parque linear leito ferroviário erradicado mogiana

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE ARQUITETURA, , , , URBANISMO URBANISMO URBANISMO URBANISMO E DESIGN E DESIGN E DESIGN E DESIGN GLAUCIO HENRIQUE CHAVES GLAUCIO HENRIQUE CHAVES GLAUCIO HENRIQUE CHAVES GLAUCIO HENRIQUE CHAVES TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO LEITO FERROVIÁRIO LEITO FERROVIÁRIO LEITO FERROVIÁRIO LEITO FERROVIÁRIO ERRADICADO ERRADICADO ERRADICADO ERRADICADO: PROPOSTA DE UM PARQUE LINEAR NUM TERRITÓRIO LIVRE UBERLÂNDIA UBERLÂNDIA UBERLÂNDIA UBERLÂNDIA 20 20 20 2010

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Proposta para recuperação do leito erradicado da Mogiana entre Araguari e Uberlândia-MG segundo um viés de deslocamentos não-motorizados e aproveitando potencialidades esquecidas e desconhecidas da região, segundo uma abordagem de matizes nômades.

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Page 1: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIAUNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIAUNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIAUNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FACULDADE DE ARQUITETURAFACULDADE DE ARQUITETURAFACULDADE DE ARQUITETURAFACULDADE DE ARQUITETURA , , , , URBANISMOURBANISMOURBANISMOURBANISMO E DESIGNE DESIGNE DESIGNE DESIGN

GLAUCIO HENRIQUE CHAVESGLAUCIO HENRIQUE CHAVESGLAUCIO HENRIQUE CHAVESGLAUCIO HENRIQUE CHAVES

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃOTRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃOTRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃOTRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

LEITO FERRO VIÁRIOLEITO FERRO VIÁRIOLEITO FERRO VIÁRIOLEITO FERRO VIÁRIO ERRADICADOERRADICADOERRADICADOERRADICADO ::::

PROPOSTA DE UM PARQUE LINEAR NUM TERRITÓRIO LIVRE

UBERLÂNDIAUBERLÂNDIAUBERLÂNDIAUBERLÂNDIA

20202020 11110000

Page 2: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

GLAUCIO HENRIQUE CHAVESGLAUCIO HENRIQUE CHAVESGLAUCIO HENRIQUE CHAVESGLAUCIO HENRIQUE CHAVES

LEITO FERRO VIÁRIO ERRADICADOLEITO FERRO VIÁRIO ERRADICADOLEITO FERRO VIÁRIO ERRADICADOLEITO FERRO VIÁRIO ERRADICADO ::::

PROPOSTA DE UM PARQUE LINEAR NUM TERRITÓRIO LIVRE

Trabalho para a disciplina de Trabalho

Final de Graduação, apresentado como parte

dos requisitos para obtenção do título de

Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela

Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e

Design da Universidade Federal de

Uberlândia

O rientadorOrientadorOrientadorOrientadoreseseses: : : : Prof. Ricardo Pereira

( in memorian)( in memorian)( in memorian)( in memorian)

Profª. Cláudia dos Reis e Cunha

UBERLÂNDIAUBERLÂNDIAUBERLÂNDIAUBERLÂNDIA

20202020 10101010

Page 3: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

DESEJO dizer uma palavra em nome da natureza, em nome da liberdade absoluta, em nome da amplidão, que contrastam com a liberdade e a cultura das cidades — no sentido de considerar o homem como um habitante da natureza, ou parte e parcela dela, e não como um elemento da sociedade. Desejo fazer uma exposição vasta e, se puder, a farei enfática, pois existem muitíssimos campeões da civilização. Não só o ministro e as congregações das escolas mas todos vós a tomareis em consideração. Henry David Thoreau, no início do livro Andar a Pé

Page 4: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

SUMÁRIO LISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURAS..................................................................................................................4444

LISTA DE LISTA DE LISTA DE LISTA DE QUADROSQUADROSQUADROSQUADROS ................................................................................................................. 5555

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ................................................................................... 6666

RESUMORESUMORESUMORESUMO ...................................................................................................................................... 7777

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT .................................................................................................................................. 8888

INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO............................................................................................................................. 9999

1.1 .1 .1 . HISTÓRICOSHISTÓRICOSHISTÓRICOSHISTÓRICOS....................................................................................................................... 16161616

1.1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 . HISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIA DADADADA OCUPAÇÃOOCUPAÇÃOOCUPAÇÃOOCUPAÇÃO DODODODO TRIÂNGULOTRIÂNGULOTRIÂNGULOTRIÂNGULO MINEIROMINEIROMINEIROMINEIRO ................................... 16161616

1.2.1 .2.1 .2.1 .2. HISTÓRIA DAS FERROVIASHISTÓRIA DAS FERROVIASHISTÓRIA DAS FERROVIASHISTÓRIA DAS FERROVIAS .......................................................................................25252525

1.2.1 .1 .2.1 .1 .2.1 .1 .2.1 . HISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIA DADADADA MOGIANAMOGIANAMOGIANAMOGIANA .........................................................................................36363636

1.2.1.1.1 .2.1.1.1 .2.1.1.1 .2.1.1. A LINHA DO CATALÃOA LINHA DO CATALÃOA LINHA DO CATALÃOA LINHA DO CATALÃO ........................................................................................ 40404040

2.2.2.2. AAAA INQUIETETURAINQUIETETURAINQUIETETURAINQUIETETURA OUOUOUOU AAAA ARQUITETURAARQUITETURAARQUITETURAARQUITETURA DADADADA INQUIETUDEINQUIETUDEINQUIETUDEINQUIETUDE ........................................ 51515151

3.3.3 .3 . ASPECTOS SIMBÓLICOS DA PAISAGEMASPECTOS SIMBÓLICOS DA PAISAGEMASPECTOS SIMBÓLICOS DA PAISAGEMASPECTOS SIMBÓLICOS DA PAISAGEM .......................................................................... 65656565

4 .4 .4 .4 . A REGIÃO DE INTERVENÇÃOA REGIÃO DE INTERVENÇÃOA REGIÃO DE INTERVENÇÃOA REGIÃO DE INTERVENÇÃO.......................................................................................... 75757575

4 .4 .4 .4 .1 .1 .1 .1 . AAAA REGIÃOREGIÃOREGIÃOREGIÃO DODODODO FUNDÃOFUNDÃOFUNDÃOFUNDÃO ........................................................................................ 78787878

4 .2.4 .2.4 .2.4 .2. AAAA REGIÃOREGIÃOREGIÃOREGIÃO DODODODO SOBRADINHOSOBRADINHOSOBRADINHOSOBRADINHO ............................................................................... 95959595

5.5.5.5. MULTIPLICIDADES E PONTOS DE ENCONTRO MULTIPLICIDADES E PONTOS DE ENCONTRO MULTIPLICIDADES E PONTOS DE ENCONTRO MULTIPLICIDADES E PONTOS DE ENCONTRO –––– O TRANSBORDARO TRANSBORDARO TRANSBORDARO TRANSBORDAR......................... 108108108108

6.6.6.6. OLHARES SOBRE O PATRIMÔNIO AGROINDUSTRIALOLHARES SOBRE O PATRIMÔNIO AGROINDUSTRIALOLHARES SOBRE O PATRIMÔNIO AGROINDUSTRIALOLHARES SOBRE O PATRIMÔNIO AGROINDUSTRIAL ................................................113113113113

7.7.7.7. ASPECTOS DO PROJETOASPECTOS DO PROJETOASPECTOS DO PROJETOASPECTOS DO PROJETO.................................................................................................118118118118

7.17.17.17.1 LLLLEITOEITOEITOEITO ...................................................................................................................118118118118

7.27.27.27.2 AAAAS S S S EEEESTRADASSTRADASSTRADASSTRADAS----PPPPARQUE ARQUE ARQUE ARQUE ---- EPEPEPEP.................................................................................119119119119

7.37.37.37.3 AAAAS S S S RRRREGIÕES DE EGIÕES DE EGIÕES DE EGIÕES DE IIIINTERVENÇÃONTERVENÇÃONTERVENÇÃONTERVENÇÃO .... ........................................................................... 120120120120

7.47.47.47.4 AAAANÁLISE NÁLISE NÁLISE NÁLISE DDDDESCRITIVA DO ESCRITIVA DO ESCRITIVA DO ESCRITIVA DO PPPPERCURSO ERCURSO ERCURSO ERCURSO AAAARAGUARI A RAGUARI A RAGUARI A RAGUARI A UUUUBERLÂNDIABERLÂNDIABERLÂNDIABERLÂNDIA........................... 141141141141

8.8.8.8. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕESCONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕESCONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕESCONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES.................................................................................. 150150150150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 154154154154

GLOSSÁRIOGLOSSÁRIOGLOSSÁRIOGLOSSÁRIO............................................................................................................................161161161161

ANEXOANEXOANEXOANEXO.................................................................................................................................... 165165165165

ANEXOANEXOANEXOANEXO AAAA –––– IIIINVENTÁRIO DNVENTÁRIO DNVENTÁRIO DNVENTÁRIO DA A A A EEEESTAÇÃO STAÇÃO STAÇÃO STAÇÃO SSSSTEVENSON TEVENSON TEVENSON TEVENSON VVVVELHAELHAELHAELHA ................................................ 165165165165

ANEXOANEXOANEXOANEXO BBBB –––– IIIINVENTÁRIO DA NVENTÁRIO DA NVENTÁRIO DA NVENTÁRIO DA EEEESTAÇÃO STAÇÃO STAÇÃO STAÇÃO SSSSOBRADINHOOBRADINHOOBRADINHOOBRADINHO.......................................................... 168168168168

ANEXOANEXOANEXOANEXO CCCC –––– OOOO SSSSILÊNCIO DO S ILÊNCIO DO S ILÊNCIO DO S ILÊNCIO DO S TTTTRILHOSRILHOSRILHOSRILHOS...............................................................................171171171171

ANEXOANEXOANEXOANEXO DDDD –––– TRECHOTRECHOTRECHOTRECHO DODODODO LIVROLIVROLIVROLIVRO “D“D“D“DO O O O RRRRIO DE IO DE IO DE IO DE JJJJANEIRO A ANEIRO A ANEIRO A ANEIRO A GGGGOIÁS OIÁS OIÁS OIÁS –––– 1896”1896”1896”1896” ...................... 172172172172

Page 5: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - ESTRADA VICINAL NA REGIÃO DO FUNDÃO, MUNICÍPIO DE ARAGUARI-MG..........................................................................................9

FIGURA 2 - C AMINHO ÀS MARGENS DA FERROVIA – ZONA RURAL DE ARAGUARI ..................................................................................................12

FIGURA 3 - PONTE SOBRE O RIO ARAGUARI E A DESTRUIÇÃO DA MATA PELO CCBE ........................................................................................ 13

FIGURA 4 - ESCOLA RURAL DESATIVADA NA REGIÃO DO FUNDÃO ......................................................................................................................... 14

FIGURA 5 - LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO TRIÂNGULO MINEIRO ........................................................................................................................ 17

FIGURA 6 - IGREJA DE NOSSA SENHORA DO DESTERRO DO DESEMBOQUE........................................................................................................... 19

FIGURA 7 - IGREJA DE N. S. DO ROSÁRIO E SÃO BENEDITO DE ESTRELA DO SUL ......................................................................................... 20

FIGURA 8 - ESTAÇÃO DA JAGUARA ........................................................................................................................................................................22

FIGURA 9 - ESTAÇÃO DA EFG EM ARAGUARI ....................................................................................................................................................... 23

FIGURA 10 – ENCAIXE DAS RODAS FERROVIÁRIAS NOS TRILHOS ......................................................................................................................... 26

FIGURA 11 - SEGUNDO SISTEMA FUNICULAR DA SPR NA SERRA DO MAR .......................................................................................................... 28

FIGURA 12 - ESTRADA DE FERRO DESATIVADA NO MUNICÍPIO DE ARAGUARI-MG.............................................................................................. 32

FIGURA 13 - MUSEU FERROVIÁRIO DO ENGENHO DE DENTRO - RIO DE JANEIRO-RJ ..........................................................................................35

FIGURA 14 - DESENHO ESQUEMÁTICO DOS TRAÇADOS DA SPR, CMEF E EFG .........................................................................................................37

FIGURA 15 – ESTAÇÃO ORIGINAL DA MOGIANA EM ARAGUARI ................................................................................................................................48

FIGURA 16 - MAPA DAS LINHAS DA CM ENTRE UBERLÂNDIA E ARAGUARI .............................................................................................................48

FIGURA 17 – ESTAÇÃO NOVA DE ARAGUARI...........................................................................................................................................................49

FIGURA 18 –ESTRADA NA REGIÃO DO FUNDÃO – ARAGUARI-MG .......................................................................................................................... 51

FIGURA 19 – VIADUTO Nº4 – RFFSA – ARAGUARI-MG ...............................................................................................................................................68

FIGURA 20 – RUA DE VILA BOA DE GOYAZ - CONJUNTO URBANO E PAISAGEM ....................................................................................................70

FIGURA 21 – PONTE SOBRE O RIO ARAGUARI CMEF ARAGUARI/UBERLÂNDIA-MG .............................................................................................74

FIGURA 22 – VISÃO GERAL DA ÁREA DE PROJETO E ALTIMETRIA DA ANTIGA CMEF............................................................................................76

FIGURA 23 - RECORTE DA CARTA UBERLÂNDIA DO IBGE ....................................................................................................................................77

FIGURA 24 – MÁQUINA PARA LIMPEZA DE ARROZ, TRAZIDA POR IMIGRANTES JAPONESES ...................................................................................79

FIGURA 25 – C APELA E CRUZEIRO DO FUNDÃO ......................................................................................................................................................83

FIGURA 26 – IMAGEM DA ÁREA DE INTERVENÇÃO EM ARAGUARI-MG ...................................................................................................................86

FIGURA 27 – CRUZEIRO NA REGIÃO DO SOBRADINHO..............................................................................................................................................96

FIGURA 28 - IMAGEM DA ÁREA DE INTERVENÇÃO EM UBERLÂNDIA-MG...........................................................................................................101

FIGURA 29 - ESQUEMA DE CONVITE PARA A ÁREA DE INTERVENÇÃO................................................................................................................ 121

FIGURA 30 – VAGÃO TRANSFORMADO EM BANHEIROS E BEBEDOUROSS............................................................................................................... 122

FIGURA 31 – TORRES Nº2, Nº1 E Nº14.................................................................................................................................................................123

FIGURA 32 – PERSPECTIVA DO PSTL....................................................................................................................................................................125

FIGURA 33 – VAGÃO DE MADEIRA ABANDONADO NA ESTAÇÃO STEVENSON NOVA ..............................................................................................127

FIGURA 34 - CEMITÉRIO DE MATERIAL FERROVIÁRIO DA FCA ............................................................................................................................129

FIGURA 35 - ESQUEMA DE APLICAÇÃO DE DORMENTES NO MOBIL IÁRIO DO PARQUE ........................................................................................ 130

FIGURA 36 - OBJETOS ENCONTRADOS NO LEITO FERROVIÁRIO ...........................................................................................................................131

FIGURA 37 - PERSPECTIVA DO PAVILHÃO STEVENSON ......................................................................................................................................... 133

FIGURA 38 - PRAÇA DA ÁREA DE INTERVENÇÃO Nº1............................................................................................................................................ 140

FIGURA 39 - ANÁLISE DESCRITIVA DOS PERCURSOS............................................................................................................................................... 149

Page 6: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

LISTA DE LISTA DE LISTA DE LISTA DE QUADRO SQUADRO SQUADRO SQUADRO S

QUADRO 1: Pontos de Interesse da região do Fundão e entorno............................95

QUADRO 2: Pontos de Interesse da região do Sobradinho e entorno............... 107

QUADRO 3: Estado físico do prédio da Stevenson Nova....................................................134

QUADRO 4: Panoramas da ferrovia às margens do rio Araguari...........................137

Page 7: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASLISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ALLALLALLALL : América Latina Logística.

CBTUCBTUCBTUCBTU: Companhia Brasileira de Trens Urbanos.

CCBECCBECCBECCBE : Consórcio Capim Branco de Energia.

CMEFCMEFCMEFCMEF: Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Às vezes aparece também como um simples “CMCMCMCM”.

CVRDCVRDCVRDCVRD: Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale.

EFGEFGEFGEFG: Estrada de Ferro Goiás.

EFO MEFO MEFO MEFO M: Estrada de Ferro Oeste de Minas.

EFSJEFSJEFSJEFSJ: Estrada de Ferro Santos a Jundiaí.

EmbratelEmbratelEmbratelEmbratel: Empresa Brasileira de Telecomunicações S. A.

FCAFCAFCAFCA : Ferrovia Centro-Atlântica.

IEPHA/MGIEPHA/MGIEPHA/MGIEPHA/MG: Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.

IPEAIPEAIPEAIPEA : Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada.

IPHANIPHANIPHANIPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

NO BNO BNO BNO B: Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.

Petr obrásPetr obrásPetr obrásPetr obrás: Petróleo Brasileiro S. A.

RFFSARFFSARFFSARFFSA : Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima.

SPRSPRSPRSPR: São Paulo Railway.

UFUUFUUFUUFU: Universidade Federal de Uberlândia.

Page 8: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

RESUMORESUMORESUMORESUMO

Neste trabalho procurou-se elaborar uma proposta para a recuperação

do leito ferroviário da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro,

construído em 1896 entre Uberlândia e Araguari, já erradicado. O texto

levanta subsídios que sustentam a idéia de que esse caminho

ferroviário possui significância suficiente para ser resgatado ao

uso, ainda que de outras formas que não o diretamente ferroviário. A

proposta é utilizar o leito erradicado como um parque linear,

entrelaçando-o com outros percursos e caminhos estritamente rurais.

Em suma, o projeto se baseia no aproveitamento dos potenciais pré-

existentes para desenvolver equipamentos de uso público e para

fornecer uma ligação alternativa e não motorizada de percurso entre

as duas cidades abordadas.

A problemática da ausência do cotidiano ferroviário nessas cidades e

a preocupação com o patrimônio agroindustrial também foram

considerações evidentes no projeto.

Palavras-chave: agroindustrial; Araguari; caminhar; ferrovia; Mogiana;

patrimônio; preservação; rural; Uberlândia.

Page 9: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT This work of investigation has produced a plan for the recovery the

Mogiana Company's rail way, built in 1896 between Uberlândia and

Araguari, already eradicated. The text jusfity the idea that this

path rail has significance enough to be rescued to use, even though

in other ways than the rail. The proposal is to use the way

eradicated as a linear park, interlacing it with other rural routes.

The project is based on the use of pre-existing potential to develop

equipment for public use and to provide an alternative and not

motorized route, between the two cities covered. The problem of

absence of rail in these cities and the consideration with the

agroindustrial heritage was also a strong concerns in the project.

Key words: agroindustrial; Araguari; foot; heritage; Mogiana;

preservation; railway; rural; Uberlândia.

Page 10: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

9

INTRO DUÇÃOINTRO DUÇÃOINTRO DUÇÃOINTRO DUÇÃO

O livro é forçosamente um decalque: de antemão, decalque dele mesmo, decalque do livro precedente do mesmo autor, decalque de outros livros sejam quais forem as diferenças, decalque interminável de conceitos e de palavras bem situados, reprodução do mundo presente, passado ou por vir.

Deleuze & Guattari

Por mais que os homens tenham inventado vários meios de locomoção

que agilizassem seus deslocamentos e mesmo que tenham construído

várias ferramentas que os ajudassem a esquadrinhar o mundo ao seu

redor, ainda assim é provável que não exista nada que estabeleça uma

melhor relação entre o Homem e o Espaço do que o caminhar.

FIGURA 1 - Estrada vicinal na região do Fundão, mun. de Araguari-MG – Julho/2008 – Foto do autor.

Page 11: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

10

Seja por ser um ato bastante particular, carregado de impressões

pessoais, seja pela escala mais humana dos deslocamentos, o caminhar

consiste num diálogo entre o universo e o ser, através de canais, como

os sensoriais e os cognitivos.

O projeto de uma cidade nomádica, cujo conceito será tratado mais

adiante, nasceu da preocupação em não deixar desaparecer o antigo

leito ferroviário da Companhia Mogiana, construído ainda em fins do

século XIX. Apesar do aparente paradoxo, uma solução encontrada foi

a de um parque linear com tratamento não-linear. Entende-se que esse

leito deva ser preservado, seja pela importância histórica regional,

seja pela presença quase transcendente de um caminho ferroviário

pioneiro que cruzou o estado de São Paulo e o Triângulo Mineiro até

atingir Araguari, sua última parada. Essa foi a mais importante via

de povoamento do Triângulo Mineiro e sul de Goiás até meados do

século XX. Um leito ferroviário, mesmo erradicado1, possui

características simbólicas e subjetivas tão importantes e tão

intrínsecas ao mundo ferroviário que costumeiramente escapam à uma

primeira visão exclusivamente técnica.

Para o projeto, tinha-se somente uma vaga idéia do problema, que

passava inclusive por meandros de uma ligação pessoal afetiva com a

ferrovia, mas não se tinha muita noção de uma proposta satisfatória

para tal. Sendo assim, no começo da elaboração do trabalho

acreditava-se que uma boa solução proposta estivesse no campo do

urbanismo, uma disciplina cativante. Mas conforme o problema foi se

desenhando, uma sensação de angústia aumentava porque não se

encontrava nada que pudesse dar elementos seguros para a

elaboração de um trabalho a contento quando se buscava soluções

exclusivamente urbanísticas.

1 Um leito erradicado é aquele em que os tri lhos foram removidos, termo comumente confundido com “leito desativado” que é aquele que, mesmo sem movimento ferroviário, ainda possui tri lhos.

Page 12: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

11

Durante os estudos e leituras descobriu-se que uma possível saída

estava na multidisciplinariedade da abordagem. Dessa forma,

gradualmente o projeto foi tomando corpo, à medida que o diagnóstico

foi se tornando mais detalhado e admite-se expressamente que isso

seja contínuo e permanente: quanto mais de perto o projeto for

enxergado, mais subsídios serão buscados, fazendo com que as

propostas sejam cada vez mais aprimoradas.

Entende-se que a melhor maneira de se preservar e de se garantir a

manutenção de uma coisa é dando um uso adequado, desenvolvendo

deste modo uma relação afetiva entre a população e o objeto em

questão. Ao transformar o caminho ferroviário já erradicado, sem

trilhos ou dormentes2, em caminho de pedestres, mantém-se de certo

modo o uso original empregando uma solução viável e barata. Permite-

se com isso uma relação estreita entre usuário e o lugar, recobra-se

a função de ligação entre regiões, restabelece-se o interesse e

curiosidade sobre as ferrovias, hoje tão tênue mesmo em cidades

ferroviárias como Araguari3. Além do caminhar, o incentivo ao uso da

bicicleta e a existência de um percurso onde seja possível pedalar

sem conflito com carros também são soluções-bônus bastante

oportunas.

O leito original da Mogiana, entre Uberlândia e Araguari, abandonado

e substituído por uma variante4 feita em 1973 pelo exército

brasileiro, cruza regiões rurais que já tiveram considerável

ocupação humana em ambos municípios citados5.

2 Vide glossário. 3 BARBOSA, Fábio Macedo de Tristão. Ferrovia e a Organização do Espaço Urbano em Araguari-

MG (1896-1978). Niterói: EdUFF, 2008. p. 145. 4 Vide glossário. 5 BORGES, Jhonny de Oliveira. As Ruralidades do Fundão: Origens, Valores Sócio-Culturais e Representações Comunitárias no Município de Araguari-MG. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Uberlândia. 2006

Page 13: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

12

FIGURA 2 - Caminho às margens da ferrovia – Zona rural de Araguari – Novembro de 2009

São localidades de topografia bastante singular, o que acaba por

permitir amplas visadas panorâmicas, numerosas quedas d’água e

bonitas obras de arte da engenharia ferroviária, como pontes, túneis,

cortes e aterros. Ainda existem capelas, estações e outros prédios de

interesse cultural, vários quase desconhecidos e muitos abandonados.

Os problemas também estão presentes: o avanço das plantações de

cana-de-açúcar, carvoarias, granjas de porcos e a presença de uma

barragem no rio Araguari6 são alguns deles que já trouxeram

consideráveis impactos negativos nos últimos dez anos.

6 Entre os anos de 2006 e de 2007 o Consórcio Capim Branco de Energia construiu sua segunda barragem no rio Araguari, destruindo o que restava da antiga estação do Preá, além de algumas outras construções ferroviárias, como os próprios pilares de pedra da ponte ferroviária original.

Page 14: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

13

FIGURA 3 - Ponte ferroviária sobre o rio Araguari e a destruição da mata atlântica pelo CCBE (barragem nº2) – 14/set/2006 - Araguari/Uberlândia-MG – Foto do autor - Disponível em: <www.panoramio.com/2715113> Acesso em: maio/2010

O leito atual, utilizado pela concessionária Ferrovia Centro-

Atlântica-FCA somente para o transporte de cargas vem permeando o

leito velho. Daquele, o trabalho também tirou proveito conciliando-se

com o projeto que já existe na Prefeitura Municipal de Araguari7,

cujas diretrizes prevêm o funcionamento de um trem turístico entre a

antiga Estação da Goyaz8 em Araguari e a estação de Uberlândia, com

uma parada na estação Stevenson Nova. Outra via importante que

margeia a área de intervenção é a BR-050 , uma rodovia federal que

ainda permanece como pista simples em toda a sua porção norte, a

partir de Uberlândia9. Muitas estradas rurais, todas de terra,

7 A despeito da importância regional e ainda que os recursos advindos do Governo Federal por meio do Ministério do Turismo já estejam disponíveis há vários anos conforme se verifica no Portal da Transparência, esse foi um projeto elaborado pela gestão municipal anterior, que parece não despertar o interesse da atual. O convênio firmado em fins de 2006 encerrará sua vigência no dia 31 de dezembro de 2010. Vide Convênio nº 585653 do SIAFI. 8 Nome pelo qual também é conhecida a Estrada de Ferro Goyaz. 9 Os trabalhos de duplicação da rodovia neste trecho começaram em 15 de junho de 2010.

Page 15: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

14

permeiam essas regiões, porém os fluxos são reduzidos e de caráter

predominantemente locais.

Com o desaparecimento dos trens de passageiros, essas localidades

rurais tratadas no trabalho entraram em declínio, enclausurando-se

entre as regiões urbanas de Uberlândia e de Araguari, cercadas pela

BR-050 e pelo rio Araguari.

FIGURA 4 - Escolas rurais foram desativadas, tais como a “Escola Cláudio Manoel da Costa”, na região do Fundão – Outubro/2009 – Foto do autor

Acredita-se que os fenômenos históricos aqui investigados,

principalmente os relacionados ao mundo ferroviário, não sejam

suficientemente propalados entre a população em geral, de modo que

se preferiu fazer uma abordagem histórica um pouco mais

aprofundada com o objetivo de gerar melhor compreensão e dando

suporte às diversas circunstâncias do projeto. Aliás, em especial

Page 16: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

15

sobre o que se refere às ferrovias, acompanhou-se de perto boa parte

da história recente delas, o que deu subsídios para perceber que

alguns textos e discussões encontradas são inverossímeis. A causa

disso talvez seja a ausência de fontes robustas e confiáveis de

pesquisa nesse campo. É mais um sintoma do quanto as ferrovias hoje

estão longe do cotidiano das pessoas, assuntos importantes que

precisam ser inseridos nas rodas de discussão, conforme demonstrado

no decorrer do trabalho. Durante a leitura, sugere-se que se esteja

atento também aos aspectos agroindustriais das situações descritas,

porque mesmo presentes, às vezes eles podem aparecer de forma menos

evidente.

Os levantamentos de traçados foram feitos por meio de sistema de

posicionamento global (GPS) e outras ferramentas eletrônicas de

georreferenciamento. Os trabalhos de campo também contemplaram

intenso levantamento fotográfico por anos seguidos. Como já foi dito,

a bibliografia que aborda o tema não é tão disponível, o que foi de

certa forma compensado pela leitura de textos interdisciplinares,

seja da História, da Geografia ou mesmo do campo da Filosofia.

Para a elaboração deste trabalho não se buscou oferecer um objeto

técnico-arquitetônico pronto, com desenhos bem resolvidos e

definitivos. Ao invés disso, procurou-se esmiuçar mais as discussões

teóricas e fundamentais desses produtos, podendo o resultado da

investigação ser também considerado um objeto de arquitetura, que

contribuirá para a riqueza e qualidade das futuras propostas para o

lugar.

Page 17: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

16

1.1.1.1. HISTÓRICO SHISTÓRICO SHISTÓRICO SHISTÓRICO S

Escreve-se a história, mas ela sempre foi escrita do ponto de vista dos sedentários, e em nome de um aparelho unitário de Estado, pelo menos possível, inclusive quando se falava sobre nômades.

Gilles Deleuze e Félix Guattari

1.1 .1.1 .1.1 .1.1 . HISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIA DADADADA O CUPAÇÃOO CUPAÇÃOO CUPAÇÃOO CUPAÇÃO DODODODO TRIÂNGULOTRIÂNGULOTRIÂNGULOTRIÂNGULO MINEIROMINEIROMINEIROMINEIRO

A região do Triângulo Mineiro, no oeste do estado de Minas Gerais,

localiza-se entre o rio Grande, fronteira com o estado de São Paulo, e

o rio Paranaíba, na fronteira com o de Goiás. Os primeiros escritos

conhecidos que fazem referência a esta área datam de 1663, quando o

bandeirante paulista Lourenço Castanho Taques10 cruzou a região,

então conhecida como “Sertão do Novo Sul”. Era ocupado por numerosos

grupos indígenas, generalizadamente chamados de bugres, dos quais os

mais conhecidos eram os Caiapós, pela sua agressividade.

A descoberta de ouro no interior Brasil em fins do século XVII,

principalmente em Paracatu e Goiás, fez com que o atual Triângulo

Mineiro se tornasse rota de passagem de bandeirantes e aventureiros

em busca do metal precioso. Foi por essa época que a região passou a

ser conhecida como “Sertão da Farinha Podre”11.

10 VASCONCELOS, Agripa. A Vida em Flor de Dona Beja. Belo Horizonte: Itatiaia; 1985, p.9.

11 RODRIGUES, M. A. Fagulhas de História do Triângulo Mineiro. Uberlândia: ABC-SABE; 1988, p. 7.

Page 18: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

17

FIGURA 5 - Localização geográfica do Triângulo Mineiro. Adaptado de Raphael Lorenzeto de Abreu.

A primeira povoação de homens brancos12 na região foi o arraial do

Tabuleiro, em 1736 às margens do rio das Abêlhas13, que depois ficou

conhecido como rio das Velhas. É o atual rio Araguari. A fartura de

ouro em pó, ali extraído sem o conhecimento da Coroa Portuguesa, ia

crescendo com a chegada de criminosos e escravos fugidos14. Mas o

povoado não durou muito, sendo dizimados pelos índios araxás, os

pioneiros habitantes dos rios Quebra-Anzol e das Abêlhas15. Pouco

tempo depois, um grande destacamento dos Dragões do 1º Regimento de

Cavalaria do Rio das Mortes arrasou os índios araxás16. Em 1743, nas

12 Expressão para designar pov os não-indígenas.

13 Graf ia encontrada nos principais textos sobre o assunto.

14 VASCONCELOS, op. cit., p. 15.

15 NABUT, Jorge Alberto (org). Desemboque Documentário Histórico e Cultural. 1ª edição. Uberaba:

Fundação Cultural; 1986, p. 131. O atual rio Araguari era conhecido originalmente como “rio das Abelhas”, depois “rio das Velhas”. Somente no Século XX é que passou a atual denominação, emprestando o nome da cidade das suas v izinhanças. 16 AFONSECA E SILVA, Sebastião. A Paróquia de São Domingos de Araxá. Uberaba: 1947. p.13.

Page 19: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

18

proximidades do arraial do Tabuleiro, nasceu outro arraial, o de

Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Abêlhas do

Desemboque, também devido à extração de ouro. Este arraial, que hoje

faz parte do município de Sacramento, foi atraindo grande quantidade

de moradores e em pouco tempo se tornou o principal ponto de

povoação do Brasil Central. Logo depois já tinha se tornado sede do

Julgado17, sendo o entroncamento das estradas que iam para as minas

de Goiás e de Paracatu, vindas de São Paulo ou da Zona da Mata

Mineira.

Nessa região existia um dos maiores quilombos do Brasil, o temido

quilombo do Tengo-Tengo, também chamado de Quilombo do Ambrósio. Era

na prática um feudo, extremamente organizado e fortificado, com seu

rei africano e súditos, contando inclusive com a amizade e

colaboração dos índios.

Em 1746 foi criada a capitania de Goiás, em terras antes pertencentes

à Capitania de São Paulo. Todavia, com a descoberta de minas de ouro

e diamantes no Mato Grosso, a região do atual Triângulo Mineiro,

antes esquecida, começou a crescer em importância, passando a ser

disputada tanto por Goiás quanto por Minas Gerais.18

Essa corrida fez com que os conflitos entre os brancos e os indígenas

fossem se tornando cada vez maiores.

17 NABUT, op. cit., p.126.

18 Ibid., p. 119.

Page 20: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

19

FIGURA 6 - Igreja de Nossa Senhora do Desterro do Desemboque (1746) – Desemboque, distrito de Sacramento-MG – foto de 07/07/2007 - Foto do autor

Em 1807 espalhou-se a notícia de que os índios caiapós deixaram a

região, fugindo para o oeste. Em 1809 o Sargento-Mor Antônio Eustáquio

da Silva de Oliveira foi nomeado o capitão deste sertão. No ano

seguinte, montou uma expedição exploratória, chegando até às margens

do rio Paranaíba nas proximidades da localidade goiana onde

posteriormente seria Santa Rita dos Impossíveis, a atual Itumbiara.

Por essa época, o chamado “Ciclo do Ouro” já estava em plena

decadência e os fluxos humanos na região já tendiam mais à uma

ocupação efetiva do território, com as primeiras experiências de

Page 21: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

20

agricultura e pecuária, ainda bastante incipientes19, principalmente

após a Independência do Brasil. Ainda assim, importantes regiões

mineradoras foram descobertas no vale do rio Paranaíba e dos

afluentes Dourados e Bagagem, dentre as quais a mais notória

representante é o atual município de Estrela do Sul, onde foi

encontrado o maior diamante do mundo20.

A Bagagem, hoje Estrela do Sul, foi no século passado a cidade de maior progresso nas Minas Gerais, no período que decorreu a sua descoberta e fundação em 1849 até mais ou menos o ano de 1900. Ela foi grande em população, no setor econômico, no cultural e a maior produtora de diamantes em tamanho e qualidade de todo Brasil. (GUIMARÃES, 1969, p. 9). 21

FIGURA 7 – Igreja de NS. do Rosário e S Benedito – Estrela do Sul-MG – 10/05/2005 – Foto do autor

19 ÁVILA, Fábio (org). Araxá, Minas Gerais, Brasil. São Paulo: Empresa das Artes; 2003, p. 15.

20 Atualmente é o 3º do mundo e ainda o maior encontrado no Brasil. ROSA, Mário Lúcio (org). Revista do

Sesquicentenário de Estrela do Sul. 1ª edição. Monte Carmelo: Carmelitana, 2006. 21 GUIMARÃES, José. Bagagem. Gazeta do Triângulo, Araguari, 6 de outubro de 1969 nº2819 p. 9, c1. In

BORGES, op. cit., p. 45.

Page 22: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

21

Após 1848, quando foi assinada a Lei Imperial nº514, incentivando a

colonização das terras devolutas, como eram consideradas aquelas

ocupadas pelos bugres, esses fluxos populacionais de ocupação se

tornaram mais intensos, principalmente de famílias vindas do centro-

oeste mineiro e Zona da Mata. Nos fundos dos vales mais férteis foram

nascendo povoações que mais tarde se tornaram as atuais cidades de

Sacramento, Prata, Uberaba, Araxá, Ituiutaba, Patrocínio, Uberlândia e

Araguari22.

Em 1888 a Mogiana, primeira ferrovia a adentrar o território do

Triângulo Mineiro, cruzou o rio Grande e inaugurou a estação da

Jaguara, em terras do município de Sacramento. No ano seguinte, ainda

em tempos do Império, chegou até Uberaba, então a cidade mais

importante da região. As facilidades criadas pela ferrovia

transformaram profundamente a realidade das povoações por onde

passava, inserindo-as no modo de produção capitalista23. A exportação

da produção agroindustrial, antes inviável, tornou-se lucrativa, bem

como a importação de gêneros como sal e querosene24. A chegada dos

trilhos também alterou profundamente a arquitetura das cidades, que

passaram a ter também melhores legislações urbanísticas. Calhas,

rufos e platibandas passaram a ser possíveis e até obrigatórias em

algumas cidades ferroviárias25. Nos anos seguintes a Mogiana

atravessou todo o Triângulo Mineiro de sul até o norte, onde

alcançou Araguari, na divisa com Goiás, em 189626, como será explicado

mais adiante.

22 ARANTES, Jerônimo. Memória Histórica de Uberlândia. 1ª edição. 1967. p.25.

23 LIMA, Pablo Luiz de Oliv eira. A Máquina, Tração do Progresso. Memórias da Ferrovia no Oeste de Minas:

Entre o Sertão e a Civilização. 1880-1930. Dissert. de Mestrado. UFMG, 2003, p. 104. 24 NOGUEIRA, W. C. Pires do Rio, Marco na História de Goiás. Goiânia: Roriz; 1977. p. 32-33 e 45.

25 Em Pires do Rio hav ia uma legislação urbanística que obrigava os proprietários a instalarem calhas nas casas.

FERREIRA, Aroldo Márcio. Urbanização e Arquitetura na Região da Estrada de Ferro Goiás. Dissertação de Mestrado UFG. Goiânia, 1999, p. 192. 26 NAVES, M. C. F. M.; RIOS, G. M. Araguari, Cem Anos de Dados e Fatos. 1ª edição. Araguari: Pref eitura

Municipal de Araguari; 1988, p.69.

Page 23: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

22

FIGURA 8 - Estação da Jaguara, a primeira estação ferroviária do Triângulo Mineiro, inaugurada em 1888, na zona rural de Sacramento-MG pela CMEF – Neste local também era oferecido o serviço de navegação pelo rio Grande. – 25/01/2005 – Foto do autor.

Os municípios triangulinos atingidos pela ferrovia, tais como

Sacramento, Uberaba, Uberlândia e Araguari, passaram a se diferenciar

cada vez mais dos seus vizinhos. A arquitetura e a presença de

imigrantes estrangeiros, tais como libaneses, italianos e japoneses,

tornava a vida urbana dinâmica e com ares mais cosmopolitas. Nessas

cidades não tardou a ser inaugurado o serviço de telefone, energia

elétrica, abastecimento de água, agências bancárias, imprensa, etc. É

de se imaginar que o impacto dessas mudanças foi muito mais forte

nas regiões interioranas do que no litoral, já historicamente em

contato com um modo de vida mais dinâmico.

Araguari ficou por mais de dez anos como sendo ponta de linha27, uma

situação bastante vantajosa por poder controlar o comércio e escoar

a produção das áreas além dos trilhos. Uberlândia passou a investir

em estradas de rodagem particulares e a própria companhia

27 Vide glossário.

Page 24: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

23

ferroviária atuava por meio de fretes rodoviários de curta distância,

atendendo todo o Pontal do Triângulo Mineiro28. Na primeira década do

século XX, a partir de Araguari em direção à antiga capital do estado

goiano29, foi aos poucos construída a Estrada de Ferro Goyaz. Após

várias reformulações, a chamada Goyaz passou a ter sua sede em

Araguari, o que incrementou ainda mais a posição vantajosa da

cidade.

FIGURA 9 - Estação da EFG em Araguari, sede desta ferrovia -13/11/2005-Foto do autor.

Uberaba, como visto, já tinha estação da Mogiana desde 1889, foi

alcançada por outra companhia ferroviária, numa clara estratégia de

disputa de influência no Triângulo Mineiro entre as forças das

oligarquias mineiras30 e paulistas. Desde o Século XIX era forte o

28 Apesar de inúmeros projetos, os trilhos jamais chegaram ao Pontal do Triângulo Mineiro.

29 Cidade de Goiás, conhecida como “Goiás Velho”.

30 Por mineiras entenda-se das regiões Central e Zona da Mata do estado.

Page 25: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

24

movimento separatista que buscava a formação do Estado do

Triângulo, que ganhava coro na longa distância física, política e

econômica desta região com a capital do estado. A presença de uma

ferrovia paulista facilitando a vida dos Triangulinos, a ausência de

políticas mineiras de integração e a facilidade de ligação com São

Paulo e Goiás fizeram com que na década de 1920 as oligarquias

mineiras percebessem o perigo dessa distância e trabalhassem para

que em 1926 fosse inaugurado um ramal da Estrada de Ferro Oeste de

Minas (EFOM) até Uberaba, facilitando a ligação do Triângulo com a

região central do estado31.

No país, a partir deste momento, o modelo de desenvolvimento

brasileiro vai priorizando cada vez mais o urbano. Regionalmente,

cidades como Uberlândia e Uberaba se tornaram pólos de atração

urbana e o Triângulo Mineiro passou a controlar o comércio entre o

sul de Goiás, que era um importante produtor de grãos, e o nordeste de

São Paulo, importante consumidor. A posição geográfica, considerada

estratégica tanto no sentido norte-sul quanto no leste-oeste, e

fatores como a infra-estrutura consolidada e qualidade dos solos são

apontados como os principais quesitos pra isso. Mais tarde, o

desenvolvimento político e econômico da região Centro-Oeste,

culminando com a construção de Goiânia e de Brasília também

provocaram impulso econômico no Triângulo Mineiro.

A partir de meados do Século XX as políticas nacionais, atraídas

pelos preços então baixos do petróleo e cedendo ao lobby das

montadoras multinacionais de automóveis e das empresas produtoras

de pneus e de petróleo, passaram a investir maciçamente no setor

rodoviário e se esqueceram do transporte ferroviário. Os estudiosos

do assunto apostavam suas fichas no transporte particular

31 LIMA, op. cit., p. 116 a 118.

Page 26: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

25

individual, entendido como uma solução para todos os problemas das

cidades.

Os projetos de eletrificação ferroviária, já bastante adiantados na

região, são completamente esquecidos32. E deste modo, ao longo do

Século XX, Uberlândia foi se firmando como um importante

entroncamento rodoviário, tendo desenvolvido um considerável parque

atacadista, tido como dos mais importantes do Brasil.

1.2.1.2.1.2.1.2. HISTÓRIA DAS FERRO VIASHISTÓRIA DAS FERRO VIASHISTÓRIA DAS FERRO VIASHISTÓRIA DAS FERRO VIAS

Apesar das locomotivas serem uma invenção recente, estruturas muito

semelhantes às ferrovias já existiam pelo menos desde a época do

Império Romano, que construía sulcos pavimentados para guiarem as

rodas das carroças, barateando a construção das estradas e

agilizando sobremaneira os transportes.

No início do Século XIX, os mecânicos ingleses Richard Trevithick33 e

Andrew Vivian construíram uma máquina que chamaram de “diligência

a vapor para estrada”. Para facilitar a locomoção, as rodas foram

providas de aros de ferro, mas mesmo assim, por ser muito pesada, ela

não andava. E, por esse motivo, Trevithick teve a idéia de fazer o

veículo deslizar sobre trilhos, resolvendo o problema. Essa foi

considerada a primeira locomotiva do mundo34.

As vias férreas normalmente são compostas por dois trilhos dispostos

paralelamente, sobre os quais se encaixam as rodas dos veículos

ferroviários. Ainda hoje as ferrovias são o meio de transporte 32 Alguns estudos designav am o v antajoso aproveitamento de v árias cachoeiras de Araguari e Uberlândia para a

eletrif icação ferroviária. MONTEIRO, A. Rodrigues. O Problema da Eletricidade no Brasil. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1951, p. 23, 24, 62. 33 VASQUEZ, Pedro (org). Caminhos do Trem. São Paulo: Duetto Editorial, 2008, v . 1 p.11.

34 ABPF - Associação Brasileira de Preserv ação Ferrov iária, regional São Paulo. Pequena História das

Ferrovias Brasileiras. Disponível em: <http://www.abpfsp.com.br/ferrovias.htm>. Acesso em: 22/03/2010 e em 21/05/2010.

Page 27: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

26

terrestre com maior capacidade de carga e passageiros. Nelas, apenas

um veículo locomotor (ou um pequeno conjunto deles) é capaz de puxar

uma imensa quantidade de veículos não-motorizados chamados vagões,

através de estradas de pouquíssimo gasto energético devido ao baixo

atrito, velocidade constante e reduzidos desníveis.

FIGURA 10 – Encaixe das rodas nos tri lhos – Trem passando na região do Fundão – Araguari-MG, 01/08/2001 – Foto do autor

No Brasil, o aparecimento das ferrovias, em meados do Século XIX, está

ligado à iniciativa de grupos privados, fundamentalmente os ingleses

e oligarquias cafeeiras, com garantias de juros 35 pelos governos.

Antes das ferrovias, o transporte das mercadorias era feito

principalmente através de carros-de-boi nas regiões planas ou por

pequenas embarcações36 onde fosse possível. Nas regiões serranas, como

35 Vide glossário. 36 GHIRARDELLO, Nilson. A Beira da Linha: Formações urbanas da Noroeste paulista. Dissertação de

Page 28: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

27

Parati, Paranaguá e Santos, eram usadas tropas de muares. Não é

difícil perceber que era um serviço bastante demorado, caro, que

permitia apenas pequenos volumes, além de ser passível de grandes

prejuízos, estar sujeito às condições climáticas e autorizações

particulares de pouso e passagem37. Numa viagem do Rio de Janeiro até

Cuiabá demorava-se mais de três meses. As regiões mais longínquas dos

portos nada produziam além das quantidades para subsistência e

para o comércio local porque o transporte era economicamente

inviável, enquanto que as regiões a média distância do litoral se

especializaram em pecuária pelo simples fato de que o gado, em

especial o vacum, se autotransporta. Essa cultura pecuária ainda

hoje permanece agregada ao cotidiano desses locais a média distância

do litoral, de norte a sul do Brasil, mesmo nos que hoje não produzam

nenhum tipo de gado. Músicas, festas e o próprio linguajar dessas

populações ainda são carregados de elementos da época do

tropeirismo, sem às vezes se dar conta de que isso se deva a fatores

de logística do período colonial.

Após várias e infrutíferas concessões de ferrovias no Brasil, a

primeira a ser de fato construída foi realizada por iniciativa de

Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, em 1854, ligando a raiz

da serra fluminense de Petrópolis ao Porto da Estrela, na baía de

Guanabara.

Depois dela, várias ferrovias surgiram, principalmente na região

Nordeste do Brasil, economicamente mais forte e topograficamente mais

viável. Mas em 1867 inaugurou-se a São Paulo Railway (SPR), vencendo

um desnível de 800m em 8km entre o Porto de Santos e Paranapiacaba,

no alto da Serra do Mar. Isto só foi possível através de uma das

Mestrado. São Paulo: Editora UNESP, 2002, pág. 18. 37 LIMA, op. cit., p. 43.

Page 29: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

28

obras mais caras do mundo na época: um complexo sistema funicular38

de planos inclinados, cabos de aço e máquinas fixas que tracionavam

as composições no trecho de serra. Ela permitia que os vários gêneros,

em especial o café, pudessem ser escoados, tornando de um só lance,

todo o planalto paulista economicamente viável para o plantio do

café.

FIGURA 11 - Segundo Sistema Funicular da SPR na Serra do Mar, entre Santos e São Paulo-SP - Julho/2009 – Foto do autor - Disponível em: <www.panoramio.com/photo/25071530>.

Ao vencer a Serra do Mar numa porção geograficamente estratégica, a

SPR passou a ter uma posição bastante cômoda, controlando

praticamente todo o fluxo de mercadorias entre o planalto e o

litoral paulista. Para os cafeicutores, ficou mais fácil e barato

escoar a produção até o porto de Santos, fazendo com que cada vez

mais áreas fossem disponibilizadas à produção. A facilidade de

38 Vide glossário.

Page 30: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

29

transporte também facilitou a importação de produtos manufaturados

vindos da Europa. Tudo isso fez com que o centro econômico brasileiro

fosse cada vez mais se transferindo para a região Sudeste, inserindo

o país num novo ciclo econômico, ao mesmo tempo em que o norte do

Brasil perdia espaço para outros produtores internacionais no ciclo

da borracha. A SPR, que inicialmente foi construída pelo Barão de

Mauá e mais tarde apropriada pelos ingleses, se tornou a ferrovia

mais lucrativa do Brasil e uma das mais rentáveis do mundo inteiro.

Compreende-se então o processo que transformou São Paulo, então uma

província modorrenha39, no estado mais importante do Brasil,

controlando quase toda a riqueza nacional. O fortalecimento das

oligarquias cafeeiras paulistas culminou por derrubar o Império e

incluir na Constituição Brasileira uma proposta de mudança da

capital federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central.

Outro atributo importante da SPR está no fato de que todas as outras

ferrovias paulistas, incluindo a Mogiana, por 70 anos dependeram

dela para chegar ao litoral. Como todas elas eram ferrovias

agroexportadoras, estariam inviabilizadas sem um caminho para o

mar, façanha conseguida somente pela SPR até que em 1937, depois de

muitos estudos, entendimentos e dificuldades, o governo de São Paulo

inaugurou uma ligação ferroviária alternativa até Santos, por meio

da Estrada de Ferro Sorocabana, faltando apenas 10 anos para que

terminasse a concessão dos ingleses.

Quando se observa os Planos Nacionais de Viação, principalmente

aqueles feitos durante todo o século XIX, observa-se uma avançada

visão estratégica, até mesmo para os dias de hoje. Esses planos foram

elaborados tomando por base principal o transporte fluvial pelos

grandes rios interioranos do Brasil. Vários deles já contavam com

39 VASQUEZ, op. cit., p. 11.

Page 31: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

30

esses serviços, tais como o rio Grande, Tietê-Paraná, São Francisco,

Amazonas, Tocantins-Araguaia, dentre outros. A partir destes rios é

que se elaborou uma cuidadosa malha ferroviária, tendo como

destaque aquele feito pelo engenheiro mineiro Cristiano Ottoni e o

feito pelo engenheiro carioca Antônio Maria de Oliveira Bulhões.

Entretanto, o que se viu na prática foi que a construção das

ferrovias passaram a obedecer demandas particulares e econômicas, já

que eram, desde o início, empreendimentos privados.40 O resultado disso

é que houve uma infinidade de bitolas41, de concessões conflituosas e

trechos de pequena duração, que eram extintos tão logo os ventos da

economia mudavam. Desta forma, pela falta de planejamento, a

navegação foi esquecida e as rodovias começaram a se multiplicar,

não mais de modo complementar às ferrovias e sim, disputando cargas

e tarifas umas com as outras.

Em muitos países em desenvolvimento (como os da África e da América

Latina) as ferrovias foram substituídas pelas rodovias, cujos gastos

operacionais e impactos ambientais são bem superiores, o que lhes

traz significativo prejuízo em longo prazo, e faz com que seus

produtos de exportação percam competitividade durante o transporte.

Ferrovias de cunho estratégico no Brasil quase não existiram,

podendo citar apenas as que alcançaram a região Centro Oeste e Norte

do Brasil. A Estrada de Ferro Goyaz e a NOB planejavam e loteavam os

vilarejos que surgiam ao redor das estações, que se tornaram hoje

municípios de importância, guardadas as proporções de cada caso42. A

própria cidade de Uberlândia, então São Pedro de Uberabinha é um

caso assim. O atual distrito de Santa Maria de Miraporanga era a

freguesia mais desenvolvida, contando com a presença dos correios,

cartório e do telégrafo nacional. Região de tradicional pouso de

40 GHIRARDELLO, op. cit. p. 19.

41 Vide glossário. 42 VASQUEZ, op. cit., v.4, p. 27-31.

Page 32: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

31

tropeiros, estava na estrada que ligava Uberaba à Goiás. Entretanto,

com a mobilização política da então Uberabinha, conseguiram que a

Mogiana passasse por esta localidade ao invés de Santa Maria,

mudando completamente a administração política do que seria o atual

município.43

Após a 2ª Guerra Mundial, no entanto, as ferrovias começaram a perder

espaço para as rodovias. Como visto, com o petróleo barato e as

facilidades que as administrações públicas ofereciam às empresas de

pneus, de petróleo e montadoras de automóveis, as ferrovias passaram

a acumular prejuízos anuais e não demoraram ser encampadas pelos

governos, que por sua vez não investiam o suficiente para o seu bom

funcionamento. Em fins da década de 1940 o Brasil abandonava o

modelo agro-exportador, para ser cada vez mais urbano-industrial. Os

fenômenos relacionados ao êxodo rural abarrotaram as cidades.

A construção de cidades planejadas no Planalto Central, como Goiânia,

Brasília e Palmas, foram sempre servidas bem antes pelas rodovias do

que pelas ferrovias. Os planejadores e os governos acreditavam que a

solução para as cidades estava no transporte individualizado, o que

hoje nos parece paradoxal ao planejamento. Nestas três cidades, as

ferrovias chegaram somente décadas depois, lhes permanecendo até

hoje como acessórias. Curiosamente, em todas elas seus materiais de

construção foram transportados por via rodoviária, em prejuízo da

economia e do próprio planejamento. Goiânia, construída desde a

década de 1930 , foi alcançada pela ferrovia somente vinte anos

depois. Os trilhos urbanos da capital goiana foram retirados já na

década de 1980 . Brasília, inaugurada em 1960 foi efetivamente ligada

aos trilhos somente em 1978 e atualmente eles estão subutilizados.

Palmas, inaugurada em 1989, só foi alcançada por ferrovia

43 Jornal Correio de Uberlândia, 5/02/2009.

Page 33: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

32

oficialmente em 21 de setembro de 2010 44. Isso demonstra como o

governo brasileiro tradicionalmente enxerga os planejamentos, muito

mais por um viés de imediatismo do que pela dimensão de fato

estratégica.

FIGURA 12 - Estrada de Ferro desativada no mun. de Araguari-MG – Outubro/2006 – Foto do autor.

Na década de 1980 , campanhas publicitárias patrocinadas pelas mais

diversas fontes vendiam a idéia de que o estado brasileiro era

pesado e ineficiente graças às várias empresas estatais, como a

Embratel, a RFFSA, a CVRD, Petrobrás, etc. O raciocínio empregado era de

que se essas mesmas empresas fossem repassadas à iniciativa privada

receberiam maiores investimentos, seriam mais competitivas e

44 A Ferrov ia Norte-Sul, que v em sendo construída desde 1987, ainda está em andamento. O trecho de

Açailândia-MA até o pátio multimodal de Palmas/Porto Nacional que f ica às margens da rodovia TO-080, a cerca de 20 quilômetros da capital, f oi inaugurada em 21 de setembro de 2010. O trecho seguinte, até Anápolis-GO, onde encontra com os trilhos da FCA, está previsto para ser inaugurado em f ins de 2010. O trajeto completo, passando por Estrela D’Oeste-SP até Porto Murtinho-MS ainda está em f ase de projeto.

Page 34: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

33

prestariam melhores serviços à população. Entretanto, com a efetiva

transferência dessas empresas ao capital privado, sempre a um preço

bem inferior ao seu valor de mercado, não se obteve os resultados

divulgados na propaganda. Os serviços estratégicos a qualquer

Estado perderam a preocupação social, adotando a dimensão puramente

comercial. No que condiz às ferrovias, os serviços de transportes de

passageiros foram completamente extintos. Sobre isso, pode-se dizer

que as únicas exceções são alguns trens metropolitanos nas maiores

capitais do Brasil e os dois trechos de longa distância mantidos

pela Vale45. Um deles corre entre Belo Horizonte-MG e Vitória-ES e o

outro na região Norte do Brasil, entre a capital do Maranhão até

Parauapebas, no Pará. São serviços intensamente procurados. O que

corre entre MG e ES transporta 1600 pessoas todos os dias46, em cada um

dos sentidos. Esse número corresponde a 80 ônibus a menos ou um

número incalculável de carros por dia. O da região Norte leva 1100

pessoas por dia em cada sentido.

Essa falta de investimentos em transportes de passageiros sobre

trilhos ainda hoje costuma ser justificada pelo argumento da

inviabilidade econômica. Contudo tal posicionamento traz prejuízos

materiais, humanos e ambientais comprovadamente muito maiores. O

Brasil é hoje recordista mundial em acidentes de trânsito47, o que é

em grande parte devido à presença de transporte de cargas pelas

rodovias, aliado à falta de uma política de transportes coletivos

eficientes. Da mesma sorte que investimentos em educação e saúde, os 45 Estes trechos só funcionam por f orça de contrato com o Gov erno Federal, já que seria extremamente mais

lucrativ o usar o tempo em que se está transportando pessoas para transportar minério. Em 18/11/2010 o jornal Hoje em Dia inf ormou que o Ministério Público Federal ingressou com ação exigindo da Vale mais dois horários de trens de passageiros, além de exigir um aumento de transporte de mais tipos de cargas, que não exclusiv amente o minério de f erro. O argumento principal é que a BR-381, paralela à mesma f errov ia, registrou 121 mortos, em mais de 2500 ocorrências no ano de 2008. 46 Segundo material de div ulgação da Vale, impresso em 2008.

47 De acordo com dados da Polícia Rodov iária Federal, em 2003 foram registrados mais de 106 mil acidentes em

rodov ias f ederais, que env olveram mais de 300 mil pessoas, mais que o dobro de regiões mais populosas e com maior f rota de v eículos, como por exemplo, a União Européia, que conta com 495 milhões de habitantes e 218 milhões de v eículos. Vasquez, op., cit, p.7.

Page 35: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

34

investimentos em transporte público e planejamento urbano não podem

ser entendidos como tendo um fim econômico em si mesmo. Aliás, para

que fique bem claro, algumas estatísticas dolorosas devem ser

lembradas: Em cada 13 minutos ocorre uma morte por acidente48 de

trânsito no Brasil. A cada 7 minutos ocorre um atropelamento. Além

das 46 mil mortes anuais, 300 mil pessoas ficam feridas, 60% das quais

de forma permanente. Para estes números não foram considerados os

animais não-humanos e as mortes por doenças causadas pela poluição

automobilística. Desde 1960 até 2000 mais de 700 mil pessoas já

morreram no trânsito brasileiro. Os impactos são ainda maiores se for

observado que 60% dos leitos de traumatologia dos hospitais

brasileiros são ocupados por vítimas de trânsito. Acidentes de carro

e atropelamentos matam mais crianças de 1 a 14 anos do que doenças.

Eles já são o segundo maior problema de saúde pública, perdendo

somente para a desnutrição. Segundo o livro Apocalipse Motorizado,

problemas ligados ao trânsito já são a terceira causa mortis do país.

O nível do monóxido de carbono nas grandes cidades está acima do

tolerado pelo ser humano. E sobre os níveis de carbono na atmosfera,

na Europa todas as emissões pelos meios de transporte correspondem a

25% do total. Destes, o transporte rodoviário é o responsável por 70%.

Os aviões emitem 12% e os trens emitem menos de 1,5% desse total49.

Ao mesmo tempo, os bens ferroviários de interesse histórico foram

quase totalmente dilapidados e permanentemente perdidos, fenômeno

que aconteceu e ainda persiste ao mesmo tempo por todo o Brasil, e

que às vezes mobilizou a ação da população diretamente afetada em

48 LUDD, Ned (org.). Apocalipse Motorizado: a tirania do automóv el em um planeta poluído. 2ª edição. São

Paulo: Conrad, 2005. Segundo o autor, a palav ra “acidente” v em sendo empregada de f orma errônea. Acidente seria o termo para um resultado inesperado. Mas com números tão altos, esses acontecimentos não podem ser chamados de acidentes. 49 Esses números e estatísticas f oram f ornecidas por LUDD. op. cit.

Page 36: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

35

várias localidades50. Registre-se aqui que vários casos relatam a

omissão do Ministério Público e outros órgãos que deveriam ter o

dever de proteger a sociedade51.

FIGURA 13 - Museu Ferroviário do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro-RJ. Um dos museus ferroviários mais importantes do país é mantido por voluntários. Guarda a locomotiva que inaugurou a ferrovia no Brasil. Funciona precariamente numa das oficinas ferroviárias mais antigas existentes. Teve cerca de 90% de suas instalações destruídas para a construção de um estádio olímpico. 23/11/2008 – Foto do autor.

E pela importância vinculada às ferrovias e por tudo isso que foi

exposto, vê-se com desconfiança qualquer iniciativa que trate de 50 Vários casos f oram v istos pelo Brasil inteiro, mas pode-se citar que em Araguari, a população impediu a

retirada de um v agão de madeira deitando-se no asf alto. O mesmo problema repetido em outras localidades é abordado no trabalho de PASSARELLI, Silv ia Helena Facciolla. Da Janela do Trem, A Memória da Paisagem da Metrópole. Concurso de Monograf ias da CBTU; 2006, p. 6. 51 Em Araguari, o Ministério Público não exigiu o f echamento de uma rua aberta pela pref eitura no início de 2010

em meio ao pátio f errov iário da cidade, tombado pelo município e pelo estado de Minas Gerais. Os dossiês de tombamento são expressamente contrários à abertura de ruas no pátio. Essa rua desnecessária f ez com que v ários bens f ossem f urtados e os trilhos históricos f ossem interrompidos ao completarem seu primeiro centenário. Apesar das denúncias, não f oi possív el sensibilizar o Promotor e a rua continua aberta, causando danos à integridade do pátio, considerado o maior bem cultural da cidade. Vide também o ANEXO C do presente trabalho.

Page 37: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

36

desenvolvimento e planejamento enquanto não seja desfeito esse

gargalo ideológico que prega que transporte de passageiros sobre

trilhos não gera lucros, argumento que seduz tão facilmente as

mentes mais exatistas.

1.2.1.1.2.1.1.2.1.1.2.1. HISTÓRIHISTÓRIHISTÓRIHISTÓRIAAAA DADADADA MO GIANAMO GIANAMO GIANAMO GIANA

A Companhia Mogyana de Estradas de Ferro foi fundada em 18 de março

de 1872 e organizada com o objetivo de construir uma ferrovia em

bitola métrica entre as cidades de Campinas e Mogy-Mirim, com um

ramal para a cidade de Amparo52, ligando assim a segunda e a terceira

maiores produtoras de café no estado nessa época53.

O privilégio de construção foi garantido pela Lei Provincial nº18, de

21 de março de 1872, com garantias de juros de 7% anuais sobre o

capital, que era de 3.000 contos de réis, divididos em 15.000 ações, além

dos privilégios de zona54 por 90 anos. Ainda estava garantido o

privilégio de um prolongamento até às margens do rio Grande, porém

sem garantias de juros.

No dia 1º de julho do mesmo ano, em assembléia dos acionistas, que

eram grandes proprietários de fazendas cafeeiras, elegeram Antônio

de Queiroz Telles, o Barão, Visconde e Conde de Parnaíba, como

presidente provisório. As obras de construção se iniciaram

efetivamente no dia 2 de dezembro e em 3 de maio já era concluída a

primeira etapa55, antes mesmo de ter assinado o contrato com o Governo

Provincial, em 19 de junho de 1873. A diretoria definitiva tinha sido

eleita em 30 de março, confirmando todos os cargos da diretoria 52 PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAGUARI. Fundação Araguarina de Educação e Cultura. Dossiê de

Tombamento Estação Ferroviária Stevenson. Araguari: Div isão de Patrimônio Histórico, 2003. 53 Em 1886 a região de Campinas (que inclui Amparo e Mogi-Mirim) detinha 29% da produção caf eeira do

estado. De acordo com o Mapa Agrícola do Estado de São Paulo em 1906, o principal produtor de caf é era Ribeirão Preto, seguido de Campinas e depois Amparo. 54 Vide glossário.

55 De Campinas a Jaguari, atual Jaguariúna, distante 34 quilômetros.

Page 38: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

37

provisória. Em agosto a ferrovia chegava a Mogi-Mirim, inaugurando o

tráfego no dia 27, com a presença do Imperador D. Pedro II. Ainda neste

mesmo ano foi inaugurado o ramal de Amparo.56

FIGURA 14 – Esquema dos traçados básicos das linhas da SPR, CMEF e EFG e localização da área do projeto. Desenho do autor.

Em janeiro de 1878 a estrada já atingia Casa Branca, no quilômetro

168. Em 1880 , depois de muita discussão com a Companhia Paulista,

ferrovia com a qual tinha áreas de concessão em conflito, conseguiu

autorização para prolongar seus trilhos até Ribeirão Preto, no

quilômetro 312. A ferrovia crescia rapidamente e resolveu estender os

trilhos até o sul de Minas (1886) e Triângulo Mineiro, atravessando o

rio Grande em 1888, no quilômetro 500 . Nessa época, o nome passou a ser

Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, quando começou

o serviço de transporte de mercadorias e gado em grandes batelões57

56 RODRIGUES, op. cit., p 16-20.

57 Vide glossário.

Page 39: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

38

de madeira com capacidade para 15 toneladas, pelo rio Grande, entre o

rio Sapucaí-Mirim a estação da Jaguara, esta última no município de

Sacramento-MG58. A partir dela a ferrovia foi tomando a direção oeste

até atingir a cidade de Uberaba, de onde seguiu rumo ao norte,

passando por Uberlândia e alcançando Araguari, de onde jamais

prosseguiu. O plano da Mogiana era de atingir Vila Boa de Goiás,

então capital daquele estado. De lá os trilhos continuariam por mais

150 quilômetros até o porto de Leopoldina (atual Aruanã), no rio

Araguaia. Neste porto fluvial já existia um serviço de navegação até

Belém, no Pará, desde 1850 59. Essa ligação traria intenso movimento

para a ferrovia e para o porto, além de baratear os custos de

transporte para os estados servidos. Na prática, seria uma ligação

entre os portos de Belém e o de Santos, atravessando o interior do

Brasil numa linha quase reta, passando por regiões até hoje carentes

em infraestrutura de transportes. O projeto também previa que os

trilhos continuassem até Cuiabá, nas proximidades do rio Paraguai,

interligando assim por via fluvial e por conexão com outras

ferrovias os países cisplatinos e o oceano Pacífico60. Todavia, os

motivos para que os trilhos da Mogiana não passassem de Araguari

não são até hoje suficientemente esclarecidos, o que leva a

especulações das mais variadas naturezas, encontrando causas

econômicas61, políticas62 e até internacionais63.

Esse trecho de Araguari até o estado de Goiás acabou sendo

construído pela Estrada de Ferro Goyaz (EFG) a partir de 1909.

Enfrentando dificuldades para cumprir os contratos durante a 58 CERCHI, Carlos Alberto. Os Bondes de Sacramento. 1ª edição. Uberaba: Pinti; 1991, p. 28.

59 COUTO DE MAGALHÃES, General José Vieira. Viagem ao Araguaya. São Paulo: Ty pographia Espindola;

1902, p. 105. 60 GHIRARDELLO, op. cit., p. 18 e p. 48.

61 SOUZA, Alexandre Jairo Campos. A Formação da Vila Ferroviária da Estrada de Ferro Goiás na Cidade

de Araguari-MG. Trabalho Final de Graduação. Uberlândia: UFU; 2009, p. 26 e 40. 62 Ibid., p. 42.É preciso lembrar da importância política que a região do Triângulo Mineiro representav a, sendo

disputada pelas oligarquias paulistas, mineiras e goianas, interesses materializados nas f ormas das f errov ias desses grupos. 63 ARAÚJO, Viv aldo Jorge de. História da Terra Branca e Outras Coisas Mais. 1ª edição. Goiânia: Kelps;

2000, p. 25.

Page 40: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

39

Primeira Guerra, a Goyaz faliu em 1920 e foi encampada pelo governo

federal.

Após a Crise de 1929, com o declínio da produção de café, com as

dificuldades causadas pela 2ª Guerra Mundial e com o aparecimento

dos automóveis e das primeiras estradas de rodagem, as ferrovias

brasileiras entraram em profundo declínio econômico, do qual nunca

mais se soergueram, sendo quase todas elas estatizadas. A Mogiana,

acumulando mais prejuízos a cada ano, passou a ser administrada

pelo Governo do Estado de São Paulo em 1952, que não conseguiu manter

a qualidade dos serviços dos tempos em que era privada. Atrasos

habituais, perdas de mercadorias, conflitos viários com as cidades e

falta de manutenção passaram a ser reclamações constantes.64

Durante o período da Ditadura Militar, algumas ferrovias

consideradas estratégicas para a soberania nacional foram

reaparelhadas, dentre elas o trecho entre Araguari e Uberlândia, como

parte do projeto de melhoria de ligação ferroviária com a nova

capital federal, conforme será visto adiante.

Antes da inauguração do novo traçado, em 1971 o governo de São Paulo,

através da Lei nº 10 .410/SP organizou a FEPASA (Ferrovias Paulistas

S.A.), com a reunião da Mogiana e de outras quatro ferrovias daquele

estado em uma só companhia65. Em fins de 1998, através do Programa

Nacional de Desestatização, a FEPASA, que havia passado ao governo

federal como parte da RFFSA desde fevereiro por conta das dívidas

daquele estado com a União, foi vendida ao Consórcio Ferrovias

Bandeirantes S.A., que passou a ser concessionária da malha paulista.

No entanto, após várias reformulações acionárias das concessões das

64 Entrev ista concedida por Johannes Jacob Smit, estudioso das ferrovias no mundo inteiro, no dia 14/03/2010

em sua residência. Uberlândia-MG. 65 As outras f errovias que f ormaram a FEPASA f oram a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF), a

Estrada de Ferro Araraquara (EFA), a Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) e a Estrada de Ferro São Paulo a Minas (EFSPM).

Page 41: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

40

ferrovias brasileiras (e após sérios desentendimentos entre as

concessionárias), a FCA, vencedora do leilão da malha centro-leste

brasileira em 1996, cuja concessão não abarcava o estado de São Paulo,

passou a operar também naquele estado desde 2002, em tráfego mútuo

com a ALL, importante concessionária da malha paulista.66

1.2.1.1.1.2.1.1.1.2.1.1.1.2.1.1. A LINHA DO CATALÃOA LINHA DO CATALÃOA LINHA DO CATALÃOA LINHA DO CATALÃO

Às vezes, alguns trechos das ferrovias são batizados com nomes,

conforme características que os diferenciam dos demais trechos.

Geralmente as ferrovias são divididas em uma linha-tronco67 e em

ramais de importância secundária, que costumam receber o nome da

última cidade por eles atendida. No caso da Mogiana, o quilômetro

zero era em Campinas-SP e a região de quilometragens mais altas,

correspondentes ao Norte de São Paulo e Triângulo Mineiro, era

conhecida como “Zona da Alta Mogiana”. A Linha-Tronco Original, que

começava em Campinas e terminava em Araguari, no quilômetro 783,

passava por Franca, Rifaina, Jaguara, Conquista, para atingir

Uberaba. Mas, em 1915 foi inaugurado um trajeto mais curto, passando

por Igarapava e também chegando em Uberaba. O caminho mais longo

passou a ser designado “Linha do Catalão”, porque essa era a cidade

goiana que a ferrovia deveria alcançar, no seu intuito de atingir as

margens do rio Araguaia. Por conseqüência, mesmo o trecho que

passava por Uberaba, Uberlândia e Araguari, do qual uma fração é a

área de interesse do projeto, fazia ao mesmo tempo parte da linha-

tronco e da “Linha do Catalão”, ainda que a Mogiana jamais tenha

alcançado esta cidade.

O que se sabe é que o trecho entre Uberlândia e Araguari, considerado

66 Entrev ista com o sr. Smit, 14/03/2010 - Uberlândia-MG.

67 Vide glossário.

Page 42: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

41

o mais complicado da linha-tronco devido à topografia, foi projetado

pelo engenheiro Achiles Widulich. Esse engenheiro também construiu a

estação de Araguari em 1896 e dois anos depois foi o responsável pelo

traçado urbanístico da cidade, com ruas largas, calçadas e muitas

praças previstas em meio à malha xadrez tradicional. O projeto

também realizou algumas avenidas bastante largas até para os

padrões atuais, com canteiros centrais com mais de doze metros de

largura e muito arborizados. Isso em uma época sem carros.

Transparece aí que o próprio traçado urbano de Araguari está

intimamente relacionado ao traçado ferroviário. Essas largas

avenidas receberam nomes de estados, numa menção à alta

possibilidade de que a capital federal fosse transferida para

Araguari, então cidade interiorana com melhores condições para isso.

Merece aqui uma nota divertida sobre a inauguração da Mogiana em

Araguari:

Inaugurou-se a Estrada de Ferro durante a nossa estada em Araguary. Imaginem que barulhada. Veio da roça não sei quanta gente para ver o ‘bicho que lança fogo e tem parte com o diabo’... Houve mesa com doces, brindes, muita cerveja. As senhoras em grande toalete, na Estação, esperando a máquina que vinha toda enfeitada com bandeirolas. Quando, porém, ela apitou, foi uma corrida por ali a fora. Mulheres tiveram ataques, homens velhos juraram que nunca se serviriam de semelhante cousa, que urra feito bicho e tem fogo no corpo. Os moleques corriam de pavor, derrubando os taboleiros de biscoitos. E, enquanto isto, a máquina entrava triunfal na pequena estação de Araguary. Durante muitos dias só se falou na tal invenção do capeta. Passamos vinte dias em Araguari e de lá trouxemos saudades, pois Alfredo e Mariquinha não podiam ser mais amáveis e nos trataram com a maior amizade.68

O trecho ferroviário entre Uberlândia e Araguari, que passava por

68 GODOY, Maria Paula Fleury de. Do Rio de Janeiro a Goiás, 1896: A Viagem era Assim. 2ª edição. Goiânia:

UCG, 1985.

Page 43: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

42

fortes declives, rampas íngremes69 que beiravam os 4% e curvas de

raio reduzido, era um considerável gargalo ferroviário. Os trens

gastavam muito tempo para percorrer esse trecho, e mesmo assim,

somente com poucos vagões, grande consumo de combustível e intenso

desgaste da via. Trechos assim são de dispendiosíssima construção e

cara operação. A subida do vale do rio Araguari também é apontada

como motivo da desistência da Mogiana em seguir até Catalão-GO ,

porque após Araguari encontraria um trecho ainda pior, no vale do

rio Paranaíba.

No dia 1º de junho de 1965 o 2º Batalhão Ferroviário, transferido de

Rio Negro-PR para Araguari a menos de um mês antes, assumiu a

construção de várias ferrovias na região. Dentre elas, uma variante

entre Uberlândia e Araguari, feita em duas etapas: a primeira, Ômega70-

Uberlândia Nova-Sobradinho e a segunda, Sobradinho-Stevenson Nova-

Araguari Nova. A variante, inaugurada em 31/03/1973, erradicou a linha

velha, já que a nova cruzava em nível o traçado antigo duas vezes.

O Caso de Uber lândiaO Caso de Uber lândiaO Caso de Uber lândiaO Caso de Uber lândia

Em Uberlândia, cujo traçado de boa parte da área central da cidade

também foi obra de um engenheiro da Mogiana71, a remoção dos trilhos

foi emblemática: a imprensa e diversos outros organismos da

sociedade local já pressionavam a retirada dos trilhos do centro da 69 GHIRARDELLO op. cit. p. 33 e p. 53 f ala do caso da construção da NOB, obtendo trechos com rampas suaves

por margear o leito do rio Tietê, situação v antajosa ainda que tenha obtido um percurso maior. O autor também inf orma que numa rampa de 2% uma locomotiv a pode rebocar em igualdade de condições apenas a oitav a parte da carga que poderia rebocar na linha em nív el. 70 Ômega era a última estação da linha v inda de Uberaba, antes de adentrar Uberlândia. Ficav a nas

proximidades de onde hoje é o entroncamento da Av enida João Naves de Áv ila com a BR-050. Hoje só restam ruínas. 71 O traçado de boa parte das áreas centrais de Uberlândia, em especial as realizadas em malha xadrez, se deve

ao plano do engenheiro James John Mellor. Mesmo v árias áreas posteriores seguem como uma continuação do seu projeto inicial. Anos mais tarde, em 1912, esse mesmo engenheiro f oi um dos f undadores da companhia colonizadora do noroeste de São Paulo “The San Paulo Land, Lumber & Colonization Company ”, conf irmando seu caráter intencional no traçado da cidade. Várias cidades do Noroeste Paulista possuem logradouros em homenagem a este engenheiro, o que sugere que v ários outros traçados urbanos também tiveram sua influência.

Page 44: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

43

cidade desde 194572, vendo neles um entrave ao seu crescimento.

Os trilhos também eram vistos como símbolo de atraso, tão

indesejáveis a uma cidade progressista. Os jornais e as entidades de

classe passaram a pressionar ferozmente a retirada deles, algumas

vezes aparentando exagerar o problema, até que em fins da década de

1950 , Ribeirão Preto destruiu o seu pátio ferroviário e sua estação

antiga, construindo uma nova fora da cidade. Esse fato serviu para

tornar as reclamações ainda mais fortes, tomado de exemplo para

argumentos por vezes vazios. A Mogiana chegou a construir viadutos

sob os trilhos, vistos como uma barreira ao trânsito, mas o problema

era outro, mais simbólico do que funcional. Com a retificação da

linha, que passaria fora da cidade, as pressões para que o prédio

fosse demolido se tornaram obsessivas, já dando como certa a

destruição antes mesmo da construção da nova estação.

O projeto do novo prédio foi apresentado, porém não agradou ao jornal

Correio de Uberlândia:

Encontra-se num dos bares do centro da cidade a planta da futura estação. Trata-se dum “galpão” em nada condizente com a importância de Uberlândia e a elevada arrecadação da companhia nesta cidade. Nem se compara com o suntuoso Palácio Ferroviário que a CM edificou em Uberaba73

O fato de um filho de Uberlândia, Rondon Pacheco, ser ministro-chefe

do Gabinete Civil do governo ditatorial de Costa e Silva, influenciou

consideravelmente, apressando a remoção da estação do centro da

cidade, conforme matérias de jornais de 196974.

Em 1970 , com a nova estação já pronta, um dos três projetos de Oswaldo

72 Jornal Correio de Uberlândia, 25/02/1945.

73 Jornal Correio de Uberlândia, 15/09/1964.

74 O Jornal Correio de Uberlândia f ez v árias matérias contando sobre os encontros entre Rondon Pacheco e o

presidente da Mogiana, em especial nos meses de abril e junho de 1969.

Page 45: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

44

Arthur Bratke75 executado nas estações da Mogiana, a prefeitura já

espalhava, por meio de panfletos e jornais, a programação das

comemorações da demolição da estação antiga, com banquete e

espetáculo. A demolição finalmente aconteceu em 14 de abril de 1970 .

Uma multidão se reuniu para assistir dois tratores, um de cada lado,

que puxavam correntes passadas pelas janelas do prédio, que foi

literalmente esganado. Aconteceu ali um ato simbólico de tamanha

força e importância, uma demonstração da cidade progressista

dominando o demônio e inaugurando uma nova era de modernidade.

As principais conclusões apontam que Uberlândia é uma cidade preocupada com o progresso, onde talvez mais do que em outras cidades do mesmo porte, a questão econômica preside as relações humanas: tudo parece resumir-se em progresso, empreendimento e dinheiro, em detrimento do humano, das relações e da preservação cultural. Essa tendência foi marcante ao longo da história da cidade e foi percebida pela maioria dos entrevistados76.

O grande pátio ferroviário, já sem trilhos, sem vagões e sem estação,

ficou vários anos como terreno ocioso, afinal o verdadeiro objetivo

tinha sido alcançado. Quando Rondon Pacheco foi nomeado governador

do estado, aventou-se a hipótese de transformar a área em uma praça

cívica, com fórum, câmara de vereadores, prefeitura e rodoviária.

Porém, os projetos para o local não foram adiante, tendo somente o

prédio do fórum sido construído anos depois. A obstrução das

avenidas pelo antigo pátio, que foi o principal argumento para a

retirada dos trilhos, permanecia tal qual antes. A diferença está nos

jornais, que pararam de reclamar dos problemas viários que a área

representava, dando margem à interpretação de que o mote era mesmo a

75 Apesar da maior parte da bibliograf ia apontar apenas as estações de Uberlândia e de Ribeirão Preto, a de

Uberaba também f oi projetada pelo mesmo arquiteto, o que é comprov ado pela existência dos mesmos parabolóides hiperbólicos característicos e pela placa de inauguração, ainda af ixada naquele prédio. 76 CAPARELLI, Marcia. Identidade e Hospitalidade em Questão: Um Olhar Sobre Uberlândia, MG. Dissertação

de Mestrado. São Paulo: Univ ersidade Anhembi Morumbi, 2005.

Page 46: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

45

presença de uma ferrovia no coração da cidade.

Entretanto, o novo prédio construído fora da cidade era visto com

desdém e, dentre as contrapartidas que a prefeitura prometeu fazer

nas imediações dele, várias só foram realizadas muitos anos depois

tais como abastecimento de água, energia, transporte coletivo e

urbanização da praça contígua ao prédio ou mesmo nunca foram

cumpridas. Estava também visível que os novos tempos onde os acordos

de cavalheiros, firmados na base da confiança na palavra já não

valiam muita coisa.

Em 1974 Roberto Burle Marx apresentou um projeto de paisagismo para

o antigo pátio da Mogiana, no centro da cidade, transformando-o em

uma praça, que acabou recebendo o nome de Sérgio Pacheco, filho de

Rondon Pacheco. Dois anos depois o projeto da praça estava pronto e

chegou a ser apresentado com orgulho pelo autor em encontros na

Europa. Porém, o projeto não agradou a população e à imprensa, que

passaram a culpar a praça por gerar problemas sociais, como usuário

de drogas e orgias escabrosas77. Já na gestão municipal seguinte e em

várias outras, a praça foi penosamente descaracterizada, não podendo

mais ser reconhecida como um projeto de Burle Marx. Finalmente, um

terminal de ônibus de transporte coletivo foi construído nas

proximidades do fórum em 1996, na região onde se localizava a

estação.

Dados os acontecimentos descritos, pode-se especular que é

nitidamente cultural como as populações às vezes reclamam do

barulho de um trem passando poucas vezes por dia, porém sem se

incomodar com a poluição sonora, do ar, e com a barreira que o

trânsito rodoviário causa, em escala bem superiores à ferroviária78.

77 Jornal Correio de Uberlândia, 15/05/2009.

78 O capítulo 1.2 trouxe as estatísticas dos acidentes em rodovias, mas os números dos acidentes em áreas

urbanas são mais impressionantes ainda. De acordo com o IPEA, os envolvidos em acidentes de trânsito em

Page 47: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

46

O Caso de Araguar iO Caso de Araguar iO Caso de Araguar iO Caso de Araguar i

Para a cidade, uma nova estação, pequena e simples, foi construída

nos limites oeste de Araguari, em meados da década de 1970 . Foi nessa

época em que os trilhos urbanos da Mogiana em Araguari também foram

arrancados e transformados na atual avenida Batalhão Mauá, com

argumentos também baseados no crescimento e no progresso :

Com o advento do novo traçado ferroviário que liga o tronco-sul a Brasília e, com a construção da nova estação de embarque, hoje situada nos subúrbios de Araguari, o patrimônio antigo da Fepasa, além da sua falta de aproveitamento, encontra-se em completo abandono. Como se não bastasse este expediente, o imóvel (estação de embarque e leito ferroviário) vem-se traduzindo em grande obstáculo para o desenvolvimento da cidade, seccionando-a de modo a não permitir-lhe a necessária absorção do fluxo de progresso que atualmente grassa por todos os bairros de nossa comuna.79

Mas em Araguari, o discurso oficial era diferente daquele visto em

Uberlândia:

a) Estação de Embarque e Galpões: instalar nestes locais a Escola de administração de Empresas, unidade de ensino superior recentemente instituída, mas sem prédio próprio o que vem causado os transtornos naturais que o problema encerra. b) Leito e Área Livre: serão aproveitados na construção de vias de acesso, avenidas e áreas verdes, conforme croquis em anexo. Seria um aproveitamento que não só baniria o quadro ali existente, como daria ao Povo uma outra opção de lazer e entretenimento. [...]80

áreas urbanas ultrapassam 1 milhão de pessoas. Na Europa e nos EUA a taxa era de 2 mortes/ano por 10 mil v eículos, no Brasil, a taxa beirava 7 mortes/ano. Ou seja: no Brasil temos uma morte no trânsito a cada 13 minutos. É ev idente que esses dados são ainda maiores, já que são números do ano de 2003. Dados colhidos de LUDD, op. cit. 79 Correspondência env iada ao gov ernador do estado de São Paulo em 1975. SOUZA, Alexandre Jairo Campos

de; SOARES, Beatriz Ribeiro. A Demolição do Conjunto da Estação da Antiga Compania Mogiana de Estradas de Ferro em Araguari-MG: Decadência ferroviária e aspirações urbanizadoras. In Observatorium – Rev ista Eletrônica de Geografia, 2010, v.2, n.5, p.78. 80 Documentos da negociação entre o município e a Fepasa. SOUZA; SOARES. op. cit., p. 79.

Page 48: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

47

Mas infelizmente o que poderia ter sido uma bela cartada em favor da

coletividade só escondia as verdadeiras intenções de um discurso

político:

A data da demolição não pode ser precisada, uma vez que os jornais se calam à partir de 01 de julho de 1979, quando o pesquisador, repórter e estudioso Abdala Mameri reiterou “ao prefeito o tombamento do velho prédio da Mogiana, antes que seja tarde. Nele se poderá instalar o Museu de Araguari”. (MAMERI, 01/07/1979, p. 02). Após a demolição encontramos em 12 de janeiro de 1980 uma matéria “Onde está a Casa da Cultura de Araguari”, que é iniciado com a seguinte frase: Ainda hoje muita gente reclama da demolição da velha estação da Mogiana. Os saudosistas não se cansam de dizer que aquele prédio nunca poderia ser derrubado e que este foi um ato desnecessário e gratuito. (Jornal Ventania, 12/01/1980 )81

A estação velha da Mogiana desapareceu, juntamente com a vila,

oficinas e outras construções para manutenção ferroviária82.

O discurso do então prefeito, Fausto Fernandes de Melo, vinte anos

depois da demolição, foi o de ter se ausentado para tratamento de

saúde e quando regressou, encontrou tudo já demolido e loteado.83

Mas o que não fica evidente é que, ao contrário de Uberlândia, a

prefeitura de Araguari adquiriu a posse definitiva dos terrenos da

ferrovia, o que tornava a área muito mais interessante do ponto de

vista imobiliário e financeiro. A vasta área foi oferecida para um

loteamento de classe média-alta, rapidamente esgotado.

A estação da Goyaz e seus trilhos, administrados pela RFFSA, foram

mantidos, já que eram usados para ligar a ferrovia nova com as

oficinas de manutenção da estatal, dentro da cidade.

81 SOUZA; SOARES. op. cit. p. 80 e p. 81.

82 SOUZA. op. cit., p. 51.

83 Jornal Botija Parda, 2000, p.1 in SOUZA; SOARES. op. cit. p. 81.

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48

FIGURA 15 - Estação original da Mogiana (1896), prestes a ser demolida. Foto: 1979 – Dossiê de Tombamento da Estação Stevenson Velha – Prefeitura Municipal de Araguari.

FIGURA 16 – Mapa das linhas da CMEF entre Uberlândia e Araguari Levantamento e desenho do autor

Em 2004 a FCA tinha planos de transferir as oficinas da EFG em

Araguari para uma área nas proximidades da estação nova. Porém, a

empresa não conseguiu entrar em acordo com a Prefeitura Municipal

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49

de Araguari e desativou as antigas oficinas do complexo da Goyaz, no

governo do prefeito Marcos Alvim. Boa parte do acervo histórico foi

irregularmente vendido como sucata, arquivos e documentos históricos

desapareceram84, em especial os de teor trabalhista. O restante do

material foi abandonado, bem como todo o complexo. Os trilhos que

ligavam a Estação Velha e a Nova, os originais da EFG ficaram então

sem uso e passaram a ser um problema urbano a ser eliminado.

Enquanto isso, uma nova oficina, a terceira maior da FCA, foi

construída na cidade de Uberaba-MG, levando consigo muitos empregos,

impostos e receitas.

FIGURA 17 – Estação Nova de Araguari, inaugurada em 31/03/1973. Passou a servir duas ferrovias distintas: a CMEF/FEPASA e à RFFSA – 10/03/2009 – Foto do autor.

84 PASSARELLI, op. cit., p. 6 aponta f enômeno parecido com o patrimônio da SPR.

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50

A gestão municipal seguinte, à cargo do prefeito Marcos Coelho,

invadiu85 o complexo ferroviário em 2009, instalando neles as

secretarias e setores administrativos. Apesar da boa iniciativa em

dar uso aos prédios históricos, em vários casos a ocupação não teve o

devido cuidado que seria devido a um bem tombado pelo IEPHA/MG.

Talvez por não terem tido muitas dificuldades em apossar-se de um

bem federal que na prática não tinha dono, a próxima etapa foi a de

picotar a integridade do pátio ferroviário: trilhos foram soterrados,

ruas foram abertas e vários bens ferroviários foram e ainda são

sistematicamente furtados, apesar das denúncias. O secretário de

Obras, sr. Silvio Póvoa86 e o de Desenvolvimento e Turismo, sr. Miguel

de Oliveira87 não escondem que mantém entendimentos junto à contatos

federais para a eliminação dos trilhos de Araguari e construção de

uma avenida, entendida por várias autoridades como um ganho para a

cidade. Como aconteceu no passado, a abertura da avenida tornará os

terrenos da Goyaz muito atraentes para o setor imobiliário.

85 A pref eitura não obtev e autorização para a ocupação.

86 Em audiência com o sr. Promotor de Justiça, Sebastião Naves Filho, em 23 de setembro de 2010.

87 OLIVEIRA, Lucas Martins de. Estrada de Ferro Goyaz em Araguari: a preservação da memória ferroviária e

o potencial de uso público do leito dos antigos trilhos. Disponível em <http://www.v itruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.120/3485> Acesso em: 06/Set/2010.

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51

2.2.2.2. AAAA INQUIETETURAINQUIETETURAINQUIETETURAINQUIETETURA O UO UO UO U AAAA ARQUITETURAARQUITETURAARQUITETURAARQUITETURA DADADADA INQUIETUDEINQUIETUDEINQUIETUDEINQUIETUDE

Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões inúteis.

Gilles Deleuze e Félix Guattari O caminhar nasceu da necessidade humana primária de se conseguir

recursos para a sua sobrevivência básica. E desta maneira, antes dos

menires e totens, antes de pontes ou habitações rústicas, o caminho é

considerado a primeira obra arquitetônica do Homem, ao separar e

organizar o espaço.

FIGURA 18 – Região do Fundão – Araguari-MG – Maio/2010 – Foto do autor.

Quando passou a percorrer os caminhos, a relação com o mundo ao

redor também se modificou completamente. Na sua velocidade de

Page 53: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

52

locomoção, começou a fazer comparações, inferências e deduções, tudo

isso como ferramenta de sobrevivência.

Ao precisar migrar em busca de melhores condições, tinha marcos

geográficos como referência, o que possibilitava voltar para o lugar

de origem quando cessasse a tribulação que o fez migrar. E a partir

daí, o “nada” foi se transformado à medida que se ia conquistando e

modificando os espaços do entorno do caminho.

Ao se deparar com outros grupos humanos, percebeu que poderia evitar

embates desnecessários estabelecendo fronteiras e acordos. E aparece

aqui mais um elemento importantíssimo: a noção de morte. Alguns

autores defendem a idéia de que a civilização começa no momento em

que o homem descobre que é mortal. É também por isso considerado o

instante em que nasce a consciência e o planejamento da vida, que na

cultura ocidental se dá em função da conquista da natureza e na

negação de que o homem faz parte dela.88

E aos poucos, o desenvolvimento do homem passou a permitir outro

modo de vida, além do nômade: com a delimitação de território, do

desenvolvimento das primeiras técnicas agrícolas e a domesticação

dos primeiros animais, ele também passou a ser, aos poucos, mais fixo

ao seu território. Percebeu que deste modo teria mais conforto e

facilidade no seu cotidiano. Produziria alimentos mais facilmente e

em quantidade previsível e estaria bem mais protegido dos perigos da

natureza. Foi aos poucos aprendendo a ser mais gregário, permitindo o

surgimento das primeiras estruturas familiares e comunidades

rústicas.

O ser humano é um ser consciente de seu espaço vital e de sua limitação temporal. Integra os dois por meio de

88 MOSÉ, Viv iane. Conexão Roberto Dávila. Entrevista exibida nos dias 18 e 25 de julho de 2010, às 20 horas

na TV Brasil. op. cit.

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53

sua ação, isto é, mediante a aplicação de sua energia a suas circunstâncias concretas. Para tanto, utiliza instrumentos de vários tipos, alguns dos quais potencializam as energias metabólicas de que dispõe, enquanto outros lhe permitem encontrar fontes energéticas que são exteriores a seu próprio corpo.89

Como não poderia deixar de ser, as cidades são, desde os primórdios,

espaços eminentemente simbólicos e profundamente carregados de

misticismo.

Desde sua origem, como local cerimonial, é na cidade também que se localizam os templos, onde moram os deuses capazes de garantir o domínio sobre o território e a possibilidade de gestão de vida coletiva.90

Conforme elas ofereciam melhores condições de vida, tal como um imã91,

passaram a atrair gente de outros lugares e assim é fácil

compreender que as cidades foram aparecendo à medida que o homem

deixava de ser nômade para ser sedentário.

Ela nasce com o processo de sedentarização e seu aparecimento delimita uma nova relação homem/natureza: para fixar-se em um ponto para plantar é preciso garantir o domínio permanente de um território.92

Esse dualismo entre a essência nômade e a sedentária, tão longínquo

no tempo quanto é a própria humanidade, possui ainda hoje reflexos

profundos na relação do homem com o espaço.

Pode-se desta maneira perceber que apesar de aparentar subjugada

pela característica sedentária, a natureza nômade do Homem jamais

desapareceu. Ao contrário, ela cria profundos conflitos, que desaguam

nos mais variados temas e preocupações. Nos dias de hoje, seja pela

89 LUDD, op. Cit., p. 40.

90 ROLNIK, Raquel. O que é Cidade. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense; 1989, p. 8.

91 Ibid., p. 13.

92 Ibid., p. 8.

Page 55: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

54

natureza acadêmica ou industrial da nossa sociedade, o sedentarismo

é ligado à idéia de conforto, de vida bem-sucedida, de conquista

financeira e até mesmo de recompensa, ao passo que as atitudes

nômades são mais relacionadas às idéias de transgressão, de

vagabundo ou desocupado. Aliás, a própria palavra “vagabundo”, que

tinha sentido relacionado àquilo que vaga, que perambula, atualmente

é mais usada para designar coisa ou pessoa de má índole. Esses

desocupados sempre incomodaram e ainda hoje são alvo da ira das

instituições e mesmo do cidadão comum, como na fábula da “Cigarra e

da Formiga” ou da conhecida máxima “vai trabalhar, vagabundo”.

Ghirardello conta que vagabundos, desocupados, bêbados e mendigos

eram enviados para trabalhar na construção da NOB, locais tão

distantes dos centros urbanos que eram chamados de degredo.93

Mas além desses atributos, o nomadismo físico também convida ao

nomadismo de idéias e possibilidades, fato intimamente ligado à

riqueza cultural, personalidade e força da Humanidade. Aliás, há no

nomadismo uma notável postura política, escorregadia aos domínios

pré-estabelecidos. Nas palavras de Deleuze e Guattari, "os nômades

inventaram uma máquina de guerra contra o aparelho de Estado.

Nunca a história compreendeu o nomadismo, nem o livro compreendeu o

fora."94

Interessante citar aqui as fortes palavras de Rosseau, que defende a

opinião de que a relação em que o ser domesticado está inserido é de

tal feita tão grave, que já não compete ao próprio subjugado romper

suas amarras:

Como um corcel indômito, que eriça as crinas, escarva o chão, e se debate impetuosamente à simples aproximação do freio, ao passo que um cavalo domesticado sofre

93 GHIRARDELLO, op. cit., p. 45.

94 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizof renia. Vol. I. 1ª edição. São Paulo:

Editora 34; 1995, p.35.

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55

pacientemente o chicote e a espora, o homem bárbaro não dobra a cabeça ao jugo que o homem civilizado suporta sem murmurar, e prefere a mais tempestuosa liberdade a uma submissão tranqüila. Assim, pois, não é pelo aviltamento dos povos subjugados que devemos julgar as disposições naturais do homem pró ou contra a servidão, mas pelos prodígios que fizeram todos os povos livres para se livrarem da opressão. Sei que os primeiros não fazem senão gabar sem cessar a paz e o repouso de que gozam nos seus ferros, e que miserrimam servitutem pacem appellant95: mas, quando vejo os outros sacrificar os prazeres, o repouso, a riqueza, o poder e a própria vida à conservação do único bem tão desdenhado por aqueles que o perderam; quando vejo animais nascidos livres, e abominando o cativeiro, quebrar a cabeça contra as grades da prisão; quando vejo multidões de selvagens completamente nus desprezar as voluptuosidades européias, e arrostar a fome, o fogo, o ferro e a morte, para não conservar senão a sua independência, sinto que não compete a escravos raciocinar sobre a liberdade.96

Posto isto, é inevitável lembrar do movimento luddita, surgido nos

primeiros anos do Século XIX, em meio aos trabalhadores das

indústrias inglesas. O movimento consistia em destruir as máquinas e

fábricas onde trabalhavam. Mas as reivindicações iam além de simples

direitos trabalhistas, sendo considerado um movimento contra um

processo que privou os trabalhadores de sua autonomia e liberdade.

Quebrando as máquinas, se sentiam como se nelas personalizassem as

técnicas alienantes. Foi, nos primeiros anos, entendido como um

movimento de desequilibrados.

Em interessante passagem, Foucault conta que no período da

Renascença havia no imaginário da época a figura da nau dos loucos,

que representava a insistente busca da razão pelos desajuizados, que

permanecem eternamente à deriva “entre terras que não lhes podem

95 Do latim, “a escrav idão mais miserável é chamada de paz”.

96 ROSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e Os Fundamentos da Desigualdade Entre os

Homens. Brasília: UNB, 1989.

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pertencer”,97 relacionando o vagar de idéias ao vagar pelo mundo.

Vários outros filósofos e escritores também deram suas visões sobre o

perambular. Thoureau, Sartre, Kerouac e Nietzsche também dizem, a seu

jeito, apontamentos semelhantes sobre o caminhar:

Em todo o decurso da minha vida só encontrei uma ou duas pessoas que compreendiam a arte de andar, isto é, de dar passeios a pé — que tinham o gênio, por assim dizer, do “sauntering”, palavra esplendidamente derivada de “pessoas vadias que erravam pelo país, na Idade Média, e pediam esmola sob o pretexto de irem à la Sainte Terre” à Terra Santa, até as crianças exclamarem “Lá vai um Sainte-Terrer“, um “Saunterer”, um da Terra Santa.98

Na encruzilhada com uma linha férrea, apanhamos dois vagabundos, que contribuíram com algumas moedas para a gasolina. Momentos antes estavam sentados em caixotes ao lado dos trilhos de trem, bebendo o último gole de uma garrafa de vinho barato, e agora se encontravam sentados numa limusine Cadillac toda enlameada, mas esplêndida e empertigada, dirigindo-se a Chicago com urgente impetuosidade. Na verdade, o velho que se sentou na frente, ao lado de Dean, jamais despregou os olhos da estrada, e os manteve praticamente congelados, e - posso assegurar - deveria estar rezando suas orações esfarrapadas de vagabundo.99

O caminhante, além de escrever o espaço com seus pés, também sabe, nem

que seja de modo intuitivo, que caminhar é um instrumento básico de

leitura desse mesmo espaço, de compreensão de mundo. Ao percorrer

novos universos, constrói novas relações com ele, faz novos

paralelos, refaz experiências anteriores a partir de outras

perspectivas, tudo isso na sua própria velocidade, a velocidade do

caminhar aliada à sua velocidade do olhar. E é aqui que o caminhar

toma outra dimensão: a do olhar.

De acordo com MIELKE e LIMEKOWSKI,

97 FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. Perspectiva, 1978 p.16.

98 THOREAU, Henry Dav id. Andar a Pé. Rio de Janeiro: W. M. Jackson; 1950, p. 2.

99 KEROUAC, Jack. On The Road: Pé na Estrada. São Paulo: Círculo do Liv ro; 1984, p. 257.

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O Homem tem por hábito dar sentido às imagens que o toca, o que obriga a usar a imaginação para superar o limite do próprio olhar, gerando uma interação entre imagem e quem a vê. É nesse âmbito que, o que diferencia um fotógrafo do outro, assim como um pesquisador do outro, é o jeito de olhar. O estilo próprio de cada um que se revela na maneira única com que se relaciona com o mundo; modo particular de ser, que nasce da capacidade perceptiva inata do ser humano e da sua relação com mundo culturalmente sedimentado.100

Como já foi dito, essa possível divisão da humanidade entre nômades e

sedentários produziu grande diferença na qualidade dos pensamentos

de cada grupo e a sua característica particular de conceber o espaço.

E aí é fácil chegar à conclusão de que os não-nômades são os

arquitetos e os nômades são os antiarquitetos. A própria arquitetura,

em suma, é um instrumento sedentário. Porém, como nos alerta Paese101,

essa inferência não é tão simples assim. Em seu trabalho, ela cita

vários exemplos, dentre os quais, os que comparam vários aspectos da

natureza humana.

A pesquisadora cita Huizinga, que tratou dessas duas dimensões do

Homo Sapiens, dividindo-o entre Homo Ludens e Homo Faber , o que

evidentemente tem íntima ligação entre os nômades e os sedentários.

Desta forma, a diversão seria uma demanda tão necessária à vida

humana quanto é o trabalho e o raciocínio.

Para Huizinga, o Homo Ludens102 é o homem brincalhão, amistoso, que

não vive um tempo cronológico. É o que vê a natureza de maneira

amigável com quem pretende dialogar e não dominar. É o que brinca

com o espaço e percebe nele uma fonte de especulação intelectual. O

Homo Ludens facilmente escapa das insatisfações pessoais e não

100 MIELKE, Adriana e LIMEKOWSKI, Fernanda. Da Paisagem Aos Trilhos. CBTU, 2008, p. 5.

101 PAESE, Celma. Caminhando: O Caminhar e a Cidade. Dissert.de Mestrado, UFRS; 2006, p. 8.

102 HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 4ª edição. São Paulo: Perspectiva; 2000.

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58

enxerga a vida como uma luta pela sobrevivência. Vai gerando seu

sistema de valores simbólicos, históricos e estéticos, que mudam

conforme o espaço varia. Suas relações com o universo são leves e

efêmeras. O seu objetivo não é ter e sim ser, de modo que procura não

marcar sua passagem. Frui o espaço através do movimento constante103.

Para eles, é vital o livre vagar do pensamento. O espaço é entendido

ou criado como algo fluido, aberto e vazio. Não há fronteiras,

delimitações ou planejamentos.

Fazendo um paralelo, o Homo Faber é o que trabalha e constrói os seus

objetos. Ele transforma a natureza para o seu conforto e gera um

universo artificial. A natureza é entendida como uma reserva da qual

deve se apropriar, uma matéria prima que aguarda melhoria. Para ele,

o importante é ter, acumular e marcar sua passagem. É o homem do

plantio e da colheita, ou seja, o que promove uma ação, aguardando um

retorno obrigatório e favorável. O seu espaço e sua vida estão

intimamente ligados ao tempo que passa trabalhando. O seu tempo é

linear, cronológico e previsível. Seu espaço é confuso, denso e em

permanente transformação. Apela-se aos marcos visuais. Placas e

mapas são fundamentais, mas permanece notória a sensação de

aprisionamento. Neste espaço há muros, regiões delimitadas,

organizadas, setorizadas. Tudo é controlado e toda vivência é um

gasto de tempo. A sua arquitetura é a adaptada, tecnológica,

confortável, semi-permeável. O lazer aparece como o inverso do

trabalho. A rotina é um fardo obrigatório, é o modo como sustenta

suas necessidades básicas. Nas palavras de Deleuze e Guattari "com

efeito, a relação do sedentário com a terra está mediatizada por

outra coisa, regime de propriedade, aparelho de Estado”104

103 PAESE, op. cit.

104 DELEUZE; GUATTARI, op. cit., vol. 5, p. 3.

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Deleuze e Guattari também afirmam que a partir do momento em que

politicamente se instala um Estado, lhe é vital controlar o

nomadismo, ter em conta as migrações e territórios, devidamente

mapeados e tendo a seu lado as leis e os cartórios. Para um Estado é

vantagem que se tenha, em seu território, os trajetos de modo fixo, bem

regulados. Na parte urbana, o espaço deve apresentar uma leitura

fácil e rápida, sem mudanças não previstas, de sorte que torna-se

supremo o controle deste Estado sobre as comunidades.105

Cabe aqui uma oportunidade para se investigar mais sobre os

deslocamentos do mundo sedentário. Ele também pode ser definido como

sendo o mundo da poltrona. Sobre ela o sedentário pratica suas

atividades de trabalho, lazer, aprendizado e deslocamento. Nas

escolas, ensina-se tudo sobre o Universo, mas de um jeito digno de

nota: tira-se a criança daquele próprio universo onde ela corre e

brinca, coloca-a presa, comportada e sentada em fileiras, onde todos

olham para a nuca do outro e ali, durante muitas horas do seu dia (e

muitos anos de sua vida), a criança deixa de ter vida, fica imóvel,

para aprender a pensar ou desenhar sobre o mesmo universo da qual

ela foi retirada. Nesse modelo a abstração é muito mais valorizada do

que os próprios sentidos. Mas se esquece que pensar também envolve o

corpo, que é o existir no pensar106.

Os carros são a mola-mestra desse sistema sedentário. Debord disse,

ainda nos primeiros anos da segunda metade do século passado que

[...] a atual proliferação de veículos privados não é mais que o resultado da propaganda constante pela qual a

105 Ibid., v ol I, p. 59.

106 MOSÉ. op. cit.

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produção capitalista persuade as massas – e este é um de seus êxitos mais desconcertantes – de que a possessão de um carro é precisamente um dos privilégios que nossa sociedade reserva a seus privilegiados107.

Entretanto, desde aquela época o problema vem sendo estudado e

esmiuçado e atualmente a abordagem alcança outras proporções. Ivan

Illich afirma que o motorista perdeu a consciência dos poderes

físicos, sociais e psíquicos de que dispõe o ser humano, graças a seus

pés:

Esquece que é o homem que cria o território com o seu corpo, e assume por território o que não é mais que uma paisagem vista através de uma janela por um ser amarrado a seu banco. Já não sabe marcar a extensão de seus domínios com a pegada de seus passos, nem se encontrar com os vizinhos, caminhando na praça. Já não encontra o outro sem bater o carro, nem chega sem que um motor o arraste. Sua órbita pontual e diária o aliena de qualquer território livre.108

Além disso, existe uma preocupação que passa desapercebida das

discussões sobre o assunto. Illich construiu uma teoria que

demonstra que os níveis de energia por pessoa não podem ser

ilimitados, mesmo que algum dia se descubra alguma forma de geração

de energia sem nenhum impacto. O impacto está justo na própria

energia. Segundo ele, acima de um certo nível de uso per capita de

energia física, o ambiente de uma sociedade pára de funcionar como

nicho de sua população. E, a partir desse nível, os problemas surgidos

não serão mais superáveis e sim apenas cambiáveis. Ele diz que

A energia transformada em trabalho físico lhe permite integrar seu espaço e seu tempo. Privado de energia suficiente, se vê condenado a ser um simples expectador

107BERENSTEIN (org). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da

Palav ra, 2003, p. 40. 108 LUDD, op. cit. p. 48.

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imóvel em um espaço que o oprime. Usando suas mãos e pés, transforma esse espaço, simples território para o animal, em casa e pátria. Aumentando a eficiência da aplicação de sua própria energia, ele o embeleza. Aprendendo a usar novas fontes de energia, ele o expande e o coloca em perigo. Acima de um certo ponto, o uso de energia motorizada inevitavelmente começa a oprimi-lo.109

De acordo com o mesmo autor, o processo é acumulativo, ou seja: não importa o quanto demoramos desenvolver maturidade para resolver esses impasses, porque vai chegar o momento em que eles necessitarão de uma intervenção cada vez mais abrupta.

Tanto os pobres como os ricos deverão superar a ilusão de que MAIS energia é MELHOR. Para tanto, é necessário, antes de qualquer coisa, determinar o limite de energia acima do qual o poder mecânico exerce um efeito corruptor.110

Nestes parâmetros, a atual sociedade ocidental já ultrapassou demais esses limites e não existe sinal de que isso vá parar ou ao menos reduzir.

Aqui, a idéia de uma alternativa ao desenvolvimento da indústria pesada implica já a renúncia ao que se está fazendo ou se crê poder fazer amanhã: uma renúncia ao carro, à geladeira, ao elevador e, em muitos casos, até ao concreto armado que já está na vila ou na casa do vizinho. Na América Latina existe menos consciência da necessidade de um modelo alternativo de tecnologia do que nos países ricos, e tampouco se vislumbra uma renúncia ao modelo dos ricos.111

E, quando essa mesma idéia aparece interpretada para os carros, o

raciocínio também é interessante:

[...] quando a velocidade de seus veículos ultrapassa uma certa margem, as pessoas se convertem em prisioneiras do veículo que as leva, todos os dias, da casa ao trabalho. A extensão do raio de deslocamento diário dos trabalhadores tem como contrapartida a diminuição na escolha de pontos de destino. Quem vai a pé ao trabalho

109 Ibid., p. 41.

110 Ibid., p. 40.

111 Ibid., p. 40.

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chega a criar para si um ambiente ao longo do seu caminho. Quem percorre o caminho em um veículo está privado de uma variedade de opções: paradas, acessos, contatos. Porém, o mesmo transporte que para a maioria cria novas distâncias físicas e sociais, cria ilhas de privilégios ao preço de uma escravidão geral.112

E, ao se levar em conta as construções, segundo Paese, a arquitetura

estática exige que seus habitantes se adaptem ao que já está

proposto pela presença física da construção. A autora também diz que

se a arquitetura é um meio de comunicação dos desejos humanos e por

isso é ferramenta de coexistência, então o cunho da arquitetura não

pode ser pacífico, porque o próprio ato de construir já é um ato de

formalizar os desejos de quem a utiliza ou demonstra.113

A substância de um espaço nômade, mesmo em ambientes pertencentes ao

reino sedentário como as cidades, pode ser reconhecida nos caminhos

entre elas. De acordo com a visão não-sedentária, o espaço do caminho

é mais importante do que os pontos que ele liga. Deleuze e Guattari

chegam a pregar a máxima “faça a linha e nunca o ponto”.114

Tendo em conta esses diversos fatores, torna-se mais simples

compreender a idéia de cidade nomádica. De acordo com Paese,

Nas cidades, o espaço nômade pode ser identificado no caminho em si, que é a Cidade Nomádica, que é o espaço de ir e vir. As formas de linhas sinuosas desenhadas pela sucessão de corpos em movimento fazem dos pontos de partida e chegada serem menos importantes que o espaço do caminho, onde acontece a vida em comunidade. Porém, os caminhos da Cidade Nomádica são diferentes do caminho do nômade. Na Cidade Nomádica, o caminhante tem a liberdade limitada de determinar sua rota a partir dos desenhos dos caminhos pré-existentes que permeiam a Cidade Estática, um espaço estriado onde a comunicação entre os habitantes é regulada por marcos espaciais e edifícios.115

112 Ibid., p. 44.

113 PAESE, op. cit., p. 22.

114 DELEUZE; GUATTARI, op. cit., vol. I, p. 35.

115 PAESE, op. cit., p.20.

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Pode-se compreender então que uma cidade nomádica é um espaço misto,

que não é considerado totalmente livre e nômade, mas que também não

segue à risca as regras e códigos do mundo sedentário. Ela propõe

alguns percursos e trajetos, porém permite deslocamentos não-

planejados. Por meio dessa “técnica” de permeio entre esses mundos,

alguns caminhantes relatam terem conseguido sensação de liberdade e

renovação:

Dois anos ele caminha pela terra. Sem telefone, sem piscina, sem animal de estimação, sem cigarros. Liberdade definitiva. Um extremista. Um viajante estético cujo lar é a estrada. Fugido de Atlanta, não retornarás, porque "o Oeste é o melhor". E agora depois de dois anos errantes chega à última e maior aventura. A batalha final para matar o seu falso interior e concluir vitoriosamente a revolução espiritual. Dez dias e noites de trens de carga e pegando carona trazem-no ao grande e branco Norte. Para não mais ser envenenado pela civilização, ele foge e caminha sozinho sobre a terra para perder-se na natureza.116

A mistura entre o mundo fixo e o móvel é um assunto sobre o qual,

paradoxalmente, os arquitetos e outros estudiosos historicamente

sempre se debruçaram. Mesclar as propostas de cidade fixa com

máquinas móveis, de projetos de casas que poderiam ser montadas em

qualquer lugar ou terreno e desmontadas no momento seguinte. E

essas experiências foram bem curiosas principalmente em fins do

século XIX e início do XX graças à utilização do ferro em larga

escala. Desde o Palácio de Cristal, de Joseph Paxton, passando pelas

experiências de Buckminster Füller, pelos trailers e pelo grupo

Archigram. Atualmente, experiências que procuram conhecer o mundo

sem sair do seu território tem lugar no ciberespaço, ainda em plena

descoberta.

Hoje os rumos tomados foram outros e, o que Careri chama

116 KRAKAUER, Jon. Na Natureza Selvagem: A dramática história de um jov em av entureiro. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p. 172.

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de Transurbanidade é o viver a Cidade Nomádica, que surge quando os seus habitantes se movem por entre os espaços fractais da Cidade Estática com seus espaços urbanos policêntricos, alguns buracos nas ruas, espaços com carência de identidade, muros que circundam condomínios e alguns bairros com ruas arborizadas. Porém, se o Homo Ludens que existe dentro do Homo Sapiens deixar o Homo Faber em casa e se propuser a praticar o jogo do Andare AL Zonzo (andar sem rumo), modo de caminhar que provoca a mudança do olhar em relação ao entorno, as potencialidades lúdicas e a predisposição a jogos interativos com os espaços urbanos serão potencializadas e, sem a hipertecnologia e as megaestruturas propostas por Constant, a Nova Babilônia surge nos mares do Zonzo, mais precisamente naqueles espaços sem identidade, que interligam um centro urbano a outro: ao dar chance ao olhar de enxergar o incomum nesses vazios os mais diversos encontros tem chance de acontecer, através do jogo da nomádica transurbância. Os corredores da Nova Babilônia surgem, na busca de novas propostas e posturas em relação a espaços que parecem perdidos. Vendo por esse viés, pode-se considerar que a Cidade Nomádica vive em osmose com a Cidade Sedentária, alimentando a esperança dos que se recusam a deixar de buscar maneiras diferentes de ver o mundo, ou mesmo daqueles a que as condições de vida os obrigam. Na cidade perdida do nômade encontra-se a chance da renovação, proposta pela Nova Babilônia.117

No próximo capítulo serão melhor tratados esses aspectos que

envolvem o modo de olhar o mundo e suas paisagens e consequências

simbólicas alcançadas.

117 PAESE, op. cit., p. 143.

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3.3.3.3. ASPECTO S SIMBÓLICO S DA PAISAGEMASPECTO S SIMBÓLICO S DA PAISAGEMASPECTO S SIMBÓLICO S DA PAISAGEMASPECTO S SIMBÓLICO S DA PAISAGEM

Quando às vezes me recordo de que os mecânicos e os caixeiros permanecem em seus postos não apenas toda a manhã, mas toda a tarde também, muitos dos quais de pernas cruzadas — como se as pernas tivessem sido feitas para sobre elas nos sentarmos e não para sobre elas ficarmos de pé e caminharmos — julgo-os merecedores de louvor por não terem todos, de há muito, praticado o suicídio.

Henry David Thoreau

No cotidiano das cidades do início do Século XXI, talvez a cena mais

comum que exista seja a de uma pessoa que passa de carro, sozinha,

todos os dias, fazendo sempre o mesmo percurso, no mesmo horário e

sob as mesmas circunstâncias. Se fosse possível perguntar a todas

elas, é provável que se diriam profundas conhecedoras daquele

trajeto “como a palma de suas próprias mãos” e que saberiam fazê-lo

até de olhos fechados.

Mas o que talvez nem todas saibam é que ao percorrer essa mesma via

sob circunstâncias diferentes, seja num outro horário, numa outra

altura de visão, seja numa velocidade não usual ou simplesmente

percorrendo a via em sentido oposto ao de costume, se deparará com

uma paisagem completamente nova, que sempre esteve lá, mas que

jamais pôde perceber. É que todo espaço possui muitas outras

dimensões, todas sobrepostas umas às outras.

E é talvez nesse ponto que se pode pegar emprestadas algumas lições

dos fotógrafos, normalmente tão exímios na arte de apreender olhares

diferentes. Às vezes eles se retorcem, se deitam no chão, se

dependuram e captam visões novas de uma paisagem já tão repisada.

Nesse aspecto, uma das qualidades do fotógrafo é de ser um nômade

“caçador” de paisagens, um veículo que leva o olho dos sedentários de

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carona na sua lente. Essa busca habilidosa por novos olhares também

deve ser estendida às idéias.

As paisagens pertencem a todos, mas não são de ninguém. E talvez seja

por esse sentido de pertencimento é que nasceram suas principais

qualidades simbólicas e afetivas. Apesar de tudo isso, só recentemente

é que as paisagens foram relacionadas nos estudos e listas

patrimoniais.

As dificuldades apresentadas já começam desde a geração de um

conceito de paisagem, passando pela sua delimitação, manejo e até sua

propriedade. Em algumas bibliografias encontra-se o conceito de

paisagem vinculado ao sentido da visão. Porém, esta é uma acepção

bastante limitada, haja vista que paisagem carece de um conceito que

não seja exclusivo dos olhos. Deve abarcar todos os sentidos.

Transpondo a pé o funicular da SPR, por exemplo, o caminhante passa

se equilibrando sobre pontes que cruzam imensos e profundos grotões

costumeiramente cobertos por neblina, que vão se sucedendo de forma

quase incontável. Vários com conformação semelhante. Mas naqueles em

que é possível ouvir o riacho correndo a dezenas de metros abaixo, a

apreensão da paisagem é completamente diferente. Nestes casos, é

através do som e não da visão impedida pela neblina é que se tem

noção da paisagem em que o sujeito se encontra.

E desta forma, por esses aspectos tão particulares e por vezes

psicológicos, Yázigi diz que “o Homem apaixonado pelo meio cria a

alma do lugar."118 E num mundo onde tanto o Homem quanto o meio estão

em permanente mudança, é necessário analisar melhor essa relação

que pode ter algo saudável, mas também elementos complicadores.

Segundo Mosé, essa noção de permanente variação já vem desde o grego 118 YÁZIGI, Eduardo. Civilização urbana, Planejamento e Turismo: discípulos do amanhecer. São Paulo:

Contexto, 2003.

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arcaico. Eles construíram o conceito de que nada é e tudo está. Para

eles, a vida é tempo. Só há tempo, só há movimento, não há o parado e

nada é fixo. A vida são fluxos de transformações que se encontram

com outros fluxos e se compõem dando formas provisórias. 119

A partir dessa idéia, num mundo onde tudo é uma permanente mudança,

onde nada ainda é o que já foi, onde tudo é solto, para que se tenha

uma relação de identidade saudável consigo mesmo, é fundamental que

haja pontos-fixos, ancoradouros para pausas do turbilhão cotidiano.

Por exemplo, quando uma pessoa adulta retorna à uma estação de trem

que conheceu enquanto criança, no momento em que ela a reconhece,

volta de imediato no tempo. Esse encontro é de extremada importância

para qualquer ser humano, porque durante este exercício, o adulto vê

a criança que foi e o simples edifício físico, que era só um

componente da paisagem, ganha a função de relembrar ao próprio

observador quem de fato ele é. Esse mecanismo talvez escape por duas

pontas: uma delas está nas situações onde o observador não possui

mais pontos-ancoradouros e sobrevive sem esses referenciais; e a

outra ponta é o observador que nasceu e cresceu cercado da mesma

paisagem e não teve distanciamento necessário para o reencontro com

esses mesmos pontos-fixos. Esse segundo caso talvez seja o mais

complexo, mas parece que o primeiro caso está mais ligado à perda da

qualidade de vida do observador. Esses pontos-fixos talvez passem

racionalmente desapercebidos pela maioria das pessoas, mas mesmo

assim desempenham seu papel porque não se trata de um exercício

consciente, intencional ou exclusivo do observador com maior grau de

instrução.120

E, pelo mecanismo exposto acima, os bens de referência não podem ser

119 MOSÉ. op. cit.

120 Esse mecanismo de reencontro consigo mesmo desencadeado por um objeto f ísico também é mencionado

por MOSÉ. op. cit.

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meros objetos isolados e contemplativos. Devem estar agarrados à viva

realidade do lugar.

Pela evidente importância desses lugares, as preocupações das

legislações envolvendo a preservação dos patrimônios ditos

“históricos”121 foram aos poucos aumentando a escala.

FIGURA 19 – Viaduto nº4 – RFFSA – Araguari-MG – Set/2009 - Foto do autor - Disponível em: <www.flickr.com/efgoyaz/4206608064> Acesso em: maio/2010

Inicialmente essas preocupações partiam da idéia de recortar uma

pequena parte da realidade, geralmente um bem móvel, relativo à uma

realidade particular ou religiosa. Mas essa noção de se proteger

determinados bens escolhidos faz parte da cultura ocidental e teve

impulso com a formação dos Estados Nacionais europeus.

Tentando justificar-se na maioria das vezes por motivos tão

racionais quanto discutíveis, que procuravam esconder uma natureza

121 Tudo que o homem participa ou observ a é histórico. Independe do tempo em que ocorreu ou da importância

dos f atos. Desta maneira qualquer patrimônio é histórico.

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eminentemente emocional, elegiam uma construção excepcional,

mantendo-a intocável. Protegendo-a do turbilhão cotidiano, pleiteavam

eternizá-la para que as gerações sucessivas também pudessem fruir

daquele patrimônio. Mas a despeito dos motivos racionais alegados,

foi devido ao caráter afetivo, bem mais forte, é que de fato puderam

preservá-los.

Conforme os preceitos foram amadurecidos e debatidos, ao tempo em que

as críticas foram surgindo, percebeu-se a importância de se

considerar o entorno: o bem preservado só faz sentido se puder ver e

ser visto de maneira satisfatória, livre de interferências. Essa

perspectiva de entorno logo foi ampliada e passou a abordar um

conjunto como um todo, afinal o objeto de interesse só alcança

plenamente sua função social se estiver imersa em seu contexto

original.

Ainda assim, um conjunto de interesse cultural só teria a devida

unidade se estivesse estabelecido em sua paisagem de contexto,

proposição facilmente constatável em nossos conjuntos coloniais

homogêneos, tal qual acontece como por exemplo, na antiga capital do

estado de Goiás. O conjunto arquitetônico não seria nada mais do que

um amontoado de casas, se estivesse desvinculado da topografia

singular que rodeia aquela cidade.

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FIGURA 20 – Uma rua da antiga Vila Boa de Goyaz, paisagem intensamente simbólica, um exemplo de vínculo entre conjunto urbano e paisagem- Fevereiro/2008 - Foto do autor.

Apesar de que desde o início das discussões sobre preservação

cultural as paisagens já fossem citadas, só recentemente é que elas

tomaram abordagens mais claras, seja para as paisagens ditas

“culturais” ou para as “naturais”. Nos dias de hoje, as discussões

preservacionistas já tratam até de representações culturais

intangíveis, como festejos, soar de sinos, gastronomia, etc122. A

tendência dos estudos preservacionistas cada vez mais avançou do

campo técnico para o campo do simbólico, assunto bem vasto e que

permite vários debates e abordagens sobre o Patrimônio Cultural.

Almeida, ainda na apresentação do livro Paisagem Cultural e

Patrimônio, de Ribeiro, dá um conceito bastante oportuno, sobre esse

assunto: 122 BRASIL. Carta de Bagé: Carta da Paisagem Cultural. Bagé: 2007.

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71

A característica fundamental da paisagem é a ocorrência, em uma fração territorial, do convívio singular entre a natureza, os espaços construídos e ocupados, os modos de produção e as atividades culturais e sociais, numa relação complementar entre si, capaz de estabelecer uma identidade que não possa ser conferida por qualquer um deles isoladamente.123

Fica claramente exposta a ligação íntima e recíproca entre a

Paisagem e o Homem, reforçando a idéia de que essa relação não é

estática. Ela varia conforme o próprio Homem e a Paisagem se

transformam mutuamente.

A primeira disciplina que formalmente se apercebeu dessa relação foi

a Geografia. Mesmo antes do surgimento dela como ciência no século

XIX, desde a Antiguidade, vários estudiosos trataram do assunto,

variando basicamente entre duas correntes: a dos Deterministas, que

acreditavam que o meio determinaria o modo de agir do homem, e a

Positivista, que estudava os métodos de como o homem modificaria a

paisagem de acordo com as ferramentas e insumos que alcançou.

Para Sauer124, a Cultura é que era o verdadeiro agente, a área

natural, o meio onde ela atua e a paisagem cultural seria o

resultado dessa interação, que pode ser lido e estudado de acordo com

métodos específicos. Desse modo, Sauer transformou a paisagem em um

objeto, permitindo que ela fosse estudada conforme o método científico

de então125.

Compreende-se que a paisagem como um documento que pode ser lido.

Mas seja ela uma paisagem já antropizada ou não, deve-se considerar

sua multi-dimensionalidade de abordagens, tendo em vista que sempre 123 ALMEIDA, Luiz Fernando de. In RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem Cultural e Patrimônio. 1ª edição. Rio de

Janeiro: IPHAN; 2007. p. 7. 124 Carl Ortwin Sauer f oi renomado prof essor da univ ersidade de Berkeley, conhecido por considerar a dimensão

f ísica e cultural da paisagem de f orma conjunta. 125 RIBEIRO, op. cit., p.19.

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72

haverá inúmeras possibilidades de leitura, tal qual um fotógrafo em

busca de novas perspectivas. Porém deve-se lembrar que um fotógrafo

só clica aquilo que o deslumbra, um recorte que deseja mostrar.

Analogamente, James Duncan alerta para o fato de que nem a produção,

nem a leitura de paisagens são inocentes. Ambas são políticas no

sentido mais amplo do termo, uma vez que estão inextricavelmente

ligadas aos interesses materiais das várias classes e posições de

poder dentro da sociedade.126

Por estes sentidos, talvez a dimensão mais rica da paisagem seja

justo aquela desconsiderada por muitos autores ao longo do tempo: a

sua dimensão subjetiva e simbólica. No último quartel do Século XX

esses estudos geográficos foram se aproximando das correntes

filosóficas ligadas ao humanismo. Para eles, a paisagem representava

muito mais do que aquilo que era visível, considerando-se também as

dimensões moral, intelectual e estética. A principal crítica deste

grupo está no fato de que a cultura, não sendo uma coisa palpável e

submetida às leis da física, permite múltiplas interpretações, mas

que é desta maneira que ela deve mesmo ser considerada, sem vê-la

como algo externo, quase anexa à Humanidade, como vinha sendo

compreendida até então.

Seja pelas características físicas ou simbólicas, as paisagens vem

sendo cada vez mais intencionalmente procuradas pelas pessoas e

isso fez com que várias delas fossem transformadas em produtos para

o filão do turismo.

Yázigi chama a atenção para o fato de que paisagens artificialmente

construídas se tornam progressivamente em não-lugares127,

126 DUNCAN, James. The City as a Text, 1990 in RIBEIRO, op. cit.p.23.

127 Conceito criado por Marc Augé para se ref erir a espaços que não têm capacidade de dar f orma à qualquer

identidade. São espaços de anonimato, impessoais.

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descaracterizando a atmosfera original, substituída rapidamente por

uma mercadoria de consumo.

Conforme o mesmo autor, essa proliferação de paisagens venais acabou

por espalhar projetos que se dizem turísticos, como lagos com

pedalinhos e suas variações. Nesses modelos aparecem também as

árvores e guias caiadas, como demonstração de higiene, praças

abarrotadas de equipamentos de animação e consumo. E ele continua: “o

problema que vejo nesse receituário é não só o lugar comum das

atrações, mas o abraço de coisas fáceis, em detrimento do compromisso

com a construção da civilização no urbano.” 128

Sobre isso, Yázigi defende o princípio de que para se alcançar um

desenvolvimento pleno, o caminho deve passar obrigatoriamente por

um processo civilizatório que depende de um demorado e bem

fundamentado projeto nacional.

E, só então a partir deste processo de civilização é que se poderá

estruturar todas as outras demandas e projetos, como inclusão social,

acessibilidade e cidadania em geral.129

Por tudo o que foi dito, ganha amparo o juízo de que os aspectos

simbólicos são um canal de relação entre o universo e o utente. E que

essa relação é tão forte que permite que traços dela sejam

identificados. Esses traços ficam visíveis na fala de Borges, sobre a

região do Fundão, abordadas mais a frente:

Esses traços de ruralidades do Fundão nos remetem àquilo que Moreira (2003) considera, nas diferentes noções de rural e de ruralidades, como sendo a ‘proximidade com a natureza, o solo, a terra, as estações e os climas, suas vegetações e animais, produzindo objetividades, subjetividades, espiritualidades e sensibilidades rurais’. Esta questão do sentir-se parte

128 YÁZIGI p. 273.

129 Ibid., p. 282.

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faz com que essas ruralidades estejam, intrinsecamente, presentes nos membros da comunidade, estejam eles vivendo ou não no Fundão, e é o que move a continuidade de participação nos eventos festivo-religiosos[...]130

O mundo ferroviário também é carregado de intenso simbolismo,

memórias e significâncias, que transparecem por exemplo, em várias

músicas brasileiras, tornando mais belo o cotidiano que poderia ser

somente um ofício comum, de gente lutando para “ganhar a vida”, mas

que ganha as cores e a beleza da poesia:

Velho maquinista com seu boné Lembra do povo alegre que vinha cortejar Maria fumaça não canta mais Para moças, flores, janelas e quintais131

FIGURA 21 - Ponte sobre o rio Araguari-CMEF - Araguari/Uberlândia – 11/10/2009- Foto do autor

130 BORGES, op. cit., p. 71.

131 Trecho da música “Ponta de Areia”, composição de Milton Nascimento e Fernando Brant.

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4.4.4.4. A REGIÃO DE INTERVENÇÃOA REGIÃO DE INTERVENÇÃOA REGIÃO DE INTERVENÇÃOA REGIÃO DE INTERVENÇÃO

[...]mesmo que os blocos de cultura universitária ou de pseudocientificidade permaneçam demasiado penosos ou enfadonhos. Porque a ciência seria completamente louca se a deixassem agir; vejam, por exemplo, a matemática: ela não é uma ciência mas uma prodigiosa gíria, e nomádica. Ainda e sobretudo no domínio teórico, qualquer esboço precário e pragmático é melhor do que o decalque de conceitos com seus cortes e seus progressos que nada mudam. A imperceptível ruptura em vez do corte significante.

Gilles Deleuze e Félix Guattari - Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia

Ao contrário do que possa parecer, a região escolhida para ser objeto

de intervenção não tem delimitação geograficamente exata. Trata-se

de uma mancha que se caracteriza por evocar dualidades. É

essencialmente uma região de fronteiras. Algumas delas são muito

claras, tais como as referentes ao campo-cidade, ao desenvolvimento-

atraso, entre o futuro promissor e a decadência, entre a preservação

e a degradação, tradição e modernização. Núcleo e periferia. Dicotomia

e continuidade. Agrário e industrial. Também existem as fronteiras

físicas importantes, tais como uma rodovia federal, o rio Araguari e

uma ferrovia. É uma região rural que está entre a cidade mais

populosa e a terceira mais populosa do Triângulo Mineiro132.

Todas essas nuanças demonstram uma riqueza de situações, que

poderão ser bem aproveitadas para a boa qualidade do projeto.

Entretanto, essa imprecisão na caracterização da área de projeto

também trouxe dificuldades. E a principal talvez tenha sido

encontrar ferramentas e metodologias corretas, uma vez que

132 De acordo com as projeções para o ano de 2009 do IBGE para o Triângulo Mineiro, Uberlândia é a primeira

cidade mais populosa, com 634.345 habitantes e Araguari a terceira, com 111.095 habitantes. Em se tratando da mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Araguari cai para a quarta colocação.

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atualmente os estudos que tratam do campo levam com eles a tendência

da cidade em enxergar o rural através de metodologias e olhares

urbanos. Talvez ainda faltem mais discussões acerca de um urbanismo

que trate do rural nem como contraponto ao urbano e nem como

continuidade atenuada da cidade. Seja como for, as propostas

apresentadas aqui não deixam de ser também idéias entre a fronteira

do experimental e da teoria:

Métodos de análise contemporâneos das disciplinas urbanas e a cidade-espetáculo se distanciam cada vez mais da experiência urbana, da própria vivência ou prática da cidade. Errar poderia ser um instrumento dessa experiência urbana, uma ferramenta subjetiva e singular, ou seja, o contrário de um método ou diagnóstico tradicional. A errância urbana é uma prática possível por qualquer um133.

FIGURA 22 – Visão geral da área de projeto e altimetria da antiga linha f errov iária. Levantamento do autor.

133 BERENSTEIN, Paola Jacques. Elogio aos Errantes: a arte de se perder na cidade. Blog Rev erberações.

Disponív el em < http://blog.reverberacoes.com.br/2008/10/por-paola-berenstein-jacques/ > Acesso em 13/07/2010.

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FIGURA 23 – Recorte da carta Uberlândia-MG, mostrando a região entre as cidades de Araguari e Uberlândia - Folha SE.22-Z-B-VI-MI-2451. IBGE, 1984

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78

4.1.4.1.4.1.4.1. A RA RA RA REGIÃO DO FUNDÃOEGIÃO DO FUNDÃOEGIÃO DO FUNDÃOEGIÃO DO FUNDÃO

Localizada ao sul do município de Araguari, a região do Fundão é uma

das mais antigas historicamente, sendo uma das duas sesmarias

formadoras deste município134.

É uma região de topografia acidentada, com vales abruptos que

permeiam platôs drenados por cursos d’água de velocidade.

A ocupação teve início principalmente com a chegada de famílias

para o trabalho rural em princípios do Século XIX, como agricultura

de subsistência, nos moldes como já foi visto no início do trabalho.

Essa ocupação não foi maciça e manteve o lugar com baixas

densidades populacionais até fins do Século XIX. É neste período que

há melhoria da infraestrutura de transporte no Fundão, em especial a

presença da ferrovia, a construção de estradas vicinais e de portos

no rio Araguari, o que trouxe valorização para os terrenos. Essas

facilidades causaram maior adensamento populacional e o plantio de

arroz se tornou intenso, principalmente com a chegada de imigrantes

japoneses. Ainda hoje há famílias japonesas que moram nesta região.

Com a adoção de novas técnicas agrícolas trazidas por esses

imigrantes, a produção de arroz obteve produção recorde, fazendo do

Fundão o maior produtor de arroz de Minas Gerais135.

Paralelamente à produção agrícola, o Fundão também foi grande

produtor de material cerâmico, principalmente de tijolos. Graças à

abundância de argila, havia mais de uma dezena de olarias e suas

pequenas vilas de funcionários, conforme Borges explica:

134 BORGES, op. cit., p. 15 e 35. As sesmarias f ormadoras, segundo ele, são as do Serrote/Fundão e Pedra

Preta. 135 Ibid., p. 60.

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FIGURA 24 – Máquina para limpeza de arroz, trazida por imigrantes japoneses. Memorial do Imigrante – São Paulo-SP – 03/06/2010 – Foto do autor.

Cada olaria tinha de cinco a dez casinhas, que ficavam localizadas próximas umas das outras e, geralmente, o oleiro trazia toda a família para morar com ele. Durante a labuta diária, os filhos mais velhos e as esposas, por vezes, ajudavam no processo produtivo, o que proporcionava uma renda adicional para a família136.

Os tijolos assim produzidos ajudaram a construir várias cidades do

Triângulo Mineiro. Eles eram transportados pelos portos e por carros

de boi. Porém, com a chegada da ferrovia, puderam ser mais facilmente

escoados via Mogiana, pela estação Stevenson Velha, que atendia a

região do Fundão. Como se pode imaginar, essas olarias não ofereciam

boas condições de trabalho, sem garantias sociais, com baixos

136 Ibid., p. 88.

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salários e longas jornadas. Ainda assim, foram um dos maiores

empregadores de Araguari.

A estação, inaugurada com o nome de Stevenson em homenagem ao

inspetor geral da Mogiana que se aposentava por motivo de doença, é

hoje chamada de Stevenson Velha porquanto esta ficou fora do novo

traçado ferroviário. Uma nova, feita nos padrões modulares do

Batalhão Ferroviário, foi construída em 1969 a três quilômetros da

velha e batizada de Stevenson Nova. Ambas encontram-se abandonadas

hoje em dia. A velha foi tombada pelo município de Araguari em 2002137

e comprada em 2005138. Era um ponto focal importante da região do

Fundão. Apesar de constar nos documentos que ela foi inaugurada em

1927139 deduz-se que essa data se refira apenas ao prédio atual, já que

o local onde está implantada é estratégico para o funcionamento

ferroviário: fica num raro trecho plano, no final da serra do vale do

Rio Araguari. A presença de uma estação ali faz com que mais trens

sejam autorizados a circular em menos tempo. Do contrário, seria

necessário que um trem saísse da estação do Preá, às margens do rio

Araguari, subisse toda a Serra do Fundão e acabasse de chegar em

Araguari, vinte e dois quilômetros de subida, várias horas depois e

sem reabastecer as caldeiras, para que só então outro trem pudesse

circular neste trecho. É uma hipótese totalmente contrária às regras

da lógica140.

Outra consideração que se deve ter em conta é que a BR-050 que corta

a região e passa nas proximidades da estação foi inaugurada somente

no início da década de 1960 . Antes disso, a estrada que ligava

Araguari a Uberlândia passava pela “estrada do Pau Furado”, num

137 Decreto da Pref eitura Municipal de Araguari nº039, de outubro de 2002. Vide Anexo A.

138 Projeto de Lei nº 203/05, proposto pelo Poder Executiv o Municipal de Araguari.

139 PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAGUARI, op. cit.

140 GUIRARDELLO dá situações semelhantes nos primeiros tempos da NOB. op. cit., p. 52 e p. 53.

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81

percurso bem mais longo, a mais de 10 quilômetros a leste do atual

traçado. Portanto, a integração ferrovia-rodovia BR-050 no Fundão

durou pouco mais de dez anos e não gerou efeitos marcantes. É depois

de 1960 que as políticas rodoviaristas ganham força e o volume de

cargas embarcado na estação foi mínimo depois disso. A própria

Stevenson Nova, enquanto funcionou, configurou-se mais como estação

mediadora de tráfego ferroviário entre Araguari e Uberlândia do que

como receptora de cargas.

E assim, depois de intenso uso do solo e de técnicas agrícolas hoje

consideradas ultrapassadas, a região perdeu fertilidade e passou a

produzir cada vez menos gêneros e produtos a partir da década de

1950 . A baixa produção que se seguiu, aliada às transformações

socioeconômicas pelas quais o Brasil passava, causaram um forte

êxodo rural e um intenso parcelamento das propriedades,

principalmente por conta das heranças141.

As olarias também entram em intenso declínio, seja pelas melhorias

das leis ambientais que dificultavam a obtenção da argila e da

lenha, seja pela dificuldade de se encontrar mão-de-obra. Atualmente,

a região apresenta uma elevada porcentagem de terras ociosas e

fazendas praticamente abandonadas142.

Apesar de tudo, as festas religiosas que acontecem no Fundão atraem

boa parte dos antigos moradores que hoje moram na cidade, de certa

forma fazendo a manutenção simbólica da antiga comunidade rural. A

própria organização das festas cria redes de relacionamentos que

acabam mantendo viva a memória cultural local, ainda que de maneira

tênue. Ela existe enquanto demonstra um modo de vida pertencente a

um cotidiano específico, que torna a fazer os laços entre a

identidade das pessoas e o lugar. Mas existem os que saíram e não

voltaram nunca mais, segundo contam, para não passarem a dor de ver 141 BORGES. op. cit., p. 36.

142 Ibid., p. 15.

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o abandono em que se acham os lugares onde trabalhavam e moravam.

Eles preferem ter apenas a lembrança de um Fundão que significou um momento importante na vida de cada um. Essa comunidade, fixa e simbólica ao mesmo tempo, existe ainda para aqueles que, além de terem nascido no lugar, também enterraram seus mortos. Referimo-nos, aqui, às crianças recém-nascidas, enterradas aos pés do primeiro Cruzeiro da comunidade143.

A construção da Capela de São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida,

mais conhecida como “igrejinha do Fundão” foi feita com tijolos

produzidos na localidade, eles próprios um símbolo forte de uma

época vivida por alguns dos frequentadores das quermesses.

No local onde hoje está a igreja foi fixado um cruzeiro. É a borda de

um platô, de onde se tem uma vista panorâmica de toda a região do

Fundão. Era lá que se rezava o terço e se fazia a arrecadação de

dinheiro usado em auxílio a alguma família. Porém, na década de 1930

a comunidade se mobilizou para a construção de uma capela e

conseguiu o auxílio de outras comunidades vizinhas ao Fundão. As

quantias arrecadadas através dos leilões deram início às obras. O

terreno foi doado à Fábrica Igreja Matriz e todos os tijolos da capela

foram doados pelas olarias da região. Uma imagem de São Sebastião,

eleito o padroeiro do Fundão, foi trazida diretamente de Portugal

pelo sr. Joãozinho Português, um dos principais organizadores da

obra. A igrejinha foi feita em regime de mutirão entre os membros da

comunidade144.

143 Ibid., p. 136.

144 Ibid., p. 132.

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FIGURA 25 – Capela e Cruzeiro do Fundão. Foto do autor – 18/09/2001

A capela foi tombada pelo município de Araguari em 2004,

principalmente pela importância que ela tem como matéria física onde

se embasa grande parte do simbolismo de uma comunidade atual e de

várias épocas anteriores, talvez de modo muito mais forte do que

aconteceria em uma localidade estritamente urbana.

A comunidade do Fundão tem, sobretudo nas festas e em todos os rituais religiosos que a compõem, a sua razão de ser. Dentre todos os rituais da festa, a procissão é lembrada de maneira especial pelos membros mais tradicionais da comunidade, e contribui para fortalecer seus laços de pertencimentos. Os andores de São Sebastião e de Nossa Senhora Aparecida são cuidadosamente enfeitados e carregados pelos fiéis145.

145 Ibid., p. 139.

Page 85: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

84

Neste simbolismo, transparece outra atividade realizada na capela,

que também nos chama a atenção e está ligada ao ato de caminhar. As

procissões, caminhadas religiosas de intensos significados, acontecem

no Fundão pelo menos desde quando a capela foi construída. Se hoje

elas acontecem poucas vezes ao ano e percorrem um trajeto reduzido,

nem sempre foi assim, conforme as palavras de Sebastião Cândido de

Melo:

[...] no começo a procissão gastava uma hora pra dá a volta. E era gente! Tinha época que enquanto tinha gente chegando na capela, ainda tinha gente saindo pra procissão. A procissão saía da porta da igreja e descia por baixo. Lá tinha uma estrada que cortava berando o cerrado por cima e começava a descer numa baixada, e ia cá perto do Sebastião Faria e depois voltava. Era longe, dava mais de dois quilômetros. Hoje dá uma volta de uns 100, 200 metros só. Do lado do córrego do Fundão a gente avistava a procissão, mesmo que não tivesse de noite e com vela na mão, a gente via. Era muito bonito. Mas foi poucas veis de noite, ela era mais de dia. Era sempre as três hora da tarde. Todo ano de festa lá, a procissão era as três hora da tarde. (Informação verbal)146.

As características de religiosidade são ainda hoje intensamente

perceptíveis nas comunidades rurais. São uma amostra do quanto o

papel da Igreja foi forte na cultura de ocupação e fixação dos

territórios brasileiros. Em muitos aspectos, ela foi a maior

mantenedora da ordem política e social, com uma forte e eficaz carga

simbólica. As festas e cerimônias constituem-se num reforço desse

simbolismo, que ainda faz parte do cotidiano de muitas comunidades.

Atualmente, o avanço da cana-de-açúcar na região representa

preocupação, seja pela sedução que ela causa nos produtores rurais,

levando a uma rápida capitalização em troca da degradação do meio

ambiente, seja pelas brechas dadas pelos governos. Em especial para

146 Ibid., p. 140.

Page 86: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

85

os das áreas economicamente decadentes, a cana-de-açúcar representa

um alento aos anos de dificuldades. Porém, os impactos trazidos pela

monocultura são severos:

De acordo com a Usina Araguari foram plantados no município de Araguari cerca de 4.000 hectares de cana, sendo que é previsto o plantio de mais 3.500 totalizando 7.500 hectares necessários para o funcionamento da moagem. Assim, a Usina continuará a buscar áreas para o plantio da cana-de-açúcar. Visto que uma das dificuldades da Usina é encontrar tais áreas propícias para o plantio, esta poderá buscar neste momento outras áreas antes não cogitadas para o plantio, como áreas de plantio de tomates, café e soja, bem como pequenas propriedades. É percebida a mudança na estrutura agrícola do município onde áreas de pastagem foram cedidas para o plantio da cana. A possibilidade de instauração de monocultura no município faz com que haja o receio da incorporação de novos problemas ambientais, econômicos e sociais no município, o que representa a supressão das culturas existentes para o plantio da cana-de-açúcar147.

Do ponto de vista ambiental, preocupa-se também com a fragilidade

das instituições, uma vez que o próprio prefeito de Araguari da época,

Marcos Alvim, vetou o projeto de lei que proibia a queima da cana no

município148. Também há impasses quanto ao destino dos subprodutos da

produção do álcool, tais como o vinhoto e o bagaço.

147 ZANZARINI, R. M.; SANTOS, R. J.; ALBINO, K. G. A Expansão da Cana-de-Açúcar no Triângulo Mineiro

.Disponív el em <www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/trabalhos_completos/eixo11/078.pdf> Acesso em: 06/Jun/2010. 148 Projeto de lei complementar nº001/08 in Ibid., p. 11.

Page 87: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

86

FIGURA 26 – Imagem de satélite da área de intervenção no município de Araguari-MG. Imagem: Google Earth - Modificada pelo autor

Page 88: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

87

CódCódCódCód Descr içãoDescr içãoDescr içãoDescr ição ImagemImagemImagemImagem

CO R VERDE CO R VERDE CO R VERDE CO R VERDE ---- A A A A ---- Leito O r iginalLeito O r iginalLeito O r iginalLeito O r iginal

1A

Estação da Estrada de Ferro Goyaz – 10/05/2010

2A Estação da Mogiana em 1938 (demolida)

Foto: Revista São Paulo Railway, Janeiro/1939, in Estações Ferroviárias [http://www.estacoesferroviarias.com.br/mogiana_triangulo/araguari.htm] acessado em 23/set/20 10

3A

Casa de Turma – 10/03/2010

4A

Lagoa 1

Abril/1998

5A Lagoa 2

10/03/2010

Page 89: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

88

6A Ruínas Estação Angá

10/03/2010

7A Reformulações do traçado

10/03/2010

8A Lagoa, cachoeira, borda do platô, visão panorâmica – 23/04/2009

9A Extração de basalto

Janeiro/2010

10A Estação Stevenson Velha

23/04/2009

Page 90: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

89

11A Fornos de carvão

08/06/2008

12A Granja porcos/cana-de-açúcar

Novembro/2010

13A Bica d’água

Novembro/2010

14A Cortes, aterros e bambus em trecho de serra

27/07/2005

Page 91: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

90

15A Ruínas da estação do Preá e de uma vila ferroviária, hoje submersa pela Usina do CCBE – 27/07/2005

CO R VERMELHA CO R VERMELHA CO R VERMELHA CO R VERMELHA ---- B B B B ---- Fer r ovia ativa (FCA )Fer r ovia ativa (FCA )Fer r ovia ativa (FCA )Fer r ovia ativa (FCA )

1B Estação atual (somente cargas) – 18/06/2000

2B Passagens sob os trilhos (duas)

03/05/2009

3B Viaduto-Mirante sobre a ferrovia

10/04/2010

4B Passagem sob os trilhos

10/04/2010

Page 92: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

91

5B Britador do 2º Batalhão Ferroviário

10/04/2010

6B Túnel do Fundão

Novembro/2009

7B Viaduto do Fundão

02/11/2006

8B Estação Stevenson Nova e vila ferroviária

27/07/2005

9B Ponte sobre o rio Araguari

(Ponte do A)

Janeiro/2009

CO R AMARELA CO R AMARELA CO R AMARELA CO R AMARELA ---- C C C C –––– Rodovia BRRodovia BRRodovia BRRodovia BR----0 500 500 500 50

Page 93: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

92

1C Polícia Rodoviária Federal

Novembro/2010

2C Extração de basalto (Arpasa)

12/09/2010

3C Ponte sobre o rio Araguari na BR-050 – Implosão mal-sucedida – 08/10/2006

CO R AZUL CO R AZUL CO R AZUL CO R AZUL ---- D D D D ---- O utr os pontos de inter esseO utr os pontos de inter esseO utr os pontos de inter esseO utr os pontos de inter esse

1D Viaduto do Quero-Quero

1999

Page 94: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

93

2D Cachoeiras do Córrego Cachoeirinha (foto: queda nº3 – 30/12/2005)

3D Cachoeiras Córrego Varginha

(Foto: queda nº3 -

29/12/2000 )

4D Cachoeiras Córrego Desamparo

16/03/2003

5D Reformulações do traçado

04/10/2009

Page 95: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

94

6D Cachoeira do Fundão

03/11/2005

7D Cachoeira do Córrego Santa Rita – 02/07/2005

8D Sede de fazenda

01/10/2001

9D Conjunto da Capela do Fundão

04/10/2009

Page 96: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

95

10D Ruínas de vila de funcionários de uma olaria abandonada – 06/07/2006

QUADRO 1 : Pontos de Interesse da região do Fundão e entorno – Levantamento e fotografias do autor, com exceção da indicada.

4.2.4.2 .4.2 .4.2 . A REGIÃO DO SOBRADINHOA REGIÃO DO SOBRADINHOA REGIÃO DO SOBRADINHOA REGIÃO DO SOBRADINHO A crença religiosa é um ponto notável também na região do

Sobradinho, ao norte do município de Uberlândia. Diferentemente da

região do Fundão, que concentrou a religiosidade em um ponto focal

específico e direcionado, na região do Sobradinho o que chama a

atenção é a ocorrência pulverizada dos locais de manifestação dela.

O motivo dessa característica talvez se deva ao fato de não haver

uma centralidade nítida, como uma capela, casa de orações ou algum

outro marco que servisse para reunir os praticantes de alguma

religião ou atividade coletiva.

Isso não significa que esse marco nunca tenha existido. Um cruzeiro

foi encontrado nas proximidades da estação ferroviária do

Sobradinho, que pode indicar que lá fosse um destes pontos de

encontro, onde comumente as pessoas costumavam se reunir para pedir

chuva ou rezar por outros motivos. Até mesmo algumas ruínas foram

encontradas junto ao cruzeiro, porém nenhuma referência de que lá

houvesse de fato alguma capela.

Page 97: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

96

FIGURA 27 – Um cruzeiro, na região do Sobradinho, com vestígios indicativos da possível existência de uma construção - Foto: Jan/2009 – Foto do autor

A manifestação típica da região do Sobradinho é a presença das

benzedeiras, ainda viva no cotidiano das pessoas.

Na cultura popular, corpo e espírito não se separam, tampouco desliga-se o homem do cosmos, ou a vida da religião. Para todos os males que atingem o corpo e a alma do homem sempre há uma reza para curar. É por isso que, apesar do tempo e dos avanços da medicina, a tradição dos benzedores ainda persiste na nossa moderna sociedade capitalista. Acreditando ou não no poder da reza, tem sempre aqueles que procuram, nas rezas e nas benzeções, uma cura para a sua doença ou um alívio para a sua dor149.

149 NERY, Vanda Cunha Albieri. Rezas, Crenças, Simpatias e Benzeções: costumes e tradições do ritual de

cura pela f é. - NP Folkcomunicação do VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. Disponív el em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0939-1.pdf> Acesso em: 14/05/2010

Page 98: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

97

De novo, aparece mais um aspecto intermediário: a benzeção,

considerada uma manifestação religiosa das mais vernaculares. Ela

mistura tradições africanas, indígenas e católicas. Nem corpo, nem

espírito. Nem sagrado e nem profano. As benzedeiras mesclam orações

católicas, plantas medicinais do cerrado e ritos africanos,

amalgamados ao longo do tempo e praticados principalmente pelas

mulheres.

No Vale do Rio Araguari, do lado uberlandense, existem muitas

benzedeiras, espalhadas desde o distrito de Cruzeiro dos Peixotos até

a região do Sobradinho, pelo menos. Entretanto, é notório que as

tradições relacionadas às benzeções vêm perdendo espaço na cultura

popular. A fé nas benzedeiras vai desaparecendo ao passo que a fé na

medicina vai tomando o seu lugar. Já não se encontram sucessores

para essa prática tão original, que aos poucos vai perdendo o

sentido de ser, até mesmo naquelas comunidades rurais mais

distantes150.

Historicamente, a região do Sobradinho era formada por grandes

propriedades agrícolas. Esse vale, como já dito, era intensamente

ocupado por povos indígenas, infelizmente já desaparecidos. Os que

não foram assassinados pelo homem branco durante a ocupação da

região151, foram reunidos em vários aldeamentos indígenas, tais como o

atual distrito uberlandense de Tapuirama e a região do Piçarrão em

Araguari, dentre outros. Infelizmente, vários vestígios desse tempo já

foram destruídos ou submersos pela presença de várias usinas

hidrelétricas nesse rio, que não tem mais nenhum trecho de água

corrente depois que sai da Serra da Canastra, local de sua nascente.

150 Ibid., p. 14.

151 GHIRARDELLO, op. cit. p. 42 a p.44 também cita o covarde confronto com os indígenas durante o av anço da

f ronteira agrícola no oeste brasileiro.

Page 99: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

98

Demovido o obstáculo que representavam os índios, a ocupação de

homens brancos na região onde viria a ser o distrito de Uberabinha,

também começou oficialmente pelo vale do rio Araguari, através de

concessão de sesmarias, usadas principalmente para agricultura

familiar. Com o tempo, também apareceram pequenas oficinas de

ferreiros que produziam ferramentas para o trato agropecuário.

Com o passar dos anos, as sesmarias que se localizam ao norte de

Uberlândia foram intensamente fragmentadas, principalmente a do

Sobradinho. O mesmo não aconteceu com a porção sul do município,

ocupada por grandes propriedades rurais. Da mesma forma como

ocorreu na região do Fundão em Araguari, o motivo principal foi a

divisão por heranças de terras já ocupadas há quase duzentos anos. A

maioria das propriedades rurais de pequeno porte está com a mesma

família há mais de 30 anos152.

No Sobradinho também houve a fixação de imigrantes estrangeiros, e a

presença mais comum foi a de famílias italianas, muitas das quais

permanecem como proprietárias, ainda que a região também tenha

sofrido com o êxodo rural, intensificado a partir de meados do Século

XX. Essas famílias italianas vieram para trabalhar nas lavouras de

café do estado de São Paulo, onde se fixaram pelo tempo necessário

para partir em busca de suas próprias terras153. Ao vir para o

Triângulo Mineiro, elas também influenciaram a cultura local, seja

trazendo novas técnicas agrícolas, seja em várias outras facetas,

dentre as quais talvez as mais perceptíveis estão o linguajar e a

culinária.

Partindo da cidade de Uberlândia, a topografia vai se tornando cada

vez mais acidentada à medida que se aproxima do rio Araguari,

152 RIBEIRO, Raphael Medina. A Dimensão Sociocultural da Agricultura Camponesa: comunidade rural de

Sobradinho. Monograf ia de graduação. Instituto de Geograf ia, UFU, 2006, p. 22 e 38. 153GHIRARDELLO, op. cit., p. 13 aponta o mesmo f enômeno na construção da NOB.

Page 100: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

99

fazendo com que surjam quedas d’água e mirantes que permitem longas

visadas. Também há grandes pedreiras ativas, que extraem basalto.

Essa região entre a cidade de Uberlândia e o rio Araguari teve duas

estações da Mogiana: a de Giló154, já demolida, e a de Sobradinho, esta

tombada como patrimônio histórico pela prefeitura de Uberlândia em

2006155. Porém, já no ano seguinte, a porção norte do prédio ruiu. A

situação vem se agravando e uma antiga pensão ao lado da estação

também ruiu parcialmente. Parte do impasse se deve ao fato de que

esses bens se situam em propriedade particular. O proprietário

menciona não ter recursos e nem interesse na restauração dos bens156

que estando fechados sem um projeto de interesse específicos,

permaneceriam sem uso e voltariam a se degradar157. A prefeitura

entende que não pode investir recursos públicos em bens de

propriedade privada.

A estação, já sem trilhos há três décadas, fica em local agradável, às

margens de uma represa e a poucos metros de duas cachoeiras e dos

trilhos atualmente ativos. Apesar dessa beleza, permanece guardada

dentro de uma propriedade particular, perdendo assim os laços de

memória com o cotidiano das populações que ainda habitam a região.

Vestígios de um outro pátio ferroviário foram descobertos por acaso.

Ainda não se sabe se houve de fato o prédio de uma estação ou se ela

funcionou num vagão provisório. Nele, ainda existe uma cabine

ferroviária, encoberta pelo mato. Ela está relacionada no QUADRO 2.

Outra presença focal importante da região do Sobradinho é a escola

Agrotécnica Federal de Uberlândia.

Inaugurada com o nome de “Colégio Agrícola de Uberlândia”, já era uma

aspiração antiga, desde a época do Coronel José Teófilo Carneiro, que

154 Essa é a graf ia original, com “g”, amplamente encontrada nas listagens das estações ferroviárias.

155 Decreto n.º 10.228 de 31/03/2006 – Vide Anexo B.

156 Inf ormações prestadas pelo proprietário, Odeon Carrijo em 15/04/2010.

157 Um exemplo é o caso da estação de Bocaiúv a-MG, que f oi recuperada em 2005 e hoje já está nov amente

degradada, ainda que esteja em plena área urbana, conf irmando que a preserv ação exige que o bem esteja inserido nas dinâmicas da comunidade, como já f oi dito.

Page 101: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

100

em 1922 comprou as terras onde hoje se situa a escola, instalando aos

poucos a “Fazenda das Sementes”. O Coronel foi o mesmo responsável

por viagens e entendimentos com os diretores da Companhia Mogiana

para que os trilhos passassem pela então Uberabinha, Sobradinho e

Araguari. Mais tarde, a fazenda passou a pertencer ao estado de Minas

Gerais e em 1957, para o Ministério da Agricultura. Em 1979 passou a

designar-se Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia e atualmente

constitui-se o Campus Uberlândia do Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia (IFECT) do Triângulo Mineiro158.

Entretanto, a localidade do Sobradinho já contava com escola pública

desde fins do Século XIX, como mostra a Ata da Sessão Ordinária da

Câmara Municipal de Uberabinha, de 14 de Janeiro de 1893:

Esta commissão nutre a esperança de que, em face da organização do orçamento actual, sendo feita a arrecadação regularmente, o município poderá fazer face as diversas dispezas que são mister para seu progresso; por tanto afirma que: primeiro; sejão providas as escolas da zonas - Tenda e Sobradinho, autorizando ao agente executivo a pôl-as em concurso para seu provimento e assim também, a conceder subvenção a cinco professores particulares, que provém os requezitos e exigência do regulamento escolar, a juizo do referido agente159.

Essas escolas, em número bem maior no meio rural do que no urbano,

eram de iniciativa municipal. Em 1915 passaram à responsabilidade do

Estado de Minas Gerais. Após 1940 , o número de escolas rurais em

Uberlândia passou a diminuir no campo e aumentar na cidade, o que é

simultaneamente causa e consequência do êxodo rural.

158 Inf ormações disponíveis no sítio oficial da instituição, disponível em:

<http://www.if triangulo.edu.br/uberlandia/historico/historico.php>. Acesso em: 13/06/2010. 159 Liv ro de Atas da Câmara Municipal de Uberabinha, 1983. Liv ro 01, p. 98 in SILVEIRA, T.C.; RIBEIRO, C. A.

Atas do Poder Legislativo em Uberabinha 1892 a 1915: Um Olhar Sobre o Ensino Rural. Disponível em: < http://www.f aced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/533Tania_e_Cristiane.pdf>. Acesso em: 13/06/2010, p. 5910.

Page 102: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

101

FIGURA 28 – Imagem de satélite da área de intervenção no município de Uberlândia-MG. Imagem: Google Earth / Digital Globe 2010. Modificada pelo autor.

Page 103: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

102

CódCódCódCód Descr içãoDescr içãoDescr içãoDescr ição ImagemImagemImagemImagem

A A A A –––– Leito O r iginalLeito O r iginalLeito O r iginalLeito O r iginal ---- (CO R VERDE )(CO R VERDE )(CO R VERDE )(CO R VERDE )

1A Pilares da antiga ponte sobre o rio Araguari (hoje submersos)

27/04/2005

2A Conjunto Estação Sobradinho

15/04/2010

3A Fim Trecho de estrada vicinal sobre o leito antigo

15/04/2010

4A Casa de Turma

15/04/2010

Page 104: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

103

5A Ruínas da estação do Giló

10/10/2010

6A Início de leito com trilhos /D.Industrial

10/10/2010

B B B B –––– Fer r ovia Ativa (FCA )Fer r ovia Ativa (FCA )Fer r ovia Ativa (FCA )Fer r ovia Ativa (FCA )

(CO R VERMELHA)(CO R VERMELHA)(CO R VERMELHA)(CO R VERMELHA)

1B Cruzamento do Leito velho com ferrovia atual – 10/10/2010

2B Resquícios de um pátio ferroviário

Presença de uma cabine ferroviária

14/09/2006

Page 105: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

104

3B Passagem sob a BR-050

Novembro/2010

4B Passagem sob o anel viário

Novembro/2010

5B Atual estação ferroviária de Uberlândia

04/05/2010

C C C C ---- Rodovia BRRodovia BRRodovia BRRodovia BR ----0 500 500 500 50

(C O R A MA RELA )(C O R A MA RELA )(C O R A MA RELA )(C O R A MA RELA )

1C Encontro de Estrada Vicinal com BR-050

Novembro/2010

Page 106: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

105

2C Cruzamento BR-050 (embaixo) com Anel Viário (em cima) – Novembro/2010

3C Ramal do D. Industrial – Novembr/2010

D D D D –––– O utr os Pontos de Inter esseO utr os Pontos de Inter esseO utr os Pontos de Inter esseO utr os Pontos de Inter esse

(CO R AZUL)(CO R AZUL)(CO R AZUL)(CO R AZUL)

1D Encontro Córrego do Sobradinho com Rio Araguari

Outubro/2009

2D Cruzeiro

Janeiro/2009

Page 107: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

106

3D Cachoeira do Sobradinho / Represa

10/10/2010

4D Floresta ciliar

15/04/2010

5D Extração de Basalto e Cascalho

15/04/2010

6D Visada longa

15/04/2010

Page 108: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

107

7D Mirante do Vale do rio Araguari – 28/08/2010

8D Passagem Inferior – 15/07/2010

9D Cachoeira Córrego Congonhal

Agosto/2009

10D Trevo Distrito Industrial

Novembro/2010

QUADRO 2 : Pontos de Interesse da região do Sobradinho e entorno – Levantamento e fotografias do autor.

Page 109: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

108

5.5.5.5. MULTIPLICIDADES E PO NTO S DE ENCO NTROMULTIPLICIDADES E PO NTO S DE ENCO NTROMULTIPLICIDADES E PO NTO S DE ENCO NTROMULTIPLICIDADES E PO NTO S DE ENCO NTRO –––– O TRANSBO RDARO TRANSBO RDARO TRANSBO RDARO TRANSBO RDAR

Ninguém sabe que coisa querer Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem, Tudo é incerto e derradeiro,

Tudo é disperso, nada é inteiro” Fernando Pessoa

Os cruzamentos e as esquinas são pontos nodais estratégicos na

estrutura de uma cidade. São estes os locais que notavelmente

permitem encontros e estão intimamente ligados à qualidade dos

espaços. Podem ser problemáticos, conflituosos, degradantes e

intensificadores de problemas, mas também podem ser parte de uma

estrutura construída para incrementar qualidade a um ambiente

urbano, contribuir para a quebra de monotonia, promover a

possibilidade de encontros, adicionar elementos-surpresa, dar margem

para o imprevisível. Esses pontos nodais de encontros podem ser

feitos como parte de uma rede, que pode ser montada para trabalhar

de forma integrada, alcançando ou mantendo determinado efeito.

Conforme Castells, redes são

[...]estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio[...]160

Esses nós a que Castells se refere podem ser compreendidos como

variáveis de uma equação imaginária, podendo-se montá-la de maneira

a conseguir mais multiplicidade para determinado projeto, ao invés 160 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede in BORGES, op. cit., p. 148.

Page 110: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

109

de uma simples soma. Apoiado em um maior número de possibilidades

articuladas umas com as outras, teoricamente o projeto tem mais

chances de ter bom êxito do que aquele que gira em torno de uma

monocultura de constantes e de situações.

Arquitetonicamente, a essas conexões ainda podem ser adicionadas

marcos visuais ou pontos que as tornem distintas umas das outras,

funcionando como referências para o caminhante, de amarrações para

o navegar. Essas rugosidades da paisagem também são fundamentais,

tais como os marcos que os nômades pré-históricos devem ter usado.

São vínculos pessoa-espaço.

Para a boa qualidade desses espaços, outra especificidade que deve

ser levada em conta é a velocidade dos deslocamentos: entendendo-se

que nas situações em que se possa evitar aqueles considerados

rápidos, o espaço terá seus usos intensificados, ao mesmo tempo que o

ambiente se tornará mais rico. Ao invés de relacionada à placidez,

essa velocidade de fruição pode ser comparada à jornada de uma

pessoa em busca da maturidade: aquela que demora mais tempo a

alcançar a maturidade pode até não significar que ela esteja

estática e sim que esteja esmiuçando mais cada uma das etapas do

crescimento. Berenstein trata disso de forma muito interessante,

quando relaciona fatores como se perder, lentidão e corporeidade:

“Pode-se notar a lentidão dos errantes, o tipo de movimento

qualificado dos homens lentos, que negam, ou lhes é negado, o ritmo

veloz imposto pela contemporaneidade."161

Esses pontos de entrelaçamento não podem ser entendidos como

extremos de um sistema e sim como localizações intermediárias até

161 BERENSTEIN. 2008. op. cit.

Page 111: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

110

outro ponto nodal, sem deixar claro o começar e o terminar,

entendidos aqui neste trabalho como pontos de menor potencial.

Toma-se aqui as idéias de rizoma apresentadas por Deleuze e

Guattari, que dizem que [...] “quando um rizoma é fechado, arborificado,

acabou, do desejo nada mais passa: porque é sempre por rizoma que o

desejo se move e produz."162

Eles comparam aqui a idéia de estrutura arborizada, se referindo ao

fato de que cada ramo depende necessariamente de outro ramo

hierarquicamente superior, sucessivamente. Isso torna a estrutura

muito organizada, mas bem vulnerável, bastando que se destrua o

tronco principal para que todos os ramos também caiam.

[...]diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer. [...] O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo. [...] Ele não é feito de unidades, mas de dimensões ou antes, de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda.163

Segundo os autores, o rizoma é uma estrutura interligada de forma

que, ainda que alguma parte seja debilitada ou destruída, as outras

continuam a funcionar e crescer, independentemente. Cada parte

trabalha hierarquicamente nivelada em função do todo. Elas não

começam, nem concluem. São sempre o meio, o intermediário, por

definição. O resultado pode não ter a mesma organização do sistema

arborizado, mas o ganho está na força, em ser menos vulnerável e

previsível:

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A

162 DELEUZE; GUATTARI, op. cit., p. 22.

163 Ibid., p. 31.

Page 112: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

111

árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem como tecido a conjunção "e...e...e...". Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser164

Mosé afirma que quando uma pessoa se torna individualista, cria um

problema para si própria. Partindo-se do raciocínio de que se a vida

é algo completo e articulado, quando a pessoa se isola, ela se

desvincula do todo.

A vida é uma rede de relações. Cada movimento que se faz, transborda para o mundo inteiro. E essa rede é o que nos sustenta. Pra saber quem eu sou não adianta perguntar pra mim mesmo. Tem que olhar o rastro que você deixou. 165

E assim, compreende-se a força que há em não ser o um e sim a parte

do todo. Para ilustrar o raciocínio, os autores citam o exemplo de

lobos, construindo a idéia de que o lobo nunca é um lobo somente, e

sim a parte de um conjunto em relação ao todo, abrindo caminho pra

multiplicidade:

Franny ouve uma emissão sobre lobos. Eu lhe digo: gostarias de ser um lobo? Resposta altiva — é idiota, não se pode ser um lobo, mas sempre oito ou dez lobos, seis ou sete lobos. Não seis ou sete lobos ao mesmo tempo, você, sozinho, mas um lobo entre outros, junto com cinco ou seis outros lobos. O que é importante no devir-lobo é a posição de massa e, primeiramente, a posição do próprio sujeito em relação à matilha, em relação à multiplicidade-lobo, a maneira de ele aí entrar ou não, a distância a que ele se mantém, a maneira que ele tem de ligar-se ou não à multiplicidade.166

As múltiplas ligações de caminhos que entram e saem uns dos outros

tomaram por partido as idéias de multiplicidade acima conceituadas.

164 Ibid., p. 36.

165 MOSÉ. op cit.

166 DELEUZE; GUATTARI, op. cit., p. 40.

Page 113: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

112

Desta forma, os trechos do projeto com menor sucesso poderão ser

retroalimentados por aqueles melhor resolvidos e consolidados,

modificando-os.

O projeto necessitará de trechos mais movimentados, vinculados com

trechos mais abandonados.

Há uma terrível conseqüência da produção ininterrupta de positividade. Pois, se a negatividade gera a crise e a crítica, a positividade hiperbólica gera a catástrofe, por incapacidade de destilar a crise e a crítica em doses homeopáticas. Toda estrutura que encurrala, que expulsa, que exorciza seus elementos negativos corre o risco de uma catástrofe por reversão total, como todo corpo biológico que encurrala e elimina seus germes, bacilos, parasitas, seus inimigos biológicos, corre o risco da metástase do câncer. Isto é, de uma positividade devoradora das próprias células, ou o risco viral de ser devorado pelos próprios anticorpos, que passam a não ter uso. Todo aquele que expurga sua parte maldita assina sua própria sentença de morte. Eis o teorema da parte maldita.167

O início e o final de cada trecho não serão as partes mais

importantes e por vezes nem mesmo serão demarcados de forma abrupta.

O que assim se pretende é que o caminhante mais distraído nem

perceba o baque de espaços fragmentados. A paisagem muda conforme o

olhar do caminhante muda e não conforme a vontade do proponente do

caminho.

167 BAUDRILLARD, Jean. The Transparency of Ev il. London: Verso, 1993 p. 106.In TEIXEIRA, Carlos M. Em Obras: História do Vazio em Belo Horizonte. São Paulo: Cosac & Naify; 1999. p. 116.

Page 114: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

113

6.6.6.6. O LHARES SO BRE O PATRIMÔNIO AGRO INDUSTRIALO LHARES SO BRE O PATRIMÔNIO AGRO INDUSTRIALO LHARES SO BRE O PATRIMÔNIO AGRO INDUSTRIALO LHARES SO BRE O PATRIMÔNIO AGRO INDUSTRIAL

É então que eu aprecio a beleza e a glória da arquitetura, que nunca se recolhe, mas que está sempre do lado de fora, erguida, montando guarda aos que dormem.

Henry David Thoreau

Da mesma maneira que tanto a região quanto o projeto estão

carregados de situações de fronteira entre o sim e o não, um aspecto-

chave disso está intimamente ligado ao Patrimônio Agroindustrial.

Concebido como objeto nem da cidade e nem do campo, os

estabelecimentos e entidades agroindustriais foram referência

constante no Brasil desde sempre. Todos os chamados “ciclos

econômicos” brasileiros foram vividos em realidades agroindustriais.

As próprias Grandes Navegações que culminaram com a chegada dos

portugueses no Brasil, passando pelo extrativismo de madeiras e

gêneros primários, pelas grandes fazendas canavieiras, as expedições

bandeirantes, a busca e extração de ouro e outros metais preciosos, o

ciclo da borracha, do gado e do café podem ser compreendidos pela

perspectiva do agroindustrial.

Percorrendo uma linha entre o não-industrial e o artesanal, entre a

larga escala e o ajuste fino, não pertencentes ao reino urbano e

alienígena ao rural, essas atividades deixaram impactos físicos e

imateriais muito fortes, configurando-se o que pode ser chamado de

patrimônio.

Seja porque às vezes passa distante dos olhos dos urbanos ou por não

alcançar o estranhamento dos rurais ou por poucas vezes apresentar

Page 115: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

114

uma beleza plástica habitual, o patrimônio agroindustrial é um

assunto pouco discutido.

Tomando como exemplo a escala material, ele denota um misto de

adaptações populares com elementos industriais; ele existe entre

projeto e improviso.

E por isso mesmo, talvez a maior importância desse patrimônio esteja

nas menores escalas. Percorrendo fazendas abandonas e perdidas

pelas zonas rurais triangulinas, depara-se com fabriquetas

domésticas de doces, produtores de queijos, alambiques ativos e

abandonados, rodas d’água que geravam força motriz, canais de

irrigação, açudes, casas de farinha, maquinários e ferramentas tão

interessantes por vezes abandonadas. E aí uma atividade curiosa cabe

ao forasteiro: tentar compreender como a coisa funcionava, percebendo

que cada detalhe tem um motivo de existir e que deve ter gasto um

tempo para ser idealizado, construído, implantado, testado,

aperfeiçoado.

Representam realidades que moldaram épocas que explicam muito da

atualidade. Resgatá-las e reconduzi-las à luz das comunidades pode

trazer identidade, gerar indagações, promover qualidade, aproximando

mais os habitantes do seu próprio lugar:

O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoados por sistemas de ações igualmente imbuídas de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes168.

As ferrovias também nasceram como um sistema agroindustrial. Seja na

Inglaterra mineradora de onde vieram, seja no Brasil agroexportador

onde se estabeleceram, deixaram um rastro impossível de ser

desvinculado do cotidiano por onde passaram. Mesmo nos lugares onde 168 SANTOS, Milton. Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

Page 116: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

115

foram erradicadas, elas promoveram um intercâmbio de idéias muito

mais eficiente e palpável do que nunca. Nos tempos coloniais, por

exemplo, os ideais da Revolução Francesa chegaram tímidos e

passaram boa parte do tempo restrito às discussões intelectuais dos

que tinham acesso. Porém, durante a era ferroviária, o intercâmbio

Brasil-Europa corria de forma muito mais rápida. A formação das

primeiras organizações sindicais, conquistas de direitos

trabalhistas, idéias de outras formas de governo e de modos de

produção diferentes se espalhavam rapidamente. No Brasil, apareceram

primeiramente entre a roda de ferroviários, quase que ao mesmo tempo

em que surgiam na Europa.

Mas a relação humana com a ferrovia não abarcava somente aspectos

tão secos assim, e talvez sua face mais conhecida e quiçá a mais

bonita seja mesmo a poética vinculada ao cotidiano ferroviário. Era

um trabalho que não envolvia somente o trabalhador individualizado

com outros trabalhadores individuais dentro de um espaço patronal,

como acontece hoje: a realidade ferroviária incluía as famílias, que

se relacionavam e se ajudavam umas às outras de tal forma que seja

muito comum encontrar quem se refira a esses trabalhadores como uma

“família ferroviária”. Quando a ferrovia desapareceu, morreu junto

essa conexão, um respiro que tanto parece fazer falta a essas

famílias ferroviárias hoje em dia. Talvez aí esteja a explicação de

se encontrar tão facilmente tons de nostalgia nas palavras e

lembranças deles.

Essa mesma falta de saber a que mundo se pertence parece ocorrer com

vários grupos sociais, antes reunidos em torno de ofícios que

desapareceram ou que não desfrutam mais do prestígio que já tiveram:

O homem cotidiano, no limiar do século XXI, encontra-se à procura de uma identidade onde o nostálgico se ergue como uma arma para sua manutenção, numa sociedade

Page 117: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

116

industrial e do consumo. Essa identidade encontra-se perdida ou em vias de entrar no esquecimento, por parte dos que hoje ainda se identificam com ela. Podemos dizer que os frutos da modernidade embriagaram as culturas locais com estilos de vida que, aos poucos, demonstraram a necessidade de adaptações. Diante de todas essas transformações e necessidade de adaptações, trazidas pelo processo industrial, que exalta o urbano, faz-se necessário refletir a respeito da vida cotidiana, no espaço rural. Desse modo, decifrar e mostrar os modos de produção e as relações sociais, envolvidos nesse processo, permitiu-nos conhecer a comunidade rural do Fundão169

As palavras de Borges deixam claro que se pôde melhor conhecer a

comunidade do Fundão ao tempo em que se conseguiu decifrar os modos,

processos e relações da comunidade desse espaço rural.Tendo isso em

conta, o projeto pretende criar um Memorial do Patrimônio

Agroindustrial, um equipamento que funcione como tradutor e auxílio

a esse decifrar a que se refere Borges. Um lugar que não se limitasse

a mero repositório de objetos e memórias, mas que pudesse também

mediar a compreensão das relações que existem além dos próprios

objetos físicos. Esse memorial será melhor descrito no capítulo

seguinte.

Comprovou-se que a região do projeto é completamente impregnada de

patrimônios agroindustriais, ainda que não haja maiores cuidados ou

estudos nesse aspecto. Desde a época da ocupação, dos tempos de

escravidão e conflitos com os indígenas, da Tenda dos Morenos170,

passando pelo período de construção das ferrovias, estradas e portos,

da operação das olarias, da agricultura e pecuária, da escola

agrotécnica, tudo isso carrega consigo brilhos que podem ser

resgatados e traduzidos em mais riqueza cultural, num âmbito que

hoje se acha interrompido.

169 BORGES, op. cit., p. 74.

170 Localidade uberlandense no Vale do rio Araguari, surgida no período de ocupação do território, onde se

praticav a o of ício de f erreiro.

Page 118: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

117

No mais, no trabalho há várias ironias e uma delas reside no fato de

que foi o campo é que originou a cidade. Porém, parece que a cidade se

reinventou e agora procura resgatar o campo, em busca de escoras

para ela própria. Esse processo de reciprocidade é infinito e

dialético.

Os bens físicos realizados como suporte para as atividades

agroindustriais, quando não foram feitos por iniciativa sertaneja e

vernacular, esteve muito mais ligado ao ofício dos engenheiros do

que dos arquitetos. Procuravam contemplar as demandas funcionais

afinal o objetivo era esse. Até mesmo as próprias estações de trem, no

início, procuravam atender muito mais às demandas funcionais do que

as estéticas, buscadas mais nos tempos de ouro da ferrovia. Quando há

uma decadência da atividade ferroviária, as estações tornam a ser

mais funcionais do que estéticas.Essa característica demonstra que

esses bens carregam pelo menos duas vias importantes de degradação:

quando há perda da viabilidade econômica e quando há a descoberta

de novas técnicas de produção. E desta forma fica caracterizada a

volatilidade dos saberes relacionados à atividade produtiva: quando

os bens físicos são desativados, há perda de patrimônio imaterial,

como os métodos utilizados naquele trabalho, ainda que haja uma

simples atualização de maquinários.

Desta forma, por ser considerada uma característica natural da

atividade cabe intenso debate sobre a forma de serem aplicadas as

ações de preservação: assumir a perda como característica intrínseca

dos patrimônios agroindustriais ou busca resgatar atividades que já

não existem vivas para aquelas comunidades. Talvez a solução,

diferente para cada caso, esteja mais uma vez, em algum caminho entre

os dois extremos.

Page 119: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

118

7.7.7.7. ASPECTO S DO PRO JETOASPECTO S DO PRO JETOASPECTO S DO PRO JETOASPECTO S DO PRO JETO

[...] E as estações hoje estão cheias de nossos próprios fantasmas.

Isa Musa de Noronha

A região escolhida para o projeto possui, como visto, uma história

bastante singular. Seja pelas nuanças dessa mesma história, seja

pelas características físicas e psicológicas do lugar, não se pôde

buscar regiões exatamente definidas no projeto, da mesma forma como

não se fez com a região de estudo. Ao contrário, no projeto buscou-se

fazer intervenções pontuais em zonas consideradas de

entrelaçamento, deixando o espaço entre esses pontos mais livre para

atividades e percursos escolhidos pelos usuários. É precisamente

essas partes, entre as regiões de intervenção, é que serão as de maior

interesse de estudo. Essas não serão diretamente intervidas. Somente

para aquelas é que foi projetado paisagismo adequado, iluminação em

escala apropriada, pavimentação e outras infraestruturas, como

demonstrado a seguir.

7.17.17.17.1 LeitoLeitoLeitoLeito A primeira premissa, talvez a norteadora de todas as outras, foi

buscar uma solução que aproveitasse o próprio leito da linha

ferroviária desativada, tendo em mente a importância histórico-

cultural já abordada. Um leito ferroviário é um chão sagrado que

deve ser respeitado e levado em consideração em qualquer

reformulação ou ocupação urbana. Esse aspecto procurou ser

levantado e demonstrado no decorrer deste trabalho, porém o maior

aspecto, o afetivo, não pode ser satisfatoriamente descrito ou

racionalmente analisado já que “em nossos corações há trilhos

abandonados, há saudades...dormentes (que belo nome para aquela

serventia da madeira...dormente...) Será que dorme o dormente? Não sei. A

Page 120: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

119

saudade não dorme.”171

E outra premissa foi tentar garantir com que o uso desse leito fosse

realizado de modo não-degradativo e que o próprio uso já

demonstrasse a influência ferroviária. Restaurá-la como caminho

poderá contemplar esse quesito ao mesmo tempo em que consistirá

numa proposta de intervenção completamente reversível, caso

futuramente existir tecnologia ou projetos que façam usos mais

adequados ao leito.

A proposta é que se faça a recuperação e estabilização dos poucos

aterros que necessitarem, reconstrução ou limpeza de bueiros e

canaletas de escoamento pluvial, regularização do pavimento nas

áreas onde for necessário, tomando o cuidado para não remover

árvores e outras vegetações de interesse.

Para o leito é importante que tenha uma linguagem de projeto única,

com intenção de dar unidade para esse caminho, sem interrupções172. E

isso será resolvido com a colocação de pedra britada de basalto nº3,173

que é o diâmetro médio original da brita do leito, compactada sobre a

superfície de terra. Por via das dúvidas, antes desses trabalhos será

necessário fazer estudos de arqueologia com a intenção de gerar

inventário cuidadoso e de evitar a perda de peças importantes.

7.27.27.27.2 A s EstradasA s EstradasA s EstradasA s Estradas----ParqueParqueParqueParque ---- EPEPEPEP

Usando o mecanismo oposto ao das vias expressas, onde há rapidez de

deslocamento, onde há placas e caminhos bem delimitados e onde o

tempo é uma constante indesejável, o projeto foi pensado buscando o

mínimo possível da utilização de veículos automotores particulares.

171 NORONHA, Isa Musa de. Uma Vida na Linha: Memórias da Rêde Mineira de Viação. Belo Horizonte: Belo

Horizonte, 2005. p. 21. 172 As únicas interrupções prev istas para o leito original são os dois pontos de cruzamento em nív el com a

f errov ia ativa, além do próprio rio Araguari. 173 Diâmetro de até 70mm.

Page 121: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

120

A cada uma dessas regiões de intervenção é possível que se chegue

também utilizando carros ou motos. Para isso foi prevista a

transformação de algumas estradas rurais em “Estradas-Parque” (EP).

Elas se diferem de uma estrada rural comum somente pelo regime de

uso proposto para finais de semana e datas específicas, quando

somente veículos de pequeno porte poderão circular. Os veículos de

maior porte que necessitarem trafegar deverão tomar rotas

alternativas, sem grandes problemas. Porém, as duas estradas-parque

(a que percorre a zona rural de Araguari e a que percorre a zona

rural de Uberlândia) servem apenas para dar acesso às áreas de

intervenção, não sendo portanto, vias para que se visite todas as

regiões de intervenção. Por este motivo, as duas EP não são

interligadas.

A estrada-parque dá acesso à determinada área de intervenção, porém

a partir dessas regiões alguns dos atrativos só são acessíveis ao

pedestre ou ao ciclista, conforme é descrito a seguir.

7.37.37.37.3 A s Regiões de Intervenção.A s Regiões de Intervenção.A s Regiões de Intervenção.A s Regiões de Intervenção.

Além do próprio caminho ferroviário, o projeto prevê 14 dessas

regiões de intervenção, justamente onde o leito ferroviário

erradicado cruza estradas rurais, a ferrovia ativa ou o rio Araguari.

Porém, para o estudo acadêmico apenas quatro dessas áreas foram

detalhadas. São elas: a nº1, que é a região do Km 779,4174, chamada aqui

no projeto de “Fazendinha” devido à proximidade com a homônima

chácara dos padres; a nº2, no km 777,4 escolhida para demonstrar como

funcionará a relação entre duas áreas de projeto consecutivas. Foi

chamada de “Desamparo” por estar nas proximidades das nascentes do

córrego do Desamparo e por ser a parada mais próxima das cachoeiras

174 Vide “Análise Descritiv a do Percurso Araguari a Uberlândia” a seguir.

Page 122: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

121

do Desamparo; a nº7, na estação Stevenson Nova, km 765,6 escolhida por

ser uma região onde o leito velho cruza com o leito ativo; e a região

nº14, nas proximidades da antiga estação do Giló, escolhida por ser a

única área de projeto inserida num contexto urbano, industrial e

onde o leito original ainda está ativo, no km 747,7.

Desta feita, as áreas de intervenção, concebidas como “praças” que

recebem o cruzamento do Leito Erradicado com a Estrada-Parque terão

piso diferenciado para que os veículos automotores trafeguem com

velocidade reduzida. O material indicado para isso foi o basalto, por

ser muito abundante nestas regiões. O próprio leito ferroviário, que

possui bordadura de meio-fio quando cruza as praças, atua como

traffic calming. Para a região de contato entre a área de intervenção

e a EP foi desenhado uma elevação em forma de “membrana”, que foi

chamada de “convite”. Ela serve para que o motorista perceba que está

entrando em uma região especial, o que naturalmente já fará com que

se reduza a velocidade.

FIGURA 29 – Esquema do Convite para a Área de Intervenção.

Page 123: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

122

Para apoio, nestas áreas de cruzamentos há banheiros e bebedouros,

feitos dentro de vagões de carga. Esses banheiros podem ser

construídos de forma variada, já que os vagões também variam muito

de formato. Para as bacias sanitárias, pias e torneiras propõe-se o

uso daquelas feitas de metal, tal como eram as dos banheiros dos

carros de passageiro. O motivo é evitar que as de louça sejam

vandalizadas. Recomenda-se que as caixas d’água não sejam

escondidas, para servir de sinalização. Outros usos podem ser

propostos para vagões, conforme a necessidade.

FIGURA 30 – Vagão transformado em banheiros e bebedouros.

A água para esses banheiros é bombeada por um cata-vento, que

servirá também de torre-mirante e de marco visual. Essas torres,

também feitas de trilhos ferroviários, são colocadas de tal modo que

o observador de cima de uma possa ver a torre da área de intervenção

anterior e a posterior. Elas poderão ter usos variados: a turbina

pode ser usada para gerar eletricidade para equipamentos de baixa

demanda, para transferência de dados, dentre outros usos que poderão

ser propostos. A torre da área nº2, por exemplo, foi realizada prevendo

duas pequenas praças suspensas em níveis distindos, em meio à

floresta.

Page 124: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

123

FIGURA 31 - Torres nº2, nº1 e nº14.

Page 125: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

124

Lewis Mumford, em A Cidade na História, explica que a presença de

vias expressas incentivando cada vez mais o automóvel, acaba por

destruir o “tecido vivo da cidade”. E, seguindo o mesmo raciocínio, os

deslocamentos coletivos para distâncias curtas deveriam basear-se

principalmente no pedestre.

Segundo ele, na medida em que os pedestres vão sendo eliminados do

tecido urbano, há uma degradação da função social das ruas. O espaço

público tende a desaparecer em favor do privado175.

E se é o pedestre um dos fatores de revitalização, a qualidade dela

está ligada à diversidade da qual fala Jane Jacobs176, justificando

aqui uma abordagem plural de conceitos durante a elaboração do

projeto.

Seguindo essa premissa, alguns atrativos são sugeridos por meio de

um Pórtico-Suporte-Totem-Luminária (PSTL). Eles indicam que a região

de “conforto” não é o motor do projeto, convidando o usuário a “sair”

dela, caminhar e permitir se perder. Por meio de trilhos soldados em

forma de pórtico, os PSTL podem ser usados para recortar um trecho da

paisagem, servir de portal setorizando regiões sem delimitá-las,

fornecer iluminação, servir de varal, suporte, sinalização, ponto de

encontro, etc.

Alguns destes podem ser montados em conjuntos, podem girar sobre

trilhos, receberem blocos ópticos alimentados por painéis solares, etc.

175 MUMFORD, Lewis. A Cidade na História: Suas Origens, Transformações e Perspectivas. São Paulo: Martins

Fontes; 1998, p. 550 e 551. 176 JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Page 126: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

125

FIGURA 32 – Perspectiva do PSTL

O ambiente assim criado torna-se um labirinto que toma o nível

desejado pelo usuário. Se se pretende um ambiente labiríntico, ele é

criado. Se não for esse o desejo, então se tornam caminhos triviais.

Porém, como disse Sartre, “é preciso que eu me perca no mundo, que nele

mergulhe, para que o mundo exista e eu possa transcendê-lo” 177.

Além do mais, a intervenção não aborda as estradas em sua

integridade, mas apenas os cruzamentos ou outros pontos que merecem

maiores cuidados.

Essa particularidade de não-dominação da área surgiu de vários

fatores, dentre os quais pode-se citar as proporções enormes dela que,

se fosse tratada integralmente como projeto, fugiria de vários

preceitos descritos aqui, diluindo o caminho ferroviário numa mera

urbanização do ambiente rural.

Enquanto o urbanismo busca a orientação através de mapas e planos, a preocupação do errante estaria mais

177 SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Petrópolis: Vozes, 1997, p.402.

Page 127: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

126

na desorientação, sobretudo em deixar seus condicionamentos urbanos, uma vez que toda a educação do urbanismo está voltada para a questão do se orientar, ou seja, o contrário mesmo do "se perder"178

Ao propor medidas para apenas alguns pequenos trechos da área

escolhida, o projeto tira partido das teorias situacionistas, que

criticam o urbanismo e o planejamento extremamente minucioso. Elas

não vêem com bons olhos o monopólio do urbanista, entendido por elas

como o terrível senhor de todas as variáveis. Elas convidam a uma

construção plural e coletiva da cidade: "Os urbanistas indicam usos

possíveis para o espaço projetado, mas são aqueles que o

experimentam no cotidiano que os atualizam"179

Deste modo, pretende-se que as determinações do projeto poderão ser

revistas, reformuladas e alteradas por outros entes, assumindo que o

projeto não é um produto acabado: as próprias dinâmicas do lugar

poderão direcionar a realização das peças arquitetônicas

necessárias e não-previstas: "são as diferentes ações, apropriações ou

improvisações, dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi

projetado"180

A ressalva são os bens de interesse histórico e naturais e outros

detalhes, que deverão obedecer aos trâmites legais para eventuais

modificações. Esse cuidado deverá ser tomado enquanto a sociedade e

as autoridades de forma geral não despertarem suas consciências,

para que elas próprias elejam e cuidem de seus patrimônios sem a

necessidade de legislação específica. Isso não significa que o

arquiteto se escusa do seu papel, que segundo Paese:

A função dos arquitetos seria reconhecer as necessidades sociais e psicológicas dessas novas comunidades, reavaliar e reciclar as estruturas

178 BERENSTEIN, 2008, op. cit.

179 Ibid.

180 Ibid.

Page 128: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

127

disponíveis. Seria necessário aliar edifícios permanentes com infra-estrutura a fim de resolver os problemas que se apresentavam181.

FIGURA 33 - Vagão de madeira na estação Stevenson Nova - Foto do autor – Março/2009

Agindo dessa maneira também se contribui para a riqueza do espaço,

já que permite uma diversidade de abordagens, tipologias e partidos,

aumentando sobremaneira a variabilidade de públicos. O ganho será

vitalidade para a área. Se o ciclo proposto se fechar, o sistema desta

maneira imaginado tenderá a ser retroalimentado com a própria

riqueza cultural gerada, fazendo com que sua viabilidade esteja

regida por um equilíbrio dinâmico. Afinal, como diziam os

Situacionistas, todos os requisitos para uma vida livre já estão

presentes na cultura e na técnica disponível. O que falta é ser

criativo o suficiente para identificar o problema e mudar o seu

sentido de acordo com seus objetivos.

181 PAESE, op. cit., p. 102.

Page 129: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

128

Uma vez explicados esses cuidados, o principal uso para a cidade

nomádica é o lazer de modo múltiplo, em especial àqueles

relacionados à caminhada e aos deslocamentos não-motorizados. Longe

de disciplinar e recomendar os tipos de atividades e lazeres, o

projeto buscou alcançar a maior diversidade de públicos possíveis,

seja infantil, adulto ou idoso, tentando incluir as variadas classes

sociais em variados horários do dia ou da noite. Também houve

preocupação com a acessibilidade dos portadores de necessidades

especiais, atendendo aos fundamentos que Yázigi apresenta para a

construção de uma civilização182. Porém, infelizmente pela própria

natureza do projeto, talvez nem todos os caminhos sejam acessíveis.

Ainda assim, pelo menos uma ligação até cada equipamento deverá ser

pluralmente acessível.

Para a área nº14 será também desenvolvida uma praça lúdica, com

espaços para brincadeiras, equipamentos desenvolvidos com sucatas

ferroviárias que sejam móveis e produzam sons, que se misturem com

água e que tenham áreas sob o sol e outras sob a sombra. Será

planejada para uso adulto e infantil ao mesmo tempo. Essa praça

lúdica não será desenvolvida neste trabalho e, por estar dentro da

área urbana, aproveitando-se de uma praça estática, que servirá de

atrativo e objeto para despertar curiosidade sobre onde tais

caminhos poderiam levar os que se dispusessem a percorrê-lo, porém

sem que se faça uma propaganda ou convite explícito, a não ser em

alguma data, comemoração ou situação específica.

Há dificuldade, no entanto, em conciliar e aproveitar tantos

universos da melhor maneira. Nem sempre se consegue um resultado em

que fiquem nítidos os conceitos empregados e como eles influenciaram

na definição e no feitio das diretrizes do projeto.

A importância da presença física dos materiais relacionados à

182 YÁZIGI, op. cit.

Page 130: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

129

estrada de ferro deve servir como ligação que retome as memórias

ferroviárias que o usuário já traga consigo ou, quando elas não

existirem, pelo menos como elemento detonador da curiosidade e da

investigação em relação a ela.

O reaproveitamento de “sucatas” ferroviárias foi uma preocupação

constante. Apesar de que isso já seja um lugar-comum em projetos que

tratem de ferrovia, é uma forma de dar melhor uso aos materiais

acumulados e classificados como sucata ferroviária. Um mobiliário de

ferro também pode ter um formato mais esguio, de acordo com a

proposta de não marcar demais os lugares quando não for esse o

interesse.

FIGURA 34 - Cemitério de material ferroviário da FCA. Apesar de vendidos como sucata, na maior parte das vezes são carregados de importância histórico-cultural – Foto do autor – Fevereiro/2008

Ao mesmo tempo, as sucatas ferroviárias também podem servir de

marcos visuais quando necessário, podendo até ser proposto um

“jardim de esculturas ferroviárias”. Os materiais disponíveis em

Page 131: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

130

larga escala pra isso são pregos de linha, trilhos gastos e

dormentes, facilmente tratáveis contra degradação.

Dormentes de madeira podem ser transformados em mobiliário urbano

como bancos e mesas sem grandes custos. Pelas suas dimensões e

resistência, dificilmente serão roubados ou vandalizados. É uma

matéria-prima abundante, já que as ferrovias precisam de 1700 a 2000

peças de dormentes por quilômetro em média, trocados a intervalos de

20 anos na nossa região. Da mesma forma, as barras de trilhos

possuem vida útil semelhante, depois da qual devem ser trocados e

poderão ser aproveitados no projeto deste parque linear.

FIGURA 35 - Esquema de aplicação de dormentes no mobiliário do Parque.

Dessa maneira, o leito histórico poderá ter tratamento museológico

interessante, também ele uma ferramenta de reintegração das

particularidades do seu entorno e de promoção ao intercâmbio entre

as duas cidades.

Page 132: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

131

Durante as andanças percorrendo o leito erradicado, desvendando

seus percursos, tentando buscar subsídios para compreender por onde

passava o trem de ferro encontrou-se objetos esquecidos desde os

tempos em que o trem corria. São coisas que ajudam a contar várias

histórias, tais como a do telégrafo, como os isoladores de linha; ou

objetos que contam como era a manutenção ferroviária, como por

exemplo, os pregos de linha, deparando-se com vários modelos e

tamanhos diferentes; moedas, restos de louças, vidros e frascos também

são encontrados. Aparentam contar com certa idade, haja vista que

quase sempre foram encontrados em locais onde dificilmente alguém

passaria atualmente. O último trem passou há quase 40 anos. A

presença da brita que formava o lastro ferroviário183 muitas vezes

impede o crescimento de vegetação em alguns locais, mas onde ela foi

removida não há tanta facilidade assim para encontra-los. Esses

objetos podem, eventualmente, serem reunidos para integrar um acervo

do Memorial do Patrimônio Agroindustrial.

FIGURA 36 – Uma pequena parte dos objetos encontrados no leito desativado - Foto do autor

183 Vide glossário.

Page 133: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

132

Sobre o Memorial, a proposta é que se use o prédio da estação

Stevenson Nova. Ela foi construída em 1969 de acordo com projeto-

modular-padrão do Batalhão Ferroviário. Porém, foi a única da

Mogiana construída pelo Batalhão. Até onde as pesquisas puderam

alcançar, foi a única feita por um órgão federal para uma empresa

não-governamental. Permaneceu razoavelmente intacta até os

primeiros anos do Século XXI.

Com o avanço das tecnologias de tráfego e das comunicações, não era

mais necessário que se designasse uma pessoa responsável pelas

chaves184 do pátio das estações isoladas e em especial, a Stevenson

Nova, que já era usada somente para o cruzamento entre trens que

vinham de Uberlândia com os que vinham de Araguari. Com a

instalação das chaves-de-mola185 e consequente automatização do

processo de cruzamento, o prédio foi fechado e hoje encontra-se

vandalizado. Os trilhos porém permanecem em pleno uso. A estação fica

numa esplanada entre dois cortes. Da sua plataforma é possível ver a

Igrejinha e o viaduto do Fundão.

Transformá-la em Memorial do Patrimônio Agroindustrial poderá

garantir sua conservação até que o transporte ferroviário de

passageiros aconteça entre Uberlândia e Araguari. E então, a

utilização do Memorial não entrará em conflito com a reativação dos

usos de embarque/desembarque. Ao contrário, fará com que o prédio

tenha o seu uso original devolvido ao mesmo tempo em que esse uso

ferroviário seja mais uma causa genuína para o Memorial,

potencializando-o. Além do prédio da estação, há duas casas da vila

ferroviária, além de um bloco onde há alojamento, cozinha com fogão

de lenha, uma sala e banheiros, que poderão ser recuperados e

integrar o projeto de apoio ao Memorial. 184 Vide glossário.

185 Vide glossário.

Page 134: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

133

Do pasto gramado que fica logo atrás do prédio, por ser em cota

superior, avista-se a represa no rio Araguari. É local para se

contemplar um belo pôr-do-sol. Pelo panorama que se tem deste ponto,

localizado entre o leito velho e o novo foi proposta a construção de

uma estrutura metálica, aproveitando-se de trilhos já usados,

chmadado de “Pavilhão Stevenson”. O partido é circular, porque esta

foi a forma geométrica encontrada que enquadraria menos a paisagem

ao redor para o observador que estivesse dentro do pavilhão. A forma

circular foi um modo de homenagear a “técnica”. Além disso, a roda

alada é um símbolo da viação. E por este motivo, o pavilhão pode ser

comparado à ela, fazendo a ligação entre a Terra/o profano/o humano

(roda) e o Céu/o divino/o adiante (asas).

FIGURA 37 – Perspectiva do Pavilhão Stevenson

Não foi previsto paredes, cobertura ou divisões, para que se fruísse o

“externo” o tempo todo, incluindo o belo céu noturno da região fora

das cidades. Mas isso não impede que a estrutura possa receber

intervenções provisórias para atividades que delas necessitarem.

Page 135: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

134

Estação Stevenson Nova em Jan/1999

Foto do autor

Estação Stevenson Nova em Abril/20 0 9

Foto do autor

QUADRO 3 – Comparações do estado físico do prédio ao longo dos anos

Os usos noturnos podem ser possíveis e bastantes desejáveis. Um

exemplo está nas atividades de astronomia, já que em Araguari há um

observatório astronômico que foi construído há muitos anos no

antigo Regina Pacis, o colégio interno criado pelos padres

holandeses na década de 1920 . No prédio atualmente funciona a

Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) que não demonstra

muito interesse no assunto e o equipamento permanece desativado. Em

Uberlândia também há um observatório particular que incentiva a

prática da astronomia, que porém sofre com o excesso de luminosidade

da cidade, problema que só tende a aumentar.

Outro uso noturno possível é a observação de fauna. Uberlândia

dispõe de um clube de observadores de aves desde 1999. Outros podem

ser criados e mais atividades relacionadas podem ser propostas.

Outras alternativas mais espontâneas, como simples observação do céu,

luais e atividades semelhantes também devem ser incentivados. A

fruição da noite também consiste em uma prática oposta à da cidade:

apesar de intensamente ativa também em horário noturno, a cidade não

frui a noite, só inventa um dia dentro dela, com suas luzes e sons

típicos. O silêncio e o escuro também devem ser parte das experiências

do caminhante, afinal o dia e o ruído também escondem parte

Page 136: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

135

fundamental do mundo.

Devido à curta distância e um traçado com declividades suaves186,

torna-se possível e desejável o deslocamento cicloviário entre

Araguari e Uberlândia, num ambiente praticamente sem poluição.

Existem grandes grupos de ciclistas tanto em Araguari quanto em

Uberlândia que usam a região do rio Araguari para suas atividades,

mas como não há integração entre elas, cada grupo usa apenas a sua

metade do vale. A rodovia BR-050 , onde há uma ponte ligando os dois

lados do vale, é ambiente inóspito para ciclistas e pedestres. O

potencial de uso existe, mas encontra-se represado.

A Ponte do A (ponte ferroviária atual sobre o rio Araguari) foi

inaugurada em 1971 e está em um local de muita beleza. Ela foi feita

no quilômetro 666 da Mogiana, em forma de “s”. Dois pilares centrais

inclinados, que formaram a letra “A” evitaram que um pilar central

fosse feito na porção central do leito fluvial, bastante profundo

nesse ponto. Além do rio, ela também cruzava com o leito ferroviário

velho, que passava sob ela.

Nas proximidades ainda existem os pilares recém-submersos da ponte

antiga. Uma nova pode ser proposta sobre os pilares antigos para

reestabelecer a ligação física entre os dois lados do vale, mas com a

preocupação de que o uso seja somente para pedestres e ciclistas.

Todavia, a presença física dessa ponte não pode ser empecilho à

navegação, ainda que esta aconteça só esporadicamente.

Propor que essa ponte seja feita sobre os pilares antigos se

186 Rampas suav es são restrições técnicas das f errov ias. As rampas máximas ideais são até 1%, porém

considera-se aceitáv eis rampas de até 2%. Ferrov ias brasileiras mais antigas possuem rampas até mesmo acima de 3%. Acima de 4% a aderência entre as rodas e os trilhos f ica inv iáv el, sendo necessário o uso de recursos tais como as cremalheiras e f uniculares. Porém, mesmo essas inclinações são bem lev es para ativ idades ciclísticas ou de caminhada.

Page 137: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

136

justificam tanto por tornar a dar uso aos pilares de pedra, feitos em

1896, quanto por eles se situarem no ponto geograficamente mais

favorável: o que reúne o antigo leito ferroviário dos dois lados do

rio. Outra vantagem na construção da ponte nesse local se deve a

questões paisagísticas, já que seria desejável que a ponte a ser

construída não interferisse nas visadas da Ponte do A, a ponte atual.

Os pilares da ponte velha distam mais de 600 metros da Ponte do A,

distância suficiente para que a passagem proposta não interfira na

existente. Por questões de segurança, na Ponte do A é proibido o

trânsito de pedestres e para qualquer outro tráfego que não seja o

ferroviário.

O QUADRO 4 mostra a ferrovia na região do rio Araguari:

Foto: construção da Ponte do A , vendo-se a

antiga ponte metálica ao fundo. Uberlândia

está à esquerda e Araguari à direita, com a

forte serra que a ferrovia tinha que

enfrentar. Acervo de Johannes Jacob Smit

Foto: construção da Ponte do A , vendo-se a

antiga ponte metálica em primeiro plano.

Uberlândia está à direita e Araguari à

esquerda.

Acervo de Johannes Jacob Smit

Page 138: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

137

Ponte do A e o rio antes de ser represado.

Foto do autor – 27/Jul/2005

Pilares da ponte velha em primeiro plano. Ao

fundo, a atual ponte ferroviária – 27/Jul/2005

Ponte recebendo serviços de

manutenção– Foto do autor– 14/set/20 0 6

Ponte do A com a represa já consolidada

Foto do autor - Agosto/20 0 9

Pilares da ponte velha

vistos da atual ponte, antes

da construção da represa e a

floresta intacta – Foto do

autor – 0 8/Abr/20 0 2

Pilares da ponte velha

vistos da atual ponte,

antes da construção da

represa e desmatamento

da floresta – Foto do

autor – 14/Set/20 0 6

Pilares da ponte velha

vistos da atual ponte,

depois da consolidação

da represa – Foto do

autor – 25/Nov/20 0 6

QUADRO 4 – Panoramas da ferrovia às margens do rio Araguari

Page 139: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

138

Por estar em uma região pouco povoada, mas com potencial turístico

extraordinário e pouco conhecido, outra premissa foi tentar

controlar os fluxos de veículos automotores que pudessem degradar a

região do projeto. Ao mesmo tempo, buscou-se abrir caminhos para o

caráter multifuncional da área, podendo ela ser usada como rota

turística e como instrumento regenerador de vocações da área

anteriores à implantação do projeto. Incentivar o ciclista, o pedestre

e o transporte ferroviário de passageiros também são medidas

propostas que se conectam com a multiplicidade.

Outro fundamento importante é conciliar desenvolvimento econômico

com preservação ambiental, ainda mais em uma área que foi devastada

pela agricultura predatória, pela extração de argila, pela

construção de uma barragem, pela presença de carvoarias que queimam

a mata nativa187 que teve que ser removida devido a represa, de

granjas de porcos e pelo avanço sedutor do plantio de cana-de-

açúcar188.

Ao deixar nítida a importância de um roteiro cultural, com a

presença de pessoas circulando e percebendo as degradações, elas

próprias podem ser também elemento detonador de reflexões

importantes, de fiscalização e responsáveis por trazer o debate à

medida em que esse contato próximo forneça subsídios dinâmicos à

essa preservação, melhores do que qualquer diretriz estática

187 De acordo com a Lei da Mata Atlântica (Lei nº11428 de 22/12/2006), os raros trechos de Floresta Estacional

Semidecidual (Floresta Tropical Subcaducif ólia) fazem parte do bioma da Mata Atlântica. De acordo com documento da Fundação SOS Mata Atlântica/INPE/IBAMA, o município de Araguari tinha 48% de Mata Atlântica. Hoje restam só 10%, dos quais a maior parte é justo às margens do rio Araguari e Paranaíba, intensamente prejudicados pela construção de barragens. Uberlândia soma menos de 1%. FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA. Atlas dos Remanescentes Florestais do Domínio da Mata Atlântica. São Paulo: 2010. 188 As monoculturas representam desaparecimento de grandes extensões de v egetação nativ a, intenso uso de

agrotóxicos, contaminação do solo e da água, perda de biodiv ersidade, pressão econômica sobre pequenos produtores, perda da div ersidade agro-econômica, muitas v ezes, problemas trabalhistas e outros v inculados à mão-de-obra.

Page 140: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

139

definida no projeto.

A redução da ação urbana pelo espetáculo leva a uma perda da corporeidade, os espaços urbanos se tornam simples cenários, sem corpo, espaços desencarnados. Os espaços públicos contemporâneos, cada vez mais privatizados ou não apropriados, nos levam a repensar as relações entre urbanismo e corpo, entre o corpo urbano e o corpo do cidadão, o que abre possibilidades tanto para uma crítica da atual espetacularização urbana quanto para uma pesquisa de outros caminhos pelos errantes urbanos, que passariam a ser os maiores críticos do espetáculo urbano.189

A simples circulação de pessoas é um fator de recuperação primordial:

em Santos-SP, algumas ruas do centro antigo voltaram a ter vida

simplesmente por ter se tornado local de passagem de bondes

turísticos. Os proprietários, por conta própria, investiram na

recuperação dos imóveis, despertando o interesse de outros a fazer o

mesmo, valorizando a área por completo.

Relembre-se que as interconexões múltiplas dos caminhos também

foram um princípio do projeto. Ao definir alguns caminhos, sugerir

várias possibilidades e permitir outros tantos, torna-se humanamente

impossível que o visitante percorra toda a região do projeto em um só

dia. O efeito causado é o contrário do “correr pra dar tempo”: ao invés

dessa angústia, análoga àquela que surge quando o visitante se

depara com um vasto museu próximo do horário de fechamento, o

usuário, ao perceber que será mesmo impossível ver tudo de uma vez

só, poderá caminhar com mais tranquilidade, fazendo somente o

caminho que tiver interesse, no tempo que julgar agradável.

Os múltiplos pontos focais do projeto são pulverizados, o que

equilibra a sensação de lugar ermo com interesse de chegar até um

189 BERENSTEIN, 2008. op. cit.

Page 141: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

140

ponto focal, e de lá, poder escolher outro ou não:

O nomadismo traz a liberdade de explorar, ampliar horizontes e de poder voltar para casa, com a sensação gratificante de ter saciado mais uma vez a fome de mundo. O caminho, onde vida acontece, é o palco das descobertas e da renovação do possível, da quebra e da criação de paradigmas. Caminhando, o homem recria seu mundo todos os dias e reinventa possibilidades. Percorrendo os caminhos da Nova Babilônia, tudo é possível190.

FIGURA 38 - Praça da Área de Intervenção nº1

190 PAESE, op. cit.,p. 164.

Page 142: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

141

7.47.47.47.4 Análise Descritiva do Percurso Araguari a UberlândiaAnálise Descritiva do Percurso Araguari a UberlândiaAnálise Descritiva do Percurso Araguari a UberlândiaAnálise Descritiva do Percurso Araguari a Uberlândia O trem que partia de Araguari rumo a Uberlândia deixava a estação

que outrora existia no final da atual avenida Batalhão Mauá,

tomando o rumo sul. A estação ficava no Km 783,8 contígua à estação da

EFG, ainda existente. O Leito Ferroviário Erradicado (LFE) passava

onde hoje se encontra a dita avenida, percorrendo a parte alta do

vale do córrego Brejo Alegre, vendo-se a leste a parte mais antiga da

cidade de Araguari, dos dois lados do córrego. Passando em frente à

antiga chácara Sinhazinha no Km 782,2 ainda hoje existente,

encontrava a região das nascentes do mesmo córrego. Um pouco mais a

frente, deixava o leito da avenida Batalhão Mauá, indo em direção à

atual 2ª Cia do 2º Batalhão Ferroviário, alcançando o vale esquerdo

de uma das nascentes do Córrego do Desamparo. O vale se aprofunda

abruptamente nesta região, que foi muito erodida nos anos 1990 . A

antiga mata do Desamparo foi parcialmente ocupada por dois clubes

de lazer: na margem direita (margem oeste), mais bem cuidada, encontra-

se o Clube Quero-Quero, para oficiais do Exército Brasileiro. Na

margem esquerda, já muito urbanizada, fica o Clube Recanto do Galo.

Vê-se a ponte ferroviária do Quero-Quero construída em 1984, em outra

ferrovia (a EF-045 que liga Araguari em direção ao Porto de Vitória),

portanto quando o leito original da Mogiana já tinha sido

erradicado. A ferrovia continuava num suave declive, aproveitando

para isso a margem do córrego do Desamparo. No Km 780 ,7 cruza a atual

EF-045, limite do perímetro urbano e de onde é possível observar boa

parte do vale do rio Araguari. De noite é possível ver as luzes do

distrito uberlandense de Cruzeiro dos Peixotos. A ferrovia penetrava

onde há pouco tempo havia cerrado e agora há plantações de tomate. O

LFE ainda é identificável, seja pelo lastro ferroviário às vezes

presente, seja pelo ligeiro aplainamento do terreno. O declive

continua e a altura da vegetação vai gradativamente aumentando,

Page 143: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

142

como sinal possível de água mais próxima da superfície do terreno

encascalhado. O declive começa a ficar mais abrupto, o que obrigou

que o LFE fizesse uma considerável curva em direção a leste. Chega-se

então na primeira área de intervenção proposta, no Km 779,4. Nela, a

estrada rural vinda de Araguari em declive cruza com o LFE e

bifurcava, sendo que uma segue em direção à região do Fundão e a

outra continua descendo em direção ao córrego do Desamparo, que

chamaremos aqui de Estrada-Parque de Araguari (EPA), e depois vai

subindo até margear mais uma vez o LFE adiante. Nessa região nº1, o

LFE foi ocupado durante uns 300m por uma terceira estrada para dar

acesso à uma fazenda. Após isso, o LFE volta a não ter nenhum uso,

passando regiões de boa arborização, agora fazendo várias curvas,

como artifício para cruzar mais duas nascentes do córrego Desamparo.

Nessa região, o LFE segue por um aterro e o lastro está em excelentes

condições. Na região da nascente havia uma bonita lagoa, usada para

controlar os fluxos do córrego, que passava sob o LFE na forma de um

bueiro. Atualmente uma erosão nas manilhas fez com que o lago fosse

drenado, porém sem danos perceptíveis ao LFE. Há também renques de

bambu, que tinham função de estabilizar o aterro e hoje fornecem

abundante sombra sobre o LFE. Nas proximidades há pequenas quedas

d’água. Tomando o rumo oeste, após passar por um corte ferroviário de

uns 2 metros de profundidade, chega-se a área de intervenção nº2, no

Km 777,4. Essa região é margeada pela EPA vinda da região nº1 e é

cortada por uma estrada particular. Essa já foi uma região de

extração de cascalho, o que removeu boa parte da exuberante

vegetação local. Mesmo assim, há belos gramados, árvores de grande e

médio porte, além de duas cachoeiras. Após a área nº2 o LFE penetra

numa região de floresta mais densa, até passar por mais uma nascente

do Desamparo, onde ainda há uma belíssima lagoa. A EPA, que vem

descendo cada vez mais desde a área nº2, passa sobre a barragem desta

Page 144: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

143

segunda lagoa e torna a subir forte, para cruzar com o Km 775,6 da LFE

a 500 metros adiante, na região de intervenção nº3, não abordada nesse

trabalho. Nessa região, a estrada rural bifurca, indo encontrar com a

BR-050 a 3 km à leste, em local além do posto da Polícia Rodoviária

Federal. Essa situação fez com que essa estrada se tornasse, no

passado, uma rota de fuga, tornando seu acesso restrito hoje. Mas essa

restrição não afeta a área do LFE ferroviário. A outra estrada da

bifurcação é a EPA, que continua margeando o lado direito dos

trilhos. A paisagem é o topo de platô em pleno cerrado e o LFE segue

em linha reta sobre um pequeno aterro, em direção ao sudoeste,

passando pelo pátio da antiga estação do Angá, já demolida. Dela,

restam apenas a plataforma de embarque de concreto e os alicerces do

pequenino prédio, que ficava entre o LFE e a EPA. Logo adiante, a

estrada parque faz uma curva para leste, cruzando mais uma vez com

o LFE, chegando assim na área de intervenção nº4, no Km 774,5 também

não abordada aqui. Essa área é caracterizada pela presença de

sinais de cortes e aterros de um outro trajeto para o mesmo LFE, numa

cota mais abaixo que, no entanto, parece nunca ter sido utilizado. O

LFE a partir daí vai tomando o rumo leste, saindo assim do vale do

Desamparo e desviando do abrupto declive do vale do Fundão. Ele

cruza a EPA nas nascentes do córrego Angá. É a área de intervenção

nº5, no Km 773,2. Essa região é a borda do platô, onde há uma sede de

fazenda e onde o córrego Angá despenca serra abaixo. De lá é

possível ver o Vale do Fundão, a cidade de Uberlândia e a estação

Stevenson Velha. A estrada bifurca, sendo que uma delas toma a

direção leste e indo encontrar com a BR-050 , para onde se dirige a

quase totalidade do pequeno fluxo desta. A estrada parque, agora bem

pouco utilizada, passa a descer o relevo pedregoso, num corte entre o

paredão e o abismo. O LFE vai serpenteando a região de serra e

floresta fechada, agarrando-se à encosta basáltica, de onde verte

Page 145: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

144

água em alguns pontos. Ele se avizinha à uma grande extração de

basalto ainda ativa, mas que não é visível do leito. Em alguns

trechos onde a vegetação se abre, é possível ver a beleza do vale e a

EPA, muitos metros abaixo. É um trecho bastante isolado, onde não há

vestígios de passagem humana recente. Há também uma cruz de ferro,

sinalizando um possível acidente nos tempos da ferrovia. Acredita-se

que seja esse trecho onde ficava a Rocharia Mattos a que se refere a

escritora Maria Paula Fleury de Godoy no seu relato da viagem do Rio

de Janeiro a Goiás191.

O LFE segue em leve declive até encontrar com a estrada parque no Km

769,6, que sobe até ele mais uma vez. O paredão que ocupava a visada

leste dá lugar à ampla visão do vale do Córrego do Retiro Velho e a

BR-050 a poucos metros e à oeste, vê-se o viaduto do Fundão, na atual

ferrovia para Uberlândia. A estrada rural se divide em várias outras

que dão acesso à ponte e à cachoeira do Fundão, à cachoeira de Santa

Rita e ao Vale do Fundão. Chega-se então à estação Stevenson Velha, o

ícone da área de intervenção nº6. Para esta área, a prefeitura de

Araguari dispõe de projeto realizado em 2006 que prevê um Centro de

Atendimento ao Turista e um restaurante, que receberá tanto aqueles

que chegam via BR-050 quanto os vindos de trem desde a estação

Stevenson Nova, poucos quilômetros adiante. A partir dessa área, o LFE

passa ao lado de um viveiro e depois toma um declive em meio à

recentes plantações de cana. Também é possível ver (e sentir) uma

granja de porcos, instalada recentemente. O LFE se transformou numa

estrada rural, exceto no local onde trinta fornos de carvão foram

feitos para queimar a madeira oriunda da floresta nativa da área

afetada pela barragem de Capim Branco 2. Poucos metros adiante, o LFE

entra em uma região onde a floresta faz um túnel e é possível ver os

trilhos ativos a poucos metros a oeste. Neste trecho, a EPA coincide

191 GODOY, op. cit. Este trecho do livro citado é reproduzido no ANEXO D deste trabalho.

Page 146: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

145

com o LFE. À leste, passa-se do lado de um antigo bebedouro para

animais, que secou provavelmente graças às obras de duplicação da

BR-050 e às novas atividades da propriedade rural vizinha. Logo

adiante aparece o acesso à estação Stevenson Nova, área de

intervenção nº7 no Km 765,9 que será objeto deste trabalho. Neste ponto

o LFE cruza pela primeira vez o leito em atividade, formando então

três estradas paralelas em direção ao rio Araguari: 1) Mais à leste, a

EPA que sobe até ver o rio Araguari e a ponte do A, que é região de

intervenção nº8, a última do lado araguarino, limite máximo da

Estrada-Parque de Araguari; 2) A ferrovia atual, que entra em um corte

ferroviário basáltico e passa sobre a ponte do A, dois quilômetros

adiante. O acesso ao trecho ferroviário em atividade não é permitido

pela empresa concessionária por questão de segurança. 3) O LFE que

desce forte, espremido entre o morro e o rio Araguari. É um dos

trechos mais bonitos de todo o trajeto. Várias curvas de raio reduzido

ajudavam a subida ou a descida dos trens nesse trecho. A floresta faz

boa sombra e inúmeros renques de bambu vão segurando o aterro e

formando arcos ogivais sobre o LFE. A temperatura é bastante

agradável e é a região onde se tem mais facilidade de se avistar

animais da fauna silvestre. Ele continuava até a estação do Preá, com

sua antiga ponte metálica no rio Araguari, que atravessava no Km

760 ,9. Mas hoje o LFE é interrompido pelo lago da barragem de Capim

Branco 2 . As construções ferroviárias foram submersas ou demolidas

pelo empreendimento. Os pilares de cantaria da antiga ponte estão a

poucos metros da linha d’água, sendo possível realizar um projeto

para que uma nova ponte para pedestres e ciclistas seja construída

sobre eles. A partir daí há uma trilha em meio à floresta que chega

até a região de intervenção nº8.

Ela abarca o lado araguarino e uberlandense, porém o acesso de um

lado a outro só será possível para pedestres ou ciclistas. No lado

Page 147: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

146

uberlandense, o leito ferroviário erradicado começa a subir o vale do

rio Araguari, em região de floresta de grande porte e passa sob a

atual ponte ferroviária no Km 760 ,1. Junto dela, mas muitos metros

acima, está a Estrada-Parque de Uberlândia (EPU), que neste trecho se

distancia do LFE. Subindo o vale do rio Araguari, forma-se então

quatro eixos paralelos, que aparecem nesta ordem, de leste a oeste: 1)

o córrego do Sobradinho; 2) O LFE; 3) A ferrovia atual; 4) a EPU, que

antes de chegar na estação de Sobradinho também dá acesso à antiga

Escola Agrotécnica (atual campus Uberlândia do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro – IFTM) e ao

restaurante Recanto das Águas, pontos onde chega o asfalto vindo de

Uberlândia e há ponto de ônibus coletivo urbano.

A estação de Sobradinho é o ponto de intervenção nº 9, no Km 755,3. O

prédio da estação é tombado pelo município de Uberlândia e sua

restauração está em fase final de projeto. O antigo pátio ferroviário

foi transformado em uma lagoa, que se transforma em cachoeiras

poucos metros adiante, no córrego Sobradinho. O LFE continua subindo,

agora de forma mais leve e com vegetação de menor porte. A EPU se

mantém do lado direito do vale do córrego Sobradinho, enquanto que o

LFE, do lado esquerdo. Ele passa por uma região de ruínas esquecidas,

local onde provavelmente houve uma pequena vila e uma cachoeira,

com vestígios de usina geradora de eletricidade. Um braço da EPU dá

acesso a essa região no Km 754,2 que será a região de intervenção nº10 .

A partir dela, o LFE segue por um trajeto sem grandes alterações em

meio ao cerrado até chegar à região de intervenção nº11, ponto em que

o LFE passa a coincidir com a EPU, Km 752,9. A partir daí a vegetação

forma uma mata ciliar para o LFE, que serpenteia região de nascentes

e de extração de basalto. Essas jazidas, ao serem extintas, poderão

ser objeto de projetos para dar mais atração para a região de

intervenção nº12, no Km 751,5. Mais a frente chega-se na região de

Page 148: Parque Linear Leito Ferroviário Erradicado Mogiana

147

intervenção nº13, no Km 749,6, onde há um pequeno córrego e uma antiga

casa de turma, já parcialmente demolida. Ela é o ponto em que o LFE

toma sentido leste, de onde é possível ver o vale do rio Araguari e a

Ponte do Fundão, muitos quilômetros ao longe. Também há ruínas de

construções rurais que ficavam às margens dos trilhos. Os sinais da

mancha urbana de Uberlândia já começam a aparecer, como uma torre de

telefonia e um local de descarte irregular de entulhos e de lixo.

Nesse ponto, a EPU se separa do LFE, que entra em cerrado fechado, até

chegar ao local onde ficava a antiga estação do Giló no Km 747,7,

ponto onde o leito velho deixa de ser erradicado, para servir ao

distrito industrial de Uberlândia. É o ponto de intervenção nº 14, uma

região bastante industrializada às margens do Anel Viário de

Uberlândia. Continuando pelo leito antigo, agora operacional, segue

em linha reta, em suave declive, até transpor o viaduto sobre o anel

viário. A ferrovia cruza em nível com a Avenida José Andraus Gassani

no Km 745,0 e poucos metros depois encontra com o ramal ferroviário

construído nos anos 1970 para ligar o leito antigo à estação nova de

Uberlândia. É a direção obrigatória que os trens devem tomar para

seguir viagem. Porém, seguindo pelo leito velho, ele continua

operacional por algumas centenas de metros até alcançar o Porto Seco

do Cerrado, gerido pela Vale. Depois dele, o leito é interrompido. Ele

continua com trilhos, porém não operacionais. Pelas reformulações da

década de 1970 , foram reimplantados no local original, porém sobre um

aterro, possibilitando que fosse feito um viaduto sobre a rua

República Piratini, no Km 743,7. Essa ligação, às margens da rua Dr.

Rofles Cecílio, no bairro Marta Helena, dava acesso a ponto de

abastecimento de derivados de petróleo no bairro Nossa Senhora das

Graças. Porém, como a passagem em nível com a avenida Antônio Thomaz

Ferreira de Rezende causava muitos transtornos, a ferrovia foi

desativada. Ela percorre regiões degradadas, com acúmulo de lixo e

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148

comunidades em situação de risco social entre os bairros de Nossa

Senhora das Graças, Pacaembu e Roosevelt. O último trecho onde os

trilhos ainda são visíveis fica na esquina da rua Curitiba com

Avenida Balaiada, no Km 741,7. A partir daí o leito ferroviário foi

erradicado e substituído pela rua Curitiba, continuando até o

viaduto sobre a BR-365 e chegando na avenida Monsenhor Eduardo. Nela

ainda estão presentes alguns equipamentos que evidenciavam um

pátio ferroviário, como o Moinho Sete Irmãos, galpões de uso

ferroviário e a própria largura da avenida, que tem na região quase

40 metros, se somarmos as três pistas e os canteiros centrais. A

ferrovia seguia num suave declive até chegar à atual praça Sérgio

Pacheco, Km 738,6, local onde antes ficava a estação de Uberlândia

original. O trajeto total entre a estação de Araguari e a de

Uberlândia é de 45,2 km, dos quais 31,7 km são os relativos à área de

projeto.

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149

FIGURA 39 - Análise descritiva do percurso Araguari-Uberlândia

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150

8.8.8.8. CO NCLUSÃO E RECO MENDAÇÕESCO NCLUSÃO E RECO MENDAÇÕESCO NCLUSÃO E RECO MENDAÇÕESCO NCLUSÃO E RECO MENDAÇÕES

O povo será sempre bárbaro e bobo. São como bois que precisam de chicote e feno.

Voltaire

Com este trabalho procurou-se demonstrar a importância do simples

ato de caminhar e o quanto ele está relacionado ao conhecimento de

mundo, à reflexão e à busca de coisas não somente físicas. O vagar

físico também pode impelir o vagar das idéias, que poderão trazer

benefícios não somente ao vagante em si, mas de forma generalizada e

em medida tanto maior, quanto melhor for a ligação entre os entes

formadores dessa sociedade.

É claro que não se trata de um trabalho pronto. E o objetivo não foi

valorizar mais a proposta de desenho arquitetônico do que as

próprias discussões que o envolvem.

Demonstrar a importância dos patrimônios históricos e a promoção de

educação patrimonial e ambiental para uma manutenção dos valores

entre a pessoa e o mundo são medidas essenciais. Entrelaçar essas

medidas com propostas que tenham sentido real na vida das

comunidades é papel também do arquiteto, mas que não depende somente

dele:

Os praticantes da cidade, como os errantes urbanos, realmente experimentam os espaços quando os percorrem, e assim lhe dão corpo, e vida, pela simples ação de percorrê-los. Uma experiência corporal, sensorial, não pode ser reduzida a um simples espetáculo, a uma simples imagem ou logotipo. A cidade deixa de ser um simples cenário no momento em que ela é vivida, experimentada. Ela ganha corpo a partir do momento em que ela é praticada, se torna “outro” corpo. Para o errante urbano sua relação com a cidade seria da ordem da incorporação. Seria precisamente desta relação entre o corpo do cidadão e deste outro corpo urbano que poderia surgir uma outra forma de apreensão da cidade, uma outra forma de ação, através da experiência da errância –

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151

desorientada, lenta e incorporada – a ser realizada pelo urbanista errante, que se inspiraria de outros errantes urbanos e, em particular, das experiências realizadas pelos escritores e artistas errantes.192

Outra preocupação relacionada é a que trata do transporte

ferroviário de passageiros. Deseja-se que esse transporte não ocorra

somente no âmbito de turismo esporádico: é urgente e necessário que

se retome essa modalidade de transporte no cotidiano. Duplicar e

replicar rodovias infinitamente, e oferecê-las à cobrança de pedágios

não são propostas que resolverão a questão de transporte. É

necessário que as políticas governamentais mirem uma malha de

modais de transporte diferentes e complementares entre si.

Uma forma de provocar essas mudanças é trazer a discussão e o debate

para o cotidiano real, seja incentivado o desenvolvimento de mais

trabalhos em torno da temática ferroviária como uma alternativa ao

rodoviário. Como foi visto, a distância ideológica entre as

comunidades e a ferrovia trazem prejuízos incalculáveis.

Por último, o projeto de um Memorial Agroindustrial encontra sentido

em florescer e alcançar uma realidade que beira o desprezo à

memória. A proposta é que, ao invés de ser um mero museu repositório e

estático, o Memorial abarque toda a região de projeto podendo enfim,

estabelecer-se como ponto convergente de discussão dos assuntos

patrimoniais. Isso é especialmente oportuno numa realidade de

dificuldades, principalmente em relação às frágeis políticas

governamentais. A instituição do Memorial poderá até interferir nas

demandas de defesa de assuntos ambientais e de patrimônios

culturais, que hoje se demoram em impasses, historicamente só

192 BERENSTEIN, 2008. op. cit.

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resolvidos senão depois de muitos prejuízos e danos irreversíveis a

sociedade. Neste âmbito, refere-se às últimas estações da Mogiana no

Triângulo Mineiro, tais como a do Sobradinho e a Stevenson Velha,

ambas tombadas e em vias de arruinamento, demonstrando a

divergência entre a postura política e a real. Recomenda-se que os

prédios sejam ao menos emergencialmente escorados enquanto se

aguarda a resolução destes embaraços.

Neste sentido, também seria fundamental o aparelhamento de órgãos

como o Ministério Público com técnicos que compreendam melhor a

relação entre comunidades, prefeituras e seus bens culturais.

Enquanto a sociedade não estiver devidamente consciente, não terá

capacidade por si própria de cuidar de seus bens históricos. E desta

forma, é crucial que o Ministério Público entenda que o problema

deverá ser resolvido em favor da comunidade de forma muito mais

ampla e planejada do que a atual permissividade tão cômoda aos

entes envolvidos.

Percebe-se que com o avanço da ocupação do ambiente rural sem o

devido planejamento e fiscalização vem trazendo danos. O crescimento

das cidades sem a infraestrutura básica, como o lançamento de esgoto

doméstico nos córregos que margeiam as cidades193 é um problema que

precisa de urgente solução.

Assim como o patrimônio cultural, o patrimônio ambiental também sai

prejudicado no confronto com grandes empreendimentos capitalistas: a

construção de tantas represas nos rios do Triângulo Mineiro,194 que

seduzem tão facilmente as prefeituras e as comunidades com suas

promessas de centenas de empregos que acabam tão logo o

empreendimento esteja pronto, criam danos severos e permanentes à

193 Araguari, município de mais de 110 mil habitantes lança 100% do seu esgoto doméstico nos córregos que

permeiam a cidade, sem nenhum tratamento até hoje. 194 Usinas do rio Araguari: Pai Joaquim, Nov a Ponte, Miranda, CBE 1 e 2. O rio Grande e o Paranaíba também já

não possuem mais trechos de corredeiras graças às tantas usinas hidrelétricas. A demanda por eletricidade não tende a diminuir tão cedo.

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elas, que às vezes nem se dão conta, já que vivem em um cotidiano

distante, que tanto contrastam com a liberdade e amplidão dos mundos

fora da cidade.

Com este trabalho também se quer demonstrar que os Poderes

Municipais são muito frágeis, despreparados e incapazes de lidar com

demandas estratégicas, de planejamento que abarque um longo prazo

ou que necessitem de entendimentos que fogem aos limites do

município. Os prejuízos advindos dessa característica política

sugerem que eles devessem ter menos autonomia em vários assuntos

aqui demonstrados.195

Na mesma medida, percebe-se que a deteriorização urbana e rural são

reflexos da deteriorização moral de seus habitantes, o que pode ser

em parte suprido por um longo processo de educação de alta

qualidade e valorização cultural. Só assim será possível desmentir a

frase provocativa que abre o capítulo.

195 YÁZIGI, op. cit., p. 231, defende a mesma opinião, demonstrando que os planejamentos devem ter,

obrigatoriamente, uma demanda local e outra estrutural.

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OUTRAS FONTES:

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GLO SSÁRIOGLO SSÁRIOGLO SSÁRIOGLO SSÁRIO

A MVA MVA MVA MV (Aparelho de Mudança de Via):::: Dispositivo utilizado para a mudança de via. Pode ser manual, elétrico ou automático (chave de mola). Vulgarmente é conhecido como “aparelho de desvio” ou “chave”.

Área de Domínio:Área de Domínio:Área de Domínio:Área de Domínio: Área necessária ao bom funcionamento de uma ferrovia, observando as normas de segurança. É definida em metros.

Batelão:Batelão:Batelão:Batelão: Aumentativo de batel. Embarcação robusta, de ferro ou de madeira, fundo chato, com propulsão própria ou sem ela, usada para desembarque ou transbordo de carga..1

Bitola:Bitola:Bitola:Bitola: Distância que separa os trilhos de uma via férrea. Se for menor ou igual à métrica, é chamada de “estreita”. A métrica mede 1,00m e a larga é qualquer bitola maior que a métrica. No Brasil, a bitola larga mais comum é de 1,60m. Bitola “normal”, também chamada de “internacional” ou “padrão” mede 1,435m. No Brasil, é a bitola dos metrôs. A bitola mista é aquela que possibilita, numa mesma via férrea, a passagem de veículos de bitolas diferentes, graças a adição de um terceiro trilho. No Brasil, 80% de todas as linhas existentes estão em bitola métrica.

C asa de TurmaC asa de TurmaC asa de TurmaC asa de Turma: Residência construída pela ferrovia para alojamento de uma família de ferroviários. Essas residências eram construídas às margens da linha, geralmente em número de duas (às vezes geminadas) ou três. Esse pequeno conjunto era chamado de “turma”. Cada conjunto era distribuído no trecho ferroviário, conforme a necessidade operacional, ficando cada turma responsável pela manutenção de metade da linha até a outra turma (pra cada lado da via). Grande parte delas possuía apenas ligação via férrea, situando-se em lugares bem isolados. O objetivo era prestar manutenção rápida aos trens, em caso de necessidade, 24 horas por dia.

C have: C have: C have: C have: Vide A MV.A MV.A MV.A MV.

C MEC MEC MEC MEF:F:F:F: Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, abordada mais detalhadamente na seção de históricos.

C VRD:C VRD:C VRD:C VRD: Companhia Vale do Rio Doce, empresa estatal de mineração que foi privatizada em fins dos anos 1990 e que atualmente mudou seu nome para Vale.

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Descarrilamento ou descarrilhamento:Descarrilamento ou descarrilhamento:Descarrilamento ou descarrilhamento:Descarrilamento ou descarrilhamento: Ocorre quando uma ou mais rodas de um veículo ferroviário acidentalmente saem do rolamento esperado nos trilhos.

Desvio:Desvio:Desvio:Desvio: Uma linha adjacente à principal, ou a outro desvio, destinada aos cruzamentos, ultrapassagens e formação de trens. Podem ser classificados em “ativo”, se tiver AMVs em ambas as extremidades; “morto”, se tiver AMV em apenas uma delas; ou particular, se concedido à esse fim. 2

Dormente:Dormente:Dormente:Dormente: Peça, em geral de madeira, mas que também pode ser metálica ou de concreto, colocada transversalmente à via, e em que se assentam e fixam os trilhos das estradas de ferro.

FC A :FC A :FC A :FC A : Ferrovia Centro-Atlântica, uma das concessionárias da malha ferroviária nacional. É uma subsidiária da Vale, antiga Vale do Rio Doce.

FEPA SA :FEPA SA :FEPA SA :FEPA SA : Ferrovia Paulista S. A. Empresa do Estado de São Paulo, organizada para gerir conjuntamente as ferrovias que foram adquiridas por aquele estado.

Funicular :Funicular :Funicular :Funicular : Sistema de transporte em que a tração do veículo é proporcionada por cabos acionados por motor estacionário, e que freqüentemente se utiliza para vencer grandes diferenças de nível. 1

Garantia de JurosGarantia de JurosGarantia de JurosGarantia de Juros: Devido ao alto risco de investimentos que representava a construção e operação de uma ferrovia, os governos costumavam oferecer uma proteção financeira, geralmente anual e que podia ser calculada em porcentagens do montante total gasto pelas companhias. Essa medida, em teoria, visava atrair investimentos e facilitar a implantação ferroviária. Porém, quase sempre reforçaram a máxima de que o capitalismo socializa os prejuízos e privatiza os lucros.

Lastro:Lastro:Lastro:Lastro: Uma das camadas que formam o leito ferroviário. É a camada de pedra britada (mas que também pode ser de terra em ferrovias com menos recursos), que se coloca sobre a parte terraplanada. Em cima do lastro são assentados os dormentes e, acima deles, os trilhos propriamente ditos. A função principal do lastro é distribuir de forma não-rígida os esforços provenientes da rolagem dos veículos ferroviários.

Linha singela:Linha singela:Linha singela:Linha singela: O mesmo que via simples. Aquela via que não é duplicada.

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LinhaLinhaLinhaLinha----Tronco:Tronco:Tronco:Tronco: A linha de um sistema ferroviário que, em virtude de suas características de circulação, é de maior importância relativa que as demais linhas, e ramais do sistema. 2

Pátio: Pátio: Pátio: Pátio: Sistema local de linhas para a formação de trens, estacionamento de vagões e outras finalidades ferroviárias. 2

Pêra: Pêra: Pêra: Pêra: Linha circular utilizada para a inversão de trens ou de veículos. 2

Ponta de linha Ponta de linha Ponta de linha Ponta de linha (ponta dos trilhos):::: Designação do ponto onde se situa o extremo de uma linha férrea, seja esse ponto temporário (durante a construção da ferrovia) ou definitivo. Cidade onde está situada a última estação. Um caso típico acontecia quando as ferrovias paralisavam suas obras em determinado local. Aquele ponto, muitas vezes um lugar ermo, se desenvolvia economicamente. Mas quando as obras ferroviárias avançavam, essa localidade promissora às vezes desaparecia completamente: todos estabelecimentos se mudavam para a nova ponta de linha. Roncador, às margens do rio Corumbá em Goiás, foi um porto importantíssimo por quase 10 anos, enquanto foi ponta de linha. Quando o porto foi superado por uma ponte, o povoado desapareceu totalmente.

Privilégio de Zona:Privilégio de Zona:Privilégio de Zona:Privilégio de Zona: Termo comumente usado de forma errônea, refere-se ao privilégio de uma área dado a uma ferrovia, dentro da qual não poderia existir outra companhia ferroviária, salvo em cruzamentos ou entroncamentos, conforme concessão do governo. Essa zona era geralmente definida em dezenas de quilômetros para cada lado da via. É usualmente confundido com o termo área de domínioárea de domínioárea de domínioárea de domínio.

Ramal:Ramal:Ramal:Ramal: Linha que tem início em estação ou posto de licenciamento da linha-tronco. 2

RFFSA:RFFSA:RFFSA:RFFSA: Rede Ferroviária Federal S. A. – Empresa estatal de economia mista, que era vinculada ao Ministério dos Transportes. Criada em 1957, chegou a operar 73% do total de linhas férreas nacionais. Em 1992 foi incluída no Programa Nacional de Desestatização, o que foi efetivado 4 anos depois, através de um modelo de concessão por 30 anos, renováveis por mais 30.

SPR : SPR : SPR : SPR : São Paulo Railway – Ferrovia de capital inglês, formada por iniciativa do Barão de Mauá, que ligava o porto de Santos até a cidade de Jundiaí. Em 1946 foi encampada pelo governo federal e se tornou a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí (EFSJ). Em 1957 foi reunida com mais 17 ferrovias para formar a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA).

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Trilho:Trilho:Trilho:Trilho: Cada uma das barras de aço (em geral em número de duas, e paralelas entre si), de formato especial (geralmente de perfil “i” especial, chamado “vignole”), que se prolongam, assentadas e fixadas sobre dormentes. Eles suportam e guiam as rodas dos veículos ferroviários, constituindo assim a superfície de rolamento de uma via férrea. Em Portugal é chamado de “carril”.

Variante:Variante:Variante:Variante: Desvio que, numa estrada, substitui um trecho interrompido ou fornece uma alternativa de outro percurso para o mesmo destino. 1

Via Permanente:Via Permanente:Via Permanente:Via Permanente: Conjunto de terraplenagem, lastro, dormentes e trilhos. Informalmente é sinônimo para o termo “linha”.

1 FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo Aurélio Século XXINovo Aurélio Século XXINovo Aurélio Século XXINovo Aurélio Século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 1999. 2 BRASIL. RFFSA. Regulamento Ger al de O per açõesRegulamento Ger al de O per açõesRegulamento Ger al de O per açõesRegulamento Ger al de O per ações . 1ª edição. RFFSA, 1978.

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ANEXOANEXOANEXOANEXO

A NEXO A A NEXO A A NEXO A A NEXO A –––– Inventário da Estação Stevenson Inventário da Estação Stevenson Inventário da Estação Stevenson Inventário da Estação Stevenson VelhaVelhaVelhaVelha

Divisão do Patrimônio Histórico 1– Município:Araguari/MG 2 – Distrito: Zona Rural / Fundão

3 – Designação: Conjunto da Estação da Stevenson Estação Ferroviária da Stevenson 4 – Endereço: BR 050, Km 769 ou 798, 650 da Linha Catalão (1938)

5 – Proprietário: Masaaki Mitsutake 6 – Responsável: Masaaki Mitsutake

7 – Situação de ocupação: ( x ) própria ( ) alugada ( ) contrato ( ) outros:

9 – Doc. Fotográfica: Foto Digital Filme nº: Fotografo: Data:

8 – Analise de entorno – situação e ambiência O conjunto da Estação da Stevenson é composto da Estação, Casa de Turma, Casa do Funcionário. Situada em um grande platô o conjunto destaca-se na paisagem que atrás das construções é marcada por uma fazenda com vários coqueiros nativos. A paisagem natural é modificada (pasto) predomina no cenário do conjunto.

11 – Uso atual: A Estação está sem uso - abandonada ( ) residência ( ) institucional ( ) industrial ( ) serviço ( ) comercial ( ) outros:

10 Histórico: Época de Construção: inaugurada em 10/02/1927 sem trilhos Construtor: Joaquim Santiago Finalidade da construção: Estação Ferroviária Antigos proprietários: Cia. Mogiana de Estrada de Ferro – FEPASA – Ferrovia Paulista S/A Antigos usos: Estação Modificações (quais, quando, onde): Demolições internas,

modificações nas vergas das janelas (verga reta – arco pleno),

abertura e demolição de peitoris de janela, retirada da cobertura da

plataforma, perda do forro e do piso.

Data: n/c Importância no contexto local: A Estação da Stevenson servia a região do Fundão como entreposto da Cia. Mogiana de Estrada de Ferro, ponto de parada de passageiros e carga, polarizava e desenvolvia a região do Fundão e era a parada mais próxima do município de Araguari.

Abastecimento de água: Não Existe Eletricidade: Não Existe Esgoto: Não Existe Transporte:Inter municipal – linha Araguari/Uberlandia Escola: ? Assistência médica: Não Existe Calçamento de vias: Br – 050 acesso ao conjunto / não pavimentado pasto Entrevistador: Data: Entrevistado: Data:

12 – Descrição: Caracterização ( ) Colonial ( ) Neocolonial (X) Art Decô ( ) Moderna ( ) Contemporânea Eclética

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estilística ( ) Neoclássico ( ) Neogotico ( ) Neoromano

Partido retangular Com acréscimo posterior/ com acréscimo lateral/ modificado/ com acréscimo frontal/ etc.

Implantação: Terreno: (X) platô ( ) em aclive ( ) em declive Acesso: ( )abaixo do nível da rua ( ) nível da rua ( ) acima do nível da rua (X) não existe acesso por rua Ligação com a terreno: ( ) direta ( ) indireta ( ) por vestíbulo ( )por alpendre (X) por escada ( ) frontal ( ) lateral Volumetria: (X) simples ( ) composta Nº de pavimentos Asfaltamento: ( ) frontal ( ) lateral ( ) lateral parcialmente ocupado ( ) fundos ( ) sem afastamentos

Sistema construtivo: Estrutura: ( ) autônoma (X) autoportante ( ) mista Vedação: (X) tijolo ( ) pedra ( ) adobe ( ) pau-a- pique ( ) taipa

Cobertura: Nº de águas: 2 Cumeira: ( ) paralela a Br 050 ( ) perpenticular a Br 050 Vedação: (X) cerâmica ( ) curva ( ) plana ( ) fibrocimento ( ) metálica Beiral: ( ) beiral simples ( ) cachorrada ( ) beira seveira ( ) cachorro aferente (X) caibro corrido ( ) lambrequins Coroamento: ( ) frontal ( ) cimalha ( ) platibanda ( ) comija ( ) laje em lateral ( ) frontão (X) lateral ( ) cimalha ( ) platibanda ( ) comija ( ) laj em beiral ( ) frontão

Planta:

Acesso e circulação em relação aos cômodos/ Relação dos cômodos social, intimo, serviço

Fachada Vãos alterados. Abertura de vãos com a demolição de peitorais e modificação das vergas Vergas: ( ) reta ( ) arco pleno (X) arco abatido ( ) ogival ( ) três centros ( ) alteada ( ) triangular ( ) outros: Enquadramentos: ( ) madeira (X) argamassa ( ) pedra ( ) outros Revestimentos: (X) reboco ( ) pedra ( ) cerâmica ( ) pintura látex (X) caiação Bloqueios visuais: ( ) placas ( ) marquises ( ) faixas ( ) outros:

Vãos Tipo: (X) de peitoril ( ) óculo/seteira (X) rasgada por inteiro Esquadrias: (X) madeira ( ) metálica ( ) outros Vedação: (X) vidro ( ) rotulas (venesianas) ( )madeira ( )madeira almofadada ( ) metálica ( ) outros Sistema de abertura: ( ) guilhotina (X) abrir ( ) correr ( )sanfonada Varanda: ( ) muxarabiê ( ) guarda-corpo ( ) sacada ( ) balcão Modificação: ( ) acréscimo de vão ( )supressão de vãos

13 – proteção existente: ( ) tombamento federal lei nº Data ( ) tombamento estadual decreto nº Data: (X) tombamento municipal decreto nº 039/02 Data: ( ) nenhum ( ) outro:

14 – Proteção proposta: ( ) tombamento federal ( ) tombamento estadual decreto (X) tombamento municipal ( ) nenhum ( ) outro:

15 – Estado de conservação: ( ) excelente ( ) bom (X) regular ( ) péssimo

16 – Analise do estado de conservação: O estado de conservação do imóvel vêm deteriorando-se pela ação do tempo e pelo abandono. A restauração do prédio deve ser feita urgentemente evitando maiores degradações ao bem tombado.

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17 – Fatores de degradação: � Telhas quebradas � Trincas a 90º e 45º no reboco desgastado � Pisos retirados � Perda do forro e da cobertura da plataforma � Ausência de esquadrias

18 – Medidas de conservação: � Revisão das telhas com a substituição das

telhas quebradas; revisão no maderamento do telhado com a substituição de peças deterioradas e tratamento da madeira contra insetos xilófagos

� Remoção de todo o reboco deteriorado e refazimento com reboco paulista

� Amaracao das paredes tricadas com malha em ferro e concreto

� Refazimento do piso e nas esquadrias � Pintura do movel

19 – Intervenções: ( ) expansão ( ) acréscimo (X) modificação ( ) substituição ( ) restauro ( ) conservação ( ) adequação (X) descaracterização

20 – Referencias documentais: � Inventário do Patrimônio Cultural – set/98 � Escritura – Circunscrição imobiliária de Araguari/ matricula 14.034 – ficha 1 � Site – http:://www.estacaoferroviarias.com.Br/mmg.html

21 – Informações complementares:

22 – Ficha técnica: Levantamento: Carolina Fernandes Vaz Data: Elaboração: Clayton França Carili Data: Revisão: Thaïs Tormim Porto Arantes Data:

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A NEXO B A NEXO B A NEXO B A NEXO B –––– Inventário da Estação SobradinhoInventário da Estação SobradinhoInventário da Estação SobradinhoInventário da Estação Sobradinho

01. Município: Uberlândia 02. Distrito: Sede – Área Rural

03. Designação: Estação Ferroviária Sobradinho

04. Endereço: Fazenda Sobradinho, Km 662,358 – Linha Catalão (Companhia Mogiana de Estradas de Ferro)

05. Propriedade: Privada

06. Responsável: Odeon Carrejo

07.Histórico: A Estação Sobradinho integra o ramal de Catalão, da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que partia de Campinas passando por Delta, Uberaba, Uberlândia e Araguari. A definição deste percurso deveu-se ao Coronel José Teófilo Carneiro que, através de sua influência política, conseguiu fazer com que a CIA Mogiana passasse esta l inha por Uberlândia e Araguari. A inauguração da Estração Ferroviária Sobradinho data de 15 de novembro de 1896, época que marca o período áureo das Estradas de Ferro no Brasil. As demais estações que compunham a Linha de Catalão, entre Ubelândia e Araguari são Uberabinha, Stevenson, Irara, Burity, Paleatina, Mangabeira e Giló (Araguari), sendo que destas, somente as estações Stevenson, Irara e Sobradinho ainda existem. Durante muitos anos este ramal foi uma das principais fontes de deslocamento tanto de passageiros, quanto de mercadorias entre o Centro-Oeste brasileiro e o Sudeste do país, tornando-se rota indispensável de bens de consumo e matérias-primas. As estações de Uberabinha, na Zona Urbana da cidade, e Sobradinho, na Zona Rural, foram as grandes responsáveis pela ascensão do município no mercado regional e nacional. Porém, após o declínio do café e do crescente aumento dos veículos automotores, o transporte ferroviário de passageiros entrou em colapso, forçando as empresas a diminuírem suas linhas e otimizarem seus serviços. Foi neste período que a Estação Sobradinho foi desativada, datando de 1971. Os tri lhos da estação, no entanto, só foram retirados no período de 1981 à 1983, sendo recolocados na Caseng de Uberaba, MG, de acordo com o relato de Onírio Reis Barbosa, ex-chefe de setor da Fepasa. A Estação Sobradinho ainda resguarda muitas de suas características originais, constituindo um dos principais exemplares da arquitetura típica das estações ferroviárias da Mogiana, construídas no século XIX.

09.Documentação Fotográfica:

Vista lateral esquerda da Estação Sobradinho. FONTE: Laboratório de Projetos, FAURB.

ESTRUTURAS ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS

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08. Descrição: O conjunto arquitetônico da Estação Sobradinho era composto, originalmente, pela edificação principal da Estação, por um depósito de areia e uma caixa d'água situados do lado esquerdo da construção principal, e pela casa do telégrafo, situada ao lado direito da mesma. A Estação, com 129,11m², e a caixa d'água, com 3,15m², preservam as características originais de sua construção, apresentando apenas algumas intervenções pontuais. No entanto, são encontrados apenas vestígios do depósito de areia e nenhuma evidência da existência da casa do telégrafo. A Estação é uma construção típica das estações da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, apresentando esquema construtivo simples, com tijolos aparentes vindos diretamente da Inglaterra e cobertura de telhas francesas, apoiada em estruturas de madeira. A fachada principal, voltada para a plataforma de embarque, possui uma porta de correr à direita da composição, uma porta de madeira com fechamento de vidro e postigo almofadado e quatro janelas do tipo guilhotina na parte esquerda. A fachada oposta, possui uma porta de madeira simples com duas janelas dispostas simetricamente nos lados. As fachadas laterais são compostas por frontões recortados adornados pelos ti jolos da alvenaria dispostos em relevo com simetria axial. Arrematando a base das alvenrias, há uma faixa de cimento com cerca de 90 centímetros de altura que imita pedra. Na parte esquerda do conjunto, há um pátio com muro arrematado com o mesmo trabalho de ti jolos aparentes; neste pátio encontra-se um anexo construído aproximadamente na década de 1960. O edifício da estação é organizado em seis cômodos que se articulam de forma linear, sendo que o depósito situado à extremidade direita da composição possui duas aberturas: uma de frente para a plataforma de embarque e outra situada na fachada oposta. A cobertura do corpo principal é em duas águas apoiadas em mãos francesas, sendo que, a elevação da plataforma de embarque, possui um grande beiral, com caibros aparentes, formando uma marquise de proteção. A elevação posterior apresenta um beiral curto, com caibros também aparentes e uma pequena estrutura que comporta a cobertura da abertura referente à porta de correr, que já não existe mais nesta fachada. A caixa d'água possui o tanque de ferro fundido com placas de 112mx112m, importadas da Inglaterra, suportado por estrutura de ti jolos aparentes. A edificação sofreu algumas modificações ao longo dos anos, sendo que a mais significativa foi a construção do banheiro em anexo. A estação passou por reforma de sua parte elétrica, o piso foi subtituído por cerâmica e o forro original por madeira.

10. Uso Atual: 11. Situação de Ocupação:

( ) Residencial ( ) Serviço ( ) Comercial ( ) Institucional ( ) Industrial ( X ) Outros

( X ) Própria ( ) Alugada ( ) Cedida ( ) Comodato ( ) Outros

12. Proteção Legal Existente 13.Proteção Legal Proposta:

( ) Tombamento ( ) Municipal ( ) Federal ( ) Estadual ( X ) Nenhuma

( ) TombamentoFederal ( ) Tombamento Estadual ( X ) Tombamento Municipal ( ) Entorno de Bem Tombado ( ) Documentação Histórica ( ) Inventário

( X ) Tombamento Integral ( ) Tombamento Parcial ( ) Fachadas ( ) Volumetria ( ) Restrições de Uso e Ocupação

14. Análise do Entorno - Situação e Ambiência: O imóvel situa-se na Zona Rural do distrito sede, numa área caracterizada pela criação de bovinos e suínos, com fins comerciais. Há cerca de 200 metros da Estação Sobradinho passa a atual via ferroviária, que faz o carregamento de produtos industrializados advindos do distrito industrial, que se encontra em área muito próxima à ela. No entorno imediato à estação há a antiga casa do maquinista que encontra-se comprometida e em ruínas. À direita do conjunto encontra-se a antiga casa do portador (funcionário que auxil iava o abastecimento do veículo) e atual residência dos funcionários da fazenda. Em frente à plataforma de embarque, onde anteriormente situavam-se os tri lhos da linha férrea, foi construída pelo proprietário da fazenda, uma represa artificial.

15. Estado de Conservação:

( ) Excelente ( ) Bom ( X ) Regular ( ) Péssimo

16. Análise do Estado de Conservação: A estação Sobradinho encontra-se praticamente abandonada, sendo seus cômodos util izados como depósito de componentes agrícolas. A estrutura da edificação encontra-se pouco comprometida, porém, as esquadrias estão bastante degradadas devido à presença de umidade e cupins. A cobertura do telhado, segundo relato de Odeon Carrijo, foi trocada, pois se encontrava totalmente quebrada. O telhado ainda apresenta grandes áreas sem cobertura, o que levou ao aparecimento de líquens e fungos nas paredes desprotegidas. No depósito e no

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cômodo a ele adjacente, o piso foi removido, havendo apenas indícios da localização dos barrotes de madeira que o sustentava. A caixa d'água encontra-se pouco modificada inexistindo apenas a porta que fechava o acesso ao seu interior. A plataforma de embarque possui algumas deformações em seu prumo, provavelmente provocadas pelo movimento de terra da escavação da represa.

17.Fatores de Degradação: Os principais fatores de degradação da estação são o uso indiscriminado do bem, a ação intemperística, a presença da represa como meio umectante, a inexistência de cobertura sobre a edificação e a ação de agentes degradantes naturais e biológicos como cupins e fungos.

18.Medidas de Conservação: Atualmente não há nenhuma medida de conservação do bem; seria necessário que se fizesse a manutenção das estruturas e cobertura da edificação, uso condizente com a obra, combate e prevenção contra agentes degradantes, possível recolocação da represa em outro sítio.

19. Intervenções:

20. Referências Bibliográficas: ARANTES, Jerônimo. Memórias Históricas de Uberlândia – 1º capítulo: Formação da Cidade. 2ª edição, 1982.

CHING, Francis D. K. Dicionário Visual de Arquitetura. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2000.

NASCIMENTO, Dorivaldo Alves do. História de Uberlândia.2ª edição. Grafy Editora. Uberlândia, 2000.

RANIERO, Ivana. Companhia Mogiana de Estradas de Ferro: participação no desenvolvimento de Uberlândia.

Monografia de Bacharelado em Geografia. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 1997.

ROPCHA, Ana Paula et all. Dossiê de Tombamento Estação Ferroviária Sobradinho. Uberlândia: Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia, 2002 (Trabalho de alunos);

Revista Uberlândia Ilustrada. Edição n.º 23, Janeiro de 1958. pp 24 à 31.

Secretaria Municipal de Cultura. Levantamento Histórico da Estação Sobradinho. Uberlândia, 1989.

Entrevista com Onírio Reis Barbosa, ex-chefe de setor da Fepasa; Entrevista com Odeon Carrijo, atual proprietário.

21. Informações Complementares:

22. Atualização de Informações:

23. Ficha Técnica:

Fotografias: Ethel Caires Data: 10/01/2003

Elaboração: Paula França Data: 03/2003

Rev isão: Maríl ia M. Teixeira do Vale Data: 04/2003

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AAAA NEXONEXONEXONEXO C C C C –––– O O O O SSSSilêncio dos ilêncio dos ilêncio dos ilêncio dos TTTTrilhosrilhosrilhosrilhos Ainda levarei um bom tempo para entender o porquê de tanto descaso com os bens que compõem o patrimônio histórico de um Município. Quero crer que a causa de tudo isso seja o desconhecimento da própria história. Ou quem sabe, do sabor temporário do “direito absoluto” em poder tomar decisões ao bel-prazer em detrimento aos anseios coletivos. Enquanto ali e alhures muitos lutam pela preservação, manutenção e resgate dos valores históricos – que são a palavra de ordem do mundo contemporâneo, seja de um espaço físico, de um prédio, de um dormente, de uma linha de trem, de um prego, sei lá, outros desfazem 100 anos de história, resumindo-os em poeira da estrada. Util izando máquinas pesadas de terraplenagem, em poucas horas de trabalho derrubam muros, rasgam o solo e enterram tri lhos, sem se darem conta da gravidade do soterramento de marcos indeléveis e históricos. Ligados tão somente a lampejos ilusórios em busca do crescimento urbano não indo além do conhecimento restrito da história local, desconhecem o valor imaterial, intangível, sem medidas, que transcende nossa imaginação conquistado com luta, dedicação e às vezes com sacrifício. Desde a revolução francesa e industrial eclodidas no mundo em pleno século XIX, segue-se sistematicamente constante preocupação com a preservação dos patrimônios históricos da humanidade. Essa luta incessante de inúmeros admiradores dos grandes feitos de gerações pretéritas consolidou-se em diversas leis e normas que norteiam, atualmente, a conduta e os procedimentos com tais bens, contagiando até mesmo leigos e anônimos apaixonados pela beleza e riqueza da história de um povo, de uma terra. Fiquei, confesso, estarrecido, ao receber a foto aqui publicada que retrata a extensão da rua Luiz Schnoor que ultrapassou, recentemente, os muros do complexo ferroviário da imponente e histórica Estrada de Ferro de Goiás a qual assinalou com esplendor o início do progresso de Araguari e região, no início do século XX. Da mesma maneira que fizeram com os tri lhos que ornamentavam, até a década de 80, a majestosa estação ferroviária de Goiânia – ponto final da “Goiás”, cujos tri lhos foram cobertos pela terra, fizeram também em Araguari – ponto inicial de tão expressiva ferrovia de interligação dos Estados de Minas Gerais e Goiás, considerada, à época, um dos principais marcos da marcha evolutiva do progresso do Centro-oeste brasileiro. Não importa se foram 100, 200, 500 metros de tri lhos soterrados, o que importa e preocupa-nos é que aos poucos a nossa história ferroviária vai se desfazendo de metro em metro, como ocorreu no passado com a estação da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, de sua vila ferroviária, de sua linha férrea e tantas outras perdas injustificáveis. Aqui jazem as paralelas de aço que foram assentadas por operários mineiros e goianos que se uniram para a formação de uma das maiores, mais cobiçadas e mais respeitadas empresas ferroviárias do Brasil: Estrada de Ferro de Goiás. Histórias e mais histórias poderiam ser retiradas das 800 laudas transcritas das entrevistas colhidas com mais de 60 entrevistados que colaboram com nosso livro em andamento e que ainda hoje, não escondem as lágrimas ao lembrarem da família ferroviária da “Goiás”. O que poderia fazer parte de um trecho ferroviário restaurado, sem descaracterizações, onde poderíamos ver turistas e visitantes de todos os quadrantes e gente nossa num passeio indescritível à nossa cidade ferroviária, natural, original, autêntica, invejável, aos poucos está se transformando numa rua de terra batida à espera do primeiro banho de camada asfáltica. Amputaram boa parte de um dos trechos à porta, quem sabe, de um dos maiores museus ferroviários do Brasil. Hoje, mesmo inanimados - silenciosos - sentem-se os tri lhos da “Goiás”, sufocados pelo aterro e pela ignorância, sem sequer ao menos poderem se manifestar. Por essa antiga linha férrea, quero crer que os ouvidos mais aguçados dos araguarinos sensatos poderão ouvir o estalo dos dormentes, o tinido do aço e o clamor da estrada. Triste fim dos tri lhos da “Goiás”, a continuar assim, Deus queira que não, talvez meus fi lhos e netos e as gerações vindouras não terão histórias para contar. ALVES, Edmar César. O Silêncio dos Trilhos. Revista Convergência – Academia de Letras do Triângulo Mineiro, nº21 – Maio de 2010 p. 28 e 29.

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A NEXO D A NEXO D A NEXO D A NEXO D –––– TRECHO DO LIVRO “Do Rio de Janeiro a Goiás TRECHO DO LIVRO “Do Rio de Janeiro a Goiás TRECHO DO LIVRO “Do Rio de Janeiro a Goiás TRECHO DO LIVRO “Do Rio de Janeiro a Goiás –––– 1896”1896”1896”1896” Em São Pedro de Uberabinha acaba a linha do tráfego; porém, desse lugar para Araguari há o trem de lastro para engenheiros. E, com algum empenho, obtém-se licença para viajar nele. Disseram no hotel que o trem partia ao meio dia.[...] Afinal, às 4 horas da tarde, o trem chegou. Trazia apenas 3 carros descobertos e carregados de trilhos. Arrumamo-nos como pudemos. [...] O trem ia numa rapidez terrível e era preciso verdadeiro equilíbrio ginástico para não ser cuspido fora do vagão. Numa volta do morro, o sr. Meirelles, que trazia Maria Paula ao colo, caiu com ela em cima do mesmo vagão. O pobre moço machucou-se bastante, mas segurava a criança no ar, de tal modo que ela nada sofreu. Eu fiquei sem poder falar. [...] Até hoje quando penso nisso fico om o coração frio. A máquina trabalhava com lenha, deitando terríveis fagulhas que queimam muito. [...] Caía a noite e por uma abertura da manta eu espiava lá fora. As fagulhas caíam às mil, parecendo rubis que iam se perder nas profundezas dos precipícios que se estendiam a nossos pés. Do outro lado, altos barrancos. O menor descuido e o trem se despencaria sem salvação. Às 9 horas da noite, o trem chegava na Rocharia Mattos, tendo apenas uma casa de palha para os engenheiros. E o trem que devia ir até Araguari parou nesse lugar porque assim quis o maquinista. Fomos obrigados a sair do vagão. [...] Resolvemos seguir a pé. [...] Sem jantar, fatigados, íamos à mercê de Deus, quando ouvimos o chiar de um carro de bois. Como nos pareceu linda aquela toada monótona! “Boa noite, boiadeiros”. “– Boa noite a vosmecês. Se seguir esse caminho de trilhos não chega hoje a Araguari; se quiser acompanhar o carro é mais perto”. [...] Seguíamos o carro. Noite estrelada, fresca, as emanações das árvores cheiravam bem. Parecia um quadro de teatro, quando se representa larga estrada deserta, coberta de árvores e acidentes de terreno.[...] O carro de bois ia sempre sem parar e só quebrava o silêncio da noite o chiar de suas rodas. GODOY, Maria Paula Fleury de. Do Rio de Janeiro a Goiás Do Rio de Janeiro a Goiás Do Rio de Janeiro a Goiás Do Rio de Janeiro a Goiás –––– 1896:1896:1896:1896: A Viagem era Assim. 2ª edição. Goiânia: UCG, 1985, p. 36 a p. 38. Relato escrito pela Sra. Augusta Faro Fleury Curado, filha do governador do PR, ES e CE, durante viagem que fez com seu marido, o advogado goiano Sebastião Fleury Curado e seus dois filhos, crianças de colo, durante sua mudança da capital federal para a capital de Goiás. Foi publicado por sua filha, Maria Paula, pela primeira vez em 1962.