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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
PATRÍCIA DOS SANTOS DOTTI DO PRADO
DE AUTODIDATAS A CIENTISTAS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CURSO DE
CIÊNCIAS SOCIAIS DA FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DO
PARANÁ, 1938-1960
CURITIBA2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
PATRÍCIA DOS SANTOS DOTTI DO PRADO
DE AUTODIDATAS A CIENTISTAS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CURSO DE
CIÊNCIAS SOCIAIS DA FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DO
PARANÁ, 1938-1960
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisitoparcial à obtenção do título de bacharel em Ciências Sociais,Curso de Ciências Sociais do Setor de Ciências Humanas daUniversidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª. Drª. Simone Meucci.
CURITIBA2017
RESUMO
Este trabalho buscou compreender o sentido da fundação e funcionamento do curso de
ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (FFCLPR), no período de
1938 a 1960. A partir do trabalho em arquivo nos arquivos do Setor de Educação e de Ciências
Humanas da Universidade Federal do Paraná, bem como do Centro de Estudos Bandeirantes,
identificaramse quatro variáveis para a compreensão do curso de ciências sociais: os currículos, as
cadernetas de frequência e matéria lecionada das cadeiras, os professores e os alunos. Com isso,
dividiuse esta pesquisa em dois eixos: uma relativa a seus agentes, isto é, os docentes e os alunos
do curso, e outra referente ao conhecimento elaborado e entendido como relativo às ciências sociais
no período expresso nas cadernetas e currículos do curso.
Fundado em uma Faculdade cujo cerne modernizador estava em orientar um progresso
intelectual, cultural e moral ao Paraná, ao mesmo tempo que capaz de integrar e conservar a
tradição e história do estado, tanto o curso quanto a própria FFCLPR expressaram um
tensionamento constante entre modernidade e tradição, ciência e religião. Sem um projeto
intelectual e pedagógico pensado integradamente, os 10 primeiros anos de funcionamento do curso
de ciências sociais, além de intermitentes, diplomaram apenas cinco alunos. Suas aulas eram
conduzidas sobretudo por professores contratados, comumente exalunos da FFCLPR próximos dos
catedráticos. Apesar de seu currículo ser centralizado nas cadeiras de sociologia, econômia e
estatística, em um contexto de escassez de recursos, humanos e econômicos, a cadeira de
antropologia foi a protagonista do curso. Atrelado a esta percepção de modernização, o curso de
ciências sociais, no período analisado, não produziu uma reflexão racional e metodologicamente
orientada sobre a realidade social paranaense, salvo a exceção da antropologia.
Palavraschave: Institucionalização das ciências sociais. Paraná. Faculdade de Filosofia.
LISTA DE SIGLAS
ABA: Associação Brasileira de Antropologia
CDV: Centro Dom Vital
CEB: Centro de Estudos Bandeirantes
CEPA: Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas
CG: Conselho Geral
CTA: Conselho Técnico Administrativo
DEAN: Departamento de Antropologia
ELSP: Escola Livre de Sociologia e Política
FFCLUSP: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo
FFCLPR: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná
FFCLSB: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento
FFSB: Faculdade de Filosofia de São Bento
FNFi: Faculdade Nacional de Filosofia
ICS: Instituto de Ciências Sociais
IEUSP: Instituto de Educação da Universidade de São Paulo
ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MAAP: Museu de Arqueologia e Artes Paranaenses
SCH: Setor de Ciências Humanas
SE: Setor de Educação
UBEE: União Brasileira de Educação e Ensino
UdB: Universidade do Brasil
UDF: Universidade do Distrito Federal
UDN: União Democrática Nacional
UFPR: Universidade Federal do Paraná
UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UP: Universidade do Paraná
USP: Universidade de São Paulo
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AGRADECIMENTOS
Em muitos aspectos, este trabalho só tomou corpo e se constituiu pelos esforços, atenção e
generosidade de diversas pessoas que me acompanharam nos mais variados momentos de minha
graduação e durante minha vida.
Em especial, agradeço meus irmãos Fernanda, Fabiana e Felipe e minha mãe, Miriam, pela
contínua paciência com meus questionamentos e sarcasmo sobre tudo aquilo que pudesse ser
criticado através das ciências sociais. Sou grata pelo encorajamento e suporte que sempre me
deram.
Ao professor Paulo Guérios, agradeço imensamente a recepção e confiança no grupo de
pesquisa e na iniciação científica, quando ainda não nos conhecíamos. Sua orientação e conselhos
durante estes dois anos foram essenciais na constituição do meu jovem ponto de vista de
pesquisadora; creio serem aspectos que permanecerão em minha trajetória como cientista social.
À professora Simone Meucci sou grata por todo entusiasmo e inquietação instigado desde o
início de minha graduação; todo olhar e percepção do mundo de uma maneira curiosa, interessada e
séria que ensinou. Igualmente importantes seus conselhos e orientações neste trabalho,
especialmente para que chegasse a esta forma final.
A Simone e Paulo, em conjunto, agradeço a confiança em mim para o exercício desta
pesquisa e disposição por esta particular forma de orientação, que muitas vezes os conjugou. Além
de toda paciência, atenção e dedicação com minhas dúvidas e ansiedades. Muito obrigada.
À Carla e Luiza, às quais sou permanentemente grata e feliz pela amizade, hoje e sempre.
À Gabriella e Gustavo, agradeço a companhia constante e conversas que começaram com o
Loureiro Fernandes e terminaram em uma grande amizade.
À Sabrina e Henrique, agradeço a gigantesca paciência, incentivo e otimismo com meu
trabalho e gênio.
A João Paulo e Maria Magdalena, agradeço a vivência e companheirismo que, iniciados em
Portugal, permanecem até hoje.
À Sheron, Tábata, Kamille, Solano e Bruno sou grata pelas conversas e compreensões; pela
parceria e companhia que só me fortalecem.
E a meu pai, que não viu este trabalho ficar pronto, retribuo todo amor e carinho de sempre.
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SumárioCAPÍTULO 1.......................................................................................................................................8
1.1INTRODUÇÃO...............................................................................................................................8
1.2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS....................................................................................................13
1.3 CIÊNCIAS SOCIAIS REGIONAIS.............................................................................................17
1.4 ARQUIVOS.................................................................................................................................25
2CAPÍTULO 2: OS AGENTES DA MODERNIZAÇÃO.................................................................30
2.1 PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO...........................................................................................30
2.2 CATOLICISMO E MODERNIDADE.........................................................................................35
2.2.1 O movimento de restauração católico.......................................................................................35
2.2.2 O Centro de Estudos Bandeirantes............................................................................................37
2.3 OS MODELOS DE UMA FUTURA INSTITUIÇÃO.................................................................42
2.3.1 A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná.............................................................44
2.4 CIÊNCIAS SOCIAIS COMO ENSINO SUPERIOR: DISCENTES E DOCENTES.................47
2.4.1. Ciências sociais: um curso intermitente...................................................................................51
2. 4.2. Os professores.........................................................................................................................53
2.4.3. Os professores contratados: estratégias de desenvolvimento...................................................57
3CAPÍTULO 3: PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO....................................................................65
3.1 OS CURRÍCULOS DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA FFCLPR.................................65
3.1.1.Os programas das disciplinas....................................................................................................67
3.1.2 O curso especial de didática......................................................................................................70
3.2 AS CADERNETAS DE FREQUÊNCIA E MATÉRIA LECIONADA: AS CIÊNCIAS SOCIAISDO PARANÁ.....................................................................................................................................72
3.2.1 A dinâmica das aulas.................................................................................................................80
3.3 CIÊNCIA E RELIGIÃO: O PAPEL DA FILOSOFIA.................................................................83
3.3.1 A SOCIOLOGIA INTEGRAL..................................................................................................85
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................89
REFERÊNCIAS.................................................................................................................................91
FONTES.............................................................................................................................................96
APÊNDICE 1……………………………………………………………………………………….97
APÊNDICE 2……………………………………………………………………………………….97
APÊNDICE 3……………………………………………………………………………………….98
APÊNDICE 4……………………………………………………………………………………...100
APÊNDICE 5……………………………………………………………………………………...100
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CAPÍTULO 1
1.1 INTRODUÇÃO
Sou aluna de graduação do curso de ciências sociais da UFPR. Desde 2016 tenho, pois, meu
próprio curso como objeto de estudo. Inicialmente, o investiguei como sugestão de pesquisa de meu
orientador de iniciação científica, o professor Paulo Guérios; do início do ano para cá, passei a
desenvolvêlo como objeto de exame do meu trabalho de conclusão de curso, sob orientação da
professora Simone Meucci. Meu objetivo, com efeito, foi compreender o sentido da fundação e
funcionamento do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná
(FFCLPR) de 1938, data de sua fundação, até 1960.
Como discente do curso que tenho como objeto, tomálo como centro de minha investigação
foi, por variadas vezes, conflituoso. Pois no início não raro tendi a procurar minha própria
graduação nos documentos, bibliografias e informações acerca do curso de ciências sociais de 1938,
bem como me inclinei a julgamentos de valor tendo por base a minha experiência, considerada
como adequada por mim, quanto a uma gradução em ciências sociais. Por outro lado, me
interessava perceber as origens das ciências sociais da UFPR como praticadas e pensadas hoje na
graduação a que tive acesso. Portanto, eu particularmente me inclinei, do ponto de vista do meu
interesse, a examinar a formação do curso que, quase oito décadas depois, frequentei. A
preocupação em não constituir uma interpretação que explicasse a minha própria formação foi, com
efeito, um dos meus maiores desafios.
Foi preciso, pois, que eu constituísse solidamente meu problema de pesquisa e elaborasse
um olhar sociológico sobre meu objeto para que pudesse, então, examinar com maior clareza o
sentido do curso durante suas primeiras décadas de funcionamento. Assim, a partir de leituras
iniciais1 de trabalhos acerca da institucionalização das ciências sociais no Brasil, tive meu primeiro
contato com a construção de problemas de pesquisa sociológicos/antropológicos que se debruçaram
por entender, sobretudo, a sociologia e a antropologia no Brasil – discutirei alguns deles à frente.
Com isso, constituí uma visão acerca da criação dos cursos de ciências sociais brasileiros
articulada a projetos intelectuais, assim como vinculada a processos sociais e políticos mais amplos
que davam ensejo a suas fundações. O pensamento sociológico passava a ser, pois, uma demanda na
1Aqui me refiro aos trabalhos Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais no Brasil (19301964) e Poruma sociologia das ciências sociais, ambos de Sérgio Micelli (1989); A gênese de uma intelligentsia no Brasil Osintelectuais e a política no Brasil, 1920 a 1940, de Luciano Martins (1986); Entre o povo e a nação intelectuais epolítica no Brasil, de Daniel Pecaut (1989); As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil,de Mariza Côrrea (1998).
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interpretação das dinâmicas brasileiras a partir da década de 1930. Ainda que as origens de um
pensamento social brasileiro datem de período anterior, foi nos anos de 1930 que se consolidou sua
constituição acadêmica, com a fundação do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de São Paulo (FFCLUSP) em 1934.
Nesse sentido, o caso da própria fundação da Universidade de São Paulo (USP) é
bastante elucidativo. Como salientou Daniel Pecaut (1989), a criação da instituição, apenas dois
anos após a derrota da Revolução Constitucionalista, fez parte de um projeto de composição de uma
nova elite dirigente, capaz de efetivar e conduzir a modernização do país por meio do conhecimento
intelectual (1989, p. 30). Assim, cabia aos cientistas sociais, em uma leitura positivista, a
organização da sociedade através da apreensão empírica de suas categorias de funcionamento. Pois
havia uma legitimidade no discurso dos cientistas sociais que privilegiava e concedia vigência às
suas interpretações e atuações na e sobre a história do país, em que as universidades eram os centros
de produções destas análises.
Refletindo sobre a fundação da FFCLPR, busquei mapear os grupos envolvidos em sua
fundação e seus objetivos. Com isso, intentei compreender a quais demandas respondeu a fundação
de uma faculdade de filosofia no Paraná, estado então marginal nas esferas político, cultural e social
do país. Para tanto, o trabalho de Névio de Campos, Intelectuais paranaenses e as concepções de
universidade (18921950), de 2006, foi uma fonte fundamental.
Fundada em 1938, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná foi a primeira
instituição de ensino do tipo no estado. Seu projeto, conforme compreendeu Névio de Campos
(2006), foi produzido através do diálogo entre concepções de ensino científicas e católicas, a fim de
modernizar o estado por meio da reflexão filosófica pura e desinteressada e não apenas técnica,
como praticada majoritariamente até aquele momento no Paraná; buscavam, com efeito, tanto o
apoio, quanto a construção de alicerces intelectuais para o futuro do estado. Ao longo de minha
pesquisa foi crucial, pois, compreender a natureza desta singular relação entre ciência, catolicismo e
modernidade na FFCLPR.
Os agentes envolvidos em sua fundação eram sobretudo os intelectuais de confissão católica
do Centro de Estudos Bandeirantes (CEB) e os professores das Faculdades de Medicina, Engenharia
e Direito do Paraná e Escola Agronômica do Paraná. Posteriormente, coube a tais sujeitos, somados
a outros de elevadas personalidades política e intelectual no estado, as cátedras da Faculdade.
Em especial, o CEB teve forte atuação na fundação e manutenção da instituição; assim,
empreendi uma análise mais aprofundada acerca do Centro de Estudos Bandeirantes. Esse foi um
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centro cultural católico fundado em 1929 na cidade de Curitiba; articulado às premissas do
movimento de renovação católico, o CEB era um espaço de discussão para questões filosóficas e
cientifícas orientadas através da doutrina neotomista. Por seu turno, o neotomismo significava a
possibilidade de conjunção entre ciência e religião através de uma perspectiva da metafísica divina
como explicação integral da realidade da vida, isto é, das questões terrenas e ultraterrenas, e a
ciência como explicação parcial dos fenômenos empíricos. Dada a parcialidade da ciência, a
compreensão integral da vida requeria o conhecimento metafísico. Com efeito, foi a filosofia
neotomista, em diversas e distintas percepções por seus agentes2, que possibilitou a construção da
relação entre ciência e religião na FFCLPR – discutiremos em detalhe à frente.
O curso de ciências sociais da instituição esteve no rol das primeiras graduações ofertadas
pela FFCLPR à altura de sua fundação. Assim, foi também estabelecido através de relações sociais
articuladas entre os agentes das faculdades isoladas do Paraná e do CEB; em especial, membros do
CEB ocuparam quase metade das cátedras do curso. Uma vez apurados tais agentes, por meio do
trabalho em arquivo nos arquivos do CEB e dos Setores de Educação (SE) e Ciências Humanas
(SCH) da UFPR, iniciei um processo de constituição das dinâmicas e aspectos formais do curso,
tais como currículos, programas das disciplinas, aulas, corpo docente, entre outros. Outrossim,
identifiquei também grande parte dos professores e alunos do curso no período de meu recorte de
pesquisa; tratavase, a partir de então, de apreender a trajetória institucional destes agentes.
Neste primeiro momento investiguei, no arquivo do SCH, 79 cadernetas de frequência e
matéria lecionada, espécies de diários de classe em que constavam os registros de aula das cadeiras
do currículo do curso de ciências sociais. Nos arquivos do CEB, examinei as atas de reunião
ordinária dos livros II e III, além dos documentos da Coleção José Loureiro. E no arquivo de SE,
examinei sobretudo as atas dos concursos para livredocência e catedŕatico, contratação de
professores substitutos e as atas dos exames do curso de ciências sociais. Posteriormente, de volta
ao arquivo do SE, analisei as atas da Congregação, do Conselho Geral e do Conselho Técnico da
FFCLPR; além de analisar os anuários da FFCLPR e da Universidade do Paraná de 1941 a 1960.
Com base nesta documentação, reconstituí e apreendi parte do conhecimento construído e entendido
como relativo às ciências sociais, de forma de, posteriormente, acessar o sentido que o curso tinha
para os agentes envolvidos em seu funcionamento. Para tanto, lancei mão de alguns pontos das
sociologias de Karl Mannheim e Max Weber, como será discutido à frente.
2Digo diversas e distintas, pois os variados agentes que atuaram na fundação e manutenção da FFCLPR e do curso deciências sociais expressaram diferentes compreensões e aplicações da filosofia neotomista em suas trajetóriasintelectuais, como veremos.
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A análise das fontes sugeria, com efeito, a constituição de estratégias e tensões na Faculdade
acerca de seus recursos econômicos e humanos, demandas legislativas, subvenções financeiras e
projetos de ensino. Durante toda pesquisa, portanto, analisei e revi as posições, projetos e relações
entre os agentes envolvidos no curso e na Faculdade e a constituição prática de suas ações. Visava
compreender em que medida seus projetos se implementaram na FFCLPR. Não entrarei aqui em
detalhes, pois isso é objeto de análise no texto, porém houve um programa, composto e executado
pelo CEB sobretudo, para a FFCLPR. Buscavase, com efeito, constituir uma Faculdade capaz de
orientar a modernização e desenvolvimento intelectual do Paraná, tendo por fio condutor o
pensamento neotomista. Ou seja, constituir uma sólida reflexão intelectual capaz de ordenar um
progresso moral – conforme os princípios cristãos, ao mesmo tempo que reintegrasse e mantivesse a
união entre história e tradição paranaense. Pois se compreendia que o avanço técnico, possibilitado
sobretudo pelos projetos de centros de ensino politécnicos, conduzia à uma modernização apenas
técnica e profissional, relegando a segundo plano a reflexão intelectual e sua importância no
desenvolvimento moral e cultural do estado, quiçá do país.
Compreender, pois, em que medida os catedráticos do curso compartilhavam do projeto
neotomista mais amplo da Faculdade, assim como o efetivaram a partir de suas cadeiras foi
essencial ao longo desta pesquisa. Para além de um exame da execução ou não de tais objetivos,
busquei identificar nas relações sociais do curso a constituição de estratégias, vínculos e propósitos
pensados pelos agentes, mormente os catedráticos, em suas conexões entre si e com a instituição.
Com efeito, embora o projeto da Faculdade se sustentasse pelo neotomismo, por variadas vezes
foram identificadas relações sociais e estratégias entre os catedráticos e seus alunos que não se
pautavam estritamente pela religião católica e, sim, tinham por objetivo o desenvolvimento de um
conhecimento científico.
Nesse sentido, importava compreender os conteúdos desenvolvidos e pensados como
referentes às ciências sociais do período. Isto é, o que se ensinava e como se ensinava. Para tanto, a
análise das cadernetas de frequência e matéria lecionada foi essencial. Como sugeriu o exame
destes documentos, o sentido que o curso assumiu na FFCLPR foi o de elaborar um conhecimento
acerca do mundo social fundamentado na sociologia e economia, que desvendasse e indicasse
possibilidades de ação e estratégias de desenvolvimento ao Paraná. Entretanto, tratavase de um
conhecimento que não questionasse as bases assentadas de poder no estado, que não inquirisse
racionalmente a realidade social com métodos e análise – salvo o caso da antropologia. Pois o curso
de ciências sociais, de maneira geral, remetia ao ideal de modernização perseguido pela FFCLPR,
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qual seja, de produção de conhecimento intelectual puro, desinteressado e moral, que assegurasse a
integração entre história e tradição paranaenses face aos avanços técnicos e científicos e as
mudanças sociais do período.
A origem da FFCLPR a partir de um objetivo tensionado entre modernidade e tradição
implicou em conteúdos de cunho confessional no curso de ciências sociais. Pois não raro houve
debates acerca das encíclicas católicas Rerum Novarum, Divini Redemptoris e Quadregesimo Anno
em sala de aula e a pedido do diretor da Faculdade. No curso de ciências sociais em particular, o
debate e ensino da sociologia integral, como elaborada pelo intelectual católico Alceu Amoroso
Lima, estabeleceu o curso em uma particular posição de inovação e tradição.
Para responder a essas questões e outras tantas que foram formuladas através da análise dos
documentos e leitura de bibliografia, empreendi uma série de retornos aos arquivos do CEB, SE e
SCH da UFPR, além de uma entrevista com um exaluno e posteriormente docente do curso de
ciências sociais da instituição, Constantino Comninos. Meus referenciais teóricos foram as teorias
de Max Weber e Karl Mannheim, pois busquei compreender a cadeia de ações e a constelação de
agentes que agiram na direção da fundação e funcionamento do curso, assim como as bases sociais
do conhecimento de ciências sociais aqui construído. O trabalho de arquivo, por seu turno, foi
constituído a partir do método de etnografia em arquivo, conforme desenvolvido pela antropóloga
Olivia Cunha. Debaterei os fundamentos teóricos e metodologia à frente.
Este trabalho foi dividido em três capítulos, em que o primeiro contém quatro tópicos. Além
da referente introdução, em seguida articulei uma discussão acerca de meus referenciais teóricos,
visando indicar em quais sentidos e para quê acionei suas teorias; no segundo tópico, trouxe um
debate, a partir do método da etnografia em arquivo, acerca de minha experiência nos arquivos do
SE, SCH e do CEB – busquei, pois, descrever e interpretar algumas das singularidades de suas
práticas arquivísticas e apresentar os principais documentos tidos como fontes nesta pesquisa. Por
fim, o tópico três constou do estado da arte desta pesquisa, cuja finalidade principal foi
compreender as principais dinâmicas de fundação dos cursos de ciências sociais, atentando
sobretudo para estados fora do eixo RioSão Paulo, de modo a localizar esta investigação como
contribuição aos estudos de formação de uma ossatura acadêmica das ciências sociais no Brasil.
O segundo capítulo, centrado nas relações sociais entre os agentes da FFCLPR, formouse
de cinco tópicos. No primeiro, discorri sobre os anseios de modernização presentes no Paraná desde
a fundação da Universidade do Paraná até a constituição das primeiras reuniões para instituição da
FFCLPR, em 1937. O próximo tópico, na esteira do argumento, tratei do Centro de Estudos
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Bandeirantes, isto é, de sua composição interna, projeto e finalidades, buscando compreender por
quê tal centro se imiscuiu na fundação de uma faculdade de filosofia. O terceiro tópico, por seu
turno, teve como norte a própria Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná em seu modelo
institucional de fundação e principais anseios. Uma vez examinados, busquei no topico seguinte,
finalmente, compreender o curso de ciências sociais, constituindo meu quinto e último item deste
capítulo. Tal compreensão foi composta por uma divisão analítica entre discentes e docentes do
curso, em suas relações sociais e elaboração de estratégias de ensino, mormente através dos
professores contratados.
Por fim, o terceiro capítulo foi ordenado para a compreensão do conhecimento elaborado no
curso de ciências sociais. Pois já identificados seus agentes, tornouse possível perceber parte de
suas ações como relativas a determinados interesses e sentidos, em que a produção e ensino de
conhecimentos da área de ciências sociais foram interpretados como relativos a estes objetivos.
Assim, o terceiro capítulo foi dividido em três itens, em que o primeiro destinouse ao exame dos
currículos, programas das disciplinas e curso especial de didática do curso de ciências sociais. O
segundo tópico constou de uma análise detalhada dos conteúdos de cada uma das cátedras do curso
de ciências sociais, a fim de compreendermos tanto os conhecimentos arrolados na graduação,
como objetivos do curso de ciências sociais. Finalmente, o terceiro item tratou da relação entre
ciência e religião na FFCLPR e, sobretudo, no curso de ciências sociais. Examinei, assim, o papel
desempenhado pela filosofia e sua demanda como elemento integrador do ensino na Faculdade.
Assim como apresentado, passo agora ao debate de meus fundamentos teóricos.
1.2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Pensar o sentido e a fundação do primeiro curso de ciências sociais do Paraná, exigiu
compreender a consolidação de uma área e de um tipo de formulação de conhecimento racional e
acadêmico que estabeleceu seus próprios objetos e conquistou sua autonomia às disciplinas afins
(OLIVEIRA, 1995, p. 235). Tratandose aqui de um estudo que acompanha o processo de
institucionalização do curso de ciências sociais, buscamos compreender as correlações entre a
formação dessa nova área de conhecimento no Paraná e a própria sociedade paranaense que o
produziu, em seu processo de racionalização e modernização.
Buscamos, pois, apreender as dinâmicas, regras, ordens, enfim, a via de mão dupla
instaurada entre o curso, a FFCLPR e os agentes que tomaram parte em seu funcionamento,
efetivando a consolidação do curso de ciencias sociais. Nesse sentido, nosso trabalho em arquivo, a
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análise dos dados, as leituras e interpretações nos possibilitaram delimitar quatro grandes variáveis
para a compreensão dos nexos entre os agentes e a sociedade. Essas são: os currículos, as cadernetas
de frequência das disciplinas, os docentes e os discentes.
Relativamente às cadernetas, essas eram os livros de registro diário da disciplina, em que
deveriam ser registrados os nomes dos docentes e discentes, a frequência de ambos à disciplina, o
conteúdo lecionado, as formas de avaliação e as eventuais interrupções na condução das aulas,
como feriados, greves, palestras, idas à campo etc – entraremos em detalhes mais à frente. Tais
registros eram realizados pelos professores responsáveis pelas aulas. Por meio dos currículos e
cadernetas, foi possível compreender como os agentes pensavam e construíam o conhecimento
relativo às ciências sociais no período. Para tanto, foi essencial a sociologia do conhecimento de
Karl Mannheim.
Para o sociólogo, o propósito dessa sociologia era lançar luz às origens sociais do
pensamento. Ao questionar os fundamentos do conhecimento humano, Mannheim considerou não
haver entidades metafísicas quaisquer que originassem o conhecimento. Para ele, o conhecimento
possível de ser concebido e conhecido era aquele referente ao homem, que existe em um
determinado contexto históricosocial concreto e o produz.
Porém, não se tratava de um indivíduo tomado isoladamente, isto é, embora as ideias
tivessem origem no homem, elas não se explicavam exclusivamente por sua experiência particular
de vida (MANNHEIM, 1972, p. 30). A sociologia do conhecimento compreendia, portanto, que
“quem pensa não são os homens em geral, nem tampouco indivíduos isolados, mas os homens em
certos grupos que tenham desenvolvido um estilo de pensamento particular em uma interminável
série de respostas a certas situações típicas características de sua posição comum” (ibidem, p. 31).
Sendo a maneira pela qual os homens percebem, interpretam e transformam o mundo
decorrente de sua condição de grupo, historicamente localizada, o pensamento é compreendido,
conforme Mannheim, como um fenômeno parcial, socialmente enraizado, cujas origens estão no
grupo que o produz. Sociologicamente, a questão passou a ser a identificação do ponto fulcral de
onde emanam as condições de pensamento. Negouse, portanto, a universalidade do pensamento,
para assumir sua função em determinado contexto.
Por meio desse suporte teórico, analisamos os currículos do curso, bem como as cadernetas.
Com efeito, percebemos a constituição de um tipo de ciência social construído em relação às
condições ques seus agentes vivenciavam concretamente: as origens do entendimento e produção
das ciências sociais da FFCLPR foram, pois, construídas por agentes que vivenciavam e
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compartilhavam visões de mundo decorrentes de suas posições historicamente localizadas, seja o
CEB, seja a elite local, por exemplo. Não se trata, contudo, de explicar um conhecimento através da
conjuntura vivenciada pelos indivíduos que o produziram e, sim compreender as articulações entre a
produção de um conhecimento e os agentes que o confeccionaram.
Coube a nós, portanto, investigar tanto o conhecimento aqui produzido, em termos de seus
agentes, estratégias, conteúdo, referências a autores, enfim, pesquisar se houve um único projeto
para as ciências sociais ou isoladamente para cada uma das disciplinas que compunham o currículo.
Buscouse, com efeito, compreender o que eram as ciências sociais da FFCLPR à altura, em que
nossas fontes privilegiadas foram as cadernetas de frequência e os currículos do curso.
Por outro lado, a investigação dos docentes e discentes possibilitounos examinar as relações
sociais vivenciadas no curso de ciências sociais e da FFCLPR, de maneira mais ampla. Ao entender
as relações sociais e os agentes envolvidos na constituição do curso e da Faculdade, percebemos
estratégias e sentidos dados às suas ações naquele interím; ademais, apreendemos assim o lugar do
curso dentro da instituição mais ampla da FFCLPR, seus recursos, negociações, regulamentos,
ordens, em suma, os estratagemas arrolados pelos agentes, a fim de que se alcançassem
determinados objetivos junto ao curso ou à FFCLPR.
Nesse sentido, Max Weber nos ajudou a apurar nosso problema de pesquisa. Pois a
sociologia weberiana é, sem grandes pormenores, “uma ciência que pretende compreender
interpretativamente a ação social e assim explicála casualmente em seu curso e em seus efeitos”
(WEBER, 2012, p. 3). Isto é, em termos gerais, o cientista deve buscar compreender o sentido da
ação levada a cabo pelos agentes, observando seus desdobramentos e regularidades dentro de uma
singularidade histórica. Desta maneira, não se constroem explicações acerca da realidade social
estudada e, sim, compreensões através dos nexos regulares estabelecidos entre as relações sociais
em momentos históricos particulares.
O ponto de partida de Weber era a compreensão das ações sociais dos indivíduos. Por ação
social o sociólogo compreendia aquelas ações cujo sentido subjetivamente visado tem por
orientação a conduta do outro agese por referência à probabilidade de determinada conduta por
parte de outro agente (WEBER, 2012, p. 4). Tratase, portanto, de uma análise elaborada a partir do
indivíduo, na medida em que busca compreender o sentido que orienta a sua ação. Visto que as
ações sociais são interações entre dois ou mais agentes, constituem relações sociais. Para Weber,
relações sociais são relações em que há reciprocidade quanto ao conteúdo do sentido que orienta a
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ação entre os agentes – ou seja, estes agem interpretando as ações dos demais agentes e orientam
sua própria ação tendo por base esta interpretação.
Para nós, essa metodologia foi essencial, pois permitiunos reconstituir a cadeia de ações
envolvidas na direção da fundação e funcionamento do curso, bem como os sentidos visados pelos
agentes na composição de suas relações sociais e propósitos. Pensamos, pois, a constelação de
interesses que motivaram ou não tomadas de ação como a fundação do curso, escolha do corpo
docente, seleção de professores auxiliares e assistentes, entre outros, de forma a compreendermos o
sentido que esses agentes atribuíam para o curso de ciências sociais da FFCLPR. Isto é, como se
produziram determinadas orientações, sob particulares circunstâncias, que concorreram para o
exercício de suas agências e objetivos visados.
Embora Mannheim e Weber sejam nossos referenciais teóricos privilegiados, é necessário
ainda destacarmos alguns aspectos da teoria de Basil Bernstein. Acionamos sua compreensão acerca
das dinâmicas institucionais e históricas de produção dos currículos escolares na interpretação da
grade currilar do curso de ciências sociais da FFCLPR. Para Bernstein, o processo educativo é
constituído por meio das relações estabelecidas entre as práticas pedagógicas, avaliação e o
currículo. Em particular, seu exame do processo educativo permite o exame das práticas que
transformam a infinidade de conteúdos possíveis em conteúdos válidos ao ensino e, por isso
mesmo, legítimos.
Em sua análise, Bernstein associou as relações de poder aos procedimentos de seleção dos
conhecimentos a serem transmitidos, isto é, o estabelecimento dos conhecimentos legítimos ao
ensino. Quanto à transmissão destes conteúdos, Bernstein a examinou à luz de dinâmicas de
controle: quanto mais enquandrado o conhecimento, maior controle teria o professor em sua
transmissão; quanto menos enquadrado, mais o processo educativo seria voltado aos alunos.
A caracterização do currículo é dada, nesse sentido, a partir da noção de classificação.
Classificação representa, para Bernstein, a formulação de fronteiras entre as disciplinas e os
conteúdos instituídos na grade curricular. Assinala, nesse caso, as aproximações e distanciamentos
entre os conteúdos do currículo. Se o conhecimento é altamente classificado, tratase de um
currículo de coleção, cujos conteúdos são especializados e bem definidos. Por outro lado, se os
conteúdos estão fragilmente isolados e suas fronteiras são menos nítidas, tratase de uma fraca
classificação, isto é, de um currículo de integração.
Por meio das noções de controle, classificação, enquandramento e poder, Bernstein atinge
compreender as articulações entre currículo, pedagogia e avaliação. Através de tais noções seria
17
possível, pois, a apreensão das dinâmicas de seleção, integração ou afastamento das disciplinas e
transmissão de seus conhecimento através de maior ou menor controle por parte do professor ou
alunos. Tais elementos viabilizam, com efeito, uma análise das relações estruturais imbrincadas na
produção dos conteúdos presentes nos processos educativos.
A partir dessa breve explanação teórica, queremos destacar a construção da nossa
interpretação sobre a fundação e funcionamento do curso de ciências sociais, constituída sobretudo
através da compreensão do conhecimento elaborado e das relações sociais no espaço do curso e da
FFCLPR. Com efeito, entendemos que, na prática, tanto a compreensão da origens sociais do
conhecimento quanto do sentido das ações dos agentes estão imbrincadas, visto que foram esses
agentes, em suas relações sociais, que produziram o conhecimento das ciências sociais da FFCLPR.
Faremos, pois, uma discussão, por meio da análise das cadernetas e currículos, sobre o saber
produzido e, mediante o exame sobretudo das relações dos/entre docentes e discentes, uma
compreensão das relações sociais na instituição, com vistas a entender o sentido da fundação e
funcionamento do curso de ciências sociais da FFCLPR de 1938 a 1960.
1.3 CIÊNCIAS SOCIAIS REGIONAIS
Investigar o sentido da fundação e funcionamento do curso de ciências sociais, exigenos
uma compreensão tanto sobre os intelectuais do país, quanto acerca das fundações das Faculdades
de Filosofia, Ciências e Letras por aqui; além da apreensão do espaço que estas ocupavam no
projeto de mudança e modernização do país ansiado pelos próprios intelectuais, (auto)encarregados
de diagnosticar e remediar a situação políticosocial do Brasil (BÔAS, 2002, p. 132). Nesse
momento, portanto, discutiremos brevemente alguns trabalhos sobre as Faculdades de Filosofia e as
ciências sociais em estados como Paraná e Rio Grande do Sul, buscando mapear os estudos sobre a
institucionalização da área fora do eixo Rio de JaneiroSão Paulo. Em seguida, contudo,
retomaremos a biografia de referência sobre São Paulo e Rio de Janeiro, por entendermos a
importância que ambos estados têm para a compreensão da constituição das ciências sociais no país.
A literatura das ciências sociais acerca de sua própria institucionalização no Brasil tem se
debruçado, majoritariamente, sobre os casos históricos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e,
em menor medida, Minas Gerais e Pernambuco. Pesquisadores e pesquisadoras de renome na área,
como Sérgio Miceli, Simon Schwartzman, Glaúcia Villas Boa entre outros, tiveram como base de
suas reflexões os casos centrais acima citados. Assim, poucos são os estudos que tomam por objeto
a institucionalização da área em outros estados brasileiros, constituindo uma baixa compreensão das
18
dinâmicas e construções regionais das ciências sociais pelo Brasil.
Estudiosos e estudiosas como Márcio de Oliveira, Nelson Tomazzi, Maria Tarcisa Bega,
entre outros, lançaram luz à essa discussão no livro As Ciências Sociais no Paraná (2006), em que
buscaram reconstituir alguns dos processos sóciohistóricos que permitiram a instituição e
manutenção de Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no estado, bem como de alguns dos
cursos paranaenses de ciências sociais3. O esforço desses pesquisadores residiu no fato de, como
salientou Oliveira, compreenderem “a variante regional como o padrão de institucionalização das
ciências sociais no Brasil” (2006, p. 13).
No Paraná, o processo de institucionalização das ciências sociais foi particularmente atípico,
pois o primeiro curso da área foi fundado em 1938, quando da instituição da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras do Paraná em Curitiba. Isto é, embora sua fundação tenha se dado junta, ou em
proximidade, às fundações dos primeiros cursos da área – Escola Livre de Sociologia e Política,
1933; Universidade de São Paulo, 1934 e Universidade do Brasil, 1939, ainda assim o Paraná não é
um estado considerado nos estudos sobre o tema. Para Oliveira (2006), tal fenômeno seria devido,
sobretudo, à marginalidade políticocultural do estado no Brasil; endossa essa consideração o fato
de, até hoje, existirem apenas os dois estudos sistemáticos sobre as ciências sociais da FFCLPR.
Um deles é o trabalho de conclusão de curso de Gabriel Oganauskas (2006), em que se
discutiu a constituição do curso de ciências sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), de
1938 a 1968. Enfatizando as dinâmicas de fundação da FFCLPR, o pesquisador considerou haver
forte ingerência católica tanto na elaboração do projeto da FFCLPR, quanto em sua manutenção ao
longo das décadas. A intelectualidade católica curitibana teria se aproximado do projeto da
FFCLPR, para Oganauskas, em razão de, já há mais de uma década, constituir o Centro de Estudos
Bandeirantes instituição cultural do laicato católico curitibano para dicussão de questões de fundo
filosofante, literário, científico e religioso – e, também, por sua preocupação em diagnosticar e
sanar os percalços da modernização do Paraná.
Assim, em sua interpretação, a FFCLPR foi fundada em 1938, fruto de duas diferentes,
porém conexas, iniciativas: dos intelectuais católicos do CEB e dos intelectuais das Faculdades de
Medicina, Direito e Engenharia do Paraná, que buscavam a reunificação da Universidade do Paraná.
No mesmo ano, passava a funcionar o curso de Ciências Sociais: intermitente, com baixo número
de alunos, expressivo contingente de catedráticos membros do CEB e apoio de professores
3Neste caso, o livro traz diferentes artigos que debatem a fundação e funcionamento do curso de ciências sociais da daUniversidade Federal do Paraná (1938), da Universidade Estadual de Londrina (1973), da Universidade do OesteParanense (1998), e da Universidade de Maringá (2000).
19
assistentes.
Além de Oganauskas, Nelson Tomazi também se debruçou sobre o tema no artigo
“Considerações preliminares sobre a institucionalização da sociologia no Paraná, 1938 – 1963”
(2006). Tratandose de um trabalho anterior ao de Oganauskas, Tomazi foi sua fonte principal. Para
além do que já foi exposto, portanto, Tomazi reconstituiu duas grades curriculares do curso, em que
destacou as disciplinas de sociologia, antropologia e economia, além da ativa atuação do
antropólogo José Loureiro Fernandes na constituição de um espaço de pesquisa e discussão para a
antropologia – sobretudo através da fundação de centros e institutos de pesquisa, museus,
congressos, entre outros.
Focando nas três grandes atuais áreas das ciências sociais – antropologia, ciência política e
sociologia, Tomazi considerou institucionalizadores os esforços de Loureiro Fernandes na área de
antropologia, ao passo que a sociologia, a cargo de professores auxiliares de frágil formação
intelectual nas ciências sociais, demoraria a constituir um campo de atuação e pesquisa, e sobre a
ciência política, houve poucas informações. Era um curso, dessa maneira, de frágil consolidação de
uma agenda de investigações, sustentado por professores auxiliares e que dialogava com conteúdos
filosóficos e, eventualmente, católicos. Tais questões serão esmiuçadas mais à frente.
Em que pesem as más condições do arquivo da FFCLPR descritas por Oganauskas e
Tomazi, questões como a seleção dos professores auxiliares e dos livredocentes, relacionamento
entre os discentes e maiores informações sobre o currículo e ementas das disciplinas foram apenas
parcialmente respondidas. Ainda assim, são trabalhos importantes e, também, as únicas duas
investigações sistemáticas, até o momento, sobre o curso de ciências sociais da atual UFPR.
Outros estados fora do eixo RioSão Paulo também apresentam escassa produção acadêmica
quando se trata do processo de institucionalização de suas ciências sociais. Destacando o baixo
número de estudos sobre o tema no Rio Grande do Sul, Lorena Madruga Monteiro (2006) estudou o
processo de consolidação da sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
de 1940 a 19704. Em um contexto brasileiro de renovação católica, a UFRGS, segundo a autora,
esteve intimamente vinculada à elite católica local, tendo essa papel preponderante no desenho e na
seleção dos docentes das Faculdades de Ciências Econômicas e Filosofia da instituição. Neste
sentido, o trabalho intelectual organizado nestas faculdades teria sido largamente orientado por
referenciais e personalidades católicas, no que se destacou a figura de Laudelino Teixeira de
4O título completo do trabalho é: A estratégia dos católicos na conquista da sociologia da UFRGS. Dissertação demestrado defendida em 2006 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, programa de pósgraduação em CiênciaPolítica.
20
Medeiros, primeiro catedrático de sociologia da instituição.
Laudelino de Medeiros pertenceu ao laicato católico gaúcho e era formado em
Administração e Finanças pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas de Porto Alegre. Para
a autora, a análise da trajetória catedrática de Medeiros evidenciou a importância da geração
católica na constituição da UFRGS, bem como o nascimento da sociologia universitária gaúcha
dentro da Faculdade de Administração e Finanças da instituição. Por esses motivos, tratouse de
uma sociologia entrelaçada à economia e referenciada ao catolicismo francês, a Le Play e Jacques
Valdour, além dos brasileiros Amaral Fontoura e Alceu Amoroso Lima.
Em “Os primeiros mestres de antropologia das faculdades de filosofia” (1982), Thales de
Azevedo, antropólogo baiano e excatedrático de antropologia da Faculdade de Filosofia da Bahia,
refletiu sobre a formação em medicina dos primeiros antropólogos das faculdades de filosofia do
Brasil. Sendo ele mesmo formado em medicina, destacou as redes de contato que projetavam esses
médicos à docência de antropologia, bem como as concepções, em início do século XX, da
antropologia como uma espécie de morfologia humana ou mesmo capítulo da zoologia, o que lhe
tornava afim à medicina. Ao tratar de sua própria trajetória na Bahia, salientou os entraves
decorrentes da formação em medicina para o exercício da antropologia, como a falta de orientações
bibliográfica e metodológica e de pares para a discussão deste conhecimento. Daí refletir Azevedo
sobre o lugar da Bahia no processo de desenvolvimento da antropologia:
O caso da Bahia é muito particular; a Bahia, mesmo geograficamente, está muito longe doRecife, muito longe de Belo Horizonte e muito longe do Rio de Janeiro e, então, ainda maisdifícil era viajar e encontrar outras pessoas; independente disto, não havia um meio deencontrar as pessoas que trabalhavam no mesmo terreno. Dentro das Faculdades, é precisoregistrar isto, também não havia intercâmbio entre os professores; não havia inicialmentedepartamentos, mas cursos, como que se chamava o de geografia e história; somente depoisse criou o de ciências sociais. Tive sempre muito boas relações com os colegas, porém,nunca consegui conversar com os mesmos sobre o que ensinavam e o que eu ensinava paraver se chegávamos a qualquer entendimento. Não houve maneira (1982, p. 271).
Tratando dessa questão, a pesquisadora Maria Brandão, ao analisar a trajetória de Azevedo
no artigo “Thales de Azevedo: ciclos temáticos e vigência na comunidade científica” (2005), trouxe
à luz alguns dos esforços do antropólogo em constituir um ambiente acadêmico para a antropologia
na Faculdade de Filosofia da Bahia, como os Seminários de Antropologia, inaugurado em 1953, e o
Instituto de Ciências Sociais (ICS), fundado em 1962. A partir do ICS, Azevedo pôde associar
ensino e pesquisa, além de promover “cursos pioneiros de pósgraduação em ciências sociais fora
do Rio de Janeiro e São Paulo” (p. 305). Em suas aulas, relatou Brandão, Azevedo trabalhava os
eixos temáticos da antropologia física e da evolução humana, além de discutir temas da
21
antropologia social, como o povoamento de Salvador, por exemplo (p. 303).
Às palestras, aulas e debates coordenados por Azevedo, compareciam diversos antropólogos
de renome, como Edison Carneiro, Pierre Monbeig, M. Herskovits, G. Herbert Blumer entre outros
(BRANDÃO, p. 305). Com isso, queremos destacar que tais atividades denotavam a diligência do
antropólogo em desenvolver o cenário antropológico baiano; contudo, no entendimento de Brandão,
poucos foram e são os estudos destinados à compreensão da trajetória do antropólogo e da
antropologia por ele elaborada.
Por outro lado, ao pensarmos as constituições das ciências sociais em Minas Gerais e
Pernambuco, conforme interpretou Sérgio Miceli em “Por uma sociologia das Ciências Socias”
(1989), se sobrassaem as alianças entre os intelectuais e os membros das elites dirigentes locais.
Tratandose de, quando comparado a São Paulo, contextos de menor complexidade quanto aos
postos de trabalhos e à estratificação social, bem como à formação de um mercado de bens
culturais, os projetos intelectuais mineiros e pernambucanos estiveram intimamente conectados às
elites locais e à figuras de liderança, como foi o caso de Júlio Barbosa em Belo Horizonte, e de
Gilberto Freyre em Recife.
No entendimento de Miceli, Júlio Barbosa, ao aliarse à elite belo horizontina, constituiu
uma rede de apoio junto ao governo federal mineiro que propiciou, através de recursos públicos,
apoios material e econômico a seus nascentes projetos intelectuais. Os quadros intelectuais
mineiros, especialmente aqueles vinculados à instituições culturais, configuraramse como
“extensões domésticas do poder político mantenedor” (1989, p. 16), visto que tencionavam
compreender as razões do dito atraso mineiro e reinserir o estado nas dinâmicas político
econômicas nacionais. Tal seria uma das razões de as ciências sociais em Minas Gerais haverem
constituídose em diálogo com o direito e a economia, uma vez que essas eram áreas fundamentais
para o exercício e manutenção dos negócios e poderes das elites locais. Daí surgir, como destacou
Miceli, o programa de ciências sociais no interior da Faculdade de Ciências Econômicas de Minas
Gerais; essa proximidade teria, ainda, impresso ao curso e aos cientistas sociais uma preocupação e
senbilidade às questões de âmbitos jurídico, político e institucional.
A formação do campo intelectual em Recife, por outro lado, deuse tanto através de redes de
contato e dinâmicas junto às elites locais, quanto pela tutela de protetores políticos. Os postos de
trabalho para os intelectuais pernambucanos circunscreviamse em duas grandes modalidades: sua
entrada em orgãos públicos, dada a proximidade dos intelectuais com a elite dirigente local, e a
tecetura de trabalhos intelectuais encomendados por agentes políticos; no interím dessas atividades,
22
buscavam por ambientes para atuar como docentes ou pesquisadores (MICELI, 1989, p. 1617).
Com efeito, a liderança intelectual de Gilberto Freyre no estado viabilizou, em 1949, a construção
de um espaço institucional autônomo para as ciências sociais, independente dos centros
universitários e da esfera políticojurídica de Pernambuco: o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisa
Sociais.
Rumando para São Paulo, Sérgio Miceli analisou, em “Os condicionantes do
desenvolvimento das ciências sociais no Brasil (19301964)” (1989), a constituição dos cursos de
ciências sociais em São Paulo, na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) e na Universidade
do Estado de São Paulo (USP), e no Rio de Janeiro, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB). Para o autor, as fundações no eixo RioSão Paulo produziram duas grandes tradições de
ciências sociais no Brasil: uma modalidade de estudo e intervenção políticosocial – Rio de Janeiro,
e outra de cunho mais acadêmico e científico – São Paulo (1989, p. 15). Em sua análise, entre 1930
e 1964 não houve qualquer iniciativa universitária brasileira, relacionada às ciências sociais, que
fosse desvinculada de ações e/ou projetos políticos. Em especial, o projeto da Universidade de São
Paulo5 guardou íntima proximidade com os anseios de formação de uma elite intelectual capaz de
diagnosticar e sanar os problemas da sociedade brasileira de 19306.
Em vista disso, como apontou Simon Schwartzman, a fundação da Universidade de
São Paulo pôde ser compreendida antes como um projeto político do que como uma proposta
educacional (1979, p. 194). A base desse projeto políticouniversitário era a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCLUSP), centro da universidade, em que seriam realizadas pesquisas sem
finalidades práticas diretas, visando o conhecimento puro e universal. Destarte, seria formada a
requerida elite intelectual capaz de liderar e acelerar o desenvolvimento do país.
O modelo universitário da FFCLUSP foi calcado na experiência de ensino superior
francesa fundamentada na filosofia e na laicidade, mas também centralizada no poder do Estado e
na divisão de funções e formações ofertadas (CAMPOS, 2006, p. 07). Para Sérgio Miceli (1989, p.
104), esse dado representou uma ruptura com os projetos universitários brasileiros anteriores, afins
que eram das ciências jurídicas, além de sinalizar para um posicionamento de distância em relação à
5Nesse momento, focaremos nas ciências sociais da Universidade de São Paulo, de cunho mais científico e acadêmico.Contudo, é significativo para a experiência paulista a Escola Livre de Sociologia e Política, cujos objetivos primárioseram fornecer técnicos e conhecimento passíveis de serem utilizados em orgãos, instituições, projetos, enfim, aplicáveisaos problemas diagnosticados em São Paulo.6Como ressaltou Sérgio Miceli, a crise de hegemonia social e cultural vivenciada pelas elites oligárquicas brasileirasfrente a modernização paulista nas primeiras décadas do século XX contribuiu largamente para construção deinstituições de ensino superior no Brasil especialmente pelo potencial dessas em cultivar intelectuais capazes de reporos quadros dos grupos em conflito, renovandoos para a liderança do país (1979, p. XVII).
23
intervenção política concreta. Sua dinâmica interna era ancorada em preceitos científicos e
acadêmicos, isto é, havia “uma preocupação marcante com o treinamento metodológico, as leituras
dos clássicos, o trabalho de campo individual e/ou em equipe e toda uma socialização acadêmico
disciplinar” (MICELI, 1989, p. 114). O progresso da ciência, através da pesquisa desinteressada, e a
formação de especialistas nortearam, pois, as relações intramuros da Faculdade, bem como seus
objetivos junto a sociedade.
Se o tipo de ciências sociais praticado na USP pautavase nesses objetivos, como era,
então, a ciência social do Rio de Janeiro? Para Sérgio Miceli (1989), na então capital federal houve
acentuada ingerência da esfera política sob as experiências universitárias no período de 1939 a
1948. Tal situação marcaria, por um lado, a agenda de pesquisa das instituições fluminenses, e, por
outro, engessaria as possibilidades de institucionalização das ciências sociais, pois que entravava
sua autonomia acadêmica. Nesse sentido, as modalidades, aspirações e objetivos das pesquisas
realizadas no estado privilegiaram temas interligados ao debate político. Isto é, as preocupações que
nortearam suas agendas de pesquisa motivaramse pelas possibilidades de intervenção e
organização nas e das esferas econômica, política, enfim, do planejamento social do Rio de Janeiro
– marcavase assim uma diferenciação entre as ciências sociais fluminenses e as paulistanas
(ALMEIDA, p. 49). Célebre e herdeiro desse tipo de entendimento e prática das ciências sociais foi
o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), fundado em 1955 no Rio de Janeiro.
Contudo, há que se destacar a presença da Igreja Católica na constituição do ensino
superior fluminense. Em “As ciências sociais no Rio de Janeiro” (1995), Lúcia Lippi de Oliveira
discutiu a constituição da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), da Universidade do Brasil
(UdB), em 1939. A partir da relação entre o intelectual católico Alceu Amoroso Lima e o então
ministro da educação e saúde, Gustavo Capanema, a pesquisadora analisou a proximidade da
nascente FNFi com o grupo católico. Visto que a UdB constituiuse após a dissolução da
Universidade do Distrito Federal7, parte de seu quadro docente foi composto pelos antigos
professores da UDF; no caso da FNFi, Alceu condicionou sua entrada à instituição a não
7A Universidade do Distrito Federal foi criada em 1935 e liderada por Anísio Teixeira, intelectual e educadorbrasileiro, mais conhecido pela ativa participação no Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932. Teixeira, entãoSecretário da Educação, pretendeu organizar uma universidade aberta às questões propostas pelos reformadores daEscola Nova; uma universidade alinhada, portanto, aos debates, preocupações e objetivos da intelectualidade brasileirareformadora (MARTINS, 1986, p.30). No entanto, a UDF manteve suas atividades apenas até 1939, quando foidissolvida pelo Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema. Para Luciano Martins (1986), o desmanche da UDFfoi articulado tanto por um contexto de ebulição política no Rio de Janeiro, quanto pela recepção negativa da IgrejaCatólica à iniciativa; Alceu Amoroso Lima foi o último administrador da UDF até seu fechamento, quando já debatia afundação da FNFi com Capanema. Formalmente, contudo, o fechamento da UDF deuse em razão de seu nãoequiparamento ao modelo universitário exigido pelo Ministério da Educação (OLIVEIRA, 1995, p. 246).
24
transferência dos antigos docentes da UDF para a FNFi, em uma atitude que, conforme interpretou
Oliveira, sinalizou o projeto de instituição que se queria fundar, bem como uma negação aos
propósitos e objetivos da universidade proposta por Anísio Teixeira8 (OLIVEIRA, 1995, p. 247).
Nesse sentido, considerou Miceli que, no Rio de Janeiro, apenas foram bem sucedidas até 1964 as
experiências de ensino superior geridas pela Igreja Católica (1989, p. 9).
Com efeito, nos textos acima debatidos são claras as peculiaridades regionais de cada
fundação, que se desdobraram, a partir das instituições e consolidações dos cursos, em motivações
e objetivos diferentemente visados e legitimados. Não há, pois, condições de falarmos em um único
processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Nesse sentido, para compreendermos
o curso de Ciências Sociais da FFCLPR temos de buscar pela própria trajetória institucional das
ciências sociais aqui no Paraná, interpretandoa em suas próprias singularidades e afinidades às
experiência acimas descritas, num contexto de constituição de uma ossatura acadêmica nacional.
Um estudo sobre o curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras do Paraná, acreditamos, tem informações a acrescentar sobre a produção de conhecimento no
estado e as redes de agentes acionadas para a fundação e funcionamento do curso, objeto de poucos
trabalhos acadêmicos. Ademais, contribui para a compreensão da institucionalização das Ciências
Sociais no Brasil, pois que investigar as manifestações regionais de formação de uma estrutura
acadêmica é importante para compreender os nexos entre ciência e sociedade, numa perspectiva
abrangente.
Assim, esse trabalho buscou compreender o sentido da fundação do curso de ciências
sociais da FFCLPR em 1938 e sua consolidação até 1960. Pretendemos, a partir da consulta aos
materiais empíricos, reconstituir as relações entre os agentes e o conhecimento elaborado e
difundido no curso durante o recorte estabelecido. As considerações derivadas da análise dos
materiais e também da literatura sugeriram uma série de novas informações e compreensões sobre a
complexidade da institucionalização das ciências sociais por aqui. Antes, contudo, de as
debatermos, gostaria de discutir algumas singularidades dos arquivos da UFPR.
8Isso não quer dizer, contudo, que a FNFi fosse extritamente católica e, sim, que sofreu a ingerência da Igreja Católicaem sua constituição. Como salientou Oliveira (1995), Alceu Amoroso encontrou resistências na Faculdade de Direito daUdB: o intelectual católico não foi aprovado nos concursos para as cátedras de Economia Política, em 1932, eIntrodução à Ciência, em 1933, a despeito de sua posição de destaque na FNFi e junto ao Ministério da Educação(OLIVEIRA, 1995, 247248).
25
1.4 ARQUIVOS
Ainda que não haja um estudo sobre a história da constituição dos arquivos da UFPR, nosso
campo nos arquivos e conversas com a responsável pelo arquivo do SCH lançaram luz à algumas
situações institucionais da UFPR, que consideramos relevantes para a compreensão da
institucionalização do próprio curso de ciências sociais.
Acerca do trabalho em arquivo, explorei a sugestão de Olívia Cunha sobre a etnografia em
arquivo. Essa seria, pois, uma “modalidade de investigação antropológica que toma determinados
conjuntos documentais, mais especificamente as coleções e os arquivos pessoais […], como campo
de interesse para uma compreensão crítica acerca das formas de produzir histórias” (CUNHA, p.
291). O arquivo é encarado, pois, como uma instituição que organiza e cristaliza o conhecimento
possível de ser conhecido, sobretudo através de suas lógicas classificatórias e cronologias;
destacamse, assim, os mecanismos de exclusão de determinados documentos, na medida em que
esses deixam de compor os arquivos e são excluídos das narrativas.
O foco da atenção passa, pois, às dinâmicas de constituição dos arquivos e classificação dos
documentos, tomandoas como objeto de percepção crítica acerca da elaboração das fontes
possíveis (ibidem, p. 294). Há, com efeito, uma crítica à naturalização do trabalho em arquivo e das
fontes supostamente neutras ali alocadas. Com isso, abrese a possibilidade de apreender “como
certas narrativas profissionais foram produzidas e como sua invenção resulta de um intenso diálogo
envolvendo imaginação e autoridade intelectual” (ibidem, p. 296). Se constroe, dessa forma, uma
relação de objetivação e subjetivação dos dados documentados, isto é, das narrativas “contadas”
pelos documentos, por meio da apreensão das práticas arquivísticas. Nesse sentido, destacarei
alguns aspectos da classificação dos arquivos da UFPR.
A UFPR não possui um arquivo unificado, onde todos os documentos sobre a universidade
estejam catalogados e reunidos. Atualmente, o arquivo da UFPR se constitui em diferentes
arquivos referentes aos setores da instituição, sob responsabilidade de diversos arquivistas. Os
arquivos são, pois, fisicamente separados, seja por andares, seja por campus. Cada um dos arquivos
encontrase catalogado diferentemente, isto é, possui seu próprio protocolo e código de
armazenamento, organização e consulta, inclusive no tocante ao acesso dos pesquisadores, que
devem solicitar um acesso específico para cada arquivo. Para além disso, alguns setores estão agora
higienizando e arquivando seus documentos, enquanto outros arquivos ainda não têm sequer seus
materiais organizados.
Segundo consta no relatório do Arquivo do Setor de Ciências Humanas de 2017, esse
26
arquivo foi apenas recentemente organizado, a partir dum projeto de gestão documental aprovado
na UFPR em 2008 (CASTRO, 2017, p. 3). Isto é, mais de sessenta anos de documentação estava
apenas depositada em uma sala, com precárias condições de acesso ou consulta. O resultado era
“um ambiente insalubre, com documentos mofados, sujos e espalhados pelo chão” (ibidem). Os
trabalhos anteriores que se debruçaram sobre o curso tiveram, pois, contato com esse arquivo do
SCH, de modo que suas consultas muitas vezes foram dificultadas pelas condições do arquivo
(OGANAUSKAS, 2006, p. 59). Nesse sentido, por realizarmos nossa pesquisa após a organização
dos arquivos do SCH e do SE, tivemos a oportunidade de consultar e acessar novos documentos,
antes não reputados na construção das hipóteses e considerações dos estudos sobre o curso de
ciências sociais da FFCLPR – exploraremos esse tópico mais à frente.
Outro aspecto a se destacar é a lotação dos documentos nos arquivos. Segundo a responsável
pelo arquivo da SCH, os documentos dos arquivos da UFPR são inamovíveis, ou seja, não podem
ser transferidos de um arquivo para o outro, independentemente de se referirem a cursos,
departamentos ou discentes de outros setores. A documentação mais antiga do curso de ciências
sociais está alocada no arquivo do SE, pois que foi inicialmente lá armazenada; ao mesmo tempo, a
documentação mais recente sobre o curso está no arquivo do SCH. Os documentos estão, pois,
dispersos por entre os arquivos, a despeito de seus temas ou assuntos. Essa dispersão do material
muitas vezes dificultou tanto a localização quanto a consulta ao documento.
A despeito da reestruturação do SCH, ainda assim a documentação sobre o curso de ciências
sociais é escassa, havendo poucos materiais pra além das cadernetas de frequência das disciplinas,
cuja própria preservação é intermitente. Há pouco mais documentos, como históricos escolares, atas
de reuniões do Conselho Técnico e Administrativo (CTA) da FFCLPR, relatórios anuais etc – esses
presentes no arquivo do SE, que nos permitiram a reconstituição de algumas características
institucionais do curso. Com efeito, o que chama a atenção é o baixo número de documentos
preservados na instituição desde sua fundação.
Diferentemente, portanto, de outras instituições, como a Universidade de São Paulo ou o
Museu Nacional, que concentram seus documentos em um único arquivo, a UFPR tem um arquivo
fragmentado por setores e que, somente a partir de 2008, começou a se constituir – período em que
os quatro primeiros arquivistas da universidade foram contratados (CASTRO, 2017, p. 3). Com
isso, gostaria de destacar a relação entre os arquivos das universidades e a formação de uma
memória institucional, visto que os documentos arquivados se constituem enquanto fontes
privilegiadas das histórias das instituições (FLORES, 2013, p. 13).
27
Não pretendo aqui realizar uma explanação sobre história e memória e, sim, discutir um
aspecto que se destaca quando pensamos a relação entre os arquivos e as produções de memórias
institucionais. Uma vez que os documentos, em si, não se constituem enquanto memória, mas
enquanto elementos que permitem e promovem a sua constituição, arquivos como o da UFPR,
fragmentados, dispersos e recentes, revelam o quê sobre a própria instituição? A leitura da
bibliografia sobre as ciências sociais no Paraná ou sobre os intelectuais do estado sugere que o lugar
do Paraná na constituição do cenário intelectual brasileiro é periférico, ou seja, de pouca
visibilidade ou impacto no que se refere à produção intelectual, sobretudo se comparado a estados
como Rio de Janeiro ou São Paulo. Nesse sentido, a baixa preservação documental da UFPR e a
própria fragmentação da documentação parecem sintomáticas desse lugar periférico.
Por fim, gostaria de comentar brevemente os principais documentos encontrados no arquivo
de SCH, que são, como já dito, as cadernetas de frequência das disciplinas. Essas são diários de
classes, em que estão anotados os nomes completos dos discentes e docentes, o comparecimento de
ambos às aulas, os conteúdos ministrados e, em alguns casos, as formas de avaliação da disciplina.
De 1943 a 1969, existem 268 cadernetas no arquivo do SCH, em que o grosso dessas está entre
1955 e 1969 – há cadernetas de período posterior a 1969, porém não as contabilizamos.
Como o curso esteve fechado de 1939 a 1942 e, novamente, de 1946 a 1949, há somente as
cadernetas de 1943 a 1945 e a partir de 1950; há cadernetas, portanto, de todos os anos em que o
curso funcionou, mas não de todas as disciplinas e turmas, à exceção das cadernetas da primeira
turma – 1938 a 1940, que não foram encontradas. Dessas 268 cadernetas, selecionamos as primeras
79 pelo volume de material, finalizando nossa análise no ano de 1959. Buscamos prestar atenção na
quantidade e gênero dos alunos, na duração das disciplinas, no corpo docente, na atuação dos
professores auxiliares, no conteúdo ensinado e, por fim, às interrupções que aparecem descritas nas
cadernetas como greves, cursos, seminários, falas de professores, leitura de encíclicas católicas,
entre outras coisas.
Como destacou Gabriel Oganauskas (2006, p. 60 61), tanto para sua análise, quanto para a
de Nelson Tomazi foram utilizadas apenas 66 cadernetas, em que 44 eram de sociologia e 22 de
antropologia. Não foram analisadas, pois, as cadernetas das demais 11 cadeiras do curso, que
tivemos a oportunidade de investigar. Dessa forma, examinamos 79 cadernetas referentes a 21 anos
de funcionamento do curso, enquanto que Oganauskas analisou 66 cadernetas para 30 anos.
Também seu exame quanto ao conteúdo do curso se iniciou em 1944, enquanto nós tivemos acesso
a dados de 1938, de modo a reconstituirmos o primeiro currículo do curso e sua primeira turma.
28
Além disso, destacamos os materiais encontrados no arquivo do SE, do CEB e Anuários da
FFCLPR, que nos permitiram reconstituir, quase completamente, a relação dos professores em
exercício no curso, quaisquer que fossem suas modalidades de contratação, e dos alunos. Com
efeito, lançamos mão de um conjunto de dados inédito sobre o curso de ciências sociais da
FFCLPR.
Para além das cadernetas, investiguei nos arquivos do CEB as atas de reunião ordinária dos
livros II e III do Círculo de Estudos Bandeirantes, assim como os livros de atas de reunião
extraordinária e de atas do Conselho Diretor do CEB; além dos documentos da Coleção José
Loureiro. No arquivo do SE tive como fontes principais as Atas dos Concursos de LivreDocência
nº 2, 19581961; Atas dos Concursos para Catedrático nº 1, 19441965; Contratos de professores
substitutos, 19431950; Atas dos exames do curso de ciências sociais e políticas, 1938; Atas:
Reuniões ordinárias e extraordinárias da secção de sociologia, 19521953; Livro ponto
departamento de antropologia, 1958; I Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Filosofia do
Paraná; Lavratura das Atas do Conselho Geral da Faculdade de Filosofia do Paraná; Atas do
Conselho TécnicoAdministrativo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná e Instituto
de Educação anexo (1938) e o Termo de matriculas nº 01 19381943. Não obstante, foram
analisados outros documentos, tais como: Históricos escolares completos de todos os alunos
matriculados em 1941 no curso de Didática; Matéria lecionada nas várias cadeiras [do curso de
didática] durante o ano letivo; e Cópia das Atas do CTA Referentes ao Curso [de didática], entre
outros. Para além, analisei também os anuários da Faculdade de Filosofia e Universidade do Paraná
de 1941 a 1960.
Com efeito, estes foram os documentos principais utilizados para reconstituir parte da
dinâmica do curso, especialmente em seus aspectos formais: currículos, disciplinas, professores
catedráticos, livredocentes e auxiliares, discentes, conteúdos, turmas, entre outros. O acervo do
CEB, em especial, proporcionou uma série de informações sobre os professores catedráticos, visto
que esses eram membros do Círculo, e, principalmente, viabilizou incontáveis dados sobre o
professor José Loureiro Fernandes e a antropologia por ele praticada. Contudo, também no CEB a
documentação diretamente referente ao curso de ciências sociais é pequena, constituindo, o grosso
da documentação, um acervo sobre as atividades geridas pelo professor Loureiro Fernandes em sua
carreira profissional – que, como veremos, era bastante ativa.
Por fim, a entrevista com exaluno Constantino Comninos foi também valiosa, à medida que
lançou luz à dúvidas que tínhamos, trouxe novas informações e dados qualitativos sobre o curso e
29
as relações sociais na FFCLPR. A partir desse conjunto de dados, pudemos compreender algumas
das faces do processo de institucionalização do curso de ciências sociais da FFCLPR, como
veremos a seguir.
30
2 CAPÍTULO 2: OS AGENTES DA MODERNIZAÇÃO
Neste capítulo buscaremos, pois, reconstituir a gama de agentes e relações sociais que
tiveram lugar na fundação e funcionamento do curso de ciências sociais da FFCLPR. Nos importa
identificar, portanto, as conexões entre os agentes cujas ações concorreram para a criação e
manutenção da Faculdade e, por conseguinte, do curso, para apreendermos o sentido que estes
emprestaram à estas ações. Divido em quatro eixos, o primeiro apresenta as discussões de
modernização do Paraná através de instituições de ensino superior; o segundo, dialoga sobre
catolicismo e modernidade, em especial o Centro de Estudos Bandeirantes, em Curitiba; o terceiro,
trata da fundação e projeto da FFCLPR; e finalmente, o quarto, investiga o curso de ciências sociais
da instituição à nível de seus agentes e relações sociais.
2.1 PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO
As primeiras décadas do século XX no Brasil foram particularmente agitadas. Com efeito,
pesquisadores como Luciano Martins (1986) e Daniel Pecaut (1989) compreenderam os anos 1920
como períodochave para a consolidação do papel dos intelectuais por aqui – e isso nos é importante
pois esses mesmos intelectuais estiveram a frente ou participaram das discussões sobre o ensino
superior no Brasil. Conforme Martins, o cenário do período fora composto, em São Paulo
sobretudo, por diversos conflitos de interesses entre as velhas elites estabelecidas e as classes
médias urbanas ascendentes. Tais acontecimentos marcaram uma tomada de posição dos
intelectuais brasileiros, que foram parte ativa nestas discussões, seja na esfera política – através dos
debates acerca do Estado Novo, seja na esfera cultural – por meio, sobretudo, da Semana de Arte
Moderna, de 1922. O essencial é compreender que nesse ínterim constituiuse um grupo
preocupado com as questões nacionais, que se debruçou sobre elas e procurou traçar um plano de
ação para o Brasil, pautada em sua própria história e seu desejado futuro moderno (MARTINS,
1986, p. 19).
A preocupação com a modernização do Brasil através da criação de instituições
também foi uma constante no Paraná. Fundada em 1912, a Universidade do Paraná (UP) foi fruto de
uma iniciativa privada, liderada por Nilo Cairo e Victor Ferreira do Amaral9, que pretendia
modernizar o estado por meio da técnica e profissionalização. Tratavase, pois, de uma ideia de
9Nilo Cairo da Silva (18741928) foi um intelectual paranaense, formado em engenharia militar pela Escola Militar doRio de Janeiro e em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Victor Ferreira do Amaral (18621953),por seu turno, formouse também em medicina pela mesma instituição; foi considerado o “reitor de sempre” daUniversidade do Paraná (CAMPOS, 2006, p. 64).
31
modernização pautada nas profissões bacharelescas, tais como engenharia e medicina10. Assim, os
cursos ofertados pela UP eram Agronomia, Comércio, Direito, Engenharia, Cirurgia, Medicina,
Obstetrícia, Odontologia e Medicina Veterinária; já os cursos ou a Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras foram suprimidos do rol de graduações (CAMPOS, 2006, p. 96). Isso não significou,
contudo, a exclusão dos conhecimentos científicos do projeto, visto que esses saberes eram
utilizados conforme a demanda ou solicitação dos demais cursos, e, sim, caracterizou a preocupação
intelectual à altura, qual seja, a formação de técnicos e bacharéis como via de modernização do
estado (ibidem, p. 64).
A Universidade do Paraná existiu até 1915, quando a reforma Maximiliano centralizou
no Estado o direito à fundação de universidades, sendo permitida a criação de instituições
particulares na medida em que essas fossem equiparáveis às federais. No entanto, não havia
universidade federal no Brasil no modelo da UP, motivo pelo qual essa teve de ser desmembrada
nas Faculdades de Medicina, Engenharia e Direito do Paraná (WESTPHALEN, 1988, p. 16).
Deste período até as primeiras reuniões de fundação da FFCLPR em 1937, o cenário
nacional passou por inúmeras mudanças, no que se destacaram a Reforma Francisco Campos de
1931, a Revolução Constitucionalista de 1932, o Manifesto dos Pioneiros de Educação Nova
também de 1932, entre outros. Conforme Valéria Floriano Machado, o Paraná não ficou alheio a
essas transformações, nem tampouco a UP. A grosso modo, o Paraná, sob a interventoria de Manoel
Ribas11 durante o Estado Novo, passou por um rígido processo de controle econômico e político,
que visava “fragilizar as forças locais, garantindo assim a execução dos planos econômicos e
políticos nacionais” (MACHADO, 2009, p. 122). Foi no limite dessa conjuntura que começaram as
negociações para a fundação de uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no Paraná.
De maneira geral, a Reforma Francisco Campos buscou homogeneizar e centralizar no
Estado brasileiro o controle sobre o ensino superior, em uma estratégia característica da Era Vargas.
A fim de alcançar tais objetivos, diversas mudanças foram instauradas no cenário educacional; entre
10Como ressaltou Cunha Filho (!988), à altura crescia à afinidade entre o modelo de organização político brasileiro – aRepública e uma ideologia do progresso calcado na atuação dos profissionais bachareis. Havia um reconhecimento eautoridade creditados aos bachareis, sobretudo médicos e engenheiros, que os constituía enquanto portadores de umamissão civilizatória legítima à sociedade brasileira. Tal missão era orientada pelo discurso da técnica e da modernizaçãodo urbano, ou seja, pela construção de rodovias, portos, inclusão de tecnologias na vida diária, saneamento, entreoutros. Entendiase, pois, que apenas os bachareis poderiam conduzir o Brasil neste processo de modernização; motivopelo qual, nesse período, o ideal de modernização esteve associado aos bachareis e à técnica (1988, p. 99).11Manoel Ribas (18731946) foi um político paranaense, interventor do Paraná de 1932 a 1945. De origem familiarabastada, chegou ao cargo de interventor por indicação do então presidente Getúlio Vargas. Ribas o conheceu duranteseu mandato como prefeito da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. É considerado um dos grandes estusiastasde projetos educacionais e industrializadores do Paraná (COSTA, 1997, p. 49).
32
elas, a permissão para a criação de universidades particulares no Brasil, desde que constituídas por,
no mínimo, três faculdades equiparáveis à Universidade do Rio de Janeiro. Essas poderiam ser as
faculdades de direito, medicina, engenharia e a particularmente nova no Brasil faculdade de
educação, ciências e letras (MENDONÇA, 2000, p. 138). Relativamente à última, a Reforma
Campos lhe atribuiu uma dupla agenda de atividades: priorizou a formação de docentes para os
ensinos básicos e secundários, ao mesmo tempo que a instituiu como núcleo de promoção e
formação de investigações puras de cultura superior (ROTHEN, 2008, p. 153).
Além disso, no tocante às ciências sociais, foilhe conferido caráter profissional do
mesmo quilate que profissões renomadas como direito e medicina. Também sua aprendizagem
passou a ser obrigatória no ensino secundário, forcejando a formação de professores para tanto.
Outros cursos foram abertos nessa época, como pedagogia, farmácia e publicidade, por exemplo.
Houve, pois, uma nova divisão do trabalho intelectual com a complexificação das carreiras. Para
Valéria Machado (2009, p. 133), a profissionalização contribuiu para o entendimento da sociologia
como instrumento racional de compreensão do homem e das sociedades modernas.
Em 1937 foram conduzidas por Omar Gonçalves da Mota, então secretário de Estado
do Interior e Justiça do Paraná e catedrático da Faculdade de Direito do Paraná, as primeiras
reuniões para fundação de uma faculdade de filosofia em Curitiba. Mota fora convencido da ideia
por Homero de Mello Braga, pois já anteriormente Mello Braga estava a discutir tal empreitada com
Milton Carneiro, tensionando “criar em Curitiba um colégio universitário, de nível médio, a
exemplo da iniciativa tomada por São Paulo” (HOERNER JUNIOR, 1993, p. 32). Acreditamos que
o colégio universitário a que se referiu Valério Hoerner Júnior era uma das iniciativas do Instituto
de Educação da Universidade de São Paulo (IEUSP), fundado em 1934 e dirigido por Fernando
Azevedo. O IEUSP marcou, pois, a primeira experiência a nível universitário de formação de
professores para os ensinos básico e secundário. Para tanto, abrigava em anexo jardim de infância,
escolas primária, secundária (propedêutica) e de professores (profissional), centro de psicologia
aplicada e centro de puericultura. Na escola de professores, formavamse docentes primários e
secundários, diretores e inspetores escolares (VIDAL, 2016, p. 1422). No caso paranaense, para
criarem uma instituição deste tipo nos parâmetros da Lei Francisco Campos, era necessária uma
faculdade de filosofia.
Os motivos que levaram Omar da Mota a assumir a ideia não são claros. Ainda assim,
nos dias subsequentes a seu encontro com Mello e Braga, Mota travou contato com outros
33
professores das faculdades isoladas do Paraná e personalidades intelectuais de Curitiba, visando
entusiasmar a elite intelectual paranaense pelo projeto (HORNER, 1993, p. 33). Entre as pessoas
contatadas por Mota, estava Loureiro Fernandes, intelectual e membro do Centro de Estudos
Bandeirantes. Após o contato com Fernandes, o projeto de fundação da FFCLPR foi encampado por
parte intelectuais de Curitiba que, preocupados com o desenvolvimento e progresso do estado, o
conduziram e congregaram diversas personalidades políticas em seu entorno. Ainda que tais
intelectuais e Loureiro Fernandes fossem conectados pela confissão católica, seus anseios e projetos
à FFCLPR foram diferentemente orientados pelo catolicismo, pela ciência e por outros fatores,
como veremos.
Para Valério Hoerner Júnior, o entusiasmo de Omar da Mota com o projeto da
Faculdade, assim como as facilidades que promoveu à fundação da mesma – como a instalação de
sua primeira sede na Assembleia Estadual do Paraná, poderiam ser entendidas à luz de disputas
políticas. Entre 1937 e 1939, Mota ocupou inteirinamente o cargo de interventor estadual do Paraná,
quando Manoel Ribas, o interventor do estado, necessitou se ausentar. Particularmente em 1939,
houve a constituição de manobras políticas para que Motta substituísse permanentemente Ribas na
interventoria do estado. Ao saber de tal estratégia, Manoel Ribas o teria demitido do cargo de
secretário do estado do Paraná e impedido a constituição de uma carreira política posterior no
estado; esse motivo levaria Mota a se transferir posteriormente para o Rio de Janeiro (HOERNER,
1993, p. 33).
Endossa essa hipótese o fato de em 1939, logo após fundada a Faculdade, emergirem
uma série de conflitos entre Manoel Ribas, Omar da Mota e a FFCLPR. Em especial, Ribas fora
apenas parcialmente informado acerca dos trâmites de fundação da Faculdade e desconhecia as
facilidades concedidas por Mota à instituição. Após constatar a participação de seu exsecretário na
fundação da Faculdade, extinguiu todas as facilidades concedidas por ele, recindiu o contrato entre
a FFCLPR e o ginásio paranaense e forcejou a demissão de membros da diretoria da FFCLPR. No
entendimento de Hoerner Junior, as ações de Ribas orientaramse por motivos puramente pessoais,
visto que o interventor era um grande entusiasta de projetos educacionais. A motivação última de
suas ações seria, pois, a exclusão de Mota do campo político paranaense, após a fracassada manobra
política em substituirlhe (HOERNER, 1993, p. 34). Por outro lado, acreditamos que as decisões de
Mota em omitir suas atividades de Ribas e coordenar a fundação e funcionamento da Faculdade
mantinham nexo com a estratégia política que intentou realizar. Pois, como veremos, a FFCLPR foi
fundada por membros da elite política e intelectual parananense, e, assim, Mota conseguiria
34
articular um privilegiado grupo de apoiadores e entusiastas de seus projetos e carreira política.
Não concordamos, portanto, com a compreensão estruturada por Névio de Campos
(2006) acerca dos expedientes iniciais para fundação da FFCLPR. Para Campos, as mudanças
advindas com a Lei Francisco Campos teriam fomentado os debates sobre a fundação de uma
faculdade de filosofia, ciências e letras no Paraná, especialmente por parte dos docentes da
desmembrada UP. Em 1937, Omar da Mota, Milton Carneiro e Homero de Melo Braga,
conduziriam os primeiros debates oficiais para a criação de uma Faculdade de Filosofia em
Curitiba; para Campos, visavam sobretudo a reestruturação da Universidade do Paraná (2006, p.
143). No entanto, se a fundação da FFCLPR fosse pautada pela finalidade de reestruturar a UP, tal
já poderia ter sido feito, visto que desde 1931, com a Lei Francisco Campos, era permitida a
constituição de universidades a partir da integração de três faculdades isoladas (ROTHEN, 2008, p.
145). Desde o início do século XX haviam no Paraná as Faculdade de Direito, Engenharia e
Medicina; com efeito, a restauração da UP poderia ter ocorrido pelo menos seis anos antes da
fundação da FFCLPR12.
Para além, acreditamos que compreender a FFCLPR à luz das disputas políticas e dos
agentes envolvidos em sua fundação, sem subsumíla a um expediente pragmático, como a
reestruturação da UP, permite compreender mais complexamente suas finalidades e objetivos;
principalmente quando temos em vista, como veremos, o lugar ocupado pela FFCLPR no projeto de
modernização do Paraná. Com efeito, em nosso entendimento houve uma simbiose de distintos
agentes para a formação da FFCLPR, motivo que, por si só, fez desse projeto uma iniciativa não
apenas voltada à reestruturação da UP, mas também pensado através de distintas perspectivas e
objetivos intelectuais e políticos.
Não obstante, tendo em vista a predominância de intelectuais católicos sobre o projeto,
discutiremos agora alguns aspectos do Círculo de Estudos Bandeirantes, centro cultural em que se
reunia parte substantiva dos intelectuais de confissão católica envolvidos com a fundação da
FFCLPR.
12Para além, como veremos, quando do reestabelecimento da Universidade do Paraná, em 1946, houve um conflitoacerca da orientação da Universidade; em termos gerais, se esta seria pautada pela técnica e profissionalização ou pelafilosofia neotomista. Tal tensão sugere, portanto, que a FFCLPR tinha seu projeto próprio, pensado conforme seusobjetivos, ao invés de ser uma instituição concebida em termos tão somente de possibilitar a reunificação da UP.
35
2.2 CATOLICISMO E MODERNIDADE
Com a fundação da UP, perseguiuse na instituição o objetivo de modernizar o estado
através da profissionalização e da técnica, como visto. Não obstante, duas décadas após floresceram
algumas percepções acerca da necessidade de estudos orientados sem finalidades práticas e voltados
ao desenvolvimento cultural e intelectual do estado. Com efeito, a década de 1930 marcou em
Curitiba um período de preocupação e diagnósticos dos rumos do Paraná, pois se entendia que a UP
estava a conduzir o estado para uma “civilização da máquina” (ANUÁRIO…, 1946, p. 46).
Tais percepções e entendimentos da realidade social paranaense foram formulados
sobretudo por intelectuais de confissão católica, reunidos em centros de estudos e agremiações
laicas. Dessas agremiações, interessanos o Círculo de Estudos Bandeirantes, visto sua
preponderância nas negociações para fundação, manutenção e projeto da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras do Paraná.
A fundação e estabelecimento do CEB, bem como as atividades e planejamentos que tinham
lugar em suas reuniões – discutiremos à frente mantinham íntimo nexo com as políticas da Igreja
Católica, especialmente em seu projeto de restauração do catolicismo, dandolhes mormente um
sentido. Para Teodoro Hanicz (2006), a fundação do CEB em 1929 foi promovida e pensada em
termos da restauração católica, projeto operado pela Igreja Católica no ocidente desde o fim do
império napoleônico. Nesse período, a Igreja Católica adotou uma série de estratégias visando
retomar sua hegemonia perdida, pois com a modernidade estabeleceuse uma conjuntura de
questionamento aos mandamentos, direitos e privilégios da Igreja, encorajada sobretudo pelo
desenvolvimento da ciência e dos Estados laicos.
2.2.1 O movimento de restauração católico
O movimento de restauração propriamente dito iniciouse com o pontificado de Leão XII
em 1823. Inicialmente, a Igreja condenou a desordem e desequilíbrio da modernidade, uma vez que
os princípios cristãos deixavam de ser orientadores para a vida temporal. Viviase, em sua
percepção, uma conjuntura de mediocridade e anarquia moral, pois, em síntese, os valores e
preocupações temporais, sobretudo a ciência, granjeavam espaços e princípios antes organizados e
orientados pela moral católica atemporal.
A partir desse diagnóstico, a Igreja buscou reorganizar sua estrutura eclesiástica, de modo a
distinguirse das anárquicas instituições modernas, bem como colocarse em posição de destaque no
processo de salvação da modernidade – salvar era, com efeito, reorganizar a vida moderna
36
conforme os preceitos católicos (FRESSATO, 2003, p. 17). Para tanto, foram abertas novas
dioceses, centros de catequeses e feitos investimentos na instrução dos padres. Apenas em 1878
haveria uma mudança na orientação do movimento: reaproximavase, pois, o catolicismo do mundo
moderno a partir duma perspectiva da Igreja como “mãe e guia moral da civilização e a religião
como a base da convivência humana” (HANICZ, 2006, p. 22). Para tanto, buscou a Igreja atuar na
esfera cultural, na estruturação de políticas dos Estados e intervir na realidade social concreta.
Relativamente à esfera cultural, houve uma abertura da religião católica à ciência e
intelectualidade; isso foi possível sobretudo em razão da filosofia tomista revivida pela Igreja por
meio da encíclica Aeterni Patris, de 1879. Grosso modo, o (neo)tomismo compreendia ser possível
o exercício da ciência e da prática religiosa, visto que a ciência era um conhecimento parcial,
calcado apenas no empírico, enquanto que a religião, por sua vez, era um saber total que englobava
e orientava o empírico (FRESSATO, 2003, p. 1819). Ou seja, em um diálogo com a modernidade,
a Igreja abriuse à produção de conhecimento intelectual e científico, desde que esses fossem
conformados aos princípios católicos.
Cabe ressaltar que o processo de Restauração teve como seu principal agente o leigo. Porém,
não qualquer leigo, mas o leigo intelectual, organizado em agremiações, engajado emprojetos culturais ou aquele que produz cultura e contribui para o crescimento da ciência eda sociedade a partir da visão católica. Portanto, tratase de uma camada social que elaborauma agenda e um projeto de ação no campo da cultura (HANICZ, 2006, p. 176).
Isso atestou, pois, uma estratégia da Igreja em se aproximar do mundo e de seus
agentes, no sentido de formálos sob um prisma católico de entendimento da vida temporal. Ao
mesmo tempo, sinalizou a “permanência do catolicismo como uma religião que possui um
arcabouço de valores, uma visão e interpretação do mundo e deseja continuar sendo uma proposta
de orientação para a sociedade moderna” (ibidem), para além, pois, de uma simples luta de resgate
da tradição católica hegemônica ou de condenação da modernidade por si mesma.
No Brasil, o processo de restauração da Igreja ganhou força a partir da década de
1920. Durante as primeiras décadas do século XX buscouse, pois, reformar romanizadamente o
credo e rito católico no país, afastandoo da religião católica lusobrasileira até então dominante
(BEOZZO, p. 345). Para tanto, foram trazidas diversas congregações e ordens religiosas da Europa
para o Brasil, de modo a instituir sua reforma no país. Com efeito, essa premissa europeizada
dirigiuse mormente às elites brasileiras, por meio da instituição de colégios católicos e de uma
aproximação com a intelectualidade católica brasileira.
Conforme Tânia Salem (1982), foi a partir da relação entre Dom Leme, arcebispo das
37
dioceses de Olinda e Recife, e o intelectual católico Jackson Figueiredo que se iniciou uma
mudança na conduta da Igreja brasileira. Buscouse, pois, uma aproximação da Igreja com os
leigos, num registro de “cooptação de intelectuais”; para tanto, a hierarquia eclesiástica católica
elaborou uma estratégia de ação junto ao laicato católico, a fim de que esse lutasse e alastrasse a
cultura católica de volta à sociedade brasileira, especialmente a nível políticopartidário (SALEM,
1982, p. 6). O núcleo de promoção desse pensamento foi o Centro Dom Vital (CDV), centro de
estudos católico, e a revista A Ordem, valioso instrumento de difusão dos valores católicos no país.
Com a entrada e liderança de Alceu Amoroso Lima no CDV em 1928, foram
experimentadas mudanças quanto às orientações da Igreja no país. Pretendeuse, sobretudo,
distanciar o Centro das disputas partidárias e cultivar uma sólida cultura superior; com Alceu
Amoroso “a função espiritual da Igreja estaria estreitamente ligada a uma missão cultural”
(SALEM, 1982, p. 13). Assim, no próprio Centro Dom Vital foram instituídas conferências
filosóficas, sociológicas, educacionais e religiosas. Tencionavam, pois, construir um sólido
conhecimento intelectual e religioso, de modo a formar um grupo de homens especializados na
trasmissão de uma cultura superior de horizonte confessional (ibidem, p. 25).
Várias dessas situações desdobraramse também em Curitiba. Criada em 1894, a diocese de
Curitiba teve sua expansão a partir de 1906, quando assumiu sua direção o bispo Dom João
Francisco Braga ele ficaria de posse da diocese até 1935. Braga esforçouse por estabelecer uma
rede de ensino católica no Paraná, regida por congregações religiosas europeias e femininas; nesse
período, seriam fundados 20 colégios e educandários. Conforme Hanicz (2006, p. 179), à essas
instituições de ensino comparecia a elite paranaense; observouse no Paraná, portanto, a
constituição de uma nova mentalidade católica através do alto, isto é, por meio da educação dos
filhos da elite.
2.2.2 O Centro de Estudos Bandeirantes
Ainda que fundado sob a égide do movimento de restauração, o CEB não foi uma iniciativa
direta da Igreja e, sim, do padre Luiz Gonzaga Miele e dos leigos José Mansur Faranir Guérios e
José Loureiro Fernandes. No entanto, a presença do padre Miele garantiu ao Círculo uma liderança
católica atualizada e em sincronia com as intenções reformadoras da Igreja (CAMPOS, 2011, p.
138). A ideia desses três fundadores era constituir um centro de estudos católico, ou seja, uma
sociedade cultural, assim como havia nas metrópoles brasileiras e, de modo geral, ocidentais. Por
meio de um esclarecimento de horizonte católico neotomista, o CEB guardava o objetivo de
38
compreender e resolver problemas intelectuais e morais, esmerar o espírito e fortificar o caráter dos
homens curitibanos (FRESSATO, 2003, p. 4).
Haja visto a existência prévia de agremiações católicas em Curitiba, como a União dos
Moços Católicos de Curitiba, a ideia logo encontrou eco e, após sua fundação, o CEB já contava
com oito novos membros: Antônio de Paula, Benedito Nicolau dos Santos, Bento Munhoz da Rocha
Neto, Carlos de Araújo Brito Pereira, José de Sá Nunes, Liguarú Espírito Santo, Pedro Ribeiro
Macedo da Costa e Waldemiro Teixeira de Freitas (HANICZ, 2006, p. 210). Esses eram, no dizer
de Névio de Campos (2011), personalidades da elite curitibana, em especial os vinculados à família
Munhoz da Rocha ou Fernandes. Os bandeirantes articulavam status, condição financeira e titulação
acadêmica, de modo a constituírem uma “camada social privilegiada” em Curitiba (CAMPOS,
2011, p. 137).
Após tempo considerável de debates e conflitos entre os católicos e anticlericais em
Curitiba13, o CEB, enquanto centro cultural católico, tinha em suas premissas o esforço de
recrudescer a moral católica entre os intelectuais paranaenses (FRESSATO, 2003, p. 6). Pois se
diagnosticava um esmorecimento dos valores católicos na modernidade devido a dois grandes
fatores: a devoção do homem moderno ao mundo material, de modo a deslocar os valores longêvos
e duradouros do catolicismo à esfera doméstica, além de tensionálos à concorrência com outros
preceitos; e a vulgaridade do pensamento moderno, entendido como parcelado e, por isso,
superficial, uma vez que não atingia a totalidade do pensamento humano. Tais elementos estavam
enredados na composição do argumento maior de anarquia da modernidade: essa era, pois, o
esfacelamento da ordem católica tradicional e a emergência duma amálgama de interpretações do
mundo que pretendiam vigência na modernidade (FRESSATO, 2003, p. 56).
Tais preocupações correspondiam aos dilemas enfrentados pela Igreja Católica no período.
A sincronia entre esses questionamentos e o movimento de restauração da Igreja foram ações
orientadas pelo padre Miele mesmo após sua saída do Círculo em 1931, continuou a orientar os
membros do CEB com aconselhamentos através de cartas. Contudo, de sua saída em diante, a
direção do CEB se constituiu integralmente por católicos leigos. Para Loureiro Fernandes, membro
fundador, o sentido da existência do CEB era ser um centro cultural, porém católico;
diferentemente, portanto, de uma instituição estritamente confessional e sob controle de autoridades
da Igreja (CAMPOS, 2011, p. 144).
Haja visto a complexidade do CEB e de suas finalidades, seu intuito último foi, enquanto
13Sobre o tema, ver Maria Tarcisa Bega, Letras e política no Paraná: simbolistas e anticlericais na República Velha.
39
centro cultural, a formação de um laicato católico intelectualizado, isto é, o cultivo cultural de
católicos leigos com vistas não só à composição de um saber católico e, sim, à constituição de um
grupo de homens com sólido conhecimento intelectual, orientados pela moral católica e envolvidos
no diagnóstico e resolução dos problemas – autodiagnosticados da modernidade paranaense
(HANICZ, 2006, p. 229). Tais problemas eram, com efeito, a mediocridade do pensamento
paranaense, a ausência de reflexão intelectual desinteressada, a perda dos valores e moral católicos
na condução da vida dos indivíduos e na realidade social.
Se esse era o projeto mais amplo do CEB como centro cultural católico, a nível individual
seus membros compartilhavam diferentes pertencimentos à religião católica. Esse foi o caso, por
exemplo, de Loureiro Fernandes: conjugando desde a juventude o entusiasmo pela ciência e a
religião católica, Loureiro refletia o católico leigo de início do século XX interessado pelo
conhecimento científico e preocupado com os desdobramentos da modernidade. Contudo, foi
perceptível a mudança de orientação do intelectual quanto ao catolicismo ao longo dos anos, fato
expresso sobretudo na carta enviada por Loureiro ao padre Luigi Castagnola em 1955. Nessa,
atestou o intelectual esperar “que não perturbem a serenidade de suas convicções religiosas e
demanda que não falem mais sobre o assunto, pois este cabia somente ao íntimo de cada qual”
(DRESCH, 2016, p. 26). Tal pedido deuse num contexto em que o padre buscou compreender o
que denominou como “crise religiosa” do intelectual, visto que esse estaria se afastando dos
princípios católicos ao longo da vida. A troca de correspondências se encerrou com a afirmativa do
padre acerca de seu conhecimento, pela primeira vez, de que o intelectual já não era mais católico
(ibidem). No entendimento de Gabriella Dresch (2016), a trajetória acadêmica de Loureiro e seus
projetos científicos, bem como seu trânsito entre diversas instituições, inclusive as católicas,
imprimiram ao intelectual uma localização ambígua no campo religioso, cuja expressão mais
acabada foi a carta enviada ao padre Castagnola.
Por outro lado, por exemplo, Bento Munhoz da Rocha Neto, membro do CEB desde sua
fundação e reconhecido católico fervoroso, expressou ao longo de sua trajetória tanto seu credo
católico quanto sua compreensão de mundo via neotomismo. Ao largo de sua vida intelectual e
política, entrelaçou noções e princípios cristãos ao seu discurso de progresso, de modo a constituir
um futuro ordenado e moral ao Paraná, especialmente em sua vida política Bento Munhoz foi
governador do Paraná na década de 50 (CORDOVA, 2009, p. 14).
Destacamse, pois, as diferenciações internas ao CEB e a composição de um projeto católico
que, ancorado no neotomismo – veremos à frente, permitiu a conjugação de diferentes convicções
40
sobre catolicismo, ciência e intelectualidade. Para além, tal percepção permitenos melhor
compreender as agências e objetivos que, individualmente, foram tomados pelos membros do CEB
no espaço da FFCLPR, ao invés de reduzir suas ações a um único sentido católico.
O CEB contava com uma dupla agenda de atividades, isto é, de formação
intelectual e disseminação de conhecimento de horizonte católico em Curitiba. Quanto ao cultivo
intelectual de seus próprios membros, destacamos suas reuniões e o curso de filosofia neotomista,
ministrado pelo padre Jesus Ballarin, de maio de 1935 a dezembro de 1936. As reuniões ordinárias
do CEB eram semanais, apenas para os membros e contavam com exposições temáticas realizadas
pelos próprios bandeirantes; poderiam ser abordados quaisquer temas desde que ancorados nos
princípios católicos (CAMPOS, 2011, p. 140). Tinham lugar, pois, discussões que iam desde
semântica até a cronologia préhistórica, permitindo aos membros a construção, aprimoramento e
compartilhamento de um vasto repertório científico; para além disso, privilegiavam discussões
sobre o Paraná, celebrando a história e cultura paranaense (HANICZ, 2006, p. 236).
Relativamente a irradiar para a sociedade mais ampla seus conhecimentos e discussões, o
faziam por meio da Revista do CEB, fundada em 1934, assim como através de sessões
extraordinárias e da fundação de instituições de ensino, como a FFCLPR. Percebese, dessa
maneira, uma estratégia tanto para difundir suas concepções e visões de mundo, quanto para
dialogar com a modernidade e tomar parte nesse processo, conduzindoo.
A leitura das atas das reuniões ordinárias permitiu, pois, reconstituir alguns dos
contatos do CEB com o movimento de reação católica, mormente com o intelectual Alceu Amoroso
Lima, correspondente honorário do Círculo14. O intelectual é significativamente mencionado como
embasamento para discussões de assuntos como educação e da Ação Católica Brasileira, além de
serem lidos textos seus nas reuniões ordinárias – por exemplo, “No limiar da idade nova” ou “A
Igreja e o momento político”15. Sugerese, pois, a sincronia do CEB com as ambições mais amplas
da Igreja Católica no Brasil, sobretudo no tocante às disputas pelo campo pedagógico, visto que
ambos compreendiam a educação como afim ao catolicismo, dado sua natureza integral, de
formação completa do caráter humano (HANICZ, 2006, p. 280). Outrossim, os membros do CEB
colaboraram com investigações realizadas por Alceu Amoroso e tomaram parte nas reuniões
preliminares de fundação, ainda que não tenham feito parte dela, da Confederação das Associações
Católicas, além de auxiliarem na promoção de debates sobre a Ação Católica16. O CEB esteve,
14Livro 3 de reuniões ordinárias, ata nº 230, 1935, p. 30.15Livro 3 de reuniões ordinárias, atas: n º229, 1935, p. 30; nº 235, 1935, p. 38, respectivamente.16Livro 3 de reuniões ordinárias, atas: nº 244, 1936, p. 50; anexo 2 da ata de nº 250, 1936, p. 257, respectivamente.
41
conforme indica a documentação, alinhado às questões e posturas orientadas pela Igreja Católica
brasileira nas primeiras décadas do século XX.
O curso de filosofia neotomista foi um dos principais fundamentos para os
empreendimentos intelectuais de seus membros. Pois permitia o interesse pela ciência e o
desenvolvimento científico, uma vez que não compreendia ciência e religião como polos
mutuamente excludentes. Em verdade, percebiase a possibilidade de a inovação científica ser
orientada pelas premissas e ideais universais do catolicismo, à medida que se entendia o
conhecimento empírico (científico) como submetido e englobado pelos princípios extraterrenos do
catolicismo. Enfim, o neotomismo foi uma reapropriação da filosofia de São Tomás de Aquino à
luz dos dilemas intelectuais modernos, ou seja, através do tomismo pretendiase construir “uma
cristandade com uma nova face que se caracterizasse pela preocupação em construir um canal de
diálogo com a modernidade” (HANICZ, 2006, p. 260). E a modernidade, nesse momento, pautava
se sobretudo pelas inovações e desenvolvimentos científicos.
Internamente ao CEB, se constituíram, pois, diferentes intelectuais, com propostas e
percepções distintas do entrelaçamento entre ciência e religião. Embora seja difícil mensurar as
concepções individuais de cada um dos membros acerca do neotomismo, seria claro, décadas à
frente na FFCLPR, seus discernimentos distintos acerca do catolicismo. Particularmente no espaço
da FFCLPR, por exemplo, houve conflitos que puseram em embate os próprios membros do CEB
acerca do projeto educacional da Faculdade (MACHADO, 2009, p. 15). Foi o caso do conflito, em
1955, entre Homero Batista de Barros, então diretor da FFCLPR, e Paulo Duarte, redator da revista
Anhembi; iniciado através da defesa de Duarte a Bruno Enei, candidato adequadamente qualificado
à cátedra de Língua e literatura italiana que a perdeu para o padre Luigi Castagnola, cuja
qualificação era um título de notório saber conferido pela própria FFCLPR. O embate lançou luz a
uma direção fortemente católica da instituição, à medida que a querela tomava proporções e
adicionava novos acontecimentos ao conflito17. O interessante é perceber, pois, as posições
assumidas pelos intelectuais de confissão católica e membros do CEB dentro da FFCLPR: alguns,
tais como Loureiro Fernandes e Manoel Lacerda Pinto, manifestaram desagrado com a conduta de
Barros; outros, como Rosário Mansur Guérios, o defenderam. Destacamos assim, brevemente, a
existência de diferentes visões de mundo e finalidades entre os intelectuais que pertenciam ao CEB.
17Para mais informações, consultar: MACHADO, Valéria Floriano. Diatribes viperinas e digressões quixotecas:debates intelectuais e projetos educacionais na década de 1950. Curitiba, Programa de PósGraduação em Sociologia,UFPR.
42
Ao longo da década de 1930, ingressaram ao CEB novos membros, entre eles Arthur
Ferreira Santos, Homero de Barros, Brasil Pinheiro Machado, Osvaldo Piloto, Manuel Lacerda
Pinto, Flávio Suplicy de Lacerda, entre outros; os novos membros eram, igualmente, pertencentes a
famílias tradicionais da elite curitibana. As décadas de 30 e 40 marcaram, pois, períodos de intensa
atividade e debates no CEB, de forma a constituir uma agenda de atividades que ganhou corpo e
prestígio ao longo dos anos. Por meio de uma compreensão de mundo neotomista, enquanto centro
cultural, o CEB investiu em cultivar intelectualmente seus membros. Entre seus intuitos, esteve a
preocupação em orientar uma modernização de moral católica ao Paraná. Nesse sentido, alguns de
seus membros se imiscuíram no projeto de fundação da FFCLPR por entenderem, de maneira geral,
uma faculdade de filosofia como espaço propício para formação de homens afeitos às discussões
filosóficas e ao conhecimento puro.
2.3 OS MODELOS DE UMA FUTURA INSTITUIÇÃO
Em 1938, foi fundada em Curitiba a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do
Paraná. Como ressaltou Cecília Westphalen, sua constituição decerto foi inspirada pela fundação e
objetivos da FFCLUSP. No entanto, a base de sua organização foi baseada na Faculdade de
Filosofia de São Bento (FFSB), em São Paulo (HOERNER, 1993, p. 32). A FFSB foi fundada em
1908 por Miguel Kruse, abade da abadia de São Bento, onde foi instalada, por Paulo Rodrigues,
arcebispo metropolitano de São Paulo, e por Reynaldo Porchat, José Bonifácio de Oliveira
Coutinho e Adolpho Augusto Pinto, professores da Faculdade de Direito de São Paulo. A FFSB foi
a primeira instituição a sediar um curso superior de filosofia no Brasil (MUCHAIL, 1992, p. 01).
Para Salma Muchail (1992, p. 02), a fundação da FFSB teve por objetivo o diagnóstico
de uma situação defeituosa e singular no Brasil; essa situação seria a exclusão dos conhecimentos
filosóficos do ensino superior brasileiro. Pois afora as disciplinas de filosofia do ensino secundário,
apenas o curso de direito contava com alguma discussão filosófica. Conforme entendia Miguel
Kruse, tal estado de coisas conduzia a uma mediocridade científica, voltada integralmente para fins
utilitários e profissionais (ibidem). Portanto, era imprescindível a criação de uma faculdade de
filosofia e letras no Brasil.
Em 1909, buscaram pelo reconhecimento oficial da instituição junto ao Estado
brasileiro. No entanto, diante da negativa a tal preposição, a Faculdade de Filosofia de São Bento
agregouse à Universidade Católica de Louvain, na Bélgica; seus diplomas, ainda que não tivessem
43
reconhecimento oficial, tinham, pois, valor cultural (ibidem, p. 04). Em 1936 obteve o
reconhecimento oficial do governo brasileiro, readequandose ao modelo institucional da lei
Franciso Campos. Assim, passou a chamarse Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São
Bento (FFCLSB) e organizouse em quatro seções com os seguintes cursos: Filosofia (filosofia),
Ciências (matemática, física, geografia e história e ciências sociais), Letras (letras clássicas, neo
latinas, anglogermânicas) e Pedagogia (pedagogia e didática) (ibidem).
Conforme Valério Hoerner Júnior (1993), este modelo organizacional da FFCLSB
inspirou a estrutura da FFCLPR. Em 1937, Homero de Mello e Braga e Milton Carneiro foram à
Faculdade de São Bento estudar seu projeto estrutural. De lá, voltaram com os “currículos e
mecanismos burocráticos que serviram de base para a organização da primeira faculdade
paranaense” (HOERNER, 1993, p. 32). Assim, à altura de sua fundação, em 1938, a FFCLPR
apresentava o modelo organizacional da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento.
Porém, como situou Cecília Westphalen (1988, p. 10), com a criação da Universidade
do Brasil (UdB) em 193918, instituição federal articulada pelo então ministro da educação e saúde
Gustavo Capanema, foi prescrito um modelo universitário pelo qual as demais instituições de
ensino superior deveriam se orientar. Em especial, a Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da
UdB se tornou modelo nacional às faculdades congêneres e à preparação de professores para o
ensino básico (FAVERO, 1989, p. 12). A padronização das Faculdade de Filosofia foi decretada em
1939 pela lei n. 1.190, que previa a instituição da FNFi como instituição modelo ao Brasil. Houve,
portanto, uma readqueação da FFCLPR ao modelo da FNFi em 1939.
Estruturada a partir de quatro seções, Filosofia, Letras, Ciências, Pedagogia, mais a
Seção Especial de Didática, os cursos da FNFi se organizavam pelo modelo de formação
universitária 3+1. Isto é, os cursos seriados – de graduação – tinham duração de três anos, cuja
conclusão conferia o diploma de bacharel ao discente; caso desejasse licenciarse, o estudante
deveria cursar mais um ano na seção especial de didática (FAVERO, 1989, p. 11). De duração de
um ano, o curso de didática era organizado a partir de seis disciplinas anuais: didática geral, didática
especial, psicologia educacional, administração escolar, fundamentos biológicos da educação e
fundamentos sociológicos da educação. Uma vez que qualquer aluno de qualquer curso poderia
licenciarse, os programas destas disciplinas eram pensados de acordo com a grade curricular do
bacharelado de origem. Compreendese, com efeito, que o grande expediente da FNFi foi a
18Os debates e articulações iniciais para a fundação da Udb datam de 1937, com a propugnação da lei nº 452, de 5 demaio de 1937, que visava reorganizar a Universidade do Rio de Janeiro (WESTPHALEN, 1988, p. 10).
44
habilitação de um vasto corpo docente para as escolas secundárias.
No bojo, portanto, dessas orientações e perspectivas de ensino superior, a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná foi fundada em 1938 por 31 intelectuais ligados às
Faculdades de Direito, Medicina ou Engenharia, à Escola de Agronomia do estado e ao Círculo de
Estudos Bandeirantes. Instituição privada, inicialmente organizouse em três departamentos:
Filosofia, Ciências e Letras, mais o Instituto Superior de Educação. Em seu primeiro ano de
funcionamento adotou, pois, o modelo institucional da Faculdade de Filosofia de São Bento e,
posteriormente, da Faculdade Nacional de Filosofia. Abaixo discutiremos a implantação destes
modelos, sobretudo da FNFi, e os objetivos próprios da FFCLPR.
2.3.1 A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná
O anseio último de criação da FFCLPR foi a percepção de um atraso intelectual no
Paraná. Isto é, ainda que houvesse a fragmentada Universidade do Paraná, a falta de uma faculdade
de filosofia contribuía para o baixo nível intelectual do estado. Faltava um saber capaz de aglutinar
e dar um sentido cultural e aprofundado ao conhecimento técnico produzido pela fragmentada UP.
Nas palavras de Brasil Pinheiro Machado, paraninfo da primeira turma de formandos da FFCLPR
em 1940:
Ao par da necessidade da formação de técnicos, cresce, no Brasil, a necessidade daformação dessas “elites” intelectuais, voltadas aos problemas básicos e desinteressados doespírito, com economia de energia e com proximidade da vida real, porque dessesproblemas básicos do espírito é que descendem a possibilidade da técnica e a sua disciplina,como da inteligência depende a ordenação das coisas (ANUÁRIO…, 1941, p. 42).
Essa percepção do papel das universidades brasileiras como centros de formação não
apenas profissional, mas também intelectual era corrente na época, resultado de esforços para a
fundação de faculdades de filosofia desde os anos 1920 no Brasil. A rigor, a intelectualidade
brasileira entendia ser necessário romper com os limites técnicoprofissionais dos institutos de
ensino superior brasileiros, pois apenas por meio de um conhecimento puro e desinteressado se
atingiria modernizar o país (FAVERO, 2003, p. 110). Com efeito, os intelectuais da FFCLPR
entendiamse como essa elite intelectual encarregada de, através do conhecimento filosófico puro,
criar “um clima propício ao desabrochar de uma verdadeira liderança intelectual dentro do
desordenado ambiente cultural nacional” (ANUÁRIO…, 1941, p. 42).
Concebida a partir duma perspectiva neotomista, a FFCLPR se constituiu como espaço
de “convivência entre a tradição e a inovação” (CAMPOS, 2006, p. 142); neste sentido, expressava
45
um objetivo de ordenação da cultura brasileira a partir da filosofia católica. Com efeito, seus
intelectuais compreendiam a nação como uma cultura em constante transformação, cujo papel dos
intelectuais era mantêla viva, “em contínuo ajustamento de seus elementos às épocas, sem quebrar
a sua unidade e sua tradição” (ibidem). Ou seja, tratavase de um projeto modernizador atrelado à
tradição. Ainda que parcialmente contraditório, tal ideário exprimia uma percepção de modernidade
marcada pelo diagnóstico de “desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e
angústia” (CAMPOS, 2006, p. 165).
No caso do Paraná, como salientou José Loureiro Fernandes em seu discurso aos
bachareis de 1943, o papel das faculdades de filosofia era produzir um sólido conhecimento cultural
desinteressado, ou seja, “não tendo em mira o lado prático, no sentido exclusivo dos proventos
pecuniários […], sua finalidade é [formar] uma elite de pensadores, de sonhadores idealistas, a
serviço do bem comum” (1943, p. 4). A partir disso, deveria nortear a mudança da vida moderna. A
intelectualidade paranaense vinculada ao projeto da FFCLPR se compreendia, pois, como
“portadora de um projeto modernizador do Paraná” (CAMPOS, 2006, p. 166).
Assim, em 1939, a FFCLPR assumia os seguintes objetivos no seio da sociedade
paranaense
“ampliar a cultura no domínio das ciências puras; promover e facilitar a prática deinvestigações originais; desenvolver e especializar conhecimentos necessários ao exercíciodo magistério; sistematizar e aperfeiçoar a educação técnica e científica para odesenvolvimento profícuo de diversas atividades nacionais” (WESTPHALEN, 1988, p. 14).
Sua primeira diretoria provisória fora constituída pelos professores Omar Gonçalves
da Mota como diretor, Carlos de Paula Soares como vicediretor e Homero de Melo e Braga como
secretário, e funcionava na sede do Congresso Legislativo Estadual (ibidem, p. 20). Composto
também o conselho técnicoadministrativo, do qual faziam parte o padre Jesus Ballarin, Loureiro
Fernandes, Carlos Soares, entre outros, aprovouse em seguida o funcionamento dos cursos de
Filosofia, Ciências Químicas, Geografia e História, Ciências Sociais e Políticas e de Educação, cada
qual com 20 vagas. Negociouse, também, a administração do curso complementar do Ginásio
Paranaense, de modo a receita do Ginásio passar à Faculdade.
Em razão do rompimento da coalizão política do professor Omar da Mota com o
interventor Manoel Ribas em 1939, houve a transferência da sede da FFCLPR para as instalações
do CEB e da UP. Também nesse período, dados os escassos recursos para o funcionamento da
instituição, Loureiro Fernandes, Homero de Braga e o padre Jesus Ballarin negociaram com os
Irmãos Maristas, da União Brasileira de Educação e Ensino (UBEE), a manutenção da FFCLPR.
46
Notase, assim, o crescente predomínio do laicato católico sob a FFCLPR.
Após o contrato com os Irmãos Maristas e da promulgação da lei nº 1.190/39, o
Conselho Técnico e Adminsitrativo da FFCLPR adequou seu rol de cursos ofertados, currículos e
programas das disciplinas aos da FNFi, tornada faculdade padrão19 (ATAS…, 1939, p. 1415).
Ainda, a diretoria da FFCLPR fora alterada: Brasil Pinheiro Machado foi escolhido diretor, o Padre
Jesus Ballarin, vicediretor, e Homero de Melo e Braga, secretário. Quanto à estrutura da
instituição, extinguiuse o Instituto Superior de Educação e acrescentouse o Departamento de
Pedagogia, além da oferta dos seguintes cursos regulares: Matemática, Física, Química, História
Natural, Geografia e História, Ciências Sociais, Letras Clássicas, Letras Neolatinas, Letras
Anglogermânicas e Pedagogia. Foram também instituídos dois cursos anexos, o de Administradores
Escolares e o de Formação de Professores Primários. Ao novo Departamento de Pedagogia coube o
curso especial de didática, destinado à formação em licenciatura dos discentes (WESTPHALEN,
1988, p. 23).
Houve, ainda, outra alteração significativa na FFCLPR. Após o contrato com os
Irmãos Maristas e a UBEE em 1939, foi interdita a docência de mulheres na Faculdade, pois estes
não permitiam mulheres no corpo docente de suas instituições (ALVES, 1988, p. 75). Essa
regulamentação em específico vigorou a partir de 1941, ocasionando a demissão das professoras
assistentes e auxiliares de ensino no mesmo ano; as que desejaram, contudo, terminar o anoletivo,
fizeramno voluntariamente. Estas professoras foram contratadas ao final de 1940, pois eram ex
alunas formadas nas primeiras turmas da FFCLPR. Eram, com efeito, diplomadas nas áreas em que
estavam lecionando. As mulheres retornariam à docência na FFCLPR somente uma década depois,
quando do rompimento do contrato com a UBEE e em no contexto de federalização da instituição.
Por fim, o corpo docente da FFCLPR era estruturado segundo o modelo de cátedras.
Conforme consta no Regimento Interno da FFCLPR de 1940, artigo 83: “o corpo docente da
Faculdade será constituído por professores catedráticos, docenteslivres, auxiliares de ensino, e,
eventualmente, professores contratados” (REGIMENTO…, 1940, p. 32). A carreira de professor
dentro da instituição respondia, portanto, à seguinte hierarquia: 1) instrutor, 2) assistente, 3) livre
docente e 4) catedrático, em que o catedrático representava o ápice da carreira docente.
Escolhido por concurso ou nomeado por comprovação de seu saber, o catedrático era o
docente responsável pela regência de uma cátedra específica da instituição. Dado que o catedrático
19Fonte: Atas do Conselho Técnico e Administrativo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, 1940, p. 1415; p. 23. Arquivo do Setor de Educação UFPR, Livro 47.
47
era concursado vitalício e inamovível (após 10 anos), este dominava a cadeira e, consequentemente,
a área de estudos por toda sua carreira. No caso de criação de novas cadeiras da mesma área,
constituindo um departamento, o catedrático também as regia. Tanto os instrutores quanto os
assistentes eram indicados pelos catedráticos, devendo, os primeiros, auxiliar na condução das
cadeiras regidas pelos catedráticos, assim como em suas pesquisas; aos assistentes, por seu turno,
competia o auxílio ao catedrático diretamente em sala de aula (REGIMENTO…, 1939, p. 39). Aos
assistentes, após dois anos de trabalho, era obrigatório prestar o concurso à livredocência na
cátedra em que atuava. Já os livredocentes eram selecionados a fim de ampliar a capacidade
didática da instituição; eram escolhidos mediante concurso, em que apresentavam sua tese de livre
docência (REGIMENTO…, 1939, p. 4142). Na prática, como veremos, a trajetória entre os cargos
era permeadas por muitas variáveis, bem como consolidada sobretudo através de redes de contato.
O sentido último da fundação da FFCLPR, podemos dizer, foi a constituição de uma
elite intelectual capaz de orientar a modernização do Paraná, no sentido de permitir a renovação
cultural do estado sem desintegrar sua unidade e tradição. Pois se compreendia que as mudanças da
vida moderna apenas seriam ordenadas e integradas se tivessem por base um sólido conhecimento
filosófico. A partir da reflexão intelectual entendiase ser possível reverter mediocridade cultural
paranaense, decorrente do massivo conhecimento técnico produzido no estado. Dada a vultuosa
presença de intelectuais de confissão católica na instituição, uma das linhagens filosóficas de maior
fôlego e alcance na Faculdade foi o neotomismo. Pois foi através dessa filosofia – da relação que
esta promovia entre ciência e religião que parte dos intelectuais vinculados ao CEB se envolveram
na fundação de uma faculdadede filosofia. No bojo desas concepções e objetivos, foi pensada a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná.
2.4 CIÊNCIAS SOCIAIS COMO ENSINO SUPERIOR: DISCENTES E DOCENTES
Em cinco de março de 1938 foi publicado o primeiro edital de concurso de habilitação
– vestibular da FFCLPR. Divulgado tanto no jornal Diário da Tarde, quanto enviado na forma de
cirulares às casas dos concluintes do curso ginasial, o edital declarava estarem abertas, “na
secretaria desta Faculdade, à rua Barão do Rio Branco, edifício da antiga Assembleia Legislativa do
Estado, de 5 a 25 do corrente, as inscrições para o concurso de habilitação à matrícula” (GLASER,
1988, p. 1718). Os programas para os concursos de habilitação seriam baseados nos programas das
disciplinas cursadas nos ensinos fundamentais e ginásios oficiais.
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Para o curso de Ciências Sociais e Políticas20 se inscreveram oito candidatos; eram sete
homens e uma mulher21. O concurso se realizou na sede da própria FFCLPR e as provas para
Ciências Sociais e Políticas tiveram duração de quatro dias, a iniciar em cinco de abril. Ao todo, os
candidatos realizaram uma prova oral e quatro provas escritas. As primeiras avaliações, em cinco de
abril, foram as provas oral e escrita de geografia; em seguida, sete de abril, prova escrita de Lógica;
dia oito, prova escrita de História da Civilização; e dia nove, prova escrita de Sociologia.
No dia 13 de abril foi divulgado o resultado da seleção. A primeira turma aprovada de
Ciências Sociais e Políticas da FFCLPR constituiuse por Amaury Wilson Lérro, Antônio O. Mello,
Delohé Scalco, João Ricardo von B. Vernay, Luiz Ciruelos, Otávio Secundino Oliveira Junior,
Silvio Bonardi e Walter Meirelles (ATA DOS EXAMES…, 1938, p. 45). As atas das primeiras
provas parciais das cadeiras de economia política e finanças, filosofia e sociologia, ambas de junho
de 1938, indicam que apenas metade dos discentes aprovados no concurso de habilitação seguiram
efetivamente no curso, apesar de terem se matriculado22. Nas avaliações do final do mesmo ano, a
única aluna a participar dos exames foi Delohé Scalco, o que sugeriu a evasão dos demais
estudantes. Com efeito, Scalco foi a única discente a dar continuidade ao curso, como atestaram as
Atas de promoção dos alunos do primeiro ano, do segundo ano e do terceiro ano de Ciências Sociais
e Políticas23 (1938, p. 79).
Em cinco de dezembro de 1940 teve lugar a primeira colação de grau da FFCLPR.
Formaramse 19 bachareis dos cursos de Ciências Sociais e Políticas (1), Filosofia (3), Pedagogia
(9), Ciência Químicas (3) e Geografia e História (3). A cerimônia foi aberta com uma missa na
capela do Instituto Santa Maria às 20:30, proferida pelo Arcebispo de Curitiba, Dom Ático Eusébio
da Rocha. Às 21:00, teve início a solenidade de colação de grau no salão nobre do referido Instituto,
paraninfada pelo professor Brasil Pinheiro Machado. Delohé Scalco foi a primeira bacharel em
ciências sociais formada pela FFCLPR. É uma mulher, portanto, a primeira cientista social
graduada no Paraná. No ano seguinte, ingressou no curso de didática, a fim de licenciarse. Ao final
do ano, foilhe conferido o grau de licenciada em Ciências Sociais24, sendo igualmente a primeira
licenciada em ciências sociais no Paraná25.
20Em 1938, o curso se chamava Ciências Sociais e Políticas. Em 1940, seu nome foi modificado para apenas Ciências Sociais, em virtude do Decreto Federal nº 5.756, de 1940 (TOMAZZI, 2005, p. 90).21Fonte: Ata dos Exames do Curso de Ciências Sociais e Políticas. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, livro 61.22Fonte: Termos de matrículas nº 01 (1938/1943), p. 23. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, livro 95.23Fonte: Ata dos Exames do Curso de Ciências Sociais e Políticas. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, livro 61.24Fonte: Anexo nº XV, Históricos escolares completos de todos os alunos matriculados em 1941 no curso de Didática. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, caixa 385.25Após sua formatura em licenciatura, não apuramos outras informações acerca de sua trajetória.
49
A partir da década de 40, a FFCLPR iniciou um processo de rotinização que lhe conferiu
maior estabilidade e legitimidade. Em 1940 o governo federal reconheceu parte dos diplomas de
bacharéis expedidos pela instituição, entre eles o de ciências sociais, e em 1941, validou o curso de
didática (WESTPHALEN, 1988, p. 2526). Posteriormente, em 1º de abril de 1946, a FFCLPR e
as Faculdades de Medicina, Direito e Engenharia do Paraná foram congregadas, coroando o
reestabelecimento da Universidade do Paraná. Com a restauração da UP foram acordadas
subvenções econômicas do estado à instituição. Dentre as atividades e projetos encorajados e
possibilitados pelos novos recursos, estiveram a construção de uma sede permanente para a
FFCLPR e a fundação do Instituto de Pesquisa da FFCLPR, levada à cabo pelo catedrático de
antropologia, Loureiro Fernandes (WESTPHALEN, 1988, p. 34).
Não obstante, a próxima turma de ciências sociais ingressaria na FFCLPR apenas em 1943,
isto é, cinco anos após a entrada de Scalco na instituição. Durante esse período, o curso ou não
recebeu inscrições para o concurso de habilitação ou esteve desativado em virtude disso; ademais, o
curso voltaria a fechar de 1947 a 1949 pelos mesmos motivos. Nos três anos em que esteve ativo na
década de 40 (19431946), o curso funcionou em virtude duma mesma turma, ingressa em 1943
com cinco alunos – três homens e duas mulheres. Ao final, em 1945, se formaram bachareis três:
Arnaud Ferreira Veloso, Maria de Rezende Rubin e Osmar Romão da Silva; licenciaramse em
ciências sociais apenas Veloso e Rubin26 (WESTPHALEN, 1988, p. 95; p. 97). Ao todo, como
identificou Gabriel Oganauskas (2006, p. 6162) nos 11 primeiros anos da FFCLPR, o curso de
ciências sociais funcionou, efetivamente, em apenas seis; nesse interim, formaramse somente os
referidos cinco cientistas sociais. Comparativamente, no mesmo período o curso de História e
Geografia graduou 83 estudantes (ibidem).
Apenas com a federalização da Universidade do Paraná em 1950 se iniciou um processo de
rotinização do curso de ciências sociais, expresso sobretudo na entrada regular de alunos e
estabelecimento permanente de professores. Para além, com a federalização rompeuse o contrato
com os Irmãos Maristas e obtevese maior subvenção estadual à instituição, de modo a ampliar
institucionalmente as possibilidades de pesquisa – organizaramse, pois, laboratórios e centros de
investigação, aperfeiçoamento do corpo docente, contratação de professores interinos, assistentes e
instrutores, entre outros (WESTPHALEN, 1988, p. 37). Especialmente signitificativa é a reinserção
das mulheres no corpo docente da FFCLPR, pois como veremos, essas assumiram parte substantiva
dos cargos de assistentes e auxiliares de ensino do curso de ciências sociais a partir de então.
26Após sua formatura em licenciatura em 1946, não foram encontradas informações acerca de suas trajetórias.
50
Através da análise dos dados disponíveis nos Anuários da FFCLPR e no trabalho FFCLPR
50 anos, de Cecília Westphalen, sabemos que se matricularam, em nove anos (19501959), 193
novos discentes ao curso, constituindo uma média de 21,4 alunos por ano. No entanto, por meio do
exame das cadernetas, é visível que apenas pouco mais da metade dos matriculados frequentou
efetivamente o curso. Cursaram, pois, as disciplinas do primeiro ano de ciências sociais 104
discentes27 em nove anos, isto é, uma média de 11,5 alunos por ano; destes, 67 eram homens e 34
eram mulheres. Com efeito, antes mesmo do início das aulas, 91 alunos desistiram do curso. Por seu
turno, chegaram às disciplinas do terceiro ano apenas 59 dos 104 estudantes – 33 homens e 26
mulheres, em uma média de 6,5 alunos por ano. Houve, portanto, um aumento no número geral de
discentes, se comparado à década de 1940; mas ainda assim as turmas eram pequenas e a evasão
alta. No mesmo recorte temporal, se matricularam no curso de história e geografia 655 estudantes;
não sabemos, contudo, se chegaram a cursálo efetivamente.
Por outro lado, se ao longo da década de 1950 o número de matriculados em ciências sociais
aumentou, o contingente de graduados continuou baixo, especialmente se comparado ao curso de
história e geografia. Diplomaramse em ciências sociais, de 1950 a 1959, 25 bachareis, dos quais 18
seguiram para a licenciatura; em história e geografia, 159 bachareis e 145 licenciados. Chama
atenção, pois, o número de evadidos do curso de ciências sociais, visto que chegaram ao terceiro
ano 59 estudantes, dos quais apenas 25 se graduaram28. Dispomos todos esses dados na tabela 2 em
apêndice.
27Para essa contagem não foram considerados os alunos ingressos em 1955, visto que não foram encontradas nenhuma caderneta das disciplinas da 1º série do referido ano.28Dentre os alunos formados na graduação em ciências sociais de 1939 a 1959, identificamos apenas um que, segundosugere toda documentação, seguiu carreira como antropólogo: Carlos de Araújo Moreira Neto. No entanto, não foipossível confirmar com plena certeza essa informação, motivo pelo qual a mantemos como uma possibilidade. Formadoem ciências sociais pela FFCLPR em 1955, doutorouse em antropologia pela UNESP de Rio Claro em 1971, com atese A política indigenista brasileira durante o século XIX, sob orientação de Eduardo Enéas Galvão. Em 2005 a obraseria reeditada e publicada em formato de livro pela FUNAI sob o título Os índios e a ordem imperial. Em entrevista aIsabel Heringer, da CGAE/FUNAI, Carlos Moreira assim explicou sua trajetória: “eu fiz o curso de Ciências Sociais eum dos professores tinha sido colega de Darcy Ribeiro no curso da Escola de Sociologia e Política. Era o professorFernando Altem Felder [sic], que estudou os índios no Xingu. Foi através dele que, em 1953, conheci o Darcy. Naépoca, o Darcy era diretor do Museu Índio, onde eu fiz o curso de antropologia […] O curso acabou prematuramentepor causa das mudanças políticas. […]. Então eu saí de lá e fui trabalhar com o Eduardo Galvão, que também tinha sidocolega do Darcy e era diretor de antropologia do Museu Goeldi. Eu passei uns três ou quatro anos em Belém e volteipra trabalhar com o Darcy na Faculdade Nacional de Filosofia” (set/2005). No prefácio a Os índios e a ordem imperial,Mércio Pereira Gomes reconstituiu alguns aspectos da trajetória acadêmica do antropólogo: Moreira Neto lecionoucomo assistente da cadeira de antropologia na Universidade do Brasil, na Universidade de Rio Claro (UNESP) e naUniversidade Federal Fluminense, substituindo Darcy Ribeiro, além de ter sido etnólogo do Museu Paraense e doInstituto Indigenista Interamericano (MOREIRA, 2005). Em 1970, Moreira Neto criou o Centro de documentaçãoetnológica do Serviço de Proteção ao Índio. Publicou junto a Darcy Ribeiro o livro A fundação do Brasil: testemunhos15001700 (MEIHY, 1993, p. 197). Faleceu em 2007.
51
2.4.1. Ciências sociais: um curso intermitente
Nossa análise sugeriu algumas considerações sobre o estancamento do curso na década de
1940. Primeiramente, não apenas a Reforma Capanema, que retirou a disciplina de sociologia do
ensino básico em 1942 (MORAES, 2011, p. 363), contribuiu para a nãoprocura pelo curso, pois
que em 1939 já não houve nova turma de ciências sociais. Outros processos, portanto, concorreram
para a baixa busca pelo curso. Nesse sentido, consideramos elucidativo o entendimento de Sérgio
Miceli (1989) acerca da constituição das ciências sociais fora do eixo Rio de JaneiroSão Paulo.
Compreendeu ele:
em estados mais apartados dos centros da vida intelectual no país como Pernambuco, Bahiae Minas Gerais, o suprimento de praticantes das ciências sociais sucedeu através dasescolas superiores tradicionais, ou então, por intermédio do trabalho de divulgação exercidopor autodidatas. Nesses estados, foram as instituições já estabelecidas do ensino superiorque buscaram incorporar as novas disciplinas em sua agenda de preocupações e em seuprograma de trabalho (MICELI, 1989, p. 109).
Entendemos, pois, o Paraná como um desses estados apartados dos centros intelectuais do
Brasil. Com efeito, menções e atribuições à sociologia já estavam presentes na Faculdade de Direito
do Paraná (CAMPOS, 2006, p. 119). No entanto, tratavase de um entendimento da sociologia
como um recurso científico para a compreensão do fenômeno jurídico e não como um saber
específico. Era um conhecimento, pois, utilizado conforme a demanda ou solicitação de outras
áreas. Em síntese, a sociologia não era entendida, nesse âmbito, como disciplina particular e a
figura do sociólogo, por consequência, não era requerida (MEUCCI, 2000, p. 28). O estatuto das
ciências sociais se modificaria no país a partir da década de 1930, pois com as reformas
educacionais os intelectuais foram alçados à posições de agência sobre a história nacional, em que
os cientistas sociais foram particularmente beneficiados (ibidem, p. 34).
Essa situação foi identificada ao examinarmos o recrutamento dos estudantes de ciências
sociais da FFCLPR. Isto é, muitos deles faziam ciências sociais de maneira a complementar outra
graduação que cursavam ou que já haviam finalizado; no dizer de Constantino Comninos, “eles
foram saindo porque eles não faziam só ciências sociais, eles faziam direito na Federal [...] pela
manhã, e como o curso [de ciências sociais] funcionava à tarde eles achavam que complementavam
o curso de direito e vinham à tarde fazer ciências sociais”. Os discentes entendiam, portanto, as
ciências sociais não como um saber especializado e, sim, como um suporte para outros cursos, no
registro acima discutido. Compreendemos que a entrada no curso de ciências sociais da FFCLPR
tinha por motivação última, nessa primeira década, complementar outras formações, em especial o
bacharelado em direito.
52
Posteriormente a 1942, a retirada da sociologia dos currículos de ensino básico decerto
ampliou a escassez do mercado de trabalho para os cientistas sociais, visto que a docência no ensino
secundário era a ocupação profissional mais segura à época29 (BOAS, 2003, p. 46). Ainda que se
referindo à década de 50, Constantino Comninos nos confirmou que a docência era o principal
mercado de trabalho para os cientistas sociais em Curitiba; mesmo que não no ensino secundário,
em cursos técnicos de variadas naturezas era requerido o conhecimento sociológico e o profissional
licenciado em ciências sociais. Em nosso entendimento, o enxugamento do maior campo de atuação
para os cientistas sociais, reduzindoo a cursos técnicos, concorreu para o baixo contingente de
alunos ao longo dos anos 1940 e posteriormente.
No entanto, o pequeno número de estudantes do curso de ciências sociais da FFCLPR não
era especificidade da instituição paranaense. Segundo Sérgio Miceli (1989, p. 109 110), o primeiro
curso de ciências sociais de Minas Gerais, organizado em 1941 na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Minas Gerais, contou com apenas quatro alunos em sua primeira turma; a baixa procura
ocasionou, no ano seguinte, o fechamento do curso, que voltaria a funcionar apenas em 1947.
Mesmo na Faculdade Nacional de Filosofia os números de formados – bachareis e licenciados em
ciências sociais era pequeno. De 1939 a 1944, diplomaramse 40 alunos, em uma média anual de
oito formandos; comparativamente, o curso de História e Geografia graduou 147 estudantes, ou
seja, uma média de 29,4 alunos anualmente (FAVERO, 1989, p. 22). Portanto, não se trata de um
fenômeno específico da FFCLPR e, sim, do estatuto das ciências sociais no período, em que o caso
paranaense apresentou suas particularidades.
Por fim, a partir de 1946 houve modificações a nível federal nos requisitos para ingresso em
instituições de ensino superior, entre eles a exigência de maior escolaridade prévia. Segundo Niroá
Glaser (1988, p. 28), isso resultou numa diminuição no número geral de ingressos da instituição;
mesmo que o curso estivesse desativado nesse ano, é possível que nos anos consecutivos essa
exigência tenha atingido os interessados na graduação em ciências sociais.
Na prática, todos esses motivos estavam interligados e, consideramos, concorreram para a
intermitência do curso de ciências sociais da FFCLPR na década de 1940.
29Sobre isso, é interessante destacar que, embora a sociologia tivesse sido retirada do ensino médio em 1941, oslicenciados em ciências sociais ainda assim poderiam, a partir de 1954, seguir carreira docente no ensino secundárioministrando aulas de filosofia no 2º ciclo, de história geral e do Brasil no 1º e 2º ciclo, e de matemática, no 1º ciclo.Para além do pequeno mercado de trabalho que se manteve, esse dado expressa a afinidade entre as ciências sociais doperíodo e as ciências exatas, como a análise dos currículos demonstrará. Fonte: Portaria nº 478 – de 8 de junho de 1954.
53
2. 4.2. Os professores
Entre 1938 e 1939, todos os docentes da FFCLPR foram nomeados, inicialmente, como
regentes de suas cadeiras. Ao final de 1939 com a lei nº 1190/39 e alteração na expedição dos
diplomas de nomeação dos professores da FFCLPR, houve uma reorganização de seu quadro
docente, em que foram modificados os nomes de algumas cadeiras, além de acrescentadas outras:
Foi também nesse período que adotouse a terminologia de cátedras para a universidade,
convertendo os docentes de regentes a catedráticos fundadores de suas respectivas cadeiras
(GLASER, 1988, p. 25; WESTPHALEN, 1988, p. 2425).
Embora não tenhamos identificado claramente os motivos das nomeações, é provável que
muitos dos professores tenham chegado à docência na FFCLPR por serem um de seus idealizadores
ou a convite dos fundadores. O acréscimo de novos professores no quadro docente da FFCLPR em
1939 é ilustrativo quanto a isso, pois “haviam por ocasião da fundação da Faculdade sido omitidos
elementos dotados de reconhecida capacidade didática e cultura especializada e que deveriam ser
convidados a integrála” (WESTPHALEN, 1988, p. 24). Com efeito, os convites à docência foram
expediente regular da instituição. Isso não significa, contudo, que os catedráticos não atuassem nas
áreas que lecionavam, como veremos à frente.
Por meio da análise da trajetória discente de Delohé Scalco e da pesquisa FFCLPR 50 anos,
de Cecília Westphalen, foi possível reconstituir tanto a grade curricular quanto a relação dos
professores catedráticos da primeira turma de ciências sociais da FFCLPR. Na tabela do apêndice 1,
organizamos essas informações salientando, nos casos em que houve, o vínculo do catedrático com
o CEB.
Acerca destes catedráticos – visto que trataremos dos currículos no próximo capítulo,
sabemos que Jesus Ballarin, catedrático de filosofia, era um padre espanhol formado em filosofia e
teologia pela Universidade de Cérvera (HANICZ, p. 248); Arthur Ferreira Santos, catedrático de
Economia Política e Finanças e História das Doutrinas Econômicas, era formado em ciências
jurídicas e sociais em São Paulo; Milton Carneiro, catedrático de História da Filosofia, formouse
em medicina no Rio de Janeiro; Omar Gonçalves da Mota, catedrático de Sociologia, era graduado
em direito pela Faculdade de Direito do Paraná; José Bittencourt de Paula, catedrático de
Complementos de Matemática, era formado em engenharia pela Faculdade de Engenharia do
Paraná; Manoel Lacerda Pinto, catedrático de Política, graduouse em ciências jurídicas e sociais
em São Paulo; Loureiro Fernandes, catedrático de Antropologia, era formado em medicina no Rio
de Janeiro; e Arthur Martins Franco, catedrático de Estatística, era graduado em engenharia em
54
São Paulo (MACHADO, p. 129131).
Não tinham, pois, formação nas áreas em que lecionavam. No entanto, isso era
relativamente comum à altura, visto que “para muitas matérias não havia, no país, mestres
altamente especializados e em condições, portanto, de inaugurar cursos novos e de alto nível e com
as técnicas de pesquisa para assegurar uma contribuição constante aos progressos científicos”
(SCHWARTZMAN, 1979, p. 208). A Universidade de São Paulo, nesse sentido, lançou mão de
professores franceses, e a Escola Livre de Sociologia e Política, de docentes norteamericanos. A
FFCLPR, por seu turno, teve seu quadros docentes lotados por autodidatas que se “formaram às
cegas como um barco de velas partidas, vagando ao sabor das correntes que se cruzam na superfície
das águas30” (ANUÁRIOS 1940/1941, p. 42). Apenas após a diplomação dos primeiros alunos é que
a FFCLPR teve em seus postos docentes cientistas, do ponto de vista acadêmico. Assim, em 1943,
considerou Loureiro Fernandes a FFCLPR como “vigoroso núcleo irradiador de cultura, a despertar
inteligências adestrandoas para os futuros trabalhos de investigação científica, sem o ônus
tremendo de um exclusivo e laborioso autodidatismo (p. 10)”.
Nos anos em que o curso esteve ativo durante a década de 1940 (1943 a 1946), foram
encontradas doze cadernetas de frequência, das seguintes disciplinas e seus docentes efetivos: 1943)
Economia Política (Arthur Santos de Almeida), e História da Filosofia (Frei Maria Tarcísio
Capuchinho); 1944) Economia Política (Arthur Santos de Almeida), Estatítisca (José Nicolau dos
Santos), Ética (Padre Artidório Lima), e Sociologia (Bento Munhoz da Rocha); 1945) Economia
Política e História das Doutrinas Econômicas (Arthur Santos de Almeida), Estatística Aplicada
(José Nicolau dos Santos), Etnografia e Antropologia (Cirilo Zacchi), Política (nome ilegível), e
Sociologia (Bento Munhoz da Rocha).
Com efeito, nenhuma das disciplinas foi ministrada por seus catedráticos. Nas Atas dos
concursos para catedráticos31, consta a contratação de todos os docentes acima referidos para o
exercício das disciplinas em seus respectivos anos à exceção de Bento Munhoz da Rocha e José
Nicolau dos Santos. Os motivos para contratação, em todos os casos, eram o “impedimento
temporário do titular respectivo”. Os contratos tinham duração de um ano, podendo ser renovados, e
aos contratados competia “prelecionar o programa elaborado pelo professor catedrático, se houver,
ou o da Faculdade Nacional de Filosofia, com o máximo critério científico” (ATA DOS
CONCURSOS…, 1943, p. 14).
Sobre José Nicolau dos Santos sabemos que era também docentelivre, desde 1946, de
30Oração de paraninfado da turma de 1940 pelo Exmo. Sr. Prof. Dr. Brasil Pinheiro Machado. 31Disponível em: Arquivo do Setor de Educação da UFPR.
55
Direito Público Internacional da Faculdade de Direito do Paraná (ANUARIO…, 1946, p. 90);
posteriormente, de 1964 a 1967, seria reitor da Universidade do Paraná. De acordo com Jonas Dias
de Souza (2014), os interesses intelectuais de José Nicolau orientavamse para o tema mais amplo
da Geografia Jurídica; essa seria um subramo da geografia destinado a apreensão do
desenvolvimento histórico das instituições jurídicas em virtude de fatores geográficos sinérgicos
(2014, p. 357). Não apuramos, pois, uma conexão clara entre os focos de interesse e atuação do
professor e a disciplina de estatística, que o mesmo lecionou para os alunos de ciências sociais em
1944 e 1945. Contudo, é possível supor que, dada a influência de José Nicolau, ele teria sido
convidado a lecionar.
Por seu turno, sobre Bento Munhoz da Rocha, titular de história da América, sabemos que a
partir de 194032, contudo formalmente apenas em 1941, substituiu inteirinamente o catedrático
Omar Gonçalves da Mota nas disciplinas de sociologia e de fundamentos sociológicos da educação
(ATAS…, 1940, p. 22; GLASER, 1988, p. 25). Posteriormente, em 1946, Bento Munhoz se
afastaria de ambos os cargos, a fim de assumir o posto de deputado federal pelo Paraná no Rio de
Janeiro. Sua atuação nessas disciplinas foi marcante, visto que o intelectual compreendia a
sociologia através dum prisma católico, a Sociologia Integral – o tema será discutido
posteriormente.
Ainda acerca da contratação de professores substitutos chamamos atenção para o
distanciamento dos catedráticos da sala de aula, de modo a tornar, como discutiremos, os
professores substitutos os docentes regulares do curso de ciências sociais ao longo dos anos. Com
base na análise dos Anuários da FFCLPR da década de 194033, sabemos que para além dos
professores substitutos acima destacados, foram contratados também Gabriel Munhoz da Rocha, em
1948, e Euclides Mesquita, em 1949, para lecionar na cátedra de Sociologia e de Fundamentos
sociológicos da educação. Considerando que o curso funcionou apenas de 1943 a 1946, ambos
professores foram contratados para ministrar as aulas de sociologia dos demais cursos da FFCLPR.
Tratandose efetivamente do curso de ciências sociais, na década de 1940 não obtivemos quaisquer
informações de que os catedráticos tenham conduzido suas respectivas cadeiras.
Uma vez que os professores catedráticos eram personalidades da elite curitibana, muitos
deles concorreram à carreira política ou a outros postos de trabalhos, públicos ou privados, de modo
que suas trajetórias acadêmicas não foram conduzidas com dedicação exclusiva. Isto é
32Fonte: Atas do Conselho Técnico e Administrativo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, 1940, p. 22. Arquivo do Setor de Educação UFPR, Livro 47.33À exceção dos anuários de 1942 a 1945 e de 1947, que não foram encontrados.
56
significativamente claro quando pensamos a trajetória de determinados professores da instituição.
Em particular, gostaríamos de ressaltar alguns aspectos da biografia profissional de Manoel Lacerda
Pinto, catedrático de Política.
Durante os primeiros 20 anos da FFCLPR, Manoel Lacerda Pinto foi membro ativo do CEB,
Procurador do Estado do Paraná (1937), Secretário do Interior e Justiça (1939), Desembargador do
Paraná (1941), Presidente do Tribunal Regional Eleitoral (1949, 1951, 1959) Presidente do Tribunal
de Justiça do Paraná (1949, 1959), além de professor de Política da FFCLPR (1939) e de Direito
comercial da Faculdade de Direito do Paraná (1949) (DAGOSTIM, 2011, p. 183). Ou seja, sua
agenda era bastante atribulada. O exemplo poderia ser repetir com as trajetórias de Bento Munhoz
da Rocha, Arthur Ferreira dos Santos, Loureiro Fernandes entre outros. No entanto, o resultado de
seus afastamentos dos postos docentes produziu efeitos diferentes em cada caso, em razão da
constituição de estratégias individuais para a ocupação dos cargos deixados livres, como será
discutido a seguir.
Embora desde a década de 1940 o curso seja conduzido por professores contratados, esses
de raro permaneceram longamente no curso – à exeção de Arthur Almeida Santos e Euclides
Mesquita. Assim, no decurso da década de 1950, o corpo docente de ciências sociais, à nível dos
professores contratados, mudaria substancialmente. Dispusemos na tabela 3 do apêndice os
professores, afora os catedráticos, que foram anotados como docentes nas cadernetas34, assim como
aqueles discriminados nos anuários da FFCLPR como professores, quaisquer fossem suas
modalidades de contratação. Identificamos, pois, ao longo da década uma docentelivre; cinco
interinos; sete contratados; cinco instrutores; e três assistentes de quadro extraordinário. Esses 21
cargos foram ocupados por 16 diferentes professores, visto que cinco deles ocuparam mais de dois
postos ao longo da década, isto é, foram, por exemplo, inicialmente instrutores e posteriormente,
interinos. Notase que tal recurso à professores contratados, independentemente de seu vínculo, foi
substancialmente acionado pelo catedrático de antropologia, Loureiro Fernandes. Pois dos 21 postos
identificados, cinco foram requisitados pela antropologia, que mobilizou cinco diferentes docentes;
quatro pela estatística, para dois professores, dois pela sociologia, igualmente para dois docentes;
dois para a economia, para um professor; e oito pela filosofia, para quatro professores35.
Buscaremos explicar essa mobilização de contratados a seguir.
34Por não haver cadernetas de todas as cadeiras, não foi possível identificar todos os docentes em exercício efetivo em todas disciplinas; nesses casos, foi mantido o nome do catedrático. 35Sobre os professores de filosofia é necessário ressaltar que o contingente de contratados se explica pela inclusão dadisciplina de Introdução à filosofia em todos os cursos da FFCLPR a partir de 1946. Não foi possível identificar,contudo, quais desses oitos professores lecionaram efetivamente para o curso de ciências sociais, motivo pelo qualdecidimos por manter todos os oito docentes incluídos nessa contagem.
57
É visível, pois, o afastamento dos catedráticos e entrada de novos professores que se
estabeleceram no curso durante os anos 50. Esse recurso aos livredocentes, interinos, contratados,
assistentes e instrutores era regular na instituição, visto que já na década anterior era comum, mas
ganhou força após a federalização. Nesse momento, buscouse expandir o corpo docente da
FFCLPR com a contratação de graduados pela própria Faculdade (WESTPHALEN, 1988, p. 37).
Como veremos, alguns desses professores contratados chegaram aos postos por indicação, visto que
não eram exdiscentes, ou, via de regra, estabeleceram proximidades com os titulares durante sua
graduação na FFCLPR.
2.4.3. Os professores contratados: estratégias de desenvolvimento
Na FFCLPR, conforme nos informou Constantino Comninos, as aproximações entre
docentes e discentes eram reguladas em virtude de ações desempenhadas pelos alunos, como
demonstrações de interesse pela área, boas notas e disposição em aprender e ajudar
voluntariamente. Em seu caso, se aproximou do professor de antropologia Loureiro Fernandes
através da indicação da docente Válderez de Souza Müeller, à altura (1957) contratada como
assistente para lecionar na cátedra de antropologia. O episódio que levou à indicação de Comninos
foi a apresentação de um seminário de 15 minutos, elaborado pelo aluno, acerca da história de
Heródoto; em suas palavras, “era uma prova de fogo. [...] quando eu terminei, ela me disse assim,
“eu vou propor o teu nome para o doutor Loureiro para você ser professor do curso de antropologia;
[…] você se saiu muito bem aqui [...]”. Embora Comninos não tenha ocupado nenhum cargo na
cátedra de antropologia, Loureiro o indicou ao Museu Paranaense, especificamente à sessão de
arqueologia, onde trabalhou na classificação de fosseis junto ao professor Joseph Emperaire.
Para além, durante sua graduação (19551958), Comninos foi monitor na disciplina de
estatística aplicada, do 3º ano, sob supervisão da professora assistente Zélia Pavão; ascendeu a este
posto em razão de sua dedicação com a disciplina e conversas com a docente acerca de suas dúvidas
e temas da aula. No entanto, visto que seu grande interesse era a área de ciência política, após o
término da classificação dos fósseis, foi monitor de Economia Política e História das Doutrinas
Econômicas, com o professor assistente Arthur Santos de Almeida. Posteriormente, partir de 1962,
Comninos seria professor assistente das cátedras de Economia Política e História das Doutrinas
Econômicas da FFCLPR. Ou seja, o convite ou o voluntariado quanto ao exercício de cargos
docentes eram estabelecidos por meio de contatos em sala de aula ou indicação de terceiros,
recrutando assim os melhores discentes para postos de destaque. Ademais, tendo em vista a
58
escassez de recursos da instituição, arregimentar os estudantes de êxito acadêmico significava, por
outro lado, incrementar as áreas nas quais eles se estabelecessem.
Nesse sentido, o professor Loureiro Fernandes constituía, dentro da FFCLPR, um grupo de
interessados em antropologia e etnografia, composto por estudantes de ciências sociais, pedagogia e
história e geografia. Acerca de sua formação, Loureiro graduouse em medicina no Rio de Janeiro
em 1927; ao longo de sua trajetória, aproximouse dos temas da antropologia física e arqueologia.
Em 1952, especializariase em antropologia no Museu do Homem, em Paris (DRESCH, 2016, p.
01). No entanto, já anteriormente Loureiro Fernandes colaborava para o desenvolvimento da
antropologia no Brasil, marcadamente através de congressos, intercâmbios de pesquisadores (entre
Brasil, Portugal, França e Estados Unidos, sobretudo), pesquisas de campo e publicações, enfim,
variadas atividades que cooperaram para o alargamento e visibilidade do conhecimento
antropológico (HELM; SANTOS, 2006, p. 8283). Para além, fundou, entre outros, o Instituto de
Pesquisas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1950, o Centro de Pesquisas
Arqueológicas (CEPA) em 1955, o Departamento de Antropologia (DEAN), em 1958, e o Museu
de Arqueologia e Artes Populares de Paranaguá em 1963, além de ter sido diretor do Museu
Paranaense (19381946), secretário da educação e cultura do Paraná (19471949) e presidente da
Associação Brasileira de Antropologia (19571959) (DRESCH, 2016, p. 02).
No dizer de Comninos, o grupo do Loureiro não era um grupo fechado, no sentido de haver
formalidades de acesso, porém era necessário estar a par dos assuntos estudados pelos discentes e
por Loureiro para participar. Entre os temas abordados pelo antropólogo, lembrouse Comninos das
cavalhadas de Palmas, congadas da Lapa, fandangos de Paranaguá e Boi de mamão de Santa
Catarina. Apuramos como pertencentes ao grupo de Loureiro os seguintes alunos da FFCLPR:
Cirilo Zacchi (história e geografia), Eny Caldeira (pedagogia), Eny de Camargo Maranhão (história
e geografia), Igor Chmynz (história e geografia), Maria Cecília Vieira Helm (ciências sociais),
Marília Duarte (história e geografia), Maria José Menezes (história e geografia), Saluá Elias
(história e geografia) e Válderez de Souza Müeller (história e geografia). Compunham também o
grupo Fernando Altenfelder Silva e Máximo Pinheiro Lima.
Destes, Cirilo Zacchi, Fernando Altenfelder Silva, Eny Camargo, Máximo Pinheiro Lima,
Saluá Elias e Válderez de Souza Müeller foram professores assistentes de antropologia; à exceção
de Zacchi, os demais lecionaram a partir da década de 1950. Segundo Marília Gomes de Carvalho
(2008, p. 4), Lima era médico de formação e lecionava sobretudo acerca dos temas de antropologia
física; em 1962, seria nomeado chefe do Departamento de Antropologia. Fernando Altenfelder
59
Silva, por seu turno, foi um antropólogo brasileiro de renome, convidado a lecionar na cátedra de
antropologia da FFCLPR por dois anos, a contar de 1953 (OLIVEIRA, 2010, p. 90). Apresentou o
trabalho “Análise comparativa de alguns aspectos da estrutura social de duas Comunidades do Vale
do São Francisco” como tese de livredocência à cátedra de sociologia da Faculdade em 195836.
Sobre os demais, obtivemos apenas informações esparsas, às quais cabe destacar o
doutoramento de Eny Camargo Maranhão em 1964, primeiro doutorado a ser defendido na
FFCLPR, na área de antropologia física37; tudo indica ter sido orientada por Loureiro. À Maranhão
Loureiro reservou a chefia da seção de Antropologia Física do DEAN38. Por seu turno, Maria José
Menezes, além de graduada em história e geografia, era também secretária do DEAN. Menezes
realizou cursos de especialização e estágios fora do Brasil em arqueologia, como veremos, além de
participar de pesquisas de campo coordenadas pelo antropólogo (HELM; SANTOS, 2006, p. 100).
O fato de Menezes ocupar um posto administrativo na Faculdade impediu sua nomeação à cargos
dentro do Departamento39; assim, em 1974, prestou e foi aprovada no concurso à livredocência na
cátedra de antropologia da FFCLPR (ibidem, p. 102).
Essa mesma dinâmica não foi identificada em nenhuma outra área do curso de ciências
sociais. Conforme atestam os documentos do CEB, Loureiro Fernandes incentivava a formação
destes alunos mais próximos indicandoos para cursos com colegas ou pósgraduações, assim como
a bolsas de estudos fora do país, e, em alguns casos, a cargos de docência e/ou chefia. Em nossa
compreensão, Loureiro Fernandes estava, desse modo, lançando mão de uma estratégia de
desenvolvimento e continuidade da antropologia na FFCLPR. As cadernetas de antropologia e os
documentos do CEB confirmam essa estratégia. Apenas pela documentação do CEB, sabemos que
ele incentivou e organizou, por exemplo, as bolsas de estudos para cursos fora do país de Eny
Caldeira, Marília Duarte e Maria José Menezes40, todas suas alunas. As cartas trocadas entre
Menezes e Loureiro durante sua viagem são particularmente ilustrativas quanto aos objetivos do
catedrático. Escreveu ele à Menezes em 196641
você precisa aproveitar ao máximo sua permanência aí [em Portugal], e ver tudo o queconvém estudar e comprar para o ensino da Arqueologia Préhistórica e Etnográfia doBrasil, cátedra que será criada e como já escrevi, você deve logo fazer livre docência. […]Como não vou à Europa em 1966, vou pessoalmente ajudála [quanto aos seusvencimentos], uma vez que não há mais possibilidade de ajuda oficial pelo Estado e pela
36Fonte: Atas do concurso de docêncialivre nº 2. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, envelope 49.37Fonte: CEBDOC, 2086, p. 3.38Fonte: ibidem.39Fonte: ibidem.40Fonte: CEBDOC95, CEBDOC136 e CEBDOC144, respectivamente.41Fonte: CEBDOC66.
60
Universidade. Fique tranquila […] o que importa é você aproveitar ao máximo essesúltimos meses (1966, p. 1).
Loureiro se referia a compra de algus materiais arqueológicos para a Faculdade, mas
sobretudo tratava da formação arqueológica de Maria José Menezes. Para Loureiro era
imprescindível, pois, que ela absorvesse todo conhecimento possível e, a partir disso, coordenasse o
ensino e pesquisa de arqueologia na FFCLPR. No entendimento de Gabriella Dresch (2016, p. 45),
Loureiro intentava assim abandonar a docência estrangeira42 e estimular a produção de
pesquisadores brasileiros, que coordenariam os centros de pesquisa da FFCLPR vinculados à
antropologia e arqueologia. Ainda, é latente a mobilização de recursos do antropólogo para a
formação de Menezes, incluindo seus próprios rendimentos e redes de contato em diferentes
instituições, como o Estado ou a Universidade.
Dessa forma, entendemos que, no que tange ao corpo discente, as ações levadas a cabo pelo
catedrático na FFCLPR tiveram como sentido último a cooptação dos melhores alunos, visando
com isso constituir relações sociais que perdurassem e permitissem o desenvolvimento da
antropologia. Conforme sugere a documentação por nós analisada, houve uma reciprocidade quanto
ao estabelecimento das relações sociais entre Loureiro e seus alunos43. Pois através das relações
sociais constituídas entre Loureiro e seus discentes era possível que os últimos acessassem uma
formação privilegiada, e que, por outro lado, o antropólogo cultivasse sua área de estudos,
sobretudo através de uma rede de pesquisadores qualificados e elaboração de agendas de pesquisas.
Certamente há mais fontes acerca das atividades desempenhadas por Loureiro Fernandes ao
longo de sua trajetória profissional, motivo pelo qual temos condições de articular mais
profundamente suas relações sociais dentro da FFCLPR. No entanto, sobre a cátedra de sociologia e
seus professores, durante a década de 1940 Euclides Mesquita e Gabriel Munhoz da Rocha
lecionaram nas cadeiras de sociologia; Munhoz da Rocha posteriormente seguiria para postos de
trabalho no curso de filosofia da FFCLPR. Destacase, pois, afastamento do titular de sociologia,
42Na década de 1950 Loureiro articulou a recepção do casal de arqueólogos franceses Annette Emperaire e JosephEmperaire no Centro de Estudos Arqueológicos da UP, a fim de que ministrassem alguns cursos (DRESCH, 2016, p.03)43Isso é particularmente notável nas cartas trocadas entre as alunas em viagem e Loureiro, pois os agradecimentos àsoportunidades articuladas pelo antropólogo, bem como seu apoio, eram enfatizados como indispensáveis ao sucesso desuas viagens e formações. Haja visto, por exemplo, a carta remetida da França a Loureiro Fernandes por Marília Duarteem 1966. Nesta, visava informálo de suas atividades e pedirlhe auxílio quanto à burocracia para reentrar em Portugal.Escreveulhe Duarte: “muito obrigada por seu esforço em me ajudar financeiramente, bem como pela sua “palavrinha”junto ao Cônsul Português; de fato se o senhor puder influir através dele ou de qualquer pessoa junto ao Conselho daFundação [ilegível] seria o maior auxílio que o senhor poderia me dar, pois as cousas parecem que vão se arranjar. […].Como vê, se o senhor tem a possibilidade de “dar uma mãozinha” para que eu volte a rever esta linda terra que sechama Lisboa, está na hora H. Senão ficarei também complexada, pois este é um grande sonho da minha vida presente”(CEBDOC136, p. 3; grifos no original).
61
Omar Gonçalves da Mota, desde a década de 40.
Mota era advogado de formação e também professor catedrático de direito industrial e
legislação do trabalho na Faculdade de Direito do Paraná, além de docente livre de economia
política na mesma instituição44. Das 16 cadernetas de ensino e frequência das disciplinas de
sociologia analisadas, em apenas três constava a docência de Mota: 1956, 2º e 3º anos; 1957, 1º ano;
e 1957, 2º e 3º anos45. Ainda assim, nessas cadernetas o catedrático compartilhou a docência com a
professora Maria Olga Mattar e compareceu intermitentemente ao largo do ano letivo.
Embora Omar da Mota não estivesse presente no curso de ciências sociais, teve atuação
preponderante na fundação da FFCLPR, como visto. À altura, Mota era secretário de Estado do
Paraná no governo de Manoel Ribas e assim entusiasmou a elite intelectual pelo projeto, como
auxiliou a instalar a FFCLPR nas dependências da assembleia estadual do estado (HORNER, 1993,
p. 34). Em razão de rusgas com a elite política paranaense, Mota transferiuse ao Rio de Janeiro na
década de 1960, onde lecionou na Escola Superior de Guerra (ANUÁRIO…, 1967, p. 265). Não
encontramos quaisquer trabalhos de Mota relacionados à sociologia; assim, entendemos que sua
titulação como catedrático de sociologia fez parte do expediente da FFCLPR em nomear
personalidades da elite política e intelectual do Paraná.
Nelson Tomazzi identificou ter Euclides Mesquita organizado o 1º Congresso de Sociologia
do Paraná. Nós, infelizmente, não encontramos quaisquer informações sobre isso. No entanto, sobre
o professor Mesquita sabemos, a partir de Comninos, que era advogado de formação e que lecionou
em ciências sociais a partir de 1948, em substituição a Omar Gonçalves da Mota. Foi contratado
assistente de sociologia da FFCLPR em 1949 e, em 1951, professor interino na mesma cátedra,
cargo no qual permaneceu até a década de 1960. Não encontramos qualquer trabalho de Mesquita
relacionado à sociologia, seja anteriormente, seja posteriormente a seu posto de interino; tal sugere
que não permaneceu trabalhando na área de ciências sociais46. Não foi possível identificar como
Mesquita chegou a estes postos no curso de ciências sociais, porém é provável ter sido indicado por
Omar da Mota, visto que esse era também catedrático na Faculdade de Direito, onde Mesquita
igualmente lecionava.
44Fonte: Currículo Vitae dos professores do curso de didática. Arquivo do setor de educação, envelope Validação doantigo curso de didática (antes da validação), Caixa 385.45Embora se trate de cinco turmas, são apenas três cadernetas. Pois as turmas de 2º e 3º anos mencionadas tiveram suasaulas reunidas, isto é, as turmas eram integradas e tinham suas aulas juntas em razão do pequeno número de alunos. Issoserá detalhado à frente.46De autoria de Mesquita, encontramos quatro trabalhos: as dissertações “O Estado e as contituições republicanas noBrasil” (1949) e “Da compensação” (1961), ambos apresentados aos concursos de livredocência às cátedras de TeoriaGeral do Estado (reprovado) e de Direito Civil (aprovado) da Faculdade de Direito do Paraná, respectivamente; e osartigos “A ficção no Direito” e “A compensação”, ambos sem data.
62
Embora Euclides Mesquita fosse o professor interino de sociologia desde 1951, Maria Olga
Mattar esteve presente na cátedra de sociologia no mesmo período como sua auxiliar de ensino.
Chama atenção, pois, o seguinte fato: das 13 cadernetas de sociologia na década de 1950, em três
constam condução das aulas por Euclides Mesquita; em quatro por Mattar e Mesquita em conjunto;
três por Omar da Mota e Maria Olga Mattar juntamente ; e três por Maria Olga Mattar. Com efeito,
Mattar esteve à frente da disciplina de sociologia em 10 das 13 cadernetas encontradas; para além,
predominou na cadeira a partir do final da década de 1950.
Em entrevista ao boletim Vida Universitária da PUCPR (2007, p. 01), Maria Olga Mattar
afirmou ter se formado em filosofia na FFCLPR e defendido seu doutorado em sociologia com a
tese de livredocência O Preconceito na Vida Social: Raízes da Exclusão Social (1958), sob
orientação de Bento Munhoz da Rocha. Foi convidada e contratada em 1951 pelos Irmãos Maristas
para lecionar na FFCLPR como professora assistente de sociologia de Bento Munhoz, visto que
esse era professor interino de sociologia desde 1941. Em 1958, Mattar prestou e foi aprovada no
concurso para livredocência de sociologia47 na FFCLPR, no qual apresentou a tese acima referida.
Afora sua tese, Mattar elaborou, a partir dos anos 1950, mais dois materiais sociológicos: duas
apostilas que utilizava para dar suas aulas (TOMAZI, 2006, p. 9394).
Com efeito, na sociologia parece ter predominado uma outra natureza de relações sociais e
objetivos quanto ao ensino e desenvolvimento da área. Pois embora, como veremos, a disciplina de
sociologia fosse central no currículo de ciências sociais, seus professores não eram formados na
área, assim como não identificamos quaisquer especializações ou cursos por eles realizados que
articulassem formações sociológicas. Relativamente ao catedrático Omar da Mota, seu vínculo ao
direito e contínuo afastamento das aulas concorreram, em nosso entendimento, para uma fragilidade
institucional da disciplina, uma vez que não este não lançou mão de recursos ou favoreceu a
formação de determinados discentes, como o fez Loureiro Fernandes.
As cadeiras de antropologia e sociologia constituem os casos sobre os quais mais temos
informações. Contudo, essa dinâmica entre alunos e professores e indicação aos cargos parece ter
sido regular nas demais cadeiras do curso e da Faculdade. Zélia Pavão, por exemplo, era aluna da
graduação em matemática quando assumiu o cargo de assistente em estatística junto ao matemático
Remy Teixeira, contratado em 1952 como professor de estatística geral (WINKELER, 2016, p. 78;
MIGUEL, 2008, p. 17). Zélia Pavão era licenciada em pedagogia e bachareal em matemática pela
FFCLPR; em 1956, doutorouse em educação e, em 1963, em estatística (WINKELER, 2016, p.
47Fonte: Atas do concurso de docêncialivre nº 2. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, envelope 49.
63
78). Desde 1952, atuou como instrutura de estatística aplicada e geral junto ao professor Teixeira;
em 1958, com a saída deste, assumiria o cargo de professora interina das referidas cadeiras
(ANUÁRIOS…, 1958/1959, p. 63).
Ainda que sobre a condução da disciplina de política existam poucas informações,
Comninos nos informou haver uma relação de proximidade de Lacerda Pinto, o catedrático, com
alguns alunos. O titular os recebia em casa para conversas e palestras sob determinados temas, os
emprestava livros – especialmente os livros em francês de Hubert Bourdot, enfim, criava também
vínculos com os discentes sem, contudo, projetálos a cargos docentes. Como atestam as cadernetas
de política, Lacerda Pinto ou não comparecia às aulas ou comparecia intermitentemente ao largo do
ano letivo; ainda assim, não encontramos nenhuma informação de que ele tenha indicado auxiliares
ou assistentes. Na experiência de Comninos, quando Lacerda Pinto não comparecia, as aulas
simplesmente não aconteciam.
Por fim, gostaríamos de falar brevemente sobre as cátedras de economia política e história
das doutrinas econômicas, ambas a cargo do intelectual Artur Ferreira dos Santos. Filho de
Claudino Rogoberto Ferreira dos Santos, prefeito de Curitiba entre 1916 e 1917, Artur Ferreira dos
Santos era formado em direito pela Faculdade de São Paulo. No Paraná, exerceu diversos cargos
públicos e políticos, entre eles deputado federal do Paraná (19351937; 1950), presidente da UDN
(1953), governador do Paraná (1955) e diretor da Carteira de Crédito Geral do Banco do Brasil
(19561968) (VERBETE BIOGRÁFICO, 2017, p. 1). Acreditamos, assim, que Almeida Santos foi
convidado à docência na FFCLPR em virtude de sua proeminência política, mas que, no entanto,
não chegou a exercêlo, visto que não há registro algum de que tenha ministrado aulas e desde 1943
Arthur Almeida Santos foi admitido como assistente de suas cátedras. Em verdade, todas as 15
cadernetas de Economia Política e História das Doutrinas Econômicas, correspondentes a todos os
anos de funcionamento do curso a partir de 1943, foram ministradas integralmente por Arthur
Almeida Santos; em virtude disso, o identificamos como o docente regular mais antigo do curso de
ciências da FFCLPR no período aqui examinado.
Infelizmente, obtivemos poucas informações acerca de Arthur Almeida Santos. Sabemos
que foi contrado em 1943 como assistente das referidas cátedras e que, a partir de 1950, passou a
regêlas como professor interino. Constantino Comninos, seu aluno de 1954 a 1957, seria
posteriormente seu auxiliar de ensino em Economia Política e História das Doutrinas Econômicas.
Em seu caso, como haviam apenas três alunos na turma e, mais tarde, apenas Comninos, Almeida
Santos lhe ensinava o conteúdo das cátedras em aulas particulares em sua casa, por meio de
64
palestras, conversas e indicações de leituras. A aproximação entre ambos, somado a seu êxito
acadêmico, renderam a Comninos o cargo de auxiliar de Almeida Santos em 1962.
Em nosso entendimento, esta relação entre formação discente e docência, num registro de
desenvolvimento das áreas de estudo, indicou a construção de estratégias particulares dos
professores visando determinados objetivos junto a suas áreas. Entendemos terem se constituído,
por um lado, relações sociais entre os alunos e professores que visavam, em reciprocidade, formar
pesquisadores/docentes de excelência e desenvolver seus campos de estudo. Porém, por outro, nem
todos professores engajaremse neste objetivo. Como visto, não era raro selecionarem assistentes
com vistas tão somente a sanar o afastamento dos titulares e dar continuidade às aulas e cursos. Pois
uma vez que os catedráticos, em grande parte dos casos, foram escolhidos em virtude de seu
prestígio social, nem todos compartilhavam de objetivos intelectuais quanto às cátedras que
fundaram. Ademais, somese a isso a escassez de recursos da instituição que, em nossa
compreensão, impedia igualmente a elaboração de estratégias de ensino.
A relação entre discentes e docentes e desenvolvimento de áreas de estudo esteve
significavamente enunciada na escolha do corpo docente contratado, à medida que os requisitos de
seleção e qualificação dos assistentes, auxiliares, interinos etc, expressaram, em última instância, a
elaboração de estratégias para o aprimoramento dos domínios das cátedras ou tão somente a
regência das aulas. Com efeito, a liderança de Loureiro Fernandes, a particularidade de seus
projetos e sua diligência indicam que, em condições de escassez de recursos, financeiros e
humanos, houve espaço para apenas um projeto científico no curso de ciências sociais e a
antropologia foi a protagonista.
Ainda, nossa análise identificou, pois, a prossecução de objetivos inviduais quanto ao curso,
à medida que, conforme indica a documentação examinada, não houve um projeto político
pedagógico pensado integradamente para o curso. Tal se expressou, fundalmentalmente, na
constituição destas estratégias individuais nas cátedras e, como veremos, na elaboração dos
programas das disciplinas. O curso se organizou, com efeito, a partir de cátedras com finalidades
pensadas isoladamente; sua integração, pois, esteve a cargo do projeto mais amplo da Faculdade,
qual seja, de produção de uma elite intelectual para o Paraná.
65
3 CAPÍTULO 3: PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
Arrolamos até aqui tais compreensões acerca dos grupos envolvidos na fundação da
FFCLPR, seus professores, alunos, projetos e conflitos, pois em nosso entendimento compreender o
curso de ciências sociais exigiu visualizar em conjunto o ambiente em que ele teve lugar, sobretudo
a concepção do espaço em que o curso esteve inserido. Dessa forma, pudemos localizar alguns dos
aspectos que permitiram o desenvolvimento duma ciência social dentro duma faculdade específica,
atentando assim às singularidades desse processo,“relacionando não um pensamento ou uma ideia,
mas todo um sistema de ideias a uma realidade social subjacente” (MANNHEIM, 1967, p. 26). Na
impossibilidade de dialogarmos com todos elementos e fenômenos imbrincados na fundação da
FFCLPR e do curso, selecionamos aqueles cujos rastros deixados pela documentação, memória e
literatura permitiram a reconstituição de alguns aspectos da história do curso de ciências sociais da
atual UFPR, conforme nosso problema de pesquisa. Com a percepção desses elementos sociais dos
quais emanaram parte da constiuição da FFCLPR, gostaríamos agora de discutir o conhecimento
produzido no curso de ciências sociais, entendendoo como relativo à essas mesmas condições
sociais. Para tanto, dividimos este capítulo em três tópicos: 1) os currículos do curso de ciências
sociais; 2) as cadernetas de frequência e matéria lecionada do curso; e 3) ciência e religião.
3.1 OS CURRÍCULOS DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA FFCLPR
Ao longo de nossa investigação identificamos, pois, dois diferentes currículos no curso de
ciências sociais. O primeiro, relativo apenas à primeira turma da FFCLPR (19381940), e o
segundo, acionado de 1940 em diante48. Quanto à constituição destas grades curriculares, não foi
possível apurar a origem do currículo de 1938, isto é, se foi elaborado pelos próprios catedráticos ou
transplantado de outra instituição, por exemplo. Contudo, acerca do currículo de 1940, sua
reorganização e retirada de uma disciplina, entre outras evidências, atestaram a afinidade desta nova
grade curricular com o currículo do curso de ciências sociais da FNFi.
Na tabela 1 em apêndice, organizamos a grade curricular de 1938. Essa é uma informação
inédita acerca do curso de ciências sociais da FFCLPR. Este currículo foi vigente apenas para a
primeira turma de ciências sociais, ingressa em 1938, visto que no ano seguinte, com a prescrição
do padrão universitário federal, iniciouse o processo de adequação da FFCLPR ao modelo da
FNFi49. Formado a partir de 13 disciplinas, o currículo de 1938 era centrado nas cadeiras de
48De agora em diante, chamaremos oprimeiro currículo de “currículo de 1938” o segundo currículo, de “currículo de 1940”.49Fonte: I Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, p. 17. Arquivo doSetor de Educação UFPR, Livro 43.
66
sociologia, com três disciplinas, e nas cadeiras de estatística e matemática, que juntas somavam três
disciplinas voltadas ao ensino de métodos quantitativos. Três distintas disciplinas de filosofia
também integravam o currículo, em uma proposta, a nosso ver, adequada às pretensões da FFCLPR.
À economia eram reservadas duas disciplinas, economia política e finanças e história das doutrinas
econômicas. Por fim, as disciplinas de política e antropologia eram ministradas na última série do
curso; sobretudo a cadeira de antropologia parece apartada da proposta do currículo, focado em
sociologia, estatística e economia política, uma vez que não há um diálogo aparente entre a
antropologia e as demais disciplinas.
Em 1940, no entanto, a grade curricular do curso apresentaria algumas mudanças50. Na
tabela 4 em apêndice organizamos uma comparação entre ambos currículos. Com efeito, o grosso
das disciplinas continuou o mesmo, contudo, sob uma nova ordem e disposição: quatro disciplinas
na primeira série, cinco na segunda, e quatro na terceira. A cadeira de filosofia geral e psicologia foi
retirada do currículo; em contrapartida, incluiuse mais uma disciplina de economia política.
Também a disciplina de economia política e finanças teve seu nome alterado apenas para economia
política. Neste momento, o eixo do currículo transferiuse à sociologia e à economia, cada qual com
três disciplinas, seguido das disciplinas de estatística e complementos de matemática e da filosofia.
O interessante dessas alterações foi a aproximação do currículo de ciências sociais da
FFCLPR ao currículo da FNFi. Conforme Maria Fávero (1989, p. 70), de 1939 a 1946 a grade
curricular das ciências sociais da Faculdade Nacional mantevese a mesma – a organizamos no
apêndice 5. Com efeito, a mudanças curriculares efetuadas no rol das cadeiras do curso de ciências
sociais da FFCLPR orientaramse no sentido da total adequação do curso aos padrões da Faculdade
Nacional.
Em análise dos currículos do curso de ciências sociais da FNFi, Glaúcia Villas Boas (2003)
desvendou algumas das demandas por trás das escolhas de suas cátedras. Para a pesquisadora,
tratouse de um currículo alicerçado no ensino da sociologia e da economia, seguido da estatística e
filosofia. A predominância da economia se explicaria por dois viéses: a possibilidade de lecionar no
ensino secundário as disciplinas de sociologia e de economia; e pela criação da Faculdade Nacional
de Economia apenas em 1945. Até esse ano, portanto, destinavamse ao curso de ciências sociais da
FNFi aqueles interessados em especializarse em economia (2003, p. 48). Já a preminência da
50Tomazi identificou haver um novo currículo em 1940 (2005, p. 93). O autor afirmou haver a retirada das disciplinasde Filosofia Geral e Psicologia e História da Filosofia, sendo ambas substituídas pela cadeira de Ética, que teria lugarno 1º e 2º ano. Nossa análise, contudo, revelou que apenas a disciplina de Filosofia Geral e Psicologia foi extinta,continuando a funcionar e ser parte do currículo as disciplinas de História da Filosofia, no 1º ano, e a de Ética, no 2ºano.
67
sociologia se explicaria, para além da docência no ensino secundário, pela demanda crescente de
seu conhecimento como meio de interpretação racional das sociedades (ibidem, p. 51). Sobre a
antropologia e a política, a pesquisadora considerou que estas ainda não se configuravam enquanto
áreas de importância, motivo pelo qual teriam somente uma disciplina cada ao final do curso.
Apenas em 1947 a antropologia alargaria sua visibilidade, em termos curriculares, com a oferta de
duas disciplinas eletivas, etnografia do Brasil e metodologia e pesquisas antropológicas (ibidem, p.
50).
Segundo consta nas atas das reuniões da Congregação e do Conselho Técnico
Administrativo da FFCLPR, o transplante deste currículo, bem como dos programas das disciplinas
– discutiremos à frente, realizouse sem imposições da parte dos professores paranaenses. Isto é,
esses não opuseram ressalvas, ou ao menos elas não foram registradas, à reestruturação dos
currículos da FFCLPR. Em nosso entendimento, tal cirscunstância, relativamente ao curso de
ciências sociais, era sintomática de um projeto pedagógico pensado sem integração do corpo
docente, para além de uma imposição legislativa acerca da condução dos cursos superiores. Pois tal
sugere não ter havido uma proposta para o curso de ciências sociais oriunda de seu próprio corpo
docente. Entendemos, nesse sentido, que um projeto para o curso se deu apenas posteriormente, à
medida que este se consolidou na FFCLPR e possibilitou a formulação de estratégias
individualmente às cátedras, como visto.
Ademais, tendo por base a teoria de Basil Bernstein, percebemos a elaboração de ambas
grades curriculares como derivadas de processos classificatórios, cujas fronteiras são esbatidas. Isto
é, os conteúdos eram alocados e pensados a partir de um fŕagil isolamento. Em nossa percepção,
constituemse enquanto currículos de integração, pois além da repetição das cadeiras, há o fator de
transplante e adequação do currículo de 1940. Como visto, na FNFi o currículo de ciências sociais
foi pensado por meio sobretudo da sociologia, economia e estatística, em que economia e sociologia
predominavam na grade curricular mormente pela percepção da economia como elemento de
importância para a compreensão da realidade social, assim como pela inexistência de um curso de
economia. Assim, as ciências sociais apresentavamse como a área mais próxima para o ensino
desse tipo de conteúdo, sinalizando o esmaecimento das demarcações entre as áreas. Tal ficará mais
claro ao debatermos os conteúdos em si presentes nas cadernetas.
68
3.1.1. Os programas das disciplinas
Aos catedráticos competia a constituição dos programas das disciplinas de suas
cátedras. Dentro dos limites impostos pelos dispositivos regulamentares do Conselho Nacional de
Educação, os titulares elaboravam sua agenda de conteúdos e atividades, bem como a execução das
atividades práticas que porventura fossem articuladas na disciplina. Os programas das cadeiras
deveriam ser pensados e submetidos anualmente aos exames do diretor da Faculdade e do Conselho
Técnico Administrativo (CTA) da mesma, a fim destes avaliarem e validarem a condução da
cadeira. Especificamente, deviam os catedráticos apresentar anualmente tais programas a 26 de
fevereiro, isto é, antes do início das aulas, para o estabelecimento dos cursos normais que
funcionariam no mesmo ano. A revisão do CTA da Faculdade tinha por intuito tanto avaliar o
respeito às indicações do Conselho Nacional de Educação, quanto a organização dos materiais e
recursos necessários à condução das cadeiras (REGIMENTO, 1938, p. 89). Esse percurso estava
previsto, com efeito, no Estatuto da Faculdade51.
Do currículo de 1938, encontramos os programas das disciplinas de economia política
e finanças, sociologia e antropologia e etnologia52. Infelizmente, não obtivemos informações acerca
da elaboração destes programas; é possível, no entanto, que fossem espelhados nos programas de
ensino da Faculdade de Filosofia de São Bento, uma vez que essa instituição serviu de base à
organização da FFCLPR em seu primeiro ano. No tocante à forma escrita destes programas, essa
era bastante semelhante à anotação dos conteúdos nas cadernetas de frequência e matéria lecionada.
Isto é, o programa previa a divisão da cadeira em três partes, em que cada uma destas parcelas era
organizada na forma de tópicos numerados que se subdividiam. Ademais, em nenhum dos
programas foram referidos autores/as ou bibliografia. As cadernetas e programas das cadeiras
apresentavam, pois, uma mesma forma de sistematização e ordenação dos conteúdos.
Com o processo de adaptação da FFCLPR ao modelo da FNFi em 193953 foram, pois,
alteradas as grades curriculares dos cursos, seus programas de disciplinas, designados novos
professores, entre outras mudanças à nível administrativo. Com efeito, cabia agora à secretaria da
51Embora não tenhamos encontrado o Estatuto da Faculdade, analisamos o Regimento Interno da mesma, queexplanava acerca dos trâmites previstos no Estatuto para a elaboração dos programas das disciplinas. O RegimentoInterno de 1938 foi encontrado nas Atas do Conselho Técnico Administrativo da Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras do Paraná, presente no setor de Educação da UFPR, livro 47.52Fonte: I livro de atas da Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, 1938, p. 0316.Arquivo do Setor de Educação da UFPR, livro 43.53Fonte: Atas do Conselho Técnico Administrativo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, 1939, p. 1516. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, livro 47.
69
FFCLPR solicitar à FNFi os programas das disciplinas anualmente (ATAS…, 1940, p. 23)54.
Embora não saibamos se os programas das disciplinas de 1938 eram redigidos e pensados pelos
próprios catedráticos, de 1939 em diante tais programas foram transplantados da FNFi, conforme
atestam as atas do CTA e da Congregação da FFCLPR.
Contudo, isso não significou uma simples cópia dos programas, pois conforme a ata da
17º reunião do Conselho Técnico e Administrativo da FFCLPR de 1941, a adoção dos programas
em vigor na FNFi se daria “sem prejuízo de orientação particular de cada um [dos professores] e de
sua autonomia didática” (1941, p. 216). Nesse sentido, compreendemos que a padronização ao
modelo da FNFi foi pensanda em termos de uma adaptação e não de uma replicação da instituição
no Paraná. Para além, tal endossa nossa interpretação acerca das agências individuais dos
catedráticos, visto que ainda que houvesse o modelo e programas das disciplinas da FNFi, era
possível articular elementos e orientações particulares à condução das cátedras, mas não, de
maneira geral, aos programas e currículos. Ou seja, havia permissão para uma certa configuração
das cátedras conforme os interesses de seus titulares, porém, ao mesmo, tempo, deveriase orientar
seus conteúdos e forma de acordo com a legislação federal.
Ainda em 1939, foi lavrado o contrato da FFCLPR com os Irmãos Maristas. Após, foi
alterado o regimento interno da FFCLPR, pois que se acrescentou Conselho Geral, formado por três
integrantes da UBEE, incluindo o reitor do instituto Santo Maria, e dois membros da FFCLPR.
Competia ao Conselho Geral funções administrativas, como validação de orçamentos, pagamentos,
inscrições, emprego de professores, entre outros, bem como a vigilância e zelo pelo cumprimento
dos objetivos e orientação da Faculdade (REGIMENTO…, 1940, p. 2021). Quanto à orientação da
Faculdade, tratavase da religião católica. Assim, à altura das negociações entre a FFCLPR e a
UBEE, foi estabelecido que, ainda que os catedráticos pudessem manter os programas de suas
disciplinas conforme os dispositivos da lei n. 1.190/39, deveriam demonstrar respeito e deferência
“perante os postulados cristãos de sua orientação espiritual [da UBEE], seguindo, em tudo quanto se
relacionar com as disciplinas dos diferentes cursos, uma conduta de elevado aceitamento à tradição
católica do povo brasileiro55” (ATAS…,1939, p. 20).
Se por um lado adequação ao modelo da FNFi exigiu mudanças na grade curricular
dos cursos normais e dos programas das disciplinas ministradas atrelando, assim, a FFCLPR à
54Fonte: ibidem, p. 23.55Fonte: I Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, 1939. Arquivo do Setor de Educação UFPR, Livro 43.
70
proposta nacional de educação, por outro, o contrato com a UBEE consolidou o projeto católico da
Faculdade, visto que instituiu formalmente o respeito à tradição católica. Nesse sentido,
acreditamos, houve um tensionamento da instituição entre dois parâmetros e objetivos, que se
expressou sobretudo na condução das disciplinas. Essas, como discutiremos à frente, ao mesmo
tempo que dialogavam eventualmente com conteúdos católicos, pautavamse pelos programas de
disciplinas da FNFi e eram elaboradas, como visto, conforme a constelação de interesses e
possibilidades dos docentes em desenvolver aquela área em particular. A análise dos programas das
disciplinas expressou os objetivos últimos da FFCLPR: modernizar o Paraná por meio de uma
cultura superior desinteressada pautada, por seu turno, no respeito aos preceitos da religião católica.
3.1.2 O curso especial de didática
A nível formal, a formação em licenciatura da FFCLPR tinha como base o currículo 3+1 da
FNFi. Isto é, após três anos de bacharelado, optavase por cursar ou não mais um ano de disciplinas,
no curso especial de didática, a fim de licenciarse. As cadeiras eram didática geral, didática
especial, psicologia educional, administração escolar, fundamentos biológicos da educação e
fundamentos sociológicos da educação. No mesmo registro da FNFi, o expediente deste formato
curricular era a habilitação de um grande número de professores para o ensino secundário.
Para Loureiro Fernandes56 (DISCURSO…, 1944, p. 10), os professores secundários
deveriam cultivar em seus jovens alunos uma elevada consciência humanística e patriótica,
mormente por meio do ensino de uma consistente cultura geral. Assim, entendia que “do corpo de
seus diplomados recrutará a Nação os professores, os humanistas, habilitados por longos cursos de
aperfeiçoamento didático e científico […] responsáveis no futuro pela elevação do ensino
secundário” (ibidem). A FFCLPR esteve, portanto, em sincronia com os objetivos federais impostos
pela Reforma Francisco Campos, tendo por finalidades fundamentais a formação de professores e a
promoção duma cultura superior a nível nacional.
No entanto, tendo em vista o modelo curricular da FFCLPR (3+1), ainda que tal esquema de
formação preparasse um vasto corpo docente em condições de fazer frente aos objetivos
vislumbrados pelos intelectuais da instituição, ao final conduzia à superposição de dois cursos
(FÁVERO, 1989, p. 12). Pois os conteúdos de teoria e método eram trabalhados separadamente: as
teorias no bacharelado e os métodos de ensino na licenciatura. Do ponto de vista da formação
docente, o tratamento de teoria e método como elementos estanques e separados fragilizava o
56Discurso ao bacharéis de 1943, pelo paraninfo José Loureiro Fernandes. 1944, Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná.
71
preparo à docência (ibidem).
Tal foco na formação de professores manifestava a afinidade do projeto da FFCLPR com os
objetivos da intelectualidade católica no campo educacional brasileiro. Como já posto, o CEB
esteve articulado a algumas das premissas da ação católica brasileira. Essa afinidade se expressou,
também, na FFCLPR. Em 1942 Alceu Amoroso Lima foi escolhido paraninfo dos formandos da
FFCLPR; em seu discurso, dissertou longamente sobre o papel da intelectualidade católica
brasileira no campo da educação. Sinteticamente, Alceu Amoroso expressava, por meio da crítica
ao pensamento moderno, um projeto nacionalista para a educação. Em sua concepção, aos
professores cabia a condução do destino do país, uma vez que estes seriam responsáveis pela
orientação dos jovens alunos rumo à uma autonomia de pensamento calcada nos princípios cristãos.
No ano seguinte, em seu discurso aos bachareis e licenciados, Loureiro Fernandes se debruçaria
sobre o tema do neotomismo e sua validade na FFCLPR. Tratando especialmente do combate ao
cientismo e da construção de um conhecimento integral, Loureiro reiterou o posicionamento e de
Alceu Amoroso e acrescentou
o Sacerdócio da Verdade, sagrado ministério, é que dá a esta Faculdade alta expressãointelectual ao traduzir um sentimento coletivo, uma corrente de opinião e um roteiro deatividades cujo objetivo é de construir uma verdadeira escola. Escola na elevada “função decriar, recriar, e disciplinar os altos atributos da cultura humana e de perpetuar seuselementos constitutivos”(1943, p. 10).
A par desses objetivos, a FFCLPR constituiuse, nesse sentido, como centro irradiador dum
projeto católico para a educação secundária paranaense. Tal proposta estava articulada, por seu
turno, ao ideal de modernização da Faculdade, ou seja, de, a partir do neotomismo, preservar a
unidade e integração da cultura paranaense face às transformações da vida moderna. Pois assim se
atingiria “criar, recriar e disciplinar os altos atributos da cultura humana” nas novas gerações.
Outrossim, à medida que a Faculdade se aproximou de elementos confessionais externos, como os
Irmãos Maristas e a UBEE, foi perceptível a apreensão e constituição de objetivos internos que
articularam tanto as exigências legislativas federais, quanto o programa católico nacional para a
educação.
Assim como os currículos e programas das disciplinas, o curso de didática expressou o
elevado objetivo perseguido pela licenciatura da FFCLPR, qual seja, habilitar um vasto contigente
de professores especializados e promover um sólido conhecimento humanista e cristão aos alunos
secundários paranaenses. Não se trata, no entanto, de creditar à FFCLPR uma orientação
integralmente católica e, sim, de examinar seu tensionamento entre os objetivos de produção de
uma cultura superior desinteressada e de respeito/ajuste às demandas católicas.
72
3.2 AS CADERNETAS DE FREQUÊNCIA E MATÉRIA LECIONADA: AS CIÊNCIAS
SOCIAIS DO PARANÁ
Se os currículos e programas das disciplinas se estruturavam formalmente segundo as
configurações acima debatidas, as aulas do curso de ciências sociais expressavam, por seu turno, os
resultados e efeitos práticos de tais perspectivas de ensino. Agora, portanto, nos deteremos em
analisar os conteúdos e dinâmicas de sala de aula registrados nas cadernetas de ensino de frequência
do curso de ciências sociais da FFCLPR. Para tanto, analisamos seis cadernetas de antropologia e
etnografia, uma de complementos de matemática, 15 de economia política, oito de estatística
aplicada, 10 de estatística geral, três de ética, oito de história das doutrinas econômicas, três de
história da filosofia, oito de política e 16 de sociologia.
Tendo em vista, pois, que as cadernetas mantinham anotações pontuais acerca dos
conteúdos, ou seja, na maior parte dos casos anotavase apenas o tema da aula, teremos como base
para a presente discussão este tipo de registro. Ademais, tratase de um conhecimento dinâmico,
abordado diferentemente em cada uma das cadernetas ao longo dos anos, ainda que referentes à
mesma cadeira; faremos, portanto, uma síntese dos conteúdos das cadernetas por cátedra.
As disciplinas de economia, seja economia política, seja história das doutrinas econômicas,
foram integralmente ministradas por um mesmo docente, Arthur Santos de Almeida. Em virtude
disso, as cadernetas apresentaram, cada qual segundo sua disciplina, o mesmo conteúdo ano a ano.
O que se percebe, a partir disso, é o entendimento da esfera econômica como um dos fundamentos
da vida social e a própria economia, como uma ciência social. Nas cadernetas, é latente a
correspondência entre aspectos econômicos, como moeda, renda, mercado e teorias econômicas
com as questões das ciências sociais à altura, como formação de Estados, divisão do trabalho,
formas de produção, entre outras. Nas cadernetas de economia, constam leituras e/ou debates de
autores como Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx e Paul Rigon.
Especificamente a disciplina de economia política, de modo geral, era iniciada com uma
discussão introdutória acerca das ciências sociais, seguida da ciência econômica, onde apresentava
se a economia política. Estudavase, pois, “o fato econômico e sua conexão com outros fatos
sociais: o direito, a moral e a linguagem”57; o docente apresentava a constituição histórica de seus
objetos e métodos de estudo. Após, comumente era encetado um debate sobre formação de salário,
juros, elaboração de capital, consumo e rendimentos, constituição de mercados, impostos, entre
outros tópicos. Seguido desses debates mais pontuais, eram discutidas questões como produção e
57Caderneta de frequência e matéria lecionada de Economia Política, 1º ano, professor Arthur Santos de Almeida, cursode ciências sociais, 1954. Disponível em Arquivo do Setor de Ciências Humanas da UFPR.
73
distribuição de riquezas a partir, sobretudo, das teorias marxista, socialista, malthusiana e
ricardiana; essa última teoria dava ensejo à discussão sobre renda e consumo.
Em alguns anos, como em 1951, por exemplo, foram debatidas teorias e visões da Igreja,
como sua percepção acerca do salário mínimo, conforme presente nas encíclias – não especificadas.
A partir de metade da década de 1950, incluiuse a discussão sobre pleno emprego e economia de
prosperidade e depressão. De modo geral, a disciplina articulava uma espécie de história da
economia, com ênfase na produção e circulação de bens. Não identificamos diferenças entre as
disciplinas de economia política do 1º ano e do 2º ano.
Por seu turno, a cadeira de história das doutrinas econômicas tinha por finalidade, podese
dizer, apresentar historicamente as principais escolas de pensamento econômico no Ocidente.
Retomavase, pois, o desenvolvimento das teorias econômicas desde o Egito antigo, passando pelas
doutrinas romanas, metalistas, mercantilistas, liberalistas, capitalistas, comunistas, entre outras. Em
especial, nessa cadeira se discutiam as correntes econômicas pensadas pela Igreja Católica,
denominadas “catolicismo social”; este tema era visto no tópico sobre Movimento Religioso.
Assim, Arthur Almeida Santos apresentava alguns aspectos do pontificado de Leão XVIII, seguido
do debate das encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno. Em alguns casos, tal discussão foi
acompanhada de debates sobre os movimentos protestantes, em outros, junto à questões como
intervencionismo familiar e confessional.
A presença de conteúdos católicos em ambas disciplinas é ambígua, pois tais temas estavam,
por um lado, inseridos no contexto de discussão, sugerindo assim a importância de os analisar em
sala de aula; por outro, a intermitência com que alguns conteúdos foram trabalhados em sala, como
a questão do salário mínimo segundo a Igreja, indicou certa opção por esses temas. Quanto ao
sentido de conteúdos católicos em sala de aula, discutiremos em maior profundidade à frente.
As aulas de sociologia, contudo, respondiam a uma peculiar configuração. Junto às
disciplinas de economia, era a área com mais cadeiras no currículo; a despeito disso, seu conteúdo
parecia não responder a um saber especializado, e, sim, a um aglutinado de disciplinas que não
permitia a definição própria e que acabava não agregando agentes em torno de um projeto. As
disciplinas oscilavam entre conteúdos de direito, filosofia, estatística e economia, sobretudo
impedindo a compreensão da variável social propriamente dita: ora era o Estado, ora a economia,
ora a moral, ora o catolicismo.
Na sociologia do 1º ano, era realizada uma apresentação da sociologia como fato social, sem
contudo, uma menção a autores. Em algumas cadernetas, constou o debate do desenvolvimento
74
histórico desta ciência a partir de Augusto Comte, para, em seguida, discutirse fato social. Após,
geralmente abordavase o tópico de progresso social a partir das correntes finalista e determinista,
ou grupos social e classes. A estruturação da disciplina era dada, pois, a partir do debate de
conceitos tomados como tópicos das aulas: sociedade, hierarquia, normas sociais, evolução social,
mobilidade social.
Apenas em algumas das cadernetas foram distinguidos autores; por exemplo, no caso da
cadeira de sociologia do 1º ano de 1952, conduzida por Olga Mattar e Euclides Mesquita, foi citado
Euclides da Cunha como fonte para a discussão do tópico “o homem e o meio”. Em 1954, na
mesma cadeira conduzida pelos referidos docentes, discutiuse Gabriel Tarde e Alfred Fouillé, sem
discriminar, contudo, quais aspectos de suas teorias foram abordados. A sociologia do 1º ano devia,
sugerese, apresentar introdutoriamente a sociologia aos alunos.
Já as cadeiras de sociologia do 2º e 3ºanos tinham seus conteúdos entreleçados e misturados:
ora determinado conjunto de tópicos era discutido no 2º ano, ora no 3º e viceversa. Esta percepção
se reforçou à medida que as cadernetas de ambos os anos muitas vezes eram referentes à disciplinas
ministradas em conjunto para os 2º e 3º anos de ciências sociais. Com efeito, das 16 cadernetas de
sociologia, seis eram relativas a disciplinas de sociologia ofertadas para os referidos anos em
conjunto.
De modo geral, a disciplina de sociologia do 2º ano passou por algumas fases ao longo do
curso. Durante a década de 1940, quando regida por Bento Munhoz, teve enfoque nas populações
marginais do sul do Brasil, em que se discutiu o conceito de aculturação. Posteriormente, a partir do
segundo semestre do ano, a cadeira era conduzida para os temas da economia, com o debate de
modos de produção, interdependência de fatores econômicos e sociais, grupos e classes sociais. A
partir da década de 1950, sob regência alternada dos professores Euclides Mesquita e Olga Mattar, a
disciplina abrangia tantos aspectos de uma sociologia econômica (como Bento Munhoz ministrara),
assim como de uma sociologia da religião, em que se discutiam autores como Émile Durkheim e
James Frazer; comumente se inseria a doutrina social do catolicismo e suas encíclicas, tais como
Rerum Novarum, Quadragésimo Anno e Divini Redemptoris, nesse espectro de temas.
Posteriormente, se estudava uma sociologia do conhecimento, assim denominada nas cadernetas.
A sociologia do 3º ano, por seu turno, abrangia uma sociologia da religião, em que se
apresentava seu conceito e seguiase discutindo religião e magia, feitiçaria e magia, formas sociais
da religião, entre outros temas. Em seguida, a partir desses aspectos se desenvolvia uma sociologia
do conhecimento preocupada em desvendar as articulações entre inteligência e ciência e lançar luz
75
ao papel social da ciência na modernidade. Tais conteúdo eram, senão os mesmos, muito
semelhantes em suas anotações aos do 2ª ano.
Quando ministradas em conjunto, contemplavam uma variedade de temas, como discussões
acerca de tipos de moradias urbanas e higienização das cidades, no sentido de compreender o
desenvolvimento de doenças como tuberculose, sífilis e febre amarela. Analisavamse também os
hábitos alimentares dos brasileiros e aspectos de saneamento rural. Outras vezes se discutiam o
conceito de raça e etnia no Brasil, com ênfase no índio, negro e português; quando havia essa
abordagem, em seguida eram trabalhos os temas de imigração e aculturação.
Para além, algumas cadernetas registraram como conteúdo do 2º e 3º anos (em conjunto)
apenas os temas de religião e sociologia do conhecimento; em outros casos, apenas os tópicos de
desenvolvimento histórico da sociologia, como era comumente examinado na cadeira de sociologia
do 1º ano. Por fim, havia a explanação igualmente de temas da ordem de uma sociologia jurídica,
como direito natural e direito positivo, materialismo jurídico, desagregação da concepção integral
de direito, entre outros; e da ordem de uma sociologia política, em que se examinavam conteúdos
acerca das formas de Estado e de governo, democracia etc. Ou seja, não havia uma clara definição
acerca dos conteúdos a serem trabalhados nas disciplinas de sociologia do 2º e 3º ano de ciências
sociais.
Baseada nas duas apostilas que usava para lecionar sociologia, Maria Olga Mattar editou em
1998 o livro Organização e Contexto Social. Neste, definiu sociologia como “estudo da sociedade
em todos os seus aspectos. A Sociologia geral procura conhecer a realidade sociológica total,
formas, mútuas dependências, correlações entre fatos sociais e não sociais, a fim de explicar
cientificamente as regularidades, regras e normas comuns a estes fatos sociais” (MATTAR, 1998, p.
16). Por outro lado, haveriam também sociologias especiais e ciências sociais específicas,
preocupadas em conhecer fatos particulares, tais quais economia, religião e vida urbana, por
exemplo (ibidem). Ademais, compreendia a sociologia como uma ciência descritiva e comparativa
das sociedades, cuja função era formular leis e regularidades da vida humana (ibidem, p. 19). Com
efeito, a base da compreensão sociológica de Mattar era durkheimiana.
Para Mattar, a função da sociologia era “determinar a causa dos fenômenos comunitários e
organizar melhor a sociedade” (1998, p. 28). Neste sentido, se valia da estatística em uma tradução
matemática dos fatos sociais, da história como evolução temporal destes mesmos fatos, da
antropologia na percepção do homem como criador e transmissor de cultura e da psicologia social
como estudo dos padrões de comportamento humano em grupo (ibidem). A especificidade da
76
sociologia, nesse sentido, era a apreensão da organização social – essa entendida como um fato
social, visto que assim englobaria os aspetos da interação humana. Assim, sociologia estudaria a
“estrutura e funcionamento como dinâmicos e integrados num todo homogêneo, ditado pela herança
e cultura” (ibidem, p. 35).
Ao longo do livro, Mattar articula uma série de autores, desde Florestan Fernandes a Pitirim
Sorokin. Embora Mattar citasse suas referências ao final de cada um dos capítulos do livro, ao
longo do texto abordava suas teorias e considerações por meio de uma síntese pessoal. Isto é claro,
por exemplo, na seguinte passagem:
Até hoje, no entanto, os sociólogos não chegaram a um acordo sobre o objeto específico daciência. Para uns, o fato social primeiro e a estrutura; para outros, os processos sociais […],para outros ainda, as relações sociais […] ou as instituições, ou ainda os produtos daconvivência. Fazendo uma síntese do pensamento dos autores, podemos dizer comsegurança que a sociologia é a ciência da Organização Social na forma e no conteúdo(MATTAR, 1998, p. 35).
Com efeito, esta percepção da sociologia e de sua função esteve expressa nas cadernetas,
seja em sua apresentação em sociologia do 1º ano a partir do conceito de fato social, seja na
preocupação em englobar um largo espectro de elementos e de disciplinas a fim de inferir algum
conhecimento sobre a realidade social. Além da abordagem de tais perspectivas por meio de uma
síntese pessoal de leituras por parte dos professores, sem necessariamente mencionar autores ou
indicar bibliografias durante as aulas.
Acerca disso, é interessante retomar alguns aspectos levantados por Antônio Cândido no
artigo A sociologia no Brasil, de 1959. Para Cândido, a década de 1930 no Brasil marcou, pois, a
produção de uma sociologia baseada em uma indiferenciação disciplinar, “assim, é bastante largo o
seu âmbito de compreensão, englobando atividades que, noutros países, seriam rotuladas de história
social, etnologia, antropologia cultural, folclore, política” (CÂNDIDO, 2006, p. 292). Também
Sérgio Miceli (1989, p. 07) considerou haver, até a década de 1950, uma frágil diferenciação
disciplinar nas ciências sociais, sem condições, portanto, de estabelecer um perfil às lideranças
intelectuais da área, aos temas de pesquisa, conteúdos dos currículos, agendas de pesquisa e
metodologias.
No caso da FFCLPR, para além de uma clara indiferenciação disciplinar e baixa
especialização da sociologia, a rotatividade de professores a cargo da área foi um dos elementos,
consideramos, fundamentais para o caráter amorfo da cátedra, no que se refere à sistematização de
seus conteúdos. Na verdade, acreditamos terse tratado de uma via de mãodupla, em que, à medida
que não se constituía um projeto para a cátedra de sociologia, nem uma agenda de investigações e
ensino, não se aglutinavam agentes em torno da área. Por seu turno, sem agentes para levar a cabo
77
tal projeto, este não se elaborava. No tocante a isto, no entanto, acreditamos que foi predominante a
ausência do catedrático, Omar da Mota, como já debatido anteriormente.
Já os conteúdos das cadernetas de estatística, cujas aulas foram dadas majoritariamente pela
professora Zélia Pavão, tinham como pontapé os conhecimentos matemáticos introduzidas pela
disciplina de complementos de matemática. Na caderneta de complementos de matemática
encontrada nenhum conteúdo foi registrado; no entanto, Constantino Comninos, em reflexão sobre
as disciplinas que cursou durante a graduação, afirmou que tal disciplina tinha por objetivo
aprofundar os conhecimentos matemáticos que seriam requeridos, posteriormente, nas disciplinas
de estatística geral e aplicada. Uma vez revisados os conhecimentos matemáticos, a cadeira de
estatística geral, alocada no 2º ano, introduzia os procedimentos e cálculos estatísticos, tais como
cálculo de média, mediana, desviopadrão, variância, coeficiente de variação, quartis, entre outros.
Por seu turno, a cadeira de estatística aplicada mesclava o cálculo estatística aprofundado, como
cálculo do coeficiente de assimetria e variação, medidas de dispersão, média relativas etc, com
estudos práticos de indicadores sociais – índice de Gini, por exemplo. Buscavase, com efeito,
instrumentalizar a prática estatística em cálculos sobre demografia, mobilidade urbana, natalidade.
Ou seja, havia marcadamente uma preocupação com os aspectos quantitativos das ciências sociais.
Nas cadernetas de frequência e matéria lecionada de antropologia, constava a regência
de aulas por Loureiro Fernandes, Cirilo Zacchi e Fernando Altenfelder Silva. Como dito, quase
todas as cadernetas se estruturaram de maneira muito semelhante, indicando a forte presença de
Loureiro na condução da antropologia da instituição. Normalmente, se iniciava a disciplina com
uma recapitulação histórica da formação da antropologia, através sobretudo das correntes
evolucionistas e difusionistas. Em alguns casos, acrescentavase um debate sobre a formação da
arqueologia e da etnologia. Construíase a cadeira, pois, através de uma apresentação inicialmente
mais teórica da antropologia e etnografia; no tocante à isso, eram abordadas as seguintes teorias e
autores: evolucionistas, arqueológicas, panetnográficas (Morgan), Vierkandt e Demiker,
funcionalista, sociológica e difusionista. Em seguida, trabalhavamse os denominados “fatores
evolutivos sociais”: clima, alimentação, reino animal e vegetal (fatores externos), e caça, pesca,
alimentação, habitação, cultivo entre outros (fatores internos).
Excepcionalmente na cadeira conduzida por Fernando Altenfelder Silva em 1954, houve um
outro ajustamento de conteúdo. A disciplina foi tratada como estudo de antropologia social, calcada
na discussão de autores como Émile Durkheim, Bronislaw Malinowski, Alfred RadcliffBrown e
Ferdinand Tönnies – neste caso foi especificada a obra Comunidade e Sociedade, e nos temas de
78
instituições, morfologia social e anatomia social. Altenfelder também trabalhou a definição de
objetos e métodos antropológicos, tais como entrevistas, etnografia e questionários. E, por fim, os
temas de tecnologia como cultura, família, relações de parentesco e ecologia humana, para os quais
convergiu o estudo do grupo indígena Bakairi.
Considerando ambas conduções da disciplina de antropologia e etnografia, houve a
formação de um saber antropológico atrelado às correntes evolucionista e social. Para além, os
temas abordados na cadeira refletiam a agenda de pesquisa elaborada por Loureiro Fernandes e seu
grupo. Como examinado no capítulo 1 deste trabalho, o desenvolvimento da antropologia no Brasil
foi marcado pela afinidade da área com a medicina; daí sua orientação para o evolucionismo.
Conforme Thales de Azevedo (1982), muitos médicos orientavam sua formação para o
estudo de anatomia, fisiologia, antropometria e antropologia física; assim, marcado pelas condições
sociais do período, alargouse o interesse pelas raças humanas e pelas possíveis diferenças
antropofísicas, fisiológicas e psicológicas entre elas (AZEVEDO, 1982, p. 262). No entanto, a
maioria dos médicos interessados em antropologia física se orientaram, posteriormente, “para o
estudo da cultura, da organização social, das instituições, dos sistemas de valores e das crenças, da
etnolingüística de populações tribais” (ibidem, p. 263). Nessa direção, Azevedo assim definiu a
atuação de Loureiro:
Seguindo um roteiro comum a outros médicos, interessase e publica, a princípio, sobrequestões de hematologia étnica e de antropometría de índios brasileiros e vem a explorarsambaquis da costa e jazidas arqueológicas do planalto paranaense, dando a tais trabalhosum desenvolvimento acentuado. São contribuições suas, de relevante importância, osestudos etnográficos de índios caingangue de Palmas e dos xetá da Serra dos Dourados(1982, p. 267).
Sobre as aulas de política é custoso inferir algo, visto que o conteúdo anotado nas cadernetas
se restringiu ao assinalar do ponto do programa da disciplina que foi lecionado. No entanto, o fato
de haver uma única disciplina de política em todo curso, bem como as aulas serem irregulares, além
de não haver quaisquer incentivo identificado à pesquisa e ensino na área, sugerem que a política
não foi alvo, nesse momento, de um projeto institucionalizador, como foi a antropologia, por
exemplo. Indica, também, que a cátedra não se constituia como uma área de destaque no currículo
do curso.
Por fim, as disciplinas de filosofia eram duas: história da filosofia e ética. As cadernetas de
história da filosofia encontradas foram regidas pelos docentes Padre Tarcísio Maria Capuchinho,
em 1943, e Ubaldo Puppi, em 1959. Em ambos os casos, tratouse de uma disciplina de retomada
histórica do desenvolvimento do pensamento filosófico ao longo do tempo; não se tratava, contudo,
79
de uma historização da filosofia e, sim, de um debate de suas escolas e linhagens desde a grécia
antiga. Era uma cadeira orientada, com efeito, por uma perspectiva panorâmica e de seleção de
autores principais. Entre tais autores, a doutrina de São Tomás de Aquino foi longamente abordada
– por um mês em comparação às demais teorias, cuja duração era de não mais que duas semanas.
A reflexão da doutrina tomista em ambos casos encorporou a discussão acerca do cristianismo e a
filosofia; no tocante à condução da disciplina de 1943, foi discutida a Suma Teológica de São
Tomás de Aquino e revisados os temas de sua cosmologia, psicologia, metafísica, teodiceia e ética.
Encontramos igualmente duas cadernetas de ética, cujos conteúdos foram ministrados pelos
professores padre Artidório Lima, em 1944, e Ubaldo Puppi, em 1954. A primeira parte da cadeira
era, pois, destinada à discussão sobre moral, envolvendo desde as discussões sobre moral realista e
moral idealista, até questões sobre livre arbítrio. Após essa discussão, comumente embasada nos
escritos do filósofo alemão Emanuel Kant, direcionavase a cadeira ao tema da ética. A partir de
então, eram debatidas questões amplas como as ações humanas, atos elícitos, noção de lei, entre
outros tópicos. Por fim, introduziase a questão acerca do direito natural x direito positivo, com
ênfase na relação entre Deus e o direito.
De maneira geral, tratouse de um curso de forte diálogo com as ciências exatas, em que
essas eram instrumentalizadas como suporte às investigações quantitativas da área; de produção de
um conhecimento antropológico que buscava uma excelência em sua construção; de uma sociologia
amorfa, cuja pluralidade de temas e objetos não permitiu a composição duma agenda de pesquisas;
de intenso diálogo com a economia, essa entendida como uma ciência social, para compreensão de
diversos fenômenos sociais; e, por fim, de uma cadeira de política de baixa visibilidade e alcance
dentro do curso. Ressaltamos que, ainda que houvesse um forte apelo ao catolicismo na instituição,
a documentação analisada não sugere a produção de intelectuais católicos pelo curso de ciências
sociais, pois os conteúdos confessionais, ainda que presentes, eram intermitentes e localizados
dentro de um espectro bastante largo de conteúdos e conhecimentos gerais.
Neste sentido, cabe se perguntar a qual percepção de modernidade o curso esteve vinculado.
Constituída enquanto espaço de harmonia entre tradição e inovação, a FFCLPR propunha a
“manutenção [...] dos elementos universais do catolicismo, bem como [a] aceitação [...] do
progresso material advindo, particularmente, do desenvolvimento científico” (CAMPOS, 2006, p.
142). No caso do curso de ciências sociais, sugerese a produção de um conhecimento atrelado a
esta percepção tensionada entre modernidade e tradição. Pois, conforme sugere a documentação,
não se elaborou uma reflexão de questionamento acerca da realidade social, ou seja, se prescindiu
80
de uma racionalização da sociedade na constituição deste conhecimento. Por outro lado, se não
houve a formulação de questionamentos acerca das bases de poder local, buscouse, por meio do
projeto mais amplo da FFCLPR, manter a coesão e integração da cultura e realidade social
paranaenses através de uma leitura de união entre tradição e inovação. Foi a esta visão de
modernidade que, acreditamos, o curso esteve vinculado.
Não obstante, as singularidades internas da Faculdade, relativamente a seus recursos,
projetaram a cátedra de antropologia ao protagonismo no curso. Como visto, a diligência do
catedrático Loureiro Fernandes monopolizou os recursos possíveis postos aos demais professores,
sobretudo no tocante à constituição de grupos de pesquisa e agendas de investigação. Dessa forma,
o curso produziu sobretudo leituras sociais acerca dos sujeitos estudados na cátedra de antropologia.
O sentido assumido pelo curso, nesta direção, foi o de produção de profissionais voltados ao debate
sobre populações marginais no estado, que atuaram, inclusive sobre orientação de Loureiro
Fernandes, na demarcação de terras indígenas e proteção de patrimônios arqueológicos58.
Finalmente, a análise das cadernetas e dos agentes indicou, com efeito, a constituição de um
curso sem um projeto intelectual, cujo conhecimento produzido prescindia de uma racionalização
da realidade, visto que não esta não era inquerida com uma preocupação metodológica, à exceção
da disciplina de antropologia. Ainda que a compreensão da vida moderna, em suas lógicas e
mudanças, tenha sido um dos principais apelos de fundação da Faculdade, o curso de ciências
sociais, acreditamos, não se constituiu enquanto produtor de um conhecimento racionalizado acerca
da realidade social.
3.2.1 A dinâmica das aulas
Por razões já discutidas, as turmas do curso de ciências sociais costumavam ser pequenas.
Assim, era expediente comum reunir estudantes de diferentes séries do curso em uma mesma
disciplina. Por exemplo, em 1952 os alunos do 2º ano e do 3º ano cursaram juntos a disciplina
anotada como estatísica geral e aplicada, ministrada pelos professores João Remy e Zélia Pavão;
estatística geral era referente à 2º série do curso, e estatística aplicada, à 3ª. Em 1954, Euclides
Mesquita lecionou sociologia em conjunto para as turmas da 2ª e 3ª série de ciências sociais. Com
efeito, essa logística de reunião de turmas foi identificada em 11 das 66 cadernetas da década de
58Sobre isso, ver os trabalhos: DRESCH, Gabriella Anne. Entre instituições e projetores: Loureiro Fernandes e os usosdos filmes etnográficos. Curitiba: trabalho de conclusão de curso de ciências sociais UFPR, 2016; e ANAIS doseminário comemorativo do centenário de nascimento do profº drº José Loureiro Ascensão Fernandes. In Revista doCentro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas, v. 3, p, 1220, 2005.
81
50.
Quando perguntado sobre o ensino nessas condições, Comninos afirmou “o conteúdo era
cumprido assim [...] o pessoal que tava no terceiro acompanhava, o pessoal que tava no segundo
adiantava, e ia fazer o terceiro depois, com os que vinham logo. Era uma espécie de rodízio, porque
eram poucos alunos”; tal não acontecia sem prejuízos, uma vez que para tanto era necessário
condensar os conteúdos de dois distintos programas de disciplinas em apenas um.
Essa dinâmica de reunião de turmas ocorria também entre os cursos que ofertavam
disciplinas semelhantes e ministradas pelo mesmo docente59. Isso foi substancialmente regular nas
cadeiras de sociologia do 1º ano de ciências sociais, que eram cursadas normalmente junto aos
alunos de filosofia e pedagogia. Nestes casos, afirmou Comninos, havia um enfoque na disciplina
de acordo com o curso que a ofertava, mas observavase a origem diferenciada dos estudantes e as
exigências daí derivadas.
Acerca da composição das aulas, Constantino Comninos nos afirmou que a maior parte das
aulas que frequentou eram elaboradas da seguinte forma: “você pegava um monte de livro, fazia um
esquema, vinha pra sala de aula, punha um esquema no quadro, como a Olga fazia, e quem falava
era o professor”. Não havia, pois, a leitura do texto em si e, sim, a discussão da interpretação do
docente sobre o tema. Exemplar sobre isso eram as apostilas de sociologia elaborada pela profª Olga
Mattar. Nessa, como visto, Mattar discutia temas centrais da sociologia com base em seus autores
de referência, ao mesmo tempo, explicava tais temas a partir duma síntese pessoal destes autores.
Conforme os conteúdos das cadernetas, à exceção das disciplinas de economia e
antropologia, nas demais cadeiras discutiamse determinados tópicos de ensino como a professora
Olga Mattar o fazia, ou seja, por meio de uma síntese intelectual elaborada pelo docente. Isto é, se
conduzia o conteúdo a partir da interpretação que o professor fazia acerca da leitura das fontes e
bibliografia disponível que, salvos os casos mencionados, não era obrigatoriamente indicada aos
alunos. Entendemos, pois, que essa maneira de coordenar o ensino em sala de aula encontrava eco
na própria formulação de conhecimento e ensino prevista nos programas das disciplinas.
Ainda assim, havia uma bibliografia específica de cada cadeira. Comninos lembravase de
ter lido, ainda que alguns por vontade própria, os seguintes autores ao longo da graduação: Euclides
da Cunha, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Antônio Cândido, Florestan
Fernandes, Celso Furtado, Raymundo Faoro, Joaquim Nabuco, Caio Prado Jr., Antônio Cândido e
Florestan Fernandes. Além desse autores, a discussão dos clássicos, fosse de qualquer área, era feita
59Essa dinâmica foi identificada em seis das 66 cadernetas do período.
82
com bases em leituras em espanhol, pois que poucos livros estavam traduzidos para o português.
Assim, os principais trabalhos a que tinha acesso eram os editados pelo Fondo de Cultura del
Mexico ou pela Espasacalpe, de Buenos Aires e Madrid. Para dar conta, portanto, da bibliografia e
discussões do curso, Comninos afirmou que, em seu ano, os alunos juntaramse e realizaram
traduções de artigos, capítulos e textos do inglês, francês e alemão para o português. Buscavam
assim, suprir a deficiência de títulos de ciências sociais em português. Após traduzirem, copiavam
os textos em papel carbono e dividiam entre si. Outras estratégias eram mimiografar os textos e
compartilhálos; emprestálos dos professores; ou ir à casa dos docentes para realizar as leituras.
Acerca do acesso à fontes, bibliografia e contato com os temas estudados pelas ciências
sociais, era perceptível a preocupação do catedrático Loureiro Fernandes em oferecer a seus alunos
uma formação de excelência. Acerca disso, ressalto aqui os filmes etnográficos elaborados e
encomendados por Loureiro em parceria com o cinegrafista tcheco Vladimir Kozak60. Em análise
destas películas, Gabriella Dresch (2016) considerou três distintos empregos dos filmes por
Loureiro: político, educativo e acadêmico. Relativamente ao uso acadêmico, Loureiro se valia dos
filmes para promover a seus alunos uma formação diferenciada, a medida que o antropológo
entendia tais películas como “capazes de aproximar os estudantes do que era retratado, suprindo a
distância da universidade no que tangia os espaços de pesquisa” (DRESCH, 2016, p. 36). Assim,
Loureiro acrescentava às suas aulas expositivas e de campo – que eram em número significativo
materiais que permitiam e encetavam uma formação privilegiada a seus alunos.
A grosso modo, pois, estes eram alguns dos aspectos que orientavam as dinâmicas e
propostas didáticas do curso de ciências sociais. Somados aos conteúdos estudados nas cadeiras,
constituiam um curso, de modo geral, de frágil produção de conhecimento e ensino, porém que se
consolidou e ganhou maior força ao longo do tempo. Em relação aos discentes, chama atenção sua
disposição em desenvolver estratégias de ensino e aprendizado, a fim de sanar as dificuldades
postas a uma formação universitária à altura. Assim, ainda que houvesse uma fragilidade latente no
curso, indicada sobretudo pela reunião das turmas e condução das aulas e conteúdos, era manifesto
o esforço destes agentes no cultivo de sua própria formação.
60Vladimir Kozak (18971979) era natural da Moŕavia, atual República Tchecha; engenheiro mecânico de formação,imigrou definitivamente para o Brasil em 1927, onde residiu nas cidades de Salvador, Vitória e Belo Horizonte, antesde estabelecerse, por fim, em Curitiba, em 1938. Desde que chegou ao país, iniciou uma série de registros acerca desua fauna e flora, atuando como fotógrafo e cineasta (BENETTI, 2015, p. 1011). Ao se estabelecer em Curitiba, travoucontato com Loureiro Fernandes, que o empregou voluntariamente no Museu Paranaense. Juntos, gravariam uma sériede películas etnográficas, entre as quais Os Xetá na Serra dos Dourados (ibidem, p. 58).
83
3.3 CIÊNCIA E RELIGIÃO: O PAPEL DA FILOSOFIA
Em 3 de maio de 1938 teve lugar a primeira aula da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras do Paraná. A aula inaugural foi proferida pelo padre Jesus Ballarin, cujo tema foi Ciência e
Filosofia; Ballarin direcionouse, sobretudo, a aproximar ciência e filosofia ao longo da história,
atentando aos períodos de identidade, diferenciação e harmonia entre ambas (ALVES, 1988, p. 65).
Em 1941, o padre Ballarin voltaria a falar sobre ciência e o neotomismo, por ocasião da diplomação
das turmas de 1941 da FFCLPR. No contexto desta fala, o padre Ballarin dissertou sobre a profusão
de conhecimentos engendrada com a fundação da Faculdade de Filosofia do Paraná e os perigos daí
advindos; entre esses, estava o cientismo. Baseado em premissas neotomistas, disse ele:
a ciência é apenas a “escola primária do espírito”. A ciência não se identifica com aVerdade, não se emparelha, nem dispensa e muito menos suprime a Religião. Opensamento humano, a razão humana é uma força viva que busca seu ponto de apoio e oseu fim; o princípio e o fim da inteligência é Deus (ANUÁRIO…, 1941, p. 52).
Acreditavase ser possível, pois, o harmônico convívio entre ciência e religião, uma
vez que a última respondia pela totalidade dos saberes e era a única capaz de estabelecer
imperativos morais verdadeiros aos indivíduos. A ciência era apenas um conhecimento parcial,
decerto importante, mas que não abrigava, pela sua natureza empírica, a explicação metafísica dos
fenômenos. Continuando em sua fala, acrescentou o padre Ballarin, “a ciência conserva o seu posto,
gloriosa e modesta, consciente de seus limites e de sua impotência radical tanto para resolver, como
para debilitar as grandes questões que mais vivamente interessam os homens” (ibidem).
Observamos, pois, a importância concedida a ciência e às suas questões. No entanto, travase de
designar um lugar pra ela, abaixo do conhecimento divino, naturalmente. No neotomismo, a ciência
ocupava o espaço de um discurso particular sobre fenômenos racionais e empíricos, não tendo,
assim, influência sobre as questões metafísicas. A supressão dos limites científicos se daria através
dos conhecimentos divinos, pois esses responderiam às questões que a circunferência prática e
racional da ciência não permitia.
Entre as preocupações de alguns dos intelectuais de confissão católica em fundar uma
faculdade remeteu, como visto, aos desdobramentos que o progresso científico havia acarretado,
pois em seu entendimento a modernidade estava contaminada pelo cientismo e por uma falta geral
de caráter e princípios morais, ambos advindos da crença de que a ciência a tudo solucionaria e
ordenaria (CAMPOS, 2006, p. 154). O cientismo era, pois, transformação da ciência de forma de
conhecimento a imperativo moral, isto é, na modernidade as ciências prescreviam formas de agir.
Em sua concepção, tais desígnios não cabiam à ciência e, sim, à metafísica divina, visto que essa
84
era total e capaz de preconizar, assim, os imperativos morais verdadeiros aos indivíduos. Notase,
com efeito, que o conflito entre ciência e religião se constituia no registro do diagnóstico da ciência
como cientismo e não como forma de construção e explicação racional de determinados fenômenos.
Com a Faculdade de Filosofia haveria a possibilidade, portanto, de aproximar a ciência moderna
dos pressupostos da filosofia católica neotomista; dessa forma, poderiam tanto conduzíla, quanto
imbuirlhe de um novo estatuto na vida moderna (ibidem, p. 152).
Em 1946, a disciplina de Introdução à filosofia seria instituída como obrigatória em
todos os cursos da FFCLPR; com isso, tensionavase impedir o desenvolvimento de um cientismo
na instituição. Para Loureiro Fernandes, a par duma formação complementada pelo conhecimento
filosófico desenvolveriase uma nova concepção de ciência, qual seja, “aquela que compreende a
ciência como conhecimento tanto dos fenômenos (ciências positivas) quanto da substância (ciência
metafísica)” (DISCURSO AOS…, 1943, p. 9). Essa pretensão esteve presente, pois, desde o início
da FFCLPR e sinalizou a perenidade de um projeto educacional neotomista ao longo dos anos. Para
Loureiro Fernandes, o progresso científico moderno caminhava agora para a formação de uma nova
síntese do pensamento humano, devendo a Faculdade de Filosofia desenvolver conhecimentos
apropriados, de forma a unir ciência e filosofia na sociedade paranaense. Ou seja, cultivar cientistas
cuja formação, qualquer fosse sua área de especialização, fosse construída pela filosofia, de modo a
alcançar os aspectos universais da ciência e não recair em um cientismo.
A disciplina de filosofia foi incluída nos currículos da FFCLPR61 justamente no momento
em que a Universidade do Paraná era reunificada. Em seu discurso de instalação do conselho
universitário, Francisco de Paula Soares assim definiu os objetivos da UP, “formar a elite de
homens de que o Paraná precisa para abrir suas estradas, construir suas pontes, tratar de valorizar
suas terras, sanear e educar sua gente e defender seus direitos, mas principalmente […] formar os
homens de Estado de que o Paraná precisa para a sua própria salvação” (ibidem, p. 39). Havia, pois,
um apelo à técnica como instrumento de modernização, em uma aspiração característica das
faculdades isoladas de direito, engenharia e medicina do Paraná.
No mesmo ano, Homero Batista de Barros, professor da FFCLPR, dissertou sobre a
formação humanística a que as faculdades brasileiras deveriam se ater, a fim de se realizar
integralmente todos aspectos da vida humana e, com isso, constituir um progresso moral e cristão.
Ao final de sua fala, salientou Barros acerca da reestauração da UP,
61À exceção dos cursos de filosofia, ciências sociais e pedagogia que já contemplavam cadeiras de filosofia em seucurrículo (CAMPOS, 2006, p. 199200).
85
o grandioso empreendimento só atingirá seu objetivo se não se limitar apenas à obra deerudição e cultura, mas se desempenhar realmente a grande missão de orientação espiritual,acumulando as reservas de resistência das novas gerações. E se não seguir esse rumo, a Universidade não virá senão a fabricar técnicos para acondenável “civilização da máquina”, uma das causas mais decisivas da “indignidade domundo moderno” (ANUÁRIO…, 1946, p. 46).
Essa dupla perspectiva acerca dos fundamentos e objetivos da UP encontrava sua razão de
ser no Estatuto das Universidades do Brasil de 1931, cuja concepção de universidade era calcada
numa percepção agregacionista de faculdades isoladas, em que sua unidade mantinhase pela
administração por uma mesma reitoria (ROTHEN, 2008, p. 157). Por outro lado, a distância entre
os projetos da UP e da FFCLPR indicou o estabelecimento de ações estratégicas que visavam, em
última instância, estabelecer diferentes ideais educativos no espaço privilegiado de uma
universidade (CAMPOS, 182, 2006).
Foi nesse sentido que compreendemos a incorporação da disciplina de Introdução à filosofia
em todos os cursos da FFCLPR. Ainda que fosse um projeto mais antigo dos fundadores da
FFCLPR, ele tomou corpo e se efetivou justamente em 1946. Na concepção da direção da FFCLPR,
a inclusão da disciplina de filosofia suprimiria as deficiências que a especialização dos cursos de
graduação imbuía à construção duma ciência universal. Pois para eles, sem o saber filosófico de
base se recairia em um “culto exclusivo à ciência positiva” (DISCURSO…, 1944, p. 89).
Ademais, reforçavam assim papel da Faculdade como centro orientador da Universidade, à medida
que a localizavam como centro de produção de conhecimento puro e desinteressado, porém capaz
de ser utilizado por outras Faculdades e cursos.
3.3.1 A SOCIOLOGIA INTEGRAL
Conteúdos católicos ou relativos à Igreja Católica não eram raros no curso de ciências
sociais da FFCLPR. De maneira mais ampla, também não na FFCLPR, uma vez que essa tanto foi
fundada por membros do CEB, quanto dispunha deles em seu corpo docente. No entanto, o que isso
siginificou em termos da produção de um conhecimento relativo às ciências sociais? Havíamos
destacado anteriormente que Bento Munhoz teve uma atuação marcante para a sociologia da
FFCLPR, por compreendêla por meio de um horizonte católico. A sociologia a que Bento Munhoz
se referia era a Sociologia Integral.
Em 1942, ele assim a definiu “[a sociologia integral] vai à natureza humana, mas à sua
natureza completa, e considera o societismo uma contingência da vida humana. Traz da filosofia
uma concepção do ser racional, que tira aos fatos sociais a fixidez e a fatalidade inerentes aos fatos
86
físicos e biológicos” (ANUÁRIO..., 1942, p. 16 apud CAMPOS, 2006, p. 161). Ou seja, a
sociologia moderna, ancorada em seus critérios empíricos e científicos representava apenas uma
parcela do conhecimento sociológico possível, ao passo que a sociologia integral, de cunho
neotomista, podia apreender a totalidade do comportamento humano.
A fonte do pensamento de Bento Munhoz era o intelectual católico Alceu Amoroso
Lima (WOISKI, 1988, p. 112). Tratandose da sociologia integral de Amoroso Lima, esta foi
desenvolvida em seu manual de sociologia, Iniciação à sociologia, de 1931. Neste, Amoroso Lima
apartou a sociologia de sua compreensão positivista, à medida em que entendia sua origem entre os
filósofos antigos e religiosos. Baseado em pressupostos neotomistas, Amoroso Lima destacou “a
compatibilidade entre os pressupostos cristãos e a reflexão racional acerca da vida social inspirado
em autores como Le Play e Jacques Maritain” (MEUCCI, 2000, p. 69). A partir disso, o intelectual
constituiu uma sociologia integral, visto que essa interagia com a natureza, ao mesmo tempo que se
integrava aos aspectos metafísicos da realidade. A diferença, portanto, da sociologia integral estava
em sua compreensão dos aspectos ultraterrenos, enquanto que outras variações da sociologia –
como a naturalista, por exemplo – valiamse tão somente dos processos fenomênicos da realidade
sensível na construção de suas investigações. Dessa maneira, produziam compreensões
generalizadas e reduzidas ao empírico (ibidem, p. 70).
Este entendimento da sociologia teve lugar na condução das aulas de sociologia de
Bento Munhoz. Conforme o depoimento de Albano Woiski, exaluno de pedagogia (19411945) e
posteriormente docente da FFCLPR, Bento Munhoz cultivou em seus alunos um entendimento da
sociologia fundamentado na sociologia integral de Amoroso Lima. Para Woiski (1988), a disciplina
conduzida por Bento Munhoz era profundamente humanista, pois explicava o homem como
construtor da sociedade, ao contrário das teorias materialistas e comunistas que, a seu ver,
subsumiam o homem à vida social. Assim, “o prof. Bento nos colocou dentro da sociologia cristã.
Só havia um livro na linha dessa doutrina, o de Alceu Amoroso Lima – Tristão de Athaíde. Esse
livro foi analisado de ponta a ponta (1988, p. 112)”. Acreditamos que tal percepção esteve presente
também nas cadernetas de fundamentos sociológicos da educação, regida por Bento Munhoz em
1942, quando esse discutiu o sentido sociológico da encíclica Rerum novarum62.
Em 1951, a professora assistente de sociologia Olga Mattar também trabalhou de abril
a maio o conteúdo das encíclicas católicas Rerum Novarum, Quadragésimo ano e Divini
62Fonte: Anexo nº IV, Matéria lecionada nas várias cadeiras durante o ano letivo. Arquivo do Setor de Educação da UFPR, caixa 385
87
Redemptóris em sala de aula. Em 1956, a professora voltaria a discutir as mesmas encíclicas na
cadeira de sociologia, dessa vez junto ao tópico de sociologia econômica. Em entrevista a Gabriel
Oganauskas, Mattar afirmou que “recebia orientações do diretor da Faculdade, Homero de Barros
(membro do CEB), para trabalhar estas encíclicas em sala”63 (2006. p. 69). Acerca disso,
compreendemos:
no debate estabelecido no meio católico, vemos a formação de um modo de pensar querecusava o laicismo. Diante dos postulados desse pensamento a postura da Igreja era dupla:indicar os meios para superálo e lembrar que as calamidades são frutos da desobediênciaoriunda do desrespeito pela moral católica. Essa maneira de compreender a realidade estavapresente nas encíclicas, nas cartas pastorais do episcopado brasileiro e nos pronunciamentosda intelectualidade católica. Isso confirmava que o projeto da elite intelectual atendia a duastarefas: primeiro, formar um grupo convicto de suas idéias; segundo, chamar a atenção parao perigo da laicização do mundo moderno e cooptar novos jovens para divulgar ocatolicismo (CAMPOS, 2006, p. 128).
É nessa direção que percebemos, pois, o debate das encíclicas em sala de aula. Pois
tendo em vista o projeto neotomista da FFCLPR e o progressivo domínio de intelectuais católicos
sob a instituição, ministrar aulas de sociologia cujo conteúdo eram documentos da Santa Sé parece
estar de acordo com a proposta mais ampla de construir, por meio da FFCLPR, uma modernidade
de fé e moral católica. Na compreensão de Simone Meucci (2000, p. 71), a sociologia integral
articulava, pois, ciência, filosofia e política. Era científica na medida que se fundamentava em uma
análise histórica e parcial; filosófica, pois formada por especulações; e política por buscar pela
aplicação concreta de suas investigações e diagnósticos. Seu objetivo último era, portanto,
reestabelecer e impor uma determinada ordem social, coordenada pela moral cristã.
Nesse sentido, a sociologia integral representou a compatibilidade por excelência da
ciência moderna com os princípios cristãos. A preocupação dos intelectuais católicos da FFCLPR
era tanto compreender a modernidade de Curitiba, quanto orientála a um rumo moral e ordenado.
Para tanto, a sociologia integral se apresentava como o instrumento ideal de análise, pois permitia
uma modernização fundamentada nos postulados católicos. Consideramos, portanto, haver uma
peculiar relação entre ciência e religião na FFCLPR com vistas, sobretudo, à modernização do
estado. No curso de ciências sociais, a particularidade desse pensamento se expressou na integração
de conteúdos católicos, como as encíclicas, em sala de aula. Constituiuse, pois, um conhecimento
63Contudo, há que se acrescentar que aparentemente as orientações de Homero de Barros eram apenas à Mattar, vistoque em nenhuma das demais cadernetas foi discutido exclusivamente o conteúdo das encíclicas – à exceção defundamentos sociológicos da educação. Sobre isso, acreditamos que a posição de Mattar enquanto professora mulhernuma instituição predominantemente masculina e onde as mulheres foram interditas durante uma década foideterminante quanto às intervenções externas em suas disciplinas. Em entrevista à PUC em 2007, Mattar relatou tersofrido preconceito em sala de aula por ser uma docente mulher; tal episódio seria o leitmotiv para a produção de suatese de livredocência em 1956, em que discutiu o preconceito na vida social (ENTREVISTA…, 2007, p. 2)
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa monografia sistematizou as considerações obtida após dois anos de investigação
acerca da fundação e funcionamento do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras no Paraná de 1938 a 1960. Para tanto, foram empreendidas investigações nos
arquivos do Setor de Ciências Humanas e Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), bem como ao acervo do Centro de Estudos Bandeirantes (CEB). Foi também realizada
uma entrevista com um exdiscente e, posteriormente, docente do curso de ciências sociais,
Constantino Comninos.
O curso de ciências sociais foi fundado em 1938, quando da criação da FFCLPR. Sua
constituição foi de afinidade com Faculdade Nacional de Filosofia, em relação ao currículo e
programas de disciplinas de ciências sociais. No entanto, sua particularidade se expressou nos
elementos neotomista articulados na fundação e manutenção do curso e da FFCLPR. Para tanto, foi
fundamental a participação dos intelectuais do CEB, visto sua influência e projeto modernizador
para o Paraná. Este projeto, por seu turno, foi fundamentado em uma percepção de preservação da
unidade e cultura paranaense, no sentido de salvaguardar sua tradição e história, ao mesmo tempo
que dialogar com a vida moderna; conciliava, pois, tradição e inovação.
A inauguração de uma área especializada sem corpo docente especializado, teve seu
quadro docente catedrático lotado por homens de áreas afins às lecionadas e ao recurso à docência
de professores contratados que, em muitos casos, foram os docentes efetivos. Os 11 primeiros
anos do curso marcaram, portanto, uma fase de longa intermitência, pequeno número de alunos e
apenas cinco formados. Também as relações que se firmaram entre docentes e discentes
promoveram o desenvolvimento de áreas de estudo e do curso propriamente dito, uma vez que
muitos dos exalunos tornaramse docentes do curso como assistentes, contratados ou livre
docentes.
Em relação aos conteúdos e conhecimentos arrolados – analisados sobretudo através
das cadernetas de frequência das cadeiras e curríclos, constituiuse uma ciência social cujo
conhecimento não expressava uma racionalização da realidade social paranaense, visto que não a
interrogava com um método por meio do qual construísse, à exceção da antropologia, um
conhecimento analítico sobre a realidade. Tal formulação de conhecimento exprimia, em nosso
entendimento, a afinidade do curso com o projeto de modernidade da FFCLPR, calcado na
preservação da unidade cultural curitibana.
90
Assim, o curso de ciências sociais se constituiu a fim das ciências exatas,
especialmente da estatística, e em diálogo com a filosofia e a economia, em que a última era
entendida como uma ciência social. A antropologia, dado o projeto elaborado pelo catedrático
Loureiro Fernandes, monopolizou os recursos do curso, fundando uma forte área de estudos; a
sociologia, por seu turno, se constituiu de um aglutinado de eixos temáticos, sem formação de um
projeto; e, por fim, as poucas informações sobre a política indicam a pequena projeção dessa dentro
do curso.
91
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ARQUIVO do Setor de Ciências Humanas da UFPR: cadernetas de frequência e matéria lecionada
do curso de ciências sociais de 1943 a 1959.
97
APÊNDICE 1 – Currículo do curso de Ciências Sociais e Políticas da FFCLPR em 1938
Série Currículo do curso de Ciências Sociais e Políticas da FFCLPR em 1938
1º ANOFilosofia Geral e Psicologia – Padre Jesus Ballarin (CEB)
Sociologia – Omar Gonçalves da Mota
Economia Política e Finanças – Arthur Ferreira Santos (CEB)
2º ANO
Complementos de Matemática – José Bittencourt de Paula
Economia Política Arthur Ferreira Santos (CEB)
História da Filosofia – Milton Carneiro
Estatística Arthur Martins Franco (CEB)
Sociologia Omar Gonçalves da Mota
3º ANO
Sociologia Omar Gonçalves da Mota
História das Doutrinas Econômicas – Arthur Ferreira Santos (CEB)
Política – Manoel Lacerda Pinto (CEB)
Antropologia e Etnografia64 – José Loureiro Fernandes (CEB)
Estatística Aplicada Arthur Martins Franco (CEB)
Ética – Docente não identificadoFonte: Anexo nº XV, Históricos escolares completos de todos os alunos matriculados em 1941 no curso de Didática.Arquivo do Setor de Educação da UFPR, Caixa 385.
APÊNDICE 2– Números anuais do concurso de habilitação da FFCLPR aos cursos de ciências sociais ehistória e geografia, de 1950 a 1959. E números anuais de diplomação nos cursos de ciências sociais ehistória e geografia na FFCLPR, de 1950 a 1959.
Ano
Números anuais doconcurso de habilitação da
FFCLPR
Números anuais de diplomações em ciências sociais ehistória e geografia pela FFCLPR
CiênciasSociais
História eGeografia
Bachareisem Ciências
Sociais
Licenciadosem Ciências
Sociais
Bachareisem Históriae Geografia
Licenciadosem Históriae Geografia
1950 4 61 0 0 18 17
1951 8 80 0 0 18 19
1952 13 76 2 1 19 15
1953 10 69 0 1 31 Indisponível
1954 16 46 6 2 17 24
1955 14 51 1 3 8 24
64Ainda que a cátedra tenha, em 1938, sido fundada como Etnografia e Noções TupiGuarani, no ano seguinte, após a promulgação da lei nº 1190/39 e da alteração do corpo docente da FFCLPR, a cátedra foi alterada para Antropologia e Etnografia, nunca tendo, pois, funcionado com o nome de Etnografia e Noções TupiGuarani.
98
1956 26 61 2 2 9 10
1957 22 50 3 2 20 7
1958 32 51 6 2 12 16
1959 48 110 5 5 7 13
TOTAL 193 655 25 18 159 145Fonte: anuários da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná de 1940/1941; Anuários da Universidade doParaná de 1946 a 1949; e anuários da Universidade Federal do Paraná de 1950 a 1959. Disponíveis em biblioteca dosetor de ciências humanas da UFPR.
APÊNDICE 3 Docentes de Ciências Sociais da FFCLPR entre 1950 e 1959
1950: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos De Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Contratados: Frei Otmar Zuck, introdução à filosofia; Frei Vittal Paffo, introdução à filosofia;
Instrutores: Eny de Camargo Maranhão, antropologia; Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro
Lima, antropologia e etnografia;
1951: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos De Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas; Cirilo
Zacchi, história da América; Euclides Mesquita, sociologia; Padre Edmundo Dreher, introdução à
filosofia;
Assistentes do quadro extraordinário: Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Saluá Elias,
etnografia do brasil; Padre Luigi Castagnola, introdução à filosofia e história da filosofia;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia;
1952: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Euclides Mesquita, sociologia;
Contratados: Padre Edmundo Dreher, introdução à filosofia; João Remy Freira, estatística geral e
aplicada;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Zélia Pavão, estatística
geral e aplicada;
1953: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas
econômicas; Euclides Mesquita, sociologia;
Contratados: Padre Edmundo Dreher, introdução à filosofia; João Remy Freira, estatística geral e
aplicada;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia;
99
1954: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Euclides Mesquita, sociologia;
Contratados: Fernando Altenfelder Silva, antropologia e etnografia; Padre Edmundo Dreher,
introdução à filosofia; João Remy Freira, estatística geral e aplicada; Ubaldo Puppi, história da
filosofia e ética;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Valderez Peixoto
Mueller, etnografia;
1955: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Euclides Mesquita, sociologia;
Contratados: Fernando Altenfelder Silva, antropologia e etnografia; Padre Edmundo Dreher,
introdução à filosofia; João Remy Freira, estatística geral e aplicada; Ubaldo Puppi, história da
filosofia;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Valderez Peixoto
Mueller, etnografia;
1956: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Euclides Mesquita, sociologia;
Contratados: Padre Edmundo Dreher, introdução à filosofia; Ubaldo Puppi, história da filosofia;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Valderez Peixoto
Mueller, etnografia;
1957: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Euclides Mesquita, sociologia;
Contratados: Padre Edmundo Dreher, introdução à filosofia; Ubaldo Puppi, história da filosofia;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Valderez Peixoto
Mueller, etnografia;
1958/59: DocentesLivres: Zélia Pavão, estatística educacional;
Interinos: Arthur Santos de Almeida, economia política e história das doutrinas econômicas;
Euclides Mesquita, sociologia; Zélia Pavão, estatística geral e aplicada;
Contratados: Padre Edmundo Dreher, introdução à filosofia; José Virgílio Castelo Branco Rocha,
ética; Ubaldo Puppi, história da filosofia;
Instrutores: Olga Mattar, sociologia; Máximo Pinheiro Lima, antropologia; Eny de Camargo
100
Maranhão, antropologia;Fonte: anuários da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná de 1940/1941; Anuários da Universidade doParaná de 1946 a 1949; e anuários da Universidade Federal do Paraná de 1950 a 1959. Disponíveis em biblioteca dosetor de ciências humanas da UFPR.
APÊNDICE 4 Currículos do curso de Ciências Sociais da FFCLPR em 1938 e 1940
Currículos do curso de Ciências Sociais da FFCLPR em 1938 e 1940
Série 1938 1940
1º ANO
Filosofia Geral e Psicologia Complementos de Matemática
Sociologia Sociologia
Economia Política e Finanças Economia Política
História da Filosofia
2º ANO
Complementos da Matemática Estatística Geral e Metodológica
História da Filosofia Sociologia
Estatística Economia Política
Sociologia Ética
3º ANO
Sociologia Sociologia
História das Doutrinas Econômicas História das Doutrinas Econômicas
Política Política
Antropologia e Etnografia Antropologia e Etnografia
Estatística AplicadaEstatística AplicadaÉtica
Fontes: Anexo nº XV, Históricos escolares completos de todos os alunos matriculados em 1941 no curso de Didática.Arquivo do Setor de Educação da UFPR, Caixa 385; TOMAZZI, Nelson. Considerações Preliminares sobre ainstitucionalização da Sociologia no Paraná, 19381963. IN OLIVEIRA, Márcio (org), As Ciências Sociais no Paraná.Curitiba: Pretexto, 2006, p. 85109; e Cadernetas de frequência e materia lecionadas do curso de ciências sociais,disponíveis em Arquivo do Setor de Ciências Humanas da UFPR.
APÊNDICE 5- Disciplinas do curso de ciências sociais da FNFi e da FFCLPR em 1940
Disciplinas do curso de ciências sociais da FNFi e da FFCLPR em 1940
Série FNFi FFCLPR
1º
Complementos de matemática Complementos de Matemática
Sociologia Sociologia
Economia Política Economia Política
História da Filosofia História da Filosofia
2º
Estatística Geral Estatística Geral e Metodológica
Sociologia Sociologia
Economia Política Economia Política
Ética Ética
101
3º
Sociologia Sociologia
História das Doutrinas Econômicas História das Doutrinas Econômicas
Política Política
Antropologia e Etnografia Antropologia e Etnografia
Estatística Aplicada Estatística AplicadaFontes: Anexo nº XV, Históricos escolares completos de todos os alunos matriculados em 1941 no curso de Didática.Arquivo do Setor de Educação da UFPR, Caixa 385; TOMAZZI, Nelson. Considerações Preliminares sobre ainstitucionalização da Sociologia no Paraná, 19381963. IN OLIVEIRA, Márcio (org), As Ciências Sociais no Paraná.Curitiba: Pretexto, 2006, p. 85109; Cadernetas de frequência e materia lecionadas do curso de ciências sociais,disponíveis em Arquivo do Setor de Ciências Humanas da UFPR; e FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque. AFaculdade Nacional de Filosofia, começando a desenrolar um novelo. Rio de Janeiro: editora UFRJ, 1989, p. 70.