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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS SCH DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DECISO HENRIQUE CARLOS JESUS MORAES NETO DE BAIXO PARA CIMA: A FORMAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES DE 1978 A 1988 CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS – SCH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DECISO

HENRIQUE CARLOS JESUS MORAES NETO

DE BAIXO PARA CIMA: A FORMAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO PARTIDO

DOS TRABALHADORES DE 1978 A 1988

CURITIBA

2018

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HENRIQUE CARLOS JESUS MORAES NETO

DE BAIXO PARA CIMA: A FORMAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO PARTIDO

DOS TRABALHADORES DE 1978 À 1988

Monografia apresentado como requisito

parcial à obtenção de título em Bacharel em

Ciências Sociais com habilitação em Ciência

Política, Curso de Graduação em Ciências

Sociais, Setor de Ciências Humanas,

Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Profº. Dr. Emerson Urizzi Cervi

CURITIBA

2018

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo investigar o processo de

formação e consolidação do PT que se deu no período de 1978 à 1988. A

característica mais significativa no processo de formação do PT, partido de

origem operária, num contexto marcado pela ditadura militar, foi a sua

organização de baixo para cima, inversamente a todos os outros partidos na

história política brasileira que se formaram de cima para baixo. O objetivo é

explicitar, através da revisão de literatura, os principais fatos que marcaram

esse processo, como: a fundação, a participação na eleição de 1982, a

mobilização para as “Diretas-já”, a participação na eleição de 1985, a atuação

na Assembléia Nacional Constituinte que proporcionaram ao PT o crescimento

eleitoral de 1988 e de Lula na Campanha eleitoral de 1989. A metodologia

utilizada foi a revisão de literatura, sendo utilizadas documentos oficiais do PT

e obras de MENEGUELLO (1989), KECK (2010), SADER (1986), GADOTTI E

PEREIRA (1989), SECCO (2011) entre outros. A hipótese levantada foi que o

PT, por ter sua origem inversa, precisou do período de tempo de 1978 à 1988

para se consolidar como liderança no cenário político-eleitoral.

Palavras-chave: Formação do PT, processo de consolidação, origem inversa.

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ABSTRACT

The present research aims to investigate the process of formation and

consolidation of the PT that occurred in the period from 1978 to 1988. The most

significant feature in the PT formation process, a party of workers origin, in a

context marked by the military dictatorship, was the its organization from the

bottom up, conversely to all the other parties in Brazilian political history that

formed from top to bottom. The objective is to make explicit, through the

literature review, the main facts that marked this process, such as: the

foundation, the participation in the 1982 election, the mobilization for the "Direct-

already", participation in the 1985 election, in the National Constituent Assembly

that provided PT with electoral growth in 1988 and Lula in the electoral

campaign of 1989. The methodology used was the literature review, using

official PT documents and works by MENEGUELLO (1989), KECK (2010),

SADER (1986), GADOTTI AND PEREIRA (1989), SECCO (2011) and others.

The hypothesis raised was that the PT, because of its inverse origin, required

the period of time from 1978 to 1988 to consolidate itself as a leader in the

political-electoral scenario.

Keywords: PT formation, consolidation process, reverse origin.

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Ficha de catalogação de monografia de graduação

Autor Henrique Carlos Jesus Moraes Neto

Título DE BAIXO PARA CIMA: A FORMAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES DE 1978 A 1988

Publicação 2018

Colação 50 f.

Idioma PORTUGUÊS

Orientador Emerson Urizzi Cervi

Notas

Resumo A presente pesquisa tem como objetivo investigar o processo de

formação e consolidação do PT que se deu no período de 1978 à 1988. A característica mais significativa no processo de formação do PT, partido de origem operária, num contexto marcado pela ditadura militar, foi a sua organização de baixo para cima, inversamente a todos os outros partidos na história política brasileira que se formaram de cima para baixo. O objetivo é explicitar, através da revisão de literatura, os principais fatos que marcaram esse processo, como: a fundação, a participação na eleição de 1982, a mobilização para as “Diretas-já”, a participação na eleição de 1985, a atuação na Assembléia Nacional Constituinte que proporcionaram ao PT o crescimento eleitoral de 1988 e de Lula na Campanha eleitoral de 1989. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura, sendo utilizadas documentos oficiais do PT e obras de MENEGUELLO (1989), KECK (2010), SADER (1986), GADOTTI E PEREIRA (1989), SECCO (2011) entre outros. A hipótese levantada foi que o PT, por ter sua origem inversa, precisou do período de tempo de 1978 à 1988 para se consolidar como liderança no cenário político-eleitoral.

Bibliografia GADOTTI, M. e PEREIRA, O. Para que PT origem, projeto e consolidação do partido dos trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1989.

KECK, M.E. PT – a lógica da diferença. Rio de Janeiro: CEPS, 2010.

MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Para impedir vitória do MDB, ditadura

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proíbe candidatos de falar na TV. Disponível em http://memorialdademocracia.com.br/card/lei-falcao-silencia-a-campanha-eleitoral. Consultado em 10 de junho de 2018.

MENEGUELLO, R. PT a formação de um partido 1979 – 1982. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

SADER, E. (org.). E agora, PT? Caráter e identidade. São Paulo: Brasiliense, 1986.

SECCO, L. História do PT. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.

SINGER, A. O PT. São Paulo: Publifolha, 2001.

Banca Orientador: Doutor Emerson Urizzi Cervi

Professor Doutor Paulo Roberto Costa

Professor Doutor Sergio Braga

Assunto Ciência Política

Área Organização Partidária

Data 04/07/2018

Entidade UFPR-CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS-DECISO

Meio eletrônico

http

Formato DIGITAL

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Conteúdo RESUMO ........................................................................................................................................ 3

ABSTRACT ...................................................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 10

1. A FUNDAÇÃO DO PT ................................................................................................................ 12

2. A CONSOLIDAÇÃO DO PT ........................................................................................................ 31

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 49

4.REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 54

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INTRODUÇÃO

No Brasil, historicamente, os partidos políticos têm sua origem na elite

sendo formados com o objetivo de defender os interesses desta e manter o

“status quo”, sem preocupação com as necessidades ou anseios da classe

trabalhadora, partindo das lideranças para cooptar o povo.

O período da ditadura militar acirrou ainda mais a diferença entre ricos e

pobres, concentrando a renda na elite, trazendo inflação, arrocho salarial e

aumento do custo de vida, o que fez contraditoriamente germinar a idéia de um

movimento de luta sindical, no ABC paulista e, por conseqüência, o

florescimento de um partido de trabalhadores representando diretamente aos

mesmos. Este partido organiza-se de baixo para cima, ou seja, é formado pelo

povo, operariado e trabalhadores para só depois, de consolidado nessa esfera,

tornar-se liderança.

Este trabalho tem por objetivo apresentar uma revisão de literatura sobre

a história da formação e consolidação do Partido dos Trabalhadores, no

período de 1978 a 1988. Por ser um partido formado de baixo para cima o

período destacado foi o tempo necessário para que esse processo (de

formação e consolidação) se efetivasse. O objetivo é explicitar, através dessa

revisão de literatura, os principais fatos que marcaram esse processo, como: a

fundação, a participação na eleição de 1982, a mobilização para as “Diretas-já”,

a participação no Colégio Eleitoral, a participação na eleição de 1985 e a

atuação na Assembleia Nacional Constituinte que proporcionaram ao PT o

crescimento eleitoral de 1988 e de Lula na Campanha eleitoral de 1989.

Frente ao exposto questiona-se de que maneira nasceu o PT e como se

deu o processo de crescimento do capital eleitoral e político deste partido.

A proposta deste trabalho foi investigar essa história, partindo-se da

hipótese de que o PT, por ter sua origem inversa, precisou desse período de

tempo de 1978 a 1988 para se consolidar como liderança no cenário político-

eleitoral brasileiro.

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O tema foi escolhido após algumas reflexões sobre o momento político

atual, marcado por acirradas críticas ao PT, com a intenção de compreender o

processo histórico de formação e consolidação de um partido de trabalhadores

para trabalhadores, que foi se distanciando das bases à medida que tomava

posse do poder político, tema para outras pesquisas.

A importância de retomar a História do PT está na luta contra o

capitalismo, pela democracia, que o partido desprendeu em seus primeiros

momentos. Uma vez que para o partido a democratização real está ligada à

luta contra o capitalismo, não se pode falar em democracia em flagrante

desigualdade social dos pólos de riqueza e pobreza que caracterizam o

capitalismo brasileiro, e que nos últimos anos se tornou mais visível.

A luta pela democracia tem que ser enfrentada com a ruptura do poder

de um sistema restritivo, que exclui dos bens materiais indispensáveis, dos

serviços sociais básicos e da integração, amplas massas da população.

A luta pelo direito à vida, pelos requisitos mínimos de qualidade de vida,

associado a todos: homens, mulheres, crianças, idosos, habitantes das

periferias das grandes cidades e das longínquas áreas rurais, negros e outros

setores discriminados socialmente eis o motivo da fundação e da disputa

política de um partido de trabalhadores.

Esta pesquisa resgata a história da formação e consolidação do PT, no

período estudado, de modo a servir de base para outros pesquisadores.

Resgata-se, neste trabalho, a história de um partido que pensou e

executou a emancipação através dos próprios trabalhadores, fazendo do

partido um instrumento dessa emancipação.

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre a formação do PT e os

principais marcos do processo de consolidação do mesmo.

O trabalho foi organizado em dois capítulos. No primeiro capítulo, “A

fundação do PT” apresenta-se a história da abertura política no Brasil, nos

últimos anos da Ditadura Militar, o movimento sindical e o processo de

fundação do PT. No segundo capítulo, “A consolidação do PT”, aborda-se a

participação do PT na eleição de 1982 e o seu fracasso, a participação do PT

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no movimento “Diretas-Já”, a participação no Colégio Eleitoral, o resultado da

eleição de 1985 e a atuação do PT na Assembleia Nacional Constituinte.

1. A FUNDAÇÃO DO PT

Na história republicana brasileira sempre houve grande dificuldade da

classe operária, maioria da sociedade, constituir-se como sujeito. Devido ao

alto nível de repressão e o não reconhecimento dos direitos que consolidariam

quase sempre um autoritarismo. Apesar desses obstáculos, impostos à

organização dos trabalhadores, estes através de sindicatos ou de outras

formas de resistência, ultrapassaram os seus limites e se organizaram várias

vezes na história, inclusive no período da ditadura. Mas, no sistema político, a

organização dos trabalhadores dificilmente foi bem-sucedida, o PT é uma

exceção a essa regra.

Em sua Carta de Princípios, escrita em 1º de maio de 1979, o Partido

dos Trabalhadores define a quem se destina e qual a sua missão:

O Partido dos Trabalhadores entende que a emancipação dos

trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores que sabem que a democracia

é participação organizada e consciente e que, como classe explorada, jamais

deverão esperar da atuação das elites privilegiadas a solução de seus

problemas. (In: GADOTTI e PEREIRA, 1989, p. 37).

Isso significa que pela primeira vez na história política brasileira um

partido pode reivindicar a sua formação e a sua representação, bem como,

propor um programa na representação da classe operária.

Segundo Keck (2010) e Gadotti & Pereira (1989) outros partidos

tentaram representar a classe operária no Brasil republicano, como o PTB e o

PC do B, mas não tinham bases operárias, eram representações que se

colocavam dos dirigentes para a classe trabalhadora, ou seja “de cima para

baixo”, já o PT se coloca como das classes operárias para as dirigentes, ou

seja, “de baixo para cima”. Portanto, os partidos sempre se comportaram como

intermediários da classe trabalhadora e nunca como a classe trabalhadora.

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O grande desafio do PT era o de organizar os trabalhadores, o que

significava a construção de um projeto político onde os trabalhadores sejam

protagonistas na sociedade de classes, exercendo o governo, organizando a

sociedade e a produção da riqueza social.

Segundo Gadotti e Pereira (1989, p. 18) o PTB, nas décadas anteriores,

havia “dado” aos trabalhadores do Brasil alguns “presentes” como a CLT, o

salário-mínimo, o sindicalismo corporativista, portanto era um partido

colaboracionista com raízes no esquema populista e nas campanhas do

governo e não um partido para os trabalhadores.

Já os comunistas brasileiros (PCB e PC do B), na análise dos autores

(Idem):

Quando não articulavam alianças, deixando nelas diluir suas propostas

radicais à esquerda, (...), caíam na clandestinidade ou até partiam para

experiências paralelas, paramilitares, de guerrilhas rurais ou urbanas, táticas

extremadas de 'assalto ao poder”, que corroboraram ainda mais para

aprofundar as dissidências já experimentadas pelas duas siglas dentro da

ditadura.

O PT não surge como um partido doado aos trabalhadores em troca de

votos ou prestígio, negando a estrutura vigente, como a CLT, e ao mesmo

tempo, os partidos oficiais e clandestinos. O grande desafio do PT, quando da

sua fundação, foi a organização dos trabalhadores, o que pressupõe a

construção de um projeto político onde o trabalhador, e sua classe, exerçam a

organização da sociedade, a produção e a distribuição da riqueza social.

Mesmo surgindo em plena ditadura, o PT precisa de poder político e

social para defender as lutas dos trabalhadores e conquistar o poder. No

entanto, não se constrói um partido sem um programa, e não se chega ao

poder sem força social e política.

O surgimento do Partido dos Trabalhadores não pode ser desvinculado

ao momento em que vivia o Estado Brasileiro com o fim da Ditadura Militar, a

abertura política e o contexto do movimento sindical, principalmente na região

do grande ABC, afirma Keck (2010).

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Destaca ainda a autora (Id., p. 38) que durante os anos de 1970, no

Brasil, já havia a busca de um contrapeso ao Estado autoritário que fora

construído durante o período ditatorial, estimulando intelectuais de oposição ao

regime a procurar encontrar e estudar fontes de resistência no interior da

sociedade civil: organizações de base da Igreja, associações de bairros e

sindicatos de operários. Com a aproximação da reforma dos partidos políticos,

que ocorrerá em 1978-79, a atenção se deslocou para as instituições políticas,

os debates da transição para a democracia mantêm vínculos muito próximos

com os debates políticos sobre oportunidades e estratégias, a teoria

democrática é inquirida sobre a relação entre cidadania e justiça social.

A ditadura militar brasileira começou a se abrir em 1973, sob o comando

do general Ernesto Geisel, com o intuito de dar início a uma liberalização

gradual do regime que terminaria com a eleição presidencial de 1989 menciona

a autora (Id., p. 11).

O Brasil viveu, portanto, uma transição longa, marcada por duas situações

peculiares: a tentativa dos militares de manterem o comando do processo, bem

como o desejo das forças democráticas de não precipitar uma ruptura decisiva

com o regime autoritário.

Havia durante o período de transição da ditadura para a democracia

uma continuidade nos padrões de elaboração de políticas públicas, assim

como, a persistência de relações clientelistas e patrimoniais, a predominância

de acertos informais das elites sobre os acordos institucionais e a manutenção

das prerrogativas militares, mas de outro lado, havia mudanças na sociedade

civil com o surgimento de movimentos sociais, que propunham modificações no

campo socioeconômico e questionavam a questão elitista acerca da política,

aponta Keck (Id., p. 12).

No entanto, havia, durante a transição, uma falta de interação entre o

Estado e os partidos políticos da elite e as novas interações de organização da

sociedade.

Mesmo assim, durante a transição novos atores sociais advindos dos

movimentos sociais começaram a se juntar ao partido político de oposição -

MDB - para pressionar os militares para conseguir novos direitos.

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Sendo assim, movimentos de bairros, associações profissionais e o

movimento sindical que ressurgia começaram a assumir uma aparência

política, a sociedade civil tornou-se o principal campo de interação política.

No Brasil, no período da liberalização, membros da elite, a imprensa e a

Igreja Católica incentivaram esses movimentos que reivindicavam melhorias

nas condições materiais e o direito de participar nos processos decisórios.

Dessa forma, os intelectuais de oposição, elites políticas e a imprensa,

através de seus discursos e eventos, mostraram a necessidade urgente de

mudanças rumo a democratização, era a imagem da sociedade contra o

Estado ditatorial que, por vezes, esquecia suas diferenças em nome do inimigo

comum.

Em 1978 já se cogitava a previsão de uma reforma sobre a legislação

dos partidos políticos, estimulando um debate entre os intelectuais de oposição

sobre os tipos de partidos que melhor contribuiriam para o aprofundamento da

democratização do Brasil. Dessa discussão surgiram os partidos que fariam

oposição à ditadura: Partido dos Trabalhadores, Partido Democrático

Trabalhista e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (KECK, Id., p. 85-

86)

De acordo a autora (Id., p. 45) desde 1966 o sistema partidário brasileiro

era bipartidário, existia a ARENA, partido do regime e o MDB, partido de

oposição, em 1979, uma reforma extinguiu esse sistema e cinco partidos foram

criados. O PDS, Partido Democrático Social foi criado como sucessor da

ARENA; o PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro, partido oficial

da oposição; o Partido Democrático Trabalhista Brasileiro, do líder que veio do

exílio Leonel Brizola, o PT, Partido dos Trabalhadores, oposição ao regime

militar criado pelos trabalhadores para trabalhadores; o PTB, Partido

Trabalhista Brasileiro, atuando ora em favor do regime, ora em favor das forças

democráticas. No início, o PMDB foi o maior partido de oposição.

O saldo do período de transição resultou na determinação dos militares

de se manterem no poder, no entanto, as negociações dos líderes políticos de

oposição, contribuíram para que houvessem algumas indefinições nessa

hegemonia, gerando algumas mudanças. No ano de 1984, milhares de

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pessoas em todo país foram às ruas exigindo a eleição direta para presidente,

muitos políticos de oposição deram apoio apenas circunstancial, depois da

derrota da emenda que se chamava “Dante de Oliveira” tornou possível a

vitória do PMDB nas eleições de 1985, sem se confrontar com a ditadura.

O Partido dos Trabalhadores apresentava uma visão diferente como

oposição, afirmando uma visão do que a democracia deveria significar, mais

importante do que o crescimento das forças de oposição ao regime nos anos

de 1970, como podia ser medido pelas vitórias eleitorais do PMDB, embora

essas fossem importantes, afirma Keck (Id., p. 57-58) era:

(…) mas antes o surgimento de uma grande variedade de movimentos que

reclamavam mudanças substantivas e pretendiam expressar-se por seus

próprios meios no campo da política. Assim, a transição tinha que criar um

espaço dentro do qual esses novos atores sociais pudesses participar; o

reconhecimento das diferenças não era o fim do processo, mas o

começo.

Neste contexto histórico proposto, é difícil entender o PT sem analisar as

transformações pelas quais passou o sindicalismo durante a ditadura militar. É

no período de transformação na composição e na estrutura da classe operária,

no final do regime de exceção, que manifestações autônomas de setores

sindicais contestarão as direções oficiais dos sindicatos.

A constituição do novo sindicalismo como sujeito político, a partir das

greves de 1978 dos metalúrgicos do ABC paulista, fez com que o movimento

sindical seguisse uma nova direção com novos conteúdos, tanto no nível de

sociedade quanto de Estado.

Tais grupos compreendiam o operariado ligado ao parque industrial mais

moderno, construindo uma massa de trabalhadores urbanos e boa parte de

intelectuais e novos movimentos sociais.

Para Meneguello (1989, 52-55) esses grupos sindicais, com caráter

inovador e com uma pauta fundamentalmente política, fundada na autonomia e

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liberdade sindicais, passou a enfatizar a democratização do sistema político, os

pontos principais desses grupos eram: crítica à legislação brasileira, realização

de negociação coletiva entre o sindicato e a empresa de forma direta,

organização de comitês nas empresas e reconhecimento de delegados

sindicais, autonomia sindical, direito de greve, liberdade para o

estabelecimento de relações com sindicatos estrangeiros que agrupavam

trabalhadores de multinacionais.

As greves de 1979 e 1980 contribuíram para que os sindicatos

apresentassem papel político em outras regiões e categorias, uma vez que

propunham transformações nas relações de trabalho e a democratização,

protagonizando o desejo de repúdio ao governo autoritário.

Ainda segundo a autora (Id., p. 49) no ano de 1978 era possível

perceber três correntes no movimento sindical definidas por sua maior ou

menor identificação à estrutura sindical oficial.

O primeiro grupo, que se denominava como oposições sindicais,

compreendia militantes católicos e remanescentes de pequenos grupos de

esquerda, sua atuação ficou restrita a organizações sindicais extra-oficias,

fundadas nas comissões de fábricas.

O segundo grupo, autodenominado unidade sindical, tinha como

característica o não rompimento com a elite sindical, ligado ao Partido

Comunista, foram incorporados ao PMDB.

Por fim, o novo sindicalismo, construído dentro do sindicalismo oficial,

sem vínculos ideológicos com a esquerda marxista, caracterizou-se pela

transformação radical da estrutura sindical e o sistema oficial das relações

trabalhistas, esse grupo irá propor a fundação do PT em 1979.

Na análise da autora (Id., p. 52)) o processo que foi proposto pelo novo

sindicalismo deu-se pela redefinição da estratégia dos sindicatos com a

política, sendo o local de atuação dos sindicatos perante a nação, ou seja, a

inserção na arena político-institucional através de uma representação partidária

classista, essa idéia já existia desde 1978.

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Dessa forma, essa inserção sindical ocorre sob duas dimensões: “a

primeira, diz respeito a ampliação do campo da ação sindical; a segunda, à

estruturação democrática do país”. (Idem)

O novo sindicalismo, afirma a autora (id., p. 53-54) foi capaz de

homogeneizar pautas comuns a todos os segmentos da classe trabalhadora

que ainda não estavam organizados, essas pautas podem ser apresentadas

como: salário-mínimo nacional único, legislação de garantia de estabilidade de

emprego, liberdade sindical, fim do arrocho salarial e livre organização nos

locais de trabalho.

E, também, pautas de boa parte da sociedade civil: a luta pela cidadania

plena, a conquista de direitos sociais e políticos e o seu reconhecimento pelo

Estado como atores políticos emancipados.

Conclui a autora (Id., p. 54) que o efeito dessas manifestações fez com

que segmentos de natureza diversa, com níveis de consciência diferenciados

apoiassem e se espelhassem ao novo sindicalismo como parte da luta pela

democracia, o movimento angariou movimentos populares como um todo, o

partido político estava desenhado.

Apesar do crescimento da classe urbana trabalhadora ter sido papel

preponderante na constituição do PT, o partido pode contar em sua formação

com outras formas de organizações sociais, além dos sindicatos, que

contribuíram para a formação de sua massa organizacional, dentre estes

grupos estão: as comunidades eclesiais de base, que contavam aos milhares

que faziam a transmissão das idéias pelo território nacional; a população

urbana em rápida expansão defrontava-se com condições precárias de vida

nas favelas das periferias das cidades e nos cortiços produzindo uma série de

movimentos locais em torno de questões como saneamento, habitação e

saúde, destaca Keck (2010, p. 117-118).

Dessa forma:

A ligação entre o movimento operário e esses bairros, forjadas pelo

papel central desempenhado neles pelos ativistas católicos, foram cruciais na

mobilização do apoio local para as greves em 1978 e 1979, revelando-se

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importantes também para expandir a base de discussão do projeto do PT, além

dos sindicatos. (Idem)

Ainda para Keck (Id., p. 76-77) o etos desses movimentos, enfatizando a

autonomia e a auto-organização, encontravam espelho no PT afirmando que os

trabalhadores e os pobres não podiam contar com as elites para defender os

seus interesses, precisando fazer ouvir as suas vozes. O movimento estudantil,

cujos membros procuravam alternativas aos partidos tradicionais, construindo

outra fonte de recrutamento para o partido.

Este contexto possibilitou o amadurecimento da idéia de lançamento de

um partido que representasse os anseios dos grupos sociais marginalizados.

Durante boa parte de 1978 e o início de 1979, menciona a autora (Id., p. 102)

que se discutiu nos sindicatos de São Bernardo de Campo, Santo André,

Osasco, Santos e Rio de Janeiro a possibilidade de se lançar um partido. Lula

lançou essa questão no final de 1978 no sindicato de trabalhadores do setor

petroquímico na Bahia.

Meneguello (1989, p. 67) traz a informação de que a idéia de um partido

dos trabalhadores foi oficialmente lançada na Resolução do Encontro dos

Metalúrgicos do Estado de São Paulo em Lins, em janeiro de 1979. A decisão

desse encontro convidava os trabalhadores a superarem a sua marginalização,

ou seja, deixar de seguir aquilo que era decidido pelos partidos dos “patrões”.

Os trabalhadores, a partir daí, formariam um partido marcado pela democracia

interna, pelo reconhecimento do protagonismo dos trabalhadores na vida social

brasileira e pela independência do poder que seria conquistado conclui a

autora (Idem).

Esse fato corrobora a idéia que se defende nesta pesquisa: de que o PT

é fundado a partir de uma base formada por trabalhadores, ou seja, “de baixo

para cima”.

De acordo com Gadotti e Pereira (1989, p. 31-33) a “Tese de Santo

André – Lins”, elaborada nesse encontro, ocorrido em 24 de janeiro de 1979,

tinha como princípios: a total desvinculação dos sindicatos ao Estado;

democratização dos sindicatos; lançamento de um manifesto para que os

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trabalhadores se unificassem para a construção de um Partido dos

Trabalhadores, que o partido gerado com a participação dos trabalhadores da

cidade e do campo fosse regido por uma democracia interna; que se criasse

uma comissão para encaminhar uma discussão com todos os trabalhadores,

encarregada de redigir um manifesto relativo a constituição do Partido dos

Trabalhadores.

Após o encontro de Lins, a idéia de um partido dos trabalhadores

parecia responder a uma necessidade geral da classe operária, mas nos

meses seguintes, na análise de Keck (Id., p. 105) produziu-se uma série de

desacordos dos sindicalistas, a base sindical do partido começou a se estreitar,

tendendo a se limitar aos sindicalistas “autênticos”. Os líderes sindicais

vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, opunham-se a formação do PT,

não só porque não poderia haver mais um partido da classe operária, mas

porque esse partido poderia pôr em risco o processo de transição negociada.

Do seu ponto de vista, a melhor alternativa era continuar militando no MDB.

Completa a autora que após uma série de discussões com os setores

progressistas, do MDB e com a vanguarda do movimento, em outubro de 1979

com a eminência da Reforma Partidária, a proliferação de indivíduos e grupos

que pretendiam falar em nome do PT, essencialmente a esquerda organizada,

convenceu-se que esse processo de partido deveria ser lançado.

Segundo Gadotti e Pereira (1989, p. 33), em 1 de maio de 1979, um

comitê composto por Jacó Bittar, Paulo Skromov, Henos Amorina e Robson

Camargo, publicam a Carta de Princípios do PT que tinha por objetivo lançar o

partido ao público.

Os autores (Id., p. 33-41) reproduzem esta Carta que tem como

princípios fundamentais: a idéia de que a formação de um partido da classe

trabalhadora é tão antigo quanto a classe trabalhadora; a organização da

classe é essencial para que se possa oferecer resistência a opressão e

privilégios das classes dominantes; as lutas dos anteriores (as greves

operárias) deram aos trabalhadores experiência política e quantidade e

qualidade de suas lideranças; os trabalhadores aprenderam ao longo de sua

história que as reivindicações esbarram em obstáculos cada vez maiores é por

isso que precisam construir organizações cada vez mais bem organizadas; os

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dirigentes sindicais não pretendem ser donos do PT, apenas abrir caminho

para que os trabalhadores se assenhorem do partido; por fim, os males

profundos que se abatem sobre a sociedade brasileira não poderão ser

superados senão por uma participação decisiva dos trabalhadores na vida da

nação, esse instrumento é o Partido dos Trabalhadores.

No dia 13 de outubro de 1979, data mais significativa para a história das

origens do PT, mencionam Gadotti e Pereira (Id., p. 42-46) é lançada a

Declaração Política do PT que continha a seguintes diretrizes: a lembrança da

grande luta das massas trabalhadoras pela conquista de melhores condições

de vida que criou condições para enfrentar alguns dos mecanismos repressivos

que apoiou o golpe de 1964: o arrocho salarial e o direito de greve; o

desenvolvimento dessas lutas provou que a luta econômica é insuficiente para

garantir a melhoria de vida para maioria do povo brasileiro; as ações

repressivas levaram os trabalhadores a entender que precisavam se organizar

num espaço político próprio; a ideia do Partido dos Trabalhadores se estende

da fábrica aos bairros, dos sindicatos às Comunidades Eclesiais de Base; dos

Movimentos contra Carestia; às associações de moradores; do Movimento

Estudantil e de Intelectuais às associações profissionais; do Movimento dos

Negros ao Movimento das Mulheres, e outros, que lutam pela população

indígena; dessa forma tem-se a necessidade de criar um canal de expressão

política dos trabalhadores do campo e da cidade e de todos os explorados pelo

capitalismo; construir um movimento político que una os movimentos

fragmentados; conquistar a política como uma atividade própria das classes

populares, que desejam participar legal e legitimamente, nas esferas de poder

na sociedade, não só nas eleições, mas nas decisões democráticas; o PT

lutará para que todo o poder político e econômico seja exercido pelos

trabalhadores; o partido defende a independência dos sindicatos, em relação

ao Estado, e, até mesmo em relação ao partido, o PT defende a livre

organização político-partidária; é contra a política salarial do governo e pela

contratação coletiva de trabalho; defende um mínimo real nacional e unificado,

estabilidade no emprego, liberdade sindical, direito de greve e anistia a todos

os perseguidos pelo regime.

Segundo Keck (2010, p. 108-109) em 14 de outubro de 1979 houve um

ponto de inflexão: o processo enveredou para a organização formal do Partido

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dos Trabalhadores enquanto uma agremiação partidária, intelectuais,

parlamentares e líderes sindicais, decidiram estruturar o PT como organização

política, com a formação de uma comissão nacional provisória. O encontro

aprovou uma Declaração Política e um documento chamado “Sugestões para

Formas Transitórias de Funcionamento”. O Partido dos Trabalhadores estava

lançado.

Para obter o reconhecimento legal provisório, um novo partido tinha de

publicar o manifesto, programa e estatutos ao Superior Tribunal Eleitoral pela

Comissão Diretora Nacional Provisória, composta por sete a onze membros

eleitos pelos fundadores dos partidos, tinham que ser pelo menos em número

de 101. A Comissão Diretora Nacional Provisória deveria designar comissões

estaduais, estas comissões municipais e comissões para zonas eleitorais nas

capitais do Estado, cópias das minutas das reuniões que nomeavam essas

comissões deveriam ser enviadas ao Tribunal Eleitoral. Assim, completadas

essas formalidades iniciais um partido tinha doze meses para organizar-se, o

que significava realizar convenções no mínimo em um quinto dos municípios e,

pelo menos, nove estados e uma convenção para eleger um diretório nacional.

Ainda mais, afirma a autora (Id., p. 129) um partido só poderia começar a

funcionar se entre seus fundadores estivesse 10% dos representantes do

Congresso Nacional ou se fossem eleitos nas eleições recentes para Câmara

dos Deputados com pelo menos 5% de pelo menos 9 estados, com um mínimo

de 3 deputados em cada um deles.

Cabe destacar que o primeiro problema que o PT enfrentava era o fato

de ser um partido de classe, o que a lei proibia, isso exigiu que o partido fosse

repensando. Para Lula, um dos líderes da agremiação, o fato do partido ser

declarado legal ou não, importava menos que o processo educativo que o

partido desempenhava com os operários e nas células de base. Jacó Bittar

chegou a declarar que se o PT não tivesse registro até 1982, haveria apoio aos

candidatos de apelo popular do MDB. O fato é que todos queriam e lutavam

para que o PT fosse um partido legal, embora improvável, uma vez que era

difícil conseguir a adesão de 10% dos membros do Congresso. (KECK, Id., p.

134)

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A decisão de levar adiante a tentativa de organizar o Partido dos

Trabalhadores afirmava o direito dos trabalhadores de ocuparem seu espaço

público de forma legal, no entanto, a decisão de legalizar o partido impediu o

processo inicial de conscientização gradual dos trabalhadores, juntamente com

o crescimento dos movimentos da sociedade civil e a construção na base com

a participação da massa de seus membros, analisa a autora (Id., p. 149).

Destaca também a autora (Id., p. 150) que em função do pouco tempo

disponível era necessário identificar grupos estratégicos capazes de contribuir

para a organização rápida dos diretórios e o recrutamento rápido nos

municípios de um número de membros para cumprir com as determinações

legais.

Conclui a autora que a qualidade do aliciamento foi afetada pela

necessidade da rapidez, embora no início houvesse um vasto esforço para

assegurar que os novos membros, antes de se filiarem, tivessem lido e

compreendido o programa do partido, à medida que o prazo se esgotava os

membros passavam a ser filiados em massa sem a garantia de que

participariam dos núcleos.

Cabe mencionar, de acordo com Keck (Id., 128) que havia dois

importantes mecanismos que garantiam que o Partido dos Trabalhadores fosse

inteiramente democrático e que garantiria a participação de todos: um foi a

garantia de um processo de convenção em dois turnos, mediante o qual, antes

da realização de um encontro oficial, o PT realizaria pré-convenções com uma

amostra mais ampla dos membros do partido, esses encontros seriam

realizados em nível nacional, estadual e municipal; o segundo mecanismo

baseou-se na instituição dos núcleos do partido, com estes se pretendeu a

estrutura básica organizacional do partido, todos os membros seriam

incentivados a integra-se a um deles. Assim, as decisões seriam tomadas

democraticamente e com a participação de todos.

O partido estabeleceu uma contribuição mensal compulsória a todos os

filiados, as somas arrecadadas eram de 40% para os núcleos, 30% para os

Diretórios Municipais ou Distritais, 20% para o Diretório Estadual e 10% para o

Nacional.

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Quanto a distribuição para a campanha, os recursos destinavam-se

inicialmente aos candidatos majoritários estaduais; em seguida, aos

majoritários municipais e, depois, aos, aos proporcionais.

Assim, o PT publicou o estatuto, visando ganhar tempo para se

organizar nos municípios.

A primeira etapa da legalização do PT ocorreu em 10 de janeiro de 1980

na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, aonde foi lida uma primeira

versão do manifesto do partido.

Segundo Singer (2001, p. 8) um mês depois, no Colégio Sion o

manifesto foi aprovado. Estavam presentes 242 delegados de 18 unidades da

Federação e aproximadamente mil militantes que, embora, não credenciados

tiveram direito a voz.

A mesa era composta em sua maioria por sindicalistas, mas quem

primeiro assinou o manifesto de lançamento do Partido dos Trabalhadores (PT)

foi o crítico de arte Mário Pedrosa.

Para o autor (Id., p. 9) Mario Pedrosa representava a militância histórica

de esquerda no Brasil, que sonhava em ver um amplo partido de esquerda

constituído por operários, trotskista, opositor da Ação Integralista Brasileira, ex

membro do Partido Socialista Brasileiro, exilado no Chile, na volta ao Brasil

pela anistia, passa a acompanhar o movimento do ABCD, publica na Folha de

São Paulo um artigo intitulado “Carta a um Operário”, dirigida a Lula, na qual

sugere a construção de um partido de trabalhadores.

Assinaram depois o livro de fundação, Manoel da Conceição, líder das

Ligas Camponesas que levantaram o Nordeste antes de 1964; o autor de

Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda; a presidente do Sindicato dos

Artistas de São Paulo Lélia Abramo, militante desde os anos de 1930; o

professor Moacir Gadotti em nome de Paulo Freire, educador pernambucano

autor do método de alfabetização que leva seu nome; e o oficial da reserva

Apolônio de Carvalho, herói da Guerra Civil Espanhola e da Resistência

Francesa.

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De acordo com Secco (2011, p. 64-65) o objetivo era completar o

processo de organização das comissões provisórias em nível estadual e

municipal por volta de abril de 1980, ocasião em que se deveria convocar um

encontro nacional, devido a alguns contratempos como a prisão de alguns

líderes do partido, o encontro nacional só ocorreu em junho. Nesse encontro

aprovou-se o programa, mas não o estatuto devido a desacordos sobre os

poderes deliberativos ou consultivos aos núcleos do partido.

Afirma Keck (2010, p. 138) dada a crescente determinação de legalizar o

PT, as discussões entre os organizadores do partido e os organizadores da

tendência popular se intensificaram já em janeiro de 1980, em meados do

mesmo mês Aírton Soares anunciou sua adesão e a intenção de levar com ele

outros deputados que pensavam como ele. José Eudes, deputado do Rio de

Janeiro, também se filiou nessa época.

Destaca a autora (Id., p. 139) que na Assembléia Legislativa de São

Paulo, um pequeno grupo mostrava-se cada vez mais descontente com o

PMDB, no final de fevereiro de 1980, os deputados estaduais Paulo Eduardo

Suplicy, Irma Passoni, Marco Aurélio Ribeiro e Geraldo Siqueira já se haviam

filiado e começaram a organizar o partido em nível parlamentar.

Conclui a autora (Id., p. 140) que, ainda que tenham surgido alguns

conflitos com relação aos direitos que esses parlamentares poderiam

reivindicar no partido por força de sua posição, os benefícios que eles levaram

consigo para o PT foram enormes. No Congresso e nas Assembléias

Legislativas, cada partido tinha direito a um escritório e o devido pessoal para o

exercício de sua liderança parlamentar, incluindo, também, salas de reuniões,

serviços de escritório e telefônicos para todo Brasil, havia pessoal auxiliar para

pesquisa, serviço postal e preparação para outros materiais impressos. Toda

essa estrutura era muito diferente da primeira sede em São Bernardo do

Campo, cujo aluguel era pago pelos 76 operários.

Ainda na análise da autora (Id., p. 123) os deputados que ingressaram

no PT nem tinham suas bases ligadas aos sindicatos, diferentemente dos

fundadores. No Estado de São Paulo Geraldo Siqueira, por exemplo, se elegeu

com o voto dos estudantes; Irma Passoni, fundadora do Movimento do Custo

de Vida, se elegeu com o voto das organizações da Igreja da zona sul de São

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Paulo; Sérgio Santos tinha sua base nas lutas urbanas da Freguesia do Ó, São

Paulo; Marco Aurélio Ribeiro desenvolvia assistência jurídica; João Batista

Breda, psiquiatra e homossexual declarado, tinha seus votos na classe média;

Aírton Soares, foi participante da campanha da anistia.

Para fornecer recursos e contribuir para a ampliação das bases do

partido, os parlamentares ao se filiarem ao PT obrigaram-se a levar mais a

sério as relações entre a base e o poder político, os conflitos entre os

parlamentares e o partido serão causados por esse motivo.

Em setembro de 1980, destaca também a autora (Id., p. 136) o partido já havia

formado comissões no número mínimo de municípios em 12 Estados: Espírito

Santo, Acre, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul,

Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás, Amazonas, Ceará, Minas Gerais

e São Paulo e Paraíba estavam prestes a juntar-se a eles

E foi em 22 de outubro que o PT requereu seu registro provisório, pontua

a autora (Idem) apresentando a documentação sobre comissões regionais de

18 estados, comissões municipais em 647 municípios. O partido também

apresentou os nomes de seis deputados federais. Por unanimidade o Tribunal

reconheceu em 1º. de dezembro a conclusão da primeira etapa do processo de

registro provisório do partido.

O passo seguinte era a criação de diretórios municipais em um quinto

dos municípios de nove estados, isto queria dizer que em cada localidade, os

organizadores tinham que filiar pelo menos o número mínimo de membros

exigido pela legislação, tendo que fazer convenções para que os documentos

básicos do partido fossem aprovados.

Em junho de 1981, o PT declarava possuir cerca de duzentos mil

afiliados em dezoito estados, conseguindo preencher os requisitos legais em

dez deles.

De acordo com Secco (2011, p. 85) o Partido dos Trabalhadores teve

seu registro provisório oficialmente concedido em 11 de fevereiro de 1982.

A hegemonia do partido recém-criado ficaria com os sindicalistas, na

primeira comissão provisória, dos 16 membros, 12 eram sindicalistas, a direção

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executiva provisória teria Lula como presidente, Olívio Dutra como vice-

presidente e Jacó Bittar como secretário geral de organização. (SINGER, 2001,

p. 27)

Logo depois da fundação começaram as discussões acirradas a respeito

do Manifesto, foi no processo dessas discussões que se delineou com maior

nitidez as teses defendidas por militantes originários de algumas organizações

políticas.

O Manifesto escrito, quando da constituição do PT, traduz as metas

reais de constituição do partido e seus efetivos princípios de organização,

definindo seu projeto de sociedade e o modo de ação para concretizá-lo.

Singer (Id., p. 10) destaca que o Documento escrito no mesmo dia, 10

de fevereiro de 1980, afirma que o Partido dos Trabalhadores surge de uma

necessidade sentida pelos trabalhadores de intervir na realidade para

transformá-la tendo como horizonte a conquista da democracia e que o partido

seria a voz da maioria daqueles que constroem a riqueza no Brasil e nunca

tiveram a sua voz escutada.

Gadotti e Pereira (1989, p. 52-56) reproduzem o manifesto que

Consagra a mobilização dos trabalhadores por melhores condições de vida,

que é uma grande novidade na sociedade brasileira, tanto no campo como nas

cidades, essas lutas conduziram os trabalhadores a se organizar para defender

melhores condições de salário e de trabalho e reclamar melhores serviços nos

bairros para comprovar a união de que são capazes. Sendo assim, deve-se

enfrentar os mecanismos impostos aos trabalhadores: o arrocho salarial e a

proibição do direito de greve. Só a organização partidária, dá decisão aos

explorados, pode enfrentar um sistema político e econômico que só existe para

beneficiar uma minoria de privilegiados.

O Manifesto ainda enaltece o princípio de que o partido nasceu da

vontade independente dos trabalhadores, portanto, das bases, uma vez que

esses não toleram mais servir de massa de manobra para os partidos de elite

que sustentam interesses diversos dos trabalhadores, mantendo a mesma

ordem econômica, social e política, portanto, o partido procura fazer a

emancipação da classe operária através da luta, uma vez que a liberdade não

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será dada de presente ela será conquistada. Os trabalhadores através de seu

partido querem participar de todas as decisões da sociedade, não apenas nas

eleições, mas no dia-a-dia dos trabalhadores construindo um novo tipo de

democracia, enraizada nas bases e cujas decisões sejam tomadas pela

maioria.

O Documento condena o regime da época, a ditadura, e o seu modelo

de desenvolvimento que só beneficia o sistema capitalista, o PT lutará pela

extinção dos mecanismos ditatoriais que reprimem e violentam a maioria da

sociedade organizada, portanto, a luta será pelas liberdades civis, pelas

franquias que garantem, efetivamente, os direitos dos cidadãos e pela

democratização da sociedade em todos os níveis. Não existe liberdade onde o

sistema de greve é fraudado e os sindicatos urbanos e rurais são vinculados ao

Ministério do Trabalho, onde as consciências são submetidas à autoridade

policial, onde os movimentos sociais são reprimidos pelas autoridades, onde os

burocratas e tecnocratas são responsáveis pela opinião popular.

O Manifesto enaltece a independência nacional, entendendo que a

Nação é o povo, e o país só será realmente independente quando for dirigido

pelas massas trabalhadoras, portanto, o Estado se tornando expressão da

sociedade, isso será possível quando se criarem mecanismos que possibilitem

a intervenção dos trabalhadores nas decisões de seus rumos. Sendo assim, o

PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma

política democrática do ponto de vista dos trabalhadores, conquistando a

liberdade não haverá nem explorados nem exploradores, mas sim, uma

sociedade igualitária.

Por fim, o programa manifesta sua solidariedade a todas as massas

exploradas do mundo.

Meneguello (1989, p. 104-106) afirma que a proposta política do partido

aparece, portanto, fundada numa visão classista, pela qual o PT propõe a

inserção de novos atores no ambiente político-institucional da representação de

seus interesses, os trabalhadores e os movimentos sociais.

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A fundamentação dessa proposta requer a representação de uma

política orgânica, pela qual se deseja uma forma de governo popular num

projeto de sociedade socialista e democrática.

O PT, dentro do quadro que se apresentava após a reforma partidária

era, juntamente com o projeto político do governo, através do PDS, o único que

apontava para a revinculação entre as demandas sociais e as instituições

políticas, ao passo que o PDS militava o status quo. Esse vínculo institucional

de caráter societário constitui a essência da novidade da proposta petista de

partido político. (MENEGUELLO, 1989, p. 41)

Ao agregar novas demandas sociais e políticas emergidas dentro da

realidade social do país, sobretudo as que conduzem a um novo

relacionamento entre a sociedade e o Estado, o PT introduziu novos temas na

arena político-institucional, redimensionando o conflito entre as forças

existentes.

Dessa forma, o PT se destacou na nova arena política da abertura por

apresentar novos temas, propondo a inclusão de atores outrora

marginalizados, é nesse sentido que o discurso petista é classista, pois aponta

para uma administração do Estado e da administração pública por

trabalhadores.

O PT também se caracteriza por uma nova forma de democracia

fundada no apoio a democracia de base e na prática plebiscitária, que se

coloca na proposta petista como uma forma peculiar de representação política

e de governo popular, com um discurso de reestruturação de interesse das

classes trabalhadoras. A idéia de fundar um partido sem patrões em que o

trabalhador aparece, ora como estreito recorte de operariado industrial, ora

confundido de trabalhador ao de massa popular.

No discurso do partido, os conflitos e as desigualdades sociais são

percebidos e pensados como produto da política elitista e autoritária. Nesse

sentido, a solução do problema está em afastar aqueles que oprimem para

colocar a classe oprimida, trabalhadora, para participar da direção do Estado.

Nesse sentido, segundo a autora (Id., 108) a proposta de participação

política avança para além de simples organização de interesses para a idéia de

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governar e administrar, ou seja, fazer política institucional, compreendida como

burguesa ou tradicional, tida como fenômeno de elite, o acesso à política das

classes independentes de seu preparo intelectual, é preconceito achar que

trabalhador não sabe administrar, segundo, Lula, um dos líderes do partido.

Para que os interesses da classe trabalhadora sejam representados com

fidelidade se faz necessário que os representantes pertençam a mesma

categoria, assim, a semelhança sociológica entre representantes e

representados quanto a expressão de interesses específicos, tende a produzir

um mandato bastante forte.

Neste sentido, a representação das bases petistas dada pela

maximização da fidelidade na representação de seus interesses. Por outro

lado, no âmbito da administração pública a maximização se dá pela proposta

de um governo popular, destaca a autora (Id., p. 108-109).

O discurso de governo popular funda-se na idéia de participação das

bases, se corresponde, também, com a sociedade democrática, apresentada

com a supressão entre sociedade e Estado.

O substrato da proposta socialista será melhor percebido em alguns

pontos básicos da proposta eleitoral de 1982, como reforma agrária radical,

desconcentração da propriedade privada e ascensão das classes

trabalhadoras ao governo, distinguindo o PT dos outros partidos de oposição à

Ditadura. (Id., p. 112).

O Partido dos Trabalhadores começou a ser desenhado em 1978

através do Movimento Sindical, Movimentos Sociais e das Comunidades

Eclesiais de Base para defender os interesses de atores que até então não

tinham visibilidade no campo político, baseado na democracia interna e na

gestão e fundação a partir de seus militantes, por isso, de baixo para cima.

A existência do Partido dos Trabalhadores é uma anormalidade dentro

do sistema partidário brasileiro. Pela primeira vez um partido pode reivindicar

uma presença sólida na classe operária e propor um programa que traduzisse

com clareza essa representação.

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De 1982 em diante, esse Partido começa a participar da vida política do

Brasil atuando nas eleições, nos principais movimentos nacionais e na vida

parlamentar.

2. A CONSOLIDAÇÃO DO PT

Segundo Singer (2001, p. 31) o Partido dos Trabalhadores utilizou-se do

termo revolução em seus documentos oficiais, no entanto, esse termo nunca foi

associado ao uso de violência para derrubar a ordem política existente, através

da ocupação do Estado pelo proletariado, substituindo-a por profundas

mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na

esfera socioeconômica e, sim, como proposta de uma profunda transformação

social que aparece descrita nos documentos como “Revolução Democrática”.

Dessa forma, o PT vai disputar as eleições, sendo a de 1982 a primeira de sua

história.

O lançamento oficial da campanha eleitoral do PT deu-se em 21 de abril

de 1982, informa Keck (2010, p. 195).

A autora (Id., 193-194) destaca que desde as eleições de 1982, a escolha dos

candidatos sempre foi altamente participativa no PT, as chapas para os cargos

legislativos eram e são montadas a partir de indicações dos núcleos e

diretórios; com votação nominal, não se impondo nenhuma prioridade à lista de

candidatos do partido.

Com o objetivo de ratificar as chapas realizaram-se as pré-convenções

eleitorais que tinham por objetivo específico vetar nomes específicos

considerados inadequados, geralmente por questões éticas.

Em outubro de 1982, próximo a eleição que aconteceria em 15 de

novembro, o Partido dos Trabalhadores lançaria seu primeiro documento sobre

economia intitulado “PT e a Economia - Projeto de programa econômico”,

assentado em questões básicas como: desemprego, a distribuição da renda, a

carestia, a inflação, a dívida externa, a reforma agrária e outros pontos,

mencionam Gadotti e Pereira (1989, p. 100-102).

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O documento, reproduzido pelos autores (idem) começa reafirmando

que o objetivo do partido é a construção do socialismo no Brasil, único meio

para dissolução dos impasses econômicos e sociais do país.

Quanto a dívida externa, defende a posição de sua renegociação global

para acertar prazos de amortização das taxas de juros com três requisitos

básicos: que seja dirigida a negociação por um governo democrático e popular;

que seja implantada uma política de reorientação industrial com prioridades

para o desenvolvimento de setores que produzam bens de consumo popular,

que permitam a substituição das importações e a geração de divisas externas,

a dívida externa deve ser paga com excedentes obtidos pelo aumento da

produção; que essas políticas sejam levadas adiante com países em situação

igual ao Brasil, para aumentar o poder de negociação.

Em relação ao desemprego, a principal medida proposta pelo

documento é a adoção do salário-desemprego para evitar que milhares de

brasileiros vivam na mais absoluta miséria. No entanto, essa medida não é

suficiente, é necessária a adoção da jornada de trabalho de 40 horas, sem

diminuição dos salários; ampliação dos serviços públicos de natureza social; o

aumento da ocupação na agricultura, mediante o acesso à terra para que todos

possam cultivá-la; a concentração do crédito subsidiado nos setores industriais

que absorvam mais mão de obra e que produzam bens de consumo popular,

enfim, a promoção do pleno emprego (Id., p. 100-101).

O PT defendeu o salário-mínimo unificado em todo o país, recuperando

seu valor mais elevado, desde que foi instituído em 1939, no entanto, para

poder ter maior participação na renda do país os trabalhadores precisam

participar mais do poder da nação, sendo indispensável aumentar seu poder de

barganha, através de ampla mudança na estrutura sindical que assegure

autonomia às organizações sindicais e toda liberdade para a utilização de seus

instrumentos de luta; o pleno direito de greve; a estabilidade de emprego; a

construção de uma central sindical no Brasil.

Para o PT, a inflação era vista como o resultado da disputa entre as

classes sociais para manter ou aumentar sua participação na renda nacional,

sendo assim, para controlar a inflação as classes dominantes recorrem,

normalmente, ao arrocho salarial. O Partido dos Trabalhadores propunha

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escala móvel de salários, com reajuste automático toda vez que os preços

atingissem alta de 10%; também incentivo à produção e subsídio ao consumo.

A fim de combater a carestia, propunha ainda: serviços gratuitos de

saúde; ensino gratuito em todos os níveis e expansão da merenda escolar;

abolição da cobrança das taxas de água e esgoto para as famílias de baixa

renda; instituição do passe no transporte público para trabalhadores de baixa

renda.

Todas essas propostas só podem se tornar verdades com recursos

advindos de uma profunda mudança no sistema fiscal brasileiro, uma vez que o

atual é tido pelo partido como injusto, regressivo e concentrador, os impostos

são aplicados indistintamente aos ricos e pobres.

Entre as medidas defendidas pelo PT para alterar o sistema fiscal

destacam-se: abolição gradativa dos impostos indiretos; isenção a produtos de

consumo essencial; alíquota progressiva conforme o montante dos lucros;

extinção dos rendimentos não tributáveis, com exceção daqueles do trabalho

direto do declarante; taxação adicional sobre a propriedade urbana sem uso;

adoção de imposto sobre solo criado e novos impostos sobre grandes

heranças e produtos de luxo (Id., p 102).

Sobre a organização partidária para as eleições de 1982, Meneguello

(1989, p. 63-64) destaca a importância dos núcleos, estes eram as correntes

por onde circulavam as idéias do partido, em parte mimetizavam as CEBs,

portanto, foram a expressão de uma organização originalmente religiosa. Isto é

pela metodologia própria da Igreja, comprovado pela mistura de círculos de

estudos, discussões e organização das ações locais que demonstravam as

carências das populações locais.

Para Secco (2011, p. 96-97) no I Congresso do PT ficou evidente que as

pesquisas ignoravam que as bases é que elegiam seus delegados. Os eleitos

eram pessoas que se comunicavam bem nas reuniões dos núcleos, escreviam

documentos e gozavam de tempo livre para a política.

Enquanto os núcleos existiram, as direções petistas, mesmo que

distanciadas de suas bases, eram obrigadas a ouvi-las em plenárias, receber

seus boletins, buscá-las para apoio eleitoral e receber seus pedidos na forma

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de recursos e propostas. Mesmo nas reuniões entre ambos tentavam contornar

a burocratização e o monopólio do poder interno das direções petistas.

Segundo Keck (2010, p. 194) na eleição de 1982 havia sérios entraves

para a eleição de um partido novo como o PT, pois a Lei Falcão, promulgada

em 1976, ainda vigorava e regulamentava a propaganda eleitoral, tendo por

objetivo manter no poder quem já era conhecido ou já ocupava um cargo

eletivo.

Pela Lei Falcão, os candidatos sequer podiam fazer campanha na

televisão, a lei determinava que os candidatos aparecessem com suas fotos,

mas sem falar, segundo análise constante no Memorial da Democracia.

Secco (2011, p. 81) destaca que os candidatos deveriam ser escolhidos em

convenções oficiais, as estaduais funcionavam na base de um delegado por

municipalidade, para contornar a Ditadura, o PT criou pré-convenções

descentralizadas, abertas a uma ampla participação da base, as convenções

oficiais só serviriam para ratificar as decisões das convenções ampliadas.

O que suscitava um problema, como todas as energias eram gastas na

disputa dos diretórios pré-convenção, o partido precisava fazer um esforço para

que os militantes comparecessem e dessem quórum para Convenção Oficial.

Aliás, a legislação não reconhecia os núcleos e, sim, os Diretórios Zonais e

Municipais como unidade mínima de organização. A partir, disso, como a

organização do partido era tarefa central, a construção dos núcleos foi

desmobilizada

A proposta de organização do PT baseava-se na democracia

participativa, o núcleo tem que controlar o diretório distrital e tem de ter

mecanismos para influenciar o Diretório Estadual, isto significa que o PT deve

sua natureza de massa associada à inserção coletiva em organizações da

sociedade civil.

Ainda no período de preparação para eleição de 1982, o PT teve que

enfrentar internamente a questão das tendências.

O Partido dos Trabalhadores, desde suas origens, foi um partido de tendências

e nisto estava uma novidade na política nacional, afirma o autor.

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Destaca ainda o o autor (Id., p. 93) que as tendências ocorreram dentro do PT,

uma vez que o partido conseguiu agregar por quase vinte anos os espectros

mais importantes da esquerda brasileira.

As tendências eram fatores de riqueza de debate interno e de crise da

direção, por isso, dois movimentos ocorreram dentro do PT: a fundação da

Articulação dos 113, simbolicamente liderada por Lula, este grupo buscou dar

um centro político unificador do partido; aumento do peso da institucionalidade-

executiva, parlamentar e sindical - no partido, voltada para questões mais

concretas da população, mas também responsáveis por uma maior

burocratização partidária.

Gadotti e Pereira (1989, p. 144-145) apontam que além da Articulação,

atuavam no PT em 1986 as seguintes tendências: Organização Revolucionária

Marxista Socialista (ORM-DS); Movimento Comunista Revolucionário (MCR);

Movimento Revolucionário Comunista (PRC); Partido Comunista Brasileiro

Revolucionário (PCBR); O Trabalho; Convergência Socialista (CS), Causa

Operária, Partido Revolucionário Operário (PRO) e outros grupos.

Assim como o PT deveria organizar-se em núcleos, seus governos

deveriam basear-se em conselhos afirma Secco (2011 p. 89).

Completa sua análise o autor (Id.,89), afirmando que aos poucos, o

partido foi obtendo vitórias eleitorais e foi paulatinamente absorvido por forças

locais históricas do poder. Famílias de posse ou dissidências oligárquicas

controlam direta ou indiretamente as municipalidades, os cargos

comissionados ou influências políticas.

Para contrabalançar esse movimento, os conselhos deveriam ter as

seguintes atribuições: apresentação de reivindicações; organizar mecanismos

de consulta; tomada de decisões; controle de implementação de políticas

públicas; fiscalização da execução dessas políticas públicas.

A formação inicial do PT basista, destaca também o autor (Id., 96), ditou

a maneira pela qual os congressos eram organizados, eram eventos que

duravam meses entre a convocação e a realização efetiva. Nesses meses

havia negociação entre os líderes das tendências e agrupamentos, líderes

sindicais e parlamentares.

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Realizam-se debates públicos, e, por fim, as pré-teses, que eram

debatidas nas instâncias de base de muitas reuniões.

As discussões terminavam com a eleição de delegados nos encontros

superiores, de acordo com as regras de proporcionalidade que eram definidas

no início e se alteravam no tempo.

Menciona ainda Secco (Id., p 98) que no início dos encontros as teses

eram defendidas publicamente, até se chegar a uma tese guia, normalmente

da corrente majoritária, Articulação, à esquerda partidária restava disputar

emendas aditivas, supressivas, substitutivas à tese guia.

Nos grupos de trabalho e discussão, divididos por temas, as tendências

se espalhavam para propor emendas e também moções, muitas de conteúdo

polêmico, mas normalmente algum assunto ou causa internacional de pouco

impacto político na militância.

Os grupos ficavam espalhados pelo local onde o encontro se realizava,

as emendas apresentadas e aprovadas no grupo eram submetidas a uma

comissão de sistematização, e só incorporadas graças a força política da

tendência.

Mas não se pode negar que desde a sua fundação o PT primou pela

democracia e pelo pluralismo, democracia, esta, exercida diretamente com as

massas, pois segundo o partido: “pois não há socialismo sem democracia, e

nem democracia sem socialismo. ” (SECCO, Id., p. 101).

À democracia formal se somava a democracia direta, numa ambigüidade que

expressa o tensionamento interno das várias correntes petistas, único ponto

perene foi o ponto que ao PT não basta a democracia formal, cabendo

estendê-lo a todos os pontos da vida, afirma o autor (Id., p. 101).

O autor (Id., p. 102) destaca que as formas de consulta às bases do PT

foram de três tipos: votação direta dos filiados; plenárias, que reuniam todos

com direitos iguais, mas não eram deliberativas; reunião ampliada, esta

constituía-se em reunir o Diretório com a participação de filiados interessados,

estes tinham direito a voz, mas não de voto.

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O maior exemplo de consulta direta aos filiados deu-se na polêmica

sobre as eleições indiretas para Presidente da República no Brasil, o Colégio

Eleitoral, em 1984, em casos como esse a Direção não poderia ir contra as

bases, o que fez com que essa consultasse seus militantes, aponta Secco

(Idem).

Outro caso, mencionado pelo autor (Idem) foi o de 1993 em que a

Direção foi claramente derrotada pela militância, na posição sobre o plebiscito

sobre a forma de governo, quando muitos dirigentes se declararam

parlamentaristas e a militância votou pelo presidencialismo.

De acordo com Keck (2010, p. 196-197) o PT apresentou um projeto

socialista para as eleições de 1982, proposta em alguns itens como: reforma

agrária radical; descentralização da propriedade privada e ascensão da classe

trabalhadora ao poder.

A lógica petista era diferenciar do PMDB e outros partidos de oposição

apontando para a re-vinculação entre as demandas sociais e as instituições

políticas. Sendo esta vinculação institucional a novidade política trazida pelo

PT, destaca a autora (Id., p. 202-204).

Para a autora (Id., p. 207-209) o PT redimensionou e introduziu novos

temas na área político-institucional, incluindo os trabalhadores na arena

política, e, também, atores, outrora, marginalizados, fazendo um discurso

fortemente classista e apontando para uma administração pública das classes

trabalhadoras. Da mesma forma, o partido implementou a formulação de uma

democracia de base, já descrita, reestruturando os interesses da classe

trabalhadora.

No discurso petista, as desigualdades sociais são associadas e

percebidas como resultado de uma sociedade e de uma política elitista, sendo

assim, a solução dos problemas políticos ocorreria com a tomada democrática

do poder pela classe trabalhadora. Assim, a forma de fazer política incorpora

no conjunto de valores, que compreendia a política como prática da elite, a

idéia de acesso à arena administrativa às classes populares, à qual não precisa

de preparo intelectual. (Id., p 197)

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Na campanha eleitoral de 1982, analisa Meneguello (1989, p. 108-109)

quando o partido acentuou seus vínculos de representação com a classe

trabalhadora, levou-se a cabo a idéia de maximização da participação dos

indivíduos essa idéia veio representada como proposta de representação

política, notando-se na tensão entre democracia direta e democracia

representativa, inerentes às dificuldades da democracia participativa, sendo

que o partido valoriza a representação orgânica. Esta forma de democracia

vincula-se a idéia de que para os interesses de cada categoria sejam

representados com fidelidade, os representantes devem ser da mesma

categoria.

Nesse sentido a maximização dos interesses da representação político-

partidária nas bases petistas é dada pela fidelidade de seus interesses, já no

âmbito da administração pública, essa maximização ocorre pela proposta de

um governo popular.

No discurso petista, nas eleições de 1982, foi dirigido para marcar uma

contraposição entre o novo e o passado, o passado era narrado como uma

fase a ser superada dentro da História do Brasil, destacando-se como um

período de denúncias de corrupção, desonestidade e violência política; já o PT

é o partido que pede contas dos atos políticos, econômicos e sociais;

antipolítica tradicional e reação ao voto útil, um dos temas mais desenvolvidos

no discurso petista foi sua diferenciação com o PMDB, seu mais forte

adversário da oposição, já o voto útil era traduzido como voto covarde e do

medo; classicismo e identidade partidária, valorização do povo e classe

trabalhadora como agentes de um novo tempo, codificada na identidade entre

o eleitor e o partido, entre o eleitor e classe trabalhadora, destaca Keck (2010,

p. 2015-206).

Os pontos mais valorizados na escolha e apresentação dos currículos

dos candidatos, divulgados nos panfletos e horário político foram: o passado de

luta contra o regime militar; o histórico funcional, deixando claras as

coincidências entre o candidato e o operário humilde; o peso de origem,

enfatizando a identidade entre povo/eleitor e o candidato, sublinhando a

posição social do candidato: lavrador, filho de camponês, indivíduo com baixo

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nível de escolaridade; a participação política: líderes sindicais, membros de

associação de bairros.

Enfatizava a noção de povo em contraposição ao candidato tradicional

que foi expressa na imagem vinculada na propaganda eleitoral televisiva. As

imagens eram de perfil humilde, com pessoas visivelmente malvestidas e de

aparência descuidada, destacam Keck (2010, p. 189-191) e Meneguello (1989,

p. 90-93).

A imagem da estrela, adotada pelo partido, simbolizava a idéia de

inovação política.

Concordam as autoras (id., p. 209 e p. 125) que as eleições de 1982

tiveram, para o Partido dos Trabalhadores, um sabor de derrota, as avaliações

internas diferem quanto à causa do fracasso, mas concordam em dois pontos:

que a repetição das palavras de ordem, muitas vezes, tinha tomado o lugar do

esclarecimento dos objetivos do partido e que o nível de organização, tanto do

partido, quanto da população, eram fracos para garantir o êxito eleitoral, a

solução era voltar às origens do partido, promovendo a organização e a

mobilização popular e elaborando propostas concretas para a resolução dos

urgentes problemas sociais.

A votação global do PT foi bastante inexpressiva, na esfera federal, o

partido elegeu oito deputados, sendo seis por São Paulo, um pelo Rio de

Janeiro; na esfera estadual, o PT elegeu em São Paulo nove deputados, dois

no Rio de Janeiro e um em Minas Gerais; na esfera municipal o PT obteve

duas prefeituras, em Diadema (SP), em Santa Quitéria (MA), e ainda elegeu

117 vereadores no país, dos quais 78 eram. (MENEGUELLO, Id., p. 125).

Para Keck (Id., 272-275) a grande vitória eleitoral do Partido dos

Trabalhadores foi a prefeitura de Diadema, núcleo eleitoral do partido, essa

prefeitura deu ao PT uma oportunidade para mostrar que os trabalhadores

eram capazes de governar e colocar em prática as concepções do partido

acerca do poder e da participação política.

Por muitas razões, tanto internas quanto externas, a administração

petista não conseguiu criar a administração modelo que muitos queriam. Em

primeiro lugar havia sérios impedimentos políticos e materiais a serem

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superados, o PT conquistou a prefeitura por uma margem de votos muito

pequena em relação a PMDB e PTB, numa cidade onde os problemas sociais

eram enormes e o orçamento era insuficiente; em segundo lugar, mesmo

quando a prefeitura petista conseguiu boas realizações, teve dificuldades de

projetá-las nacionalmente.

A falta de preparo para governar refletiu-se sobre as prioridades de um

conteúdo programático para os projetos municipais. O programa municipal do

PT era basicamente eleitoral, privilegiando a formação de conselhos populares

e políticas municipais que beneficiassem os pobres.

Outros fatores que dificultaram ao PT administrar Diadema, utilizando de

modo eficiente sua posição, provinham de contradições do próprio partido. De

particular importância foi a visão que o partido tinha de representação e a sua

ênfase nas tomadas de decisão local.

Como Diadema foi o único município importante onde o PT ganhou as

eleições, o que acontecia ali refletia a ação do partido como um todo. O

programa de governo teria que diferenciar a profundidade dos problemas da

cidade e as propostas para lidar com eles. A dificuldade em distinguir entre

esses dois tipos de programas contribuiu para a posterior tensão entre o

gabinete do prefeito e os líderes locais do partido.

No entanto, a medida que os conflitos aconteciam no município, os

órgãos estaduais e municipais do partido tiveram reação lenta e sua

capacidade estatutária de intervenção era limitada. A heterogeneidade política

do PT, complicou ainda mais a situação, diferentes facções do partido tomaram

diferentes posições quanto a situação de Diadema.

Segundo Meneguello (Id., 176-179) quanto ao eleitor petista, na eleição

de 1982, pode-se observar duas características: primeiro a especificidade

quanto à sua composição socioeconômica: o eleitor petista apresenta baixa

escolaridade e é ligado ao setor industrial; segundo, o eleitorado petista tem

maior interesse por política e estão mais expostos aos canais comuns de

mensagem política, o que pode lhes atribuir maior proximidade e conhecimento

dos fenômenos políticos.

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Ainda, em relação a ideologia, o eleitor petista demonstrou um

encadeamento maior de opiniões políticas, localizando-se no campo da

esquerda, desejando uma mudança do regime político e uma

institucionalização da democracia.

O desejo de voltar as bases significa que o partido deveria orientar suas

energias para dar apoio à organização do movimento operário e dos

movimentos sociais, como se a campanha eleitoral representasse um desvio

dos objetivos da atividade partidária.

A fim de fortalecer o Partido para as eleições de 1985 a Executiva

lançou em 1983 “O Projeto Político do PT”, que tinha por objetivo formular um

projeto político para os trabalhadores alcançarem o poder, criando, dessa

forma, condições para uma sociedade sem exploração, nem repressão, no

caminho para o socialismo. (GADOTTI E PEREIRA, 1989, p. 105-128)

Este começa com a afirmação de que “daqui para a frente, o PT tem que

se colocar a questão do poder”, isto significa que tem que corrigir os erros da

eleição anterior.

Exaltam, também, a receptividade do PT na opinião pública, através das

pesquisas, e que o partido está presente nas lutas populares.

A opinião pública ressalta a independência do partido perante outros

partidos e perante a ditadura, embora tenha escolhido ideologias diferentes do

PT nas eleições de 1982, no entanto, graças ao resultado das mesmas

pesquisas, uma grande parcela do povo brasileiro vinha a dar razão ao partido

num prazo de tempo menor que o exigido, graças ao programa de televisão e a

linha geral que o partido adotou.

Isso mostra que a proposta petista ligada a um partido de massas e às

lutas populares atingiria êxito na medida em que fosse capaz de apresentar

propostas claras e concretas para a crise, atuando efetivamente nos

movimentos sociais, por meio de seus diretórios, núcleos e militantes,

esforçando-se para efetivar esses como lutas unificadas contra o projeto

político, econômico e social do regime militar.

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O PT deveria definir uma alternativa para a crise, ou melhor definir um

projeto político alternativo para vencer a crise e substituir a ditadura militar,

significando duas coisas: definir os objetivos e as prioridades políticas; definir

os meios de alcançar esses objetivos nas prioridades propostas. O projeto

político do PT deve ser concebido como um projeto de ruptura popular e

institucional do regime vigente.

O PT deve acelerar o fim da ditadura e dar-lhe um novo regime que

atenda, no limite de suas condicionantes historicamente dadas, os interesses

da classe trabalhadora e da maioria da população. Essa direção deve ser a da

implantação de um regime de amplas liberdades, sindicais e políticas;

mudanças substanciais na distribuição da renda; autonomia e independência

das múltiplas formas econômicas, sociais, culturais de manifestação do capital

monopolista nacional e internacional.

Sendo assim, tal regime deveria expressar os anseios dos trabalhadores

e de todo povo oprimido, as organizações populares, sindicais, democráticas,

junto com o povo, deveriam soberana e democraticamente dizer que o governo

deveria ser construído quando não existisse mais a ditadura.

Para alcançar tais objetivos, o PT deveria organizar a luta dos

trabalhadores e dos setores populares a exercer o máximo de pressão contra a

ditadura, obtendo conquistas e crescentes avanços, unificando suas forças,

para isso, trazer o máximo dos setores da sociedade para suas lutas, também

deveria fazer que os seus parlamentares e os parlamentares de outros

governos apoiassem, refletissem e expressassem essas lutas, formalizando na

legislação as conquistas obtidas. Nesse sentido, o PT devia concentrar seus

esforços nos movimentos de massa.

Assim, segundo o “Projeto Político do PT”, reproduzido por Gadotti e

Pereira (Idem) o PT deve dar prioridade a cinco principais pontos para as lutas

do movimento de massa: a luta contra o arrocho salarial, por aumentos reais

dos salários, contra o desemprego e pelo tabelamento de preços; contra a Lei

de Segurança Nacional, contra a Lei Anti-greve e contra as leis repressivas;

luta pela reforma agrária; luta pela moratória unilateral da dívida externa, contra

o FMI e pela nacionalização dos bancos e dos monopólios, a luta pela eleição

direta para presidente em 1984.

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Para isso deveria privilegiar a forma de luta mais massiva e mais

politicamente definida que leva a greve geral.

Sendo assim, o PT deveria estimular a criação, o fortalecimento e a

mobilização dos sindicatos urbanos e rurais; associações de moradores;

entidades de direitos das mulheres, dos negros, das minorias sociais e

culturais; entidades contrárias à deterioração da qualidade de vida da

população sob qualquer aspecto; entidades de luta no campo, da habitação, do

transporte, da educação, da saúde pública; entidades culturais de defesa do

patrimônio brasileiro e contrárias à alienação cultural; comissões de defesa dos

direitos humanos, de anistia, de luta contra a repressão policial e política;

comissões e comitês de solidariedade aos povos que lutam por sua libertação

anti-burguesa e anti-imperialista; entidades que lutam contra as formas de

dominação ideológica; entidades políticas e partidárias com ampla e total

liberdade e autonomia.

Com elas, o PT lutaria por: mudanças nas relações de trabalho e de

propriedade na cidade e no campo; autonomia plena sindical, ampla liberdade

de organização política e partidária; estatização dos sistemas de saúde,

educação e transportes; mudanças no sistema financeiro e bancário; redução e

limitação dos juros e lucros bancários; criação dos sistemas de transporte,

armazenamento e distribuição de alimentos; criação de um sistema de

habitação popular que garanta moradia para todos; congelamento e

tabelamento de gêneros e serviços vitais à classe trabalhadora e ao povo;

modificação do sistema tributário, principalmente contra os lucros, a grande

propriedade e as grandes heranças; fixação do mínimo pelo menos quatro

vezes maior que o da época; mudança na criação e na utilização dos meios de

comunicação de massa e ampliação do direito a voto, principalmente aos

analfabetos.

Em relação a reorganização partidária, o “Projeto Político do PT”, (Idem)

visando a um melhor desempenho nas lutas descritas nas eleições de 1985

destaca a necessidade de: ampliar as filiações em todo o país, formação dos

filiados, contribuições financeiras e estabelecimento de novas formas de

propaganda, mobilização, comunicação externa e interna e imprensa partidária;

intensificar, através de estudos científicos, o exame das questões econômicas;

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iniciar os debates sobre a questão da constituinte; promover um amplo e

sistemático estudo deste documento e da proposta de projeto político

alternativo do Partido dos Trabalhadores, prioritariamente esse debate deveria

ser feito dentro do partido, mas também com as bases e com as lideranças dos

movimentos sociais, porque são as bases que garantiriam o aval ao projeto, e

portanto, sua implementação e sua viabilidade para a vida política.

Com a abertura política em curso e o final do governo do General João

Baptista Figueredo, vislumbrou-se, através da Emenda Dante de Oliveira, a

possibilidade de eleições diretas para presidente da república.

O PT foi o primeiro partido a reclamar uma mobilização popular em favor

das eleições diretas e a campanha das “Diretas-já” representou a interação

entre os papéis do partido no plano institucional e de mobilização.

Representou, também, para o PT nos palanques, ao lado dos governadores do

PMDB, a superação do ressentimento que sobrara da eleição de 1982, mais

tarde, o fracasso dessa campanha e a recusa do PT em aceitar uma solução

de compromisso provocaram outra crise interna no partido. (SECCO, 2011, p.

113).

O autor menciona que o movimento das “Diretas-Já” teve seu primeiro

ato em Goiânia em 15 de junho de 1983, mas o grande ato de instauração da

campanha deu-se em São Paulo na Praça Charles Muller, no final do mesmo

ano.

Destaca também que o PT conquistou protagonismo nas ruas, o

movimento obteve êxito, também, porque em São Paulo o governador Franco

Montoro liberou as catracas do metrô, liberou os funcionários públicos, além

disso, a presença do governador do PMDB no palanque inibia que as forças

militares intervissem. Além disso, a imprensa se colocou a favor dos militantes.

Entre as lutas de massa, o partido realizou o seu III Congresso Nacional

em São Bernardo do Campo entre 6 e 8 de abril, informa também o autor (Id.,

114-115). Não era o momento para se dedicar a luta interna e essas divisões

interiores mostravam momentos da democracia interna, mas paralisavam o

partido. A parte principal do debate foi a proporcionalidade do campo

majoritário na composição da executiva nacional, ficando com 65,8% dos votos

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em sua tese e impondo que a proporcionalidade entre as várias tendências

ficasse restrita ao Diretório Nacional, que se reunia menos e promovia os

debates mais amplos, no entanto, na Executiva, ligada as tarefas de decisões

cotidianas, só ela tivesse acesso aos cargos.

Ainda em abril, por 22 votos, a emenda Dante de Oliveira foi derrotada,

as oposições não esmoreceram e continuaram fazendo comícios desafiando o

governo, o primeiro foi realizado no CERET- Centro Recreativo na Zona Leste,

depois na Praça da Sé, nesses comícios o PT crescia.

Lentamente, o foco das mobilizações pelas Diretas-Já passou para

cogitação da Emenda Teodoro Mendes, para, finalmente se concentrar na

Aliança Democrática que elegeu através do Colégio Eleitoral, portanto, de

forma indireta, Tancredo Neves e seu Vice José Sarney que viria a assumir o

poder (Idem).

Completa o autor (Idem) que essa discussão sobre o Colégio Eleitoral o

PT se dividiu, a questão era a ida ou não de seus deputados à votação indireta.

Houve 450 encontros de base em todo o Brasil. Dos 290 mil filiados, apenas

19.916 compareceram para votar se o PT deveria ir ao Colégio Eleitoral para

votar em Tancredo Neves.

Airton Soares era o deputado que apresentou a proposta de ida ao

Colégio Eleitoral, aceita por 5,7% dos votos dos militantes, a proposta de Paul

Singer e de outros militantes da ida condicionada a um acordo programático

obteve a aceitação de 8,7% dos votantes, a proposta vencedora, que tinha o

apoio da maioria do Diretório Nacional com 86%, foi a de não ir ao Colégio

Eleitoral. A decisão foi ratificada pela Direção Nacional (Id., p. 116).

De acordo com o autor (Idem) a desobediência à decisão partidária

levou à saída dos deputados Bete Mendes (SP), José Eudes Freitas (RJ) e

Airton Soares (SP). Todos tinham em comum uma militância política anterior ao

PT, José Eudes Freitas atuara em organização clandestina que enfrentava a

ditadura, a AP; Bete Mendes fora presa política; Airton Soares era um quadro

advindo do MDB.

Nesse episódio o PT isolou-se. No Encontro Nacional Extraordinário

realizado em Diadema nos dias 12 e 13 avaliou-se positivamente a

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independência de classe do partido na campanha das Diretas, uma vez que

para alguns a chamada aliança democrática era culpada de usurpar o direito

dos brasileiros ao voto.

De acordo com Keck (Id., 217) o resultado das eleições 1985 para as

prefeituras foram totalmente diferentes das de 1982 projetando o PT como uma

força política viável e em crescimento. O partido apresentou candidatos em

todas as capitais, exceto uma, e ganhou mais de 5% em doze delas, e mais de

3% em dois outros. Sua candidata Maria Luiza Fontenelle foi eleita em

Fortaleza, a quinta cidade do Brasil, perdeu por muito pouco em Goiânia, os

candidatos do PT chegaram em segundo lugar em Vitória, no Espírito Santo, e,

em Aracaju, no Sergipe. Em São Paulo, o candidato petista Eduardo Suplicy

conquistou quase 20% dos votos.

O sucesso da campanha petista deve-se a mudança de tom na

campanha, o partido aparecia mais aberto, menos sectário, misturando humor

à sua mensagem pragmática, os meios de comunicação também foram

utilizados de forma mais eficaz que na campanha de 1982, com a eliminação

da Lei Falcão, o partido havia aprendido a se dirigir aos eleitores, tornando=se

um protótipo às novas eleições.

Outro aspecto em que houve mudança em relação a eleição de 1982 foi

a predominância no PT de candidatos de classe média, nas cinco cidades onde

houve melhor desempenho, eles eram profissionais liberais, depois da

campanha o partido adotou o discurso de misturar candidatos de origem

operária com outros de classe média.

Nas eleições de 1985 ficou claro que o PT não atuaria mais como ator

marginal, da mesma forma, o partido podia dirigir sua proposta a uma massa

crescente de eleitores nitidamente insatisfeitos com as alternativas de

resoluções dos problemas que lhes eram oferecidas pelos líderes do processo

de transição reforçando a idéia de que oferecer soluções aos problemas locais,

estaduais e brasileiros, era parte da missão do partido, implicando num maior

esforço eleitoral dentro do partido, o que não significava esquecer dos

movimentos sociais e das comunidades de base fora do partido.

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Os líderes partidários começaram a dar maior ênfase a organização

partidária para torná-la eficaz, o anúncio, depois das eleições das capitais, de

uma grande campanha de filiação, destinada a trazer um maior número de

eleitores, era um sinal de que a construção de movimentos do PT poderia dar

lugar a uma maior construção de esforços na construção do partido.

Secco (2011, p. 128) destaca que o ano de 1987 é marcado pela batalha

parlamentar do partido em torno da Assembléia Constituinte. Foram eleitos

para compor a bancada petista dezesseis deputados, eleitos por Minas Gerais,

Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

A Assembléia Constituinte canalizava as esperanças radicais da

sociedade que se viram expressas institucionalmente por uma constituinte

congressual e não inclusiva.

O autor (Idem) aponta também que a formação do centrão, grupo

majoritário de deputados que resistiam às mudanças, acabou por criar uma

série de dispositivos regressivos. Entretanto, a Constituição criou e ampliou a

promessa de uma série de direitos sociais, base jurídica para a democracia

formal.

Os deputados do PT foram muito ativos na Constituinte, apresentando

artigos e negociando apoio de outros partidos. Embora os principais assuntos

tratados pela bancada fosse o direito dos trabalhadores e da reforma agrária,

eles também foram ativos em outras áreas. A experiência em negociar, advindo

dos sindicatos, influiu muito nas atividades do partido para coalização, uma vez

que a maioria dos deputados não seguia disciplina partidária, era necessário

alinhavar posições em cada votação, tais como: a extensão do mandato do

Sarney, a reforma agrária e a questão da estabilidade do emprego. O PT

mostrou-se um partido muito coeso em suas votações.

Embora sob ataque da imprensa, não é verdade que o PT não assinou a

Constituição, a bancada petista votou contra, mas assinou afirma Secco

(Idem). Tendo assinado os seguintes deputados constituintes:

Benedita da Silva (RJ); Eduardo Jorge (SP); Florestan Fernandes (SP);

Gumercindo Milhomen (SP); Irma Passoni (SP); João Luís Pires (MG); José

Genoíno (SP); Luís Gushiken (SP); Luís Inácio Lula da Silva (SP); Paulo

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Delgado (MG); Plínio de Arruda Sampaio (SP); Virgílio Guimarães ( MG); Vitor

Buaisz ( Es) e Vladimir Palmeira ( RJ).(SECCO, 2011, p. 129)

No documento em que o PT sustenta essa posição de assinar, mas

votar contra a Constituição, afirma que é um partido que almeja o socialismo e

que a nova Carta consagra uma sociedade capitalista, mas admite que no

momento histórico da promulgação da Constituição, não haveria nenhuma

possibilidade do socialismo. Mesmo o Projeto de uma Constituição que o PT

apresentou não propõe uma sociedade socialista, mas sim um conjunto de

princípios e mecanismos capazes de ampliar o espaço democrático e a

participação popular no processo político, embora, ainda, no capitalismo.

A razão do repúdio à Constituição que será promulgada é que mesmo

dentro do capitalismo, a nova Carta poderia ser mais democrática e popular,

não foi por caso que as forças reacionárias atuaram na Constituinte: o governo

Sarney, os militares, os latifundiários, os banqueiros, as multinacionais, a UDR,

os retrógrados de todas as matrizes.

Apesar de tudo e graças a mobilização de setores populares

progressistas e de partidos políticos comprometidos com esses, o texto da

nova Constituição contém algumas vitórias, poucas conquistas e direitos

mínimos dos trabalhadores. Tais conquistas não retiram o caráter geral da

Carta essencialmente conservador, antidemocrático e antipopular.

Por isso, o Diretório Nacional decidiu que o PT concretizasse sua

posição contrária à Constituição, votando não à Carta com declaração de voto

vencido, explicando a razão de sua posição e ressaltando os direitos e

conquistas obtidos.

Nesse sentido, também, o PT deverá procurar capitalizar politicamente

os pontos do texto constitucional favoráveis à classe trabalhadora e ao povo,

bem apontar as forças responsáveis pelos pontos desfavoráveis e negativos.

Fica evidente que o PT, ao propor estar no poder disputando as

eleições, ou participando nos movimentos sociais, como as Diretas-Já, ou a

atividade parlamentar, como a Assembléia Constituinte, dá ênfase a seus laços

com as bases populares. Nesse período o papel adquirido pelo partido através

de sua imagem combativa foi de isolamento político.

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Recolocando-se como alternativa de poder o PT mostrou uma estratégia

diferenciada, através de uma campanha eleitoral aberta, dirigida a amplos

setores, inclusive a classe média, no entanto, mesmo assim, o partido

apresentou-se como uma alternativa distinta dos partidos políticos existentes,

utilizando a mídia de forma descontraída e criativa, estendendo sua capacidade

eleitoral.

Dessa forma, o discurso para as eleições de 1985 tornou-se mais

abrangente enfatizando questões mais amplas de cidadania e justiça social

combinando com os problemas locais, ou seja, o discurso vai do particular para

o geral e do geral para o particular. O eleitorado reagiu positivamente, criando

ao mesmo tempo novos problemas e novas oportunidades para o processo de

auto definição partidária.

A fundamentação dessa luta pela democracia e pela hegemonia da classe

trabalhadora são as bandeiras que o PT sustentará durante a sua existência, o

lugar em que o partido deseja chegar tem que se dar em conexão com os

setores atingidos pela prática de seus membros.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O PT lança uma série de tensões no mundo político brasileiro em

meados nos de 1970, os trabalhadores passam a identificar os seus direitos

com os direitos democráticos e aderem a idéia de que esses direitos passem a

ser defendidos pelos próprios trabalhadores, esses não aceitavam mais que a

elite os representasse, os trabalhadores deveriam confiar nas suas próprias

forças para ocorrer a mudança em sua situação.

O Partido dos Trabalhadores, desse modo, constituiu um fato nas

instituições políticas brasileiras por expressar o direito dos trabalhadores e dos

pobres na esfera política; porque procurou ser inteiramente democrático, por

fim, queria representar todos os seus membros e responsabilizar-se perante

eles por seus atos.

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Desde o início, o PT comprometeu-se com a mudança de baixo para

cima, esse conceito inclui duas idéias distintas: uma é que a vinda de baixo

significa auto-ativação da classe trabalhadora; a outra, que essa mudança

significa o desenvolvimento de uma cidadania e uma participação democrática

efetiva.

Desse modo surge o Partido dos Trabalhadores, que desde o anúncio

de sua fundação em 1979, até a sua constituição legal com o direito de

apresentar candidatos em eleições, teve um caminho a ser percorrido.

As exigências necessárias à sua legalização foram difíceis de cumprir,

uma vez que havia poucos políticos experientes em suas fileiras.

A decisão de criar um partido legal significou que no final de 1979 até

meados de 1982, todas as energias de seus membros voltaram-se para o

preenchimento de seus requisitos.

A legislação partidária forçou o PT a sair do ABC e criar uma

organização partidária nacional, embora o esforço nesse sentido não fosse

inteiramente bem-sucedido, ele evitou que o PT fosse um partido puramente

local ou afundar na tentativa de definir um conceito estrito, em vez de ampliar a

base política de apoio à sua proposta. Assim, o debate político foi travado no

contexto de um imperativo constante no sentido de ampliar a base do partido.

O partido foi construído no sistema de democracia interna e no nível

desta ultrapassa qualquer outro grande partido do país, também a fundação do

PT tem como alicerce, milhares de quadros que se sentem confiantes em

defender publicamente as posições partidárias.

A evolução interna do PT foi influenciada pelas disputas eleitorais, pelas

campanhas de mobilização como a das eleições presidenciais diretas de 1984,

pelos cargos políticos que o partido passou a ocupar e pela sua relação com

outros movimentos sociais e com o movimento operário. A euforia que

caracterizou o início do período de organização do partido deu lugar a um

choque brutal nas eleições de 1982, a maneira pela qual o PT encarou esses

resultados e as lições que deles tirou foram elementos determinantes para sua

evolução.

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As eleições demonstraram que a maioria da classe trabalhadora, sobre a

qual o partido se apoiara nas eleições, não era uma realidade política, sendo

assim, era preciso recuperar o partido como movimento, também as eleições

forneceram aos líderes partidários um espelho onde se refletia uma avaliação

não só da força real do partido, mas também da sua configuração interna.

No entanto, apesar do fraco desempenho eleitoral em 1982, o partido

conservou um grau de prestígio significativo na sociedade brasileira, de maior

importância foi sua contínua identificação com o setor mais combativo do

movimento dos trabalhadores.

A posição do PT de não apoiar o Colégio Eleitoral e o voto no

oposicionista Tancredo Neves, isolando-se, era coerente com o seu

compromisso de ampliar a democracia no Brasil.

Nas eleições de 1985, a disposição para um chamamento de um

eleitorado mais amplo, embora a noção de construção de uma maioria de

classe operária não desaparecesse, ampliou a compreensão do partido, do

conceito de classe trabalhadora: de operários de fábrica a novas organizações,

tanto no meio urbano, quanto no meio rural.

O discurso sobre cidadania e o acesso ao poder, que em 1982 havia

sido submetido ao discurso de classe, ganhou vida própria.

A ambigüidade do PT como movimento e como instituição política é o

elemento-chave para a sobrevivência do PT durante o processo de transição

brasileira.

A legitimação externa através de sua relação com o movimento operário,

forneceu ao partido um conjunto de recursos políticos que não derivam do

processo eleitoral. Ao mesmo tempo, até aquele mínimo de consolidação que

teve lugar depois de 1982 foi um momento crucial para colocar o PT numa

posição que lhe permitisse começar a resolver alguns dos dilemas envolvidos

na definição do seu papel institucional.

O partido ressurgiu com as eleições de 1985, passando a enfrentar com

vigor os dilemas colocados na primeira metade dos anos de 1980, por mais

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difíceis que fossem de resolver, esses dilemas forçaram o PT a confrontar-se

com uma série de escolhas decisivas para o seu desenvolvimento.

Reforçar a capacidade organizacional dos movimentos sociais, construir

um movimento político amplo buscando uma mudança real nas relações

sociais, construir um partido de militantes com estruturas democráticas,

funcionar no nível eleitoral, participar nas instituições políticas, eram objetivos

que muitas vezes eram impossíveis e irreconciliáveis. Contudo, foi

precisamente o esforço contínuo de o PT equilibrar todos que constituíam a

sua identidade política e se diferenciava de outros partidos políticos brasileiros.

As diferenças que pareciam afirmar a sua marginalidade nas primeiras

fases da transição foram exatamente aquelas que fizeram dele o eixo de nova

oposição no final dos anos 80.

Em novembro de 1988, o Partido dos Trabalhadores abalou a elite

política ao vencer as eleições em três capitais: São Paulo, Vitória, Porto Alegre

e em 29 outras cidades brasileiras. Mais tarde, em 1989, Lula ficou a um passo

de ganhar a eleição presidencial com 47% dos votos válidos, ou seja, um

partido que começou nas entradas das fábricas em greves tornou-se força

política nacional incontestável.

No entanto, o PT nunca perdeu no seu horizonte a idéia de que o poder

não é algo a ser tomado, através do Estado, mas algo a ser construído na

sociedade.

O recorte temporal que delimitou essa pesquisa, que se estende da

fundação do PT em 1978 até a sua atuação na Assembléia Constituinte em

1988, foi realizado em função da hipótese levantada e da necessidade de

responder a pergunta de pesquisa, de modo a compreender como ocorre a

fundação e a consolidação de um partido que surgiu da militância, sem o apoio

do capital – “de baixo para cima”, para se tornar força política, que já em 1989

vai disputar as eleições presidenciais de igual para igual com os partidos

organizados pela burguesia e pelo capital.

Após a derrota em 1989, o PT continua sendo competitivo e foi

ampliando seu capital eleitoral nas eleições de 1994, 1998. E, nas eleições de

2002, o PT ganha a presidência da República, permanecendo como força

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eleitoral até as eleições de 2014, momento em que uma crise abala suas

estruturas, temas possíveis para próximas pesquisas.

A hipótese levantada de que o PT, por ter sua origem inversa, precisou

do período de tempo de 1978 à 1988 para se consolidar como liderança no

cenário político-eleitoral foi validada.

Concordo com a análise de Singer (2001, p. 84-85) sobre os partidos de

trabalhadores: quando decidem participar das eleições - decisão fundamental –

passam a exercer parcelas do poder e defender a causa dos trabalhadores,

adquirindo interesse em preservar a legalidade democrática. O discurso vai

mudando lentamente, de modo a não trair seus princípios originais: da

revolução vai para reformas profundas e depois reformas, “o que não significa

que deixem de existir diferenças significativas entre esses partidos e os

conservadores”.

O PT forjou-se dessa forma, entrando no jogo eleitoral para participar

independentemente de resultados, levando os trabalhadores ao poder,

adaptando o discurso, ampliando as alianças, chegando ao poder central,

enfrentando crises e contradições.

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4.REFERÊNCIAS

GADOTTI, M. e PEREIRA, O. Para que PT origem, projeto e consolidação do

partido dos trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1989.

KECK, M.E. PT – a lógica da diferença. Rio de Janeiro: CEPS, 2010.

MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Para impedir vitória do MDB, ditadura proíbe

candidatos de falar na TV. Disponível em

http://memorialdademocracia.com.br/card/lei-falcao-silencia-a-campanha-

eleitoral. Consultado em 10 de junho de 2018.

MENEGUELLO, R. PT a formação de um partido 1979 – 1982. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1989.

SADER, E. (org.). E agora, PT? Caráter e identidade. São Paulo: Brasiliense,

1986.

SECCO, L. História do PT. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.

SINGER, A. O PT. São Paulo: Publifolha, 2001.