barthes naquele lugar imperio dos signos 001

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    O texto não “comenta” as imagens. As imagens não “ilustram” o texto: cada uma foi, para mim, somente a origem de uma espécie de vacilação visual, análoga, talvez, àquela perda de sentido que o Zen chama de satori; texto e imagens, em seus entrelaçamentos, querem garantir a circulação, a troca destes significantes: o corpo, o rosto, a escrita, e neles 

    ler o recuo dos signos.

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    Se eu quiser imaginar um povo fictício, posso dar-lhe um nome inventado, tratá-lo declarativamente comoum objeto romanesco, fundar uma nova Garabagne*, demodo a não comprometer nenhum país real em minhafantasia (mas então é essa mesma fantasia que comprometo nos signos da literatura). Posso também, sem pre

    tender nada representar, ou analisar realidade alguma(são estes os maiores gestos do discurso ocidental), levantar em alguma parte do mundo ( lugar) umcerto número de traços (palavra gráfica e lingüística), ecom esses traços formar deliberadamente um sistema.E esse sistema que chamarei de: Japão.

    * Na obra Voyage en Grande Garabagne, publicada em 1936, o poeta Henri Michaux (1889- 1984) fala de países imaginários. (N. daT.)

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    O Oriente e o Ocidente não podem, portanto, ser

    aqui tomados como “realidades”, que tentaríamos aproximar ou opor de maneira histórica, filosófica, culturalou política. Não olho amorosamente para uma essência oriental, o Oriente me é indiferente. Ele apenas mefornece uma reserva de traços cuja manipulação, o jogoinventado, me permitem “afagar” a idéia de um siste

    ma simbólico inédito, inteiramente desligado do nosso. O que pode ser visado, na consideração do Oriente, não são outros símbolos, outra metafísica, outra sabedoria (embora esta apareça como bem desejável); é apossibilidade de uma diferença, de uma mutação, deuma revolução na propriedade dos sistemas simbólicos. Seria preciso fazer, um dia, a história de nossa própria obscuridade, manifestar a compacidade de nossonarcisismo, recensear ao longo dos séculos os poucosapelos à diferença que às vezes ouvimos, as recuperações ideológicas que infalivelmente os seguiram e que

    consistem em sempre aclimatar nosso desconhecimento da Ásia graças a linguagens conhecidas (o Orientede Voltaire, da Revue Asiatique, de Loti ou da. Air Fran- ce).  Existem hoje, sem dúvida, mil coisas a seremaprendidas do Oriente: um enorme trabalho de conhecimento é, será necessário (seu atraso só pode ser o resultado de uma ocultação ideológica); mas é precisotambém que, aceitando deixar, de ambos os lados,

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    imensas zonas de sombra (o Japão capitalista, a acultu

    ração americana, o desenvolvimento técnico), um tênuefilete de luz busque, não outros símbolos, mas a própria fissura do simbólico. Essa fissura não pode aparecerno nível dos produtos culturais: o que é aqui apresentado não pertence (pelo menos o desejamos) à arte, aourbanismo japonês, à cozinha japonesa. O autor jamais,

    em nenhum sentido, fotografou o Japão. Seria antes ocontrário: o Japão o iluminou com múltiplos clarões;ou ainda melhor: o Japão o colocou em situação de escritura. Essa situação é exatamente aquela em que se opera certo abalo da pessoa, uma revirada das antigas leituras,uma sacudida do sentido, dilacerado, extenuado até oseíTvazio insubstituível, sem que o objeto cesse jamaisde ser significante, desejável. A escritura é, em suma e àsua maneira, um satori: o satori (o acontecimento Zen)é um abalo sísmico mais ou menos forte (nada solene)que faz vacilar o conhecimento, o sujeito: ele opera um

    vazio de fala. E é também um vazio de fala que constitui a escritura; é desse vazio que partem os traços comque o Zen, na isenção de todo sentido, escreve os jardins,os gestos, as casas, os buquês, os rostos, a violência.