etc. e na sabedoria dos antigos.

Como se pode ver, nenhuma das tendências é “boa” ou “má” em si, já que se trata de

posturas metodológicas. Já discutimos anteriormente que o procedimento metodológico faz

parte das atividades-meio e não atividades-fim da sala de aula.

Enfim, meus/minhas car(a)os amig(a)os, teríamos assunto para mais um curso, se

focássemos somente nesse tema, mas acho que não é essa a nossa proposta. Daí que nos

concentremos nele em apenas seis unidades, a começar por esta.

Então, espero que tenham gostado dessas “mal traçadas linhas” e que leiam todos os textos

propostos para essa unidade. Até a próxima!

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UNIDADE 24

Políticas Públicas de Educação: Dando nome aos bois

Objetivo: Identificar o cenário político-pedagógico mais recente e compreendê-lo mais a

fundo. Conceitos e discussão dos conceitos de Direitos Humanos e Cidadania.

Gente boa,

Tudo preparado para darmos mais uma olhada no assunto “políticas públicas”? Eu sei, nem

todos vocês, eu diria até uma minoria, gosta do assunto por sua complexidade e

comprometimento. Hoje em dia, estamos mais interessados em parecermos “politicamente

corretos”, do que sermos realmente politicamente engajados.

Para começo de conversa, a constituição Federal Brasileira diz que a educação é um direito

inalienável de toda a criança brasileira e uma obrigatoriedade cuja responsabilidade recai

sobre os pais ou tutores adultos.

Também a LDB confirma esse direito

e obrigatoriedade, regulamentando o

sistema de ensino, principalmente, no

que diz respeito à sua qualidade, ou

seja, aos aspectos administrativos,

políticos e pedagógicos.

Mas o que é educação? De acordo

com o Dicionário do Ministério da

Educação é Cultura (1981, 389)

educação é “instrução; civilização;

formação das faculdades intelectuais;

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polidez, cortesia”. Já “educar” é mais abrangente “Estimular, desenvolver e orientar as

aptidões do indivíduo, de acordo com os ideais de uma sociedade determinada; aperfeiçoar e

desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais de; ensinar; instruir; domesticar,

adestrar”.

Do ponto de vista cristão, a educação é sempre algo que diz respeito à formação do homem

integral, do homem visto como totalidade, criado à imagem e semelhança de Deus. Tanto

para o grego, quanto para o judeu e o cristão, a educação é entendida como paidéia, ou seja,

Bildung no alemão (Bild – imagem), que é a formação segundo uma imagem, modelo ou

ideal, que põe para fora o ser (e- para fora; cere – o ser), o ser como pessoa e cidadão. E um

elemento fundamental nessa formação é que ela inclua as grandes questões da vida, ou

seja, uma cosmovisão (o que é a verdade?, a realidade interna e externa?, a morte, a

felicidade?, etc.). Numa perspectiva cristã, é o despertar do ser como design inteligente, de

uma criatura da forma como foi “bolada” ou “forjada” por Deus. É isso que fundamenta a

diversidade e alteridade entre os indivíduos, já que Deus pode se projetar numa quantidade

infinita de imagens. Mas é isso também que fundamenta sua igualdade, que é uma das

finalidades da educação, como elucidava o jornalista britânico, G. K. Chesterton (1874-1936):

Todos os direitos constantes da Declaração de Independência dos Estados Unidos da

América fundamentam-se no fato de que Deus criou todos os homens iguais; e isto é

correto, pois, se eles não tivessem sido criados iguais, certamente teriam se

desenvolvido de forma desigual. Nunca se terá base suficiente para defender a

democracia, a não ser, através de uma doutrina acerca a origem divina do homem....

Não só é verdade que uma crença une os homens, como certo é que, desde que uma

diferença nela seja bem definida, essa mesma diferença também faz uni-los. Uma

fronteira determina união. Sucede exatamente o mesmo com a política. A nossa

imprecisão política divide os homens, não os une. Com o céu limpo, os homens

podem caminhar pela beira de um abismo; com nevoeiro, afastar-se-ão milhas da

ravina que os separa.” (on line, Chesterton, 2000).

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Assim, como se pode observar no clássico de Chesterton, Ortodoxia, recentemente lançado

em edição centenária pela editora Mundo Cristão, restaurar as bases da fé cristã, que é a

principal missão do educador cristão, é o mesmo que lutar por valores universais como a

coragem, a fé, a justiça, a democracia, a liberdade. Tais valores dão sentido à existência de

cristãos e não cristãos. Nesse sentido, explica ele, nenhuma educação pode ser desprovida

de dogmas, do contrário ela se torna hipócrita, desnorteada e desvirtuada, e totalmente sem

base. Por outro lado, a necessidade de parâmetros ou diretrizes claras não significa

necessariamente dogmatismo, que é tão deplorável quanto a falta de paradigmas. Quanto

mais universais forem essas diretrizes, ou grandes princípios da vida, melhor para a

coletividade. As autoridades governamentais felizmente já notaram a necessidade de tais

“dogmas” ao publicar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes

Curriculares dos cursos de graduação.

Nessa mesma linha “mistificadora”, há quem diga, e eu tendo a concordar em parte com

essa visão, que o educador que encara o seu papel social e individual como “sacerdócio”,

acaba se tornando nada mais do que um reprodutor da ideologia dominante, deixando-se

explorar e manipular passivamente. O mesmo vale para a instituição chamada “escola”. Por

outro lado, se aplicarmos essa ideia de forma determinista, acabaremos nos lançando em um

ciclo vicioso intransponível, recaindo numa abordagem meramente denunciatória e

negativista da educação.

Em um de seus primeiros livros, Pedagogia do Oprimido, o educador cristão Paulo Freire,

embarcou nessa “onda” pessimista quando esteve no exílio. Já em Pedagogia dos Sonhos

Possíveis, ele não se cansa de repetir: “a educação não pode tudo, mas pode alguma coisa”.

Achar que pode ela tudo era o pensamento da época do chamado “otimismo pedagógico”,

em que “estudar” era sinônimo de “ser alguém na vida”. E essa “alguma coisa” é a missão é

o campo missionário do educador, especialmente do educador cristão, como veremos mais

adiante. Como essa “alguma coisa” é predominantemente oferecida pela escola secular,

então a escola é o campo missionário primordial do educador, embora não fosse o único. Daí

a importância do educador contextualizado inserir-se no seu tempo, para fazer as demais

instituições educacionais cooperarem numa mesma direção.

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Felizmente, as autoridades governamentais já perceberam a

importância de as escolas terem uma missão e uma visão

institucional, inseridos em um Projeto Político-Pedagógico,

inspirando-se nos grandes empreendimentos. E para o nosso alívio,

também reconheceram a necessidade, em um país que se considera

historicamente cristão, reinstituir o ensino religioso nas escolas públicas, embora ninguém

saiba muito bem como fazê-lo em um contexto que de discurso “pluralista” e “ecumênico”. O

que se esqueceu foi de onde surgiu toda essa história de missão. Não estaria já na hora de

nós, educadores, lembrar-nos disso e assumir esse tão difícil, mas glorioso papel?

Da mesma forma que defende o direito de toda criança à educação, a Constituição Federal

defende o direito à liberdade de expressão da fé religiosa, bem como a sua livre prática.

Então, depois de termos nos perguntarmos sobre o que é educação, é preciso perguntar-nos

agora, a que tipo de educação todos têm direito.

A professora livre docente da FEUSP, Maria Vitória Benevides (2000), defende que a

manutenção da igualdade e do estado de direito não depende tanto da lei, mas muito antes

de um projeto educacional mais amplo, que chama de "Educação para a Democracia" (EPD)

e que começa pela formação dos líderes de governo:

A EPD na dimensão de formação de governantes significa, concretamente, a

preparação para o julgamento político necessário à tomada de decisões. Trata-se de

enfrentar problemas - dos mais variados tipos - e o critério para o julgamento será

sempre o da justiça - decorrente dos valores da liberdade, da igualdade e da

solidariedade. Logo, a EPD é uma formação para a discussão, para a argumentação,

com o pressuposto da tolerância.

Infelizmente, porém, palavras como “manipulação”2 e seu antônimo, “tolerância”, como tantas

outras palavras do discurso educacional moderno, encontram-se bastante desgastadas pelo

2 De acordo com o Dicionário do MEC, manipular é “relativo ao manípulo romano, soldado que fazia parte do

manípulo, preparar com a mão; preparar com corpos simples (medicamente); engendrar; forjar” Já um dos

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tempo. O que vem a ser tolerância, palavra esta que é tantas vezes associada à igualdade?

Quem sabe a melhor estratégia para nos aproximarmos desse conceito seja a via negativa,

perguntando-nos o que tolerância não é.

Em primeiro lugar, a tolerância não pode ser entendida como omissão ou esquiva diante da

constatação da diferença, nem se trata de algum tipo de relativismo. Pelo contrário,

Benevides (idem) elucida que a verdadeira tolerância depende, antes de tudo, de uma

saudável capacidade de crítica (reconhecimento das contradições) e de argumentação:

A virtude da tolerância, aliada à arte da argumentação, não significa levar ao extremo

o temor do etnocentrismo e bloquear todo julgamento ético em nome do relativismo

cultural. Pascal já ironizava a distinção entre verdade e erro, conforme se estivesse de

um ou de outro lado da linha dos Pirineus. Mas o respeito à diferença não significa

esterilidade de convicções. Ao relativismo cultural, Karl Popper opõe o pluralismo

crítico, no sentido de que a velha ética, fundada no saber pessoal e seguro,

decorrente da autoridade, deve ser substituída por uma nova ética, fundada na ideia

do saber objetivo e, necessariamente, inseguro. Necessitamos de outras pessoas para

o descobrimento e correção de nossos erros - especialmente de pessoas que foram

educadas em culturas diferentes - e isso conduz à tolerância, o que não implica na

aprovação incondicional de práticas que violentam nossos próprios valores.... O que

não significa, evidentemente, propugnar algum tipo de uniformidade cultural. A própria

educação, segundo ele, deveria garantir o direito à informação, permitir a hipótese de

que, talvez, outros povos ou setores sociais numa mesma sociedade, podem ser

beneficiados por conhecerem formas alternativas de vida, concepções diferentes das

suas raízes. E ter, enfim, a liberdade de escolher. Nesse sentido, a educação para a

democracia é entendida como a educação para saber discutir e escolher (idem).

sentidos de “manípulo” é “pequena estola pendente do braço esquerdo do sacerdote, quando diz a missa.”

(1981, 694)

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Ora, essa capacidade argumentativa, não é inata, pelo contrário, ela é construída pelo

diálogo e pelo debate. Vemos aqui novamente a associação existente entre a igualdade de

direitos e a educação ou formação cultural da pessoa humana.

A desigualdade entre os seres humanos, ao contrário do que pressupõem os debates da

atualidade, não é um mal em si.

Para evitar as contradições entre a

alteridade e a identidade,

insuportável para o pensamento

reducionista e linear do mundo

contemporâneo, a valorização das

diferenças e do que há de especial

em cada um foi re-batizada e

exalta com outro nome: o chamado

“pluralismo” e o “multiculturalismo”.

Laing chamava esta necessidade

de distinção do ser humano de “busca pelo infinitamente outro". Todo ser humano precisa

desse deparar-se com o outro para lembrar-se de si mesmo. Se todos fossem iguais, não

passariam de uma massa informe, desprovida de personalidade e humanidade e não

sentiriam a necessidade nem da igualdade, nem da diversidade. Podemos chamar esse

fenômeno também de diversidade.

O poeta grego Píndaro, autor do famoso adágio “Torna-te o que tu és”, narra em um dos

seus mais belos poemas a história de quando os deuses apresentam a sua grande solução

para dar conta do único defeito encontrado na magnífica criação de Zeus em todo o Cosmos:

o homem. Sua avaria era o fato de que é um ser "esquecidiço", por definição. Não esquece o

dia do pagamento, do telefone da namorada, e de cobrar aquele devedor. O que esquece

são as coisas importantes da vida, e o que é pior, esquece o mais importante de tudo: quem

ele é. A solução que Zeus encontrou foi angariar os melhores dons junto aos deuses do

Olimpo para criar as musas, e enviá-las aos poetas com a missão de inspirá-los a lembrar-se

e fazer lembrar a humanidade de sua própria identidade. Ele sugere que o esquecimento não

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é um mal em si. De fato, seria impossível reter tudo na memória e é até importante

esquecermos certas coisas na vida. O caso começa a ficar problemático quando o homem se

esquece, além do número de telefone da sogra e da reunião de condôminos, de que não é

Deus e de que, tendo limitações sérias, precisa humildemente apelar para a ajuda externa

humana e divina. Nesse sentido, a educação é facilitadora, por excelência.

Mas quando o educador se esquece de seu papel, e se põe no lugar de Deus, torna-se

autoritário, tirano e manipulador. O mesmo acontece com o sistema educacional, quando as

decisões a respeito da educação são tomadas sem a devida participação dos envolvidos.

No entender de um dos reformadores do sistema de ensino espanhol, A. Lopes Quintás

(2002), a palavra “manipulação” temida por toda pessoa envolvida com educação hoje em

dia. Ela não está relacionada a alguma tolerância barata, que simula uma

pseudoneutralidade e pouco caso com as grandes questões da vida, como o sentido da vida,

o bem e o mal, Deus, e tudo o mais, com as quais todo educador deveria estar

comprometido. Pelo contrário, manipular está relacionado ao menosprezo ou desprezo do

outro, a não lhe dar o valor devido:

Manipular equivale a manejar. De por si, únicamente son susceptibles de manejo los

objetos. Un bolígrafo puedo utilizarlo para mis fines, cuidarlo, canjearlo, desecharlo.

Estoy en mi derecho, porque se trata de un objeto. Manipular es tratar a una persona o

grupo de personas como si fueran objetos, a fin de dominarlos fácilmente. Esa forma

de trato significa un rebajamiento de nivel, un envilecimiento. Esta reducción ilegítima

de las personas a objetos es la meta del sadismo. Ser sádico no significa ser cruel,

como a menudo se piensa. Implica tratar a una persona de tal manera que se la rebaja

de condición.

O pior tipo de manipulação que se vê na sociedade em geral hoje é a erótica, em que uma

pessoa trata a outra como objeto sexual, sem qualquer compromisso. Um nome mais

moderno para isso é assédio, que pode ser sexual ou moral. O autor explicita que os

manipuladores usualmente são pessoas bem próximas das vítimas no cotidiano, que querem

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vencê-las, sem preocupar-se em convencê-las, dando as mais refinadas razões ou motivos

para o que querem que façamos por elas. Usam e abusam das mais sutis táticas para atingir

o que bem querem. Assim, a manutenção da igualdade, está intimamente ligada, não

somente à educação, mas também aos valores que a norteiam:

Democracia é o regime político fundado na soberania popular e no respeito integral

aos direitos humanos. Esta breve definição tem a vantagem de agregar democracia

política e democracia social. Em outros termos, reúne os pilares da "democracia dos

antigos" - tão bem explicitada por Benjamin Constant e Hannah Arendt, como a

liberdade para a participação na vida pública - aos valores do liberalismo e da

democracia moderna, quais sejam, as liberdades civis, a igualdade e a solidariedade,

a alternância e a transparência nos poder (contra os arcana imperi de que fala

Bobbio), o respeito à diversidade e a tolerância. Educação é aqui entendida,

basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas potencialidades

de conhecimento, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade, o

que inclui também a noção de que o processo educacional, em si, contribui tanto para

conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas

(Idem).

Entre esses valores, crenças e mentalidades, destaca-se precisamente "a virtude do amor à

igualdade, de que falava Montesquieu, e o consequente repúdio a qualquer forma de

privilégio" (idem). Essas virtudes não se fundam nalgum pressuposto de que o homem seja

bonzinho, pelo contrário. C. S. Lewis (1993, 43) lança alguma luz sobre essa questão:

Creio na igualdade política. Mas é possível ser democrata por dois motivos opostos. Você

pode pensar que todos os homens são tão bons que merecem participar do governo, e tão

sábios, que a comunidade necessita de seus conselhos. Em minha opinião, essa é a falsa e

romântica doutrina da democracia. Por outro lado, você pode acreditar que os homens

caídos são tão perversos, que nenhum deles pode receber poder desmedido sobre seus

companheiros.

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Como representante e portador desses valores, o professor,

particularmente o cristão, compromete-se com o tratamento

igualitário dos seus alunos, mesmo porque, como dizia C.S. Lewis

(1993, 23):

Não existe gente comum. Você nunca falou com um simples mortal. As nações, as culturas,

as artes, as civilizações – essas são mortais, e a vida delas está para a nossa como a vida

de um mosquito. Mas é com criaturas imortais que brincamos, trabalhamos e casamos, e a

elas que desdenhamos, censuramos ou exploramos – horrores imortais ou esplendores

perenes. Não significa que devamos ser perpetuamente solenes. Precisamos divertir-nos.

Mas nossa alegria deve ser aquela (aliás, a maior de todas) que existe entre pessoas que

sempre se levaram a sério – sem leviandade, sem superioridade, sem presunção.3

Para evitarmos o tratamento das pessoas como ordinárias, ou seja, a manipulação, à moda

da mídia, do comércio, de muitas relações de trabalho e políticas, Quintás sugere três

estratégias: 1. Manter-nos atentos e não sermos ingênuos; 2. Pensar com rigor, usando

todos os recursos da lógica e da argumentação 3. Ser criativo, principalmente no

estabelecimento de novas relações humanas. Acrescentaríamos a isso o estímulo ao recurso

à literatura e à participação da cultura, que, como dizíamos, tem muito a contribuir para a

cidadania e o cumprimento da nossa missão.

Ninguém menos do que Paulo Freire (Freire, 2001, 108-109) insistia que “é esse o outro

papel do educador, que é o de convencer, e não apenas de ficar em sua opinião e sim de

mostrar que a sua opinião é mais do que uma opinião, é uma verdade que se pode aceitar.”

A distinção entre teoria e prática; entre ensino e ação transformadora; entre informação e

conhecimento vivo, é um dos maiores problemas que assolam a educação moderna em

geral, mas principalmente a secular em todos os níveis de ensino. Daí a importância de

3 A tradução mais literal, a nosso ver, seria “ Não há pessoas ordinárias” (“ There are no ordinary people.” )

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fazermos diferença nesse campo com uma proposta de educação mais integral, holística,

dialógica e dialética e voltada para a totalidade do ser humano e das coisas.

Em suma, creio que a missão mais urgente do educador é assumir efetivamente o papel que

lhe é próprio, principalmente nas grandes cidades, que é primeiramente o debate sobre as

grandes e ao mesmo tempo mais esquecidas questões da vida: a verdade, a realidade, o ser

humano, a morte, Deus e a história. A escola seria o melhor fórum para esse debate e

campo para essa tarefa missionária premente. E a melhor maneira de evocá-los é através do

lúdico e da imaginação, despertados pelos jogos cooperativos, os jogos estratégicos e a

literatura imaginativa. E não importa, onde isso seja feito, mas a família, a escola e a igreja

devem ser as primeiras instâncias a proporcionar oportunidades para tanto.

Afinal, não é por acaso que muitas pessoas até hoje se alfabetizam em

casa e nem que Deus escolheu um livro para se manifestar, livro este

que encanta leitores de todo o mundo com o seu lirismo, e ao mesmo

tempo, com o seu realismo. Daí que o cristianismo seja conhecido

como a “religião do livro”.

Bem, espero que tenha curtido esse módulo, espero que leiam todo o

material dessa aula e fiquem com Deus!

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UNIDADE 25

Políticas Públicas de Educação - A Aprendizagem como Processo4

Objetivos: Identificar as novidades trazidas pela Escola Nova e pelos cognitivistas Piaget e Vygotsky.

Gabriele Greggersen

“Dai a ênfase que dou (...) não propriamente à análise de métodos e técnicas em si mesmos, mas ao

caráter político da educação, de que decorre a impossibilidade de sua neutralidade.”

(Freire, Paulo, Ação Cultural para a Liberdade, 1976)

Parece até que o assunto “Políticas Públicas da Educação” não tem nada que ver com a

educação na prática de sala de aula e na

organização do trabalho pedagógico.

Mas, de acordo com a citação acima de do nosso

saudoso Paulo Freire, não se pode deixar nunca de

ser político quando se lida com educação. O

tecnicismo para ele é uma das ilusões em que o neo-

liberalismo quer que caiamos.

Vamos dar o exemplo da alfabetização. O que

acontece quando uma criança aprende a andar ou

falar? Será o mesmo que andar de bicicleta, mesmo

depois de adulto? Apesar de parecer repentino, trata-

4 Todos os autores aqui citados podem ser pesquisados no portal brasileiro da filosofia e no wikipédia.

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se de um processo de amadurecimento, que se dá no meio do caminho da formação do ser

humano ou de seu “aperfeiçoamento”. De uma maneira geral só nos damos conta dele

quando já passou. Muitas vezes ele envolve breves momentos de “pico” ou de “heureca”,

que representa o “salto” de que nos fala Vygostky, da “zona de desenvolvimento proximal”

para um novo patamar ou “estágio” de desenvolvimento cognitivo.

O fato é que o aprendizado não acontece de uma hora para a outra, mas sim, num processo

contínuo e dialético. Como veremos mais adiante, as visões sobre como esse processo se

dá são muito variadas e determinam as técnicas e ferramentas que o professor escolherá

para tanto. Daí que hoje se falasse mais em “letramento”, do em alfatização, entendendo

esse como sendo um processo que se estende por toda a vida consciente e inconsciente.

Podemos aprender até dormindo e sonhando.

Para cristãos, como Paulo Freire, Maria Montessori e tantos outros, o aprendizado é um

verdadeiro "milagre", mas que também conta com elementos humanos importantes. A Bíblia

diz que Cristo mesmo aprendeu e se aperfeiçoou (Lucas 2:40).

.Um dos maiores pensadores da aprendizagem foi Piaget, um médico que desenvolveu o

que chamou de “método clínico”, a partir de experiências com os seus filhos. Estabeleceu

então sete estágios de desenvolvimento cognitivo, que têm por base a herança genética ou

biológica. Essa ênfase fez com que ele entrasse em conflito com um pensador, que vivia do

lado oriental do globo, e que tinha idéias semelhante às dele, só que a partir de uma base

social. Embora nunca tivessem se encontrado, Piaget e Vygostky (ou Vigostki), um

representante do pensamento liberal e outro, do

marxista, trocavam cartas e acabaram

influenciando um ao outro.as de cartas,

principalmente, no que diz respeito à base

primeira para o desenvolvimento cognitivo, que

para Piaget é basicamente genético-biológico,

mas que evidentemente também sofre

influências externas do meio social; e para

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Vygotsky é essencialmente social, os dois pensadores acabaram identificando mais pontos

em comum do que diferenças.

Mais do que o pensador russo, Piaget marcou todo o pensamento educacional desde o

movimento da já mencionada Escola Nova. Essa influência manifestou-se de formas

diferenciadas na Europa; onde houve confluência com a escola do Gestalt; nos Estados

Unidos, marcado pelo pragmatismo; e na América Latina, conhecida pelas teorias libertárias.

Na Europa destacou-se o filósofo e psicólogo cristão Victor Frankl, com sua logoterapia ou

método paradoxal de aprendizado, que diz, em resumo, que é a falta que traz o acréscimo.

Ou seja, só aprendo, na medida em que me conscientizo de que ignoro. Essa é uma forma

nova de chegar à conclusão antiga do “sei que nada sei” Aristotélico. Aristóteles, da mesma

forma que os pesquisadores da teoria cognitivista, acreditam, que para avançar no

aprendizado (entendido no sentido lato), a criança ou adulto deve, antes de tudo, sair de sua

“zona de conforto”, conscietizando-se de lacunas no seu cabedal de conhecimentos. O

homem já nasce com um déficit impregnado, que são as suas limitações, das quais precisa

ser “libertado”. Daí que surgiram, na mesma época as tendências libertárias na educação,

em paralelo com a “teologia da educação”, da qual um dos grandes educadores fundadores

foi Rubem Alves. Agostinho já dizia que só é capaz de praticar um bem de forma consciente,

quem conhece o mal e consequentemente, sua própria limitação. “Duvido, logo existo”, dizia

ele, muito antes de Descartes, que reformulou a frase para “penso, logo existo”, e o advento

do racionalismo moderno.

Na América Latina, temos a escola de Emília Ferreiro, discípula de Piaget, e Paulo Freire em

suas várias fases: da escolanovista, passando pela progressista "Pedagogia do Oprimido";

até a mais equilibrada da “Pedagogia da Esperança”, “Pedagogia da Autonomia” e

“Pedagogia dos Sonhos Possíveis”.

Nos EUA, vemos a influência de Piaget em muitas escolas pragmáticas como as de Dewey,

para quem se aprende fazendo. Além de John Dewey, cujo proclamador no Brasil foi Anísio

Teixeira, o autor menos conhecido, Ausubel, procurava se afastar do tecnicismo ou

comportamentalismo, aproximando-se mais da teoria do Gestalt, com seu conceito de

“aprendizagem significativa”: só se aprende o que faz sentido para nós. E faz sentido tudo o

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que está ligado à nossa vida, história e tudo com que nos identificamos. Seguiremos essa

linha daqui para frente.

Agora que já estamos conscientes de que toda a metodologia é resultados de uma postura

filosófica e ideológica (por que não dizer também religiosa? ), podemos distinguir os

seguintes procedimentos na área da educação que dizem respeito à metodologia:

Lembrando que procedimento de ensino nada mais são, do que ações, processos ou

comportamentos planejados para dar acesso aos elementos que permitam ao aluno

modificar sua conduta, em função dos objetivos. Trata-se das formas de intervenção

dinâmica na aula, estimulando a mobilização de esquemas operatórios de pensamento e

participação do aluno, que se manifestam nas habilidades de classificar, seriar, relacionar,

analisar, reunir, sintetizar, localizar no tempo e no espaço,

representar, conceituar e definir, provar, transpor, julgar, induzir,

deduzir, etc.

Os procedimentos de ensino devem facilitar a re-construção do

conhecimento pelo aluno, por isso devem ser diversificados e

flexíveis. É preciso, assim, distinguir entre:

Técnica – operacionalização do método.

Método – caminho para se atingir um determinado resultado previsto, ou seqüência de

operações com vistas a um determinado fim almejado. É chamado também de estratégia de

ensino.

Colocados esses conceitos básicos, podemos estabelecer mais as seguintes distinções:

Métodos verbais tradicionais (baseados na epistemologia associacionista.

Métodos ativos (baseados nas pesquisas da psicologia do desenvolvimento, principalmente o

construtivismo e a teoria cognitivista).

De forma muito semelhante às tendências pedagógicas, podemos subdividir os

procedimentos de ensino-aprendizagem em individualizados; socializados e sócio-

Ilustração 3: Froebel

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individualizados. Os precursores dos primeiros, sendo: J.J. Rousseau, Pestallozzi, Froebel,

Montessori e Herbart.

Tais procedimentos também podem ser classificados como

1. Procedimentos individualizantes:

Aula expositiva – apresentação do assunto; introdução do novo conteúdo, a partir do

que a criança já conhece e experienciou; estabelecer clima favorável; ser claro e

preciso, partindo de idéias gerais, como pontos de ancoragem ou de fatos particulares

ou problemas; relacionar as idéias de modo ordenado; destacar e fixar as idéias mais

importantes, dar exemplos esclarecedores, estimular a participação, dialogando com

os alunos; finalmente, sintetize as idéias.

Recomendações gerais: Usar linguagem simples, desembaraço e entusiasmo, usar

humor, e lançar mão de audiovisuais, Ter sensibilidade com a classe, intercalar a

exposição com exercícios. Trata-se da construção e estabelecimento de pontes entre

o universal e o particular; entre o novo e o já sabido – aprendizagem significativa.

Método Montessory – baseia-se na concepção ‘vitalista’ de homem e de mundo e,

além da vitalidade, nos princípios de liberdade, atividade e individualidade. Promove a

educação dos sentidos, do movimento e da inteligência, a prática da autodisciplina, a

capacidade de concentração e a realização de exercícios da vida prática.

Centros de interesse – globalizador, interdisciplinar, ao integrar as

atividades discentes e os conteúdos , fazendo-os convergir para o

mesmo centro ou eixo de trabalho cognitivo. Partem do interesse

do educando, que é o principal elemento afetivo para a aquisição

de conhecimentos e aproveitam os fatos de sua vida cotidiana.

Esse método foi criado por Ovídio Decroly. Nos centros de

interesse, há três etapas básicas na abordagem de cada grande

tema ou assunto; observação, associação e expressão.

Ilustração 4: Material

Dourado

Montessoriano

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Métodos intuitivos ou audiovisuais (baseados na teoria do Gestalt)

Ensino Programado (baseado na reflexologia e psicologia comportamental ou

behaviorista) – trata-se do método empregado pela maioria dos primeiros cursos à

distância, principalmente os que faziam uso principal do correio.

2. Procedimentos Socializantes:

Uso de jogos – cria

atmosfera de motivação

que permite ao aluno

participar ativamente do

processo. É uma atividade

natural ao homem,

envolvendo sentimentos e

intuição. Trata-se de um

elo integrador entre

aspectos motores,

cognitivos, afetivos e

sociais. Permite à criança

organizar o mundo à sua

volta, inclusive assuntos que ela não consegue trabalhar formalmente, além de

permitir incorporação de atitudes e valores. Permite reproduzir e recriar o meio

circundante. Esse tipo de procedimento pode ser facilitado com uma brinquedoteca na

escola, que estimule não apenas a criatividade, mas que também permita os seus

benefícios sociais, como o trabalho em equipe, mas também os coletivos e individuais

de desenvolvimento do raciocínio estratégico.

A dramatização facilita a assimilação e aquisição de conceitos e princípios ferais, a

partir do concreto. Desenvolve habilidade de analisar levantar problemas e buscar

soluções.

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Trabalho em grupos permite o diálogo e troca de idéias, formando hábitos de estudo e

convívio social, principalmente em torno de temas da atualidade ou das notícias do

jornal. Daí a importância, para além da biblioteca, de uma hemeroteca.

O Estudo de casos é uma variação da técnica de solução de problemas, partindo de

uma situação real, dentro do conteúdo abordado, para análise e proposta de

alternativas de solução, aplicando a teoria na prática. Só que as situações são reais

ou baseadas na realidade.

O Estudo do meio é o uso de forma direta do meio natural e social circundante, do

qual o aluno participa. Utiliza-se de entrevistas, excursões e visitas como formas de

observar e pesquisar diretamente a realidade, coletando dados e informações para

análise e interpretação posterior.

3. Procedimentos sócio-individualizantes:

Método da descoberta: a partir de situações experimentais e de observação, os alunos

formulam conceitos e princípios usando o raciocínio indutivo.

Método da solução de problemas é uma variante do método da descoberta,

apresentando ao aluno uma situação problemática para os alunos proporem

alternativas de solução, a partir do que já sabe ou do que foi aprendido em aula.

Movimento Freinet – Valorização da

expressão espontânea do aluno e incentivo

à produção escrita de textos livres. De

acordo com esse sistema, o aluno é

estimulado a expressar-se, a interagir,

cooperar, comunicar e corresponder-se

com outros. O objetivo principal é

desenvolver os meios de expressão oral e

Ilustração 5: C. Freinet

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escrita em uma atmosfera de espontaneidade, e explorar a natural curiosidade e

atividade dos alunos.

Método dos projetos – estabelecimento claro de visão ou justificativa ou missão,

objetivos tangíveis e verificáveis ao final do processo, baseada em atividades

conscientes e intencionais do aluno ... O projeto é gerado, a partir de um problema

concreto e se efetiva na busca de soluções práticas. As prefeituras, a partir das

orientações recentes dos PCN’s, têm incentivado esta metodologia nas escolas.

Método das unidades didáticas – o conteúdo é desenvolvido por unidades amplas,

significativas e gerais, integradoras de conteúdos diversos de uma ou diversas

disciplinas à prática individual e social. Permite assim, a associação dos

conhecimentos à vida cotidiana.

Nenhum desses métodos é infalível ou rígido. Todos eles admitem uma ampla variedade de

combinações. O que se deve evitar ao máximo, são as incoerências entre a metodologia, os

procedimentos e o discurso e a visão de mundo por trás do mesmo.

Há, para além dessas metodologias e recursos, certos critérios que podem ser adotados

para a seleção dos procedimentos:

1. Adequação aos objetivos e ao processo de ensino-aprendizagem; 2. Natureza do conhecimento a ser reconstruído; 3. Características e estilo de aprendizagem dos alunos; 4. Condições físicas e tempo disponível. 5. Facilidade de clareza e organização do trabalho pedagógico; 6. Estímulo às estruturas cognitivas e sua aplicação ao conteúdo.

Entre as técnicas mais usadas no ensino universitário, podemos citar as seguintes:

Técnicas expositivas:

Para programar uma aula expositiva o professor pode fundar-se em algum dos métodos

acima expostos, e não deve esquecer-se de que, como no caso da exposição artística, trata-

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se de expor algo concreto (a própria realidade, que é a maior obra de arte do universo!) e

deixar as elucubrações e devaneios a cargo do aluno.

Dinâmicas de grupo:

A dinâmica de grupo não substitui o conhecimento ou qualquer conteúdo, mas apenas

auxiliar a sua assimilação, através da dinamização do trabalho pedagógico.

A principal vantagem das dinâmicas de grupo, além da sua fundamentação em importantes

descobertas e pesquisas científicas, é que permite introduzir o lúdico e o maravilhoso em

sala-de-aula, que funciona como espécie de “porta” para o conhecimento do mundo e de si

mesmo. Com isso valoriza-se tanto o aluno, quanto o próprio conhecimentos, tornando-o

mais significativo e assim, mais facilmente assimilável e memorizável.

Outro aspecto crucial é o desenvolvimento da autonomia do aluno e do espírito coletivo e

cooperativo, além dos valores fundamentais da ética. Por isso, ao aplicar este tipo de

técnica, o professor deve estar muito bem fundamentado numa filosofia consistente e Ter

claros os objetivos que deseja atingir. Em outras palavras, é preciso que ele mesmo tenha

uma postura ética coerente e que seja suficientemente humilde e prudente, a ponto de

reconhecer os limites da sua própria ação pedagógica.

As técnicas de dinâmica de grupo tradicional5 são as mesmas aplicadas também na área de

Recursos Humanos6. No nível superior e de pós-graduação, conforme Andrade

(1997)devemos acrescentar alguns eventos científicos aos métodos didáticos (seminários,

mesas redondas, comunicações, etc.).

Além das técnicas tradicionais, usadas também na pesquisa

acadêmica, podemos citar os seguintes jogos e técnicas grupais,

que podem ser pontuados e registrados em tabelas de pontos

cumulativos para cada grupo, tais como o sociograma, a técnica

5 Ver quanto ao assunto ainda Godoy, 1988.

6 Veja alguns exemplos em Carvalho, 1996.

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do arquipélago e da copa, debatedores e ouvintes, sessão de peritos e interrogadores,

quebra-gelo, jogo de palavras, dramatizações, bingo, agitação de problemas e busca de

soluções, etc .7

Enfim, minha querida gente, tudo isso é bom e útil, mas não podemos esquecer que tudo

parte de uma postura ideológica e política e que até mesmo a democracia não é algo que se

nasce sabendo, mas também algo que se aprende. Então, só nos resta citar o bom e velho

Guimarães Rosa: “Mestre não é aquele que ensina, mas aquele que, de repente, aprende”.

Até a próxima!

7 Conf. Antunes, s.d., 43 ss.

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UNIDADE 26

Políticas Curriculares e Afirmativas

Objetivo: Conhecer sobre a escola entendida como comunidade e sobre uma das mais recentes tendências da pedagogia comunitária, muito ligada às ideias de Paulo Freire e à recente pedagogia dos projetos.

Continuando nossa conversa sobre Políticas Curriculares e Afirmativas

Numa época, que se destaca pela falta de respeito pelo patrimônio comum da humanidade;

em que obras são roubadas a troco de nada e pessoas protestarem pela retirada dos

outdoors de propaganda das ruas, por alegarem que sejam obras de “arte”, quando na

verdade estão contribuindo para a poluição visual, num atentado ao bem coletivo e público,

sua essência continua comum às sociedades.

Desde 1948, após as grandes guerras foi possível estabelecer uma Declaração Universal de

Direitos do Homem. Pelo menos dois dos seus artigos dizem respeito à arte e cultura.

Um dos seus artigos se refere explicitamente à arte, seus benefícios e ao direito de proteção:

Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as

artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de

qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor (Artigo XXVII).8

Esse direito está muito ligado a outro, no que tange a cultura:

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização,

pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e

8 Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/direitoshumanos.htm

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recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua

dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (Idem, Artigo XXII).

É claro que esses direitos precisam de mediadores, sendo a educação um dos mais

importantes. Mas a arte certamente se torna um aliado do educador nessa tarefa de

promover o acesso e usufruto do patrimônio cultural comum da humanidade, no qual, por sua

vez, insere-se todo o tipo de arte.

Tais “leis” têm pretensões de universalidade porque supõem que praticamente todas as

civilizações letradas de que se tem notícia concordariam com ela. Mas mesmo as civilizações

sem língua escrita têm em seu imaginário coletivo um rico arsenal de valores e morais

equivalentes, expressos em histórias, lendas e contos.

O leitor atento poderá ler essas “leis universais do bom senso” nas suas entrelinhas. Nesse

sentido, literatura e arte são transdisciplinares.

Gusdorf (1995, 15) define a “transdisciplinaridade” nos seguintes termos:

Mais nova, mais fascinante, pelo menos na

ordem linguística, é a noção da

transdisciplinaridade; ela enuncia a ideia de

uma transcendência, de uma instância

científica capaz de impor sua autoridade às

disciplinas particulares; ela talvez designe

um foco de convergência, uma perspectiva

de mirada que juntaria o horizonte do

saber, segundo uma dimensão horizontal

do saber, segundo uma dimensão

horizontal ou vertical, as intenções e preocupações de diversas epistemologias. Pode-se

tratar de uma metalinguagem ou metaciência, mas, na estratégia do saber, a ordem

transdisciplinar define uma posição-chave, da qual sonharam tomar posse todos os que as

ambições do imperialismo intelectual atormentam.

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Por mais difícil de definir que a arte possa ser uma coisa é certa, como já dito alhures, ela

pressupõe uma leitura e releitura, que coloca o artista em comunhão com seu público de

maneiras misteriosas e na sua grande maioria surpreendentes, já que escapam a uma

explicação racional ou sistemática.

Em outras palavras, os efeitos da arte para quem a aprecia são transcendentes e tão

profundos, que fazem com que não haja obra que se possa se completar sozinha, fazendo

com que essas relações apreciador-arte sejam tantas, quantos são os apreciadores e,

portanto, sejam únicas e irreproduzíveis.

Mais do que uma leitura “solitária”, uma obra solicita uma resposta dialógica daquele que a

aprecia. Nesse sentido, pode-se entender toda educação artística com uma alfabetização. E

entendida como texto, toda obra de arte pressupõe uma interpretação, uma hermenêutica.

No caso das artes visuais, Freedman (2005, 138-139) aproxima esse fenômeno do que

acontece na literatura:

Um aspecto importante da cultura visual em educação refere-se à integração intergráfica que

ocorre na mente das pessoas quando encontram imagens (Freeman, 1994). Pode-se dizer

que essa integração dá-se no espaço entre imagens de forma similar ao que os teóricos da

literatura chamam de intertextualidade, que envolve a referências feitas pelo leitor a outros

textos quando lendo um novo texto.

Ninguém como Barbosa (2005, 145-146) para declará-lo abertamente: em última instância,

ninguém cria coisa alguma. Tudo o que fazemos são releituras:

Quem sabe fosse, ainda mais complexa, pelo envolvimento maior com a subjetividade.

Japiassu a define nos seguintes termos

1) Arte como fazer/trabalhar/construir;

2) Arte como conhecimento; e

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3) Arte como sentimento/expressão... Em resumo: o conhecimento-Arte é uma área de

estudo-pesquisa-ação que movimenta a cognição e a afetividade das pessoas de maneira

intensa e “ativa.” (2004, on line)

Um dos elementos complexos é a própria demarcação nos estreitos limites de uma disciplina

escolar, como esclarece a professora Ana Mae Barbosa em entrevista recente à TV da

Câmara. Ninguém sabe ao certo, se ela deve denominar-se “arte-educação” (com ou sem

hífen), arte/educação, educação artística, artes, etc., o que atinge profundamente a

identidade do profissional que a ela se dedica. Mas qual a raiz e origem da arte e sua

educação?

Uma das provas cabais da impossibilidade de definição clara e precisa nas culturas

ocidentais da educação no sentido greco-judaico está descrita no livro do historiador Werner

Jaeger, que faz uma “escavação” da palavra usada pelos judeus e gregos para ela: paidéia.

Só o tamanho do livro, necessário para exprimi-lo espanta qualquer um. Ela abrange não

apenas informações e conteúdos, nem apenas o que consideramos “competências” ou

“habilidades”, em alta no discurso sobre a educação nesses dias, mas tudo o que diz

respeito ao ser humano enquanto tal: inteligência, imaginação, cuidado com o corpo, com a

natureza, com as coisas espirituais, com especial ênfase na arte.

Em última instância, lembra um estudioso da filosofia, todos esses dualismos remontam

àquele existente entre a contemplação e a criação. Heidegger, por exemplo, acreditava que

em “última instância, a arte, salvaguarda criadora da verdade na obra, na medida em que

deixa advir à verdade na obra, na medida em que deixa advir a verdade do ente, com

fidelidade e respeito, é Dichtung, ou seja, poesia. Se toda a arte em sua essência é Dichtung,

é evidente que esse termo não designa apenas a poesia enquanto gênero literário, embora

esta (em particular em Höldering, o poeta da poesia) ocupe um lugar essencial no

pensamento heidggeriano. A poesia, com efeito, é a obra da linguagem. Ora, a linguagem

não é um simples instrumento de comunicação.

Em sua essência, a linguagem abre o espaço do Ser que os entes vão ocupar e onde

podem, portanto, reencontrar-se o vazio e o silêncio. A poesia, na medida em que, por ela a

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linguagem reencontra a sua essência, que é dizer o Ser de todos os entes, é pensamento.”

(Lacoste, 86, 90)

Não é por acaso que o

pensamento para o grego,

logos (que, aliás, equivale a

ratio ou razão, no latim), nada

é do que a força criadora de

coisas; a força da imaginação

criativa; o verbo que se

encarna (como no Evangelho

de João 1.1 ss).

Antes dessa brilhante síntese, Lacoste lembra que a filosofia da arte deve incluir um estudo

da mimese, do simulacro ou da capacidade do que Kant (e Marilena Chauí) chama de

“imaginação reprodutora”, ou seja, o instinto humano de reproduzir se não um modelo

imediatamente presente, ao menos a memória que se tem dele.

Daí a necessidade de bons modelos para a “produção” da arte, pouco importando que eles

sejam “miméticos”. O fato é que toda a produção criadora, em ambos sentidos, gera uma

espécie de espanto, “perturbação” que nos coloca em um estado que beira o encantamento

ou feitiço, como o exprime Lacoste (1986).

O grande conflito ocorre entre os que adotam uma postura platônica e idealista, para quem a

arte nada mais é, do que imitação e projeção da verdadeira realidade e só serve para o

engano, como se pode inferir do Mito da Caverna.

Os que se voltam para a realidade como ela é (mas com o detalhe de que essa verdade,

para Platão, é a das ideias, em detrimento daquelas do corpo) são os verdadeiros filósofos:

aqueles que vivem no mundo das ideias. Nesse sentido, a obra de arte, que simula beleza,

distrai o ser humano da verdadeira beleza que está na essência das coisas que, por sua vez

é imaterial. Um exemplo disso é o deus grego Eros:

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Eros é o amor da Beleza: amor da beleza dos corpos, da beleza do espírito, das leis e das

ciências, enfim, da própria Beleza (Banquete, 210-211). As artes não desempenham nenhum

papel nessa purificação do desejo, mas Eros, esse demônio “hábil como um feiticeiro,

inventor de filtros mágicos” (203 d) e, portanto, um pouco sofista, não será uma espécie de

artista divino? (Platão, apud Lacoste, 86, 20).

É interessante notar que poiesis, que se encontra no livro de Gênesis, na narrativa da

criação do ser humano, equivale ao alemão Schaffung, no sentido estético, ou criação.

A palavra tem a mesma raiz que o verbo schaffen – que significa realizar algum projeto,

empreendimento, ou pôr em ação uma ideia. Ela se caracteriza por provocar em quem a

contempla uma sensação ou sentimento de admiração ou elevação, capaz de nos elevar ao

que Kant costumava chamar de sublime. Em O papel da teoria na estética, Morris Weitz

(1956) elucida a relação

da literatura com a arte

em geral:

O que se verifica no caso

do romance verifica-se

também, penso eu, em

todos os subconceitos de

arte: "tragédia",

"comédia", "pintura",

"ópera", etc., e verifica-se

no caso do próprio

conceito de "arte".

Nenhuma questão do tipo «É X um romance, uma pintura, uma ópera, uma obra de arte,

etc.?» permite uma resposta definitiva no sentido de um sim ou um não baseado em fatos.

A resposta à questão «É esta colagem uma pintura ou não?» não assenta num conjunto de

propriedades necessárias e suficientes da pintura, mas em saber se decidimos ou não --

como de fato o fizemos -- alargar o termo "pintura" para abranger este caso.

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O próprio conceito de "arte" é um conceito aberto. Novas condições (novos casos) surgiram

e continuarão certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos movimentos, que

irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de arte

profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado.

Os estetas podem estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias

e suficientes para a correta aplicação do conceito. Com o conceito "arte", as suas condições

de aplicação nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos

podem sempre ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que

exigirá uma decisão por parte de alguém em alargar ou fechar o velho conceito ou em

inventar um novo.” E na conclusão “Compreender o papel da teoria estética não é concebê-la

como uma definição, logicamente condenada ao fracasso, mas lê-la como sumários de

recomendações feitas com seriedade para atender de determinadas maneiras a certas

características da arte”.

Bem, minhas/meus querida/os, acho que hoje conseguimos abrir algumas perspectivas bem

mais esperançosas para a educação, apesar das políticas, não é mesmo?

Então, não deixe de fazer os exercícios, ler todas as unidades e esclarecer eventuais

dúvidas que possam ter ficado.

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UNIDADE 27

Políticas Curriculares e Afirmativas

Gabriele Greggersen

Olá pessoal,

Talvez um ou outro de vocês tenha pensado: isso é por demais teórico, quando é que vamos

falar da sala de aula?

Posso entender a ansiedade de alguns de se voltarem para a prática e finalmente conhecer

as soluções oferecidas pela filosofia para encarar os desafios do cotidiano escolar. Mas onde

pararíamos, se nos limitássemos a receitas prontas, que podem até funcionar por um tempo,

mas que não serão de grande ajuda, quando você estiver diante de uma situação imprevista.

Não podemos agir mecanicamente em sala de aula, não é mesmo? Para evitar os perigos do

agir desprovido de reflexão crítica é que precisamos da filosofia e dos ideais, principalmente

na educação, não é mesmo? Isso não significa que devamos ter um posicionamento ingênuo

e alienado do cenário político que nos rodeia.

Hoje vamos falar sobre a escola entendida como comunidade e sobre uma das mais

recentes tendências da pedagogia comunitária, muito ligada às ideias de Paulo Freire e à

recente pedagogia dos projetos.

Desde a promulgação de LDB 9394/96, que certamente está

longe de ser perfeita, têm surgido propostas politicamente

sérias e animadoras na educação, principalmente no

contexto mais amplo da educação multicultural, e de

políticas afirmativas de inclusão em todos os campos do

saber escolar, como por exemplo, no da arte-educação.

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A arte do cotidiano e a da comunidade, inspirada em Paulo Freire e sua denúncia da

chamada “educação bancária”, focaliza

...o caráter emancipatório que a arte/educação baseada na comunidade pode

assumir... Valorizar as ligações intrínsecas entre a arte e a vida cotidiana constitui a

base de uma arte/educação democrática, porque envolve o reconhecimento de várias

práticas artísticas sem distinguir entre o erudito e o popular. Dentro dessa orientação,

a arte/educação baseada na comunidade busca privilegiar a arte que já existe na

comunidade em que a escola se situa, confrontando o que John Dewey considerava

uma reação quase que hostil a uma concepção de arte ligada às atividades diárias da

pessoa em seu ambiente. Essa hostilidade a uma ideia de “arte associada aos

processos da vida cotidiana é um comentário patético, um tanto trágico, sobre as

nossas experiências comuns da vida” (Bastos, in Barbosa, 2005, 228).

Diante do pluralismo cultural que vivemos no Brasil e no mundo de hoje, acreditamos que a

atenção para outras realidades/culturas, seus problemas, expressões e soluções positivas

para combater os já tradicionais dualismos na educação. Temos grande número de

oportunidades para atentarmos para o outro, o diferente com a recompensa de conhecermos

melhor a nós mesmos, desenvolvendo a nossa própria identidade. Essas diferentes leituras

também ajudam a combater o mais do que odioso preconceito e atitudes de rejeição do

diferente. Porque a arte não se contenta com nada menos do que com a verdadeira

totalidade do real, ela é tão importante para o combate a todas essas ideologias totalizantes.

Embora a arte e a educação já tenham sido usadas inúmeras vezes na história para servir a

interesses perversos e totalitários, a arte contêm no seu bojo um potencial subversivo e

revolucionário. Por isso mesmo é que os governos estão por demais atentos para ela.

Muitos diriam que os PCN, inclusive de artes, limitam-se a ser outra iniciativa imposta de

cima, como os antigos Guias Curriculares, que nada têm a ver com a realidade de sala de

aula, numa nova tentativa velada de legitimar o status quo e hegemonia das classes

dominantes. O currículo é uma das armas mais poderosas que os governantes têm para

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controlar o que se ensina na escola e quem ficará margem, lembrando que a palavra

currículo lembra o curso de um rio que corre em uma só direção, deixando às margens os

que não se deixam levar pelas correntezas (daí a origem da palavra “marginal”).

Como elucidam Barra e Moraes (2007, 23), segundo a teoria crítica:

A estrutura da sociedade tem sido subordinada à força do capital, transformando a

liberdade humana em pura abstração filosófica, já que não se podem realizar nas

relações materiais... A ideologia do trabalho eficiente, com qualidade e eficácia é uma

reprodução exata do sistema dominador, de onde a racionalidade técnica é sua

primeira expressão.

Tal manipulação e opressão também têm reflexos sobre a

arte e seu ensino, gerando uma contradição quase gritante

entre a promessa de uma sociedade livre, democrática,

inclusiva e economicamente sadia, quando na verdade ela se

torna escrava do consumismo desenfreado e pouco

consciente. Autores brasileiros como Demerval Saviani, Marilena Chauí e Bárbara Freitag

têm traduzido as teorias dessa escola para a realidade brasileira, que é ainda mais atual

levando em conta o domínio da tecnologia e da pedagogia tecnicista. Esses autores tendem

a interpretar a chamada “pós-modernidade” como mais uma expressão velada da lógica

neoliberal, já que não houve ruptura econômica no modelo produtivo. Por isso, não havendo

revolução, não se pode falar em uma 'nova era'... Para Chauí, a sociedade do conhecimento

está articulada com as transformações do capital, que produziram a intensa circulação de

informações através da competição de conhecimentos. As forças produtivas no sistema

capitalista desempenham força e expressão pela lógica do serviço, em que a acumulação

flexível caracteriza-se como capital financeiro, substituindo o capital produtivo. Na prática,

isso significa mais conhecimento, informação e maior acesso a bancos de dados, números,

transações. (Barra e Moraes, 2007, 25)

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Entretanto, essa é apenas uma abordagem possível da cultura artística e em especial, da

mídia. Como aponta Souza (2000), por exemplo, ela tem contribuído muito para o ensino da

música e certamente também tem permitido acesso de pessoas com necessidades

educativas especiais (que inclui os deficientes e pessoas excluídas por motivos sociais,

emotivos ou comportamentais) à arte e seu ensino. Essa tendência ou “onda” de

"inclusibilidade", que tem dominado o campo educacional certamente é uma das novidades

boas trazidas pela “pós-modernidade.”

Mas o melhor fruto das artes sobre a vida dos indivíduos e coletividades é gerado pela

experiência com o desconhecido, o misterioso, o sublime, decorrente dessa abertura para a

totalidade do real, provocada pela arte.

Não se pode dizer que pessoas que tiveram as artes incluídas no seu currículo sejam

pessoas “melhores” do ponto de vista moral, e muito menos que fossem mais “humanas”. O

que se pode dizer é que por natureza a arte tem embutida a interdisciplinaridade, e diria até

transdisciplinaridade e a interculturalidade. Isto é, ela remete, não sem conflitos, além de si

mesma para valores que pertencem a toda a humanidade. Somente quando os professores e

alunos têm um real encontro para desenvolver um projeto que convence e entusiasma a

todos, podemos falar de interdisciplinaridade.

Mas o que é interdisciplinaridade? Para usar um exemplo da química, ela acontece quando

dois ou mais reagentes químicos têm um encontro “revolucionário”, valendo-se de uma fonte

energética comum para realizar uma troca de estruturas químicas, geradora de dois produtos

completamente novos. Nenhum deles poderia produzir tal coisa sozinhos. É o que acontece

inclusive na arte, quando o apreciador “completa” a obra ao desfrutar dela.

A diferença na educação é que normalmente esse fenômeno só acontece intencionalmente e

após muito planejamento e debate entre pessoas humanas. Como você deve ter

desconfiado, essa não é uma coisa fácil de alcançar, por vários motivos. Um deles, é que

não conhecemos a composição dos reagentes em profundidade. Ou então, temos medo do

que possa acontecer se os misturarmos e acabamos contentando-nos, por segurança, com

meras misturas de substâncias. Outros empecilhos são a falta de compromisso com

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resultados ou de paciência e humildade para “deixar as coisas acontecerem” depois do

devido planejamento. Finalmente, temos ainda o individualismo, o brilhantismo e a ganância

pelo controle da situação no processo de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, podemos considerar a arte um reagente poderosíssimo, ao mesmo tempo em

que pode ser um produto. E já que ela está presente na cultura, quer a escola e os

educadores engajados a incentivem, quer não, então, ela não pede licença para fazer e

acontecer.

Assim, a arte é um dos mais importantes aliados do professor e do aluno nessa jornada. Sua

presença nos currículos é sinal de

engajamento político pedagógico a favor de

uma formação integral.

Numa época, que se destaca pela falta de

respeito pelo patrimônio comum da

humanidade; em que obras são roubadas a

troco de nada e pessoas protestarem pela

retirada dos outdoors de propaganda das

ruas, por alegarem que sejam obras de “arte”,

quando na verdade estão contribuindo para a

poluição visual, num atentado ao bem coletivo

e público, sua essência continua comum às

sociedades. Desde 1948, após as grandes

guerras foi possível estabelecer uma

Declaração Universal de Direitos do Homem.

É claro que esses direitos não são garantidos instantaneamente, necessitando de

mediadores adequados. A educação um dos mais importantes. O repertório intercultural de

histórias e clássicos de todos os tempos é outro. A própria apreciação de qualquer tipo de

obra humana envolve uma “alfabetização do olhar”. Nesse sentido ela envolve uma releitura,

mais do que simples leitura, como tão bem esclarece Barbosa (2005, 145-146), nos moldes

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freireanos: ninguém ensina [ou cria] alguma coisa. Em última instância o que fazemos são

releituras:

O que quer dizer releitura? Reler, ler novamente, dar novo significado, reinterpretar, pensar

mais uma vez. Mais uma fez fui levada a refletir sobre minha experiência. Sou artista plástica

e trabalho muito com apropriação e citação, algo muito próprio de nossa contemporaneidade

pós-moderna ... Em minhas aulas, nunca peço ao aluno para fazer algo em frente à obra que

está sendo discutida. Trabalho com a memória visual, quase sempre com mais de um artista,

para que possam comparar, mesclar, pensar melhor sobre as questões propostas. Mais uma

vez isso é uma questão de escolha, de metodologia de trabalho do professor. É ele quem

deve escolher com que artista ou

artistas vai trabalhar.

Com isso, o artista restitui ao

professor o seu devido lugar, ao

mesmo tempo em que institui uma

liberdade vigiada na expressão

artística:

As novas gerações precisam

conhecer o que aconteceu no

mundo, e no mundo da arte, para

que possam se conhecer melhor

culturalmente. Um povo precisa

ter domínio de sua cultura.

Também precisam saber

expressar-se, não com um grito

da alma e sim um expressar embasado, pensado. Um expressar que junte o conhecimento

com os sentimentos. (Idem, 149)

Daí que a alfabetização artística envolva, antes de tudo, valores tais como o respeito pela

dignidade das pessoas, a justiça, a liberdade, a moderação, a solidariedade, a amizade, a

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coragem e tantos outros, que por sua vez são pura filosofia que provém da capacidade de

admiração. Como elucida o prof. Jean Lauand, com base na letra de uma música popular,

“Força Estranha”, de Caetano Velloso, é o espanto filosófico que está na raiz tanto da arte,

quanto da filosofia. E tudo isso, mediatizado pela leitura poética da realidade, vista como um

todo:

A admiração filosófica não é suscitada pelo ´nunca se viu tal coisa´, por aquilo que é

anormal ou sensacional... Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não

diário, o mirandum, eis o princípio do filosofar. Nesse ponto, como dizem Aristóteles e

S. Tomás, o ato de filosofar se assemelha à poesia”. A letra de “Força Estranha” nos

fala da arte e do artista, de seus temas, condição e missão: o que o poeta vê, como o

vê e expressa. E o que se diz é que o tema e a inspiração da arte procedem da

admiração das coisas simples que o poeta vê e – aí está o seu dom – repara: “Eu vi o

menino correndo, os cabelos brancos na fronte do artista, a mulher preparando outra

pessoa...” Note-se que “O tempo parou”, ou a “ausência de tensão do futuro”, é a

caracterização que filósofos (como Von Hildebrand ou Pieper) utilizam para falar da

contemplação da verdade ou da beleza. E quem quer que no caminho, na estrada da

vida não esteja totalmente cego para essa luz sentir-se-á arrastado – é a experiência

relatada desde a Antiguidade por todos os genuínos poetas – por uma estranha força

que o compele a externar (“por isso essa voz tamanha”) essas maravilhas. Quando

essa manifestação é de ordem primordialmente estética recebe o nome de arte e seus

cultores têm o curioso dom da eterna juventude, por muito que o tempo não pare. (on

line, 1981/82).

Então, como um dos campos abrangidos pela educação, entendida como paidéia, a arte não

poderá ser menos complexa. Quem sabe fosse, ainda mais complexa, pelo envolvimento

maior com a subjetividade.

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Em última instância, lembra um

estudioso da filosofia, os dualismos

presentes na educação remontam

àquele existente entre a contemplação

e a criação. Heidegger, por exemplo,

acreditava que em “última instância, a

arte, salvaguarda criadora da verdade

na obra, na medida em que deixa

advir à verdade na obra, na medida

em que deixa advir a verdade do ente,

com fidelidade e respeito, é Dichtung, ou seja, poesia. Se toda a arte em sua essência é

Dichtung, é evidente que esse termo não designa apenas a poesia enquanto gênero literário,

embora esta (em particular em Höldering, o poeta da poesia) ocupe um lugar essencial no

pensamento heidggeriano. A poesia, com efeito, é a obra da linguagem. Ora, a linguagem

não é um simples instrumento de comunicação. Em sua essência, a linguagem abre o

espaço do Ser que os entes vão ocupar e onde podem, portanto, reencontrar-se o vazio e o

silêncio. A poesia, na medida em que, por ela a linguagem reencontra a sua essência, que é

dizer o Ser de todos os entes, é pensamento.” (Lacoste, 86, 90)

O grande conflito ocorre entre os que

adotam uma postura platônica e

idealista, para quem a arte e a

educação não passam de imitação e

projeção enganosa da verdadeira

realidade (vide o Mito da caverna) e os

que se voltam para o que transcende a

realidade do aqui e agora, muitas

vezes conflituosa e penosa. Como em

toda a situação de conflito, a filosofia

nos convida a adotar uma postura pró-

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ativa e assertiva para além da denúncia.

Bem, minhas/meus querida/os, acho que hoje conseguimos abrir algumas perspectivas bem

mais esperançosas para a educação, apesar das políticas, não é mesmo? Então, não deixe

de realizar as atividades e provas, ler o que mais lhe chamar a atenção nos textos

complementares e participar dos fóruns.

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UNIDADE 28

Realidades Políticas e a Avaliação

Gabriele Greggersen

Gente boa,

Cá estamos mais uma vez para insistir no tema Políticas Educacionais. Depois de termos

abordado alguns aspectos políticos envolvidos na educação, discutiremos hoje assunto não

menos político, mas acima de tudo humano e, portanto, não menos “cabeludo”, a avaliação.

Quando um belo dia fui convidada a falar sobre a esperança, no contexto da educação atual,

pensei em fazer interagir três variáveis

educação, crise e mudança. Ninguém

como o saudoso Paulo Freire para falar

desse assunto. Como deu muito certo,

vou trilhar mais ou menos o mesmo

caminho.

Vamos começar por alguns dados

atuais sobre educação. No site do

IBGE lemos que:

Em 2000, 5,8 milhões de brasileiros de

25 anos ou mais de idade tinham o

curso superior concluído e proporção

de brancos com este nível de ensino é

cinco vezes maior que a de pretos,

pardos e indígenas. A nova publicação

temática do Censo 2000 sobre

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educação revela que, entre a população de 25 anos ou mais de idade (85,4 milhões), 5,8

milhões concluíram o curso superior (graduação, mestrado ou doutorado), o equivalente a

6,8% (Tabela 1.13). Em relação a 1991, o crescimento foi de 17,2%, uma vez que da

população de 25 anos ou mais (67,2 milhões), 3,8 milhões (5,8%) eram graduados ou pós-

graduados (Fonte: Site do IBGE, disponível em

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/02122003censoeduc.shtm, 2007, acesso

em 13/07/2008.

O Sabe (Sistema de Avaliação da Educação Básica), de nível federal, realizado em 2005

revela que 43,1% dos alunos do terceiro ano do ensino médio obtiveram notas inferiores a

250, que é o padrão utilizado para a oitava série pela secretária de Estado da Educação de

São Paulo. Uma das maiores dificuldades detectadas é com a interpretação de textos, que é

uma das habilidades mais evoluídas da cognição humana, conforme alguns pensadores

como Jean Piaget. Essa incapacidade de entender o texto no contexto e de transcendê-lo

manifesta-se também na matemática, onde o índice de desempenho também é menos do

que satisfatório.

Se deixarmos o ensino particular de fora da estatística, o quadro piora bastante, pois o

desempenho de alunos da rede pública é 21,2 % inferior ao da particular. As explicações

mais comuns para esse quadro são a falta de remuneração adequada e o excesso de

trabalho dos professores, que não deixam de ser fatores interconectados. Quanto a isso,

Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da USP, elucida que uma das

explicações é a descontinuidade administrativa, ou seja, as iniciativas são tomadas, mas não

são amadurecidas e superadas. Diz ele ainda que, apesar de não ser contra a promoção

automática, o que acontece é que ela foi muito mal discutida e implementada. Comenta

ainda que muitos apostam no novo sistema do SAEB para sanar esses problemas, pois é no

início da escolarização que as coisas se definem, principalmente no nível da alfabetização.

Ou seja, mesmo se confiarmos na transparência dos dados sobre investimento em

educação, a pergunta que não quer calar é até que ponto e em que medida o investimento

intensivo em educação tem efeitos "curadores" sobre os problemas sociais brasileiros. Isto é,

nem todo país que investe em educação e tecnologias educacionais tem esse investimento

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revertido em benefício social e econômico. Outra questão que fica é: Por que, mesmo

investindo em educação em muitos países, a questão social parece não acompanhar no

mesmo passo ou apenas lentamente, como no caso de Cuba e outros países da América

Latina e muitos países da antiga União Soviética, que têm sistemas educacionais de

excelente qualidade, mas sofrem inflação, desemprego e miséria?

Por mais que os índices de escolaridade possam melhorar, admitindo que as pessoas

estejam começando a se conscientizar de que a educação é importante e de que precisam

se educar e atualizar-se constantemente, as coisas parecem não se reverter em benefícios

sociais na mesma proporção. As realidades socioeconômicas brasileiras são por demais

disparatadas para se obter dados que reflitam o tamanho da desigualdade.

Em nível superior, vemos aí a proliferação de cursos tecnólogos de dois anos de duração,

faculdades novas sendo criadas e cursos livres até para a terceira idade, mas, ao mesmo

tempo, não há o acompanhamento que se espera na área social. Mais recentemente

estamos na eminente ameaça de retorno à tão odiosa inflação. De quem é a culpa? Da crise

global? Da elevação dos preços internacionais dos alimentos? Não, afirmam alguns, tudo se

explica pelo preço internacional do petróleo, ou então pela crise da economia americana,

pelas especulações nas bolsas, etc. Cada um tem uma explicação diferente. Então, os

índices de avaliação da educação no país têm melhorado e onde fica a economia? É claro

que a relação educação-economia não é assim tão direta.

Por outro lado, também podemos citar bons exemplos de correlação positiva entre educação

e economia. Temos aí a Alemanha, o Japão (que eram considerados a “vitrine” do mundo

ocidental nos anos da Guerra Fria) e a Coréia que investiram prioritariamente em educação e

obtiveram seu retorno desejado. No caso do Brasil uma coisa é triste, mas certa: educação

nunca foi prioridade nacional, nem mesmo nos regimes mais populistas.

Fala-se muito em “Projetos Político-Pedagógicos” (PPP) ou mais recentemente em Projetos

Pedagógicos Institucionais (PPI), mas que, se não forem construídos coletivamente e com

base em muita reflexão e debate, tendem a não passar de versões renovadas dos antigos

planos escolares, que não serviam meramente de lastro burocrático entre governo e escolas.

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Outro projeto governamental que tem agitado as escolas e os professores gira em torno da

máxima da “inclusão social”, que é a ideia de que pessoas, que normalmente são excluídas

das escolas, empresas e sociedade em geral, tais como deficientes, pessoas de classe

social mais baixa, negros, amplamente chamados de “portadores de necessidades especiais”

passem a figurar como incluídos ou socializados. É claro que essa iniciativa já estava

demorando a chegar, mas isso é claro que exige dos professores todo um preparo e

atualização, para os quais muitas vezes não têm tempo ou oportunidade. As polêmicas cotas

nas universidades para pessoas que se autodeclaram negras fazem parte dessa onda de

“inclusão social”.

Trabalho há algum tempo com Educação à distância e acredito nos benefícios que a internet

pode trazer no combate às desigualdades e à democratização do conhecimento. Mas até

que ponto isso realmente melhora a educação das pessoas e sua qualidade de vida? As

formas de acesso à grande rede são tantas hoje, que até é possível conectar-se a ela das

mais diversas maneiras. Mas até que ponto a presença de um computador com acesso à

internet reflete as condições sócio-econômico-político-educacionais reais? Ou seja, em que

medida esses índices refletem a realidade? Elas são resultado de algum tipo de

levantamento, que nos convida a uma interpretação, uma leitura e avaliação da realidade.

Mas o que vem a ser avaliação? No contexto escolar, a palavra “avaliação” normalmente

lembra “prova”, palavra geradora

de sensações e recordações nada

agradáveis na maior parte das

pessoas.

O que usualmente se esquece é

que a palavra está relacionada em

primeiríssima instância a valor. O

momento da avaliação é, nesse

sentido, o de aferição ou

verificação do valor do que foi

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aprendido (o que também reflete o que foi “ensinado”, não é mesmo?). O problema é que

muitos usam esse “índice” ou cálculo matemático para atribuir um valor ao aluno, ou seja, um

ser humano e seu conhecimento, que na verdade, são incomensuráveis. Vejam só que

contradição! Ora, considerando as coisas assim, ao pé da letra, teríamos que mudar

totalmente nosso sistema e procedimentos avaliativos, não acham? Então, lá foi o governo

estabelecer novas e inovadoras maneiras de avaliar, já que o professor mesmo parecia ser

incapaz de fazê-lo. Inventaram então, a começar pelo Ensino Superior, os polêmicos

provões.

O mais recente e respeitável SINAIS (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior)

busca responder a muitas dessas questões. Trata-se de um sistema de avaliações externas

das Instituições de Ensino Superior (IES), que envolve visitas de comissões de professores

“contratados” como consultores pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Pedagógicas) os chamados “avaliadores ad hoc” in loco (no local). Não preciso mencionar o

verdadeiro clima de pavor que as tais visitas geram nas instituições visitadas...

Isso se deve em grande parte a uma

falta de tradição em avaliação da

parte das instituições, que no exterior

já a vêem com naturalidade. E a

insegurança geral se dá mais pela

falta de experiência com avaliações

institucionais do que outra coisa.

Para evitar o desconforto com os

provões, eles foram substituídos pelo

ENADE (Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes). Com

os problemas identificados no ensino

superior, percebeu-se que sua origem

devia encontrar-se nos níveis

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anteriores.

Com isso, criaram-se os ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), provas aplicadas aos

alunos de ensino médio, e o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico). Para

esclarecer melhor o sentido dessas novas ferramentas, lê-se no portal do MEC:

O exemplo do que já ocorre com os alunos do ensino fundamental e do ensino médio,

as crianças de seis a oito anos também serão avaliadas na escola. Portaria do

Ministério da Educação cria a Provinha Brasil, instrumento de aferição do desempenho

escolar a ser implantado nos municípios e no Distrito Federal. Com a Provinha, o MEC

pretende verificar se os alunos da rede pública são efetivamente alfabetizados aos oito

anos. Se isso não ocorrer, serão criadas as condições para corrigir o problema, com

aulas de reforço. A meta do MEC é que nenhuma criança chegue à quarta série do

ensino fundamental, aos nove ou aos dez anos, sem domínio da leitura e da escrita,

como ocorre hoje em muitos municípios. A Provinha Brasil, que será voluntária para os

municípios, deve ser aplicada pelo professor. Ela avaliará os conhecimentos

adquiridos pelos estudantes nos três anos iniciais do ensino fundamental, que

compreende o ciclo de alfabetização. Para que os gestores municipais entendam o

funcionamento da Provinha e seus objetivos, o Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) vai distribuir um caderno de orientações e definir

critérios para a participação das redes públicas.

Devemos reconhecer assim, o esforço do governo brasileiro em buscar soluções para a

questão avaliativa. E a filosofia pode ajudar mais do que se possa imaginar, pelo “garimpo”

do sentido mais profundo dessa palavra, como empreendemos acima.

Como bem lembra Luckesi, trata-se de um momento de expressão do amor que se tem pelo

aprendizado e pelos sujeitos envolvidos no processo educacional.

Entre as muitas propostas que já li em livros, artigos e comunicações científicas a

nomenclatura para se referir ao fenômeno é diversificada: avaliação de competências,

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avaliação de habilidades, avaliação de conteúdos, avaliação institucional, avaliação

diagnóstica, avaliação formativa, autoavaliação, enfim, uma para cada gosto.

Em meio a essa selva de siglas, nomenclaturas e modismos, podemos encontrar pepitas no

meio do turbilhão de cascalho

que parece assolar a

temática.

Segundo Cipriano Luckesi,

um dos maiores educadores

brasileiros da atualidade, a

avaliação é um processo

complexo que envolve uma

intencionalidade ou uma

tomada de consciência. Para

ser efetiva, ela precisa estar

intimamente relacionada a

uma atitude de abertura

reflexiva e crítica, mais imparcial possível. Deve-se evitar pensá-la como meio punitivo de

exercício do poder em sala de aula, mas como algo que começa no planejamento:

Assim, planejamento e avaliação são atos que estão a serviço da construção de resultados

satisfatórios. Enquanto o planejamento traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia

os redirecionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da ação. A avaliação

é um ato de investigar a qualidade dos resultados intermediários ou finais de uma ação,

subsidiando sempre sua melhora... Em decorrência de padrões histórico-sociais, que se

tornaram crônicos em nossas práticas pedagógicas escolares, a avaliação no ensino

assumiu a prática de "provas e exames"; o que gerou um desvio no uso da avaliação... A

avaliação necessita, para cumprir o seu verdadeiro significado, assumir a função de subsidiar

a construção da aprendizagem bem-sucedida. A condição necessária para que isso aconteça

é de que a avaliação deixe de ser utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre

os destinos do educando, e assumir papel de auxiliar o crescimento.... Ninguém cresce sem

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ação e a ação contém dentro de si uma disciplina. Cada um tem sua disciplina própria que

necessita ser descoberta e seguida se se quer aprender e crescer com ela. A avaliação é

uma forma de tomar consciência sobre o significado da ação na construção do desejo que

lhe deu origem. Só a entrega à disciplina do ato permite uma cura, ou seja, a construção

satisfatória dos resultados desejados. (Luckesi, 1994, 165-6).

De acordo com a nossa experiência, de fato, se a avaliação não for uma via de mão dupla,

um processo que envolve atribuição de valor ou apreciação, “estima”, não apenas no sentido

de aferição quantitativa, perderá todo o seu sentido essencial.

Se consultarmos o famoso Aurélio, descobriremos que avaliação é, antes de tudo, um "ato" e

que, somente por isso já envolve uma dimensão inalienavelmente humana e, portanto,

político-ideológica. Assim não existe avaliação neutra ou infalível. Em segundo lugar, trata-se

de "apreciação e análise" e em terceiro lugar, do "valor determinado pelos avaliadores." Ou

seja, avaliar não é um meio de “depreciar” e “impressionar” o aluno, através de "pegadinhas"

(ou verdadeiras "ciladas") para expor as suas ignorâncias, mas um meio para reconhecer o

seu valor enquanto ser humano em desenvolvimento.

A metáfora do ourives é muito interessante nesse sentido. O ouro, já em seu estado puro,

tem um enorme valor. Mas, se ele for tratado, passando por um lento, incisivo e "quente"

processo de purificação, tornar-se-á ainda mais precioso. Somente então é que estará pronto

para ser usado para adornar o homem e seu meio e ser “manuseado” por mãos "familiares" e

“conhecedoras” o bastante de sua natureza para aferir o seu valor. No mundo pós-moderno,

em que mal se acredita numa “natureza” humana, como avaliar um exemplar dessa

“espécie”? E se não existem verdade, como avaliar uma prova, principalmente tipo

“verdadeiro” e “falso”? Só se for “de brincadeirinha”...

Consequentemente, a avaliação passa a ser vista não como um ato isolado, e sim, como um

processo contínuo, que exige planejamento, preparação, competência, sabedoria e

conhecimento não apenas do conteúdo, mas mais do que isso, do aluno enquanto ser em

formação, tarefa essa que nunca foi fácil ou redutível a questionários e formulários. Para

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além do instrumento e da medição quantitativa, importa ao professor empenhar amor e

dedicação nesse trabalho.

Luckesi (entre outros) defende que uma verdadeira avaliação é sempre um ato amoroso.

Isso não exclui a dimensão técnica e objetiva. Pelo contrário, o autor valoriza os instrumentos

criados para a coleta de dados e dá dicas para seu aperfeiçoamento. Mas isso sem perder

de vista seu sentido mais profundo:

O mandamento "ama o teu próximo como a ti mesmo" implica um ato amoroso que,

em primeiro lugar, inclui a si mesmo e, nessa medida, pode incluir os outros... Defino a

avaliação da aprendizagem como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por

si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir

avaliação de julgamento. O julgamento é um ato que distingue o certo do errado,

incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma

situação, para, então (e só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe

suporte de mudança, se necessário. (Idem, 171-2.)

Todos nós avaliamos e somos avaliados o tempo todo. Quando nos levantamos pela manhã,

estimamos se vai ou não chover, quanto tempo levaremos para nos aprontar; consultamos

nosso estômago a respeito do café da manhã, aferimos a adequação da roupa que iremos

usar etc. Mas o que acontece quando, ao invés de coisas temporais, avaliamos alguém?

Quando a/o avaliamos, pesamos a estima que temos por ela ou ele.

G. Snyders (1916), professor de Ciências de Educação da Universidade de Paris, Sorbonne,

já defendia em A Alegria na Escola, que a avaliação, coerente com todo o clima e cultura da

escola, deveria ser um momento de encorajamento e apreciação, pois ela é, antes de tudo,

um investimento de altíssimo risco. O autor aproveita ainda para lembrar que, quando

falamos de avaliação, temos que explicitar e consultar o padrão do que consideramos bom,

melhor e máximo que o aluno possa atingir. Mais do que isso, temos que nos perguntar que

aluno é esse que pretendemos formar, qual o “perfil de egresso” que teremos de ter (que é

um importante componente do Projeto Pedagógico). Qual é o grau máximo de

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aperfeiçoamento em cada disciplina? Qual o mínimo? Teremos que falar, portanto, em

critérios, consultando uma tábua de valores, capaz de nos orientar.

E principalmente a escola é um mundo rigoroso, pois um de seus papéis é avaliar. Os

riscos da avaliação forma denunciados centenas de vezes: risco de infantilizar,

desesperar, imobilizar; o aluno sentindo-se atacado se contrai, entra dentro de si. Aqui

o esforço é essencial para que cada pessoa seja comparada a si mesma muito mais

que confrontada com os outros. Mas a escola não renuncia à avaliação enquanto se

interessa por fazer o aluno viver na convicção que tem progressos a realizar, que ele

lá está para realizar progressos; além de fazê-lo sentir que suas produções estão a

esta ou àquela distância dos sucessos de referência. Nada é equivalente, existem

critérios de valores, uma hierarquia de valores... Não há ‘bom professor’ que torne

tudo fácil – ou melhor o bom professor não é aquele que tornaria tudo fácil seja pelo

seu encanto, seu carisma, seja pela virtude iluminadora de suas interpretações;

provavelmente o bom professor é aquele que fornece os meios e a vontade de se

medir em relação ao difícil. A escola é difícil para todos, certamente em níveis muito

diferentes; mas quando não se reduz mais a cultura às boas maneiras, ao bem falar,

nem mesmo ao sucesso nos exames, em resumo ao bom tom e àquela famosa

‘distinção’, parece que ela nunca é imediata, natural, impregnação direta do meio;

nunca é como o ar que se respira... Para que a criança triunfe, é preciso confiança em

si, coragem – encorajamento; mas também cada passo à frente aumenta a confiança

em si. A criança tem necessidade de obter vitórias – e constatar que em alegria, elas

supercompensam bem as provas. (Snyders, 1988, 204-5).

Outro autor que se dedicou à questão é Celso Vasconcellos. Ele arrola mais de 27 erros

lógicos no tratamento da avaliação. Um deles é a ideia fixa de que mudar significa sempre

melhorar: “Antes de mudar o sistema da avaliação a escola precisa pensar bem, pois se, de

fato ele melhorar, vai causar desemprego para muita gente que sobrevive do estrago que a

nota faz nos alunos: professores particulares, empresas de aula de reforço, clínicas de

recuperação, psicólogos, psicopedagogos, etc.” (Vasconcellos. 1993, 18).

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Após tocar na polêmica possibilidade de um sistema escolar sem notas, ele declara que

denunciar só não basta. Diria que esta é a parte mais fácil. O que interessa mesmo é a

postura diante do problema, a disposição de transformar a realidade que aí está. Ele

apresenta seguinte desafio à reflexão: “Afinal, qual o nosso papel: cumprir o programa, ou

comprometermo-nos com a aprendizagem do aluno?... o maior objetivo do professor não

deve ser o de saber o quanto o aluno sabe, mas o de garantir a aprendizagem de todos.”

(Idem, 48-9.)

Em Se eu finjo que ensino,você finge que aprende, Hamilton Werneck fala do famoso "pacto

da ignorância", onde o professor urubu, não vê a hora de lançar-se sobre a sua carniça, o

aluno. Em contraste, o verdadeiro mestre é o garimpeiro, que, no meio do lodo, e após

lançar-se no meio da correnteza do rio, depois de muito abaixar-se e procurar é

recompensado com a descoberta do esperado diamante.

Noutra obra de título sugestivo, Prova, Provão: Camisa de força, Werneck usa e abusa da

arte da fábula para descrever a postura de alguns educadores (personificados em certos

animais como O macaco, a serpente, o pavão, etc.) diante da tarefa melindrosa e desafiante

da educação. Depois da sátira, ele sugere o resgate de alguns valores éticos, capazes de

contrabalançar o individualismo e outros “ismos” que assolam o cenário educacional não

apenas no Brasil. Usando a criação como metáfora para a importância da reflexão a começar

do professor, ele conclui:

Se Deus pudesse errar, certamente corrigiria seus erros. ... em Gênesis, capítulo 1,

versículos 1 e seguintes, está a descrição da obra da criação. Ali encontramos a auto-

avaliação de Deus ao final de cada momento, de cada período de sua obra. Faça-se a

luz e a luz foi feita e Deus viu que era boa... Da criação dos animais ao ser humano

Deus viu que tudo era bom, que sua criação era boa. No versículo 31 do capítulo 1 do

livro de Gênesis está escrito: E viu Deus todas as coisas que tinha feito e eram muito

boas. De maneira sequenciada Deus se auto-avaliou, passo a passo, dia a dia,

mostrando, numa interpretação ampla da linguagem pedagógica da Bíblia, que

devemos avaliar nossos trabalhos com os alunos a cada passo. (Idem, 129-130).

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Deus, que não erra, sabe muito bem como aproveitar os erros dos seres humanos e

transformá-los em chances para o aprendizado e aperfeiçoamento. Esse é um dos grandes

paradoxos de Seu método de ensino. A metáfora da criação nos mostra que a verdadeira

avaliação é aquela que não se quer como a palavra final, embora só Ele seja Soberano para

fazer uso dela. A boa avaliação, que se aplica a toda a educação, portanto, é a que mantém

em seu horizonte um bem maior. Por mais que, em última instância, esse bem não tenha

preço...

Fique com Deus e forte abraço a todos!

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UNIDADE 29

Pós-modernismo

Olá pessoal,

Agora que discutimos quase tudo que há para se discutir em filosofia (rsrs), vamos falar um

pouco do que povoa a mente dos filósofos da chamada “pós-modernidade”, ou seja, dos que

vieram das duas Grandes Guerras para cá.

Embora não fosse possível delimitar essa corrente com precisão, podemos dizer que o “pós-

modernismo”, é a crítica de tudo do que estudamos até aqui no pensamento ocidental:

realidade, razão, saber, sujeito, objeto, história, espaço, tempo, liberdade, necessidade,

acaso, natureza, homem, religião

e tantos outros temas, que muitos

tinham como certos.

No cenário político, os anos 60 e

70 trouxeram várias novidades. O

homem conquista a lua, diversas

comunidades alternativas se

formam e os estudantes de todo o

mundo mobilizam-se em prol de

bandeiras com da “paz e amor”,

da “Nova Era” democracia, e da

ecologia. Os jovens da época

encarnavam a cultura pop, que

passa a reivindicar a “revolução de

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verdade” no pensamento humano, em vista da falência dos promissores Projetos como os do

*Welfare State", que pareciam só levar à autodestruição e à guerra. Surgem várias bandas

de conteúdos político-ideológicos, os Beatles, Os Carpenters, Os Rolling Stones e no Brasil,

os clássicos da MPB.

A chamada “filosofia continental” começa a destacar-se, englobando vários filósofos do

continente europeu (Alemanha e França), como Edmund Husserl, Martin Heidegger, Michel

Foucault, Maurice Merleau-Ponty, Jacques Derrida e Giles Deleuze. Seu método predileto, o

desconstrucionismo, foi aplicado como estratégia de análise à literatura, linguística, filosofia,

direito e arquitetura. Se linha faz frente até os dias de hoje com a tendência Analítica, a que

dedicamos uma unidade a parte.

Thomas Kuhn em seu Estrutura das Revoluções Científicas nos convida a uma nova visão

da história. Ela não forma uma linha reta evolutiva, mas se dá em ciclos progressivos. Ela

avança até que chega uma hora em que os paradigmas vigentes saturam e são refutados,

pelo que se passa para outro patamar de pensamento, numa espécie de “saltos” de um nó

de uma imensa rede de significados para outro. E para cada um dos nós, o próprio sentido

da vida e a razão são re-significados. Como tão bem resume a Profa. Marilena Chauí:

Dizem eles que uma teoria (filosófica ou científica) ou uma prática (ética, política, artística)

são novas justamente quando rompem as concepções anteriores e as substituem por outras

completamente diferentes, não sendo possível falar numa continuidade progressiva entre

elas, pois são tão diferentes que não há como nem por que compará-las e julgar uma delas

mais atrasada e a outra mais adiantada. Assim, por exemplo, a teoria da relatividade,

elaborada por Einstein, não é continuação evoluída e melhorada da física clássica, formulada

por Galileu e Newton, mas é outra física, com conceitos, princípios e procedimentos

completamente novos e diferentes. Temos duas físicas diferentes, cada qual com seu

sentido e valor próprio. Não se pode falar num processo, numa evolução ou num avanço da

razão a cada nova teoria, pois a novidade significa justamente que se trata de algo tão novo,

tão diferente e tão outro que será absurdo falar em continuidade e avanço. Não há como

dizer que as ideias e as teorias passadas são falsas, erradas ou atrasadas: elas

simplesmente são diferentes das outras porque se baseiam em princípios, interpretações e

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conceitos novos. Em cada época de sua história, a razão cria modelos ou paradigmas

explicativos para os fenômenos ou para os objetos do conhecimento, não havendo

continuidade nem pontos comuns entre eles que permitam compará-los. Agora, em lugar de

um processo linear e contínuo da razão, fala-se na invenção de formas diferentes de

racionalidade, de acordo com critérios que a própria razão cria para si mesma. A razão grega

é diferente da medieval que, por sua vez, é diferente da renascentista e da moderna. A razão

moderna e a iluminista também são diferentes, assim como a razão hegeliana é diferente da

contemporânea. (Chauí, 2000, 105)

Assim, o que os filósofos clássicos

e medievais chamavam de razão,

não passa hoje de “coerência

interna”. Isto é, quanto mais

absurda e sem sentido que possa

parecer, uma teoria, ela será

aceitável, desde que seja

coerente. Ora mas coerente com o

que, se não com uma teoria

anteriormente considerada

verdadeira. Enquanto não

considerarmos alguma coisa

absolutamente verdadeira, não poderemos construir qualquer raciocínio dotado de sentido,

caindo no irracionalismo (negação da razão). Vem daí também o chamado “relativismo

cultural”, ou seja, cada cultura tem o seu próprio bem, justiça e racionalidade, que não

podem ser questionados por nenhum critério universal.

Nesse contexto, não é de se estranhar a crise na educação e o desnorteamento dos

professores diante de “propostas” que respondem perguntas que eles nem tiveram a chance

de se fazer.

Um dos primeiros precursores desse pensamento é o existencialista niilista (nihil= nada)

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900). Esse filósofo, poeta e filólogo sempre foi uma

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figura desafiadora, provocativa e complexa. Uma das suas mais conhecidas declarações,

“Deus está morto”, causou verdadeiros alardes entre os filósofos e teólogos. É curioso

observar o fato de seu pai ter sido pastor luterano, falecido quando ele contava cinco anos de

idade. Apesar de brilhante, ele vivia doente, com dores de cabeça e problemas de vista.

Ele estava convencido de que os valores tradicionais “escravizam” o ser humano,

particularmente os do cristianismo, tornando-o “gado” nas mãos de quem detêm o poder. Os

valores tradicionais da gentileza e da bondade são para os fracos e tolos, que se tornam

submissos aos poderosos. No esforço de superar os valores tradicionais, Nietzsche cria a

imagem do super-homem, que é capaz de criar o sentido da sua própria vida, sem ter que

invocar um ou vários deuses.

Propõe-se que o super-homem seja criador de uma moralidade mestre que reflete a força e

autonomia de quem se independeu de todos os valores, a não ser aqueles que lhe façam

sentido pessoal. Esses são movidos pelo desejo de poder, que não é simplesmente o poder

sobre os outros, mas sobre si mesmo, que seria condição para a liberação da criatividade e

originalidade. Entre os homens que serviram de modelos para o super-homem de Nietzsche

contam-se: Sócrates, Jesus, Leonardo da Vinci, Miguelangelo, Shakespeare, Goethe, Júlio

César, e Napoleão.

Alguns críticos interpretaram a ideia de super-homem como uma proposta de retorno à

sociedade estratificada entre senhores e escravos. Mas outros já acham que essa é uma

interpretação falsa e equivocada. Então, a melhor estratégia para encarar Nietzsche,

concordo plenamente com a professora Rosana Suarez em artigo recente, é o viés

humorístico, encarando suas afirmações como sátiras.

Nietzsche foi um dos inspiradores do existencialismo, esta tendência persiste cada vez mais

diversificada até hoje, marcando seu espaço na filosofia continental. O que tem em comum

com a pós-modernidade é a afirmação da subjetividade e da moral individualista, ou seja,

cada um deve julgar o certo e o errado por si e não, segundo padrões aceitos como

universais.

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O filósofo dinamarquês, Soren Kierkegaard, um dos primeiros a se autointitular

existencialista, enfatizava a importância de cada um seguir sua própria vocação, pela qual

pode dar sentido à sua vida e até a sua morte. É o indivíduo que decide o que é bom e

verdadeiro para si e lhe atribui sentido a cada instante da vida. Tanto existencialistas como

os filósofos continentais põem em dúvida o cientificismo e a possibilidade do pensamento

puramente “sistemático”, como padrão para a condução da vida humana e da própria

filosofia, preferindo confiar na intuição imaginativa, através de histórias, parábolas, ditos

populares, entre outros, para expressar seu pensamento.

O irracionalismo e a ênfase na subjetividade e na liberdade do indivíduo foram as duas

maiores heranças legadas pelos existencialistas ao pensamento pós-moderno.

Junto com os valores universais, ambos também negaram a existência de qualquer natureza

fixa no ser humano. Como bem expressou o filósofo existencialista francês, Jean Paul Sartre,

a existência precede a essência das coisas. Portanto, não adianta perguntar-se, como faziam

Sócrates e Jesus Cristo, o que é o bem, a liberdade, a justiça, mas é preciso viver a cada dia

as suas circunstâncias (como dizia o existencialista cristão, Unamuno) e decidir sobre o que

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fazer ou deixar de fazer a cada passo da existência. O argumento básico dos existencialistas

é que, somente tomando decisões livremente é que podemos nos comprometer e ser

responsáveis pelas nossas ações.

Os existencialistas em geral também pensam que a existência inclui uma Angst (medo,

angústia ou náusea) existencial, que, para as versões agnósticas, levam ao nada, e para as

cristãs, ao contrário, pode nos levar a Deus

A primeira opção seria reservada aos mais corajosos no

entender de Heidegger. Embora muitos filósofos

existencialistas fossem cristãos, como Pascal (1623-62),

bem antes de Nietzsche, Kierkegaard (1813-1855), e

Unamuno (1864-1936), a maior parte deles declara a

independência intelectual e existencial do ser humano

em relação aos universais e a Deus. Heidegger chega a

afirmar que uma filosofia cristã é um “círculo quadrado”,

de quem não quer admitir a pura contingência do

universo. A palavra “Angst” é por ele usada para o

reconhecimento da total liberdade de escolha do

indivíduo a cada instante da vida.

Os filósofos existencialistas cristãos tendem a usar no lugar do pensamento sistemático e da

ideia de náusea, o método paradoxal, qual seja o de negar algo, a fim de afirmá-lo, como já

mencionamos no exemplo das laranjas podres de outra unidade. Elas só podem ser

constatadas assim em contraste a um estado anterior em que estavam boas.

Como esse tipo de debate depende mais de fé do que da razão, muitos filósofos e poetas

optaram, consciente ou inconscientemente por expressar suas ideias a respeito através da

literatura, do teatro do absurdo e da pintura surrealista, como Dostoievsky, que faz um dos

personagens dos Irmãos Karamazov (1879-80), dizer “Precisamos amar a vida mais do que

o sentido dela”.

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Na literatura brasileira, Guimarães Rosa expressa esse pensamento em outros termos. Ao

fazer o seu personagem principal de Grandes Sertões Veredas, afirmar que “o sentido da

vida não está no começo ou no fim, mas no meio do caminho”.

O tema do nonsense ou absurdo está presente numa infinidade de filmes da atualidade como

Matrix, Homens de Preto ou mesmo a série infantil Harry Potter.

O que resta do

existencialismo de outrora

talvez fosse o senso do

efêmero, da

transitoriedade e de certo

surrealismo digital. Muitos

pensadores de hoje

desacreditam da própria

palavra “pós-modernismo”

pela sua vacuidade e

lamentam a falta de

“grandes pensadores” e

“grandes ideais” nos

nossos dias, que nem sequer tiveram a capacidade de conceber um nome original.

Certo, a partir de pesquisas de opinião é que, se perguntarmos às pessoas comuns sobre as

“grandes questões da vida”, muitos responderão atônitos que à morte segue o nada, ao

mesmo tempo em que acreditam em Deus. Ao mesmo tempo em que acreditam numa

realidade “lá fora”, os critérios de verdade e justiça tendem a ser deixados por conta dos

cientistas. Ou seja, vivemos numa era de pluralismo, contradições de pensamento e

desnorteamento filosófico e ético. Quem sabe esteja na hora de retomarmos caminhos

aparentemente “perdidos”, como o da literatura e do estudo mais atento dos pensadores do

passado, para construirmos novos reconhecimentos filosóficos, sem negar as velhas e

sempiternas questões debatidas pelos filósofos de todos os tempos?

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E você? Já teve a sensação de falta de sentido na vida ou de que alguma coisa deve estar

errada, sem conseguir precisar o que seja? Já parou para pensar sobre as grandes questões

da vida? Então espero que esse curso o tenha ao menos feito pensar, em especial no

contexto educacional, com o que teremos alcançado nosso objetivo.

Até a próxima e última unidade!!

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UNIDADE 30

Questões da atualidade

Oi gente boa,

Preparados para a nossa aula de encerramento? Quanta saudade! Aliás, as palavras

“obrigad(a)o” e “saudade” são exemplo de palavras que não se pode traduzir para nenhuma

outra língua. A primeira expressa o grau máximo de gratidão, aquela pela qual não se

registra apenas o favor, como fazem os franceses (mercy), ou se agradece, que vem de

agrado, por sua vez tem a ver com apreciação (colocar o preço) e avaliação (dar o aval),

como fazem os alemães (danke schön), de onde derivou o inglês (thank you). O

“obrigad(a)o” significa que se está em dívida em relação ao outro. Outro bom exemplo da

língua portuguesa é a palavra saudade, deixo-o por conta de poetas sensíveis como

Fernando Pessoa, Gregório de Matos Guerra* e tantos outros.

Nessa unidade faremos uma síntese de que estudamos até aqui, a começar pelo próprio

sentido da filosofia, como algo que inicia com a perplexidade diante das grandes questões da

vida (como a fazer uma síntese, de encerrar um curso que nos interessa muito, etc, rsrs).

Depois de abordamos alguns clássicos que

marcaram esse campo do saber em todos os

tempos, passamos para as disciplinas filosóficas

mais conhecidas: a lógica, a metafísica

(infelizmente quase extinta hoje em dia). Demos

também uma olhada na filosofia da ciência, na

epistemologia e filosofia da linguagem, que por sua

vez nos levou até a filosofia analítica. Mais ou

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menos no meio do curso, demos uma “respirada” para analisar as relações entre literatura e

filosofia, que não são poucas, a mente e a filosofia e a arte (outra disciplina infelizmente

quase extinta hoje, haja vista os roubos recentes de obras famosas de museus, aos quais

não é dada a devida atenção. Debruçamo-nos em seguida sobre a filosofia da religião,

atentando para o que dizem as maiores e mais conhecidas religiões mundiais. Finalmente,

chegamos ao existencialismo e à pós-modernidade que a tudo questiona e tenta desconstruir

e declarar o fim da racionalidade e a autonomia do ser humano em “tecer” o seu próprio

sentido na vida, sem necessidade de transcendência. Basta abrir o jornal para ver diversas

expressões da necessidade de transcendência das pessoas no mundo moderno (violência,

indisciplina, individualismo, etc.)

Então, o que nos “resta” debater (como se fosse possível encerrar o assunto...) são alguns

temas recentíssimos... E com isso pretendemos fomentar a esperança de que a filosofia,

apesar de ser pouco procurada por verdadeiros vocacionados nos nossos e noutros tempo,

por suas poucas perspectivas de retorno econômico, não morrerá, enquanto ainda formos

capazes de fazer perguntas.

Por mais que o jornalismo predatório e sensacionalista procure substituir o questionamento

filosófico profundo e sistemático, tanto que já é considerado o “quarto estado”, as mentes

(ainda) não podem ser totalmente controladas. Perguntamo-nos, até que ponto a filosofia

sobreviverá a esses concorrentes muitas vezes “desleais”, como o cinema, as revistas, a

internet. Tudo dependerá novamente da nossa habilidade em não deixar morrer as grandes

questões da vida. Então, vamos levantar apenas alguns temas da atualidade, que podem

nos manter no debate saudável e construtivo para a humanidade:

1. A bioética

Como se sabe, a genética é hoje um dos campos da ciência que mais rapidamente se

desenvolve por todo o mundo. Experiências como de clonagem de animais e com as

chamadas “células-tronco”, recolocam a questão sobre a vida e a possibilidade de criar nova

vida, a partir da replicação de células. O que se sabe por enquanto é que as experiências já

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realizadas com clonagem, desde a primeira ovelha Dolly de uma forma ou de outra não

foram coroadas de sucesso ou por má-formação ou por doenças seguidas de morte. Os

religiosos têm se colocado contra esse tipo de experiência, porque têm desafiado a ordem

estabelecida nesse mundo quanto à vida: tanto a sua produção, quanto sua extinção. Por

outro lado, as experiências com células tronco têm trazido soluções inesperadas para várias

doenças congênitas.

Então, a genética certamente é uma área da ciência importante para o futuro, mas que

precisa ser controlada para não servir à própria destruição do homem com novos tipos de

vírus ou doenças nunca antes vistas, como ocorrido anteriormente com a infecção do homem

por vírus animais. Qual será o sentido de futuramente podermos escolher a cor de olhos,

cabelo e até mesmo traços do caráter de nossos filhos? Que futuro lhes estará reservado

num mundo que, de acordo com cúpulas internacionais sobre ecologia, estará condenada a

se autodestruir em pouco tempo, se não por uma guerra mundial sem precedentes, com

armas biológicas e químicas, ou destruição da natureza?

2. A vida na era digital

Muitos adultos das gerações anteriores aos computadores digitais que tiveram que aprender

muito para acompanhar tais avanços olham com espanto para as novas gerações. Elas

praticamente já nascem com o computador embaixo do braço. Ao invés de brincar com as

velhas pipas e peões, correm risco constante de se viciar em jogos eletrônicos e videogames

com conteúdos muitas vezes inapropriados para a idade.

Vemos nos jornais crimes cometidos por jovens e crianças nas escolas e nos lares e ficamos

nos perguntando que espécie de consciência, autonomia e liberdade é essa que cria

pessoas que se sensibilizam mais com um carro do ano, que com a fome no mundo e

parecem não se importar com nada que acontece para além de suas quatro paredes? Será

que estaremos caminhando para a realização das piores profecias de autodestruição da

humanidade, previstas por autores de ficção como Mary Shelley (Frank Stein), Rachel

Carson (Primavera Silenciosa – livro que praticamente deu início ao movimento ecológico),

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Aldous Huxley (Admirável

Mundo Novo), H.G. Wells

(A Máquina do Tempo), e

mais recentemente Isaak

Asimov (Eu, robô) e Philip

K. Dick (O caçador de

Andróides – estudo que

inspirou os filmes Blade

Runner)? Se concordarmos

com as novas profecias do

National Geografic ou

Discovery, em breve os

robôs serão tão idênticos aos seres humanos, que não saberemos diferenciar máquinas de

clones e seres humanos. Até que ponto poderão essas formas pseudo-humanas colaborar

ou destruir a raça humana?

Que dizer do aumento absurdo de adolescentes grávidas numa época em que a educação

sexual passou a ser atribuída não mais às famílias desmanteladas, mas às escolas e à

mídia, sendo muitas vezes realizada nas ruas? Tudo indica que os habitantes dos grandes

conglomerados humanos estão sendo cada vez menos “humanos”, apesar do gritante

humanismo de discurso. Quem são os herois ou até deuses de um século, que se diz tão

independente da transcendência e dos grandes nortes éticos da própria humanidade?

3. Perspectivas sociopolíticas para o futuro do planeta.

Somos bombardeados todos os dias com notícias nos jornais e revistas sobre as

perspectivas futuras de um mundo globalizado, onde o capital exerce força cada vez maior e

mais concentrada nas mãos de menos pessoas. A mídia molda a forma cada vez mais

individualista e materialista de pensar das pessoas. O que dizer dos direitos sociais

conquistados pelos trabalhadores com derramamento de sangue, que estão sendo lenta,

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mas firmemente sendo roubados dos trabalhadores de hoje? Com toda essa histórica crise

financeira será que a hegemonia dos Estados Unidos chegou ao fim de fato? Com os

atentados cometidos contra eles e a aparente falta de perspectivas do seu intervencionismo,

particularmente nos países islâmicos? E o que dizer da ameaça ou já declarada recessão em

vários países e queda no crescimento de suas economias?

Que dizer dos países asiáticos, a quem muitos predizem que pertencerá o futuro por sua

preponderância quantitativa e rápido avanço tecnológico?

E que futuro terá a América Latina diante desse quadro de “globalização”? Será que entrará

no jogo ou deixará passar a sua hora de jogar?

Até que ponto podemos criticar os países asiáticos exploradores e “exportadores” da mão de

obra e com a ameaça aos sonhos de uma sociedade realmente democrática e justa nesse

mundo? Ou estaremos caminhando para o paraíso na Terra criado pelas novas tecnologias e

a cyber cultura? Então, a conclusão a que chega Marilena Chauí ainda faz sentido:

... Os direitos econômicos e sociais conquistados pelas lutas populares estão em perigo

porque o capitalismo está passando por uma mudança profunda. De fato, tradicionalmente, o

capital se acumulava se ampliava e se reproduzia pela absorção crescente de pessoas no

mercado de mão-de-obra (ou mercado de trabalho) e no mercado de consumo dos produtos.

Hoje, porém, com a presença da tecnologia de ponta como força produtiva, o capital pode

acumular-se e reproduzir-se excluindo cada vez mais as pessoas do mercado de trabalho e

de consumo. Não precisa mais de grandes massas trabalhadoras e consumidoras, pode

ampliar-se graças ao desemprego em massa e não precisa preocupar-se em garantir direitos

econômicos e sociais aos trabalhadores porque não necessita de seus trabalhos e serviços.

Por isso o Estado do Bem-Estar Social tende a ser suprimido pelo Estado neoliberal,

defensor da privatização das políticas sociais (educação, saúde, transporte, moradia,

alimentação). O direito à participação política também encontra obstáculos. De fato, no

capitalismo da segunda metade do século XX, a organização industrial do trabalho foi feita a

partir de uma divisão social nova: a separação entre dirigentes e executantes. Os primeiros

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são os que recebem a educação científica e tecnológica, são considerados portadores de

saberes que os tornam competentes e por isso com poder de mando. Os executantes são

aqueles que não possuem conhecimentos tecnológicos e científicos, mas sabem apenas

executar tarefas, sem conhecer as razões e as finalidades de sua ação. São por isso

considerados incompetentes e destinados a obedecer. Essa forma de organização da divisão

social do trabalho propagou-se para a sociedade inteira. No

comércio, na agricultura, nas escolas, nos hospitais, nas

universidades, nos serviços públicos, nas artes, todos estão

separados entre “competentes” que sabem e “incompetentes”

que executam. Em outras palavras, a posse de certos

conhecimentos específicos tornou-se um poder para mandar e

decidir. Essa divisão social converteu-se numa ideologia: a

ideologia da competência técnico-científica, isto é, na ideia de

que quem possui conhecimentos está naturalmente dotado de

poder de mando e direção. Essa ideologia, fortalecida pelos

meios de comunicação de massa que a estimulam diariamente, invadiu a política: esta

passou a ser considerada uma atividade reservada para administradores políticos

competentes e não uma ação coletiva de todos os cidadãos.

Não só o direito à representação política (ser representante) diminui porque se restringe aos

competentes, como ainda a ideologia da competência oculta e dissimula o fato de que, para

ser “competente”, é preciso ter recursos econômicos para estudar e adquirir conhecimentos.

Em outras palavras, os “competentes” pertencem à classe economicamente dominante, que,

assim, dirige a política segundo seus interesses e não de acordo com a universalidade dos

direitos. Outro obstáculo ao direito à participação política é posto pelos meios de

comunicação de massa. Só podemos participar de discussões e decisões políticas se

possuirmos informações corretas sobre aquilo que vamos discutir e decidir. Ora, como já

vimos, os meios de comunicação de massa não informam, desinformam. Ou melhor,

transmitem as informações de acordo com os interesses de seus proprietários e das alianças

econômicas e políticas destes com grupos detentores de poder econômico e político. Assim,

por não haver respeito ao direito de informação, não há como respeitar o direito à verdadeira

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participação política. Os obstáculos à democracia não inviabilizam a sociedade democrática.

Pelo contrário. Somente nela somos capazes de perceber tais obstáculos e lutar contra eles

(Chauí, 583-4).

Longe de querer desanimá-los com tanta filosofia, espero que tenhamos alcançado nossos

objetivos, motivando-os à prática da reflexão continuada e da busca por alternativas criativas

e esperançosas que ela é capaz de gerar. Não deixamos, pois a filosofia morrer, em

nenhuma das suas formas de expressão, inclusive as digitais e cibernéticas. Pois, já que

todos têm que ter alguma filosofia de vida, sem exceções, é melhor que você mesmo saiba

qual é a sua!

Encerro então, com essas surpreendentes e motivadoras palavras, de quem pouco se

poderia esperar ouvi-las:

Antes de prosseguir em meu caminho e lançar o meu olhar para frente

uma vez mais, elevo, só, minhas mãos a Ti na direção de quem eu fujo.

A Ti, das profundezas de meu coração, tenho dedicado altares festivos

para que, em Cada momento, Tua voz me pudesse chamar. Sobre

esses altares estão gravadas em fogo estas palavras: 'Ao Deus

desconhecido'. Seu, sou eu, embora até o presente tenha me

associado aos sacrílegos. Seu, sou eu, não obstante os laços que me

puxam para o abismo. Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-

lo.

Eu quero Te conhecer, desconhecido. Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades

a minha vida. Tu, o incompreensível, mas meu semelhante, quero Te conhecer, quero servir

só a Ti.

[Friedrich Nietzsche]

Bem, pessoal, chegamos ao final da nossa jornada. Aos até aqui chegados, meu abraço e

votos de que esse curso tenha sido o mais proveitoso possível, e que renda muitos frutos

pela frente Deus os acompanhe!

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Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua

SALA DE AULA e faça a Atividade 3 no “link” ATIVIDADES.

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GLOSSÁRIO Agnosticismo A suspensão da crença em relação à existência de Deus. O

agnosticismo forte é a ideia de que nunca poderemos

descobrir se Deus existe ou não. Aquele que suspende a

crença em relação à existência de Deus: nem acredita que

Deus existe nem que Deus não existe.

Anacrônico Oposto a cronologia; contrário aos usos da época a que se

refere; avesso aos costumes de hoje.

Anacronismo Confusão de datas quanto a acontecimentos ou pessoas

Analógico Fundado na, ou que tem analogia.

A priori, a posteriori Uma distinção entre modos de conhecimento. Conhecemos a

priori uma dada proposição quando não recorremos à

experiência para a conhecer. Por exemplo, uma pessoa sabe

a priori que 23 + 12 = 35 quando faz um cálculo mental, não

recorrendo à experiência. Conhecemos a posteriori uma

dada proposição quando recorremos à experiência para a

conhecer. Por exemplo, uma pessoa sabe a posteriori que o

céu é azul quando olha para o céu e vê que é azul.

Considera-se, tradicionalmente, que a lógica, a matemática e

a filosofia são disciplinas a priori porque têm por objeto

problemas cuja solução implica recorrer ao pensamento puro.

A história, a física e a economia, por exemplo, são disciplinas

a posteriori porque têm por objeto de estudo fenômenos que

só podem ser conhecidos através da experiência; por

exemplo: para saber em que ano Buzz Aldrin e Neil

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Armstrong foram à Lua é necessário consultar documentos

históricos; para saber qual a taxa de inflação em Portugal em

2003 é necessário consultar dados econômicos.

2. Diz-se que um argumento é a priori quando todas as suas

premissas são conhecíveis a priori; e diz-se que é a posteriori

quando pelo menos uma das suas premissas só pode ser

conhecida a posteriori. Não se deve confundir o a priori/a

posteriori com o analítico/sintético, nem com

necessário/contingente.

Ateísmo A afirmação de que Deus não existe.

Cognitivismo estético Perspectiva filosófica acerca da arte, segundo a qual ela tem

valor na medida em que serve para aumentar o nosso

conhecimento. O cognitivismo estético é uma teoria

funcionalista (ou instrumentalista), pois reconhece que a arte

tem uma função, ao contrário do esteticismo. Um dos mais

destacados defensores do cognitivismo estético é o filósofo

americano Nelson Goodman.

Confirmação Num bom argumento indutivo, as premissas confirmam a

conclusão num grau elevado. Por exemplo, se observamos

muitos corvos e constatamos que não há um único que não

seja negro, encontramos assim dados que confirmam a

hipótese de que todos os corvos são negros. Obviamente,

não podemos ter a certeza de que esta hipótese é

verdadeira, mas à medida que vamos observando cada vez

mais corvos negros a probabilidade de a hipótese ser

verdadeira (isto é, o seu grau de confirmação) vai

aumentando.

Digressão Desvio de rumo ou de assunto

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doxa

Para Sócrates, tudo o que não era uma definição absoluta,

algo que não tinha uma definição absolutamente abrangente

e invariável, simples opinião. Oposto de episteme

Episteme Para ele não era a ciência que conhecemos, nem a que

Aristóteles estabeleceu - a paciente observação e copilação

de dados específicos, juntamente com a organização destes

dados de modo a formar sistemas gerias de conhecimento.

Para ele era apenas definição, a definição absoluta.

Epistemologia Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das

ciências já constituídas, e que visa determinar os

fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivos delas.

Gnosiologia - parte da Filosofia que estuda os limites da

faculdade humana de conhecimento e os critérios que

condicionam a validade dos nossos conhecimentos.

Gnosticismo Sistema teológico e filosófico cujos sectários se arrogavam

um conhecimento sublime da natureza e dos atributos

divinos.

Hodiernidade Modernidade, os dias de hoje

Ontologia (ontológico) Parte da Filosofia que trata do ser enquanto ser, i.e., do ser

concebido como tendo uma natureza comum que é inerente

a todos e a cada um dos seres, independentemente do modo

pela qual se manifesta.

Prolegômenos

Exposição preliminar dos princípios gerais de uma ciência ou

arte

Propedêutica Prolegômenos, de uma ciência; ciência preliminar.

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Conjunto de estudos que antecedem, como um estágio

preparatório, os cursos superiores.

Psicagonia

Entre antigos gregos, cerimônia religiosa de invocação de

almas dos mortos.

Teologia

Estudo das questões referentes ao conhecimento da

divindade, de seus atributos e relações com o mundo e com

os homens, e à verdade religiosa. O estudo racional dos

textos sagrados, dos dogmas e das tradições do

Cristianismo.

Aparece pela primeira vez em Platão (Republica),

significando "o discurso dos deuses". 1

Teismo Concepção acerca da natureza de Deus que defende serem

as seguintes as suas características ou atributos: é o único

criador do universo, é omnipotente (pode fazer tudo), é

omnisciente (sabe tudo), é livre e é infinitamente bom. Esta

ideia de Deus está associada às grandes religiões

monoteístas e a discussão acerca da existência de Deus tem

sido, em grande parte, a discussão acerca da existência de

um Deus com estas características. É o Deus teísta que está

em causa quando, em filosofia, se discute o argumento

ontológico, o argumento cosmológico, o argumento do

desígnio, e o problema do mal.

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