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revistahugv

Revista do Hospital Universitário Getúlio VargasThe Journal of Getulio Vargas University Hospital

V.11. N. 2 JUL./DEZ. – 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONASHOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS

Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4782/4719 E-mail: [email protected]

FUNDADORES

Ricardo Torres SantanaJorge Alberto Mendonça

LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV

LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV

EDITOR-CHEFEFernando Luiz Westphal

Aristóteles Comte Alencar Armando de Holanda Guerra JúniorCristina de Melo RochaDaria Barroso Serrão das NevesDomingos Sávio Nunes de LimaEdson de Oliveira AndradeErmerson SilvaEucides Batista da SilvaEurico Manoel AzevedoFernando César Façanha FonsecaFernando Luiz WestphalFrancisco Mateus JoãoGiuseppe Figliuolo Ione Rodrigues BrumIvan da Costa TramujásJean Jorge Silva de SouzaJosé Correa Lima NettoJulio Mario de Melo e Lima

Rosane Dias da RosaKathya Augusta Thomé Lopes

Maria Lizete Guimarães Dabela

Kathya Augusta Thomé LopesLeíla Inês de A. R. da Camara CoelhoLourivaldo Rodrigues de SouzaLuís Carlos de LimaLuiz Carlos de Lima FerreiraLuiz Fernando PassosMarcus Vinicius Della ColettaMaria Augusta Bessa RebeloMaria do Socorro LobatoMaria do Socorro L. CardosoMaria Fulgência Costa L. BandeiraMaria Lizete Guimarães DabelaMárcia Melo DamianMassanobu TakataniMiharu Magnória Matsuura MatosPatrícia Bandeira de Melo AkelPetrus Oliva Souza

Ricardo Torres SantanaRodolfo FagionatoRubem Alves da Silva Júnior

revistahugv

Revista do Hospital Universitário Getúlio VargasThe Journal of Getulio Vargas University Hospital

V.11. N. 2 JUL./DEZ. – 2012

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURAUNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGASCopyright© 2012 Universidade Federal do Amazonas/HUGV

REITORA DA UFAMProf.ª Dra. Márcia Perales Mendes Silva

DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGASProf. Dr. Lourivaldo Rodrigues de Souza

PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIALFernando de Souza Neto

ORGANIZAÇÃOThaís Borges Viana

DIRETORA DA EDUAProf.ª Dra. Iraildes Caldas Torres

DIRETORA DA REVISTAProfª Dayse Enne Botelho

REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA)Sergio Luiz Pereira

CAPAServiço de Ergodesign

TIRAGEM 300 EXEMPLARES

FICHA CATALOGRÁFICAYcaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287

CDU 61(051)

R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas.Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 11, n. 2 (2012) / Manaus: Editora da UniversidadeFederal do Amazonas, 201277 p.SemestralTítulo da revista em português inglêsISSN – 1677-91691. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas.

CDU 61(051)

Sumário

EditorialFernando Luiz Westphal

Artigos Originais

Avaliação Endoscópica Nasal de Pacientes com Epistaxe

Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luís Carlos de Lima Nadaf, Márcia dos Santos da Silva, Marcos Antônio Fernandes, Rosemary Alves de Almeida, Geísa Cruz e Silva Tomaz, Bruno Corrêa Elamide

Hiperamilasemia Assintomática: Por que Investigar?

Wilson Marques Ramos Júnior, Victor Hugo Vieira Barroso, Camila Bandeira de Oliveira, Armando de Holanda Guerra Júnior

Relato de Caso

Perfuração Intestinal Causada por Ingestão Acidental de Corpo Estranho (Espinha De Peixe)

Rubem Alves da Silva Júnior, Márcio Costa Fernandes, Raimundo Monteiro Maia Filho, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto, Igor Gioia Fonseca

Hipertensão Arterial Secundária a Arterite de Takayasu

Victor Hugo Vieira Barroso, Wilson Marques Ramos Júnior, Marlúcia do Nascimento Nobre

Doença de Pompe Forma Infantil: Relato de Caso

Renata Fagundes Veiga, Luciana da Silva Carreira, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres

Obesidade e Resiliência: Um Estudo de Caso a Partir de Acompanhamento Terapêutico Pré-Cirúrgico

Maria Geórgia Duarte de Macedo, Ellen Belmonte dos Santos, Kássia Karina Amorim Gomes, Larissa Nogueira Negreiros

Comprometimento Renal em Paciente com Esclerose Sistêmica: Relato de Caso

Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso

Relato de Caso: Gravidez Bem-Sucedida em Paciente Renal Crônica Hemodialítica

Samanta Samara Bicharra dos Santos, Antônio Carlos Duarte Cardoso, Helen Caroline dos Santos Brandão

Retocolite Ulcerativa Fulminante: associação de condutas terapêuticas não usuais

Rebecca Souza Mubarac, Daniere Yurie Vieira Tomotani, Daniel Almeida Schettini, Armando de Holanda Guer-ra Júnior, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro

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Poliarterite Nodosa Cutânea Grave e de Difícil Controle em Adolescente após Farin-goamigdalite Estreptocócica

Yanna Pontes Prado, Leilian Amorim, Araceli dos Santos Brito, José Ricardo Ferreira, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro, Domingos Sávio Nunes de Lima

A Relação entre Dor Torácica, Bloqueio de Ramo Esquerdo Transitório e Ponte Miocárdica: Relato de Caso

José Ricardo Ferreira, Marlúcia Nascimento Nobre, Simora S. Morais, Kelly Simone C. dos Santos, Jaime G. A. Maldonado, Tatiane L. Aquiar

Cisto Broncogênico Tratado por Cateter Polietileno Biocompatível de Configuração “Pigtail” Guiado por Tomografia Computadorizada de Tórax

Fernando Luiz Westphal, Cristiane Paulain David, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Mônica de Sá Pinheiro

Mediastinite Descendente Necrosante Ocasionada por Amigdalite e Extração Dentária: Relato de Casos

Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Eucides Batista da Silva, Márcia Santos Silva, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara

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Contents

EditorialFernando Luiz Westphal

Original Articles

Endoscopic Nasal Evaluation of Patients with Epistaxis

Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luís Carlos de Lima Nadaf, Márcia dos Santos da Silva, Marcos Antônio Fernandes, Rosemary Alves de Almeida, Geísa Cruz e Silva Tomaz, Bruno Corrêa Elamide

Asymptomatic Hyperamylasemia: Why to Examine?

Wilson Marques Ramos Júnior, Victor Hugo Vieira Barroso, Camila Bandeira de Oliveira, Armando de Holanda Guerra Júnior

Case Report

Intestinal Perforation Caused By Accidental Ingestion of Foreigh Body (Fish Bone)

Rubem Alves da Silva Júnior, Márcio Costa Fernandes, Raimundo Monteiro Maia Filho, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto, Igor Gioia Fonseca

Secondary Hypertension Associated with Takayasu Arteritis

Victor Hugo Vieira Barroso, Wilson Marques Ramos Júnior, Marlúcia do Nascimento Nobre

Infantile Pompe Disease: Case Report

Renata Fagundes Veiga, Luciana da Silva Carreira, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres

Obesity and Resilience: A Case of Study About the Psychotherapeutic Group Treatment Pre-Surgical

Maria Geórgia Duarte de Macedo, Ellen Belmonte dos Santos, Kássia Karina Amorim Gomes, Larissa Nogueira Negreiros

Renal Impairment in Patients with Systemic Sclerosis: A Case Report

Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso

Case Report: Succesful Pregnancy in Dialysis Patient

Samanta Samara Bicharra dos Santos, Antônio Carlos Duarte Cardoso, Helen Caroline dos Santos Brandão

Fulminant Ulcerative Colitis: association of unusual therapeutic

Rebecca Souza Mubarac, Daniere Yurie Vieira Tomotani, Daniel Almeida Schettini, Armando de Holanda Guer-ra Júnior, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro

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Severe and Difficult to Control Cutaneous Polyarteritis Nodosa in Teenager after Streptococcal Pharyngotonsillitis

Yanna Pontes Prado, Leilian Amorim, Araceli dos Santos Brito, José Ricardo Ferreira, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro, Domingos Sávio Nunes de Lima

The Relationship Between Chest Pain, Left Bundle Branch Block Transitional and Myocardial Bridge: Case Report

José Ricardo Ferreira, Marlúcia Nascimento Nobre, Simora S. Morais, Kelly Simone C. dos Santos, Jaime G. A. Maldonado, Tatiane L. Aquiar

Bronchogenic Cyst Treated by Biocompatible Polyethylene Catheter Configuration “Pigtail” Guided by Computed Tomography

Fernando Luiz Westphal, Cristiane Paulain David, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Mônica de Sá Pinheiro

Descending Necrotizing Mediastinitis Caused by Tonsillitis and Tooth Extraction: Case Reports

Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Eucides Batista da Silva, Márcia Santos Silva, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara

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Editorial

A classe médica no nosso país passa por um período extremamente delicado no que tange ao número crescente de médicos e as renumerações percebidas pela maioria dos médicos con-tratados pelo sistema público federal, estadual ou municipal.

O governo federal acredita piamente que o aumento do número de médicos os colocará nos locais interioranos de nosso país, ledo engano praticado por vários governantes, que comparam os médicos a um pacote de sal – barato, comum e encontrado a cada esquina. Ora, senão vejamos um exemplo recente em nosso meio. O governo estadual do Amazonas criou a Universidade Es-tadual com o intuito de ampliar as vagas de medicina no Estado e, com isto, colocar mais médicos trabalhando no interior do Estado, criou o sistema de cotas, no qual os pretendentes às vagas na Universidade teriam como concorrentes somente as pessoas oriundas do interior. Em um dos objetivos desse sistema de cotas seria o graduando após a conclusão do curso retornar à cidade de origem; entretanto, esse retorno quase nunca acontece, e os estudantes, após a formação, procuram permanecer na capital ou procuram centros maiores no Sul e Sudeste do país.

A permanência do médico no interior de nosso Estado, no qual a maior parte das cidades só tem acesso por via fluvial ou aérea, deve estar associada a uma ação de vantagens para fixar o médico no interior, a exemplo do que ocorre na carreira judiciária, na qual existe um plano de cargos que propicia ao juiz, após um tempo no interior, a retornar para a capital, permanecendo com as vantagens conseguidas em seu tempo de interior. Outro aspecto impor-tante é o estímulo constante à reciclagem de que a classe médica necessita, visto a evolução exponencial dos conhecimentos nas diversas áreas da medicina.

O governo federal está com um programa de colocação do profissional de saúde no interior do país, chamado de Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), no qual o médico que permanece no interior aufere uma pontuação nas provas de residências médicas em todo o território nacional. Consideramos que essa ação é um grande estímulo para o jovem médico passar dois anos no interior, mas novamente não contempla uma política de fixação do profissional no interior, apenas por um período no qual terá alguma vantagem.

Com o mesmo objetivo de colocar médicos no interior, o governo federal, de modo ar-bitrário, eleitoreiro e ilegal, está infringindo o código da legislação vigente do Conselho Federal de Medicina, tenta importar médicos, um total de seis mil, para trabalhar no interior do Brasil, nas áreas mais carentes. Entretanto, para isto, está impondo à comunidade médica local que os aceite sem que façam os diversos tipos de provas de proficiência na língua portuguesa e nivela-mento do currículo básico de nosso país.

Em relação à remuneração dos profissionais de saúde, há déficit profundo, no qual o mé-dico, que outrora poderia ter três ou quatro contratos, passa a ter uma carga horária de 60 horas semanais, disponibilizadas em uma ou duas matrículas. O déficit antes era sanado pelo alto núme-ro de contratos que cada médico tinha, mas na atual situação o salário-base está totalmente de-fasado em relação a outras áreas do setor público. Um exemplo evidente dessa anomalia é o plano de cargos e salários dos professores universitários da área da saúde, no qual o médico-professor de terceiro grau recebe um valor irrisório para se dedicar ao ensino. Essa situação causa o afasta-mento de mentes brilhantes do âmbito da academia, o descaso visto nos bancos das faculdades e o desvio da produção do conhecimento e saber para a indústria de equipamentos e farmacêuticas.

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Novamente, o problema não está na colocação dos médicos no interior, mas, sim, em políticas capazes de mantê-los nos locais mais distantes, com condições de desenvolver um bom trabalho e atrativos no cargo de salários que os façam permanecer no interior.

Prof. Dr. Fernando Luiz WestphalDiretor de Ensino, Pesquisa e Extensão do HUGV

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AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE

ENDOSCOPIC NASAL EVALUATION OF PATIENTS WITH EPISTAXIS

Renata Farias de Santana*, Renato Telles de Souza**, Luís Carlos de Lima Nadaf***, Márcia dos Santos da Silva*, Marcos Antônio Fernandes*, Rosemary Alves de Almeida****, Geísa Cruz e Silva Tomaz****, Bruno Corrêa Elamide****

Resumo

Objetivo: Verificar as características epidemiológicas e os achados endoscópicos nasais de pa-cientes com história de epistaxe submetidos à nasofibroscopia. Métodos: Foi realizado estudo retrospectivo, por meio de revisão de prontuários de pacientes com história de epistaxe, sem diagnóstico prévio, submetidos ao exame de nasofibroscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de 2009. Resultados: Foram analisados 20 prontuários de pacientes com queixa de epistaxe de repetição, sendo que 35% da amostra eram de pacientes com idade acima dos 60 anos. Foi observada prevalência similar entre homens e mulheres, cada um mostrando porcentagem de 50%. O desvio de septo foi o achado mais comu-mente encontrado ao exame, sendo observado em seis (30%) pacientes, seguido pela presença de telangiectasias em septo nasal em quatro (20%) pacientes. Rinite alérgica esteve presente em quatro (20%) indivíduos, enquanto o número de tabagistas foi de seis (30%) pacientes. Conclusão: Os resultados obtidos revelaram que, na população estudada, houve uma distribuição de casos de epistaxe idêntica entre os sexos. Constatou-se que a faixa etária mais prevalente foi composta por adultos. Houve associação com tabagismo e rinite alérgica em, respectivamente, 20 e 30% da amostra. Os principais achados nasofibroscópicos, tanto em indivíduos do sexo feminino quanto masculino, foram desvio septal e telangiectasias.

Palavras-chave: Epistaxe, endoscopia, diagnóstico.

Abstract

Objective: Verify the epidemiological and nasal endoscopic findings of patients with a history of epistaxis who underwent endoscopy. Methods: A retrospective study through review of medical records of patients with a history of epistaxis, without a previous diagnosis, examined by endoscopy, in the service of Otorhinolaryngology, University Hospital Getúlio Vargas, in the year 2009. Results: We analyzed the medical records of 20 patients complaining of recurrent epistaxis, with 35% of the sample of patients aged over 60 years. Similar prevalence was observed between men and women, each showing a percentage of 50%. The deviated septum was the finding most commonly encountered upon examination, being observed in six (30%) patients, followed by the presence of telangiectases in the nasal septum of four (20%) patients. Allergic rhinitis was present in four (20%) patients, while the number of smokers was six (30%) patients. Conclusion: The results showed that the population studied had a distribution of cases of epistaxis identical between the sexes. It was found that the most

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Santana et al

*Médico residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas** Professor da Universidade Federal do Amazonas, coordenador da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas*** Preceptor da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas**** Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas

Instituição de origem do trabalho: Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV

prevalent age group was composed of adults. There was an association with smoking and allergic rhinitis, respectively, 20% and 30% of the sample. The major findings of nasal endoscopy, both in females and males were telangiectasia and septal deviation.

Keywords: Epistaxis, endoscopy, diagnose.

Introdução

A epistaxe apresenta-se como uma das afecções otorrinolaringológicas mais frequentes da práti-ca médica, manifestando-se, geralmente, como uma condição benigna e autolimitada. Dados de incidência e prevalência na população geral são difíceis de calcular, porém se estima que cerca de 60% da população adulta evoluirá no decor-rer da vida com pelo menos um episódio de epistaxe e que apenas uma pequena proporção, cerca de 6 a 10%, necessitará de atendimento médico.1,2

A epistaxe pode ser causada por diversos fa-tores, tanto locais como sistêmicos. Os prin-cipais fatores locais incluem: trauma (fraturas nasais ou manobras digitais), infecções de vias aéreas superiores, inalação de ar frio e seco, processos alérgicos nasais, introdução de corpos estranhos na fossa nasal, inalação de irritantes químicos, perfuração septal e desvio de septo. Outras condições mais raras incluem presença de tumorações como nasoangiofibroma juve-nil e a doença de Osler-Rendu-Weber. Fatores como hipertensão arterial sistêmica, insuficiên-cia renal, alcoolismo, coagulopatias, uso de an-tiagregantes plaquetários constituem causas de origem sistêmica.2,3

A nasofibroscopia é um exame que permite a visuali-zação direta da cavidade nasal, auxiliando o diagnós-tico, sendo de extrema importância, na avaliação de pacientes portadores de epistaxe, pois, além da iden-tificação do local de origem do sangramento, esse pro-cedimento permite avaliar a presença de alterações estruturais, vasculares, tumorais, entre outras.4,5

Existem poucos dados na literatura local indi-cando causas de epistaxe, principalmente no que diz respeito à visualização endoscópica na-sal desses pacientes. Dessa maneira, este estu-do teve como objetivo verificar as característi-cas epidemiológicas e os achados endoscópicos

nasais de pacientes com história de epistaxe atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas.

Métodos

Foi realizado estudo retrospectivo, por meio de revisão de prontuários de 20 pacientes com história de epistaxe, sem diagnóstico prévio, submetidos ao exame de nasofibroscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de 2009.

Foram incluídos, no estudo, pacientes portado-res de epistaxe submetidos ao exame de nasofi-broscopia, independente de idade, sexo, con-dições socioeconômicas ou procedência. Foram excluídos aqueles que, apesar do quadro de epistaxe, não necessitaram de avaliação nasofi-broscópica para definir a etiologia do sangra-mento, bem como pacientes que realizaram o exame de nasofibroscopia em outros centros.

Os dados referentes à pesquisa foram coletados a partir de arquivos médicos do serviço. Foram analisados dados como idade, sexo, história de tabagismo e de cirurgia prévia, bem como os achados nasofibroscópicos desses pacientes.

Os dados provenientes da pesquisa foram pro-cessados e reunidos em arquivos eletrônicos, sob a forma de banco de dados no programa Mi-crosoft Excel 2010, para estudo deles, por meio de análise descritiva. Valores foram apresenta-dos em números absolutos e relativos.

Resultados

Foram analisados 20 prontuários de pacientes atendidos pelo Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas com queixa de epistaxe de repetição.Em relação à idade dos pacientes, cinco (25%)

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AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE

apresentavam-se abaixo dos 25 anos de idade. Nove deles tinham a idade entre 25 e 60 anos, representando 45%, enquanto o restante, 35% da amostra, era pacientes com idade acima dos 60 anos. A média de idade foi de 42,7 anos (DP ± 28,37), sendo os extremos de nove e 69 anos. Dentre os homens, a média de idade foi de 52,4 anos (DP ± 23,14), enquanto que nas mulheres foi de 33,4 anos (DP ± 33,78).

No presente estudo, foi observada a prevalência similar entre homens e mulheres, cada um deles representando 50% dos pacientes da amostra.

No que diz respeito à profissão, seis pacientes (30%) eram estudantes, quatro (20%) eram do-nas de casa, três (15%) eram pescadores e dois

(10%) eram aposentados. O restante dos casos (25%) pertencia a outras profissões remunera-das.

O desvio de septo foi o achado mais comum en-contrado ao exame, repetindo-se em seis (30%) pacientes, seguido pela presença de telangiec-tasias em septo em quatro pacientes (20%). A presença de hipertrofia adenoideana e de cor-netos nasais inferiores responde, cada um, por dois casos (10%). Os outros seis pacientes (30%) dividiam-se igualmente em papiloma invertido, pólipo antrocoanal, polipose, granuloma de septo, coágulo em fossa nasal e telangiectasias em rinofaringe (Gráfico 1).

Ao observar os achados nasofibroscópicos em

relação ao sexo dos pacientes (Tabela 1), foi possível constatar o predomínio das alterações estruturais em mulheres quando relacionado aos homens. O desvio de septo esteve presente em quatro das dez mulheres (40%); a presen-ça de hipertrofia adenoideana foi encontrada em duas mulheres; as telangiectasias de septo foram achadas em três pacientes do sexo femi-

nino; e a hipertrofia de corneto nasal inferior esteve presente em uma (10%) mulher. Ao veri-ficar a prevalência em homens, foram observa-dos dois casos (20%) de desvio de septo, dois (20%) de telangiectasias, dois (20%) de polipose, um (10%) de granuloma e um (10%) de coágulos em fossa nasal.

Gráfico 1: Achados nasofibroscópicos mais frequentes em pacientes com epistaxe.

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Gráfico 2: Presença de rinite alérgica e tabagismo em pacientes com epistaxe.

Tabela 1 – Principais achados nasofibroscópicos de acordo com a Clínica Médica e Residência de Clínica

Entre os pacientes analisados, o número de tabagistas foi de seis (30%) pessoas (Gráfico 2). Quatro dos dez homens eram fumantes, en-quanto que duas das dez mulheres também o eram. A média da carga tabágica foi de 35,3 maços/ano.

Ao verificar os casos de rinite alérgica e epistaxe, a manifestação alérgica se apresentou em qua-tro pacientes (20%) dos vinte analisados, apre-sentando-se em dois pacientes com hipertrofia de cornetos nasais inferiores (Gráfico 2).

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Quando analisada a existência de cirurgias nasais prévias, foram encontrados apenas dois pacientes (10%) que haviam realizado algum procedimento cirúrgico nasal e ambos os ca-sos encontraram-se relacionados a tumorações nasais (polipose e papiloma invertido).

Discussão

O sangramento nasal é uma afecção clínica conhecida desde a Antiguidade, pois exis-

tem referências a essa condição datadas do século 5 a.C.; contudo, o termo epistaxe só foi introduzido por Cullen, em 1785, e até hoje constitui uma das afecções otorrino-laringológicas mais frequentes, tanto nas emergências quanto nos ambulatórios.2 No presente estudo, a casuística de 20 pacientes foi encontrada por meio de análise de pron-tuários apenas daqueles que foram submetidos à nasofibroscopia. A maior demanda dos casos de epistaxe acaba sendo atendida em prontos-

AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE

Outros autores também mostraram o sexo masculino como o predominante nos casos de epistaxe, com prevalência de 55% dos pacientes estudados.7

A ocupação mais frequentemente encontrada nos pacientes estudados foi a de estudante, com 30% dos casos. Além disso, a maioria dos pacientes (60%) exercia atividade remunera-da, ao passo que 40% não o fazia, ou já eram aposentados.

Trabalhos anteriores obtiveram dados com relação à profissão, na qual dentre os homens, 65,5% eram aposentados e os 34,5% restantes realizavam atividade remunerada, enquanto que 12% das mulheres eram aposentadas, 68% prestadoras de atividade não remunerada e 20% de atividade remunerada. Comparando-se gênero e ocupação, o autor mostrou pre-dominância estatística significativa.3

Nos achados da nasofibroscopia, o desvio de septo foi o mais encontrado, posto que verifi-cado em 30% dos casos. Alterações anatômicas somaram 15 (25%) casos. Em relação ao sexo, pôde-se observar o predomínio das alterações estruturais em mulheres quando relacionado aos homens, com dados de 100% nas mulheres, em comparação com 50% nos homens.

O tabagismo foi constatado em seis (30%) pa-cientes do estudo. Quatro dos dez homens eram fumantes, enquanto que duas das dez mulheres eram fumantes. A média da carga tabágica foi de 35,3 maços/ano. É sabido que o cigarro é um importante fator de risco relacionado à piora do quadro e, principalmente, à etiolo-gia da epistaxe. Trabalhos mostram o cigarro dentre os fatores importantes na etiologia e no prosseguimento da epistaxe, além da hiperten-são arterial sistêmica e do trauma nasal.8

A manifestação da rinite alérgica apresentou-se em quatro pacientes (30%) dos 20 analisa-dos, sendo três (20%) do sexo feminino e um paciente (10%) do sexo masculino.

A rinite alérgica mostrou-se como impor-tante elemento, no que concerne às crises de epistaxe, haja vista que os sintomas daquela,

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socorros e muitos não dão seguimento à investi-gação de tal achado. Além disso, considerando que tal exame não está disponível na maior parte dos centros médicos do Sistema Único de Saúde, muitos profissionais acabam deixando de solicitá-lo. Em vista de tais fatos, obteve-se uma casuística inferior à observada em outros trabalhos.

O uso regular da endoscopia na prática ambu-latorial, durante a última década, propiciou novos conhecimentos a respeito da etiologia e tratamento da epistaxe. O ponto de sangramen-to dentro da cavidade nasal pode ser identifica-do com maior facilidade e precisão, de modo a possibilitar tratamentos ainda menos invasivos, como a simples cauterização do ponto san-grante, que apresenta alto índice de eficácia.5

Neste estudo, a maioria dos indivíduos apresen-tava idade entre 25 e 60 anos, enquanto que os extremos etários mostraram-se minoria. A mé-dia de idade foi de 42,7 anos, com a menor nove e a maior 69 anos. A maior média da idade foi nos homens (52,4 anos), em relação às mulheres (33,4 anos). Não foi observada predominân-cia de homens ou de mulheres, pois cada um representou 50% da amostra estudada.

A epistaxe tem uma distribuição bimodal em relação às faixas etárias, com o primeiro pico de incidência durante a infância e o outro por volta dos 50 anos de idade em diante. A maior parte dos pacientes estudados foi composta por adultos, conflitando com os dados da literatura; entretanto, vale ressaltar que foram incluídos no estudo somente pacientes que necessitaram de nasofibroscopia para elucidação diagnóstica e não a demanda espontânea do serviço.6

Em outro estudo, dos 54 pacientes que procu-raram a emergência do hospital, a média de idade da amostra foi de 60,2 anos (com des-vio padrão de 15,4), com os extremos variando de 13 a 92 anos. Nesse mesmo estudo, o sexo masculino foi o mais prevalente, mostrando-se em 53,7% dos casos. Cruzando os dois dados, o estudo demonstrou uma idade média superior para o sexo masculino (62,5 anos) em relação ao feminino (57,5 anos).3

Santana et al

tais como prurido nasal e espirros, bem como os atos de assoar o nariz, tossir e utilizar gota nasal descongestionante, são altamente rela-cionados a casos de epistaxe.9

Outras etiologias conhecidas da epistaxe são: trauma, corpo estranho, inalação de agentes irritantes, rinossinusites infecciosas, tumores nasais ou de rinofaringe, como os hemangiomas e alterações vasculares, como a Síndrome de Rendu-Osler-Weber.10

A telangiectasia hemorrágica hereditária ou Síndrome de Rendu-Osler-Weber é uma doença autossômica dominante, em que a lesão inicial baseia-se em deficiência estrutural da parede dos vasos sanguíneos, caracterizada por al-teração da lâmina elástica e camada muscu-lar, tornando-as mais vulneráveis a traumatis-mos e rupturas espontâneas. As manifestações otorrinolaringológicas são as mais frequentes, sendo o principal sintoma epistaxe recorrente, presente em 93% dos pacientes.11,12

O nasoangiofibroma é um tumor vascular que, apesar de histologicamente benigno, é local-mente invasivo e com alta incidência de per-sistência e recorrência. Acomete, na maioria das vezes, pacientes jovens do sexo masculino. O tumor geralmente tem origem na porção na-sal posterior, junto ao orifício esfenopalatino. Desse ponto pode espalhar-se, lateralmente, para a fossa pterigopalatina, fossa infratempo-ral e algumas para a fossa temporal. O tumor pode se desenvolver também para cima através da fissura orbitária inferior, então caminha em direção ao ápice da órbita e fissura orbitária su-perior para finalmente alcançar o seio caver-noso. A apresentação clínica, em grande parte dos casos, é constituída pela presença da tríade de obstrução nasal, epistaxe e massa nasofarín-gea.13,14,15,16

Apenas dois (10%) pacientes com história de cirurgias otorrinolaringológicas nasais prévias evoluíram com epistaxe e ambos os casos en-contraram-se relacionados à polipose e papilo-ma invertido.

A polipose nasal pode ser definida como um dis-túrbio inflamatório crônico da mucosa do nariz e

seios paranasais, bilateral, com transformação edematosa multifocal da mucosa, que leva a protrusão de pólipos benignos provenientes dos meatos em direção à cavidade nasal. Os pacientes, na maioria das vezes, apresentam um ou mais seios paranasais comprometidos e sintomas de rinossinusite crônica. As principais queixas dos pacientes costumam ser obstrução nasal, rinorreia, descarga nasal posterior, ce-faleia, hiposmia/anosmia e tosse. Pode haver associação com asma não alérgica, intolerân-cia ao ácido acetilsalicílico (AAS) ou ainda com outras doenças como fibrose cística, sinusite fúngica alérgica, Síndrome de Young, Churg-Strauss e Kartagener.17,18

O papiloma invertido, também conhecido como papiloma fibromixoide, papiloma de células transicionais, papiloma de Ewing, papiloma schneideriano ou papiloma de Ringertz, é uma neoplasia benigna, com origem no epitélio schneideriano da parede nasal lateral. Histo-logicamente, caracteriza-se pelo crescimento do epitélio em direção ao estroma. A lesão exibe padrão de crescimento endofítico característico, com inversão da superfície do epitélio para den-tro do estroma e, apesar de benigno, é localmente invasivo e tem tendência à recorrência e à trans-formação maligna. Os sinais e os sintomas são inespecíficos, podendo causar obstrução nasal unilateral, epistaxe, distúrbios olfatórios e ri-nossinusites recorrentes.19,20,21

Conclusão

A epistaxe é uma das principais afecções otor-rinolaringológicas, com frequência estimada em 60% da população geral. Existem poucos estudos que visam caracterizar essa condição no Amazonas. Por essa razão, foi realizada tal pesquisa que visou mostrar os achados nasofi-broscópicos e as características epidemiológi-cas de indivíduos atendidos por essa condição.

Com base neste estudo, pôde-se observar que, diferentemente da literatura, na população es-tudada, houve distribuição de casos de epistaxe idêntica entre os sexos. Constatou-se que a faixa etária mais prevalente foi composta de adultos e não de extremos etários. Houve uma correlação de, respectivamente, 20 e 30% de

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AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA NASAL DE PACIENTES COM EPISTAXE

epistaxe com tabagismo e rinite alérgica. Os principais achados nasofibroscópicos, tanto em indivíduos do sexo feminino quanto masculino, foram desvio septal e telangiectasias, enquanto que a polipose nasal foi verificada frequente-mente em homens.

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Endereço para correspondência: Rua Belém, 156. Bairro: Nossa Senhora das Graças – CEP 69053-380. Cidade: Manaus – Es-tado: AM. Telefone: 55 (92) 9155-6760E-mail: [email protected]

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HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA:POR QUE INVESTIGAR?

ASYMPTOMATIC HYPERAMYLASEMIA: WHY TO EXAMINE?

Wilson Marques Ramos Júnior*, Victor Hugo Vieira Barroso*, Camila Bandeira de Oliveira*, Armando de Holanda Guerra Júnior**

Resumo

A amilase é uma enzima que hidrolisa o amido e glicogênio. A hiperamilasemia permite diversos diagnósticos diferenciais, sendo o mais comum a pancreatite aguda. Podemos encontrar também a hiperamilasemia em pacientes assintomáticos. Durante a investigação devemos ter os níveis de lipase e tripsina, além da tomografia computadorizada de abdome. Portanto, as causas de ami-lase elevada poderem ser benignas ou malignas, faz-se necessário a investigação diagnóstica mais detalhada.

Palavras-chave: Hiperamilasemia, hiperamilasemia benigna, pancreatopatia alcoólica, pancreatite crônica, pancreatite aguda.

Abstract

Amylase is an enzyme that hydrolyzes amylum and glycogen. Hyperamylasemia allows several differential diagnoses, the most common is acute pancreatitis. We can also find the hyperamylasemia in asymptomatic patients. During the investigation we must have the levels of lipase and trypsin, and abdominal computed tomography. Hence, the amylase elevated causes may be benign or malignant, as the causes of elevated amylase may be benign of malignant, it is necessary to procede with a more accurate diagnose.

Keywords: Hyperamylasemia, benign hyperamylasemia, alcoholic pancreatopathy, chronic pancreatitis, acute pancreatitis.

Introdução

Amilase é uma enzima digestiva que hidrolisa os amidos, o glicogênio e a maioria dos outros carboidratos (à exceção da celulose), formando dissacarídeos e alguns trissacarídeos.1

Sabe-se que a amilase elevada é uma enzi-ma encontrada em várias doenças agudas e crônicas podendo citar a pancreatite aguda e crônica, obstrução canalicular pancreática, ce-

toacidose diabética, doenças virais crônicas do fígado, doenças inflamatórias intestinais. O ras-treio de pacientes com exames de imagem, que apresentam hiperamilasemia assintomática, tem mostrado doenças pancreáticas crônicas as quais podem apresentar sua primeira manifes-tação com o aumento de amilase sérica. No en-tanto, algumas causas de aumento de amilase permanecem de origem indeterminada.2

É recomendado o rastreio mais detalhado

Ramos Júnior et al

*Médico residente de clínica médica do HUGV/Ufam** Médico especialista em Gastroenterologia e Preceptor da residência de clínica médica do HUGV

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HIPERAMILASEMIA ASSINTOMÁTICA: POR QUE INVESTIGAR?

desses pacientes, pois há o risco de neopla-sia pancreática sem manifestações clínicas. Um estudo em que avaliaram CA 19.9, ultras-sonografia abdominal, tomografia computa-dorizada, ressonância magnética endoscópi-ca, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica e ultrassonografia endoscópica. Foram avaliados 51 pacientes com pré-diagnósti-co de hiperamilasemia crônica assintomática de causa não pancreática, após um seguimento de dois anos, 39,2% foram considerados hiperami-lasemia benigna, 35,2% tiveram diagnóstico de macroamilasemia e 25,4% de hiperamilasemia salivar.3

Tendo em vista a dificuldade do clínico em con-duzir os casos que apresentam hiperamilasemia de causa indeterminada, a presente revisão abordará as principais causas desse aumento enzimático e as condutas a serem tomadas diante de pacientes que não são encontradas causas para tal elevação.

As causas de Hiperamilasemia

O aumento de amilase é encontrado em mui-tos contextos clínicos, permitindo-nos vários diagnósticos diferenciais. Pancreatite aguda é a principal causa de hiperamilasemia, em pa-cientes com dor abdominal, especialmente se encontrarmos um valor dez vezes maior que o limite superior da normalidade.

Podemos também encontrar elevação modera-da da enzima, maior que cinco vezes o valor de normalidade, nos casos de gravidez tubária rota, perfuração de víscera oca, obstrução in-testinal, peritonite e cetoacidose diabética.4

A pancreatopatia alcoólica é um importante diagnóstico a ser considerado naqueles pa-cientes com história de uso crônico de álcool (>80 mg/dl), associado a dor abdominal que pode ser pior após ingesta etílica.5

A insuficiência hepática aguda (IHA) também pode apresentar níveis elevados de amilase. Um estudo mostra que 12% dos casos de IHA pos-suíam níveis elevados de amilase, e apenas 9% apresentaram manifestações clínicas de pan-creatite. Neste estudo houve aumento da mor-

talidade em pacientes que desenvolveram insu-ficiência renal, no entanto não há fator preditor independente em relação aos níveis aumenta-dos de amilase. Para definição da etiologia faz-se necessário o uso da tomografia computadori-zada e ultrassonografia de abdome.6

A hiperamilasemia salivar é observada em con-dições que acometem o funcionamento das glândulas salivares. Outras condições, porém, como alcoolismo, pós-operatórios (revasculari-zação do miocárdio), acidose láctica, cetose diabética, anorexia nervosa ou bulimia e neo-plasias malignas, também podem levar a essa condição. Deve ser realizada a eletroforese da amilase ou, então, a técnica de anticorpo monoclonal específico para amilase pancreáti-ca e salivar, para diferenciarmos as duas for-mas da enzima que podem estar levando a uma elevação da enzima de causa não pancreática.7

A macroamilasemia é uma anormalidade bio-química isolada causada pela agregação da amilase sérica com imunoglobulinas produzin-do um complexo molecular grande e pesado. É descrita como uma causa frequente, mas be-nigna de hiperamilasemia que não necessita de tratamento e que tem sido encontrada em uma variedade de doenças e desordens au-toimunes.8

Um estudo com pacientes apresentando hiper-lipasemia de causa indeterminada, prosseguin-do-se a investigação com a realização de colan-giopancreatografia por ressonância magnética (CPRM), detectou que 42,6% dos pacientes não apresentavam anormalidades anatomopatológi-cas. Dos que apresentava anormalidades, 18,5% apresentavam pâncreas divisum, 16,7% pan-creatite crônica e 13% pequenos cistos pan-creáticos, um dos seguintes achados em cada paciente (1,9%): fusão do ducto pancreático anormal, sequela de laceração pancreática, esclerose de papila, litíase intraductal pancre-ática e pancreatite por depósito de ferro.9

Um relato de caso evidencia elevação da enzima em pacientes sem doença pancreática que pos-suíam apenas queixas de cólica nefrética. Du-rante a investigação diagnóstica, foi constatado extravasamento urinário na cavidade peritoneal

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o que provavelmente levou a irritação da cauda do pâncreas, causando uma pancreatite aguda, justificando a hiperamilasemia.10

A ruptura de cisto de ovário também foi descri-ta como uma causa de aumento de amilase, pois há produção de amilase em estruturas de origem embrionária do epitélio mülleriano e ducto mesonéfrico.11

Existe uma entidade rara conhecida como hiperami-lasemia familiar, na qual podemos encontrar pelo menos três gerações de familiares com aumentos dos níveis de amilase, sem outras causas evidentes para o aumento da enzima. É mais um diagnós-tico diferencial a ser considerado em crian-ças.12

Conduta diagnóstica

A confirmação dos níveis elevados de amilase deve ser feita com coletas num intervalo de pelo menos cinco dias, pois estudos demonstram que um exame com níveis elevados pode não se repetir subsequentemente em pacientes assin-tomáticos, podendo ser de causa não patológica (Figura 1). Essa flutuação dos níveis da enzima não possui uma causa definida até o momento.13

Sendo a pancreatite a causa mais comum de aumento de amilase, faz-se necessária a com-plementação diagnóstica com lipase e tripsina. Além de exames de imagem como tomografia computadorizada de abdome.14 O uso da tomo-grafia de abdome é de fundamental importância para determinar critérios de gravidade na pan-creatite aguda, principalmente nos pacientes sintomáticos.15

Deve ser realizada a triagem, nos pacientes assintomáticos e sem causa estrutural evidente, para diferenciação entre amilase e macroami-lase. O diagnóstico de macroamilasemia requer a demonstração da existência do complexo amilase-proteína no sangue, o que é realizado por meio de diferentes métodos, desde a eletroforese e cromatogra-fia por filtração até as técnicas de ultracen-trifugação ou enfoque isoelétrico. O cálculo da depuração renal de amilase também é útil para o diagnóstico diferencial, estando abaixo de 1% na macroamilasemia.16

A hiperamilasemia benigna geralmente é encon-trada em exames de rotina em pacientes assin-tomáticos. Esses pacientes, que não possuem causa etiológica para o achado laboratorial, devem ser acompanhados por dois anos, para então serem considerados de causa benigna. O seguimento deve avaliar presença de sinais e sintomas de doença pancreática ou anormali-dades na estrutura do pâncreas por exames de imagem.17

Conclusão

Muitos casos de níveis elevados de amilase são encontrados em pacientes assintomáticos durante exames de rotina, sendo necessário acompanhamento de um a dois anos antes de fechar o diagnóstico de hiperamilasemia be-nigna. Tais casos devem ser investigados pela possibilidade de haver uma doença pancreática envolvida no processo, no entanto devemos en-tender que existem variações basais nos níveis dessa hidrolase, podendo variar num período de cinco dias, fazendo-se necessária confirmação da hiperamilasemia sérica antes de iniciar a investigação por imagem, pois nesse período, em alguns casos, encontrarmos valores dentro Figura 1: Investigação diagnóstica da hiperamilasemia

Ramos Júnior et al

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dos padrões de normalidade ao repetirmos o exame.18

Em um estudo prospectivo com pacientes assintomáticos e apresentando hiperami-lasemia, demonstrou-se que pode haver a exacerbação de um quadro de doença pan-creática em até um ano de seguimento, sendo então recomendado acompanhamen-to clínico desses pacientes.19

A amilase salivar pode ter suas concentrações correlacionadas com os níveis de catecolami-nas, e sofrer alterações em resposta ao estresse físico e psicológico. Pode também possuir níveis anormais em agressões às glândulas salivares como infecções, traumas e cálculos, sendo necessário então a avaliação diferencial.20

Tendo em vista as diferentes causas de hi-peramilasemia e as variações que podem ocorrer nos exames laboratoriais de pa-cientes com condições benignas e malignas, é importante ser realizado um acompanha-mento desses pacientes por um a dois anos, avaliando a presença de sinais e sintomas de doença pancreática ou anormalidades na es-trutura do pâncreas por exames de imagem.

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Ramos Júnior et al

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Silva Júnior et al

PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO

(ESPINHA DE PEIXE)

INTESTINAL PERFORATION CAUSED BY ACCIDENTAL INGESTION OF FOREIGH BODY (FISH BONE)

Rubem Alves da Silva Júnior*, Márcio Costa Fernandes**, Raimundo Monteiro Maia Filho**, Adriano Pessoa Picanço Júnior**, Rubem Alves da Silva Neto**, Igor Gioia Fonseca***

Resumo

A maioria dos corpos estranhos ingeridos passa por todo o trato gastrointestinal sem intercorrên-cias, sendo eliminados nas fezes; entretanto, em alguns casos, podem ocorrer complicações como perfuração ou obstrução. A perfuração pode se manifestar por diversos quadros clínicos como sepse, obstrução e abscessos hepáticos ou abdominais; e o diagnóstico clínico, laboratorial e ra-diográfico é difícil. Embora rara, o cirurgião geral deve ter sempre em mente a possibilidade de perfuração gastrointestinal em pacientes que apresentam sintomas abdominais agudos atípicos. Em caso de dúvida, deve-se fazer a exploração abdominal. O caso relatado trata de um paciente do sexo masculino, de 70 anos, admitido em nossa instituição com quadro de dor abdominal em fossa ilíaca direita havia seis meses associada a picos febris, sudorese, calafrio e hiporexia. Foi ele submetido à laparotomia exploradora e colectomia direita, com anastomose íleo-cólica término-lateral. Paciente apresentou poucas intercorrências no período pós-operatório recebendo alta após 11 dias da cirurgia. O laudo histopatológico evidenciou processo inflamatório causado por corpo estranho (espinha de peixe).

Palavras-chave: corpo estranho, intestino delgado, espinha de peixe, perfuração.

Abstract

Most ingested foreign bodies pass through the entire gastrointestinal tract uneventfully, being eliminated in the feces, however, in some cases complications can occur such as perforation or obstruction. The perforation may manifest for clinical conditions such as sepsis, obstruction or abdominal and liver abscesses; and the clinical, laboratory and radiographic giagnosis is difficult. Although rare, the general surgeon should always bear in mind the possibility of gastrointestinal perforation in patients with acute abdominal atypical symptoms. If in doubt, you should do abdominal exploration. The reported case is a male patient, 70 years old, admitted to our hospital with abdominal pain in the right iliac fossa for 6 months associated with peaks of fever, sweating, chills, and decreased appetite. The same patient was submitted to laparotomy

*Chefe da divisão de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ama-zonas, supervisor do Programa de Residência em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestório do HUGV, prof. Msc. de Clínica Cirúrgica da Universidade Nilton Lins.**Médico residente do segundo ano de Cirurgia Geral do HUGV – AM.***Acadêmico de medicina da Universidade Federal do Amazonas.

and right colectomy with ileo-colic anastomoosis end-side. Patient presented few complications in postoperative period and was discharged after 11 days of the surgery. The histopathological report showed inflammation caused by foreign body (fishbone).

Keywords: foreign bodies, small bowel, fishbone, perfuration.

Introdução

A ingestão de corpo estranho é uma situação relativamente frequente na prática clínica e a maioria atravessa o trato gastrointestinal sem intercorrências.1,2,3,4 A espinha de peixe é um dos objetos mais comumente envolvidos pela sua forma afiada,1 podendo resultar em per-furação do trato gastrointestinal em 1% dos caso.2,3,4,5 O diagnóstico preciso desse quadro é particularmente difícil e raramente feito no pré-operatório,3,6,7 pois a história dietética geral-mente é irrelevante, a ingestão de espinha de peixe é comum e acidental e a sintomatologia é inespecífica,6 podendo simular o quadro de outras condições cirúrgicas mais prováveis, tais como apendicite, diverticulite e abscesso.1,3 Os métodos de imagem dependem da locali-zação anatômica e densidade radiográfica do corpo estranho,6 sendo praticamente invisíveis à radiografia simples, ao contrário da tomogra-fia computadorizada (TC), que pode ser usada para elucidar uma causa inexplicável e persis-tente da dor abdominal.4 A perfuração ocorre geralmente no jejuno 3,4 e íleo terminal,7,8 com maiores taxas de impactação nas áreas de an-gulação do intestino1 (retossigmoide e válvula ileocecal).1,2,4

O objetivo deste relato é apresentar o caso clínico de um paciente do sexo masculino, 70 anos, com diagnóstico intraoperatório de per-furação do ceco por espinha de peixe, tratado cirurgicamente com sucesso.

Relato de caso

Paciente de 70 anos, sexo masculino, com quadro de dor abdominal em fossa ilíaca di-reita há seis meses, a qual se irradia para face interna da coxa e bolsa escrotal ipsilateral; e febre alta não aferida, sudorese, calafrios e hiporexia. Duas semanas antes da internação,

evoluiu com piora do quadro, tendo aumento da intensidade da dor e dois episódios de diarreia aquosa sem muco e sem sangue. Perda ponderal de dez quilos nesse período. Negava náuseas, vômitos ou constipação.

Hipertenso há oito anos, portador de diabetes tipo 2 havia dez anos sem controle adequado.

Admitido em nosso serviço em bom estado geral, eupneico, eucárdico, normocorado, acianótico, anictérico e hidratado.

Sinais vitais: 36,7oC, pulso 86 bpm, pressão ar-terial 110 x 79 mmHg.

Ao exame físico especial, apresentava abdô-men com ruídos hidroaéreos, doloroso à pal-pação profunda em fossa ilíaca direita e dor à descompressão súbita na mesma região, onde foi evidenciada tumoração fixa e endurecida de aproximadamente 0,5 x 0,5 cm.

Ao toque retal: próstata móvel, de consistência fibroelástica, de tamanho aproximado de 8,0 cm, sulco centralizado, sem nodulações; sem sangue em dedo de luva.

Exames laboratoriais: hemoglobina 13,9% g/dl, hematórito 40%, leucócitos 12.000 mm3, seg-mentados 84%, linfócitos 11%, plaquetas 339.000 mm3, fosfatase alcalina 462 U/L, TGO 35 U/L, TGP 37 U/L, gama-GT 336 U/L, bilirrubina to-tal 2,81 mg/dl, bilirrubina direta 0,11 mg/dl, bilirrubina indireta 2,7 mg/dl, proteínas totais 6,5 g/dl, albumina 3,3 g/dl, globulina 3,17 g/dl, sódio 129 mmol/L, potássio 4,3 mmol/L, TAP 62,3%, glicemia 253 mg/dl, ureia 28 mg/dl, creatinina 0,8 mg/dl, CEA 2,2 ng/ml.

Exames de imagem:

– Radiografia simples de abdômen sem evidên-cias de pneumoperitônio.

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PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO (ESPINHA DE PEIXE)

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Silva Júnior et al

– Ultrassonografia abdominal: colelitíase.– Tomografia computadorizada de abdômen (Figuras 1 e 2), com impressão diagnóstica de derrame pleural laminar bibasal. Espessamento parietal concêntrico do ceco, associado à in-definição de seu segmento apendicular, asso-ciado ao borramento difuso da gordura mesen-térica adjacente, com foco cálcico e coleção hipodensa de permeio, com cerca de 4,0 x 2,7 cm, de natureza inflamatório-infecciosa. Não há sinal de pneumoperitônio ou dilatação de vias biliares.

– Colonoscopia: ceco de parede espessada na topografia do óstio e margem apendicular, com diâmetro de 5 cm, com superfície regular, hi-peremia da mucosa e aumento da consistência tecidual e áreas com deposição de fibrina. Vál-vula ileocecal não comprometida. Conclusão: alteração da parede cecal com hipóteses de

neoplasia, apendicite hiperplástica.

Submetido à laparotomia exploradora, durante a qual foi evidenciado tumoração inespecí-fica na topografia do ceco com drenagem de moderado volume de secreção purulenta de região retrocecal, assim como necrose na parede posterior do ceco. Foi submetido à colectomia direita com anastomose íleo-cólica término-lateral.No pós-operatório imediato o paciente evoluiu com hipotensão responsiva a volume, tendo descontrole em seus níveis glicêmicos sendo posteriormente estabilizados.

Recebeu alta hospitalar no 11.o dia pós-operatório em regular estado geral.

Laudo histopatológico conclusivo para processo inflamatório causado por corpo estranho (es-pinha de peixe).

Discussão

A ingestão de corpos estranhos não é uma condição clínica rara;4,7 mais comum no sexo masculino4 e ocorre com maior frequência em certos grupos populacionais como crianças, al-coólatras, presidiários, pessoas com distúrbios psiquiátricos, idosos e deficientes visuais.1,3,6,7 A maioria desses objetos atravessa o trato di-gestivo sem intercorrências durante uma sema-na.2,4,7,8 A perfuração pode ser vista em até 1% dos casos.4,7,8 Pequenas espinhas de peixe são inadvertidamente deglutidas1 e são as que mais causam perfuração intestinal,2 mas, apesar da forma afiada, podem estar presentes em um bolo alimentar e, sendo assim, não perfurar a parede intestinal, dependendo também do ta-manho delas.1

As regiões anatômicas onde a impactação for mais provável incluem: áreas mais estreitas e de maiores angulações do intestino, zonas com aderências, anastomoses cirúrgicas prévias e zonas que possuírem uma moléstia diverticular.6 Os locais mais acometidos pela perfuração são: jejuno,3,4 íleo distal7,8 e retossigmoide.7 Inter-venções intra-abdominais prévias por outras pa-tologias expõem o indivíduo a maiores taxas de complicações diante de um quadro de ingestão

Figura 1: Tomografia computadorizada do abdômen

Figura 2: Tomografia computadorizada do abdômen.

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dominal durante a cirurgia.7

A laparoscopia surge como ótima opção nos casos duvidosos, com relevância diagnóstica e tera-pêutica, principalmente nos casos em que não há peritonite deflagrada.5 Possui a vantagem de oferecer a vantagem de oferecer avaliação precisa da cavidade abdominal permitindo in-tervenção imediata.7,8 Fantola e colaboradores (2011) publicaram um relato de caso em que um paciente do sexo masculino procurou o serviço de emergência por dor abdominal no quadrante inferior esquerdo do abdômen, com TC de ab-dômen evidenciando imagem sugestiva de corpo estranho.7 O diagnóstico definitivo e tratamen-to foram realizados por meio de laparoscopia. Alguns autores (2009) relataram dois casos em que não foi observado peritonite, mas apresen-taram perfuração com formação de abscesso, sendo submetidos à remoção do corpo estranho e limpeza da cavidade abdominal.7

Ainda são insuficientes as evidências para reco-mendar o manejo não operatório nessas per-furações intestinais.3 Para os pacientes sem a lembrança da ingestão de um corpo estranho e que desenvolveram abscesso intracavitário, a intervenção cirúrgica é obrigatória.4 A tendên-cia atual para o tratamento da perfuração intes-tinal por corpo estranho em adultos é o reparo por meio da sutura primária ou ressecção seg-mentar com enteroanastomose.6 No entanto, na presença de achados tomográficos, ausência de peritonite, contraindicações relativas para a cirurgia e em pacientes assintomáticos pode ser razoável manter o tratamento conservador e complementar com exame endoscópico.3

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3. Ward MA et al. Small bowel perforation secondary to fish bone ingestion managed non-operatively. The Journal of Emergency

de corpo estranho.7

O diagnóstico de perfuração intestinal causada por corpo estranho raramente é feito no pré-operatório, principalmente porque os sintomas são inespecíficos1,2,5 e podem ser semelhantes ao de outras condições cirúrgicas, como apen-dicite, diverticulite, fístulas ou abscesso hepáti-co, devendo estas entrarem como principais diagnósticos diferenciais.1,7 As características clínicas mais comuns causadas por ingestão de espinhas de peixe podem variar de um quadro com dor abdominal e febre,4,6 até vômitos e peritonite difusa.6 Assim, o diagnóstico de per-furação por corpo estranho deve sempre ser lembrado diante de um quadro de sintomas ab-dominais inespecíficos, sem uma etiologia bem definida.2

O uso da radiografia simples de abdômen para diagnosticar esse tipo de quadro, tem baixa sensibilidade (54,8%) e depende do grau de ra-diopacidade das espinhas de cada espécie de peixe e da localização anatômica.1,2,5,6 A TC demonstrou ser mais útil na detecção desses corpos estranhos.2,5,6

No entanto, apesar dos avanços tecnológicos, não há diagnóstico definitivo até a interven-ção cirúrgica na maioria dos casos.3,6,8 Algumas razões para o atraso no diagnóstico podem in-cluir o não conhecimento ou autorrelato da ingestão de uma espinha de peixe,1,2,3,4 o que torna a investigação clínica mais desafiadora, sendo que apenas 2% dos pacientes com per-furação intestinal relataram a ingestão de es-pinha de peixe.8

As perfurações são puntiformes e geralmente cursam com pouca significação clínica,3 pois o objeto pontiagudo causa impactação progres-siva na parede intestinal permitindo que seja coberto com fibrina, omento, alças intesti-nais adjacentes ou formação de abscesso lo-cal, evitando a liberação de gás e ou líquido na cavidade peritonial.1,3 Isso explica a baixa ocor-rência de pneumoperitônio.3 Há, no entanto, a possibilidade de perfuração livre da parede intestinal e migração do corpo estranho para outros locais da cavidade peritonial, exigindo um inventário mais cuidadoso da cavidade ab-

PERFURAÇÃO INTESTINAL CAUSADA POR INGESTÃO ACIDENTAL DE CORPO ESTRANHO (ESPINHA DE PEIXE)

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Endereço para correspondência: Hospital Universitário Getúlio Vargas - Endereço:Rua Apurinã, 4 – Praça 14 – CEP: 69020-170 Manaus/AM E-mail: [email protected]

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Silva Júnior et al

HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIAA ARTERITE DE TAKAYASU

SECONDARY HYPERTENSION ASSOCIATED WITH TAKAYASU ARTERITIS

Victor Hugo Vieira Barroso*, Wilson Marques Ramos Júnior*, Marlúcia do Nascimento Nobre**

Resumo

A arterite de Takayasu é uma vasculite primária de etiologia desconhecida que acomete princi-palmente a aorta e seus ramos principais, cursando com espessamento da parede dos vasos que culmina em estenose, oclusão ou dilatação arterial. Mais comum em mulheres jovens e deve ser investigada em situações de hipertensão arterial refratária ao tratamento com associação de anti-hipertensivos. É relatado um caso clínico dessa patologia diagnosticado por quadro de hipertensão arterial estágio 3 numa paciente jovem com sintomas sugestivos. Foi ela submetida à investigação de hipertensão secundária, diagnosticada com tal patologia, com estenose de artérias renais (doença renovascular) e aorta. Foi iniciado tratamento clínico com controle da pressão arterial por meio da associação de diversas classes de anti-hipertensivos e imunossupressores para con-trolar atividade inflamatória da doença e programar correção cirúrgica.

Palavras-chave: Hipertensão arterial secundária, arterite de Takayasu, estenose de artérias re-nais, hipertensão renovascular.

Abstract

Takayasu’s arteritis is a primary vasculitis of unknown etiology that primarily affects the aorta and its main branches coursing with thickening of the vessel wallthat cuminates in stenosis occlusion or arterial dilation. More common in young women and should be investigated in cases of hypertension refractory to treatment with a combination of antihypertensive drugs. We report a case of this disease diagnosed in a young patient with symptoms suggestive. The same was submitted to the investigation of secondary hypertension, diagnosed with this disease, renal artery stenosis (renovascular disease) and aorta stenosis. It was initiated clinical treatment with blood pressure control through the combination of different classes of antihypertensive drugs and imunossupressive drugs to control inflammatory activity the disease and plan surgical correction.

Keywords: Secondary hypertension, Takayasu’s arteritis, renal artery stenosis, renovascular desease.

Introdução

Diante da população hipertensa, existem diver-sas causas de elevação da pressão arterial que podem ser identificadas e tratadas sem que as

complicações advindas dela surjam. A hiperten-são arterial secundária deve ser pesquisada principalmente em pacientes jovens e quando há hipertensão refratária ao tratamento com uso da associação de, pelo menos, três classes

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Barroso et al

*Médico residente de clínica médica do HUGV – Ufam

**Médica cardiologista, preceptora da residência de clínica médica e supervisora da residência de Cardiologia do HUGV

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HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU

de anti-hipertensivos.

A investigação diagnóstica deve nortear-se nos dados do exame clínico do paciente que, bem elaborado, permite a seleção adequada de pa-cientes que deverão submeter-se à realização de exames complementares específicos.1

A arterite de Takayasu é uma causa rara de hi-pertensão arterial secundária. A elevação da pressão arterial se dá em consequência à es-tenose de uma ou ambas as artérias renais, re-sultante de um processo inflamatório das pare-des dos vasos, alterando a pressão de perfusão e o fluxo sanguíneo renal. Seu diagnóstico é dado pelos achados clínicos e a demonstração da lesão do vaso sanguíneo na arteriografia ou angiografia por ressonância magnética.2,3

O objetivo deste relato é apresentar um caso com a associação hipertensão arterial e arterite de Takayasu.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 20 anos, atendida, inicialmente, em unidade básica de saúde, re-latando episódios de claudicação intermitente em membros inferiores, dor abdominal difusa, em pontada que piorava a alimentação, cefa-leia holocraniana e pressão arterial de 210 x 120 mmHg. Ao exame do aparelho cardiovas-cular observou-se: ritmo cardíaco regular em 2 tempos, bulhas hiperfonéticas, sopro sistólico em foco aórtico 3+/6+ com irradiação para fúr-cula e foco aórtico acessório e sopro sistólico em foco mitral 3+/6+ com irradiação para linha axilar média, ictus cordis visível e palpável em 5.º espaço intercostal com 3 polpas digitais e frequência cardíaca de 66 bpm (batimentos por minuto). O abdome era flácido, doloroso à pal-pação profunda em hipogastro e flancos, com presença de sopro em aorta abdominal.

Foi iniciada investigação para hipertensão ar-terial secundária inicialmente com hipótese de arterite de Takayasu e doença renovascular. O resultado das provas inflamatórias (VHS=32 mm/s) estava acima dos limites da normali-dade e a ultrassonografia abdominal com Dop-pler e observou-se estenose importante de 70%

da aorta abdominal em seu terço médio distal, com alterações de fluxo e paredes irregulares, sem sinais de estenose das artérias renais; e an-giorressonância da aorta torácica e abdominal com redução do calibre da aorta abdominal a partir do tronco celíaco, chegando a acometer 83% da sua luz. Realizada arteriografia que evi-denciou redução do calibre da aorta abdominal, severa após a emergência da artéria mesenté-rica superior. A cintilografia renal, estática e dinâmica sugeriu hipertensão renovascular com rim direito heterogêneo, tamanho reduzido, severamente hipoperfundido com acentuado déficit na função urodinâmica e parenquima-tosa, lesões cicatriciais, captação absoluta do DMSA (ácido dimercapto succínico) acentuada-mente reduzida; e rim esquerdo vicariante, heterogêneo, tamanho aumentado, captação absoluta do DMSA aumentada.

Foi diagnosticada com arterite de Takayasu, pelos critérios do American College of Rheumatology (ACR): idade menor que 40 anos, claudicação de extremidades, sopro em aorta abdominal e alterações arteriográficas. Iniciou tratamento com anti-hipertensivos, porém manteve acom-panhamento ambulatorial irregular.

Abandonou acompanhamento clínico e trata-mento medicamentoso por aproximadamente 18 meses. Em março de 2011, com queixas de mal-estar geral, pré-síncope e PA de 290 x 230 mmHg, foi internada no Hospital Universitário Francisca Mendes. A nova arteriografia mostrou progressão das lesões arteriais com redução do calibre da aorta, mais acentuada, logo abaixo da emergência das artérias renais e impor-tante circulação colateral. O ecocardiograma transtorácico mostrava hipertrofia concêntrica de ventrículo esquerdo (VE) de grau importante. Nova cintilografia revelou rim esquerdo vicariante, heterogêneo, aumentado, hipoperfundido, com severo déficit na função urodinâmica e parenqui-matosa, captação absoluta do DMSA discretamente reduzida e rim direito hipocaptante com captação absoluta do DMSA acentuadamente reduzida. A cineangiocoronariografia mostrou-se normal.

Atualmente, mantêm níveis pressóricos eleva-dos, mesmo com a associação oito classes de medicações anti-hipertensivas (metildopa, hi-

dralazina, espironolactona, anlodipino, hidro-clorotiazida, atenolol, minoxidil e clonidina). Iniciou tratamento com prednisona e meto-trexate. No momento, aguarda fase de remis-

são de atividade inflamatória da doença para submeter-se a correção cirúrgica da estenose em artérias renais e aorta abdominal.

Discussão

A arterite de Takayasu acomete primariamente a aorta e seus ramos principais, podendo estar localizada na aorta torácica, abdominal, ou acometer todo o vaso e seus ramos. O quadro clínico é variável, dependente da localização e extensão do processo inflamatório.2,3 Podem surgir febre, mal-estar, artralgia, emagreci-mento, tontura e astenia, alterações dos pulsos arteriais periféricos, sopro e frêmito em traje-tos arteriais, parestesias e claudicação.2-6

A hipertensão arterial pode surgir em 33 a 83% dos casos, geralmente em decorrência da es-tenose de artérias renais, causa potencial-mente curável mais comum de hipertensão se-cundária (2-5%).2 O processo inflamatório causa espessamento da parede dos vasos afetados, estenose, oclusão ou dilatação das porções ar-teriais acometidas em graus variados, respon-sáveis por produzir os sintomas da doença. O desenvolvimento de técnicas de imagem menos invasivas (tomografia computadorizada e a an-giorressonância magnética) tem alcançado um papel importante na detecção e seguimento desses doentes, e vem aos poucos substituindo a arteriografia.2, 3-8

O tratamento clínico da arterite de Takayasu

1A 1B 1C

Figura 1A: Aortografia: Redução do calibre da aorta abdominal severa após a emergência da artéria mesen-térica superior. 1B: Aortografia: Artéria renal direita não identificada, importante circulação colateral. 1C:

Angiorressonância: Redução do calibre da aorta e artéria renal direita não identificada.

baseia-se no uso de corticosteroides em altas doses (1-2 mg/kg/dia) na fase ativa da doença e drogas imunossupressoras são utilizados, em associação para poupar os corticoides por conta dos seus efeitos colaterais. O metotrexato e a azatioprina são os mais utilizados. Drogas anti-TNF também podem ser utilizadas em casos re-fratários.2, 3, 9, 10

O tratamento cirúrgico de pacientes com estenose de artéria renal e hipertensão arterial deve incluir a intervenção para correção da lesão estenótica, seja por angioplastia ou cirurgia, principalmente nas seguintes condições: hipertensão refratária ao tratamento clínico incluindo três classes terapêuticas (sendo uma delas o diurético), in-suficiência cardíaca congestiva por miocardio-patia hipertensiva, edema agudo de repetição e insuficiência renal progressiva. A revasculari-zação, endarterectomia e/ou a angioplastia são os procedimentos cirúrgicos que podem ser reali-zados.1, 2, 4, 11

Quando há hipertensão arterial grave, o melhor resultado terapêutico está associado à angio-plastia renal. As falhas de tratamento ocorrem, principalmente, em lesões aórticas associadas e em lesões proximais de artéria renal e estão

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Barroso et al

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HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA A ARTERITE DE TAKAYASU

relacionadas à realização do procedimento du-rante a atividade da doença.1, 2, 11

Ainda assim, o tratamento da arterite de Ta-kayasu baseia-se, apenas, em análises observa-cionais e em relatos de casos. Estudos multi-cêntricos com maior número de pacientes são necessários para avaliar o melhor esquema terapêutico.5

Em conclusão, foi investigada a hipertensão secundária, pelas características clínicas da paciente: início precoce, hipertensão grave e refratária, claudicação de membros inferiores e sopro abdominal. Apesar do diagnóstico ain-da em fase inicial de doença, a paciente não aderiu ao tratamento clínico específico, o que provocou a evolução da vasculite para estágios avançados com estenose importante de artéria renal e hipertensão arterial grave e refratária, sendo então indicado o tratamento cirúrgico.

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DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL:RELATO DE CASO

INFANTILE POMPE DISEASE: CASE REPORT

Renata Fagundes Veiga*, Luciana da Silva Carreira**, Vânia Mesquita Gadelha Prazeres***

Resumo

Trata-se de uma doença genética rara de acúmulo de glicogênio, causada pela deficiência da enzima alfa-1,4-glicosidase ácida. O depósito de glicogênio ocorre dentro dos lisossomos, com predomínio em células musculares e determina duas formas de doença: a forma infantil, com evolução rápida e letal, e a forma adulta, de evolução lenta e progressiva. Relata um caso de pa-ciente com nove meses de idade, com quadro de pneumonias de repetição, além de cardiomiopa-tia hipertrófica e atraso motor importante, que após sucessivas internações evoluiu para o óbito.

Palavras-chave: Doença de Depósito de Glicogênio Tipo II; Cardiomegalia; Hipotonia Muscular; Terapia de Reposição de Enzimas.

Abstract

It is a rare genetic disorder of glycogen storage, caused by a deficiency of the alpha-1,4-glucosidase acid enzyme. The glycogen storage occurs inside lysosomes, predominantly in muscle cells and determines two forms of disease: the infantile form, with rapid and lethal progression, and the adult form of slow and progressive evolution. This article reports a case of a 9 months patient, with signs of recurrent pneumonia, hypertrophic cardiomyopathy and important motor delay, which after successive admissions progressed to death.

Keywords: Glycogen Storage Disease Type II; Cardiomegaly; Muscle Hypotonia; Enzyme Replacement Therapy.

Introdução

A doença de Pompe, também conhecida como deficiência de maltase ácida, doença de depósi-to de glicogênio tipo II ou glicogenose tipo IIa, é uma doença de herança autossômica reces-siva.1-8

Foi inicialmente descrita em 1932 em pa-ciente do sexo feminino, com sete meses de idade, que desenvolveu cardiomiopatia hiper-trófica idiopática e evoluiu a óbito. Durante necropsia, P. J. Pompe observou o acúmulo tecidual de glicogênio e o descreveu como sinal patológico característico.2,3 São descritas na

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*Médica residente em Pediatria – HUGV/Ufam** Médica pediatra intensivista – PSC Zona Sul*** Médica pediatra geneticista – HUGV/Ufam

Veiga et al

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literatura pelo menos 14 doenças de depósito de glicogênio, e a doença de Pompe é o pro-tótipo delas. É a única doença que é, ao mesmo tempo, de depósito de glicogênio e de depósito lisossomal. Ademais, foi a primeira doença de depósito lisossomal a ser reconhecida.1,3

A causa dessa doença é a deficiência da en-zima alfa-1,4-glicosidase ácida, uma hidro-lase lisossômica responsável pela degradação do glicogênio nos lisossomos. O glicogênio não degradado, que é estruturalmente normal, vai sendo depositado principalmente nas células musculares, determinando envolvimento mais importante das musculaturas lisa, esquelética e cardíaca.1-8

Há descritas duas formas da doença, a de início na infância e a de início tardio, que engloba as formas juvenil e adulta. A idade de início da doença e o grau de deficiência enzimática são inversamente proporcionais à sua gravidade.1-7

Relato do caso

O caso descrito é de um paciente do sexo femi-nino, nove meses, branca, natural e procedente de Manaus (Amazonas, Brasil), que desde o nas-cimento apresentava choro fraco e sucção dé-bil. Nascida de parto cesáreo por desproporção céfalo-pélvica, a termo, é a primeira filha de casal jovem, não consanguíneo. Aos quatro me-ses de vida iniciou quadro de tosse pouco produ-tiva, febre e dispneia. Foi diagnosticada com pneumonia e tratada em domicílio. Durante o tratamento, evoluiu com dispneia importante, necessitando de internação. Houve suspeita de cardiopatia associada, foram realizadas radio-grafia de tórax, que evidenciou cardiomegalia importante, e ecocardiograma, que mostrou cardiomiopatia hipertrófica. Recebeu alta hos-pitalar após 18 dias, em uso de furosemida. Após um mês, re-internou por nova pneumonia, sendo, então, aventada a hipótese de doença de Pompe, com base na história pregressa. Foram iniciados os exames para investigação, por meio da dosagem enzimática no sangue em papel filtro, que evidenciou 0% de atividade da GAA. Enquanto era aguardado resultado confir-matório do diagnóstico de glicogenose tipo IIa, foi feita a solicitação da terapia de reposição

enzimática. Novo ecocardiograma evidenciou cardiomiopatia hipertrófica, insuficiência mi-tral importante e aumento do átrio esquerdo. Após doze dias de internação, recebeu alta em uso de furosemida, carvedilol e espironolacto-na, para controle da cardiopatia.

Cerca de duas semanas após alta hospitalar, evoluiu com quadro de tosse, hipotonia e pali-dez, apresentando síncope enquanto aguardava atendimento. Chegou à emergência do serviço gemente e pálida, foi intubada, colocada em ventilação pulmonar mecânica e transferida para a UTI com quadro de congestão pulmo-nar por ICC descompensada, onde permaneceu por oito dias. Ficou sob ventilação pulmonar mecânica durante quatro dias, sob máscara de Venturi por dois dias e a seguir sob cateter de oxigênio, com boa evolução clínica após com-pensada ICC. Foi transferida para enfermaria, ainda dependente de cateter nasal de oxigênio, para conclusão da investigação para doença de Pompe. Após alta da UTI, no vigésimo sexto dia de internação, a paciente evoluiu com piora do quadro, sendo re-admitida na UTI, com pneu-monia grave, insuficiência respiratória e ICC compensada, evoluindo para sepse grave, pul-mão de Sara, choque séptico e insuficiência re-nal aguda, culminando com óbito.

Discussão

A doença de Pompe abrange um espectro fenotípico que varia de acordo com a idade de início da apresentação, se antes ou após os 12 meses de vida, acometimento orgânico e grau de miopatia.1-7;9

Tem incidência mundial estimada em cerca de 1:40.000 nascidos vivos, sendo que em Taiwan e no sudeste da China a estimativa é de cerca de 1:50.000 nascidos vivos. No Brasil, estima-se que existam cerca de 1.000 a 3.500 pacientes com doença de Pompe e no Amazonas não foram encontrados relatos científicos da forma infan-til clássica.2-6

A doença de Pompe Forma Infantil Clássica é considerada o extremo mais grave da doença, tem início nos primeiros meses de vida e, sem tratamento específico, é letal. Nessa forma

DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO

Figura 1: Paciente descrita, aos nove meses de idade, com hipotonia severa

clínica observa-se a presença de hipotonia, cardiomiopatia hipertrófica, hepatomegalia, macroglossia, déficit de sucção, debilidade na deglutição, arreflexia, retardo no desenvolvi-mento motor, déficit pôndero-estatural, e insu-ficiência respiratória progressiva.1-9 Os primei-ros sintomas, em geral, aparecem antes dos quatro meses de idade e o óbito costuma ocor-rer nos primeiros oito meses de vida, cerca de dois meses após o diagnóstico, em decorrência da evolução da cardiopatia, da fraqueza muscu-lar e do acúmulo de secreções para insuficiên-cia cardiorrespiratória ou infecção respiratória, em torno do final do primeiro ano de vida.1-8 Laboratorialmente apresenta níveis elevados de aminotransferases, creatinoquinase sérica e lactato desidrogenase. A dosagem da atividade enzimática da GAA está caracteristicamente

abaixo de 1%.5 Radiologicamente observa-se cardiomegalia de grande monta, e em geral é o primeiro achado sugestivo da doença, em lactente hipotônico.1;4;5 Ademais, o padrão eletrocardiográfico nessa doença é o de com-plexo QRS de alta voltagem, com intervalo PR encurtado.3;4;8

A paciente relatada apresentava, desde o nas-cimento, choro fraco e sucção débil, evoluindo com atraso importante no desenvolvimento mo-tor e dificuldade de movimentação espontânea dos membros superiores e inferiores, de forma que na ocasião do diagnóstico, com nove meses de vida, era hipotônica, não sustentava a ca-beça e somente aceitava alimentação oferecida em colher, não tendo sucção (Figura 1).

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DOENÇA DE POMPE FORMA INFANTIL: RELATO DE CASO

Figura 2: Radiografia de tórax aos nove meses de idade, na época do diagnóstico, evidenciando cardiomegalia de

grande monta.

O diagnóstico da doença de Pompe nessa pa-ciente foi sugerido pelas manifestações clínicas (Figura 2) e confirmado por meio da dosagem da atividade da alfa-glicosidase ácida nos leucóci-tos, após exame inicial de dosagem enzimática no sangue em papel filtro evidenciar atividade inferior a 1%. Ademais, apresentava alteração de TGO, TGP, CK e CK-MB.

A variante da forma infantil clássica, também conhecida como forma juvenil, da infância ou variante muscular tem apresentação no primeiro ano de vida, porém com cardiomiopatia menos severa e progressão mais lenta. A forma adulta é caracterizada por uma miopatia lentamente progressiva, em geral iniciando com quadro de fraqueza muscular proximal lentamente pro-gressiva, que envolve principalmente o tronco e membros, com comprometimento mais proemi-nente dos membros inferiores em relação aos superiores. Os músculos paraespinhais, a cintu-ra pélvica e o diafragma costumam ser mais gravemente acometidos, determinando a ne-cessidade de suporte ventilatório e dependên-cia de cadeiras de rodas. Caracteristicamente não há comprometimento cardíaco grave.1-7

O diagnóstico é confirmado pelo exame en-

zimático, que evidencia a deficiência, e pode ser realizado em músculos, fibroblastos cutâ-neos de cultura, gotas de sangue seco, leucóci-tos ou células sanguíneas que usam maltose, glicogênio ou 4-metilumbeliferil-alfa-D-gli-copiranosídeo como substrato.1;3 O diagnóstico pré-natal da forma infantil fatal pode ser feito usando-se os amniócitos ou vilosidades coriôni-cas.1;3-5;8

Conforme observado, trata-se de doença pouco frequente, porém de grande importância por determinar elevada morbidade e letalidade na forma infantil e morbidade significativa nas formas de início tardio. Anteriormente, o trata-mento disponível era restrito ao suporte e cui-dados paliativos, não atingindo a causa-base da doença.3-5;8 Atualmente há disponível uma tera-pia nova e promissora de reposição enzimática (TRE) com alfa-glicosidase, aprovada em 2006,9 que de forma semelhante à enzima natural, degrada o glicogênio lisossômico. A TRE com-provadamente determina maior sobrevivên-cia, redução da cardiomiopatia hipertrófica (avaliada pela diminuição do índice de mas-sa ventricular esquerda), além de evitar ou reverter a progressão para falência cardior-respiratória em lactentes e crianças peque-nas e permitir ganhos motores e melhoras nos parâmetros de crescimento.5;10 Em crianças maiores e em adultos, a TRE pode diminuir a necessidade de suporte ventilatório, melhorar a mobilidade e prevenir ou retardar a progressão da doença.1;3;5;9;10 As outras opções terapêuticas estão em fase de pesquisa, como a indução de tolerância imunológica associada à reposição enzimática, o uso de substâncias para reduzir o substrato e a terapia gênica.1 Outra terapia usada antes do advento da TER, e ainda em uso em alguns centros, é a dieta com restrição de açúcar.6

A paciente descrita teve apresentação da forma mais grave da doença, com demora na suspeita e confirmação diagnósticas, e consequente de-mora no acesso à TRE.

Por se tratar de doença rara e letal em sua for-ma infantil clássica, e por já existir terapia es-pecífica com eficácia maior determinada pelo início precoce do tratamento, é imprescindível

que os pediatras estejam alerta sobre os sinais e sintomas iniciais da doença de Pompe, para que essa hipótese diagnóstica seja aventada o mais precoce possível, visto que, no Brasil, os medicamentos órfãos (medicações ou produtos biológicos não padronizados para a prevenção, diagnóstico ou tratamento de condição ou en-fermidade rara)11 dependem de liberação por via judicial para chegarem aos pacientes, pro-cesso em geral demorado. No caso das doenças raras, em geral já se dispendeu tempo valioso entre a suspeita diagnóstica, a confirmação e a solicitação da medicação, nem sempre se con-seguindo fazer todo esse percurso em tempo há-bil para garantir a sobrevivência e a qualidade de vida de tais pacientes. Além disso, por conta da herança genética, autossômica recessiva, há a necessidade de aconselhamento genético dos pais desses pacientes, já que o risco é de 25% de recorrência para uma nova gravidez.1

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Endereço para correspondência:Rua Fortaleza, 523, apto 300. Adrianópolis, Manaus-Am. CEP: 69057-080.E-mail: [email protected]

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OBESIDADE E RESILIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE ACOMPANHAMENTO

TERAPÊUTICO PRÉ-CIRÚRGICO

OBESITY AND RESILIENCE: A CASE OF STUDY ABOUT THE PSYCHOTHERAPEUTIC GROUP TREATMENT PRE-SURGICAL

Maria Geórgia Duarte de Macêdo*, Ellen Belmonte dos Santos**, Kássia Karina Amorim Gomes**, Larissa Nogueira Negreiros**

Resumo

Este artigo trata da apresentação de um estudo de caso sobre uma das pacientes obesas do Grupo Terapêutico Pré-cirúrgico do Programa de Cirurgia Bariátrica que obteve emagrecimento satisfatório. Esse grupo é desenvolvido no Ambulatório Araújo Lima, anexo do Hospital Universi-tário Getúlio Vargas – HUGV/Ufam, que tem como finalidade orientar, acompanhar e avaliar os pacientes candidatos a realizar a cirurgia bariátrica utilizando-se da abordagem da Terapia Cogni-tivo-Comportamental (TCC). O objetivo deste artigo é abordar a importância do grupo para a pa-ciente, pois apesar dos eventos adversos existentes na sua vida, pôde buscar no grupo terapêutico potenciais de resiliência para a melhoria do seu tratamento com consequente emagrecimento.

Palavras-chave: Obesidade, Acompanhamento grupal, Terapia Cognitivo-Comportamental, Resiliência.

Abstract

This article aims to present a case of study about one of the obese patient that participates of the Therapeutic Group Pre-Surgical that makes part of the Bariatric Surgery Program, that has loss weight satisfactorily. That group occurred at Araújo Lima Ambulatory bound to Getúlio Vargas University Hospital. The group has the finality to guide, accompany and evaluate the patients candidates to make the bariatric surgery using the interventions in Cognitive Behavioral Therapy. The purpose of this article is to approach the importance of the group to the patient, because although the adverse events that happened in her life she could find at the therapeutic group potentials of resilience to improve her treatment and loss weight as a result.

Keywords: Obesity, Group accompany, Cognitive Behavioral Therapy, Resilience.

Macêdo et al

*Psicóloga especialista em Psicologia Hospitalar e Terapia Cognitivo-Comportamental**Acadêmicas de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas

Introdução

A obesidade ocorre pelo acúmulo de tecido adiposo no organismo, é considerada pela Or-ganização Mundial de Saúde (OMS) como um problema de saúde pública. É classificada pelo

índice de massa corporal (IMC). A OMS define obesidade grau I quando o IMC situa-se entre 30 e 34,9 kg/m2, obesidade grau II quando o IMC está entre 35 e 39,2 kg/m2 e obesidade grau III quando o IMC ultrapassa 40 kg/m2.1

Em países industrializados os obesos passam constantemente por preconceito e discrimi-nação, o que se observa em programas de tele-visão, revistas e piadas. Outros dados apontam que são pessoas cursando um menor número de anos escolares e que têm menor chance de serem aceitas em escolas. O mesmo se dá em empregos mais concorridos, resultando em sa-lários mais baixos.1

Desse modo, a cirurgia bariátrica tem sido de-senvolvida para o tratamento da obesidade, em especial na sua forma mórbida. No entanto, mesmo se mostrando extremamente eficazes, com resultados satisfatórios para um público considerável, tais técnicas de emagrecimento também têm se defrontado com outro tipo de problema às pessoas que as praticam: apresen-tação de alterações psicológicas após a reali-zação da cirurgia.2

Ainda no pré-operatório, o paciente precisa ser informado das mudanças significativas pe-las quais ele atravessará. Um acompanhamento psicológico fornece condições para que o pa-ciente perceba a amplitude do processo que pas-sará e o ajuda a tomar decisões mais conscientes e de acordo com seu caso particular.3

A comunicação entre profissionais de saúde e pacientes sempre teve seus obstáculos, mas existem características específicas do grupo bariátrico. A expectativa em relação aos re-sultados sobre a autoestima e motivação ainda prevalece na maioria dos pacientes, enquanto o foco central da equipe multidisciplinar per-manece na resolução das doenças associadas à doença obesidade.4

Além disso, o tratamento dessa patologia re-quer uma equipe multidisciplinar, e o papel do psicólogo dentro da equipe é o de avaliar se o indivíduo está apto emocionalmente para a cirurgia, auxiliá-lo quanto à compreensão de todos os aspectos decorrentes do pré-cirúrgico, inclusive, detectar e tratar os pacientes porta-dores ou potencialmente sujeitos a distúrbios psicológicos graves.3

A psicologia reconhece os benefícios que o ema-grecimento pode trazer ao paciente, porém vê

com menos entusiasmo a questão do emagre-cimento rápido e acentuado promovido pelas técnicas cirúrgicas. Por conseguinte, é possível de se ter uma adequada percepção da com-plexidade com a qual um paciente se depara no tratamento de sua obesidade mórbida, assim como o grau necessário de maturidade da per-sonalidade de alguém que venha a submeter-se a tal tratamento.4

Tendo isso em vista, um dos aspectos que a psicologia aborda é o apoio social, pois este é uma base segura, necessária e fundamental na infância, na adolescência, na idade adulta e na terceira idade. É a partir do apoio social recebido que se estabelece o apoio individual de reconhecer e efetuar trocas com outras pes-soas, construindo-se uma base estável ao longo da vida. Assim, o sentimento de ser apoiado precisa ser formado, mantido e renovado no decorrer da existência.5

Confirma-se por meio dessa prática que o en-foque terapêutico do grupo é amplo, visando esclarecimentos a respeito de problemas práti-cos que surgem no pós-operatório, identificação de conflitos, compreensão da dinâmica psíquica dos pacientes e, por fim, a possibilidade de um melhor manejo, pelos pacientes, do desafio que representa o pós-operatório da cirurgia. Essa prática grupal tem como objetivo principal situar os pacientes na sua nova condição de vida e, com isso, melhorar a adesão ao trata-mento e instrumentalizá-los para manter a perda de peso.6

Desse modo, o espaço de intervenção conta com as técnicas da TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) que é uma abordagem de senso comum cuja base está em dois princípios centrais: nossas cognições têm uma influência controladora sobre nossas emoções e compor-tamento; e o modo como agimos ou nos com-portamos pode afetar profundamente nossos padrões de pensamento e nossas emoções.7

Por intermédio da TCC, os terapeutas incenti-vam o desenvolvimento e a aplicação de pro-cessos conscientes adaptativos de pensamento, como o pensamento racional e de solução de problemas. Além disso, enfatiza técnicas desti-

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Macêdo et al

nadas a ajudar os pacientes a detectar e modifi-car seus pensamentos profundos, especialmente aqueles associados com sintomas emocionais, como depressão, ansiedade ou raiva.7

Como produto do trabalho realizado, deu-se ên-fase nos êxitos de emagrecimento de uma das participantes do grupo terapêutico com história de vida dotada de eventos adversos, compreen-dida como sujeito em potencial de resiliência a partir dos recursos oportunizados no grupo. En-tendendo tal resiliência, como o resultado final de processos de proteção que não eliminam os riscos experimentados, mas encorajam o indi-víduo a lidar efetivamente com a situação e a sair fortalecido dela.8

Em tal contexto, a melhora do indivíduo doen-te, a retomada de sua evolução psíquica, sua resiliência, a aptidão para aguentar e retomar um desenvolvimento em circunstâncias adver-sas implica necessariamente, nesse caso, tratar do entorno, agir sobre a família, combater os preconceitos ou modificar as rotinas culturais, crenças insidiosas a partir das quais, sem per-ceber, justificamos nossas interpretações e mo-tivamos nossas reações. Fazer um projeto para distanciar o passado, metamorfosear a dor do momento para torná-la uma lembrança gloriosa ou divertida, certamente explica o trabalho de resiliência.8

Relato do Caso

A paciente na qual se baseia este estudo de caso tem 36 anos de idade, está em acom-panhamento terapêutico há três anos, ini-cialmente pesava 120 kg. Após dois anos de participação no programa, emagreceu 36 kg, pesando atualmente 84 kg. Para a realização deste estudo de caso foi feita uma entrevista semiestruturada com o objetivo de conhecer sua história de vida.

A queixa da paciente refere-se ao fato de que, a partir dos 18 anos, começou a engordar de modo excessivo, havendo dificuldades para en-contrar vestimentas adequadas. Além de ad-quirir problemas de saúde, tais como: diabetes mellitus, artrose (dores no joelho e na coluna) e dificuldades para realizar tarefas domésticas.

A paciente também relatou sofrer preconceito social, uma vez que segundo ela a chamavam na rua de “gorda” e “mendiga”.

Quanto à sua história de vida, a paciente in-formou que não conheceu o pai biológico e sua mãe a entregou quando tinha nove anos para ser cuidada por parentes, os quais lhe destratavam, não a reconheciam como membro da família, mas exercia funções de empregada doméstica na qual permanece até o presente momento. Quando estava com 13 anos, a paciente infor-mou que foi vítima de abuso sexual por uma pessoa da família que a criou. Sua vida escolar deu-se até o primeiro ano do Ensino Médio. Aos 30 anos teve um rápido relacionamento do qual gerou um filho, desde então esta relatou que não teve nenhum outro relacionamento afetivo, informou que não possuía vida social e se im-portava mais com os outros do que consigo.

A paciente relatou que estava sendo acom-panhada por uma nutróloga havia dois anos, porém não tinha resultados satisfatórios, pois estava utilizando medicamentos inibidores de apetite que aumentavam a vontade de comer. A paciente foi encaminhada para o programa de cirurgia bariátrica, sendo acompanhada por uma equipe multiprofissional, incluindo o grupo terapêutico.

Após iniciar o acompanhamento psicológico, a paciente relata que obteve mudanças significa-tivas em sua vida. Passou a cuidar mais de si, adquirindo maior autocontrole e adesão à dieta, além de automonitoramento, pois reconheceu sentimento de ansiedade que a levava a comer compulsivamente sempre que havia um con-flito emocional. Tudo isso foi possível por meio das intervenções terapêuticas na abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental facili-tada pela psicóloga do GT. A paciente atribuiu um sentido de cuidado por parte dessa profis-sional e dos demais participantes do grupo, auxiliando-a a corrigir os pensamentos distorci-dos e ressignificando seu contexto psicossocial, resgatando a autonomia e autoestima ao fazer planos para retomar os estudos e melhorar a convivência com os familiares, pois estes pas-saram a apoiá-la no processo de emagrecimen-to. Além do apoio do grupo, a paciente aponta

como relevante seu comprometimento com as atividades desenvolvidas, visto que passou a re-visar as tarefas propostas cujo objetivo visava a psicoeducação para melhoria do tratamento.

Discussão

A obesidade é considerada uma das doenças mais graves atualmente, pois, além das con-sequências físicas, podem ocorrer também transtornos decorrentes do sobrepeso, afe-tando principalmente o aspecto emocional, resultando em baixa autoestima, autoconceito negativo, depressão e ansiedade. Dessa forma, compreende-se a necessidade de um acompan-hamento terapêutico antes da realização da cirurgia bariátrica. Assim sendo, destaca-se a relevância do grupo terapêutico pré-cirúrgico, uma vez que esse acompanhamento é impor-tante antes de os pacientes realizarem o pro-cedimento cirúrgico, pois o trabalho visa orien-tá-los e auxiliá-los na minimização dos quadros emocionais como: ansiedade, compulsividade, depressão, entre outros.

A partir deste estudo, é possível perceber a im-portância do grupo terapêutico pré-cirúrgico para a paciente em questão, pois esta con-seguiu emagrecer 36 kg, sem realizar a cirurgia bariátrica. Ressalta-se que sua história de vida é marcada por adversidades e um contexto de vulnerabilidades os quais favoreceram o sobre-peso. Entretanto, o acompanhamento em grupo potencializou recursos para seu emagrecimento e consequente conduta resiliente.

Por meio das técnicas utilizadas da Terapia Cognitivo-Comportamental, pôde-se favorecer a psicoeducação corrigindo os pensamentos distorcidos de si, levando-a a uma mudança no comportamento, resgatando recursos pes-soais como: autoconhecimento, pois passou a olhar mais para si, valorização a autoimagem (descrição que a pessoa faz de si); automonito-ramento, uma vez que é capaz de perceber-se ansiosa e manter o autocontrole em relação à alimentação; autoeficácia, pois reconhece seus êxitos e motiva-se a atingi-los ainda mais; autoestima, pelas relações interpessoais es-tabelecidas no grupo, pôde atribuir um novo juízo de valor sobre si mesma e resgatar o

amor-próprio.

Dessa forma, as mediações da psicóloga, o acompanhamento, as orientações e o apoio do grupo propiciaram a ampliação de sua forma de ver os problemas. Visto que foram apontados pela paciente como fatores que auxiliaram tam-bém o emagrecimento, ou seja, contribuíram como potenciais de resiliência. Pois para que esta ocorra precisa contar com modificações tanto em nível pessoal como social, daí a com-preensão da relevância do grupo em sua vida. Tudo isso promoveu uma reflexão na paciente para que esta mantivesse uma conduta visando melhorar sua qualidade de vida.

Ressalta-se ainda a importância da equipe mul-tidisciplinar, entre os quais se destacam ainda os médicos e a nutricionista, todos esses profis-sionais contribuíram para que a paciente tivesse um acompanhamento adequado e favorecesse o seu processo de emagrecimento.

Referências

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Macêdo et al

COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO

RENAL IMPAIRMENT IN PATIENTS WITH SYSTEMIC SCLEROSIS: A CASE REPORT

Junio Aguiar Azevedo, Alan P. Fernandes, Maureen Kelly dos S. Braun, Nayarah P. S. Castro, Renayra Tallita L. Alonso2

Resumo

A crise renal esclerodérmica é uma complicação grave e rara da esclerose sistêmica difusa e que se caracteriza pelo comprometimento renal, manifestado por hipertensão maligna e insuficiência renal rapidamente progressiva. O uso de Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (Ieca) é o tratamento de escolha para a doença e tem melhorado o prognóstico dessa manifestação, contudo a mortalidade ainda é alta. Este relato descreve um caso de crise renal esclerodérmica em paciente previamente portadora de esclerodermia.

Palavras-chave: Esclerodermia sistêmica, crise renal esclerodérmica, insuficiência renal.

Abstract

The Scleroderma renal crisis is a rare and serious complication of diffuse systemic sclerosis and is characterized by renal impairment, manifested by malignant hypertension and rapidly progressive renal failure. The use of inhibitors of angiotensin converting enzyme (ACE) is the preferred treatment for the disease and has improved the prognosis of this demonstration, but mortality is still high. This report describes a case of scleroderma renal crisis in scleroderma patients with a history.

Keywords: Systemic sclerosis, scleroderma renal crisis, renal failure.

Introdução

A esclerose sistêmica (ES) é uma enfermidade autoimune caracterizada por inflamação e fi-brose, principalmente cutânea, concomitante ao dano endotelial e afecção inflamatória de vasos sanguíneos, tecidos osteomusculares e órgãos internos. A ES difusa se caracteriza por endurecimento generalizado da pele e com-prometimento frequente de órgãos internos e presença de anticorpos antitopoisomerase I (Scl-70), sendo que essa apresentação clínica apresenta pior prognóstico.1

A ES apresenta um amplo espectro clínico, variando de espessamento cutâneo generali-zado, ocorrendo rápida progressão e precoce

comprometimento visceral (ES difusa) a espes-samento de pele restrito às extremidades (ES limitada).² A doença caracterizada por modifi-cações da microcirculação pode causar fibrose e obliteração das veias da pele, pulmão, trato gastrointestinal e rins.³

A ES é uma doença relativamente rara, estiman-do-se a sua incidência em 3,8 a 13,9 novos ca-sos/1.000.000 habitantes/ano. Afeta, sobretu-do, as mulheres, entre os 30 a 60 anos, com um pico de incidência entre os 40 e 50 anos.

O acometimento cutâneo está presente em quase todos os casos de esclerose sistêmica. A esclerodactilia é quase universal, condicionan-do com frequência contraturas e deformações

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Azevedo et al

nos dedos, com grande incapacidade funcional.4

Dentre os fenômenos vasculares o fenômeno de Raynaud está presente na maioria dos casos de ES difusa. O fenômeno de Raynaud acomete mãos e pés e em casos mais graves pode tam-bém acometer o nariz, orelhas e língua.5

A pele, vasos sanguíneos, pulmões, trato gas-trointestinal e miocárdio podem estar compro-metidos. No entanto, uma das complicações mais graves e raras da esclerose sistêmica cor-responde ao comprometimento renal, manifes-tado por hipertensão maligna e insuficiência re-nal rapidamente progressiva.6

A crise renal esclerodérmica está relacionada às alterações vasculares que afetam as artérias arqueadas e interlobares dos rins, com espes-samento mucoide da parede vascular e estrei-tamento da luz dos vasos, diminuindo o fluxo sanguíneo renal e aumentando a resistência vascular intrarrenal, e consequente hiperati-vação do sistema renina-angiotensina.7

Antes da introdução dos Ieca, na década de 80, o envolvimento renal na esclerose sistêmica (cri-se renal esclerodérmica) representava a prin-cipal causa de morte nessa doença. Com esses fármacos, a sobrevivência após um ano passou a ser de 15 a 76%. A crise renal esclerodérmica é mais frequente na ES difusa, e a maioria dos casos ocorre nos cinco primeiros anos, após a primeira manifestação de esclerose sistêmica.⁴De forma simplificada, a crise renal esclerodér-mica pode ser definida como o aparecimento de hipertensão arterial maligna ou de insuficiência renal rapidamente progressiva, no curso de es-clerose sistêmica, sem outras explicações plau-síveis para o quadro.4

Os fatores associados ao mau prognóstico da crise renal esclerodérmica são a idade mais avançada, o sexo masculino, uma creatinina sérica inicial maior ou igual a 3 mg/dL, o não controle da pressão arterial nos primeiros dias após o seu aparecimento e a presença de insu-ficiência cardíaca.4

Uso de Ieca é o tratamento de escolha para a crise renal esclerodérmica, tem melhorado o

prognóstico dessa manifestação, mas a mortali-dade ainda é alta. O tratamento baseia-se em normalizar a pressão arterial. Hemodiálise pode ser necessária.8

Relato do caso

Paciente, 38 anos, feminino, parda, boliviana, procedente do município de Itaituba/PA, admitida no Hospital Municipal de Santarém, com queixa de dor abdominal difusa, náuseas, vômitos alimen-tares, cefaleia occipital, apresentava oligúria e edema de mãos e face. O quadro foi acompan-hado ainda de turvamento visual. À admissão, apresentava elevação da pressão arterial (PA: 220 x 100 mmHg) e elevação das escórias ni-trogenadas (Ureia- 156, Creatinina- 11.8), que uma semana antes eram normais. Paciente re-latou que, cerca de quatro anos apresentou um quadro cutâneo em extremidades com palidez, seguida de cianose e rubor, principalmente du-rante exposição ao frio, posteriormente evoluiu com espessamento cutâneo disseminado acom-panhado de artralgia e edema periarticular, principalmente nas articulações das mãos, joe-lhos, pés e cotovelos recebendo o diagnóstico de Esclerose Sistêmica. Fez uso de prednisona e D-penicilamina, posteriormente realizou pul-soterapia com ciclofosfamida para o tratamen-to da esclerose sistêmica difusa. Encontra-se há seis meses sem o uso desses medicamentos. Ao exame físico realizado à admissão hospitalar, pa-ciente apresentava-se em regular estado geral, lúcida e orientada no tempo e espaço, hipocora-da, anictérica, afebril e acianótica, frequência cardíaca de 126 bpm, frequência respiratória 12 ipm, espessamento cutâneo difuso, pele com textura áspera. Ao exame do tórax apresen-tava manchas hipocrômicas em tórax superior e dorso, sem alterações ao exame cardiopulmonar. Ao exame do abdome, ele encontrava-se plano, doloroso e sem visceromegalias. Ao exame dos membros, visualizavam-se manchas hipocrômi-cas, espessamento cutâneo, esclerodactilia, creptações ao movimento da articulação do car-po. Durante a internação hospitalar, paciente evoluiu com elevação das escórias nitrogenadas a despeito da terapia farmacológica com Ieca e bloqueadores dos receptores de angiotensina, além do uso de outros anti-hipertensivos (inibi-dores dos canais de cálcio e metildopa), ao 4.º

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COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO

dia da internação paciente apresentava ureia de 139, creatinina de 18.06 (ClCr 4.07 ml/min), foi submetida à hemodiálise com melhora do estado geral, continua em programa dialítico em média três vezes por semana, encontra-se no terceiro mês após a internação do quadro e mantém níveis altos das escórias nitrogenadas. Realizou exame ultrassonográfico de rins e vias urinárias que evidenciou doença parenquimatosa renal bilateral com redução da relação córtico-medular, realizou exame de dooplervelocimetria de artéria renal dentro da normalidade.

Discussão

Relatou-se um caso de crise renal esclerodér-mica em paciente portadora de ES difusa, com quadro clínico de cefaleia em região occipital, oligúria, edema de mãos e face, turvamento visual e elevação da pressão arterial em pa-ciente previamente normotensa, o quadro foi acompanhado de elevação importante das es-córias nitrogenadas em curto período de tempo.

Trata-se de uma doença rara, sendo mais co-mum ocorrer em mulheres na faixa etária de 30 a 50 anos.4 No presente caso relatado, trata-se de uma paciente do sexo feminino e com diag-nóstico de ES aos 33 anos de idade.

A crise renal esclerodérmica é a complicação renal que acomete portadores de ES difusa e pode acometer 10 a 15% dos pacientes com es-clerodermia, principalmente nos primeiros cin-co anos do início dos primeiros sintomas de es-clerose sistêmica. No caso relatado, a paciente possuía o diagnóstico de esclerose sistêmica há cerca de quatro anos. A literatura relata que os fatores relacionados ao desenvolvimento da crise renal são envolvimento cutâneo difuso, raça negra e uso de altas doses de corticoides.4 Desses fatores de risco, observamos no caso re-latado o uso de corticoides e o envolvimento cutâneo difuso.

O diagnóstico da crise renal esclerodérmica é feito por meio de parâmetros clínicos e labo-ratoriais que incluem a instalação abrupta de insuficiência renal de rápida progressão, início agudo de hipertensão arterial de moderada a grave, muitas vezes associado ao quadro de

retinopatia hipertensiva, e presença de sedi-mento urinário normal ou com leve proteinúria e/ou hematúria. No presente caso, o diagnós-tico clínico se fez pela presença de insuficiência renal aguda de progressão rápida, com elevação súbita das escórias nitrogenadas, pelo pico hi-pertensivo visualizado à admissão hospitalar, e pelas queixas visuais sugestivas de retinopatia hipertensiva.

O prognóstico desfavorável em pacientes com desenvolvimento de crise renal esclerodér-mica estão relacionados à idade avançada do paciente, sexo masculino e níveis de creatinina maiores que 3 mg/dL.4 No caso em questão, trata-se de uma paciente de 38 anos, do sexo feminino, com valor elevado de creatinina à admissão hospitalar, podendo estar relacionado com um pior prognóstico.

O tratamento da crise renal esclerodérmica visa, em primeiro lugar, o controle da pressão arterial, devendo ser iniciado o mais precoce-mente possível para evitar que ocorram lesões vasculares e renais irreversíveis.8 Os agentes de escolha são Ieca,8 que quando comparado com outros anti-hipertensivos, apresentam maior eficácia e estão associados à maior sobrevida geral (80% ao ano) e uma melhor preservação da função renal. Esse foi o tratamento de es-colha na paciente, necessitando de associação com outras drogas anti-hipertensivas para melhor controle da pressão arterial.

Aproximadamente 50% dos pacientes que ne-cessitam de diálise e recebem Ieca apresentam recuperação da função renal, e descontinuam a terapia dialítica após seis a 18 meses. Apesar do tratamento com inibidores da enzima conver-sora de angiotensina, muitos pacientes evoluem para insuficiência renal crônica.

No caso relatado, a paciente encontra-se em terapia com Ieca associado a outros fármacos anti-hipertensivos para otimização do controle da pressão arterial, associado à terapia dialíti-ca e aguardando a possibilidade de reversão do quadro renal.

Referências

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COMPROMETIMENTO RENAL EM PACIENTE COM ESCLEROSE SISTÊMICA: RELATO DE CASO

RELATO DE CASO: GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA EM PACIENTE RENAL CRÔNICA HEMODIALÍTICA

CASE REPORT: SUCCESFUL PREGNANCY IN DIALYSIS PATIENT

Samanta Samara Bicharra dos Santos*, Antônio Carlos Duarte Cardoso**, Helen Caroline dos Santos Brandão***

Resumo

A gravidez é um desafio para as mulheres com doença renal e principalmente as que se encontram em programa de terapia renal substutiva. A melhoria impressionante na assistência materno-fetal, eficiência da diálise, frequência e terapia de suporte permitiram que pacientes renais crônicas em diálise pudessem engravidar. Relatamos um caso de gravidez em paciente renal crônica em diálise havia 20 anos. A criança nasceu com 34 semanas de gestação e encontra-se saudável em acompanhamento pelo Serviço de Nefropediatria.

Palavras-chave: Gravidez, insuficiência renal crônica, hemodiálise.

Abstract

Pregnancy is a challenge for women with chronic kidney disease and especially those who are on renal replacement therapy program hemodialysis. The impressive improvement in the maternal-fetal, dialysis efficiency, frequency and supportive therapy allowed patients on chronic kidney dialysis to become pregnant. We report a case of pregnancy in a patient with substitute support therapy hemodialysis for 20 years. The infant was born with 34 weeks of pregnancy and he is being monitored by Nephrology Pediatrc Service.

Keywords: Pregnancy, chronic kidney failure, hemodialysis.

Introdução

A gravidez é um desafio para as mulheres com doença renal, e isso é especialmente verda-deiro para pacientes em diálise; no entanto, a melhoria impressionante na assistência mater-no-fetal e na eficiência da terapia dialítica per-mitiram alcançar metas anteriormente inaces-síveis.1 Em 1971, foi relatado o primeiro caso de sucesso na gestação de paciente portadora de insuficiência renal crônica dialítica e, desde

então, publicações recentes relatam a gravidez em 1-7% das mulheres em diálise crônica.2

Atualmente, existem no Brasil perto de 92.021 pacientes portadores de insuficiência renal crônica em programa de diálise e grande parte delas são mulheres em idade fértil.3 O trata-mento medicamentoso e hemodialítico apre-sentaram espetacular melhora nas últimas dé-cadas, levando a uma melhora na expectativa e na qualidade de vida. Descrevemos um caso de

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*Médico residente, segundo ano em Nefrologia no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV).**Professor mestre adjunto da FCS da Ufam***Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.

Santos et al

paciente renal crônico em terapia hemodialíti-ca por 20 anos, sem função renal residual que descobriu estar grávida após investigação ultras-sonográfica. Apresentava como sintoma apenas amenorreia. Evoluiu com manutenção da gravi-dez até 34 semanas e necessidade de cesareana por conta do início de sofrimento fetal agudo.

Relato de caso

Paciente de 38 anos, sexo feminino, parda, por-tadora de insuficiência renal crônica em tera-pia hemodialítica desde os 18 anos em clínica satélite, regularmente três vezes por semana e não apresentando função renal residual. Na história patológica pregressa relatava aborto es-pontâneo aos 22 anos, ciclos menstruais regulares, hipertensão arterial sistêmica e paratireoidecto-mia prévia.

Em fevereiro de 2010, iniciou quadro de amenor-reia com diagnóstico ultrassonográfico de gravi-dez com feto vivo em 25 semanas, sendo en-caminhada ao ambulatório de gravidez de alto risco e iniciado hemodiálise diária (seis sessões por semana), duração de 4h cada sessão com dialisador 2.1m2, fluxo de sangue em 400 ml/min, fluxo do dialisato em 500 ml/min e hepa-rina 100UI/kg em cada sessão. A terapia medi-camentosa consistia de eritropoietina humana recombinante que aumentou para 24.000UI por semana, carbonato de cálcio (1,5 g/dia) como quelante de fósforo, reposição de ferro endovenoso (300 mg/semana) e suplemen-tação de vitaminas. Durante gestação houve necessidade de transfusão de concentrado de hemáceas por anemia sintomática e com 32 se-manas de gestação, os níveis pressóricos ele-varam-se, iniciando uso de metildopa (1 g/dia), nifedipina (60 mg/dia) e propranolol (240 mg/dia). Submetida à cesariana com 34 semanas de gestação por conta do sofrimento fetal agudo.

O recém-nascido apresentou apgar 7/9, aproxi-madamente 2.160 g, estatura de 42 cm e pe-rímetro cefálico de 30 cm, tendo permanecido na UTI neonatal por 27 dias pelo quadro de icte-rícia neonatal compatível à eritroblastose fetal e submetido a sessões de fototerapia e exsan-guineotransfusão. Apresentou concomitante-mente quadro séptico-foco pulmonar tratado

com antibioticoterapia intravenosa.

Posteriormente, recebeu alta da unidade de terapia intensiva e encontra-se saudável até o presente momento, sendo acompanhado pela equipe de nefropediatria.

Discussão

Mulheres portadoras de insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico apresen-tam ciclos anovulatórios por conta de picos de prolactina que prejudicam o eixo hipotálamo-hipófise4 contribuindo assim para diminuição da libido, além de outras complicações inerentes a doença renal crônica como anemia e de-pressão. Todos esses fatores contribuem para baixa fertilidade e diminuição da concepção. O diagnóstico precoce de gestação em doença renal crônica exige atenção, uma vez que ciclos menstruais irregulares, amenorreia, náuseas e elevação da subunidade beta da gonadotrofina coriônica humana podem contribuir para teste de gravidez falso-positivo em pacientes com in-suficiência renal.4

Os dados variam muito de cada centro, en-tretanto estima- se que a taxa de sucesso de gestação ocorra entre 79 a 81% de mulheres em hemodiálise e os principais fatores que contribuem são o aumento do tempo e da frequência da hemodiálise, suplementação de eritropoietina, ferro, vitaminas, suporte nutri-cional adequado, manejo obstétrico e neonatal mais qualificado.

Um estudo apresentou um caso de gestante renal crônica em tratamento hemodialítico que realizou hemodiafiltração durante todo o período gestacional e apresentou resultados favoráveis para o feto.5 A hemodiálise notur-na pode melhorar a fertilidade materna, uma vez que minimiza as alterações relacionadas à uremia e desequilíbrios metabólicos, além de proporcionar menores complicações materno-fetais.6

Uma série de outros desafios existe no manejo de pacientes grávidas em terapia substitutiva renal. Conforme relatado na literatura, neces-sita-se aumentar as dosagens de ferro e eritro-

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RELATO DE CASO: GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA EM PACIENTE RENAL CRÔNICA HEMODIALÍTICA

poetina.7 Embora a anemia seja uma caracte-rística típica da gravidez, tem-se especulado que as pacientes grávidas são resistentes à eritropoetina por causa da produção de citoci-nas durante gestação e por isso a necessidade de doses aumentadas de eritropoetina.8 A cor-reção da anemia aumenta a taxa de sucesso da gravidez e previne o estresse fetal causado pela hipoxemia. A eritropoetina não atravessa a bar-reira placentária, não há relatos na literatura de teratogenicidade. Prévio ao uso da eritro-poetina, a taxa de sucesso na gravidez era de apenas 25% na Europa.9

Hipertensão é a complicação materna mais fre-quentemente relatada nessa população, ocor-rendo em 42 a 80% dos casos.10 A fisiopatogenia da hipertensão é complexa tendo como base hi-pervolemia e resistência periférica total inapro-priadamente elevada.11 Há um risco aumentado de pré-eclâmpsia. Na maioria dos casos, ocorre a necessidade do uso de anti-hipertensivos para manutenção da pressão arterial diastólica entre 80-90 mmHg, sendo os medicamentos mais uti-lizados: metildopa, hidralazina, beta-bloquea-dores e em casos de difícil controle pressórico indica- se clonidina e bloqueadores do canal de cálcio.12

A taxa de sobrevivência dos recém-nascidos com mães em hemodiálise melhorou de 23% em 1980 para 90% na última década, porém a taxa de mortalidade ainda é superior que a da popu-lação geral.13

Apesar da melhora na sobrevivência infantil, crianças nascidas de mulheres em diálise são normalmente prematuras, com uma média de idade gestacional de 32 semanas. Existem inúmeras causas de parto prematuro conse-quente a polidrâmnio, hipertensão materna e ruptura prematura das membranas.14 O au-mento da frequência de diálise diminui os níveis de BUN pré-diálise, reduzindo a ocorrência de polidrâmnio e o risco de parto prematuro.13

Neste relato de caso, a paciente renal crônica em programa regular de hemodiálise evoluiu com sucesso na gestação, diferindo dos da-dos epidemiológicos na população estudada. O crescente número de casos de gestações bem-

sucedidas em pacientes renais crônicas em programa hemodialítico regular nos sugere a possibilidade de reconsiderar nossa política de aconselhamento de rotina, que só raramente in-clui a questão da gravidez em pacientes jovens.

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RELATO DE CASO: GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA EM PACIENTE RENAL CRÔNICA HEMODIALÍTICA

RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE:ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERAPÊUTICAS

NÃO USUAIS

FULMINANT ULCERATIVE COLITIS: ASSOCIATION OF UNUSUAL THERAPEUTIC

Rebecca Souza Mubarac*, Daniere Yurie Vieira Tomotani*, Daniel Almeida Schettini*, Armando de Holanda Guerra Júnior**, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro***

Resumo

A retocolite ulcerativa (RCU) é uma doença crônica caracterizada pela inflamação difusa da mu-cosa intestinal acometendo o reto e o cólon. O tratamento é baseado em anti-inflamatórios de luz intestinal, corticoides, imunossupressores e anticorpos monoclonais. Outras terapêuticas comple-mentam o tratamento como uso de probióticos, antibióticos e nutrição parenteral. Os autores re-latam um caso de uma paciente com RCU fulminante, não responsiva à terapêutica convencional, que apresentou boa evolução clínica e laboratorial após a melhora da terapia nutrológica, uso de antimicrobianos, probióticos e infliximabe.

Palavras-chave: Proctocolite, probióticos, terapia biológica.

Abstract

The ulcerative colitis (UC) is a chronic disease characterized by diffuse inflammation of the intestinal mucosa affecting the rectum and colon. The treatment is based on luminal anti-inflammatory drugs, corticosteroids, immunosuppressants and monoclonal antibodies. Other therapies complement the treatment such as use of probiotics, antibiotics and parenteral nutrition. The authors report a case of a patient with fulminant colitis unresponsive to classical therapy, with clinical and laboratory response after the introduction of nutriology therapy, antibiotics, probiotics and Infliximab.

Keywords: Proctocolitis, probiotics, biological therapy.

Introdução

A doença inflamatória intestinal (DII) é uma de-sordem inflamatória crônica que compreende duas entidades: a retocolite ulcerativa (RCU)

e doença de Crohn.1 Há uma grande variabili-dade de genes associados ao desenvolvimento da doença, com 47 loci implicados, sendo 19 es-pecíficos para RCU. Estão envolvidos na disfun-ção da barreira epitelial (ECM1, HNF4A, CDH1 e

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Mubarac et al

*Médico (a) residente de clínica médica do HUGV – UFAM.**Médico especialista em gastroenterologia pelo Hospital de Base de São José do Rio Preto, assistente da residência de clínica médica do HUGV – UFAM.***Médica especialista em nutrologia e doutora pela Universidade de São Paulo, coordenadora clinica da equipe de terapia nutricional do HUGV – UFAM, assistente da residência de clínica médica da Fundação Hospital Adriano Jorge.

LAMB1), estímulo à apoptose e autofagia (DAP), regulação da transcrição (PRDM1, IRF5 e NKX2-3) e ativação de linfócitos auxiliares tipo 1 e 17 (Th1 e Th17), além de múltiplos genes da via de sinalização da IL-23.2

A ativação imune das DII parece ocorrer em resposta aos antígenos da luz intestinal e os pacientes, caracteristicamente, apresentam a mucosa infiltrada por granulócitos, linfócitos e macrófagos produtores de citocinas, como o fa-tor de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon gama e as interleucinas 1-b, 6, 8, 12 e 23.1 No contexto da RCU, as alterações imunológicas parecem se dever, sobretudo, a uma resposta anormal de linfócitos auxiliares Th2 com ati-vação de células T NK atípicas e abundante produção de IL-13, promotora da citotoxici-dade epitelial. Recentemente, foi postulado um papel adicional das células Th17 produtora de IL-17, que se encontram em níveis elevados na mucosa colônica dos pacientes portadores da doença.2

A RCU é caracterizada pela inflamação difusa da mucosa intestinal envolvendo o reto e o cólon, de extensão simétrica e progressão ascenden-te. Apresenta-se por episódios recorrentes de exacerbações e remissões, com clínica carac-terizada por diarreia sanguinolenta, urgência evacuatória e tenesmo.1,3 Os pacientes mais graves são classificados como fulminantes, for-ma caracterizada por mais de dez evacuações sanguinolentas ao dia, toxicidade, dor e disten-são abdominal, necessidade de hemoderivados e presença de dilatação de alças intestinais à radiografia de abdome.3

O tratamento farmacológico inclui preparações com 5-aminossalicilatos, corticosteroides e imunossupressores, como a ciclosporina e a azatioprina. Recentemente utiliza-se a terapia biológica com anticorpos monoclonais anti-TNF-α (Infliximabe) para promover melhora clínica em pacientes com DII grave e refratária.1,4,5 Trata-mentos alternativos como o uso de probióticos podem complementar a terapia, porém ain-da faltam estudos que comprovem a sua real eficácia.6 Quanto ao tratamento cirúrgico, as principais indicações são hemorragia maciça, perfuração intestinal, suspeita forte de malig-

nidade, colite severa com ou sem megacólon tóxico não responsiva à terapia convencional otimizada, intolerância a medicações ou pre-sença de sintomas intratáveis.3

Este trabalho tem o objetivo de descrever o caso de uma paciente com RCU fulminante, não responsiva à terapêutica otimizada, com boa evolução clínica e laboratorial após a otimi-zação da terapia nutrológica, uso de antimicro-bianos, probióticos e infliximabe.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 53 anos, há um ano iniciou fezes piossanguinolentas, dez evacu-ações ao dia, acompanhadas de tenesmo e dis-tensão abdominal, hiporexia e perda ponderal não quantificada. À época, foi submetida à re-tossigmoidoscopia revelando mucosa edemacia-da, fibrina e muco abundante em região do reto, demais segmentos normais, sugestiva de RCU. Após dois meses, foi submetida à colonosco-pia e observados ceco e cólon ascendente com granularidade e deposição de fibrina, de pa-drão contínuo de distribuição; cólon transver-so e descendente com presença de alterações mais esparsas; sigmoide e reto com granu-laridade, edema e friabilidade, com peque-nas lesões ulceradas e rasas, e deposição de fibrina, sugestivos de RCU em reto e sigmoide (Figura 1). À análise histopatológica: RCU em atividade leve, negativa para células malignas e agentes infecciosos. Com base nesses dados, foi iniciado o tratamento com Mesalazina 3,6 g/dia e corticoterapia oral.

Figura 1: Colonoscopia evidenciando erosões planas em sigmoide

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RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE: ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERPÊUTICAS NÃO USUAIS

Durante dez meses a paciente se manteve es-tável quando, então, reiniciou evacuações mu-cossanguinolentas (> 10 episódios/dia), cólica intensa, tenesmo, perda ponderal (10% do peso corporal) e astenia importante. Foi internada no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) apresentando-se em regular estado geral, com palidez acentuada, desnutrida e anasarcada. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular abolido em bases, sem alterações à ausculta

Tabela 1: Discriminação dos diversos exames

Figura 2: Radiografia simples de abdome em incidência anteroposterior, realizada com o pa-ciente em decúbito dorsal, mostrando edema de parede intestinal e distensão de alças.

cardíaca, porém taquicárdica (130 bpm). Abdome globoso, flácido, doloroso difusamente à pal-pação superficial, hipertimpânico e com ruídos hidroaéreos aumentados. Exames laboratoriais da admissão mostraram alterações inflamatórias e nutrológicas importantes (Tabela 1). Exames de imagem evidenciaram pequeno derrame pleural bilateral e distensão de alças intestinais (Figura 2).

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Mubarac et al

Foi iniciado azatioprina 100 mg/dia, metilpred-nisolona 62,5 mg/dia, mesalazina 3,6 g/dia e transfusão de quatro unidades de concentrados de hemácias. Após essas medidas, houve dis-creta melhora clínica, porém piora do número de evacuações, chegando a 26 episódios ao dia. Foi iniciada nutrição parenteral, associada a su-cos constipantes e bebidas isotônicas via oral. Iniciou-se também metronidazol e fluconazol orais, probióticos (Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium bifidum) e concomitante su-plemento alimentar específico para doença in-flamatória intestinal baseados em anti-TNF-α de luz intestinal. Paciente apresentou progres-siva diminuição do número de evacuações.

Optou-se por iniciar protocolo terapêutico com infliximabe, evoluindo com melhora clínica, redução do VHS e PCR e aumento do nível sé-rico de albumina, quando, então, recebeu alta hospitalar.

Discussão

Os pacientes com doença inflamatória intestinal apresentam alterações em sua microbiota normal. Indícios sugerem que a tolerância imunológica às bactérias comensais foi perdida, resultando em maior número de bacteroides, Escherichia coli e enterococos, e redução dos lactobacilos e bi-fidobactérias.7 Em pacientes com exacerbação da RCU, o uso de antimicrobianos orais parece ser responsável por melhora clínica, principal-mente porque as crises da doença podem ser desencadeadas por hiperproliferação bacteriana e fúngica. Dentre os mais comuns citam-se a in-fecção por Escherichia coli 0157:H7 e, nos casos em que houve uso prévio de antibióticos, a co-lite pseudomembranosa.3 Diante deste, optou-se pelo início de metronidazol e fluconazol, e, então, observada a diminuição do número de evacuações e melhora do estado geral.

Probióticos não promovem a remissão da doen-ça, porém auxiliam na prevenção da translo-cação bacteriana e na produção de produtos antibacterianos que inibem o crescimento de bactérias patogênicas, auxiliando também na regulação da resposta imune e estabilidade da barreira da mucosa intestinal.6-8 Apesar de ain-da necessitar estudos sobre o real benefício de

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RETOCOLITE ULCERATIVA FULMINANTE: ASSOCIAÇÃO DE CONDUTAS TERPÊUTICAS NÃO USUAIS

tais drogas, a introdução dos probióticos pode ter corroborado com a diminuição progressiva da presença de muco e leucócitos nas fezes, remetendo a uma diminuição do processo in-flamatório local.

Grande parte dos pacientes em atividade da doença apresentam-se desnutridos e, dentre os diversos fatores relacionados, estão a anorexia, as restrições alimentares desnecessárias, o au-mento da demanda energética e nutricional nos casos com febre e sepse, e a perda intestinal ex-cessiva de eletrólitos, sais minerais, oligoelemen-tos e sangue;9 dessa maneira, o reconhecimento precoce e a terapia nutrológica adequada são de extrema importância. Por privar os enterócitos dos ácidos graxos de cadeia curta, elementos vitais para o seu metabolismo e reparação; es-tudos controlados não mostraram benefícios no uso da nutrição parenteral como manobra terapêutica primária nos pacientes com RCU. No entanto, esta pode ser útil como um comple-mento em pacientes com depleção nutricional significativa.3 No caso descrito, a adição da terapia parenteral foi justificada pelo elevado número de evacuações, distensão abdominal e desnutrição progressiva. Após a introdução, a paciente reiniciou sensação de fome, um sinal precoce da diminuição da resposta in-flamatória sistêmica. A melhora também pode ser observada pelo aumento do nível sérico de albumina e diminuição de proteínas in-flamatórias.

A terapêutica específica é determinada pela seve-ridade do quadro. Os pacientes mais graves são classificados como fulminantes, forma caracteri-zada pela presença de mais de dez evacuações sanguinolentas ao dia, toxicidade, dor e disten-são abdominal, necessidade de reposição de hemoconcentrados e presença de dilatação de alças intestinais à radiografia de abdome.3 Es-ses pacientes são manejados com altas doses de aminossalicilatos, corticoesteroides e imu-nossupressores.4 Os casos refratários devem ser encaminhados à proctocolectomia ou referen-ciados à terapia intravenosa com ciclosporina ou infliximabe,3 terapia que comprovadamente reduziu a necessidade de cirurgias.7

Em conclusão, a terapia nutrológica adequada

associada à terapêutica otimizada com inflixi-mabe foi imprescindível para a melhora clínica e laboratorial da paciente, evitando, assim, a evolução para proctocolectomia.

Referências

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inflammatory activity and remission. Arq Gastroenterol. 2010, Jan-Mar; 47(1): 29-55.

Endereço para c orrespondência:Rebecca Souza Mubarac. Endereço: Conjunto Parque Tropical, rua 11, casa 06. Bairro Parque Dez de Novembro. CEP: 69055-751.E-mail: [email protected]

Mubarac et al

POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS

FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA

SEVERE AND DIFFICULT TO CONTROL CUTANEOUS POLYARTERITIS NODOSA IN TEENAGER AF-TER STREPTOCOCCAL PHARYNGOTONSILLITIS

Yanna Pontes Prado*, Leilian Amorim**, Araceli dos Santos Brito*, José Ricardo Ferreira***, Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro****, Domingos Sávio Nunes de Lima*****

Resumo

A poliarterite nodosa cutânea (PAN cutânea) é uma vasculite primária de artérias de pequeno e médio calibres, distinguindo-se da poliarterite nodosa clássica pela ausência de envolvimento vis-ceral. A etiologia é desconhecida, estando supostamente envolvidos mecanismos imunomediados desencadeados por diversos fatores, sendo um deles o estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield (EBHGA). Clinicamente apresenta-se com inúmeras manifestações cutâneas, além de artralgia, mialgia, neuropatia periférica e sintomas constitucionais. O diagnóstico é de difícil realização e baseia-se na clínica e histopatologia da pele. A terapêutica inclui o uso de corticos-teroides e imunossupressores. Neste artigo será relatado um caso de PAN cutânea grave em uma adolescente que se manifestou após episódio de faringoamigdalite, tornando provável a asso-ciação com o EBHGA.

Palavras-chave: Poliarterite nodosa, vasculites, infecções estreptocócicas.

Abstract

Cutaneous polyarteritis nodosa (cutaneous PAN) is a primary vasculitis of small and medium sized arteries, distinguished from classical polyarteritis nodosa by the absence of visceral involvement. The aetiology remains unknown, but presumably has immune-mediated mechanisms involved and its triggered by several factors, one of them is the beta-hemolytic streptococcus group A Lancefield (GABHS). Clinically presents with many cutaneous manifestations in addition to arthralgia, myalgia, peripheral neuropathy and constitutional symptoms. Diagnosis is difficult to perform and is based on clinical and histopathological signs of skin. Treatment includes corticosteroids and immunosuppressive drugs. This article will present a case of severe cutaneous PAN in a teenager that was manifested after an episode of pharyngotonsillitis, making it likely the association with GABHS.

Keywords: Polyarteritis nodosa, vasculitis, streptococcal infections.

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Prado et al

*Residente do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam)**Residente do Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam)***Residente do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Francisca Mendes (HUFM-Ufam)****Professora do Departamento de Clínica Médica, disciplina de Clínica Médica II (Reumatologia) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), supervisora de Residência Médica em Reumatologia do HUGV/Ufam*****Professor-assistente doutor do Departamento de Clínica Médica do HUGV/Ufam

Introdução

A poliarterite nodosa cutânea (PAN cutânea) é uma doença rara, que acomete artérias de pequeno e médio calibres.1,2,3,4 A idade de início é variável, sendo na criança mais comum na fase escolar. A patogenia é desconhecida, supondo-se uma predisposição genética e o envolvimento de mecanismos imunomediados desencadeados por diversos fatores, como drogas, tubercu-lose, infecções estreptocócicas, hepatite B e C, parvovírus B 19, citomegalvírus e HIV.1,5,6,7 Tem como manifestações clínicas a ulceração cutânea, púrpura, necrose, autoamputação de dedos, nódulos subcutâneos, livedo reticular, fenômeno de Raynaud, isquemia digital, eritema nodoso, artralgia, mialgia, neuropatia perifé-rica, miosite e sintomas constitucionais, como febre, emagrecimento e mal-estar.1,5,8,9,10,11 Não existe exame específico para diagnóstico de certeza, tornando-o muitas vezes difícil, com base apenas em forte evidência clínica e his-topatologia da pele.1 Em relação às alterações histopatológicas, podemos encontrar reação inflamatória com necrose fibrinoide em pare-des dos vasos afetados, com células linfomono-nucleares, neutrófilos e poucos eosinófilos.5 O tratamento varia conforme a gravidade do caso, sendo preconizado o uso de corticosteroides e imunossupressores.1,5 Deve ser feita profilaxia secundária com Penicilina G Benzatina visando evitar novos episódios de PAN cutânea após a exposição com o estreptococo.1,4 A doença tem um curso benigno e crônico, apresentando re-cidivas e remissões.1,4,11

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de PAN cutânea grave e de difícil controle, com provável associação estreptocócica, em adoles-cente acompanhada no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV).

Relato de caso

N. L. S., sexo feminino, 12 anos, parda, natu-ral e procedente de Manacapuru/AM, católica, estudante. Foi admitida no Serviço de Reumato-logia do HUGV em janeiro de 2009, com quadro de febre, lesões eritemato-violáceas dolorosas em membros superiores e inferiores. Evoluiu com cianose de extremidades, gangrena e au-toamputação de dois quirodáctilos, artrite de tornozelos, parestesia em bota bilateral, livedo reticulares em membros inferiores e mialgia. Apresentou dor em abdome superior, tipo cóli-ca, não relacionada à ingesta alimentar, sem ir-radiação, aliviada com analgésico comum. Na história patológica pregressa relatou episódio de faringoamigdalite, três semanas antes do quadro, tratada com Penicilina G Benzatina 1.200.000 UI por 15 dias consecutivos, além de sinusite e amigdalite de repetição. História familiar: pai: faringoamigdalite de repetição, irmã gêmea: asma.

Ao exame físico apresentava lesões eritemato-violáceas em pés, tornozelos, perna direita, joelho esquerdo, mãos, punho e cotovelo es-querdo e posteriormente gangrena de extremi-dades distais de quirodáctilos (Figuras 1 e 2).

Figura 1: Lesões eritemato-violáceas em planta e região lateral dos pés, com cianose de primeiro, segundo e quinto pododáctilos esquerdos.

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POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA

Figura 2: Necrose de segundo quirodáctilo direito e de quinto quirodáctilo esquerdo, além de lesões eritemato-violácias em palma das mãos.

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Prado et al

Tabela 1: Exames realizados

Figura 3: Ausência de lesões cutâneas quatro meses após terapia com Rituximabe. Na imagem encontramos auto-amputação do segundo quirodáctilo D e quinto quirodác-

tilo esquerdo.

Histopatológico da pele na fase aguda (biópsia em lesões de tornozelo direito): vasculite da derme profunda com padrão de vasculite necrosante fibrinoide transmural e exsudato inflamatório rico em neutrófilos e eosinófilos, com granuloma epitelioide. Biópsia de músculo: miosite. Histopatológico de nervo sural (fase crônica): estrutura nervosa de aspecto histológico habitual, notando-se nas artérias, ao redor, espessamento do endotélio a par de infiltrado inflamatório constituído pre-dominantemente por linfócitos: arterite lin-focítica compatível com PAN.

De acordo com os dados clínicos, epidemiológi-cos, laboratoriais, radiológicos e histolopa-tológico da pele, admitiu-se o diagnóstico de PAN cutânea.

Foi realizado pulsoterapia de metilprednisolo-na, com melhora parcial das lesões da pele, que recidivaram após algumas semanas, sendo, en-tão, iniciado ciclofosfamida e, posteriormente, imunoglobulina venosa, pela refratariedade ao imunossupressor.

Recebeu alta com melhora parcial das lesões cutâneas, manteve corticoterapia (prednisona, 40 mg/dia), completou 12 ciclos de pulsoterapia com ciclofosfamida e foi prescrita profilaxia se-cundária com Penicilina G Benzatina 1.200.000UI a cada 21 dias.

A paciente não aderiu à profilaxia secundária e manteve episódios de exacerbação da doença. Foi, então, optado pela terapia com Rituximabe (500 mg/semana, 4 doses), obtendo boa respos-ta clínica (Figura 3).

Discussão

A PAN cutânea é uma forma particular de vascu-lite, que acomete pequenas e médias artérias, caracteristicamente sem envolvimento sistêmi-co.4,5,7 A paciente relatada realizou inúmeros exames complementares que afastaram acome-timento sistêmico. Essa vasculite apresenta curso benigno da doença, porém tem caráter crônico recidivante,1,4,6 como a paciente em questão, necessitando algumas vezes de novas internações hospitalares.

A etiologia é desconhecida, sabendo-se que há uma predisposição genética associada a múlti-plos eventos desencadeantes.7 No caso apresen-tado, a paciente tinha história epidemiológica fortemente positiva, com relato de amigdalites de repetição.

O quadro clínico manifesta-se por nódulos cutâ-neos e subcutâneos, livedo reticular, ulcerações e gangrena. As manifestações extracutâneas mais comuns são mialgia, principalmente em panturrilhas, por conta da miosite, parestesias, neurites dolorosas e mononeurite multiplex.5,8 Artrite não erosiva, artralgia e febre também são frequentes.5,8 A paciente do caso apresen-tava a maioria desses sinais e sintomas.

O exame histológico da pele é variável e geral-mente denota vasculite necrotizante de peque-nos e médios vasos da derme profunda e tecido celular subcutâneo associado à paniculite lobu-lar focal.1,2,5 O infiltrado é variável, encontran-do-se predomínio de neutrófilos na fase aguda e linfócitos e histiócitos na fase crônica.9 A biópsia da pele apresentava as características supracitadas, com predomínio de neutrófilos, demonstrando que ela encontrava-se na fase aguda da doença e após 12 meses a biópsia de nervo sural identificou presença de infiltrado linfocitário.

O tratamento é variável, podendo ser usado anti-inflamatórios não esteroides, salicilato, hidroxicloroquina, pentoxifilina, colchicina, dapsona, sulfassalazina e metotrexate.1,5,6,9,11 Em caso de refratariedade ou em quadros mais graves está indicado o uso de corticoides, de-vendo ser mantido até o desaparecimento das

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POLIARTERITE NODOSA CUTÂNEA GRAVE E DE DIFÍCIL CONTROLE EM ADOLESCENTE APÓS FARINGOAMIGDALITE ESTREPTOCÓCICA

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lesões cutâneas.1,5,6,9 O uso de imunossupres-sores e de imunoglobulina está reservado para as formas mais graves e refratárias ao corti-coide em altas doses.1,6

No caso clínico relatado, a paciente necessitou do uso de corticoide, ciclofosfamida, imuno-globulina venosa e rituximabe pela gravidade e a refratariedade do quadro, evoluindo com melhora substancial.

Foi prescrita, também, profilaxia secundária com Penicilina Benzatina, porém não houve boa aderência, o que poderia explicar as inúmeras recidivas do quadro vasculítico.

Conclusão

A PAN cutânea é uma doença rara, de difícil di-agnóstico e de caráter crônico-recidivante. De acordo com os dados epidemiológicos, clínica e exames realizados, foi estabelecido o diag-nóstico de PAN cutânea pós-estreptocócica. A paciente não aderiu à profilaxia secundária e apresentou inúmeras recidivas. Obteve boa resposta ao uso do Rituximabe e mantém acompanhamento no ambulatório do Serviço de Reumatologia da Universidade Federal do Amazonas, no momento em remissão da doen-ça.

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Endereço para correspondência:Yanna Pontes Prado . Avenida Apurinã, 4 – Bairro Praça 14 . CEP: 69020-170 . Manaus/AM . Telefone: (92) 3633-4977 E-mail:, [email protected], [email protected]

Instituição: Hospital Universitário Getúlio Var-gas – Universidade Federal do Amazonas, Depar-tamento de Reumatologia.

Prado et al

A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE

MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO

THE RELATIONSHIP BETWEEN CHEST PAIN, LEFT BUNDLE BRANCH BLOCK TRANSITIONAL AND MYOCARDIAL BRIDGE: CASE REPORT

José Ricardo Ferreira*, Marlúcia Nascimento Nobre****, Simora S. Morais*, Kelly Simone C. dos Santos*, Jaime G. A. Maldonado**, Tatiane L. Aquiar***

Resumo

A ponte miocárdica constitui um dos principais diagnósticos diferenciais de doença arterial coro-nariana. Entretanto, ainda é subdiagnosticada. A significância clínica da ponte de miocárdio é variável e a maioria dos pacientes é assintomática. Contudo, angina, infarto agudo do miocárdio, fibrilação ventricular, isquemia miocárdica, arritmias cardíacas e morte súbita têm sido relatados em associação às pontes de miocárdio. Relatamos o caso de um paciente admitido no pronto-socorro com queixa de dor torácica associada a bloqueio de ramo esquerdo transitório que, após cineangiocoronariografia, demonstrou ponte miocárdica e artérias coronárias normais.

Palavras-chave: Ponte miocárdica, dor torácica, bloqueio de ramo esquerdo.

Abstract

The myocardial bridge is one of the main differential diagnosis of arterial coronary disease. However, it is still underdiagnosed. The clinical significance of myocardial bridge is variable, and most patients are asymptomatic. However, angina, acute myocardial infarction, ventricular fibrillation, myocardial ischemia, cardiac arrhythmias and sudden death have been reported in association with myocardial bridges. We report the case of a patient admitted at the emergency complaining of chest pain, associated with left bundle branch block transitional after coronary angiography demonstrated that myocardial bridge and normal coronary arteries.

Keywords: Myocardial bridge, chest pain, left bundle branch block.

Introdução

As pontes de miocárdio (PM) são formações mus-culares que, partindo do miocárdio ventricular, cobrem as artérias coronárias.1 Acomete geral-mente a artéria descendente anterior esquerda (DAE), em que um ou mais feixes de miocárdio cruzam ou envolvem um segmento de artéria

coronária epicárdica, a qual atravessa a porção intramural do miocárdio, abaixo da ponte mus-cular.2

É uma variante anatômica pouco comum no ser humano, embora não seja raridade.3

Alguns autores sugerem que as pontes de miocár-

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* Residente de Cardiologia do HUGV/HUFM** Especialista em Arritmologia/Eletrofisiologia e preceptor de Cardiologia do HUGV/HUFM*** Preceptora de Cardiologia do HUGV/HUFM**** Preceptora e chefe do Serviço de Cardiologia do HUGV/HUFM

Ferreira et al

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A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO

dio sejam formadas no período embrionário, no mesmo tempo da formação das artérias coronárias da rede capilar original.4 Outros autores acreditam que a ponte de miocárdio não é uma variação anatômica, mas sim um defeito na reabsorção da musculatura que rodeia as artérias que deveriam ser epicárdicas.5

A PM constitui um dos principais diagnósticos diferenciais de doença arterial coronariana (DAC), podendo manifestar-se como angina de peito típica ou atípica e, mais raramente, infar-to agudo do miocárdio (IAM) ou morte súbita.2

Ainda é subdiagnosticada em função de ape-nas uma minoria dos pacientes apresentarem-se sintomáticos, da falta de disponibilidade e, consequentemente, do uso restrito de métodos diagnósticos de maior acurácia, fazendo com que seus mecanismos fisiopatológicos e sua terapêutica ainda não tenham sido completa-mente elucidados.2

O objetivo deste relato é caracterizar a ponte

miocárdica como diagnóstico diferencial em pa-cientes sem fatores de risco para DAC que se apresentam com quadro clínico de dor torácica, associado a bloqueio de ramo esquerdo tran-sitório no eletrocardiograma.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 47 anos, natural e procedente de Manaus, procurou o pronto-socorro (PS) com quadro clínico de dor torácica, intermitente, com duração de 15 minutos, iniciada e aliviada espontaneamente. Após a realização do eletrocardiograma (Figura 1) e dosagem de enzimas cardíacas seriadas, que se mostraram dentro dos padrões de normali-dade, o paciente foi liberado com sintomáticos. Retornou ao PS após dois dias com novo episó-dio de desconforto torácico associado à pré-síncope, sendo identificado bloqueio completo de ramo esquerdo no ECG (Figura 2) que, após administração de nitrato sublingual, tornou-se assintomático e com eletrocardiograma normal.

Figura 1: ECG dentro dos padrões de normalidade

Figura 2: ECG apresentando Blqueio de Ramo Esquerdo

Novamente foi realizado o protocolo de dor torácica com dosagem seriadas de enzimas cardíacas (Creatinofosfoquinase MB e Troponi-na) que se mantiveram dentro dos padrões de normalidade.

O paciente foi transferido para o hospital de referência em Cardiologia do Estado do Amazo-nas para investigação diagnóstica.

Na história clínica, não foi evidenciada a pre-sença de fatores de risco para DAC e o exame físico se apresentava normal.

Realizado Ecocardiograma Transtorácico (ECO TT), Teste Ergométrico e Holter de 24 horas para elucidação diagnóstica.

O ECO TT não evidenciou alteração na contrati-

lidade segmentar e na fração de ejeção.

O Teste Ergométrico foi realizado com o pro-tocolo de Bruce, sendo atingida a frequência submáxima, e não se observado alterações hemodinâmicas, clínicas e eletrocardiográficas para isquemia.

O Holter de 24 horas não demonstrou presença de pausas, extrassístoles e outras arritmias.

Por conta da permanência da dor torácica, e da normalidade dos exames complementares não invasivos, foi solicitado a cineangiocoro-nariografia (CAT).

O CAT (Figura 3) não demonstrou obstrução nas coronárias, mas visualizou ponte miocárdica no ponto médio da coronária descendente anterior.

Figura 3: Cineangiocoronariografia ilustrando a Ponte miocárdica em terço médio da Descendente Anterior.

Durante o período de internação, o paciente permaneceu sintomático sendo iniciado bloque-ador do canal de cálcio (diltiazem), como tera-pêutica inicial.

Evoluiu com melhora dos sintomas rece-bendo alta hospitalar, com orientação psicológi-ca e seguimento ambulatorial.

Discussão

A ponte miocárdica é uma patologia relativa-mente comum na população geral, geralmente

benigna, acometendo principalmente pacientes com baixo risco para DAC; entretanto, quando sintomáticas, manifestam-se na forma de angina instável ou estável, arritmias cardíacas (taqui-cardia ventricular e taquicardia supraventricu-lar), IAM e morte súbita, sendo os dois últimos de ocorrência rara.6-8

O diagnóstico clínico de pontes miocárdicas deve ser considerado em pacientes com sinto-mas anginosos, na ausência de fatores de risco ou evidências de isquemia.9 Apesar de ser uma malformação presente desde o nascimento, a ocorrência de sintomas não se desenvolve antes

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Ferreira et al

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A RELAÇÃO ENTRE DOR TORÁCICA, BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO TRANSITÓRIO E PONTE MIOCÁRDICA: RELATO DE CASO

da terceira década de vida.2

A DAE é a mais comumente envolvida.7 O achado angiográfico típico da PM é a redução sistólica do diâmetro da artéria coronária epicárdica e persistência da redução durante a diástole.10 Sua natureza transitória e a dinâmica da obstrução auxiliam no diagnóstico diferencial de estenoses coronarianas fixas.2

O tratamento de pontes de miocárdio deve ser restrito a pacientes sintomáticos e está baseado primariamente na abordagem farmacológica. Os ß-bloqueadores são geralmente a terapia de primeira linha sendo os bloqueadores de canais de cálcio uma alternativa.11

Outros procedimentos terapêuticos são a colo-cação de stents e cirurgia.11

Neste relato de caso observamos algumas características relatadas na literatura como a artéria coronariana mais acometida, a utili-zação de drogas sugeridas para o tratamento e a apresentação clínica de dor torácica em um paciente sem fatores de risco para DAC.

O ponto importante nesse caso é a possibili-dade de conduzir esse paciente como IAM, no OS, uma vez que a apresentação clínica foi de torácica associado a novo BRE no ECG.

O BRE está comumente associado à doença estrutural cardíaca, sendo raro em indivíduos normais. Entre as causas principais temos a cardiopatia isquêmica, a hipertensão arterial sistêmica, as miocardiopatias e a valvopatia aórtica.12

O reconhecimento no ECG de supradesnivela-mento do segmento ST > 1,0 mm em derivações contíguas no plano frontal, o bloqueio de ramo esquerdo novo ou o supradesnivelamento do segmento ST > 2,0 mm em derivações precordi-ais sugere alta probabilidade de IAM.13

A obtenção de história detalhada das característi-cas da dor auxilia muito no diagnóstico, sendo de grande importância a avaliação da presença de fatores de risco para doença arterial coronária, infarto prévio e doença aterosclerótica já docu-

mentada.13

Esse paciente não apresentava dor torácica típica e na história clínica não se observavam fatores de risco para DAC, sendo a valorização desses dados a razão para não realização da terapêutica específica para IAM.

Em conclusão, este caso clínico ilustra várias características encontradas na literatura a respeito de ponte miocárdi-ca e a sugere como diagnóstico diferencial de dor torácica no pronto atendimento.

Demonstra que a associação de dor torácica e BRE transitório pode não ser somente quadro clínico de IAM e coloca a ponte miocárdica como uma das possibilidades diagnósticas em pacientes jovens sem fatores de risco para DAC.

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Ferreira et al

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Westphal et al

CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE

CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL” GUIADO POR TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX

BRONCHOGENIC CYST TREATED BY BIOCOMPATIBLE POLYETHYLENE CATHETER CONFIGURA-TION “PIGTAIL” GUIDED BY COMPUTED TOMOGRAPHY

Fernando Luiz Westphal*, Cristiane Paulain David**, Luiz Carlos de Lima***, José Corrêa Lima Netto***, Mônica de Sá Pinheiro****

Resumo

O cisto broncogênico é uma malformação congênita benigna comum, usualmente descoberta na idade adulta. O tratamento cirúrgico, quando indicado, é a ressecção da lesão por toracotomia, videotoracoscopia ou mediastinoscopia. Descrevemos aqui um caso de cisto broncogênico em um paciente de 28 anos, que apresentou quadro de pneumonia em pulmão esquerdo associado a der-rame pleural. Ao seguimento do tratamento clínico a radiografia de tórax evidenciou uma coleção pleural, na região inferior do hemitórax esquerdo, justa diafragmática. Foi realizada a drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada, relataremos uma breve revisão e discussão da literatura.

Palavras-chave: Cisto broncogênico, cateter, tomografia computadorizada.

Abstract

The bronchogenic cyst is a common benign congenital malformation, usually discovered in adulthood. Surgical treatment, when indicated, is the resection by thoracotomy, mediastinoscopy or thoracoscopy. We describe a case of bronchogenic cyst in a patient of 28 years, who developed pneumonia and pleural effusion in the left lung in association with pleural effusion. Follow up of the clinical treatment chest radiography revealed a pleural collection, in the lower left hemithorax, next to diaphragma. Percutaneous drainage of the cyst was performed with biocompatible polyethylene catheter configuration “Pigtail”, guided by computed tomography; we report a brief review and discussion of literature.

Keywords: Bronchogenic cyst, catheter, computed tomography.

* Cirurgião Torácico e Coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV**Médica Radiologista do Hospital Beneficente Portuguesa*** Cirurgião Torácico do HUGV****Acadêmica da Medicina da Universidade Estadual do Amazonas

Introdução

Os cistos broncogênicos (CB) são de origem congênita e têm caráter benigno, usualmente descoberto na fase adulta, geralmente causa-dos por malformação no desenvolvimento em-briológico do intestino anterior ou cavidade celômica. A localização pode ser no mediastino ou parênquima pulmonar e raramente em lo-cais extratorácicos.1 A incidência é semelhante em homens e mulheres,2 morfologicamente são envolvidos por uma parede fina, revestidos por uma coluna de epitélio ciliado, podendo con-ter cartilagem e são preenchidos com material mucoide, circundados por tecido muscular e fi-brose. Eles são geralmente uniloculares, entre-tanto pode conter trabeculação interna.3

Os cistos broncogênicos em geral são assin-tomáticos e, quando não, dependendo de sua localização, podem apresentar complicações, tais como hemorragia intracística, ruptura, in-fecção, metaplasias, compressão de órgãos ad-jacentes ou comunicação com as vias aéreas.4 A indicação cirúrgica deve ser realizada precoce-mente em função da alta incidência das compli-cações referidas.

Apresentamos, a seguir, um caso de cisto bron-cogênico em um adulto, tratado por cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail” orientado por tomografia computa-dorizada de tórax.

Relato de caso

Paciente masculino, 28 anos, branco, publici-tário, procedente de Manaus/AM, foi admitido no Serviço de Cirurgia Torácica com pneumonia lobar inferior no pulmão esquerdo, associado a extenso derrame pleural. O exame físico apre-sentou murmúrio vesicular diminuído em base esquerda. Houve resolução do processo infec-cioso, assim como do derrame pleural. Entre-tanto, a radiografia de tórax demonstrou uma coleção pleural, na região inferior do hemitórax esquerdo, justa diafragmática, persistente nos meses seguintes, a despeito da melhora clíni-ca. A tomografia computadorizada apresentou uma lesão cística, redonda de contornos regu-lares com parede imperceptível e coeficiente de atenuação radiológica uniforme, medindo 32 mm x 55 mm em mediastino posterior do hemitórax esquerdo (Figura 1).

Figura 1A: Tomografia computadorizada de tórax revelando lesão cística paraesofagiana esquerda. Em 1B, TAC após a colocação do cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”.

O tratamento instituído, após sete meses do episódio de pneumonia, foi a drenagem per-cutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guia-do por tomografia computadorizada (Figura 2). Esse procedimento foi realizado no centro ra-diológico sob anestesia local com obtenção de

cerca de 60 ml de líquido espesso de cor esver-deada. Após 20 dias, foi retirado o cateter, com boa resolução do quadro e expansão pulmonar completa visualizada à radiografia de tórax (Figura 2). Durante o período de observação de um ano, não houve recidiva do cisto.

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1A 1B

CISTO BRONCOGÊNICO TRATADO POR CATETER POLIETILENO BIOCOMPATÍVEL DE CONFIGURAÇÃO “PIGTAIL“ GUIADOPOR TOMO-GRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX

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Figura 2: Drenagem percutânea do cisto com cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail”, guiado por tomografia computadorizada e radiografia de tórax posteroanterior após retirada do

cateter evidenciando expansão pulmonar completa.

Discussão

Estando entre as afecções que acometem o me-diastino, os CBs são lesões comuns derivadas do sequestro de células do sulco laringotraqueal entre 26 e 40 dias de vida intrauterinos.5 Eles são revestidos por epitélio pseudoestratificado ciliado, com extensas áreas ulceradas, tendo na sua parede fibras musculares lisas e focos de cartilagem, podendo conter glândulas mu-cosas que permitem classificá-los como CBs.6 Podem localizar-se em posições distintas: para-traqueal, carinal, hilar, paraesofagiano e dia-fragmática, pré-esternal, pericárdio, pescoço, abdome ou ainda ocorrer numa forma mista intrapulmonar e infradiafragmática.2,7 A locali-zação mais frequente foi a paratraqueal.2,5 No caso relatado, o CB localizava-se na região paraesofágica esquerda.

A radiografia de tórax geralmente é o exame inicial que evidencia lesão expansiva radioden-sa, em localizações variáveis, podendo mudar de conformação em diferentes posições (p. ex.: decúbito dorsal e ortostase), principalmente nos pacientes assintomáticos. A TAC é essencial para avaliação das lesões císticas intratoráci-cas, visto que permitem a medição da densi-dade do conteúdo, assim como a sua relação com as estruturas circunjacentes, cumprindo papel fundamental no diagnóstico e plane-jamento terapêutico. A ultrassonografia (US) apresenta maior importância no grupo pediátri-co, evitando o uso de radiação ionizante nesses

pacientes. Esse procedimento, em regra, mostra lesão anecoica homogênea (cística), bem de-limitada e geralmente confinada a um ou mais dos espaços mediastinais. A RM pode ser útil na diferenciação entre lesões císticas e sólidas, em virtude do alto sinal nas sequências ponderadas em T2 observado nas lesões císticas. Dos méto-dos comentados, destaca-se a TC, por sua alta sensibilidade e relativa disponibilidade.1,4 O exame utilizado para diagnóstico e orientação terapêutica nesse paciente foi a TAC de tórax, maioria dos CBs é assintomática, entretanto eles podem cursar com sintomas compressivos, principalmente nas crianças nas quais a caixa torácica é pequena propiciando a compressão das estruturas nelas contidas. Os sintomas in-fecciosos tais como febre, tosse produtiva e dor torácica ocorrem quando o CB comunica-se com árvore respiratória tornando-se contaminadas pelo contato com o ar. A hemoptise pode ocor-rer em alguns casos, assim como a degeneração maligna. Eles podem formar fístula em comuni-cação com a traqueia, cavidade pericárdica, ou na cavidade pleural. Neste caso, o cisto foi um achado ocasional ao exame radiográfico conse-quente a pneumonia.8,9

O tratamento dos CBs pode ser realizado por toracotomia convencional, videotoracoscopia, mediastinoscopia e drenagem mediastinal do cisto. Tradicionalmente as cirurgias torácicas di-tas convencionais (toracotomias) são realizadas mediante incisão cirúrgica e abertura da cavi-dade com exposição do pulmão e demais órgãos

Westphal et al

internos. Mais recentemente, com o desen-volvimento das técnicas de videotoracoscópi-cas, podemos obter a visualização do cisto pela introdução de uma pequena câmera de vídeo, além de duas ou três pequenas incisões por onde se introduzem pinças, tesouras e outros materiais, que permitem um procedimento se-guro e muito menos agressivo. A abordagem por mediastinoscopia foi descrita há 30 anos, por Ginsberg, e representa uma alternativa cirúr-gica de menor morbidade e com excelentes re-sultados na literatura e deve ser considerada nos casos com indicação precisa, tem um po-tencial mínimo de complicações quando reali-zados por profissionais experientes. No entan-to, por razões pouco claras, esse procedimento não se popularizou entre os cirurgiões toráci-cos, que utilizam principalmente a toracotomia ou a ressecção por videotoracoscopia.2 O uso da técnica de drenagem mediastinal do cisto por meio de cateter tem sido usado como mé-todo terapêutico menos invasivo; no entanto, a literatura relata maior probabilidade de haver recorrência do cisto.10 A técnica utili-zada neste caso foi a drenagem por cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail” orientado por tomografia computa-dorizada, não houve recorrência em um pe-ríodo de um ano de observação.

Em conclusão, o tratamento do CB por cateter de polietileno biocompatível de configuração “Pigtail” orientado por tomografia computadori-zada, pode ser uma alternativa minimamente invasiva, realizado com anestesia local em nível ambulatorial com baixa taxa de morbidade.

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Westphal et al

MEDIASTINITE DESCENDENTE NECROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO

DENTÁRIA: RELATO DE CASOS

DESCENDING NECROTIZING MEDIASTINITIS CAUSED BY TONSILLITIS AND TOOTH EXTRACTION:CASE REP ORTS

Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima**, José Corrêa Lima Netto**, Eucides Batista da Silva***, Márcia Santos Silva****, Luciane Sayuri Neves de Oliveira Hagiwara*****

Resumo

A mediastinite descendente necrosante (MDN), definida pelo processo inflamatório e infeccioso do mediastino com disseminação para estruturas subjacentes, é uma complicação rara de infecções orofaríngeas e apresenta alta morbi-mortalidade. Neste trabalho, relatamos dois casos de pa-cientes com diagnóstico de MDN secundária a infecções da cavidade oral. Um dos pacientes apre-sentava como foco primário um quadro de amigdalite aguda e a outra paciente iniciou o quadro após exodontia. Ambos os pacientes foram submetidos à bitoracotomia anterior com internação em UTI. Um dos pacientes evoluiu para o óbito no 38.º dia de internação hospitalar. A outra pa-ciente recebeu alta no 77.º dia.

Palavras-chave: Mediastinite, complicações, amigdalite, exodontia.

Abstract

Descending necrotizing mediastinitis (DNM), defined by the spread of inflammation and infection to the mediastinum and underlying structures, is a rare complication of oropharyngeal infections and has high morbidity and mortality. We report two cases of DNM secondary to oral cavity infections. One of the patients had an acute tonsillitis as primary focus while the other one started the infection after an tooth extraction. Both patients underwent anterior bilateral thoracotomy and admission to the ICU. One of the patients died within 38 days of hospitalization. The other patient was discharged on the 77th day.

Keywords: Mediastinitis, complications, tonsillitis, tooth extraction.

* Cirurgião Torácico e coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV** Cirurgião torácico do HUGV*** Infectologista e médico da UTI do HUGV**** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV***** Médica Residente do Serviço de Cirurgia Geral da Fundação Hospital Adriano Jorge

Introdução

Mediastinite descendente necrosante (MDN) define-se por processo infeccioso dos tecidos conectivos do mediastino, podendo ser agudo ou crônico.¹ Apesar de apresentarem baixa incidência, possuem alta morbi-mortalidade, principalmente ao que se refere aos casos agu-dos. Dentre suas causas incluem-se pós-operatório de cirurgia cardíaca, nas quais se utiliza como via de acesso a esternotomia, causas esofágicas, tais como a ruptura esofágica espontânea (Síndrome de Boerhaave), corpos estranhos e, em menor escala, processos infecciosos orofaríngeos e cervicais.2 Tais focos infecciosos podem dis-seminar-se rapidamente através das fáscias cervicais superficiais e profundas, atingindo as mediastinais e ocasionando empiema pleural e piopericárdio com grande repercussão sistêmi-ca. O objetivo deste trabalho é apresentar dois casos de MDN, sendo um causado por infecção amigdaliana e outro por infecção pós-exodon-tia.

Caso clínico 1

Paciente masculino, 27 anos, admitido em

serviço de pronto-socorro com história de dois dias de evolução com dor e edema em região cervical e facial. Em sua história patológica pre-gressa, referiu quadro infeccioso orofaríngeo diagnosticado havia sete dias como amigdalite, em outra unidade de saúde, porém, fez uso de antibiótico endovenoso (cefalotina) por apenas um dia e evadiu-se. Ao exame físico, encon-trava-se hipocorado, febril, taquicárdico, com queda do estado geral e com sinais de sepse. Edema facial e cervical mais intenso à esquerda. À ausculta pulmonar, apresentava diminuição de murmúrio vesicular à direita.

A radiografia de tórax evidenciou derrame pleu-ral à D, alargamento de mediastino e de silhueta cardíaca (Figura 1). Posteriormente, realizou-se uma tomografia computadorizada (TC) de tórax que evidenciou extenso enfisema de subcutâ-neo e de planos musculares em região cervical e hemitórax esquerdo, com ar esparso em medi-astino superior e derrame pleural à direita, con-solidação atelectásica inferior direita, alveolar medial e superior em lobo inferior esquerdo e padrão em vidro fosco com sinais de congestão em lobo superior direito e médio (Figura 1).

Figura 1: À esquerda: radiografia de tórax com derrame pleural à direita, alargamento de mediastino e de silhueta cardíaca. À direita: tomografia de tórax com enfisema subcutâneo em cervical, hemitórax esquer-

do, mediastino superior e derrame pleural à direita.

Em relação às alterações laboratoriais, consta-vam leucocitose de 27.450 cel/mm³, ureia de 85 mg/dL e creatinina de 3,14 mg/dL à admis-são.

O paciente foi então submetido à toracotomia anterior bilateral, pericardiotomia, mediasti-notomia bilateral, cervicotomia exploradora,

fasciotomia dorsal esquerda e drenagem toráci-ca fechada em selo d’água com dois tubos em cada hemitórax.

Após o procedimento cirúrgico, foi admitido em unidade de terapia intensiva (UTI), sob venti-lação mecânica, toxemiado e febril. Ecocardio-grama evidenciou derrame pericárdico discre-

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MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS

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Westphal et al

to, relacionado às cavidades direitas e válvula tricúspide normal com leve refluxo ao Doppler Color, ambos sem repercussão clínica. Tentativa de desmame ventilatório não obteve sucesso. Manteve os parâmetros de sepse e evoluiu com instabilidade hemodinâmica e dificuldade res-piratória, apesar da instituição de antibiotico-terapia de amplo espectro (vancomicina asso-ciada à piperacilina+tazobactam).

No 11.º dia de internação hospitalar (DIH) (9.º DIH em UTI) foi realizada nova TC de tórax, cujo laudo referia enfisema subcutâneo em planos musculares cervicais e em hemitórax esquerdo, pequena quantidade de ar esparso em medias-tino superior, pequeno derrame pleural e pneu-motórax bilateral e sinais congestivos em lobos inferiores (Figura 2). Novo ecocardiograma sem sinais de derrame pericárdico.

Figura 2: Tomografia de tórax evidenciando enfisema subcutâneo em planos musculares cervicais e em hemitórax esquerdo, pequena quantidade de ar esparso em mediastino superior, pequeno derrame pleural

e pneumotórax bilateral e sinais de congestão em lobos inferiores.

Realizadas traqueostomia e broncoscopia no 20.º e 34.º DIH, respectivamente, sem sinais de fístula traqueoesofágica. Os parâmetros hematimétricos e bioquímicos oscilaram entre períodos de normalidade e alterações, sendo a leucocitose o maior destaque. A leucometria variou de 2.920 a 32.530 cel/mm³ e manteve-se o quadro de insuficiência renal.

No 38.º DIH em UTI, apesar de transfusões de sangue, utilização de drogas vasoativas em doses elevadas e antibioticoterapia de amplo espectro, o choque séptico se mostrou refra-tário às medidas de reanimação e evoluiu para falência de múltiplos órgãos, resultando em óbito.

Caso clínico 2

Paciente feminino, 32 anos, deu entrada no serviço de pronto-socorro com história de abscesso gengival após exodontia havia sete dias, evoluindo com edema e dor em região submandibular e cervical associada à febre alta e queda do estado geral. Ao exame físi-co apresentava-se normocorada, dispneica, acianótica, febril, ausculta pulmonar com es-tertores crepitantes difusos e diminuição do murmúrio vesicular em hemitórax esquerdo. Ausculta cardíaca sem alterações.

A radiografia de tórax mostrou hipotransparência em terço médio e inferior esquerdo com alarga-mento de mediastino superior e a TC de tórax evidenciou derrame pleural bilateral com en-fisema e sinais de coleção mediastinal (Figura 3).

Figura 3: À esquerda: raio-x de tórax evidenciando hipotransparência em terço médio e inferior esquerdo com alargamento de mediastino superior. À direita: tomografia computadorizada de tórax evidenciando

derrame pleural bilateral, enfisema e sinais de coleção mediastinal.

A paciente foi submetida à toracotomia ante-rior bilateral e drenagem torácica fechada em selo d’ água com dois tubos em cada hemitó-rax e encaminhada ao Serviço de Terapia Inten-siva. Evoluiu com melhora parcial, recebendo alta da UTI após 27 dias. Transferida ao Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, foi submetida à retoracotomia anterior bilateral para debridamento de tecido necrótico. O período total de internação foi 77 dias recebendo alta para acompanhamento am-bulatorial.

Discussão

MDN figura como complicação grave decorrente principalmente de esternotomia mediana utili-zada como via de acesso para cirurgias cardía-cas.3 Pode também ser decorrente de rupturas esofágicas (espontâneas ou iatrogênicas), nesse caso com maiores índices de mortalidade. Em menor escala, pode ser causada por processos infecciosos provenientes de orofaringe, incluin-do faringoamigdalites, abscessos cervicais ou periodônticos4,5 que se disseminam pelas fáscias cervicais superficiais e profundas, atingindo as mediastinais. Essa disseminação é facilitada pela gravidade e pressão torácica negativa que ocorre durante a inspiração.2

A faringoamigdalite possui frequentemente etiologia viral, com processo autolimitado. Pode dar-se, porém, por infecção bacteriana,

sendo o estreptococo B hemolítico seu principal agente causador. Tratamento com sintomáticos e antibioticoterapia adequada proporcionam al-tos índices de cura.6

A ocorrência de complicações pode estar rela-cionada a fatores de risco que incluem: atraso na busca de atendimento médico, uso inadequa-do de antibióticos e comorbidades como diabe-tes mellitus, doenças pulmonares e imunossu-pressão.3,8 Em um de nossos casos, o paciente relatou quadro de amigdalite sem tratamento adequado, por má adesão à antibioticotera-pia, o que pode ter contribuído para o desen-volvimento de MDN.

A infecção odontogênica, assim como as orofarín-geas, são causas pouco comuns de mediastinite. A presença de cárie dentária sem o devido trata-mento e evolução para abscessos ou celulite figura em vários estudos como fator de risco para exten-são da infecção para o mediastino, principalmente quando as infecções são em segundo ou terceiro molares.7-9 Em nosso segundo caso clínico, a pa-ciente evoluiu com abscesso gengival e dissemi-nação mediastinal após exodontia.

O diagnóstico parte da suspeita aventada pela história clínica associada ao exame físico. Deve-se proceder à realização de radiografia de tórax a fim de se identificar sinais de alargamento de mediastino, aumento de área cardíaca ou complicações, como o derrame pleural.10,11 A TC

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de tórax permite maior detalhamento das es-truturas acometidas e auxilia no planejamento cirúrgico. Nesta, pode-se evidenciar áreas en-fisematosas, abscessos, como observados em nossos casos, além de acometimento do ester-no, osteomielite e linfadenopatias.1,4,10

A abordagem do paciente deve ser clínico-cirúr-gica, com antibioticoterapia, drenagem e trata-mento da causa.2 O acesso cirúrgico depende do acometimento da infecção em seus tecidos adjacentes ou distantes. Dentre as opções in-cluem-se: drenagem mediastinal transcervical, mediastinotomia anterior ou drenagem medias-tinal via toracotomia posterolateral.12

Estudos mais recentes demonstraram a possibi-lidade de utilizar outras formas de toracotomia como, por exemplo: o tipo clamshell, ester-notomia mediana, toracotomia anterolateral ou bitoracotomia.12,13 Em casos de MDN, porém, esternotomia mediana não é preconizada pelo grande risco de osteomielite e deiscência de sutura,10 sendo mais recomendada toracoto-mia anterolateral bilateral ou toracotomia posterolateral sequencial para os casos de mediastinite.14 Há também a necessidade de abordagem cirúrgica do foco cervical com realização de cervicotomia. Deve-se considerar a realização de traqueostomia em casos mais graves com comprometimento res-piratório.

Com o advento de técnicas minimamente invasivas, a via videotoracoscópica alcança melhores resultados por reduzir o tempo cirúrgico, o tempo de recuperação pós-cirúr-gico e apresentar menos complicações.12

Concluímos que tanto a faringoamigdalite quanto a infecção odontogênica podem ter uma evolução desfavorável, resultando em compli-cações sistêmicas importantes como a MDN aqui apresentada em nossos casos. A rápida dissemi-nação e extensão da infecção justifica o caráter de urgência para atendimento médico. É essen-cial que, uma vez diagnosticada precocemente, seja instituído tratamento agressivo com des-bridamento do mediastino e da cavidade pleu-ral para obter-se desfecho favorável.

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| 77 |revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas

v.11. n.2 jul./dez. - 2012

MEDIASTINITE DESCENDENTE NEROSANTE OCASIONADA POR AMIGDALITE E EXTRAÇÃO DENTÁRIA: RELATO DE CASOS