revista sÍntese · 2016. 12. 2. · revista sÍntese direito civil e processual civil ano xiii –...

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Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XIII – Nº 91 – SET-OUT 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2007 DIRETOR EDITORIAL Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ada Pellegrini Grinover, Diogo Henrique Dias da Silva, Edésio do Nascimento Pitombeira Filho, José Henrique Mouta Araújo, Marco Antonio Piazza Pfitscher, Ricardo Politano, Rodrigo Gerent Mattos, Rogério Montai de Lima, Wilson Roberto Barbosa Garcia ISSN 2179-166X

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Page 1: Revista SÍNTESE · 2016. 12. 2. · Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil ano Xiii – nº 91 – set-out 2014 rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia Superior Tribunal

Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xiii – nº 91 – set-out 2014

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – Nº 45/2000Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 20/2001

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 19/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2007

Diretor eDitorial Elton José Donato

Gerente eDitorial e De Consultoria Eliane Beltramini

CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela,

José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo,

Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDição

Ada Pellegrini Grinover, Diogo Henrique Dias da Silva, Edésio do Nascimento Pitombeira Filho, José Henrique Mouta Araújo,

Marco Antonio Piazza Pfitscher, Ricardo Politano, Rodrigo Gerent Mattos, Rogério Montai de Lima, Wilson Roberto Barbosa Garcia

ISSN 2179-166X

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 13, n. 91, set./out. 2014

ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

O Assunto Especial desta edição é sobre o tema “Prescrição e Deca-dência”, com relevantes artigos de Marco Antonio Piazza Pfitscher, Edésio do Nascimento Pitombeira Filho, Diogo Henrique Dias da Silva e Wilson Roberto Barbosa Garcia.

A prescrição é a perda da pretensão de reivindicar o direito por meio de ação judicial cabível, enquanto a decadência é a perda do direito em si, por não ter sido exercido num período de tempo razoável.

Tanto a prescrição quanto a decadência buscam reprimir a inércia dos titulares dos direitos, e, assim, fixam prazos razoáveis para que estes direitos sejam exercidos.

Na Parte Geral, selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Ada Pellegrini Grinover, Rogério Montai de Lima, José Henrique Mouta Araújo e Ricardo Politano.

Ainda, na Seção Especial “Com a Palavra, o Procurador”, de autoria de Rodrigo Gerent Mattos, artigo intitulado “Redirecionamento da Execução na Cobrança de Créditos de Natureza Não Tributária e Aplicação da Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça”.

Não deixe de ver nossa Seção Bibliografia Complementar, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Prescrição e DecaDência

Doutrinas

1. O Mito da Necessidade da Existência dos Institutos da Prescrição e da DecadênciaMarco Antonio Piazza Pfitscher .................................................................9

2. Da Inteligência do Artigo 200 do Código Civil – Causa Impeditiva da PrescriçãoEdésio do Nascimento Pitombeira Filho ...................................................31

3. Da Necessidade de Revisitação da Prescrição Intercorrente no Processo CivilDiogo Henrique Dias da Silva ..................................................................35

4. Prescrição e Decadência no Direito CivilWilson Roberto Barbosa Garcia ...............................................................49

JurisPruDência

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................54

2. Ementário .................................................................................................66

Parte GeralDoutrinas

1. Conciliação e Mediação Endoprocessuais na Legislação ProjetadaAda Pellegrini Grinover ............................................................................71

2. O Sepultamento da “Penhora On-Line” – Constrição de Ativos FinanceirosRogério Montai de Lima ...........................................................................93

3. Notas sobre os Efeitos da Citação: o Problema da LitispendênciaJosé Henrique Mouta Araújo ..................................................................100

4. Provas IlícitasRicardo Politano .....................................................................................109

JurisPruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................126

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2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1343. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1554. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1615. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1666. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1707. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................175ementário

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ............178

Seção Especialcom a Palavra, o ProcuraDor

1. Redirecionamento da Execução na Cobrança de Créditos de Natureza Não Tributária e Aplicação da Súmula nº 435 do Superior Tribunal de JustiçaRodrigo Gerent Mattos ...........................................................................202

Clipping Jurídico ..............................................................................................223

Bibliografia Complementar ..................................................................................227

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................228

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Prescrição e Decadência

O Mito da Necessidade da Existência dos Institutos da Prescrição e da Decadência

MARCO ANTONIO PIAZZA PFITSCHERMestre em Direito Público.

“O povo quer justiça?”

Ou,

Afinal, a morte do direito é um mal que vem para o bem, ou é um mal que estimula o mal?

Pode o tempo consertar todas as coisas?

Ou,

Dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César?

Ou,

“À extinção do direito corresponde um direito à libertação?”

RESUMO: O presente artigo tem por escopo lançar dúvidas sobre o alcance e a validade dos institu-tos jurídicos relacionados à morte do direito, propondo um revisitar os institutos, indagando, quanto aos seus alicerces, a aplicabilidade no mundo atual e bem assim os possíveis efeitos decorrentes de sua aplicação. De um lado estão pragmaticamente assentadas as razões pelas quais nossos jul-gadores e muitos doutrinadores afirmam a necessidade da existência de institutos que determinam o que comumente se denomina de “a morte do direito” como instrumentos asseguradores da paz e estabilidade sociais, e, de outro, se faz um esforço no sentido de demonstrar que a sociedade pode estar, na verdade, reclamando um tratamento diverso ao atual status jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: Prescrição; decadência; morte do direito.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Um pouco de história (ou seria estória – no sentido antigamente empres-tado à palavra?); 2 Fundamentos justificativos da morte do direito; 3 Crítica aos fundamentos do instituto; 4 O prazo do abandono; 5 O direito ao crédito; 6 Os pequenos créditos; 7 Do ponto de vista social do direito de prescrição e de decadência; 8 Do ponto de vista da Constituição; 9 Proibição de retrocesso de direitos fundamentais; 10 Do ponto de vista penal. A questão é de direito público; 11 Do ponto de vista patrimonial; 12 Do ponto de vista do direito civil; 13 Do ponto de vista do direito tributário; 14 Do ponto de vista do direito do trabalho; 15 Do ponto de vista do direito processual; 16 Prescrição e coisa julgada; 17 Prescrição e danos morais; 18 O cumprimento da obrigação como corolário da satisfação do direito; 19 A visão da Igreja Católica; Conclusões.

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INTRODUÇÃO

Iniciar um texto pretensiosamente jurídico sobre princípios albergados na Carta Magna, apostando-lhes pecha de desnecessários e contraditórios com al-guns outros princípios ali albergados, constitui se não menos, aparente loucura do articulista.

Washington de Barros Monteiro, que não está aqui para se defender, observa que “as pessoas não versadas em direito têm uma concepção errônea sobre a prescrição, considerando-a repugnante à moral e contrária à justiça”1. Nossa sorte é a de que o exemplo relacionado ao texto citado refere-se a títulos vintenários, prazo mais do que suficiente para até os recém-nascidos exercer eventual direito sucessório.

Pois já se vão algumas centenas de anos que esses princípios da deca-dência e da prescrição – que apontam para a morte do direito de alguém – se encontram tão sedimentados em nossa doutrina e jurisprudência, que falar “mal” deles é não um ato de bravura, mas de certo destempero: é atacar o tão pacificadamente pacificado.

No entanto, como se aperfeiçoa o direito se não com o contínuo interro-gar e o duvidar de tudo aquilo que é, até certo ponto e medida, irretocável? So-bre o tema, veja-se que não vai algum tempo e um novo conceito de prescrição veio se instalar nos meios jurídicos. Designado pelo adjetivo “intercorrente”, a doutrina conseguiu convencer a jurisdictio de que o direito também não socorre a quem dorme durante o processo ou o abandona à sua sorte por tempo con-siderado além do razoável, independentemente da sorte lançada sobre o bem da vida...

Ora, a questão que se põe antes de tudo é solver e compreender o misté-rio da vida e a existência desses princípios, examinando quais os termos que são relevantes para firmar conceitos sobre a temporalidade do direito.

Poderíamos começar afirmando que tudo que nasce com o homem, mor-re com ele: do pó viemos e ao pó tornaremos. Nada trouxemos e nada leva-remos.

Logo, pode-se afirmar que, em princípio, todos os direitos patrimoniais que conquistamos e os de personalidade que nascem conosco, conosco vão morrer, pois nada trouxemos e nada levaremos. Logicamente não se fala aqui dos direitos sucessórios, assim entendidos os direitos de terceiros de alguma forma vinculados a nós e ao que fizemos ou deixamos em vida.

Mas só os direitos? Não, os deveres, por decorrência moral e ética, tam-bém nascem e deveriam morrer conosco, pois pensar de outra forma significaria mitigar as obrigações e supervalorizar os direitos.

1 Curso de direito civil. Parte geral. 20. ed. Saraiva, 1981. p. 283.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

Assim, a primeira observação que se põe como primícia comportamental para a estabilidade social é a de que cada um deve cumprir com seu dever, ético e moral, sob pena de a sociedade estar sempre adoentada.

Daí que justificar como fundamentos a um instituto tão pouco “ilumina-do”, a necessidade de proteção da segurança e estabilidade social decorrentes da eliminação do perigo de demandas após certo tempo constitui contradição em si mesma.

Não se podem esquecer as intercorrências naturais e das que se originam da vontade humana, tudo aquilo que um dia faz ou fez parte de nosso acervo pessoal ou patrimonial. Sob tal ótica, e observado o preceito tal como escrito, não se pode olvidar que a morte do direito em face da inércia de seu titular pode ser considerada como um “perdão aquisitivo”, mas nunca como uma perda do direito; tanto isto é verdade que se um dia certo devedor quiser satisfazer a sua dívida por livre e espontânea vontade, o credor poderá recebê-la e não devolver o bem. Ou seja, o direito nessas condições tratar-se-ia de um morto-vivo, de um bem latente, seja frente a um caso de decadência, seja no de prescrição.

Está institucionalizado que a morte do direito existe e ocorre, ou no cum-primento da obrigação, ora na inércia do credor, antes ou após o curso do prazo da constituição do justo título. No entanto, nossa proposta aqui é a de repudiar a segunda hipótese, abrindo exceção apenas à hipótese de que o credor diga expressamente de sua desistência.

Nesse caso, estamos falando em perdão, com toda a carga humana que a palavra expressa, e, em face disso, estamos afirmando que tal concessão nada mais é do que um bem social, e não um bem jurídico. Sobre isto voltaremos a falar.

Primeiro, ainda, e antes de tudo, vamos desatar um pequeno nó que poderia criar a crítica obtusa quanto à essência do tema em si. Referimo-nos à despreocupação que estamos tendo em definir e diferenciar o que seja prescri-ção de decadência, etc., pela simples razão de ser o motivo e fundamento da presente discussão “a morte de um direito”, desinteressando se é porque não podemos mais exercê-lo, ou se porque alguns entendem que ele efetivamente tenha “morrido”2.

Para avançar no tema, propomos uma divisão dos campos de observação da morte do direito de uma forma “didática”: como nossos intelectuais gostam de se referir às diversas possibilidades de incursão em um tema encontradiço nos vários campos do direito.

2 A propósito, tal preocupação não ocorre, do mesmo modo, nas legislações de França e Alemanha, ao contrário da Itália, que “sistematizou” cientificamente o tema, distinguindo decadência e prescrição. Ver Edycléa Tavares Nogueira de Paula, em Prescrição e decadência no direito tributário brasileiro, (RT, p. 14).

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1 UM POUCO DE HISTÓRIA (OU SERIA ESTÓRIA – NO SENTIDO ANTIGAMENTE EMPRESTADO À PALAVRA?)

Arriscaria afirmar, de início, que os autores que escrevem sobre o tema (prescrição ou decadência, não importa) raramente manifestam-se sobre as ra-zões de existência desses princípios, limitando-se a repetir o que dito pelos demais estudiosos.

Vandick Londres da Nóbrega, em seu História e sistema do direito pri-vado romano, obra em que procurou organizar e expor os principais institutos do Direito romano e que constitui leitura obrigatória a quem pretenda conhecer um pouco das raízes do nosso direito civil, traz apenas uma referência histórica singela sobre a prescrição, observando que esta surgiu no Baixo Império, por meio dos Imperadores Honório e Teodósio II, os quais fixaram que “todas as ações pessoais ou reais não podiam ser intentadas decorrido o prazo de trinta anos”3. Se nos transportássemos àquela época, em que as cidades eram peque-nas, e praticamente apenas os patrícios possuíam algum direito de reivindica-ção, é factível admitir-se que o instituto era de raríssima utilidade.

Na obra de Fustel de Coulanges, sequer uma linha sobre o tema...4

Tomando exemplificativamente a obra de Antonio Câmara Leal, pode-se dizer que esta se limita a repetir o que encontramos em outros escritos sobre o tema, anotando o magistério de Coviello, Savigny, Carvalho de Mendonça e outros.

A ideia de “morte do direito” nos vem do tempo dos romanos, à época do sistema Formulário, no qual o Pretor, observando a praescriptio regulamentar (prazo de duração de uma ação), podia determinar em preliminar a absolvição do réu na medida em que tal réu não poderia ficar indefinidamente preso ao processo5. Por detrás da fórmula processual, com efeitos civis, ia invocada uma “agressão à ordem pública, em benefício do mais alto interesse social” (apud Augusto Zenun)6.

O Direito romano, portanto, teria contribuído com os primeiros funda-mentos para a criação do “direito à morte do direito” de outrem, cabendo per-quirir se seria pela extensão equivocada da expressão, mediante a corrupção do seu significado e alcance, em face do uso incorreto pelos pretores, e da autori-dade exercida nas suas decisões, ou, efetivamente, pela intenção do legislador em pôr fim ao direito.

Do Direito romano também podemos tirar a lição de que tais institutos são de caráter processual, nada tendo a ver com o direito natural, daí porque a extinção via prescrição não liberta indivíduos, mas apenas põe termo a conflitos

3 Livraria Freitas Bastos, 1955, p. 468.4 A cidade antiga. Hemus, 1975.5 Conforme Antonio Luiz da Câmara Leal, em Da prescrição e da decadência (3. ed. Forense, 1978. p. 3).6 Prescrição na constituição. Forense, 1993. p. 2.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������13

“judiciáveis”. Há, entre a teoria e a prática do acesso ao direito, que observar com temperança o fato de que a faculdade da actio está muitas vezes sob os ferrolhos da impossibilidade do exercício do direito.

E que interesse social tão relevante seria este que ainda hoje faz morrer o direito, a nosso ver em franca agressão à ordem pública? Ou seria a simples defesa do confisco impetrada pelos patrícios romanos de bens de não cidadãos?

É essencial que tentemos relacionar quais os fundamentos desse instituto, de modo a esgotar as opções, dado o enfoque do presente estudo.

Para aqueles que um dia previram, estudaram e propuseram essas figuras da morte do direito pelo decurso de um tempo – decadência ou prescrição –, resta perguntar se tais valores se sobrepuseram a outros relacionados à vida harmônica em sociedade? Afinal, direito não é tão só faculdade de agir, mas é algo superior, inerente à titularidade de um patrimônio social contra um deve-dor e em defesa do patrimônio material ou espiritual de todos os seres humanos participantes desse acordo de vontades, pois que a não se admitir tal assertiva, nada há de estável ou definitivo nas relações entre tais membros de uma comu-nidade.

Se lembrarmos de figuras como o ostracismo, ou a pena de morte, ou outras penas definitivas, como o confisco de guerra, e até a cassação de aposen-tadoria, só poderemos concluir que por trás da morte do direito haveria alguma outra razão de fundo não tão moral ou ético como nos querem fazer acreditar.

Seria por isto que o art. 75 do revogado Código Civil de 1916 não foi reeditado, ou seria uma desculpa para dar foro de algum valor ao continente (o processo) ao invés do conteúdo (o direito)?7

Pode o tempo consertar todas as coisas?

2 FUNDAMENTOS JUSTIFICATIVOS DA MORTE DO DIREITO

Antonio Luiz da Câmara Leal apresenta uma série de razões, devidamen-te sustentadas por autores de nomeada, como Coviello, Carvalho de Mendonça, Savigny, Planiol, Pugliese e muitos outros, para concluir que “essa multiplicida-de de fundamentos oferecidos pelos escritores é uma demonstração evidente da procedência e utilidade do instituto, apesar das críticas moralistas que provocou por parte de alguns juristas, impregnados de escrúpulo teológico”8. Afora indu-vidosamente preconceituosa a afirmação do autor, resta claro que não produziu nenhum esforço no sentido de desmentir aquelas afirmações, ou, ao menos, pô-las à prova.

7 “Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura.”8 Da prescrição e da decadência. Forense, 1982. p. 14.

Page 14: Revista SÍNTESE · 2016. 12. 2. · Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil ano Xiii – nº 91 – set-out 2014 rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia Superior Tribunal

14 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Sem considerações a uma ordem de prevalência entre as razões que ho-diernamente se apresentam como justificativas da morte do direito pelo decurso de certo tempo, podemos citar as mais relevantes entre as arroladas por diversos autores:

a) interesse social – Haveria interesse social em não alongar indefi-nidamente uma situação de incerteza, de instabilidade, de insegu-rança (cf. Zenun – obra já citada, Ruy Barbosa Nogueira e outros9); com tal providência, se evitaria que o titular do direito pudesse, a qualquer tempo, acionar a parte adversa, possibilitando, por via transversa, esta situação de insegurança e instabilidade;

b) paz social – Para outros, a razão de ser desse conceito está na paz social e na segurança da relação jurídica, a qual deve possuir um início e um fim; o exercício de direitos, mais que um privilégio, constitui-se em um dever de exercício de seu detentor, que necessa-riamente está sujeito a uma condição de transitoriedade (cf. Leonel Andrade Velloso10);

c) comprovante do direito – Não há razoabilidade em se guardarem provas e evidências por tempo indefinido (hoje a informática re-duz bastante este “problema”), mantendo o eventual devedor refém de uma prova que deva apresentar a qualquer tempo; afastar-se--ia, portanto, o encargo pessoal de se guardarem comprovantes por aqueles que devem promover a defesa pessoal de seus direitos, por prazo indefinido;

d) harmonia – Com a morte do direito após o decurso de certo tempo, restabelecer-se-ia harmonia entre os litigantes, que, por seu turno, seria garantidora da paz social, na medida em que evitaria litígios ou que estes se prolongassem indefinidamente;

e) dormientibus non sucurrit jus – O direito não socorre a quem dorme – princípio milenar que parte da premissa de que o negligente não pode ser protegido indefinidamente pela lei. É a pena imposta em função da desídia do credor. O credor que não busca seu direito acaba por perdê-lo. Talvez o maior defensor dessa posição tenha sido Savigny, que o afirma como um castigo à negligência.

É comum vermos em nossos Tribunais a declaração da morte do direito sob o argumento de que, após o decurso de determinado tempo sem promo-ção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes.

9 A decadência no direito tributário. Resenha Tributária, 1982. p. 12.10 Caderno de pesquisas tributárias. Resenha Tributária, 1975. p. 274.

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3 CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS DO INSTITUTODar a César o que é de César.

Por quais fundamentos esses institutos da prescrição e decadência se-riam alicerces da segurança jurídica e estabilidade social? Quem o afirma que o prove!

Não é possível afiançar que a morte do direito possa ser considerada como base para a segurança e estabilidade sociais; muito antes pelo contrário, pode-se declarar que tal proposição é fomentadora de comportamento antisso-cial, que estimula ação descumpridora de normativo regulador das bases sociais identificadas pelos mesmos primados da segurança e tranquilidade. Mais fácil ainda é assentir com a afirmativa quando temos uma justiça demorada, lenta, muitas vezes injusta, amarrada a fórmulas e preceitos, que, ao declarar-se cega como Themis, deixa de praticar a jurisdição tal como se espera do Poder, anun-ciando a morte do direito por decurso de tempo.

É possível perguntar: Como se faz em relação ao ovo e à galinha, se o que faz morrer o direito é a incúria do credor ou se é a diligência do devedor em esquivar-se do dever?

E se o direito morre porque o devedor não o pode, a determinado tempo e condições, solvê-lo, há razoabilidade e segurança jurídica em tal circunstân-cia? Impossível alegar negligência do credor, ou sua inércia, na cobrança de uma obrigação que momentaneamente não pode ser paga. Pior ainda é perdoar o devedor por força de sua insolvência.

Não é possível aos lesados, contra quaisquer bens seus, que o Estado garanta ao curso de certo tempo a remição da obrigação ou pena, sob justifica-tivas exatamente opostas às que movem o comportamento esperado do homem médio, que sequer consegue dormir enquanto não estiver em dia com seus deveres.

É fantasiosa a expectativa de que a harmonia volta e se refaz com a morte do direito. Ao contrário, o credor cioso (e, porque, às vezes, mal assessorado) se vê incapacitado de realizar o seu direito e definitivamente tolhido pelo com-portamento antissocial ou pela pobreza do devedor. O pobre que não pode manter um litígio, o rico que paga advogados de nomeada para impossibilitar a satisfação de simples obrigação, ou mesmo o devedor que se esconde atrás da expectativa da morte anunciada do direito, nenhuma dessas pessoas, seja a que chora, seja a que ri, veem a morte do direito como um caminho de volta à harmonia.

O perdão pessoal devolve a harmonia; a morte imposta do direito instala a descrença na justiça.

Ao contrário do que sustentam nossos doutrinadores, ordem, segurança e estabilidade só são alcançadas se e enquanto o direito do outro for respeitado. Não há como ser diferente.

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4 O PRAZO DO ABANDONO

Prescrição e decadência nada mais são do que pena aplicada após um prazo de abandono.

É consistente a alegação de que, se não houvesse a morte do direito, os devedores teriam de guardar indefinidamente os seus comprovantes de quita-ção. Tal argumento encontra empeço, porém, na afirmativa de que se o credor silencia, caberia ao devedor impulsionar a jurisdição para que imponha ao cre-dor a obrigação de se manifestar sobre seu interesse no crédito. Mais do que justo, o homem deve ser ético, ou ser forçado a sê-lo, como na visão positivista de Hans Kelsen, não se tratando de uma questão religiosa, mas de respeito ao desiderato da justiça.

Se o titular do direito não o exerce em determinado tempo, tem-se – hoje – que há um perdão tácito da dívida. Por qual razão, então, não se propõe a mão inversa da declaração de inexigibilidade? Simplesmente porque é até cômico (pelo menos nos dias de hoje, e talvez por ser fruto dessa visão redu-cionista do dever) imaginar-se que o devedor, descontente com o silêncio do credor, busque a jurisdição com vistas à declaração da inexigibilidade da obri-gação, devidamente cientificado esse credor da pretensão elisiva. No entanto, não seria mais correta uma medida desse porte em vez de simplesmente impor ao credor a perda do direito?

Carpenter, citado por Carlos da Rocha Guimarães11, anota hipótese em que caberia ao credor buscar o seu crédito junto ao devedor. Em não tomando tal iniciativa, não estaria havendo lesão a seu direito, mas a sua inércia justifica-ria o curso do prazo prescricional em favor do devedor. A proposição constitui pena tremenda e desproporcional, porquanto é muito possível em um caso des-ses estabelecer uma pena razoável à desídia do credor.

5 O DIREITO AO CRÉDITO

A lei deveria assegurar ao credor, por meio de instrumento como o pro-testo antipreclusivo, a sobrevida do direito, pois não há fundamento razoável para liberar o devedor de suas obrigações – inclusive a de guardar documentos que digam respeito a qualquer obrigação que tenha sido objeto do protesto. Pois se a satisfez, permite extinguir o protesto, e, do contrário, ficará preso a ele.

Pode-se com certeza asseverar que o credor cioso não permitiria o decur-so do prazo, tanto quanto, de modo o contrário, silenciaria o credor que tivesse obtido a quitação da obrigação. Quem recebeu não cobra mais, e quem não recebeu, cobrará! Daí a razoabilidade de um instrumento poderoso de salva-guarda de direitos não solvidos.

11 Prescrição e decadência. Forense, 1984. p. 30.

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O pagamento forma título em favor do devedor, e faz desaparecer a pre-tensão do credor. Quanto à hipótese de má-fé do credor, infelizmente só se pode dizer que cabe ao devedor guardar a prova da quitação ou eliminar a prova da dívida. E tal conclusão se funda na constatação de que é este o mundo em que vivemos e estas são suas intercorrências.

É possível admitir a inexigibilidade do direito, quando o seu titular não o exercita por vontade própria, mas não a sua extinção se não foi cumprido. O que se afirma, mutatis mutandi, é que o privilégio do “dever de cobrar direito”, não exercido a determinado tempo, mesmo por incúria do seu detentor, não pode se transmudar em perdão ou simples perda do direito. Quando muito a aplicação de alguma pena, como a exclusão de acessórios, a imposição de multa, etc.

Em se tratando, por exemplo, de créditos estatais, que são, na verdade, créditos sociais, mais injustificados são os institutos da decadência e prescrição, na medida em que conhecidas sobremaneira as dificuldades da Administração Pública no que pertine à eficácia, favores e perseguições, mercê das mais di-versas razões.

E se falássemos aqui da usucapião, podemos asseverar que tal aquisição de direito nada mais é do que a regularização da posse de bem abandonado. O que está abandonado não pertence a alguém.

A afirmação de que o castigo para a desídia é a perda do direito (sem, mais uma vez, entrarmos na discussão acerca de extinção do direito em si ou do direito de exercício à realização da pretensão de direito material), só se mostra viável se tal circunstância for provada. A prova da desídia só se confirmará me-diante prova do autor e a concordância do réu, anuindo com a desistência ao direito. Desídia tácita não existe. E o réu, a seu turno, também tem o direito de demonstrar que não se houve com desídia o que não se trata de prova negativa.

Contrariando as razões para defender a extinção de direitos, é oportu-no anotar que a Convenção Europeia sobre a Imprescritibilidade dos Crimes contra a Humanidade e dos Crimes de Guerra (Estrasburgo, 1974) estabelece que a imprescritibilidade resulta da necessidade de “salvaguardar a dignidade humana em tempos de guerra como em tempos de paz”. Acrescentaria que, ao se promover a defesa dos direitos dos indivíduos, nada mais se está fazendo do que defender os direitos da sociedade.

6 OS PEQUENOS CRÉDITOS

Tomando um exemplo aparentemente exagerado, imagine-se uma em-presa transportadora que faz milhares de serviços de transporte a inúmeras pessoas no decorrer de décadas. Não teria ela como defender-se de uma re-clamação de uma entrega não efetuada vinte ou trinta anos após a operação

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comercial. Não teria ela como guardar indefinidamente o conjunto de docu-mentos de cada operação de transporte que realizou.

Isto é um fato? Bem, no sistema atual, de guarda física de documentos, torna-se praticamente impossível guardar tantos documentos por tanto tempo. No entanto, estamos em uma nova era, onde é possível guardar inclusive os mortos, esperando um dia criar um medicamento que os traga de volta ao nosso convívio; muito mais fácil ainda quando se trata de documentos.

Em relação a qualquer das pontas de um negócio jurídico, é possível afirmar que ninguém proporia uma tal reclamação após o decurso de período razoável em que o direito deveria ter sido postulado, razão pela qual há que se admitir que em casos tais o direito não imediatamente exercido desaparece. E esse desaparecimento não seria fruto da prescrição ou decadência, mas decor-rência do silêncio do credor.

Tomando, em outro exemplo, aquele dono de um pequeno crédito ou direito, não se pode olvidar que o nosso sistema judicial criou exatamente para esses casos os juizados especiais. Nestes, a manifestação do interesse nos ha-veres a crédito deveria ser suficiente para proteção do direito, e a sua quitação deveria se dar pelo mesmo modo como foi postulado, de sorte a impedir a repetição da exigência.

De fato, nos dias atuais, é praticamente impossível imaginar que o credor simplesmente se omita de buscar o seu crédito imediatamente após o venci-mento, adotando a expedição de avisos, protestos e, por fim, meios judiciais. Diante dessas medidas, não é razoável o perdão da dívida pelo curso de certo tempo. O tempo só pode confirmar o perdão em relação ao credor que silencia de modo absoluto, que não adote o protesto judicial para resguardo do seu direito.

Assim, é verossímil e razoável a criação de normas legais que permitam a proteção a créditos e direitos em geral.

7 DO PONTO DE VISTA SOCIAL DO DIREITO DE PRESCRIÇÃO E DE DECADÊNCIA

Há muitas questões a serem solvidas nesse ponto, antes de se firmar uma posição sobre o direito à morte do direito.

Há imprescritibilidades?

Há.

Os direitos de personalidade nascem e morrem com o indivíduo, Enquan-to vivo, goza-se dos direitos e deveres inerentes à própria existência humana.

O inciso XLII do art. 5º de nossa Constituição assevera a imprescritibilida-de do crime de racismo. E o inciso XLIV declara imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares.

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Há penalidades que não prescrevem: a perda de cargo público e a cassa-ção de aposentadoria são penas que não prescrevem.

E há razoabilidade na existência de penas imprescritíveis?

Contraditoriamente, a Carta Magna estabelece, no seu inciso XLVII, que não haverá penas (b) de caráter perpétuo. Alguém deveria avisar o Supremo Tribunal Federal dessa norma. Assim, a pena perpétua de cassação de aposen-tadoria seria revisitada.

Extremo direito, extrema injustiça.

Há de se ponderar que se as penas em geral têm o objetivo de emendar o faltoso, é certo que não podem se estender indefinidamente no tempo, até a chegada de sua morte. A contrário senso, se penas não prescrevem, por que o direito de uns e o dever de outros pode morrer?

A teoria política hobbesiana que viria a ser formulada em 1651, com o Leviatã, propõe, com propriedade razoável, a garantização do que é justo (1974: 90)12:

Daquela lei de natureza pela qual somos obrigados a transferir aos outros aque-les direitos que, ao serem conservados, impedem a paz da humanidade, segue--se uma terceira: que os homens cumpram os pactos que celebrarem. Sem esta lei os pactos seriam vãos, e não passariam de palavras vazias; como o direito de todos os homens a todas as coisas continuaria em vigor, permaneceríamos na condição de guerra.

Nesta lei de natureza reside a fonte e a origem da justiça. Porque sem um pacto anterior não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, conseqüentemente nenhuma ação pode ser injusta. Mas, depois de cele-brado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição da injustiça não é outra senão o não cumprimento de um pacto. E tudo o que não é injusto é justo.

Alguém afirmou: “Não há mais espaço e legitimidade para essa ‘onda’ garantista, que protege, na verdade, os direitos dos criminosos, esquecendo-se completamente da vítima”13.

É razoável que se espere que o credor “durma”, ao invés do exercício re-gular de nosso dever de satisfazer as obrigações que assumimos? É inegável ser prática de muitos deixarem de cumprir os seus encômios, ficando no aguardo das ações do credor. Nada mais razoável, portanto, que o credor aparentemente inerte seja protegido pela lei quanto a seu direito essencial.

8 DO PONTO DE VISTA DA CONSTITUIÇÃO

A Constituição, o maior e mais importante documento legal da nação, contém contradição insuperável no que respeita à prescrição, pois considera

12 Seria também “maldito” por esperar em uma justiça efetiva, mesmo no curso do tempo?13 Artigo disponível na Internet, publicado por Ada Helena Cunha da Cunha (<http://www.direitonet.com.br/

artigos/x/38/02/3802/>).

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imprescritíveis os crimes de racismo e a ação de grupos armados, civis ou mili-tares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, incisos XLII e XLIV), que são efetivamente atos contra um grupo de cidadãos ou a sociedade em geral. No entanto, simplesmente ignora os crimes de sonegação, crimes de colarinho branco e estelionatos legislativos, que, sabidamente, causam prejuí-zos irreversíveis, com reflexos profundos em gerações de novos brasileiros. E que nós podemos afirmar sem medo de errarmos, que muitas vezes constituem crimes contra toda a sociedade, com reflexos severos e intangíveis, na busca pela justiça e igualdade.

Os prejuízos que temos com a educação, com as oportunidades de tra-balho e com a saúde, mercê dos inúmeros e insondáveis desvios de verbas pú-blicas pelas mais diferentes formas, constituem crimes cuja prescrição é, hoje, infelizmente, acelerada em favor dos seus autores14.

E quando os autores se tratam de parlamentares, em vez de ser promovi-da a aceleração do processo, assim como foi proposto em relação aos idosos, o legislador preferiu suspender o curso da prescrição enquanto o denunciado ocupar cargo público eletivo, permitindo que a aplicação de eventual pena dei-xe de ser exemplar e oportunamente aplicada pelo tempo em que o parlamentar conseguir se esconder por trás dos votos15.

O povo brasileiro não pode continuar refém do desrespeito de empre-sários, políticos e serviços públicos, sob pena de tornar-se retrato dos mesmos.

9 PROIBIÇÃO DE RETROCESSO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Quando nossa Constituição revela, em seu art. 1º, que o Brasil, como Estado Democrático de Direito, tem como um de seus pilares a dignidade hu-mana, está trazendo consigo a pretensão de cada um de nós ao respeito por parte das demais pessoas.

Este direito, como observa Alexandre de Moraes, alberga-se em três prin-cípios do Direito romano: “Honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido)”16.

Ao falar-se, portanto da morte do direito, que, por hábil ação das raposas de plantão, instalaram-se nas verves legislativas e jurisdicionais, e ganhou foros de instituto jurídico, quando não passa de mero instrumento para liberar maus

14 O § 5º do art. 37 da Carta Magna empurra para a lei a fixação do prazo prescricional de lesão causada por agente público. A Lei nº 8.429/1992 prevê, no seu art. 23, prazo de cinco anos para a propositura de ação destinada à aplicação de sanções por prejuízos produzidos contra o patrimônio público. No entanto, o STJ tem inovado ao decidir que não ocorre a prescrição no que respeita ao direito de reparação do dano ao Erário por ser imprescritível a pretensão ressarcitória, nos termos do art. 37, § 5º, da CF/1988 (ver REsp 1.089.492/RO, Rel. Min. Luiz Fux, Julgado em 04.11.2010).

15 Veja-se o § 5º do art. 53 da Carta de 1988.16 Constituição do Brasil interpretada. 6. ed. Jurídica Atlas, 2006. p. 129.

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cidadãos e desafogar um Judiciário lento, há de se concluir em evidente retro-cesso ao direito fundamental da dignidade humana.

Direitos fundamentais são aqueles que possibilitam ao ser humano uma vida digna junto aos seus semelhantes, quer sejam direitos, quer deveres inse-ridos no campo das relações interpessoais. Como prefaciou o Dr. Juarez Freitas na obra de Ingo Sarlet17:

Neste prisma, os direitos humanos, à proporção em que se fazem reconhecidos, objetiva e positivamente, passam a robustecer o cimento indisponível do pró-prio Estado, o qual somente experimenta real sentido e autêntica legitimidade quando apto a viabilizar, mormente em situações-limite, a concretização am-pliada da dignidade da pessoa.

Ora, como falar em direitos se somos capazes de cancelá-lo de quem o detenha, pelo simples fato de não ser imediatamente possível realizá-los, em face das mais variadas circunstâncias a afastar a satisfação das obrigações.

Como não dizer que a quitação não se trata de um direito fundamental, seja lá de que direito for, se por trás dessa quitação há insofismável garantia da efetividade contratual que permeia as relações humanas?

A quitação, sim, deveria ser princípio “fora do catálogo” da Constituição, a ser protegido, em nome mesmo da estabilidade, harmonia e paz sociais, por-que exigiria um comportamento uníssono dos cidadãos, constituindo prática induvidosamente saudável de sociabilidade.

Permitir o contrário, inclusive pela via do perdão, portanto, trata-se de verdadeiro postulado em favor do retrocesso pela via reflexiva.

10 DO PONTO DE VISTA PENAL. A QUESTÃO É DE DIREITO PÚBLICO

Como dizer que teremos paz com a impunidade? Acaso alguém que se esconde por anos tem o direito de ser perdoado “pelo decurso do tempo”?

Acaso o sistema judicial seja fraco e desorganizado, ou, ainda, que con-tenha uma gama infinita de meios procrastinatórios, é razoável deixar de punir por decurso de tempo?

Se o criminoso se corrige, se arrepende, não “peca” mais, tendo-se tor-nado “pai de família” e cidadão “exemplar”, o que resta ao sistema fazer? Um longo tempo decorrido entre o fato criminoso e a prisão do executante do ato inquinado justifica o perdão, pela morte do direito?

17 A eficácia dos direitos fundamentais. Livraria do Advogado, 1998. p. 13.

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Ada Helena Cunha da Cunha, em artigo com circulação na Internet, afir-ma que, “segundo Cláudio Fonteles, em entrevista concedida ao Jornal O Glo-bo, o que mais contribui para a impunidade no Brasil é a prescrição penal”18.

A persecução penal tíbia e os meios jurídicos disponíveis francamente voltados à proteção do criminoso, além da sua manifesta ocultação para esca-par ao cumprimento de sua dívida social, não podem apagar os seus atos. O que apaga o ato é a conclusão judicial de inocência. Tirante isto, o crime deve ser apenado, alterando-se, quando muito, o grau da pena.

Na outra ponta do crime, ao falar-se na execução da pena, não se pode esquecer da pena de morte, que se pode chamar de pena eterna quando execu-tada; veja-se que até nossos vizinhos argentinos implantaram a prisão perpétua para alguns crimes, em uma demonstração de que a imprescritibilidade, sob o aspecto da pena, existe.

Ora, para crimes repulsivos do tipo lesa humanidade, há pena de morte (“pena perpétua”), crimes de menor impacto social nem por isto podem um dia deixar de ser objeto de execução porque a jurisdição não os alcançou durante certo tempo.

A contradição encontrada em nossas leis é insuperável: para o crime de racismo, não há prescrição, ou seja, não importa onde nem por quanto tempo o criminoso se esconda, ao ser encontrado, será julgado e, se culpado, será con-denado. Enquanto isto, os assassinos por motivo fútil, pedófilos, e outros ladrões do futuro de classes sociais inteiras, circulam “pimpões” entre nós.

Pior impunidade que decorre da ausência de pena é, novamente, a des-crença no sistema social, que impulsiona outras pessoas a cometerem seme-lhantes ou piores ilícitos, em uma corrente ascendente de certeza de impuni-dade. É recorrente a soltura de presos por falta de lugares para a satisfação das condenações.

A compensação pela apenação do criminoso sem sombra de dúvidas mitiga a dor de quem sofreu as consequências do ato insidioso. É razoável des-cartar a pena em razão da fuga do delinquente?

Para rematar, é oportuno referir que se, de um lado, nos países de tra-dição romano-germânica a imprescritibilidade excepciona a regra genérica da prescrição penal; do outro, o art. 29 do Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional, estabelece que os crimes de competência daquela jurisdição não prescrevem.

Se consultada a tradição relacionada à common law, ver-se-á que o prin-cípio da prescrição é pouco ou nada conhecido19.

18 Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3802/Prescricao-e-impunidade>.19 Sobre o tema, indicamos a leitura de artigo disponível na Internet, da lavra de Ana Flávia Velloso (<http://

www.anima-opet.com.br/primeira_edicao/artigo_Ana_Flavia_Velloso_a_imprescritibilidade.pdf>.)

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11 DO PONTO DE VISTA PATRIMONIALAqui a questão envolve o público e o privado. Pode-se anotar que o di-

reito não se realiza por diversos motivos, como ignorância, desídia, negligência, descrença nas instituições, despesas processuais excessivas, safadeza e tantas outras.

Em se tratando de direito público, mais inadmissível ainda falar-se em decadência ou prescrição, uma vez que o ente público, entre os seus encômios, tem o dever de proporcionar a garantização dos direitos fundamentais do ci-dadão, muitos dos quais só podem ser obtidos com o encargo patrimonial que compete a cada cidadão.

Assim, toda obrigação pecuniária em favor de ente público deveria ser imprescritível, na exata medida em que mesmo o devedor é beneficiário de sua moeda obrigacional.

Já enquanto se trata de direito privado, só é crível que o direito justo de alguém não se realize quando o seu detentor não queira obtê-lo. Trata-se de absurdo lógico, só excepcionado pelo perdão anunciado, tema que até deveria ser expressamente esclarecido, como já antes sugerimos.

Se o devedor não consegue pagar o seu credor, nada mais justo do que obter a declaração de quitação, oportunizada ao credor a manifestação sobre o crédito.

Em um processo de revisão de contrato bancário de empréstimo para a aquisição de bem móvel, sob o sistema de arrendamento, a sentença decretou a prescrição da ação executiva, mas admitiu que o direito do credor sobre o bem continuava hígido20. O conflito entre a impossibilidade de o credor cobrar a sua dívida e a de o devedor não poder titular a posse por não exercê-la de modo manso e pacífico nos impõe, si e enquanto não paga a dívida, mais uma vez, na posição de questionarmos o papel do Judiciário nesses casos.

Pois o dever de pacificar as relações interpessoais é lançado em um lim-bo, para insatisfação de ambas as partes, qual um processo kafkiano, “randô-mico”, que desinteressa a todos, fazendo injustiça a ambos. Mas a decisão é, no mínimo, salomônica em termos de não dar direitos a quem tem deveres e não dar direitos a quem inobservou um princípio aqui posto à crítica por sua importância injusta, amoral e antiética.

O legislador bem que poderia se preocupar com uma compensação.

12 DO PONTO DE VISTA DO DIREITO CIVIL

O Código Civil brasileiro procurou relacionar, tão extensivamente quan-to possível, as hipóteses de prescrição civil. Da decadência apenas cuidou em algumas regras de caráter geral e outras especiais (anulação de casamento, etc.).

20 Trata-se de ação processada sob nº 001/1.08.0141282-3 na justiça do Rio Grande do Sul.

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Tirantes aquelas hipóteses já direta ou indiretamente abordadas no pre-sente artigo, ficam para a nossa crítica, aqui, os casos extravagantes descritos no diploma legal21.

A prestação de serviços, o fornecimento de bens e a contraprestação pela renda de patrimônios são sumariamente extintas pelo exíguo prazo de um ano, consoante dispõe o § 1º do art. 206 do Código Civil, acaso o credor não exerça o seu direito no tempo apregoado. Desconhece o legislador, sabe-se lá o porquê, a dificuldade do pequeno hospedeiro, o dono do restaurante ou o segurado nos casos de responsabilidade civil, de buscar os seus pequenos direi-tos, tendo preferido simplesmente cortar-lhe a carne! Mais do que o direito de quitação, o cidadão perde o respeito pela justiça e aumenta a sua descrença na seriedade das instituições.

De melhor sorte e conclusão não se forram os casos previstos no § 2º do artigo citado, pois as prestações alimentares não saldadas, se possíveis de cumprimento, revelam um devedor remisso, indigno do perdão da extinção do direito.

Em todos os casos previstos nos demais parágrafos do artigo aludido ve-em-se nada mais do que casos de proteção ao mau pagador, ao mau cidadão, em detrimento das pessoas que esperam “que cada um cumpra com seu dever”.

Quanto aos casos de decadência, embora não arrolados exaustivamente no diploma civil, posto previstos em extensa legislação extravagante, muitas das hipóteses nada mais são do que o accertamento da legislação relativa à constituição de direitos, tais como as manifestações de preferência sobre bens móveis e imóveis, impugnações de alterações estatutárias, vícios redibitórios, e por aí segue.

Cada hipótese de decadência pode, muitas vezes, ser objeto de prévia anuência das partes contratantes, uma vez que haja o necessário equilíbrio de vontades, admitindo-se a substituição destas pela norma legal. Mas se “as regras do jogo” contiverem vícios, não podem ser tidas como letra imutável.

Mesmo a norma legal – e isto tem efetivamente sido considerado pelo Judiciário – há de ser objeto de ponderação diante do fato concreto. Não se fale em coisa julgada material quando o direito e a justiça exigem uma postura di-versa à da decisão transitada em julgado. Não se fale em decurso do prazo legal para reclamar defeitos de uma construção quando tais defeitos efetivamente se tornam visíveis em tempo superior ao previsto na lei. Não se fale em prosseguir em uma licitação cujo edital contenha vícios só identificados após o decurso de prazo impugnatório. Hoje essas questões devem ser relativizadas.

21 Arts. 206 e seguintes da Lei nº 10.406/2002.

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13 DO PONTO DE VISTA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Iniciaria o exame desse tópico observando, em contrariedade a muitos que se sentem donos deste país, por afirmar que não se pode alegar a “sordidez dos agentes da política fiscal” no trato de suas obrigações funcionais, porquanto nada mais são que representantes da sociedade. Falar mal de agentes tributários que cumprem o seu papel social é falar mal de si próprio.

A Constituição Federal, ao permitir a hipótese de prescrição na cobrança de créditos tributários, na verdade manifestou, como lei cidadã, um aceite da sociedade para a hipótese de desistência de haver créditos a que tem direito pelo decurso de prazo do vencimento da obrigação.

Particularmente, gostaria de ver tal questão submetida a um plebiscito, no qual não votassem aquelas pessoas que não leem jornais, e nem as que vo-tam em programas fúteis da televisão brasileira.

Ao Estado, entendido como o resultado da vontade da população, é im-prescindível à realização integral de seus haveres, sob pena de sobrecarregar demais a alguns e liberar a outros, desigualando cidadãos com os mesmos di-reitos e obrigações. Faz bem ao cidadão contribuir para o bem de todos e lhe faz mais bem ainda ver que todos são tratados da mesma forma, de sorte que o seu encargo se torna um prazer, pois há garantia do retorno do tanto com que colaborou. A mão inversa faz descrer nas instituições e alicia os mais fracos e os mais arredios ao cumprimento de suas obrigações sociais.

Anuir com a prescrição e a decadência é o mesmo que admitir que o Es-tado não é responsável pela saúde, pela educação, pela segurança e por todos os demais direitos necessários à garantia da dignidade das pessoas de um povo.

14 DO PONTO DE VISTA DO DIREITO DO TRABALHO

Sentença prolatada em 30.06.2010 pela Dra. Valdete Souto Severo nos autos do Processo Trabalhista nº 0000042-52.2010.5.04.0005, traz interessante raciocínio acerca da prescrição no direito trabalhista, como se vê pelo excerto a seguir:

[...] vem entendendo a jurisprudência italiana que, em decisão paradigmática da Corte Constitucional (Sentença nº 63, de 10 de junho de 1966), declarou a inconstitucionalidade das normas acerca da prescrição, contidas no Código Civil de 1942, para o efeito de concluir não haja prazo prescricional em curso durante o período de vigência de contrato de trabalho não contemplado com a tutela real, ou seja, com a verdadeira e efetiva garantia contra a perda do pos-to de trabalho. A existência mesma de contrato de trabalho em curso constitui, assim, causa de impedimento do curso da prescrição (destaquei). Na aludida decisão, a Corte Constitucional Italiana faz afirmação que serve com exatidão à realidade brasileira: “Não existem obstáculos jurídicos que impeçam de fazer valer o direito ao salário. Existem, todavia, obstáculos materiais, isto é, a situa-ção psicológica do trabalhador, que pode ser induzido a não exercitar o próprio

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direito pelo mesmo motivo pelo qual muitas vezes é levado à sua renúncia, isto é, pelo temor da dispensa; de modo que a prescrição, fluindo durante a relação de emprego, produz exatamente aquele efeito que o art. 36 pretendeu coibir proibindo qualquer tipo de renúncia: mesmo aquela que, em particulares situa-ções, pode se encontrar implícita na ausência do exercício do próprio direito e, portanto, no fato que se deixe consumar a prescrição”. No Brasil, a necessidade de valorização social do trabalho como fundamento da República e a cláusula expressa no art. 9º da CLT, que torna nulos quaisquer atos tendentes a suprimir, fragilizar ou mitigar direitos trabalhistas, determina a compreensão de que a res-trição ao direito fundamental de ação contido no art. 7º, XXIX, da Constituição, se opera apenas nas hipóteses em que exista efetiva garantia de manutenção do emprego, sob pena de estarmos (como estamos!) chancelando diariamente renúncia de crédito alimentar, em afronta clara e incontornável ao que estabe-lecem os arts. 100, § 1º-A, da Constituição e 1.707 do Código Civil. Essa com-preensão decorre de um olhar para o ordenamento jurídico como sistema, cujo escopo é fazer prevalecerem os valores eleitos como essenciais em determinado Estado. É, também, fazer prevalecer “a justiça” como um dos “valores supremos de uma sociedade fraterna”, na dicção do preâmbulo do nosso texto constitu-cional.

Nesse sentido, os enunciados aprovados pela Comissão 2 – Relações coleti-vas de trabalho e democracia, do XV Conamat, realizado em Brasília/DF, entre os dias 28 de abril e 1º de maio deste ano: “PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA A DISPENSA ARBITRÁRIA (ART. 7º, I, DA CF) – NÃO REGULAMEN-TAÇÃO – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL: INAPLICABILIDADE – Considerando que a prescrição não é um ‘prêmio’ para o mau pagador, enquanto não aplica-do efetivamente o direito de proteção contra a dispensa arbitrária previsto no inciso I do art. 7º da CF, que gera ao trabalhador a impossibilidade concreta de buscar os seus direitos pela via judicial, não se pode considerar eficaz a regra do inciso XXIX do art. 7º, no que se refere à prescrição que corre durante o cur-so da relação de emprego. Por isso, enquanto não conferirmos efetividade plena ao art. 7º, I, da CF/1988, não se pode declarar a prescrição qüinqüenal. Por todos esses fundamentos, entendo que, enquanto não garantida a plena eficácia do sistema de garantia contra a despedida arbitrária de que cogita o art. 7º da Constituição, a vigência do contrato de emprego constitui elemento impediti-vo ao fluxo do prazo prescricional, cuja contagem tem início tão somente após o rompimento da relação. Em decorrência, não havendo sequer decorrido dois anos entre o término do contrato e o ajuizamento da presente demanda (me-nor prazo previsto na Constituição para extinção da pretensão referente à viola-ção de créditos trabalhistas), inexiste prescrição a ser pronunciada no caso em apreço”.

Ora, o raciocínio é verossímil e guarda coerência com a compreensão de que quando o direito não pode ser exercido, por razões muitas vezes subjetivas, também não pode ser objeto de simples declaração de extinção da pretensão após decurso de certo tempo. Há de ser justificada a decretação, seja pelo per-dão expresso, seja pela aceitação tácita depois de oportunizada manifestação da parte.

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15 DO PONTO DE VISTA DO DIREITO PROCESSUAL

Antes de os juízes e Tribunais chamarem a si a responsabilidade pela de-cretação da morte do direito, um exercício de cidadania calharia muito bem nos feitos judiciais: o demandante deveria ser intimado a dizer se pretende desistir da ação, para que se decrete a extinção do feito e a morte do direito objeto do litígio.

Doutra forma, o que se tem é a simples e viciada iniciativa da substitui-ção da vontade da parte pelo Poder Público.

É certo que o Poder Público não deve se imiscuir nas relações entre par-ticulares, antes se oferecendo como serviço imprescindível – uma vez que subs-titui as partes na concretização do direito – para a efetivação do direito e da justiça que deve permear as relações sociais.

Deste ponto, portanto, até a admissão inequívoca do detentor de um direito em desistir do mesmo há uma distância que a simples norma processual não poderia ter o mágico poder de lhe substituir em vontade e derrocar o mais simples desejo de justiça.

16 PRESCRIÇÃO E COISA JULGADA

Há, hoje, para o bem da sociedade, muitos cientistas do direito repelindo a eficácia eterna da coisa julgada material, o que representa um avanço signi-ficativo em prol da igualdade e dignidade da pessoa humana, como decantado nos artigos preliminares do nosso texto magno.

Identificando, a qualquer tempo, que a decisão judicial encerrou seu ci-clo, e que a sua continuidade gera desalento e descrença sociais, merece ser reparada, eventualmente, assegurando ao detentor do direito alguma reparação, se for o caso. Mas jamais se poderá manter uma decisão que o tempo tornou espúria, uma decisão que agora se mostra equivocada e contrária a princípios maiores, sob o argumento da estabilidade ou da coisa julgada, simplesmente porque devem ser observados princípios maiores que este.

Nem a coisa julgada nem o direito adquirido podem ser eternos, porque o mundo evolui e os erros devem ser consertados.

17 PRESCRIÇÃO E DANOS MORAIS

Tendo-se o dano como qualquer prejuízo que alguém sofra em sua alma, seu corpo ou seus bens22, impõe-se questionar se os danos da alma e do corpo, enquanto ferem a alma, podem prescrever?

22 Conforme Agostinho Alvim, em Da inexecução das obrigações e suas consequências (Jurídica e Universitária Ltda., 1965. p. 161).

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A dor prescreve? A saudade prescreve? A humilhação, a desonra e a ver-gonha prescrevem? O dano emocional prescreve?

O que pode prescrever em nosso Direito é meramente o caráter patri-monialista do dano. Não é possível consertar o dano emocional, exceto se há pequenez de espírito, onde alguns “milréis” desfazem o “agravo”.

Na grandeza de espírito não há dano emocional. A vida segue, sem entes queridos, sem a inteireza ou funcionalidade de nosso corpo; enfim, impossível a volta a um estado anterior ao evento danoso. E evidentemente que as necessida-des humanas que decorrem de um acidente envolvendo a diminuição funcional não prescrevem.

Doutro lado, a vindita consolidada na indenização satisfaz apenas a mes-quinhez de seu postulante. Afirmar que a compensação patrimonial é forma de conforto capaz de mitigar a dor consiste em desconsiderar seu sentido e sua extensão.

A retratação, o arrependimento, por outro lado, como comportamento mínimo esperado do cidadão, nada tem a ver com a prescrição, cumprindo a cada um satisfazer aos demais membros da sociedade com a cruz correspon-dente a seu ato, com as minorações eventualmente aplicáveis.

Muito recentemente o Superior Tribunal de Justiça assentou que a ação para haver indenização por danos morais em relações contratuais prescreve em dez anos. Para as relações extracontratuais, o prazo seria de reduzidos três anos. São, sem dúvida, ideais apenas do serviço judiciário, sem nenhum comprometi-mento com os interesses sociais.

18 O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO COMO COROLÁRIO DA SATISFAÇÃO DO DIREITO

Muitas são as formas viáveis de satisfação de uma obrigação.

No entanto, o que se encontra em nosso sistema são fórmulas que, muitas vezes, não alcançam o seu desiderato.

Poder-se-ia, a título de exemplo, fixar que se o devedor confirmadamente não pode pagar a sua obrigação, os juros poderiam ser dispensados, de sorte a garantir ao menos a satisfação do principal.

Poder-se-ia fixar que nos casos de falência ou insolvência, depois de realizados todos os haveres do inadimplente, os credores restantes deveriam manifestar expressamente o seu desejo de persecução de créditos ou perdão do devedor, de sorte a não se premiar o mau devedor e fazer-se o inverso em relação ao presumivelmente bom.

19 A VISÃO DA IGREJA CATÓLICA

Talvez uma boa parte da questão relativa à prescrição esteja vinculada aos ensinamentos da Igreja Católica, de que as pessoas devem orientar em

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seu coração a decisão do perdão, “sem cálculo ou limite”, tal como Deus perdoa.

Há duas posições quanto ao ponto, uma é relativa ao ofendido, e, outra, ao ofensor. Na religião é preciso que o ofensor peça o perdão, o que será ime-diatamente atendido pelo ofendido. No entanto, se o ofensor não manifesta a intenção do arrependimento, pouco importará que o ofendido esteja disposto ao perdão, porque nada poderá reverter tal ato de liberdade.

Se transportarmos tais circunstâncias para as nossas relações humanas, envolvendo basicamente bens ou atos materialmente palpáveis, há a possibili-dade de a manifestação expressa assegurar o fim da obrigação.

Assim, a manifestação do Papa João Paulo II, ao perdoar e rezar pelo ho-mem que tentou assassiná-lo, ou o perdão expresso de quem possui um crédito financeiro com alguém e simplesmente quer abandonar a pretensão, são atos que precisam ser externados.

A prescrição não pode reverter os fatos, para os quais existe a redenção eterna e o castigo eterno.

CONCLUSÕES

Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno, o direito e o dever têm que ser tratados de sorte a que o credor acredite na justiça, e o devedor, que a justiça tem o dever de alcançá-lo!

Os institutos que protegem a morte do direito em nome da paz e da segu-rança social, na verdade, estão contribuindo definitivamente para a desordem e o caos social, na medida em que os sistemas arcaicos de controle e prestação jurisdicional, aos quais se somam manobras elisivas dos devedores do direito, contribuem de forma direta para o desvirtuamento dos institutos, prejudicando as pessoas de boa índole, não importa o quanto elas demandem na proteção de seus bens mais importantes, como as crenças na justiça e na igualdade.

Tais institutos, antes de se constituírem em apanágio da estabilidade so-cial, são verdadeiras penas sem julgamento, porque pressupõem algo que não foi provado mediante a manifestação inequívoca do detentor do direito.

Os operadores do Direito veem-se sumamente sacrificados pelo sistema, porque muitas vezes não têm como ver o direito se realizar, e não podem aban-donar o processo, que inexoravelmente, graças à imoral jurisprudência firmada em torno da prescrição, vai fazendo o direito morrer aos poucos, e, com ele, toda crença na justiça.

Boa parte da culpa pelo florescimento desses institutos se deve, em espe-cial, aos escusos interesses dos legisladores, a interesses irreveláveis dos benefi-ciários dessas normas e, eventualmente, à sobrecarga, de um lado, e à preguiça de alguns Magistrados, de outro.

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Anuir com a prescrição e a decadência é o mesmo que admitir que o Estado não seja responsável pela saúde, pela educação, pela segurança e por todos os demais direitos necessários à garantia da dignidade das pessoas de um povo.

O legislador, diante dos inúmeros fatos que exigem o repensar estes con-ceitos, deveria propor meios compensatórios às partes, observando tanto a dili-gência como a desídia dos envolvidos, em prol de uma justiça efetiva.

Da mesma forma, há que se propor meios legais para se fazer valer o direito à proteção dos direitos e o dever de fazer cumprir deveres, seja mediante comunicações judiciais, protestos, declarações e tantos outros meios.

Longe de propor um novo processo inquisitório, ou constituir uma “sei-ta radical” pela preservação dos direitos, ou pensar na realização da verdade absoluta, na realidade o que se espera e se quer propor é um reestudo dos fun-damentos e das finalidades dos institutos relacionados à morte dos direitos. É saudável pensar acerca de que os bens jurídicos que cooperam definitivamente para a garantia da realização de direitos fundamentais sejam efetivamente pre-servados e protegidos contra maus cidadãos.

Ou, dito de outra forma, se é impossível ao credor o esquecimento, e improvável o arrependimento do devedor que, de certa forma, é até estimulado pela proteção legal, não há nenhuma base plausível para a manutenção desses institutos, assim como postos.

Não há, tampouco, proposição em uma justiça absoluta, porquanto, mais do que impor a morte do direito, o ordenamento jurídico tal como hoje escrito constitui norma de um sistema autoritário e insensível. Quer-se, portanto, uma justiça o mais real e efetiva possível, o que nada tem a ver com absolutismo.

O atual desenvolvimento tecnológico permite que desfrutemos da defesa longissimi temporis de nossos direitos, uma vez que tenham sido oportunamen-te reivindicados.

Mais de dois mil anos depois de ser criado, o que se afirma é que o tema deve ser revisitado, os institutos devem ser objeto de uma releitura, para que, no dizer da Dra. Valdete (citada alhures), se possa fazer “prevalecer ‘a justi-ça’ como um dos ‘valores supremos de uma sociedade fraterna’, na dicção do preâmbulo do nosso texto constitucional”.

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Assunto Especial – Doutrina

Prescrição e Decadência

Da Inteligência do Artigo 200 do Código Civil – Causa Impeditiva da Prescrição

EDÉSIO DO NASCIMENTO PITOMBEIRA FILHOAdvogado Pleno de Cleto Gomes Advogados Associados.

Com a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o prazo prescricional para as pretensões de reparação cível foi reduzido de 20 (vinte) para 3 (três) anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, o que, sem sobra de dúvidas, demandou uma maior atenção por parte dos operadores do Direito.

Além da mencionada alteração, o legislador inovou ao criar uma nova causa impeditiva da prescrição, fazendo constar no Código Civil dispositivo inédito, veja: “Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apu-rado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”.

Verifica-se que, de acordo com o art. 200 do Código Civil, enquanto não se apurar o fato, com absoluta certeza, na esfera criminal, estará obstaculizado o termo inicial do prazo prescricional da pretensão indenizatória da vítima.

A finalidade do mencionado dispositivo foi evitar, diante da repercussão do fato em diversos âmbitos, sentenças contraditórias entre os juízos cível e criminal, especialmente quando a decisão deste for determinante para a da-quele, permitindo à vítima aguardar a solução do ilícito penal para dar início à demanda reparatória no cível.

Foi criada, assim, uma nova causa impeditiva da prescrição, distinta das causas mencionadas nos arts. 197 a 199 do Código Civil. Tal inovação se fazia necessária em razão da redução do prazo prescricional da pretensão de repara-ção civil no novo diploma, para apenas três anos (art. 206, § 3º, V).

A princípio, com uma simples leitura do referido dispositivo, somente após a sentença definitiva no processo criminal é que o prazo prescricional no cível teria início, já que o fato necessitaria de apuração na esfera criminal.

Ocorre que a interpretação literal do art. 200 do Código Civil não pode ser feita de forma absoluta, sendo possível extrair da leitura do dispositivo legal uma interpretação diversa da inicialmente traçada.

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Não há dúvida de que a responsabilidade penal (a ser apurada na ação em que se discute a ocorrência de acidente de trânsito, por exemplo) é indepen-dente daquela a ser perquerida na esfera cível, consoante disposto no art. 935 do Código Civil, veja: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.

Desta forma, não pode e nem deve prevalecer a interpretação literal do art. 200 do Código Civil, uma vez que o ajuizamento da ação de reparação cível, para constatação da responsabilidade civil, independe do ajuizamento de ação penal.

Não obstante a sentença penal condenatória transitada em julgado pro-duza efeitos na esfera cível, o processo civil é independente do processo crimi-nal e deve ser promovido pelo interessado, sem desrespeitar os prazos prescri-cionais previstos no Código Civil.

Levando-se em conta que o fato tratado em eventual ação de reparação cível pode ser apurado no processo civil a par da existência de processo crimi-nal, não se aplica a regra do art. 200 do Código Civil.

Se a reparação civil independe da apuração do ilícito criminal naquela esfera própria, não há nenhum impedimento para o transcurso do prazo pres-cricional a contar da data da efetiva ocorrência do dano, não tendo aplicação, pois, o disposto no art. 200 do Código Civil.

Aplica-se, portanto, à espécie, a prescrição trienal do Código Civil, cujo prazo teve como termo inicial a data da ocorrência do fato, não sendo necessá-rio o trânsito em julgado da ação penal.

Nesse sentido, importante transcrever o entendimento exarado pelo STJ, veja:

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL – PRAZO – DECRETO Nº 20.910/1932 – PRESCRIÇÃO CONFIGURADA – INTERRUPÇÃO DA PRES-CRIÇÃO – ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL – INAPLICABILIDADE – INDEPEN-DÊNCIA DOS JUÍZOS CRIMINAL E CÍVEL.

1. O Tribunal a quo decidiu que se trata de prescrição contra a Fazenda Públi-ca e que, tendo sido a ação ajuizada após o lapso temporal de 5 (cinco) anos previsto no art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932, reconheceu a perda do direito de ação. Também consignou que não há falar em interrupção do prazo prescri-cional, nos termos do art. 200 do Código Civil, pois a ação de reparação por descumprimento de cláusula contratual, a ser proposta no juízo cível, não de-pendia daquilo que seria apurado no juízo criminal.

2. De fato, não se trata de ação civil ex delicto na qual, enquanto pende a in-certeza quanto à condenação criminal, não se pode consignar a prescrição de

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ação a ser proposta no juízo cível. Vale dizer, a reparação do dano ex delicto é consequente, isto é, será proposta de acordo com aquilo que foi decidido na ação penal e, nestes casos, a prescrição é interrompida.

3. O caso dos autos trata de ação de reparação civil proposta contra o Estado por descumprimento de cláusula contratual, sendo que a apuração do fato cí-vel, qual seja, verificação do descumprimento do contrato, em nada depende da ação penal.

Recurso especial improvido.

(REsp 1371444/PE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 02.05.2013, DJe 16.05.2013)

RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – ATROPELAMENTO COM MORTE – REPARAÇÃO DE DANOS – PRESCRIÇÃO TRIENAL – INCIDÊNCIA DO ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL – REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028 DO CÓDIGO CIVIL – APLICAÇÃO – ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL – INAPLICABILIDADE – QUESTÃO PREJUDICIAL – INEXISTÊNCIA – PRÉVIA DISCUSSÃO NO JUÍZO CIVIL DA QUESTÃO SUBJACENTE – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284/STF – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

[...]

III – A eventual apuração no âmbito criminal do fato que ensejou o falecimen-to do irmão do ora recorrente, no caso um atropelamento em via pública, não era questão prejudicial ao ingresso de pedido reparatório na esfera civil. Ade-mais, uma vez afastada a discussão acerca da culpabilidade pelo fato ou, pelo contrário, no caso de sua admissão, tal circunstância não retira o fundamento da reparação civil. Dessa forma, há, na espécie, evidente independência entre as instâncias civil e criminal, afastando-se, por conseguinte, a possibilidade da existência de decisões conflitantes, bem como a incidência do art. 200 do Có-digo Civil.

IV – A ausência de qualquer fundamentação relativa ao alegado dissenso juris-prudencial impõe, para a hipótese, a incidência da Súmula nº 284/STF.

V – Recurso especial improvido.

(REsp 1131125/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., J. 03.05.2011, DJe 18.05.2011)

De acordo com o entendimento do STJ, não havendo prejudicialidade entre as esferas cível e criminal, ou seja, nos casos em que a ocorrência ou autoria independam de apuração criminal, a regra do art. 200 do CC torna-se inaplicável, pois a parte lesada já possui todos os elementos necessários para pleitear a reparação civil, sendo desnecessário aguardar o trânsito em julgado da ação penal.

Não há dúvida que nos casos em que a propositura da ação civil ficar condicionada ao término da ação penal a regra do art. 200 do CC deve ser

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aplicada, pois a parte prejudicada no ilícito civil necessitará de elementos para a propositura da ação, o que só vai ocorrer com o trânsito em julgado da ação penal.

Com efeito, o impedimento do prazo prescricional, prevista no art. 200 do Código Civil, tem cabimento quando incerta a existência do fato delituoso e/ou a autoria, quando, então, deve-se aguardar a instrução do juízo criminal.

Nos casos em que o ajuizamento da demanda reparatória não dependa do resultado da ação penal – quando inexiste dúvida a respeito da autoria do fato ou mesmo da sua ocorrência –, fica afastada a aplicabilidade do art. 200 do CC.

O conhecimento dos fatos e a autoria impedem de reconhecer a neces-sidade de apuração de fatos na esfera criminal, não havendo necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação penal para dar inicio ao prazo prescri-cional da ação cível, que começaria a contar desde o ato ilícito praticado.

Tanto é possível tal interpretação uma vez que o ilícito civil praticado por alguém poderia ter sido perpetrado mesmo no caso de eventual absolvição na esfera penal, pois o eventual dever de indenizar, na esfera cível, independe, no caso concreto, do juízo de convicção proferido no âmbito criminal.

Nesse sentido, não há dúvida que a interpretação do art. 200 do Códi-go Civil deve ser feita levando em consideração os argumentos anteriormente apontados, não havendo necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação penal para ter início ao prazo prescricional, que deverá iniciar a partir do ato ilícito.

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Assunto Especial – Doutrina

Prescrição e Decadência

Da Necessidade de Revisitação da Prescrição Intercorrente no Processo Civil

DIOGO HENRIQUE DIAS DA SILVAPós-Graduado em Processo Civil no Ceajufe, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Belo Horizonte, Advogado.

RESUMO: Trata-se de artigo que tem como tema a prescrição intercorrente no direito processual civil. A escolha do assunto partiu do contexto reformista do Código de Processo Civil e da verifica-ção dos pontos que demandam grande atenção. Primeiramente, é feito um apontamento sobre o conceito e finalidade da prescrição e da prescrição intercorrente. No mesmo capítulo, a pretensão é demonstrar como é tratado o instituto objeto de estudo nos vários ramos do direito, justificando-se mais uma vez a importância do presente artigo. Notadamente com relação ao processo civil, será ressaltado que a norma escrita não dispõe sobre a prescrição intercorrente, sendo que, no projeto do novo Código de Processo Civil, a previsão se restringe à fase de execução. Em seguida, parte-se para apresentação da preocupação da doutrina mais moderna, observadora do Estado Democrático de Direito, com o processo constitucionalizado, combatendo a celeridade a todo custo. Daí decorre a defesa do princípio da duração razoável do processo. Ao final, o objetivo é comprovar que a aplica-ção de prescrição intercorrente é uma forma de respeito a tal princípio, já que um direito prescreve justamente em virtude da inércia de uma das partes.

PALAVRAS-CHAVE: Prescrição intercorrente; direito processual civil; princípio da duração razoável do processo.

SUMÁRIO: 1 Introdução: A proposta da prescrição intercorrente no processo civil; 2 Prescrição, prescrição intercorrente: conceito e aplicação nas diversas áreas do Direito; 3 O princípio da duração razoável do processo como mantenedor do devido processo legal; 4 Da razoável duração do processo como fundamento para prescrição intercorrente; 5 Conclusão: Os avanços e as deficiências relacio-nados à prescrição intercorrente; Referências.

1 INTRODUÇÃO: A PROPOSTA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO CIVIL

Com a Constituição de 1988, a proposta de uma nova visão do Direito no Brasil se intensificou, o que inclui o direito processual civil.

Sabe-se que o Código de Processo Civil antecede a Carta Magna vigente e, muitas vezes, está em completa desconexão com os princípios nela instituí-dos, como o devido processo legal e seus derivados.

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Por isso, o debate acerca da reforma do Código de Processo Civil é im-prescindível para que essa legislação infraconstitucional abandone o formato de processo trazido ao Brasil por Liebman, encontrando uma nova visão, voltada para o Estado Democrático de Direito, princípio balizador da Constituição da República de 1988.

Nesse sentido, a proposta deve ser assegurar aos cidadãos movimentar a jurisdição, em exercício ao direito de ação, utilizando-a como instrumento para efetivação dos seus direitos.

À procura de um modelo de processo com esse objetivo, de participação ativa dos cidadãos, percebe-se que é com a oportunização do contraditório às partes processuais que se tornará democrática a decisão judicial, ideia iniciada sabiamente por Elio Fazzalari.

A atividade estatal de decidir depende, portanto, da constante movimen-tação da jurisdição pelos interessados envolvidos.

Seguindo essa linha, não se pode conceber o contraditório como impo-sição às partes no sentido de que o seu não exercício implique a nulidade total dos atos processuais. A questão é que é obrigatória, como já dito, a oportuni-zação do contraditório, ficando à escolha do titular de tal direito o exercício ou não dele.

Assim, noutra medida, não pode o processo sofrer um prolongamento excessivo à mercê do desinteresse de uma das partes em exercer o contraditório e do próprio juiz de realizar a atividade jurisdicional.

Seguindo essa linha é que se fala no princípio da duração razoável do processo, como norma jurídica impeditiva da excessiva inércia das partes e do juiz, sem, contudo, desprezar a necessidade de respeitar as peculiaridades e complexidades de cada caso de modo que o devido processo legal se man-tenha.

Constatada essa preocupação temporal, de imediato se indaga a respeito de um relevante instituto que é a prescrição. E é justamente esse o objeto de estudo do presente artigo, que pretende contribuir para as variadas discussões necessárias no contexto reformista do direito processual civil.

A pretensão é analisar especificamente a prescrição intercorrente e a sua aplicabilidade no processo civil, já que o Código de Processo Civil não traz tal previsão, como ocorre em outras áreas do Direito, notadamente o direito pro-cessual penal e o direito administrativo.

Primeiramente, será dissertado sobre o instituto da prescrição, trazendo o seu conceito, principalmente a concepção de prescrição intercorrente e sua finalidade, bem como a previsão legal e aplicabilidade na jurisprudência nos demais ramos do Direito.

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Mais adiante, o artigo segue para o direito processual civil e será apre-sentado o modo como é tratada a prescrição intercorrente nesta área do Direito, ressaltando-se, principalmente, as omissões na legislação atual e qual a propos-ta de mudança para o tema no projeto do novo Código de Processo Civil.

Ademais, com a finalidade de reforçar a importância do assunto, passa-se à análise do princípio da duração razoável do processo e sua conexão com o devido processo legal. A seguir, será feita relação entre tal princípio e a prescri-ção intercorrente.

Ao final, o objetivo, em conclusão, é demonstrar o que poderia ser tra-zido de mudança relevante pelo novo Código de Processo Civil no que pertine à prescrição intercorrente, com enfoque na inércia dos sujeitos processuais e a necessidade de duração razoável do processo.

2 PRESCRIÇÃO, PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE: CONCEITO E APLICAÇÃO NAS DIVERSAS ÁREAS DO DIREITO

Com o objetivo de tecer um estudo crítico, imprescindível a análise da legislação, jurisprudência e doutrina sobre o objeto de estudo e o modo como se desenvolveu e se desenvolve no Direito como um todo e nas principais le-gislações do Brasil.

A prescrição nada mais é que um instituto limitador temporal da faculda-de de exercício de um direito pelo seu titular, conceituada por diversos estudio-sos, tanto no campo da teoria geral do direito e direito civil quanto no direito processual.

Como exemplo, há os civilistas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que definem a prescrição como perda da pretensão de repa-ração do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei, pelo que a obrigação civil converte-se em obrigação natural (Gagliano; Pamplona Filho, 2002, p. 476).

Já no direito processual civil, cite-se Antônio Luis da Câmara Leal1, ao conceber a prescrição como a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo, na ausência de causas pre-clusivas de seu curso.

Nesse passo, verifica-se que há um prazo para a busca do que se chama pretensão. Ultrapassado o lapso de tempo, independentemente de realmente haver ou não um desrespeito a um direito material, extingue-se o direito a tê-lo reconhecido em juízo.

Todavia, não se pode limitar o prazo prescricional ao direito de exercer o direito de ajuizar uma ação. Ou seja, após o início da relação processual, ainda

1 LEAL, Antônio Luis da Câmara. Da prescrição e da decadência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

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deve ser discutido a respeito da prescrição, embora a lei apresente a citação como causa interruptiva no art. 202 do Código Civil.

Diante de tal contexto é que se justifica o debate acerca da prescrição intercorrente, objetivando-se manter preservada a finalidade do instituto em questão.

E qual seria a finalidade da prescrição? A finalidade é exatamente, como já explícito em seu conceito, evitar a inércia injustificada, do ponto de vista jurídico, do titular do direito em exercer o seu direito de ação.

Ocorre que o direito de ação não se exerce única e exclusivamente com o impulso oficial provocado pela distribuição da petição inicial. Indispensável que a parte movimente a jurisdição, em auxílio à construção do provimento final.

Por isso, vê-se que a prescrição intercorrente é aplicável na hipótese de inércia das partes durante o iter procedimental.

A chamada prescrição intercorrente é assim concebida por José Manoel Arruda Alvim:

A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desapareci-mento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material pos-tulado, expressado na pretensão deduzida; quer dizer, é aquela que se verifi-ca pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por seguimento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese. (Alvim, 2006, p. 34)

Após essa parte conceitual, imprescindível também, para constatar a im-portância do tema para mundo jurídico como um todo, ressaltar como é previs-ta a prescrição intercorrente nos demais ramos do direito.

Há duas áreas do Direito em que a prescrição intercorrente é amplamen-te aplicada, com base em legislação e jurisprudência consolidada, quais sejam, direito tributário e direito administrativo.

No tocante à prescrição administrativa, um dos destaques está no fato de que é atribuída tanto à perda da pretensão dos administrados quanto da própria Administração. E é sob este enfoque que disserta José dos Santos Carvalho Filho:

Primeiramente, cabe sublinhar o fato de que a prescrição administrativa exi-be em seu núcleo a ideia de prazo extintivo. Quer dizer: quando se faz alusão àquela figura, tem-se em vista o sentido de que inexistiu, na via administrativa, manifestação do interessado no prazo que a lei determinou. Portanto, está pre-sente o fundamento que conduz aos prazos extintivos: a inércia do interessado. (Carvalho Filho, 2010, p. 1051)

Nessa matéria, há a Lei nº 9.873/1999, que trata sobre a prescrição in-tercorrente. Ocorre que a lei impõe o prazo de cinco anos, contados da data

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da realização do ato infrativo, para que a Administração instaure procedimento administrativo punitivo. Todavia, não basta que o órgão punitivo tão somente instaure o procedimento para impedir a prescrição; é necessária a movimenta-ção processual.

Na hipótese de inércia da Administração durante o procedimento, deve-rá ser declarada a prescrição intercorrente, conforme previsto no art. 1º da Lei nº 9.873/1999, em seu § 1º.

Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Fe-deral, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apu-ração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Noutro giro, trata o direito tributário sobre o tema, ao ter mencionada em sua legislação sobre a execução fiscal a hipótese específica de prescrição intercorrente. A previsão está na Lei de Execução Fiscal.

A norma mais interessante está disposta no art. 40, que declara que o juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nesses casos, não correrá prazo de prescrição (há plena equivalência com a norma constante do inciso III do art. 791 do CPC). E os seus incisos preconizam que, uma vez sus-pensa a execução, deverá ser dada vista ao Procurador da Fazenda Nacional, obviamente para que este possa diligenciar no sentido de encontrar o devedor ou seus bens, somente podendo haver o arquivamento da demanda após um ano. Todavia, sobrevindo um ou outro, o processo poderá ser desarquivado, também como já restou demonstrado. E aí fica a perniciosa ideia de uma eterna indefinição, fato totalmente contrário ao Direito, que só serve para alimentar a ânsia da Administração Pública em arrecadar, em passividade censurável (Eça, 2008, p. 80).

Na jurisprudência, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça já paci-ficou o entendimento no tocante à prescrição intercorrente na execução fiscal, representado pela Súmula nº 314 daquele Tribunal Superior.

Destarte, a aplicação no direito tributário da prescrição intercorrente é direcionada para a situação da ausência de bens e de não localização do deve-dor. Mas e no processo civil? Como esse instituto é tratado?

Relativamente ao direito processual civil, constata-se que a principal nor-ma sobre essa disciplina, o Código de Processo Civil, não trata sobre a prescri-ção intercorrente. Nesse sentido, a relevância deste artigo é comprovada, espe-

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cialmente pelo fato de o contexto reformista atual exigir intenso debate acerca da norma vigente e do projeto do novo CPC.

Contudo, necessário ponderar sobre como a lacuna é solucionada, ao menos parcialmente, pela prática do Direito. Para isso, é importante ressaltar previamente que o instituto deve ser analisado no processo como um todo, o que inclui a fase cognitiva e a executória.

Na fase de execução, o abandono da causa pelo exequente por mais de seis meses configura o arquivamento provisório, sem, no entanto, ser mencio-nada a prescrição intercorrente.

A questão é que na jurisprudência limita-se a aplicar a prescrição inter-corrente na fase de execução, partindo da Súmula nº 150 do STF. Segundo o entendimento da Corte Suprema, a prescrição na execução tem o mesmo prazo que a prescrição da ação do direito de ação que gerou o título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial.

Ainda na fase de execução, frise-se a hipótese em que a paralisação se dá em virtude de circunstâncias alheias à vontade do executado, que consiste na situação em que não são encontrados bens penhoráveis.

Nessa linha, o projeto do novo Código de Processo Civil visa a suprir a omissão e aplica a prescrição intercorrente para tal fato, incluindo essa hipótese no art. 845, que, se aprovado, tratará sobre as causas da extinção da execução.

Noutra banda, no tocante à fase de conhecimento, ainda não há previsão da prescrição intercorrente nem no Código atual, nem no projeto de reforma da legislação vigente.

Verifica-se que, durante a fase de conhecimento, quando há o abandono de causa pelo autor, a consequência é a extinção do processo sem resolução do mérito, com base no art. 267 do Código de Processo Civil.

Logo, extinguindo-se o feito, é possível que o autor ajuíze nova ação e uma nova citação provocará novamente a interrupção da prescrição. Desta feita, embora o primeiro processo tenha se findado por culpa do autor, uma nova ação ainda concede novamente o benefício da interrupção e reabertura de prazo para prescrição.

Constatando tal omissão, Vitor Salino propõe uma solução para questão ao sugerir que o abandono da causa em fase cognitiva gere tão somente o ar-quivamento provisório até implantação da prescrição.

Eis por que, cogitando da prescrição intercorrente durante a cognição, preferimos sugerir que o julgador não mais extinga o processo na hipótese de abandono da causa pelo autor. Deverá mantê-lo arquivado provisoriamente, enquanto não se ultime o prazo prescricional, que terá seu curso retomado por inteiro a contar do momento em que exigido o comparecimento pessoal da par-

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te ou de sua intimação a tomar as providências a seu cargo: será bastante que decorra o lapso prescricional atribuído pelo direito material à pretensão, para o pronunciamento, ex officio, da prescrição (Eça, 2008, p. 53).

Interessante a proposta trazida por esse autor, tendo em vista que parte de uma visão constitucionalizada do processo, com respeito às garantias e direitos fundamentais, notadamente a duração razoável do processo.

O exercício do direito à jurisdição não pode ser abusivo e utilizado como estratégia para prolongamento excessivo de direitos, já que o ajuizamento de mais de uma ação poderia interromper mais de uma vez a prescrição.

Dessa forma, necessária a revisão da prescrição intercorrente no Código de Processo Civil. Para justificar isso, imprescindível discorrer sobre o princípio da duração razoável do processo, como será feito em capítulo a seguir.

3 O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO COMO MANTENEDOR DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Com o fim de conectar o tema abordado no presente artigo com a doutri-na mais moderna do direito processual civil, necessário tecer algumas conside-rações sobre o princípio da duração razoável do processo, fundamento jurídico principal para preocupação com o estudo da prescrição intercorrente.

Diante da implantação da ideia do Estado Democrático de Direito, intro-duzida no Brasil por meio da Constituição da República de 1988, os diversos ramos do Direito sofreram alterações em sua doutrina, uma vez que o foco jurí-dico passou a ser voltado para o próprio cidadão, na qualidade de agente ativo na busca pela efetivação e defesa de seus direitos.

Defendendo uma nova releitura do Direito, Menellick de Carvalho Netto assim dispõe:

Em qualquer tema que formos abordar no Direito, a questão da interpretação, sobretudo a da interpretação constitucional, é sempre uma questão central. Isso porque estaremos sempre falando da reconstituição do sentido de textos e, des-se modo, uma noção básica é hoje requerida: a noção de paradigma, que abre inclusive a nossa Constituição, a do Estado Democrático de Direito. (Carvalho Netto, 2001, p. 220)

Seguindo esta linha, o direito processual civil reestruturou seu pensa-mento, partindo dos estudos de Elio Fazzalari, ao defender a oportunização da participação efetiva de todos os sujeitos processuais, precipuamente o juiz e as partes jurisdicionadas.

Fazzalari elaborou a teoria do processo como procedimento em contra-ditório, aduzindo que a existência do processo pressupõe o respeito ao contra-ditório, sob pena de afetação do devido processo legal.

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Sobre o tema, disserta Aroldo Plínio Gonçalves, ao conceituar o que seria contraditório nos termos introduzidos por Fazzalari:

O contraditório é a garantia de participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os “in-teressados”, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor. (Gonçalves, 1992, p. 120)

Assim, a preocupação é que o processo seja um exercício de debate entre todos os interessados que serão afetados pelo provimento final, de modo que eles contribuam, ou ao menos que isso lhes seja oportunizado, para a constru-ção da sentença de mérito. Logo, não se trata a sentença de ato única e exclusi-vamente advindo das compreensões do Magistrado.

Por outro lado, a exigência de participação de oportunização do contra-ditório a todos os sujeitos processuais não pode implicar incondicionalmente a movimentação processual por eles.

Isso se mostra ainda mais preocupante no contexto brasileiro, em que a crise do Judiciário é amplamente vinculada pelos críticos à morosidade na finalização do procedimento, o que muitas vezes pode até gerar a ineficácia da sentença.

Diante disso, o desafio é quanto à coexistência entre o devido processo legal, nos moldes apresentados por Fazzalari, e uma durabilidade do procedi-mento que seja satisfatória para parte.

Não se pode pretender uma celeridade processual a todo custo, como muitas vezes é defendido por críticos leigos, e até mesmos alguns juristas. A re-dução de prazos e de recursos, entre outras garantias, implicará um suprimento de direitos em completa contrariedade à proposta do processo como espaço de exercício da democracia.

Contudo, por outro lado, não é aceitável a prolongação indevida do pro-cesso, na medida em que o direito constitucional à jurisdição pressupõe que tal atividade estatal seja prestada de forma eficiente, o que inclui a sua durabilida-de em tempo razoável.

Atentando-se a esse fato, assim se posicionou Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:

Logo, com a publicação da Emenda Constitucional nº 45, por força da norma do art. 5º, LXVIII, no Estado brasileiro, o povo tem não só o direito fundamental à jurisdição, como, também, o direito a que este serviço público monopolizado e essencial do Estado lhe seja prestado dentro de um prazo razoável. Contra-põe-se a este direito o dever do Estado de prestar a jurisdição mediante a ga-rantia de um processo sem dilações indevidas, isto significando processos cujos atos sejam praticados naqueles prazos fixados pelo próprio Estado nas normas de direito processual que edita, evitando-se as ocorrências causadoras de suas

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costumeiras “etapas mortas”, as quais traduzem longos espaços temporais de completa inatividade procedimental. (Dias, 2010, p. 154)

É justamente embasado por tal argumentação que se fala no chamado princípio da duração razoável do processo, fundamento jurídico para o comba-te ao que se chama de “etapas mortas”. Em sua doutrina, elucidou muito bem Humberto Theodoro Junior o significado desta expressão:

Os problemas mais grandes da Justiça, segundo Giuseppe Tarzia, e que pro-vocam a enorme duração dos processos, dizem respeito ao tempo de espera (“tempos mortos”), muito mais que aos tempos de desenvolvimento efetivo do juízo. A sua evolução depende, portanto, em grande parte, da organização das estruturas judiciais e não das normas do Código de Processo Civil (O novo pro-cesso civil de cognição na Itália. Ajuris, 65/89). Esse mal que contamina o pro-cesso já foi detectado há muito tempo por Niceto Alcalá Zamora Y Castilho: a desejada rapidez da resposta jurisdicional somente se consegue evitando “eta-pas mortas”, ou seja, a inatividade processual durante a qual o autos ou expe-dientes forenses permanecem paralisados nos escaninhos forenses (Estudios de teoría general del proceso. México: Unam, 1974, apud PRATA, Edson. Direi-to processual civil. Uberaba: Editora Vitória, 1980. p. 228). (Theodoro Junior, 2006, p. 64)

Nesse passo, imprescindível se mostra a discussão acerca de tal princí-pio, uma vez que a jurisdição, enquanto atividade estatal, prevista como garan-tia constitucional no art. 5º da Constituição da República, deve ser eficiente, em obediência a um outro princípio, denominado princípio da eficiência, im-posto à Administração Pública.

Desta feita, não basta apenas que haja a instauração do processo e seu desenvolvimento, mas é necessário que a atividade seja prestada em tempo razoável para que seja eficiente e eficaz o serviço público.

No tocante à legislação sobre o assunto, verifica-se que o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal prevê expressamente a duração razoável do processo como garantia constitucional. E o fato é que a expressão advém do chamado Pacto de San José da Costa Rica, considerando-se a questão tema de direitos humanos, o que mostra sua relevância.

Parece-nos que o texto da Constituição tomou por paradigma o con-teúdo normativo do art. 8º, alínea 1, da Convenção Americana de Direitos Hu-manos, comumente chamada de Pacto de San José da Costa Rica, cujo texto foi aprovado pelo Estado brasileiro, mediante o Decreto Legislativo nº 27, de 26.05.1992, sem reserva, depositando sua carta de adesão àquela Conven-ção em 25.09.1992, promulgado aquele texto legislativo por meio do Decreto nº 678, de 06.11.1992, verbis:

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e im-parcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação

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penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza. (Dias, 2010, p. 159)

Assim, a doutrina e legislação mais avançada combatem um procedimen-to excessivamente moroso. Entretanto, não se pode pretender um procedimento com uma celeridade incondicional, o que atacaria o requisito da razoabilidade, o que é muito bem lembrado por Flávia de Almeida Montingelli Zanferdini ao dizer que “o direito de obter do órgão jurisdicional uma decisão legal dentro de prazos legais preestabelecidos ou, em não havendo prévia fixação legal de prazos, que o seja em um prazo proporcional e adequado à complexidade do processo”.

E como não violar o princípio da duração razoável do processo? Isto depende principalmente dos sujeitos processuais, precipuamente as partes e o juiz, e da matéria em debate.

O fato é que a análise da razoabilidade está diretamente ligada às pecu-liaridades do caso concreto. Não se podem impor critérios previamente dispos-tos em lei, uma vez que se estaria na iminência de ocorrência de desconexão entre a norma e justamente o tratamento particularizado e específico que cada caso exige.

Nessa linha, indica Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias três critérios princi-pais para analisar a durabilidade processual.

A partir dessas premissas, o caráter razoável da duração de um processo ou sem dilações indevidas deve ser apreciado conforme as circunstâncias par-ticulares do caso concreto em julgamento, levando-se em conta três critérios principais: a) a complexidade das questões de fato e de direito discutidas no processo; b) o comportamento das partes e de seus advogados; c) a atuação dos órgãos jurisdicionados (Dias, 2010, p. 162).

Diante disso, demonstrada a importância do princípio da duração razoá-vel do processo para a preservação de uma atividade jurisdicional eficiente, necessário se faz retornar ao tema central do presente artigo, qual seja, a pres-crição intercorrente.

Mostrar-se-á, no capítulo seguinte, a relação entre o princípio da dura-ção razoável do processo e a aplicação da prescrição intercorrente no âmbito do processo civil, com a finalidade exaustivamente mencionada de manter o processo como significado de efetivação de direitos.

4 DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO FUNDAMENTO PARA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Após a análise da prescrição intercorrente, constatando-se a deficiência da legislação processual civil quanto a tal instituto, bem como posteriormente

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ao estudo do princípio duração razoável do processo, é possível demonstrar uma relação entre os temas.

Ora, na medida em que é exigível a duração razoável do processo, a necessidade de desenvolvimento de regras com a finalidade de preservar esse princípio é latente. E é exatamente neste ponto que a aplicação da prescrição intercorrente revela-se justificável.

É inegável que o direito à ação é incondicionado e inafastável, ressaltan-do-se a previsão do art. 5º da Constituição. Todavia, ainda que nada impeça o ajuizamento da ação, é preciso haver um limite temporal para o exercício do direito a ser assegurado ou reconhecido a partir da provocação da atividade jurisdicional.

Desta feita, como já dito, a prescrição objetiva limitar a possibilidade de exercício de uma pretensão num período de tempo.

E qual seria a relação entre duração razoável do processo e prescrição?

A princípio, poderia parecer um pouco contraditório pensar nesta pro-blemática, tendo em vista que, principalmente no processo civil, quando se fala em prescrição, imagina-se um lapso temporal ocorrido antes do ajuizamento da ação.

No entanto, quando se analisa, considerando-se a questão da prescrição intercorrente, a relação existente é evidente.

Se a prescrição intercorrente configura-se tão somente após a inércia da movimentação do procedimento já instaurado, tem-se que ela é uma medida de sanção para a falta de tramitação injustificada, maculadora da razoável duração do processo.

Portanto, a prescrição intercorrente pode ser vista também como uma punição ao desrespeito do princípio da duração razoável do processo.

Não é demais lembrar que, como bem dissertado por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, a duração razoável do processo, para ser verificada, pressupõe a análise do comportamento das partes, do Magistrado e as peculiaridades do caso.

Na hipótese de prescrição intercorrente, o que se tem é um desleixo da parte interessada, arguidora de violação do direito.

O comportamento das partes constitui um fator objetivo, não imputável ao Estado, que deve ser levado em consideração, ao se verificar o excesso do prazo razoável na duração dos processos. Em razão dos deveres de lealdade e probidade, que repudiam a litigância de ímproba ou de má-fé, as partes es-tão obrigadas a praticar diligentemente os atos que as normas processuais lhes impõem, a não usarem artifícios ou manobras protelatórias no curso dos pro-cessos, embora possam exaurir as possibilidades que lhes são conferidas pelas

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normas do direito processual para o exercício do pleno direito de ação e de defesa, de sorte a abreviar os processos, não se lhes exigindo cooperação ativa com os órgãos jurisdicionais, em alguns casos, em face da amplitude do direito de defesa e da renhida contraposição dialética (contraditório) que se instaura nos procedimentos, visando à reconstrução do caso concreto e ao acertamento das relações fáticas e jurídicas controvertidas (Dias, 2010, p. 163).

Ora, a parte demandada não pode se tornar refém do procedimento na hipótese de inércia do demandante, tanto na fase de conhecimento quanto na execução. Aliás, talvez seria o caso até de se configurar abuso do direito de ação, na hipótese de a demandante iniciar um processo, interrompendo-se a prescrição, e não se mostrar interessada em diligenciar no feito de modo que ele cesse com a maior brevidade possível.

Noutro giro, tem-se que a morosidade processual pode advir do Judi-ciário, o que também não pode acarretar a duradoura dependência da parte demandada do resultado da causa, mas, também, não pode significar a danifi-cação do direito da requerente sem qualquer reparo.

E esta hipótese de inércia das partes e/ou do juiz revela-se uma afronta à teoria da ação e a do processo concebidas por Fazzalari, uma vez que impede a atividade discursiva por ele proposta.

Partindo-se dos ensinamentos de Fazzalari, é válido ressaltar a sua ideia de legitimação, dividida em situação legitimante e situação legitimada.

Distingue o autor a legitimação para agir da legitimação para o processo, definindo esta última como aquela percebida pela possibilidade de se definir em um dado processo a série de atos cabível a cada um dos sujeitos participan-tes, juiz, auxiliares e partes.

A legitimação para agir, segundo o entendimento de Fazzalari, deve ser entendida sob dois ângulos: o da situação legitimante e o da situação legitima-da, sendo a primeira a situação com base na qual se determina qual é o sujeito que concretamente pode cumprir determinado ato; a segunda, como conjunto de poderes, faculdades e deveres cabíveis a um sujeito identificado no iter pro-cedimental.

Neste contexto, Aroldo Plínio Gonçalves, em seu posicionamento:

Enquanto a situação legitimante é contemplada como aquela em presença da qual um poder, uma faculdade ou um dever são conferidos ao sujeito, a situa-ção legitimada consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres, que se põem como expectativa para cada um dos sujeitos do processo. (Gonçalves, 2001)

Em Fazzalari, a ação não pode ser vista de maneira independente do processo, pois é nele que se realiza como desdobramento da legitimação para agir dos sujeitos do processo.

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A legitimação para agir, que é de todos, especifica-se em ação e função dada a posição jurídica dos sujeitos do processo. Enquanto a “função” é dada pela série de atos que correspondem à posição jurídica legitimada do sujeito investido da função jurisdicional – o juiz –, a ação se forma pelo complexo que resulta da atuação conjunta e interdependente dos sujeitos do iter do processo e por isso não pode ser dele isolada.

Logo, demonstra-se que a situação de inércia das partes e do juiz afeta de imediato o exercício do direito de ação e os deveres impostos por este direito.

Nessa seara, ocorridos tais transtornos, gera de imediato uma grave viola-ção ao chamado princípio da duração razoável do processo. E uma das medidas para que essa inércia não se torne uma espécie de “eternização” do procedi-mento é a aplicação da prescrição intercorrente.

5 CONCLUSÃO: OS AVANÇOS E AS DEFICIÊNCIAS RELACIONADOS À PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Diante do exposto, objetivou-se, com este artigo, fazer uma explanação a respeito da prescrição intercorrente, tema que merece destaque nas discussões acerca da reforma do Código de Processo Civil, pendente de realização pelo legislativo.

Primeiramente, foi explicitado que o estudo envolve todos os ramos do Direito, já que a prescrição ataca todo e qualquer direito, exceto aqueles que a norma denomina imprescritíveis.

Demonstrou-se que em cada disciplina há uma forma de aplicação. No direito administrativo, por exemplo, constata-se que o prazo quinquenal da prescrição para instauração do procedimento é reduzido para três anos no to-cante à prescrição intercorrente, após o início do processo.

Posteriormente, adentrou-se no direito processual civil, no qual a pres-crição intercorrente não é prevista expressamente na norma, sendo aplicável na prática somente na execução, no mesmo prazo que o da prescrição da ação para pleitear o conhecimento do direito originador do título executivo.

Após tal explanação, constata-se que o novo Código de Processo Civil deve enfocar melhor a prescrição intercorrente. Para isso, necessária uma aná-lise do ponto de vista do Estado Democrático de Direito, alternativa trazida diante do falido Estado Social de Direito.

Pensando o processo sob o enfoque abandonado é que se falaria numa celeridade a todo custo, com o objetivo de comprovar a falsa eficiência da atividade estatal, em que, por meio da jurisdição, o dito Estado-juiz, paternalis-ta, encontraria a solução para o conflito rapidamente, independentemente das partes interessadas.

Todavia, no contexto do Estado Democrático de Direito, é imprescindí-vel o respeito às garantias constitucionais, notadamente o princípio do contradi-

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tório, ampla defesa e isonomia, sem, no entanto, deixar de lado a preocupação com a morosidade excessiva do procedimento.

Desta feita, surge o princípio da duração razoável do processo, que de-termina justamente que o processo não pode ultrapassar certo tempo além da-quele necessário para as peculiaridades da causa e para o exercício do contra-ditório pelas partes.

Logo, a prescrição intercorrente, vista sob este modelo de processo, deve, sim, ser aplicada em toda e qualquer fase processual, inclusive durante o cha-mado processo de conhecimento.

Nesse passo, a solução apresentada por Vitor Salino, como exposto em item anterior, parece razoável e em conexão com o chamado princípio da du-ração razoável do processo e demais garantias norteadoras do devido processo legal.

De toda forma, o que se pretende mesmo é desenvolver a discussão acer-ca da prescrição intercorrente, sem impor uma solução definitiva, já que o am-biente reformista demanda um debate profundo sobre os diversos temas ligados ao direito processual civil.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Jose Manoel Arruda. Da prescrição intercorrente. In: Prescrição no Código Ci-vil: uma análise interdisciplinar. Coordenadora Mirna Ciani. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010.

CARVALHO NETTO, Menelick de. Controle de constitucionalidade e democracia. In: MAUÉS, Antônio G. Moreira (Org.). Constituição e democracia. 1. ed. São Paulo: Max Limonad, v. 1, 2001.

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

EÇA, Vitor Salino de Moura. Cognoscibilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho constitucionalizado. Belo Horizonte, 2008. 207f. PUC-Minas.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. I, 2002.

GONÇALVES, Aroldo Plinio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aidê, 2001.

LEAL, Antônio Luis da Câmara. Da prescrição e da decadência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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Assunto Especial – Doutrina

Prescrição e Decadência

Prescrição e Decadência no Direito Civil

WILSON ROBERTO BARBOSA GARCIAGraduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco, Pós-Graduado em Direito Público, Ex-Estagiário do MP – Área Criminal Residual por 3 Anos. Concluiu o Curso da Escola Superior do MP/MS, Ex-Servidor Público do DSP/MS, Servidor Público Federal.

SUMÁRIO: 1 Definição de prescrição e decadência; 2 As causas que impedem ou suspendem a prescrição; 3 As causas que interrompem a prescrição; 4 Os prazos prescricionais; Referências.

1 DEFINIÇÃO DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

No Direito romano primitivo, as ações eram perpétuas e o interessado a elas podia recorrer a qualquer tempo. A ideia de prescrição surge no Direito pretoriano, pois o Magistrado vai proporcionar às partes determinadas ações capazes de contornar a rigidez dos princípios do jus civile.

Prescrição, segundo Beviláqua, é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, devido ao não uso delas, em um determi-nado espaço de tempo.

A decadência, também chamada de caducidade, ou prazo extintivo, é o direito outorgado para ser exercido em determinado prazo. Caso não seja exercido, extingue-se.

A prescrição atinge a ação e, por via oblíqua, faz desaparecer o direito por ela tutelado; já a decadência atinge o direito e, por via oblíqua, extingue a ação.

Na decadência, o prazo não se interrompe nem se suspende (CC, art. 207), corre indefectivelmente contra todos e é fatal, nem pode ser renun-ciado (CC, art. 209). Já a prescrição pode ser interrompida ou suspensa, e é renunciável.

A prescrição resulta somente de disposição legal; a decadência resulta da lei, do contrato e do testamento.

Segundo Maria Helena Diniz (2003, p. 364), as diferenças básicas entre decadência e prescrição são as seguintes:

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A decadência extingue o direito e indiretamente a ação; a prescrição extingue a ação e por via oblíqua o direito; o prazo decadencial é estabelecido por lei ou vontade unilateral ou bilateral; o prazo prescricional somente por lei; a pres-crição supõe uma ação cuja origem seria diversa da do direito; a decadência requer uma ação cuja origem é idêntica à do direito; a decadência corre contra todos; a prescrição não corre contra aqueles que estiverem sob a égide das cau-sas de interrupção ou suspensão previstas em lei; a decadência decorrente de prazo legal pode ser julgada, de ofício, pelo juiz, independentemente de argüi-ção do interessado; a prescrição das ações patrimoniais não pode ser, ex officio, decretada pelo Magistrado; a decadência resultante de prazo legal não pode ser enunciada; a prescrição, após sua consumação, pode sê-lo pelo prescribente; só as ações condenatórias sofrem os efeitos da prescrição; a decadência só atinge direitos sem prestação que tendem à modificação do estado jurídico existente.

2 AS CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM A PRESCRIÇÃO

Segundo Maria Helena (2003, p. 341): “As causas impeditivas da prescri-ção são as circunstancias que impedem que seu curso inicie e, as suspensivas, as que paralisam temporariamente o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele”.

Os arts. 197, I a III, 198, I e 199, I e II, todos do CC estabelecem as causas impeditivas da prescrição.

De acordo com Maria Helena (2003, p. 341), as causas impeditivas da prescrição se fundam no “status da pessoa, individual ou familiar, atendendo razões de confiança, amizade e motivos de ordem moral”.

Primeiramente, não corre prescrição no caso dos cônjuges, na constância do matrimônio. A propositura de ação judicial por um contra o outro seria fonte de invencível desarmonia conjugal. É provável que a influência do cônjuge im-pedisse seu consorte de ajuizar a ação, que se extinguiria pela prescrição (CC, art. 197, I). Também não há prescrição no pátrio poder do filho sobre influência dos pais, que o representam quando impúbere e assistem quando púbere, não sendo certo deixar que preservem seus direitos se vissem os filhos obrigados à ação judicial, sob pena de prescrição (CC, art. 197, II).

Ademais, não corre a prescrição entre tutela e curatela. O tutor e o cura-dor devem zelar pelos interesses de seus representados, sendo que a lei sus-pende o curso da prescrição das ações que uns podem ter contra os outros para evitar que descuidem dos interesses quando conflitarem com esses (CC, art. 197, III).

O art. 198 do CC também estabelece que não corre prescrição contra os absolutamente incapazes (CC, art. 198, I), sendo uma maneira de os proteger. O prazo só começa a fluir depois que ultrapassarem a incapacidade absoluta. Outrossim, não corre prescrição contra os que estiverem a serviço público da União, dos Estados e Municípios, estão fora do Brasil (CC, art. 198, II) e contra

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os que estiverem incorporados às Forças Armadas, em tempo de guerra. Supo-nha-se que estes estejam ocupados com os negócios do País, não tendo tempo para cuidar dos próprios (CC, art. 198, III).

O art. 199 do CC igualmente determina que não corre prescrição pen-dendo condição suspensiva (CC, art. 199, I), não estando vencido o prazo (CC, art. 199, II), pendendo ação de evicção (CC, art. 199, III).

Já o art. 200 do CC estabelece que não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, quando a ação originar de fato que deva ser apu-rado no juízo criminal. Isso serve para evitar decisões contrapostas.

O art. 201 determina que seja suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitando os outros caso a obrigação seja indivisível.

3 AS CAUSAS QUE INTERROMPEM A PRESCRIÇÃO

Segundo Maria Helena (2003, p. 339), as causas que interrompem a pres-crição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do ato que a interrompeu ou do último ato do pro-cesso que a interromper.

O art. 202 do Código Civil apresenta seis atos que interrompem a prescri-ção. O primeiro caso que interrompe a prescrição ocorre por meio do despacho do juiz, mesmo sendo incompetente, que ordenar a citação, caso o interessado a promover no prazo e na forma da lei (CC, art. 202, I).

O segundo caso é pelo despacho que a ordena e não pela citação pro-priamente dita, que tem o condão de interromper a prescrição. Sua eficácia fica dependendo de a citação efetuar-se no prazo determinado pela lei. A lei admite que tal efeito se alcance ainda que a citação seja ordenada por juiz incompe-tente.

A regra não beneficia alguém que, de última hora, queria se salvar da prescrição que está quase consumada, devido à sua negligência, requerendo que a prescrição seja interrompida perante o primeiro juiz que achar.

A citação deve interromper a prescrição, que se revista de validade intrín-seca, pois a prescrição não se interrompe com a citação nula por vício de forma ou por achar perempta a instância ou a ação.

A terceira hipótese que interrompe a prescrição é por meio do protes-to nas condições do primeiro inciso (CC, art. 202, II). Quando a lei diz “nas condições do inciso anterior”, entende-se que o legislador está se referindo ao protesto judicial e não ao protesto comum de título cambial. Esta solução, no começo, incerta na Jurisprudência, foi contestada em julgado unânime da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

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Ademais, interrompe a prescrição pelo protesto cambial (CC, art. 202, III), pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concur-so de credores (CC, art. 202, IV). Também revelando a solércia do credor, inte-ressado em defender sua prerrogativa. Bem como por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (CC, art. 202, V) e por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe o reconhecimento do direito pelo devedor (CC, art. 202, VI). Aqui se prescinde de um comportamento ativo do credor, sendo este desnecessário, dado o procedimento do devedor. Se este reconhece, inequivocamente, sua obrigação, seria estranho que o credor se apressasse em procurar tornar ainda mais veemente tal reconhecimento.

Sendo um exemplo, a hipótese se configura quando o devedor faz paga-mento por conta da dívida, solicita ampliação do prazo, paga juros vencidos, outorga novas garantias, e outros.

A solércia precisa manifestar-se por meio de uma das maneiras enume-radas nos primeiros incisos do art. 202. Caso isso ocorra, a prescrição se in-terrompe para reencetar seu curso no minuto seguinte ao da interrupção. A prescrição interrompida também pode correr da data do último ato do processo para interrompê-la (CC, art. 202, parágrafo único).

O art. 203 mostra que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado, sendo que o art. 204 do CC determina que a interrupção da pres-crição por um credor não aproveita os outros; e a interrupção operada contra o codevedor, ou seu herdeiro, não prejudica os coobrigados.

A interrupção por um dos credores solidários aproveita os outros; sendo como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros (CC, art. 204, § 1º).

A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, somente quando se tratar de obri-gações e direitos indivisíveis (CC, art. 204, § 2º).

A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador (CC, art. 204, § 3º).

4 OS PRAZOS PRESCRICIONAIS

Segundo Maria Helena Diniz (2003, p. 347), o prazo da prescrição “é o espaço de tempo que decorre entre seu termo inicial e final”.

A regra geral está no art. 205, sendo que a prescrição ocorre em dez anos quando a lei não tenha fixado prazo menor, sendo este o prazo máximo da prescrição. Caso o Código Civil não tenha previsto outro prazo, o prazo men-cionado vale para todos os casos de prescrição, de modo que ou a lei impõe um prazo menor ou a ação prescreve dentro do tempo mencionado no art. 205.

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O art. 206 contempla várias ações e fixa-lhes um prazo diferente de pres-crição, que começa de um e vai até cinco anos, atribuído a muitas ações.

Prescreve no prazo de um ano a pretensão dos hospedeiros ou forne-cedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos (CC, art. 206, I).

Prescreve em dois anos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.

Prescreve no prazo de três anos a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos (CC, art. 206, I).

Prescreve em quatro anos a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

Por fim, prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular (CC, art. 206, I).

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. 20. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 2003.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

SAID CAHALI, Yussef. Código civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004.

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Assunto Especial – Acórdão na ÍntegraPrescrição e Decadência

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Superior Tribunal de JustiçaAção Rescisória nº 4.312 – SC (2009/0154784‑3)Relator: Ministro Sebastião Reis JúniorRevisor: Ministro Marco Aurélio BellizzeAutor: Almir SpinelliAutor: Arilton Bonifácio GoesAutor: Candido Geraldo FreitasAutor: Eduardo Juan Soriano SierraAutor: José Marino NetoAutor: Luiz Augusto dos Santos MadureiraAutor: Márcio Amaral Caldeira de AndradaAutor: Maria Marta de Souza SierraAutor: Marta Aparecida PaschoaliniAutor: Teodósio KroinAutor: Valdir Rosa CorreiaAutor: Vilma Edite Fonseca HeinzenAdvogado: Alexander Artur Ulbricht e outro(s)Réu: União

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA – PROCESSUAL CIVIL – DECADÊNCIA – TERMO INICIAL – TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO – SÚMULA Nº 401/STJ – DECISÃO RESCINDENDA PAUTADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF – JULGAMENTO MONOCRÁTICO – POSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSITIVO DE LEI – NÃO OCORRÊNCIA

1. O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível nenhum recurso do último pronunciamento judicial.

2. A decisão rescindenda está pautada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o que autoriza o julgamento monocrático pelo Relator, nos termos em que previstos no art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual não há falar em violação literal de dispositivo de lei.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������55

3. A controvérsia jurídica referente à mora legislativa do Chefe do Poder Executivo em propor a lei de revisão geral anual da remuneração dos ser-vidores, posta na decisão rescindenda, está no mesmo sentido do enten-dimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

4. Ação rescisória improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar improcedente a ação rescisória nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Revisor), Regina Helena Costa, Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Marilza Maynard (Desem-bargadora convocada do TJ/SE), Laurita Vaz e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

Brasília, 28 de maio de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de ação rescisó-ria proposta por Almir Spinelli e outros em face de decisão proferida no REsp 969.804/SC (fl. 335), que deu provimento ao recurso para restabelecer a sen-tença de improcedência do pedido de indenização dos servidores públicos, fundado na mora do Chefe do Poder Executivo Federal de tomar iniciativa de propor o projeto de lei que disponha sobre reajuste geral anual de vencimentos, nos termos do art. 37, X, da Constituição.

Destaco do decisum os seguintes trechos (fl. 335):

[...]

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido no RE-AgR 494.782/RS, da relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., publicado no DJ de 16.02.2007, p. 42, considerou que, ainda que declarada a mora do Chefe do Poder Executivo na elaboração de projeto de lei para concessão de revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, não cabe indenização decorren-te de suposto dano causado pela omissão do Presidente da República, uma vez que isso representaria a própria concessão, pelo Poder Judiciário, do ajuste dos vencimentos sem previsão legal, contrariando a Súmula nº 339 do STF.

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56 �������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

O acórdão restou assim ementado:

CONSTITUCIONAL – SERVIDOR PÚBLICO – REVISÃO GERAL ANUAL – COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – INDE-NIZAÇÃO – DESCABIMENTO

I – Inaplicável a Súmula nº 281 do STF quando a matéria objeto do RE não foi reformada pelo Tribunal a quo.

II – A iniciativa para desencadear o procedimento legislativo para a conces-são da revisão geral anual aos servidores públicos é ato discricionário do Chefe do Poder Executivo, não cabendo ao Judiciário suprir sua omissão.

III – Incabível indenização por representar a própria concessão de reajuste sem previsão legal.

IV – Agravo não provido.

No mesmo sentido: RE-AgR 485.087/RS, Relª Min. Cármen Lúcia, 1ª T., DJ 07.12.2006, p. 49; RE-AgR 501.054/SC, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª T., DJ 06.11.2006, p. 47.

[...]

Alegam os autores, como fundamento para desconstituir o julgado, vio-lação literal do art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil, sustentando que não havia jurisprudência firmada quanto à responsabilidade civil do Estado pelo descumprimento do art. 37, X, da Constituição Federal, motivo pelo qual não poderia ter sido o recurso julgado monocraticamente.

Defendem o que se segue (fl. 4):

[...]

Nesse motivo, já constitui motivo para a rescisão do julgado dada a existência de fundada dúvida sobre a procedência ou não da tese da responsabilidade civil do Estado, pelo descumprimento dos termos do art. 37, X e § 6º, da CF, ademais quando julgado com embasamento em premissa equivocada de estar a matéria superada pelo Supremo Tribunal Federal, não comportando mais discussão, e quando já presente o reconhecimento geral da matéria posta em debate.

[...]

A rescisória tem oportunidade com assento no item V do art. 485 do CPC, uma vez que a questão envolve a necessidade pronunciamento definitivo do STF so-bre a eficácia e concretude dos comandos constitucionais apontados, já que a superioridade e sobreposição das normas da Lex Legum não se compadecem, nem toleram objeções interpretativas, pois delas o Supremo Tribunal Federal é guardião único, vencendo, inclusive internamente, as diferenças exegéticas, em decisão plenária adequada, que, no caso, está por ocorrer no assentado do jul-gamento dos Recursos Extraordinários nºs 424.584 e 565.089.

[...]

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA�������������������������������������������������������������������������������������������57

Contestando o feito, a União alega a inépcia da inicial, por incompati-bilidade dos pedidos de rejulgamento e sobrestamento do feito em virtude do reconhecimento da repercussão geral do tema pelo Supremo, além da falta de indicação dos dispositivos tidos por violados e da evidente utilização da presen-te ação rescisória como sucedâneo recursal.

Sustenta a decadência para a ação rescisória, por consequência da reali-zação da citação somente após o decurso do prazo de 2 anos para ajuizamento da demanda.

Assevera não haver violação literal de dispositivo legal, porquanto a de-cisão rescindenda está fundada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Razões finais apresentadas pelas partes às fls. 463/480 e às fls. 482/488.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela improcedência da ação rescisória, em parecer assim resumido (fl. 491):

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – RE-VISÃO GERAL ANUAL DE VENCIMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO

Ação rescisória interposta como sucedâneo recursal. Autores que se insurgem contra decisão monocrática proferida por Ministro do STJ que transitou em jul-gado sem a interposição do pertinente agravo regimental.

Ofensa ao art. 557, § 1º, do CPC, não demonstrada.

Decisão tomada em consonância com a jurisprudência.

A ação rescisória não se presta para rediscutir a causa.

Parecer pela improcedência da ação rescisória.

Os autos foram redistribuídos a minha relatoria em 17.08.2011.

É o relatório.

À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator):

Como visto, a presente ação rescisória visa desconstituir a coisa jul-gada formada com o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos do REsp 804.692/SC, que deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença de improcedência do pedido de indenização dos servidores públicos, fundado na mora do Chefe do Poder Executivo Federal de tomar iniciativa de propor o projeto de lei que disponha sobre reajuste geral anual de vencimentos, nos ter-mos do art. 37, X, da Constituição.

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De início, afasto a alegação de decadência do direito de propor a deman-da, uma vez que o trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos (no âmbito do STF, julgando prejudicado o recurso extraordinário), publicada em 12.12.2007 (fl. 347), deu-se em fevereiro de 2008, e a petição inicial foi protocolizada em 10.08.2009, dentro do prazo de 2 anos.

Este, o teor da Súmula nº 401/STJ:

O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabí-vel qualquer recurso do último pronunciamento judicial.

Anotem-se:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO DECADENCIAL – TER-MO INICIAL PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO – TRÂNSITO EM JULGADO – ART. 495 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – CERTIDÃO NÃO COMPRO-BATÓRIA DA DATA DO EFETIVO TRÂNSITO EM JULGADO – PRECEDENTES DESTA CORTE – AÇÃO RESCISÓRIA EXTINTA COM RESOLUÇÃO DO MÉRI-TO – ART. 269, INCISO IV, DO CPC

1. A teor do art. 495 do Código de Processo Civil, o direito de propor ação rescisória extingue-se em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da de-cisão.

2. Na linha da jurisprudência desta Corte, “a decadência da ação rescisória se comprova pelo trânsito em julgado da última decisão proferida no processo de conhecimento, aferido pelo transcurso do prazo recursal e não pela certidão de trânsito em julgado que, ademais, não aponta o trânsito naquela data, mas ape-nas certifica que a decisão transitou em julgado” (AgRg-AR 2.946/RJ, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 19.03.2010).

3. Ação rescisória julgada extinta, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC.

(AR 4.156/RJ, Min. Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR), 3ª S., DJe 01.08.2013)

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO – AÇÃO RESCISÓ-RIA – PRAZO DECADENCIAL – TRÂNSITO EM JULGADO PARA A FAZENDA PÚBLICA – PRECEDENTE – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. “A eg. Corte Especial, por maioria, adotou o entendimento no sentido de que, sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sen-tença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial, contando-se o prazo para a propositura da ação rescisória a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa” (AgRg-Ag 724.742/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª T., DJ 16.05.2006).

2. Nesse diapasão, se “uma das partes possui o privilégio de prazo em dobro, tão somente após o escoamento deste é que se poderá falar em coisa julgada, ocasião em que começará a fluir o prazo para ambas as partes pleitearem a res-

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cisão do julgamento. Precedentes do STJ e STF” (REsp 551.812/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 10.05.2004).

3. “Em tese, até mesmo o vencedor pode ter interesse em recorrer da decisão que lhe foi favorável; e a mera possibilidade de o vitorioso obter julgamento mais vantajoso conduz à admissibilidade do recurso por ele interposto” (SOUZA, Bernardo Pimentel. In Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65).

4. Considerando-se que, ao menos em tese é possível ao vencedor recorrer da decisão que lhe foi favorável, não se mostra razoável que no caso concreto, ao tempo do ajuizamento da ação rescisória, fosse imposto à parte agravada o dever de perquirir os eventuais motivos que levaram o Município de São Paulo a não interpor recurso contra o acórdão rescindendo e, por conseguinte, a exis-tência ou não de interesse recursal em fazê-lo.

5. Manutenção da decisão agravada que, reformando o acórdão estadual recor-rido, afastou a decadência a fim de determinar o prosseguimento do julgamento da ação rescisória ajuizada contra o Município de São Paulo.

6. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 79.082/SP, Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe 08.02.2013 – grifo nosso)

Ademais, a demora na citação de todos os corréus não se deu por culpa dos autores, mas, sim, da própria sistemática processual e procedimental da Justiça.

Incide in casu, portanto, a Súmula nº 106/STJ, de seguinte teor:

Proposta a ação rescisória no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhi-mento da arguição de prescrição ou decadência.

Confira-se:

CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RES-CISÓRIA – PRELIMINARES REJEITADAS – MÉRITO – DECLARAÇÃO DO DIREITO DE COMPENSAÇÃO – ICMS – RECOLHIMENTO ANTECIPADO – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE – BASE DE CÁLCULO PRE-SUMIDA MAIOR QUE O VALOR DA OPERAÇÃO TRIBUTADA – ORIEN-TAÇÃO DO STF (ADIN 1.851/AL) – LITERAL VIOLAÇÃO DO ART. 150, § 7º, DA CF/1988 CONFIGURADA

1. A pretensão rescisória foi exercida no biênio de que dispunha o autor para provocar a jurisdição. Embora a citação tenha sido efetivada após o prazo, não se consumou o prazo decadencial, já que em nenhum momento o autor ficou inerte. Pelo contrário, a todo momento municiou os autos com informações necessárias à citação por carta. Assim, a citação deve retroagir à data do despacho que a ordenou, consoante o disposto no art. 219, § 1º, do CPC.

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2. Nesses termos, incide a Súmula nº 106 do STJ, segundo a qual “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por moti-vos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argui-ção de prescrição ou decadência”.

Preliminar de decadência afastada. [...]

(AR 3.157/MG, Rel. Min. Castro Meira, Revisor Ministro Arnaldo Esteves, 1ª S., DJe 30.08.2013 – grifo nosso)

No mais, o fundamento da presente ação está na violação literal do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, ao argumento da falta de juris-prudência consolidada que pudesse permitir o julgamento monocrático pelo Relator.

Não obstante isso, a decisão rescindenda está pautada pela jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o que autoriza o julgamento singular, nos termos em que previstos no referido artigo, motivo pelo qual não há falar em violação literal de dispositivo de lei.

Destaco o seguinte trecho (fl. 335):

[...]

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido no RE-AgR 494.782/RS, da relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., publicado no DJ de 16.02.2007, p. 42, considerou que, ainda que declarada a mora do Chefe do Poder Executivo na elaboração de projeto de lei para concessão de revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, não cabe indenização decorren-te de suposto dano causado pela omissão do Presidente da República, uma vez que isso representaria a própria concessão, pelo Poder Judiciário, do ajuste dos vencimentos sem previsão legal, contrariando a Súmula nº 339 do STF.

[...]

No mesmo sentido: RE-AgR 485.087/RS, Relª Min. Cármen Lúcia, 1ª T., DJ 07.12.2006, p. 49; RE-AgR 501.054/SC, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª T., DJ 06.11.2006, p. 47.

[...]

Confira-se a redação do citado dispositivo (grifo nosso):Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudên-cia dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tri-bunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Su-perior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

Ademais, a controvérsia jurídica referente à mora legislativa do Chefe do Poder Executivo em propor a lei de revisão geral anual da remuneração dos ser-

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vidores, posta na decisão rescindenda, está no mesmo sentido do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE – REVISÃO GERAL ANUAL DA REMUNERAÇÃO – OMISSÃO LEGIS-LATIVA DO PODER EXECUTIVO – INDENIZAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE

[...]

2. Quanto à apontada afronta aos arts. 37, X e 42, X, da CF/1988, não se pode conhecer do Recurso Especial, porquanto o exame da violação de dispositivos constitucionais é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, con-forme dispõe o art. 102, III, do permissivo constitucional.

3. A instância a quo discutiu a questão sob o enfoque exclusivamente constitu-cional. Assim, não se pode conhecer do Recurso Especial, sob pena de usurpa-ção da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

4. O Superior Tribunal de Justiça entende que a inércia do Chefe do Poder Exe-cutivo em desencadear o procedimento legislativo para a concessão da revisão geral anual não acarreta direito à indenização em favor do servidor público, pois o acolhimento de pretensão desta natureza representa a própria concessão de reajuste, não podendo o Judiciário atuar como legislador positivo.

5. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-REsp 1.319.350/AP, Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 03.06.2013 – gri-fo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – SER-VIDOR PÚBLICO – REVISÃO GERAL ANUAL DE REMUNERAÇÃO (ART. 37, X, DA CF) – OMISSÃO LEGISLATIVA – INDENIZAÇÃO POR MORA DO CHE-FE DO PODER EXECUTIVO – NÃO CABIMENTO – PROJETO DE LEI DE INI-CIATIVA PRIVATIVA – ATO DISCRICIONÁRIO – PRETENSÃO DE AUMENTO REMUNERATÓRIO – FALTA DE RESPALDO LEGAL – VEDAÇÃO AO PODER JUDICIÁRIO – PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FIXAÇÃO DO VALOR – REGRA DA EQUIDADE (ART. 20, § 4º, DO CPC)

1. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de não ser cabível a conces-são, pelo Poder Judiciário, de indenização aos servidores públicos em razão de omissão legislativa quanto à revisão geral anual de vencimentos, conforme estatui o art. 37, X, da Constituição Federal, visto que a pretensão recai, na realidade, em concessão de aumento remuneratório (reajuste), carente de previsão legal.

2. Ademais, mesmo havendo mora, pelo Princípio da Separação de Poderes, não pode o Judiciário obrigar o Chefe do Poder Executivo a apresentar projeto de lei de sua iniciativa privativa e discricionária.

[...]

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-REsp 1.013.704/SC, Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 11.03.2013 – grifo nosso)

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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL – AGRA-VO DE INSTRUMENTO – SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS – REVISÃO GE-RAL ANUAL – OMISSÃO LEGISLATIVA DO PODER EXECUTIVO – INDENIZA-ÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA

Agravo regimental improvido.

(AgRg-Ag 1.214.230/RS, de minha relatoria, 6ª T., DJe 07.05.2012 – grifo nosso)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRA-VO EM RECURSO ESPECIAL – SERVIDORES PÚBLICOS – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – REVISÃO GERAL ANUAL DA REMUNERAÇÃO – OMISSÃO LEGISLATIVA DO PODER EXECUTIVO – INDENI-ZAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE

[...]

2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que não cabe indenização ao servidor público por omissão do Chefe do Poder Executivo em enviar o projeto de lei prevendo a revisão geral anual dos venci-mentos prevista no art. 37, X, da Constituição Federal. Precedentes: AgRg-REsp 1.118.195/RS, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 22.11.2010; e REsp 1.196.464/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 26.08.2010.

3. É descabido o sobrestamento do recurso especial em decorrência do reco-nhecimento da repercussão geral de matéria constitucional pelo STF, pois o art. 328-A do Regimento Interno daquela Corte determina o sobrestamento, tão somente, do juízo de admissibilidade dos Recursos Extraordinários e dos Agra-vos de Instrumento contra o despacho denegatório a eles relacionados. Prece-dente: AgRg-EREsp 1.142.490/RS, Rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, DJe 08.11.2010.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 90.489/GO, Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 25.04.2012 – grifo nosso)

Dessa forma, inexiste violação literal de dispositivo de lei, nos termos em que previsto no art. 485, V, do Código de Processo Civil, que justifique a pretendida desconstituição da coisa julgada.

Ante o exposto, julgo improcedente a ação rescisória.

Fixo os honorários em R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor que deverá ser rateado, igualmente, entre os autores da rescisória, ficando suspensa, contudo, a exigibilidade, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 (fl. 359).

VOTO-REVISÃO

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

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O caso que se coloca a julgamento apresenta a seguinte configuração: o pedido de indenização por danos materiais formulado pelos autores, tendo por fundamento a omissão do Chefe do Poder Executivo Federal, que não providen-ciou a revisão geral anual da remuneração dos servidores, tal como prevista no art. 37, X, da Constituição Federal, foi acolhido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento de apelação, e confirmado pela Segunda Seção daquela Corte ao apreciar os embargos infringentes da União.

Contra a decisão da Corte Regional, a União interpôs recursos especial e extraordinário, ambos admitidos, vindo os autos, primeiramente, ao Superior Tribunal de Justiça.

Coube ao Ministro Arnaldo Esteves Lima a relatoria do REsp 969.804/SC.

Por meio de decisão monocrática publicada em 05.09.2007, S. Exa. deu provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença de improcedência.

Como não houve recurso contra a decisão do REsp 969.804/SC, os autos foram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal.

Considerando que a União obteve, no Superior Tribunal de Justiça, a pre-tendida reforma do acórdão do Tribunal Regional Federal, o Ministro Menezes Direito, reconhecendo a perda do objeto do RE 565.367, declarou-o prejudica-do, nos termos do art. 543, § 1º, do Código de Processo Civil.

Com a presente rescisória, os autores buscam a desconstituição da deci-são proferida pelo Ministro Arnaldo Lima no REsp 969.804/SC, sob a alegação de que estaria configurada violação literal do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil. No modo de ver dos autores, na ocasião em que proferida a de-cisão do Ministro Arnaldo, a questão envolvendo o direito à indenização ainda seria controvertida nos Tribunais, razão pela qual não havia possibilidade de julgamento singular do recurso.

De início, anoto que as questões preliminares levantadas na contestação da União são todas improcedentes, conforme bem demonstrado no voto do ilustre Ministro Relator.

Quanto ao pedido de sobrestamento do julgamento da ação rescisória, penso que não deve ser acolhido, porquanto, na linha da jurisprudência que se firmou no âmbito desta Corte, “o reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal acarreta, unicamente, o sobrestamento de eventual recurso extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo STJ ou por outros Tribunais, devendo o exame ser realizado no juízo de admissibilidade do recurso” (AgRg-REsp 1.258.151/SC, Relator o Ministro Francisco Falcão, DJe 16.03.2012).

Relativamente ao mérito, entendo que a afirmação dos autores segundo a qual o Ministro Arnaldo Esteves Lima, ao dar provimento ao recurso especial

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por meio de decisão monocrática, incorreu em violação ao art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, é manifestamente improcedente.

A leitura mais atenta da decisão que se pretende rescindir revela que o Ministro Arnaldo Esteves Lima deu provimento ao recurso especial tendo por base a jurisprudência que, naquela ocasião, era dominante no Supremo Tri-bunal Federal, razão pela qual não se sustenta a alegação de que não estavam presentes os pressupostos do § 1º-A do art. 557 do CPC.

A acrescentar, apenas a notícia de que os Ministros do Supremo Tribu-nal Federal vêm negando seguimento, monocraticamente, às numerosas ações rescisórias ali ajuizadas que têm por objeto a mesma questão tratada nestes autos. Confiram-se, a propósito, as seguintes decisões: AR 2.090, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe 21.11.2011; AR 2.168, Relator o Ministro Ricar-do Lewandowski, DJe 12.03.2012; AR 2.236, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 17.04.2012; AR 2.157, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 04.09.2012; AR 2.131, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe 11.10.2013.

Ante o exposto, acompanhando o bem lançado voto do eminente Minis-tro Relator, julgo improcedente a ação rescisória.

Nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, fixo os honorá-rios advocatícios em R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor que deverá ser rateado, igualmente, entre os autores da rescisória, ficando suspensa, contudo, a exigibi-lidade, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 (fl. 359).

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2009/0154784-3 AR 4.312/SC

Números Origem: 200472000018533 200701706550

Pauta: 28.05.2014 Julgado: 28.05.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Revisor: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Brasilino Pereira dos Santos

Secretário: Bel. Gilberto Ferreira Costa

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AUTUAÇÃO

Autor: Almir Spinelli

Autor: Arilton Bonifácio Goes

Autor: Candido Geraldo Freitas

Autor: Eduardo Juan Soriano Sierra

Autor: José Marino Neto

Autor: Luiz Augusto dos Santos Madureira

Autor: Márcio Amaral Caldeira de Andrada

Autor: Maria Marta de Souza Sierra

Autor: Marta Aparecida Paschoalini

Autor: Teodósio Kroin

Autor: Valdir Rosa Correia

Autor: Vilma Edite Fonseca Heinzen

Advogado: Alexander Artur Ulbricht e outro(s)

Réu: União

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Servi-dor público civil – Reajustes de remuneração, proventos ou pensão

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Seção, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Seção, por unanimidade, julgou improcedente a ação rescisória, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Revisor), Regina Helena Costa, Rogério Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Marilza Maynard (Desembargadora Con-vocada do TJ/SE), Laurita Vaz e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

Brasília, 28 de maio de 2014.

Gilberto Ferreira Costa Secretário

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Assunto Especial – Ementário

Prescrição e Decadência

8108 – Citação válida – prescrição – interrupção

“Direito processual civil. Efeitos da citação válida. Código de Processo Civil, art. 219. Ação pro-posta, mas pedido julgado improcedente. Inequívoco exercício do direito. Inércia descaracterizada. Prazo prescricional interrompido. I – Para o art. 219 do Código de Processo Civil, ‘a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição’. Quanto à interrupção da prescrição, a lei não distingue entre pedido julgado procedente e aquele declarado improce-dente. Evidenciado o inequívoco exercício do direito e a boa-fé do autor, ainda que com a propo-situra de ação incabível, interrompe-se o prazo prescricional. II – Embargos de divergência conhe-cidos, mas rejeitados.” (STJ – EDiv-REsp 54.788/SP – (1998/0057915-0) – 2ª S. – Rel. p/o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros – DJU 1 06.11.2006)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de embargos de divergência opostos contra acórdão do próprio STJ que restou assim ementado:

“Ação reivindicatória. Defesa dos réus fundada na prescrição aquisitiva. Interrupção como efeito de citação válida em outro processo. Condomínio. Extensão dos efeitos da citação aos integran-tes do condomínio pro indiviso. Inexistência da violação a lei. Dissídio não demonstrado.

Recurso não conhecido. Votos vencidos.”

Os embargantes visam a discutir o problema dos efeitos da citação em ação julgada improce-dente. Argumentaram, ainda, que, em demanda não acolhida, não se reconhece o fato citatório inicial como suficiente para caracterizar o início da interrupção do fluxo prescricional.

O Relator do STJ manteve o acórdão atacado rejeitando os embargos de divergência, concluindo que a citação válida tem como efeito a interrupção da prescrição, ainda que o pedido do autor seja julgado improcedente ou que o processo seja extinto sem julgamento do mérito.

Vale trazer o disposto no art. 219 do Código de Processo Civil:

“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)

§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 2º Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judi-ciário. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 3º Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias. (Re-dação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 4º Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver--se-á por não interrompida a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)

§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 11.280, de 2006)

§ 6º Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973)”

Oportuno trazer as lições do Jurista Flávio Luiz Yarshell sobre a interrupção da prescrição pela citação:

“A questão que se põe com importantes repercussões práticas é a de saber, diante da nova legis-lação, em que momento se reputa interrompida a prescrição pela citação, supondo sempre que o autor não permaneça inerte e que, como exige a lei, ‘promova’ a citação nos prazos constantes da lei processual.

Salvo opinião mais autorizada, uma interpretação sistemática há de levar à conclusão de que a interrupção da prescrição retroage – ou continua a retroagir – à data da propositura da demanda

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(desde que, como visto, o autor cumpra o ônus já mencionado, não podendo ser prejudicado pela demora inerente ao serviço judiciário (CPC, art. 219, § 2º). Sob o ângulo da técnica jurí-dica, tal se justifica porque, embora o novo Código Civil pareça revitalizar as regras constantes do Código de Processo Civil de 1939 e de 1973 em sua redação original (o que faria ao falar na interrupção ‘por despacho do juiz, ainda que incompetente, que ordenar a citação’), fato é que a nova lei foi também expressa ao remeter à lei processual, que, como visto, é peremptória ao fazer retroagir à data da propositura o momento da interrupção (sempre na premissa de que o autor não seja desidioso).

Ora, o art. 219 do Código de Processo Civil de 1973, em sua redação original (a exemplo do que já fazia o art. 166 do estatuto precedente), já dizia – e a rigor continua a dizer – que a interrupção ocorre pela citação, embora depois ressalve a retroação desse efeito para o momento do despacho que ordenara o ato. A retroação do efeito interruptivo para marco anterior à citação, portanto, não é regra desconhecida do sistema nem no Código de Processo Civil de 1939 nem no de 1973, seja em sua redação primitiva, seja em sua redação atual. Se é assim, isto é, se a retroação desse efeito para momento anterior ao da citação foi e é admitida pelo sistema, parece mais correto dizer que a retroação alcança o ajuizamento e não apenas o despacho que ordenar a citação, porque essa é a forma ditada pela lei processual, à qual, como dito, reporta-se expressamente a nova lei civil.

[...]

E, de fato, além do argumento mais rigorosamente técnico, há, ainda sob o ângulo sistemático, o argumento de que a lei deve ser interpretada de forma compatível com o texto constitucio-nal, que garante o devido processo legal, o acesso à Justiça e que, portanto, deve considerar a aplicação da lei sob o ângulo da eficiente prestação jurisdicional. Sob essa ótica, eventual interpretação no sentido de que a interrupção atinge o momento do ‘despacho que ordenar a citação’ representaria evidente e indesejável retrocesso, criando dificuldades para as partes e para os próprios magistrados, compelidos estes a precipitar o exame de toda petição inicial nos casos em que estivesse prestes a se consumar a prescrição – o que certamente viria em detri-mento do exame de outras situações urgentes não por força da lei, mas por força da realidade das coisas; situações essas que já não são pouco numerosas e que apanham um Judiciário já sobrecarregado.” (Interrupção da prescrição pela citação: confronto entre o novo Código Civil e o Código de Processo Civil. Repertório de Jurisprudência IOB, n. 10/2003, 3/20270, 2ª quinz. de maio, p. 258)

8109 – Prazo – ação de indenização – prescrição – inocorrência – termo inicial

“Civil. Processual civil. Recurso especial. Ação de indenização. Danos morais e materiais. Prescri-ção. Inocorrência. Prazo. Código Civil. Vigência. Termo inicial. 1. O prazo prescricional de três anos para ajuizamento de ação indenizatória, previsto no novo Código Civil, deve ser contado a partir da vigência do novo Código, ou seja, 11 de janeiro de 2003, e não da data da ocorrência do fato danoso. No caso em questão, a pretensão do ora recorrente não se encontra prescrita, pois o ajuizamento da ação ocorreu em 06.05.2003, antes, portanto, do decurso do prazo prescricional de três anos previsto na vigente legislação civil. Precedentes. 2. Recurso não conhecido.” (STJ – REsp 726.099/PR – (2005/0026461-7) – 4ª T. – Rel. Min. Jorge Scartezzini – DJU 1 30.10.2006)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de indenização objetivando o ressarcimento por danos materiais e morais em razão de erro médico após cirurgia plástica.

O Magistrado a quo extinguiu o processo por reconhecer a prescrição do direito de ação conde-nando a autora no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

Inconformada com a decisão, a autora interpôs apelação que foi provida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Diante da decisão acordada a empresa recorreu, daí o presente recurso especial em que aduz violação ao art. 2.028 do Código Civil, e a ocorrência da prescrição do direito de ação da autora, haja vista já transcorridos mais de três anos desde a data do fato danoso.

O STJ manteve o acórdão atacado não conhecendo do recurso, concluindo que a pretensão do recorrente não se encontrava prescrita, pois o ajuizamento da ação ocorreu antes do decurso do prazo prescricional de três anos previsto na vigente legislação civil.

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O Relator salientou que o disposto no art. 2.028 do Código Civil não se aplicava ao caso em comento, acarretando assim a incidência do prazo prescricional estabelecido no novo diploma legal, qual seja, o de três anos.

Vale ressaltar trecho de doutrina em que o autor Samir El Hajjar analisa o instituo da prescrição:

“Mas a coisa não se revelou assim tão simplória. É que o legislador em raríssimas ocasiões nos oferece textos de lei claros e diretos; são comuns os redigidos de modo confuso e indireto, impondo antes da interpretação científica outra para captar o sentido da sentença gramatical.

O art. 2.028 do NCC é um excelente exemplo disso: ‘Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada’. O legislador do NCC não foi direto e claro no texto desse artigo, como exige a LC 95/1998 (alterada pela LC 107/2001), que regula o parágrafo único do art. 59 da CF/1988.

O art. 2.028 seria mais claro assim: ‘Serão os da lei anterior os prazos reduzidos por este Código se na data de sua entrada em vigor já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada’.

Ou de modo direto no mesmo sentido: ‘Quando por esta lei os prazos da lei anterior forem re-duzidos, serão estes contados até a data da entrada em vigor deste Código, e o que restar pelo novo prazo. Parágrafo único. Se já houver transcorrido mais da metade do tempo dos prazos da lei revogada, por esta serão contados’.

Sugeridas estas construções gramaticais diretas, podemos oferecer nossa solução para a varie-dade de entendimentos que encontramos.

Quando o NCC refere-se aos prazos do código revogado, está a falar dos prazos prescricionais e dos decadenciais da antiga lei. Agora, a NCC separa os prazos de natureza prescricional que estão regulados dos arts. 189 a 206, dos decadenciais, que estão expressamente fixados em artigos esparsos.

O art. 2.028 fala de lei revogada, refere-se tanto aos prazos do antigo CC quanto aos dos da parte revogada do Código Comercial.

O legislador, ao dispor os casos de prazos prescricionais nos arts. 205 e 206 no NCC, compa-rados com os de mesma matéria do revogado, os fez com nova redação (algumas aglutinadas), com a criação de casuísticas antes não particularizadas (que a doutrina denomina casos espe-ciais de prescrição), com a redução da maioria daqueles prazos e com a ampliação de poucos, e repetição de alguns.

Assim, segundo o art. 2.028 em estudo, se um caso de prazo prescricional iniciado sob o antigo CC tiver fluído por mais da metade, valerá o prazo dessa lei. Até aí, tudo bem, é fácil de entender.

[...]

Finalmente, preferimos entender que ‘prazo de prescrição’ não é apenas um instituto de direito voltado em prol da segurança e estabilidade temporal das relações jurídicas para a punição do autor relapso, como invocação de defesa, mas, antes, um benefício para o credor da prestação de poder aguardar o melhor momento de capacidade financeira ou patrimonial (alteração da fortuna) tanto do seu como o do devedor, para o embate judicial. O prazo prescricional, pelo ideal de justiça, também serve para que, utopicamente, as pessoas de bem e de boa-fé aguardem o cumprimento espontâneo da prestação dos que lhes devem. Por isso, quem tem prazo há de ser respeitado.” (Prescrição: os prazos reduzidos pelo novo Código Civil e a crise na aplicação da regra transitória de prescrição. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 24, jul./ago. 2003)

8110 – Prescrição – ação de restituição – parcelas de financiamento de imóvel – desconto do sinal de entrada – reconvenção – inocorrência

“Civil e processual civil. Ação de restituição. Parcelas de financiamento de imóvel. Desconto do sinal de entrada. Reconvenção. Prescrição. Inocorrência. Indenização pela ocupação indevida do imóvel. Honorários advocatícios. Redução. 1. ‘Tratando-se de responsabilidade civil decorrente de descumprimento de cláusula contratual, o prazo prescricional é de dez anos, nos termos do art. 205 do atual Código Civil, eis que não havia decorrido, na data de sua entrada em vigor, mais da metade do tempo previsto no art. 177 do antigo código. [...] (20060410115482APC, Rel. Sérgio Bittencourt, 4ª Turma Cível, Julgado em 27.05.2009, DJ 10.06.2009, p. 83)’. 2. Rescindido o con-

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trato de financiamento imobiliário, é cabível a indenização pela ocupação indevida do imóvel. 3. Deu-se provimento ao apelo da ré/reconvinte na reconvenção.” (TJDFT – Proc. 20090110345946 – (565623) – Rel. Des. Sérgio Rocha – DJe 17.02.2012)

8111 – Prescrição – alegação de nulidade submetida ao regime jurídico do Código Civil/1916 – reconhecimento

“Apelação cível. Alegação de nulidade submetida ao regime jurídico do Código Civil/1916. Prescri-ção. Reconhecimento. Apelo improvido. 1. O cerne da contenda se cinge à questão relativa à viabi-lidade, ou não, de reconhecimento da prescrição em se tratando de nulidades advindas da existên-cia ou não de outorga do cônjuge na efetivação de títulos translativos de propriedade imobiliária, ocorridas sob o regimento jurídico existente no Código Civil de 1916. 2. Conforme bem pontuado pelo Juízo de origem, as nulidades eram tratadas pelo Código Civil anterior como matérias sujeitas a prazos prescricionais, de modo que somente no atual Código Civil é que não se prevê prazo para fins de reconhecimento de nulidades absolutas. 3. Segundo adequadamente consignado na senten-ça, o ato jurídico que se pretende invalidar foi lavrado em 08.02.1977, época em que a apelante e o Sr. Francisco Deodato eram casados, tendo sido empreendida a separação judicial em 21.11.1980 e o divórcio em 12.06.2002, valendo asseverar que durante todo o lapso temporal transcorrido (mais de 20 anos), a apelante nunca se insurgiu ao título referido no processo. Ressaltou-se, também, na sentença, que a transferência do bem em nome de Francisco Deodato de Lima ou em nome que este indicasse foi empreendida mediante autorização judicial, ocorrida desde 09.11.1982 (fl. 58v), de modo que caberia à apelante ter acionado o Poder Judiciário há anos, não podendo, segundo a óti-ca existente no antigo diploma civilista (aplicável ao caso), pretender a invalidação do ato jurídico a qualquer tempo. 4. Assim, há de ser reconhecida a incidência do prazo prescricional (tecnicamente decadencial), posto que a apelante não empreendeu qualquer impugnação do ato jurídico durante mais de 20 anos, inexistindo, portanto, motivos para que se reforme a sentença recorrida. Apelação conhecida e improvida.” (TJCE – AC 0715269-96.2000.8.06.0001 – Rel. Manoel Cefas Fonteles Tomaz – DJe 07.01.2013)

8112 – Prescrição – decadência – repetição ou compensação de indébitos – aplicação do prazo

“Processual civil. Agravo. Art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil. Prescrição. Decadência. Aplicação do prazo reduzido para repetição ou compensação de indébitos aos processos ajuiza-dos a partir de 9 de junho de 2005. Art. 543-B do CPC. Honorários advocatícios. 1. Quanto ao prazo prescricional para a repetição, em 11.10.2011, o Supremo Tribunal Federal disponibilizou no Diário de Justiça Eletrônico, o v. acórdão do RE 566.621, apreciado no regime previsto no art. 543-B, § 3º, do CPC, pelo Pleno da Suprema Corte, que entendeu pela aplicabilidade da Lei Complementar nº 118/2005 às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. 2. Aqueles que ajuizaram ações antes da entrada em vigor da LC 118/2005 (09.06.2005) têm direito à repetição das contribuições recolhidas no período de 10 anos anteriores ao ajuizamento da ação. 3. Na hipótese, a ação foi ajuizada em 19.12.2001, por-tanto a repetição alcança os valores recolhidos desde 19.12.1990. 4. No que toca aos honorários advocatícios, ocorrendo a sucumbência recíproca, permitida, consoante o art. 21 do Código de Processo Civil, a compensação da sucumbência. 5. Agravos a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AG-AC 0005375-32.2001.4.03.6109/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 07.01.2013)

8113 – Prescrição – direito real – julgamento liminar de mérito

“Processual civil. Apelação. Ação que versa sobre direito real. Indeferimento da inicial pelo reco-nhecimento de ofício de prescrição. Julgamento liminar de mérito. Aplica-se o prazo prescricional do Código Civil às ações que versem sobre direitos reais. Inaplicável o prazo quinquenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. Apelo provido. Sentença cassada. 1. O indeferimento da petição inicial pelo reconhecimento da prescrição consiste em um verdadeiro julgamento liminar de mérito ou, também denominado, improcedência prima facie, uma vez que faz coisa julgada material e não

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apenas formal. 1.1. Doutrina Fredie Didier Jr.: “O art. 295, IV, do CPC é claro ao admitir o inde-ferimento da petição inicial pelo reconhecimento da decadência ou da prescrição, situações que, por força do art. 269, IV, do CPC, importam resolução do mérito da causa. Há aqui, de fato, certa antinomia entre esses dispositivos e o art. 267, I, que prescreve o indeferimento da petição inicial como hipótese de decisão sem exame de mérito. Prevalece, no entanto, a regra: o reconhecimento da prescrição e da decadência é análise de mérito, mesmo que tenha sido feito liminarmente’ (Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 469). 2. Em que pese o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, aplica-se o prazo prescricional de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil às ações que versem sobre direitos reais, porquanto são baseadas no domínio imo-biliário, que é previsto na Constituição Federal e regulado pelo Código Civil. 2.1. Se fosse permitida, apenas em favor do Poder Público, a utilização do prazo prescricional de cinco anos em relação aos direitos reais estaria sendo admitida uma verdadeira transgressão aos institutos de proteção à propriedade, incluindo-se em relação a usucapião, à desapropriação, ao usufruto, ao direito real de habitação, etc. 3. Doutrina de Sílvio de Salvo Venosa: ‘São de ordem pública as normas definidoras dos direitos reais e da respectiva amplitude de seu conteúdo. Essa preponderância guarda relação direta com o conteúdo institucional da propriedade, que varia com no tempo e no espaço’ (Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 40). 4. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento se-gundo o qual, ‘sem embargo do disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, que expressamente prevê que a prescrição qüinqüenal tem aplicação em qualquer tipo de direito ou ação em face da fazenda pública, é assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, em se tratando de ações que envolvam direitos reais, o prazo prescricional é o comum, ou seja, o do Código Ci-vil. Precedente: REsp 623.511/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 06.06.2005’ (REsp 770014/MT, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 19.12.2005, p. 266). 5. Apelo provido para cassar a sentença recorrida.” (TJDFT – PC 20110110062012 – (566707) – Rel. Des. João Egmont – DJe 28.02.2012)

8114 – Prescrição – prazo quinquenal – incorporação – possibilidade

“Processual civil. Prescrição. Prazo quinquenal. Art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. Quintos. Incor-poração. Possibilidade. 1. A Primeira Seção confirmou a orientação de que o prazo prescricional, em se tratando de responsabilidade civil do Estado, é de cinco anos. 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é possível a incorporação de quintos, em relação ao exercí-cio de função comissionada, no período de 8 de abril de 1998 – data do início da vigência da Lei nº 9.624/1998 – a 5 de setembro de 2001, quando teve início a vigência da MP 2.225-45/2001. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-EDcl-AI 1.393.071 – (2011/0002110-2) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2012)

8115 – Prescrição – termo inicial – reconhecimento do direito à subscrição – não provimento – imposição de multa

“Agravo regimental no recurso especial. Decisão mantida. Dividendos. Prescrição. Termo inicial. Reconhecimento do direito à subscrição. Não provimento. Imposição de multa. 1. A Orientação Jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça prevê que o prazo prescricional para pleitear os dividendos é trienal, nos termos do art. 206, § 3º, do CPC, tendo como início a data em que reco-nhecido o direito à subscrição complementar. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa de 5% sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 557, § 2º), ficando a inter-posição de novos recursos condicionada ao prévio recolhimento da penalidade imposta.” (STJ – AgRg-REsp 1.355.617 – (2012/0251095-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 25.02.2013)

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Parte Geral – Doutrina

Conciliação e Mediação Endoprocessuais na Legislação Projetada

ADA PELLEGRINI GRINOVERProfessora Titular de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

SUMÁRIO: 1 A mediação endoprocessual: o primeiro projeto de lei; 2 A nota técnica do CNJ; 3 As propostas do Foname; 4 A Resolução nº 125/2011 do CNJ; 5 Projetos legislativos: o novo CPC no Senado; 6 O novo CPC na Câmara dos Deputados; 7 Os PLS 405/2013 e 517/2011 fundidos no PL 7.189/2014 e seu descompasso com a disciplina do CPC; 8 O substitutivo ao PLS 517/2011; Conclusão.

1 A MEDIAÇÃO ENDOPROCESSUAL: O PRIMEIRO PROJETO DE LEI

No ano 2000, foi apresentado ao Congresso Nacional o primeiro projeto de lei institucionalizando a mediação endoprocessual (batizada de paraproces-sual), resultado do trabalho de comissão constituída pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, concluído com uma proposta de substitutivo ao projeto de lei da Deputada Zulaiê Cobra e resultado consensual construído entre o IBDP e a assessoria da Deputada.

Lia-se da Exposição de Motivos:

1. O avanço dos mecanismos extrajudiciais de solução de controvérsias é ine-gável no Brasil: a partir da vitoriosa experiência dos Juizados Informais de Con-ciliação, ficou clara a aspiração social por métodos que pudessem servir para a resolução dos conflitos sociais fora dos meandros do Poder Judiciário, cujos órgãos estão sabidamente sobrecarregados e cuja atuação dificilmente consegue a pacificação das partes.

2. O legislador não ficou insensível ao clamor social: procurou, de um lado, fortalecer a vertente extrajudicial de solução de controvérsias, o que se concre-tizou com a edição da Lei nº 9.307/1996, que revitalizou a arbitragem; de outra parte, na vertente judicial, reforçou os poderes conciliatórios do juiz, estimulan-do sua atividade (mediadora) no curso do processo, como se viu com a edição da Lei nº 8.952/1994 que alterou, entre outros, os arts. 125 e 331 do Código de Processo Civil.

3. Mas ainda não era o bastante. A conciliação judicial sofre uma série conside-rável de pressões adversas, de modo a tornar limitados seus resultados práticos: as pautas dos juízes estão lotadas, de tal sorte que estes não podem dedicar--se ao trabalho naturalmente lento da mediação; nem todos os magistrados são treinados (e muito menos vocacionados) para conciliar; as partes mostram-se sempre intimidadas na presença dos juízes, de modo que a inibição e o receio de avançar posições, que podem posteriormente desfavorecê-las no julgamento da causa, acabam por tornar difícil a composição dirigida pelo magistrado; os

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advogados cultivam mais a postura litigiosa do que a consensual; os Magistra-dos sentem-se desconfortáveis quando, na atividade conciliatória, revelam seu entendimento acerca de determinadas questões, o que pode ser interpretado pelas partes como parcialidade ou até mesmo induzir ao pré-julgamento. Es-sas dificuldades já haviam sido notadas pelo legislador, que procurou mitigá-las quando editou a Lei nº 7.244/1984 (que implantou os Juizados Especiais de Pe-quenas Causas), valorizando o papel dos conciliadores. O sucesso da iniciativa foi notável, consolidando-se a posição dos conciliadores na Lei nº 9.099/1995, que hoje disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

4. Paralelamente, a iniciativa da mediação tomou impulso no Brasil. A criação de centros de arbitragem, impulsionados pela Lei nº 9.307/1996, também oca-sionou a abertura dessas instituições à mediação, que floresceu em todo o país, cultivada também por mediadores independentes. Embora próximas, por tende-rem ambas à autocomposição (e apartando-se, assim, da arbitragem, que é um meio de heterocomposição de controvérsias, em que o juiz privado substitui o juiz togado), conciliação e mediação distinguem-se porque, na primeira, o con-ciliador, após ouvir os contendores, sugere a solução consensual do litígio, en-quanto na segunda o mediador trabalha mais o conflito, fazendo com que os in-teressados descubram as suas causas, removam-nas e cheguem assim, por si só, à solução da controvérsia. Parece, entretanto, que a própria mediação apresenta duas facetas: sendo seus objetivos resolver o conflito e conseguir o acordo, a mediação clássica, que não se volta precipuamente ao processo, dá ênfase à so-lução do conflito, sendo o acordo apenas o seu apêndice natural, podendo vir, ou não; enquanto a mediação voltada ao processo dá ênfase sobretudo à obten-ção do acordo, porque tem em vista o escopo precípuo de evitar ou encurtar o processo, sendo a pacificação dos contendores a consequência de um acordo alcançado pelo consenso dos interessados. Para indicar este segundo tipo de mediação, o projeto de lei, que dela se ocupa exclusivamente, denomina-a “pa-raprocessual” (para = ao lado de, elemento acessório ou subsidiário).

5. Observe-se, ainda, que na mediação paraprocessual, acima descrita, o me-diador não deve permanecer exclusivamente no campo do esclarecimento das causas do conflito, evitando a formulação de uma proposta de acordo. Ao con-trário, é conveniente que o mediador sugira aos contendores a solução, dando--lhe roupagem jurídica. Assim sendo, pode-se afirmar que, na mediação voltada ao processo, o mediador deverá ser ao mesmo tempo um conciliador.

6. O presente projeto de lei pretende institucionalizar a mediação extrajudicial voltada, ou trazida, ao processo civil, de modo a potencializar a possibilidade de resolução de controvérsias independentemente da intervenção do juiz esta-tal, o que tende a abrir mais espaço para a regularização dos serviços judiciá-rios, com substancial diminuição do tempo de espera gerado pela sobrecarga de trabalho dos magistrados e, ao mesmo tempo, estimular a participação popular na administração da justiça e pacificar os litigantes.

7. O projeto investe em duas modalidades de mediação: a primeira, denomi-nada mediação prévia (que será sempre facultativa), permite ao litigante, antes mesmo de ajuizar demanda, procurar o auxílio de um mediador para resolver o conflito de interesses; a segunda, incidental (e cuja tentativa é obrigatória), terá lugar sempre que for distribuída demanda (excepcionadas as causas arroladas

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no art. 5º da lei) sem prévia tentativa de mediação, de sorte que, obtido o acor-do, se extinguirá o processo sem a necessidade de intervenção do juiz estatal.

8. A tentativa obrigatória de mediação incidental não fere o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que dispõe a respeito da inafastabilidade do acesso aos tribunais porque, diversamente do que ocorre com outros diplomas legislativos, ela ocorrerá após o ajuizamento da demanda, com o que se pude-ram conferir à distribuição desta e à intimação dos litigantes efeitos que, pelo Código de Processo Civil, são próprios da citação (arts. 6º e 8º, § 1º, do projeto); e ainda porque a parte interessada poderá solicitar a retomada do processo judi-cial, decorrido o prazo de 60 (sessenta dias) da data do início do procedimento de mediação (art. 9º, § 3º).

9. Ainda com relação à tentativa obrigatória de mediação, vale outra observa-ção: a facultatividade tem sido sublinhada como um dos princípios fundamen-tais da mediação. No entanto, também tem sido apontada a necessidade de se operar uma mudança de mentalidade, para que a via consensual seja mais cul-tivada do que a litigiosa, o que é um dado essencial para o êxito das vias con-ciliativas, que compreendem a mediação. Assentado que os chamados meios alternativos de solução das controvérsias, mais do que uma alternativa ao pro-cesso, configuram instrumentos complementares, mais idôneos do que o pro-cesso para a pacificação, é preciso estimular a sedimentação de uma cultura que permita seu vicejar. E, para tanto, a tentativa obrigatória parece constituir o único caminho, não se descartando que, no futuro, a mediação paraprocessual se torne facultativa.

10. Aliás, justamente para impulsionar esta mudança de cultura, é evidente que a mediação proposta pelo projeto não prejudica as demais oportunidades de conciliação judicial estabelecidas em lei.

11. Pelo projeto ora apresentado, os mediadores serão preparados para o servi-ço que prestarão à sociedade: para tanto, a contribuição da Ordem dos Advo-gados do Brasil será inestimável, seja com relação à capacitação e seleção dos profissionais, como também no que diz respeito ao controle de sua atividade. Os interessados em atuar como mediadores serão advogados, com experiência profissional mínima de dois anos, e deverão submeter-se a curso preparatório, ao término do qual estarão, se aprovados, sujeitos a regras procedimentais ade-quadas para auxiliar as partes na busca de uma solução consensual para seu litígio. O projeto prevê a dispensa do curso preparatório para os Conciliadores dos Juizados Especiais Cíveis e para os Conciliadores Judiciais previstos para o rito sumário (art. 277, § 1º, do CPC), que comprovem o efetivo desempenho da função por pelo menos dois anos.

12. Também a esse propósito, cabe um esclarecimento: na mediação tradicio-nal, os mediadores têm preparação multidisciplinar e são originários de diver-sos campos profissionais. Mas o que tem que se ter em mente é que o projeto trata da mediação extrajudicial trazida para o processo civil e para este voltada, sendo aconselhável que seja ela conduzida por um profissional do direito, es-pecialmente treinado, para que os litigantes possam chegar a um acordo que se revista das indispensáveis formalidades jurídicas, uma vez que a transação constituirá, sempre, título executivo extrajudicial e poderá, a pedido das partes

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e uma vez homologada pelo juiz, ter eficácia de título executivo judicial. Por outro lado, cumpre notar que o projeto também cuida da comediação, a ser levada a cabo por um mediador advogado juntamente com um profissional de outras áreas, nos casos em que qualquer dos litigantes o requeira ou o mediador sorteado o entenda conveniente e, necessariamente, nas controvérsias atinentes ao direito de família.

13. Naturalmente a atividade de mediação não estará desligada do controle do Poder Judiciário: para tanto, o Tribunal de Justiça de cada Estado da Federação manterá registro dos mediadores, por categoria profissional, sendo certo que, verificada a atuação inadequada de qualquer deles, poderá o juiz estatal afas-tá-lo de sua atividade, mandando averiguar a conduta indesejável em regular processo administrativo. O controle pelo juiz é complementado pelo da Ordem dos Advogados do Brasil e dos outros órgãos oficiais profissionais.

14. A atividade do mediador não será gratuita. A remuneração do profissional que dedicar seu tempo à atividade prevista na lei está escalonada de confor-midade com o valor da causa, tendo sido fixada em patamares módicos, para que não seja onerado o acesso à justiça. Em caso de comediação, os honorários estão estabelecidos no valor de 50% para cada mediador. Em caso de insucesso da mediação, não haverá pagamento de honorários. Prevê-se, ainda, a dispensa de qualquer pagamento quando for concedido o benefício de gratuidade de que trata a Lei nº 1.060/1950, hipótese em que (enquanto não for promulgada lei lo-cal sobre a matéria) atuarão como mediadores os defensores públicos ou quem exerça suas atribuições, sem prejuízo de convênios com a Ordem dos Advoga-dos do Brasil.

15. Em apertada síntese, o projeto de lei ora proposto – sem inibir outras mo-dalidades de mediação extrajudicial vinculadas a órgãos institucionais ou re-alizadas através de mediadores independentes, que também poderão ser cre-denciados pela OAB para a mediação voltada ao processo civil – coloca-se na esteira dos meios complementares de solução de controvérsias, em harmonia com o plano inserido na proposta de governo lançada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Trata-se de mais um elemento para a democratização da justiça, que servirá não só para desafogá-la, mas também para melhorar subs-tancialmente a qualidade da solução dos conflitos, já que ninguém nega a exce-lência da pacificação social obtida mediante o consenso.

2 A NOTA TÉCNICA DO CNJ

Todavia, uma nota técnica do CNJ, então presidido pela Ministra Ellen Gracie, foi contrária ao projeto, com fundamento em três razões: a obrigatorie-dade da mediação, contrária ao espírito do instituto; a remuneração dos me-diadores, que encareceria o processo; a atribuição das funções de mediador a advogados inscritos na OAB, numa espécie de reserva de mercado.

E assim o projeto de lei, sem jamais ter sido formalmente rejeitado, foi simplesmente engavetado e nunca mais discutido e votado. Mas, assim como Fênix renasce das cinzas, parece que um deputado decidiu ressuscitá-lo e que

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estaria de novo em andamento. Porém, catorze anos depois, muita água passou sob a ponte.

3 AS PROPOSTAS DO FONAME

Passaram-se os anos, até que o Foname (Fórum Nacional de Mediação) retomou o assunto, discutindo-o com a participação de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, então membro do Conselho Consultivo do CNJ. E duas es-tratégias foram elaboradas em sessão plenária:

a) retomar o projeto de lei de mediação paraprocessual, dele retirando os dispositivos atinentes ao exercício da função de mediador neces-sariamente por advogado e esclarecer que o que era obrigatório era a tentativa de mediação, ficando sua realização a critério das partes;

b) trabalhar junto ao CNJ, com vistas a uma Resolução que instituísse uma política de meios adequados de solução de conflitos, regulan-do a conciliação e mediação.

4 A RESOLUÇÃO Nº 125/2011 DO CNJ

A proposta do trabalho junto ao CNJ andou com maior celeridade. Por iniciativa de Kazuo Watanabe, membro do Conselho Consultivo, este apresen-tou ao CNJ projeto de Resolução que foi aprovado, transformando-se na Reso-lução nº 125/2011, que instituiu a Política Nacional dos Meios Adequados de Solução de Conflitos e criou junto aos Tribunais os Núcleos e Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), cuidando, inclusive, da capaci-tação dos mediadores e conciliadores e de sua remuneração.

No que diz respeito à capacitação, entretanto, releva observar que a Re-solução nº 125 foi alterada pela Emenda nº 01/2013, que trouxe significativa modificação na capacitação de conciliadores e mediadores (não mais neces-sariamente submetidos a estágios supervisionados) e a interferência direta do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério da Justiça nos Tribunais, violando diretriz constante da primeira, no sentido de se respeitar a autonomia dos Tri-bunais, na organização dos serviços afetos aos métodos consensuais de solução de conflitos.

Essas modificações também previram uma única forma de capacitação de conciliadores e mediadores e de um único modelo de mediação (mediação facilitativa, que mais se aproxima da conciliação, e que reflete entendimento de apenas uma das Escolas de Mediação existentes no mundo, por isso mesmo limitado); mas também, o que é mais prejudicial, o seu monopólio pelo Ministé-rio da Justiça, por meio da ENAM (Escola Nacional de Mediação e Conciliação), que seria referendado pelo PL 7.189/2014 (v. infra, n. 7), o qual estabelece, expressamente, que apenas poderá se cadastrar como mediador judicial aquele que “tenha obtido capacitação em escola ou entidade de formação de media-

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dores reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça ou pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação do Ministério da Justiça”.

5 PROJETOS LEGISLATIVOS: O NOVO CPC NO SENADO

O Presidente do Senado, em 2012, nomeou comissão encarregada de apresentar o projeto de novo CPC, presidida pelo Ministro Fux e coordenada pela Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, presidente do IBDP. A primeira proposta que veio à luz, embora instituísse uma audiência de conciliação e mediação prévia, não cuidava satisfatoriamente desses institutos, inclusive pelo fato de que mediação e conciliação seriam conduzidas pelo juiz, ficando o me-diador/conciliador subordinado a ele, deixando ainda grande parte da matéria para regulamentação nos Regimentos Internos dos Tribunais.

Houve então duas iniciativas: a) a apresentação de um substitutivo ao Projeto do Senado, preparado por quatro diretores do IBDP, incluindo o novo tratamento da conciliação e mediação judiciais; b) nova reunião do Foname, em que se atribuiu a Valeria Lagrasta Luchiari, com a supervisão de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, a incumbência de enviar propostas de alteração em diversos artigos do projeto, inclusive para adequá-los à Resolução nº 125.

As propostas do Foname, abaixo transcritas, incorporaram diversos dis-positivos do Substitutivo.

CPC – Mediação e Conciliação

Foname – Valeria Lagrasta Luchiari, Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe

Propostas para o Novo CPC

Art. 125, IV:

IV – tentar, a qualquer tempo, compor amigavelmente as partes, preferencial-mente com auxilio de conciliadores e mediadores judiciais.

Art. 138:

V – ao conciliador e ao mediador judiciais.

Art. 139:

[...] o conciliador e o mediador judicial.

Seção V do Capítulo V – Da conciliação e mediação judiciais

(Nova seção)

Art. 1º Em cada juízo ou tribunal haverá um Setor de Conciliação e Mediação.

Art. 2º O conciliador e o mediador têm o dever de cumprir o ofício empregando toda a diligência, garantida a independência de sua atuação e procedendo com:

I – neutralidade;

II – confidencialidade, salvo por convenção das partes ou determinação legal.

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Art. 3º O conciliador ou mediador poderá ser escolhido pelas partes, de comum acordo; não havendo acordo, será sorteado pelo juiz ou tribunal, dentre os ins-critos no Registro do Tribunal, na forma do art. 4º.

Art. 4º Os tribunais manterão um Registro de Conciliadores e Mediadores, con-tendo o cadastro atualizado de todos os habilitados, por área profissional.

§ 1º Preenchendo os requisitos exigidos pelo tribunal, entre os quais, necessa-riamente, a capacitação mínima, através de curso realizado por entidade cre-denciada junto ao Tribunal, o conciliador ou mediador, com o certificado res-pectivo, requererá inscrição no Registro do Tribunal, podendo atuar nos limites da comarca ou circunscrição judiciária onde resida.

§ 2º Efetivado o registro, caberá ao tribunal remeter ao Diretor do Fórum da comarca ou circunscrição judiciária onde atuará o conciliador ou mediador os dados necessários para que o nome deste passe a constar do rol da comarca ou circunscrição judiciária, para efeito de sorteio.

§ 3º Do Registro de Conciliadores e Mediadores constarão todos os dados rele-vantes referentes à sua atuação, como o número de causas de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como quaisquer outros dados que o tribunal julgar relevantes.

§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e efeitos estatísticos, bem como para o fim de avaliação da concilia-ção ou mediação e dos conciliadores e mediadores.

Art. 5º Será excluído do Registro de Conciliadores e Mediadores aquele que:

I – assim o solicitar ao tribunal, independentemente de justificação;

II – agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou mediação sob sua responsabilidade;

III – violar os princípios de confidencialidade e neutralidade;

IV – funcionar em procedimento de mediação mesmo sendo impedido.

§ 1º Os casos previstos nos incisos II a IV serão apurados em regular processo administrativo.

§ 2º O juiz da causa, verificando atuação inadequada do conciliador ou media-dor, poderá afastá-lo de suas atividades no processo, informando o Tribunal e o órgão de representação profissional competente, para instauração do respectivo processo administrativo.

Art. 6º No caso de impedimento, o conciliador ou mediador devolverá os autos ao juiz, que sorteará outro em seu lugar; se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido e solicitação de sorteio de novo conciliador ou mediador.

Art. 7º No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conci-liador ou mediador informará o fato ao tribunal para que, durante o período em que perdurar a impossibilidade, não haja novas distribuições.

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Art. 8º O conciliador ou mediador advogado fica impedido, pelo prazo de 1 (um) ano, contado a partir do término do procedimento, de assessorar, represen-tar ou patrocinar qualquer dos litigantes.

Art. 9º O conciliador e o mediador perceberão por seu trabalho remuneração que o juiz ou tribunal fixará, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação de serviço, a natureza, a importância e a complexidade da maté-ria, o trabalho realizado e o tempo exigido para o serviço.

Parágrafo único. Não havendo transação, e retomando o processo o seu curso, a remuneração do conciliador ou mediador poderá ser descontada das custas processuais apuradas afinal, segundo a lei local.

Art. 10. Obtida a transação, as partes e o conciliador ou mediador assinarão termo, a ser homologado pelo juiz, que terá força de título executivo judicial.

Art. 11. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas através de profissionais independentes.

Art. 263:

§ 1º Do mandado de citação, constará também a intimação do réu para o com-parecimento, com a presença de advogado, a uma sessão realizada perante um conciliador ou mediador, que explicará o funcionamento do procedimento de conciliação e mediação.

§ 2º O autor será intimado da data da sessão mediante intimação de seu advo-gado.

§ 3º O prazo para resposta ficará suspenso, reiniciando sua contagem a partir da intimação do encerramento do procedimento de conciliação ou mediação, se não houver transação.

Justificativa

Os meios consensuais de solução de controvérsias, que se inserem no amplo quadro da política judiciária, por serem aptos a evitar ou encurtar o processo judicial, estão ganhando espaço na realidade brasileira, mas ainda se trata de experiências pontuais e esparsas, sem homogeneidade de tratamento. A justiça conciliativa deve ser implementada, devendo constar expressamente do CPC. Por outro lado, não parece oportuno deixar a questão exclusivamente a cargo de regras internas dos tribunais, que frequentemente se omitem ou não atuam com a precisão desejada. Trata-se, em última análise, de mudar a cultura da sentença pela cultura do consenso, com vantagens nos planos funcional (a so-brecarga dos tribunais), social (a pacificação) e política (a participação) em rela-ção ao processo judicial. Por sua vez, o substitutivo de lei do Senado que trata da mediação paraprocessual está parado na Câmara dos Deputados, em virtude de uma nota técnica contrária do CNJ, que criticou a “reserva de mercado” pre-vista para os advogados. Sua obrigatoriedade também foi objeto de críticas.

A proposta ora apresentada originou-se de trabalho do Foname – Fórum Na-cional de Mediação, também aproveitando ideias da juíza Valeria Lagrasta – que instalou e conduz um centro de solução de controvérsias na Comarca de

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Jundiaí/SP – e foi revisto por Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, que incluíram na proposta algumas regras do Substitutivo do Senado acima mencio-nado.

A Comissão do Senado acolheu em grande parte as propostas do Fona-me, e o projeto de novo CPC foi aprovado e remetido à Câmara dos Deputados.

6 O NOVO CPC NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

No amplo debate que o Deputado Barrada (primeiro relator) e poste-riormente o Deputado Paulo Teixeira (segundo relator) abriram em audiências públicas e posteriormente a processualistas de todos os cantos do País, o tra-tamento de conciliação e mediação judiciais foi em parte revisto. E assim, em 2014, o substitutivo da Câmara ao novo CPC foi aprovado por unanimidade, contemplando a matéria de modo satisfatório, conforme descrito abaixo.

A solução consensual de conflitos é muito valorizada pelo Substitutivo, que a contempla como obrigação do Estado, devendo ser estimulada por todos os operadores do Direito (art. 3º, §§ 2º e 3º) e prevê que o primeiro ato do pro-cesso, após o recebimento da inicial, consiste na audiência de conciliação ou de mediação (art. 335), que só pode ser dispensada se ambas as partes o pedi-rem (§ 4º, I) ou se o processo não admitir autocomposição (§ 4º, II).

Os Cejuscs são expressamente contemplados no Substitutivo. O art. 166 atribui aos “centros judiciais de solução consensual de conflitos” a responsabili-dade pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a au-tocomposição, determinando sua criação pelos tribunais. O § 1º do dispositivo determina que sua composição e organização serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça; e o § 2º, que só excepcionalmente as audiências ou sessões de conciliação e mediação po-derão realizar-se nos próprios juízos, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores. Estes, quando judiciais, são considerados auxiliares da justiça (art. 149) e, preenchido o requisito da capacitação mínima, devem ser inscritos no cadastro nacional e no cadastro do tribunal (art. 168 e § 1º), sendo que o registro poderá ser precedido de concurso público (§ 2º). O tribunal pode optar pela criação de quadro próprio (§ 6º). No entanto, o conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado no tribunal (art. 169, § 1º). O art. 170 prevê que o conciliador e o mediador receberão pelo seu traba-lho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, observada a gratuidade da justiça (§ 2º); e o § 1º permite que mediação e conciliação sejam realizadas como trabalho voluntário.

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O Substitutivo voltou ao Senado, para discussão e aprovação final, e por enquanto a nova comissão de juristas nomeada para examiná-lo não propôs qualquer modificação em relação à matéria.

7 OS PLS 405/2013 E 517/2011 FUNDIDOS NO PL 7.189/2014 E SEU DESCOMPASSO COM A DISCIPLINA DO CPC

Mas, enquanto o projeto de CPC tramitava na Câmara, duas comissões indicadas, respectivamente, pela Secretaria da Reforma do Judiciário e pelo Su-perior Tribunal de Justiça apresentaram projetos de leis sobre arbitragem, me-diação e conciliação, inclusive judiciais. Os dois projetos foram reunidos num substitutivo, já aprovado no Senado, e pendente de votação e aprovação na Câmara dos Deputados.

Houve reação imediata contra o projeto PL 7.189/2014 por parte do Ins-tituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – Cebepej e da Apamagis – Associação Paulista de Magistra-dos, que, em notas críticas, mostraram o desacerto da disciplina proposta para a mediação, examinando-a em profundidade.

Parecia, no entanto, que o Executivo, o Judiciário e o Legislativo tinham grande interesse na aprovação imediata da matéria, de modo que Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe redigiram um documento, centrado no descom-passo entre o PL 7.189/2014, de um lado e, do outro, a disciplina do Projeto de novo CPC e da própria Resolução nº 125 do CNJ.

Reproduz-se abaixo o documento, ao qual aderiram o Foname, o IASP, o Cebepej e a Apamagis:

Por quê o PL 7169/1014 não pode ser aprovado em relação à mediação ju-dicial?

Ada Pellegrini Grinover

Kazuo Watanabe

Professores da Faculdade de Direito da USP, Especialistas em Meios Alternati-vos de Solução de Conflitos.

Tendo bem presente a recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do novo Código de Processo Civil, que contém disciplina bem elaborada sobre a conciliação e mediação judiciais – e que deve retornar ao Senado Federal para aprovação final – as razões pelas quais somos contrários à aprovação do PL 7169/2014, nessa parte, terão como foco principal não apenas o de apontar os principais defeitos do PL, como também indicar as divergências entre as dis-posições do PL e as do Projeto de CPC, bem como as vantagens destas sobre aquelas.

Nossa análise será sintética, até porque já foram elaboradas Notas Críticas ao referido PL pelo Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, pelo Centro Bra-sileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – Cebepej e pela Apamagis – Associação

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Paulista de Magistrados, em que alguns dos temas abaixo destacados são exami-nados em profundidade.

Ainda como observação prévia, vale salientar que, embora se afirme que o PL seja resultado da combinação dos vários projetos propostos, não soube ele aproveitar, no que toca à mediação judicial, as valiosas contribuições do PLS 408/2013, nem as próprias diretrizes da Resolução CNJ nº 125/2010.

E, finalmente, cumpre notar que a redação final das regras do Projeto de CPC sobre conciliação e mediação partiu de uma proposta formulada pelo Fórum Nacional de Mediação – Foname, amplamente debatida na Câmara dos De-putados, seja quando o Projeto se encontrava sob a Relatoria do Deputado Barrada, seja quando era relator o Deputado Paulo Teixeira.

Portanto, diversamente do que ocorre com o PL – fruto apenas do pensamento de comissões –, as disposições sobre conciliação e mediação do Projeto de CPC resultaram de amplos debates e de um consenso democraticamente construído.

Passamos, portanto, a examinar os principais defeitos do PL, comparando suas disposições com as já aprovadas pela Câmara dos Deputados por intermédio do Projeto de CPC.

1. Mediação e conciliação. O PL trata apenas da mediação, sem qualquer refe-rência à conciliação e sem preocupação em distinguir um meio consensual de outro e, aliás, confundindo-os. Dizer que a conciliação já está prevista em nos-so sistema é ignorar que o que está previsto é apenas a conciliação conduzida pelo juiz, ao passo que o que necessita de regulamentação é a conciliação con-duzida pelo terceiro facilitador, ao lado da mediação. Ao contrário, mediação e conciliação, pelo terceiro facilitador, estão previstas e devidamente conceitua-das no Projeto de CPC (art. 166, §§ 3º e 4º).

2. PL: modalidade única de mediação. Ao definir a função do mediador, no § 1º do art. 4º, o PL contempla um único modelo de mediação (a chamada “media-ção facilitativa”), que, na verdade, não é forma de mediação, mas sim de conci-liação. No entanto, já estão sendo utilizadas no Brasil diversas modalidades de mediação (transformativa, transformativa/reflexiva e circular narrativa), de modo que o PL é nocivamente limitador. O Projeto de CPC não contém essa restrição, pois se limita a distinguir mediação de conciliação, indicando os conflitos para cuja solução é mais indicada uma ou outra modalidade, bem como as técnicas (flexíveis) a serem utilizadas num ou noutro caso (art. 166, § 3º e 4º).

3. PL: exclusão dos conflitos de família. Injustificadamente, o § 3º, I e II, do art. 3º do PL exclui do âmbito da mediação conflitos que versem sobre filia-ção, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio e interdição. Ora, é de conhecimento geral que os conflitos de família são os que mais se adequam e mais frequentemente são submetidos à solução conciliatória. A ideia aparente-mente encampada pelo PL sobre a indisponibilidade de certos direitos é equi-vocada e ultrapassada, pois, mesmo em relação a direitos indisponíveis, existe disponibilidade a respeito da modalidade, forma, prazos e valores no cumpri-mento de obrigações, passíveis de uma construção conjunta, e que são, assim, perfeitamente transacionáveis (como, v.g., na guarda dos filhos) e em que pode haver reconhecimento da pretensão (por exemplo, investigação de paternidade).

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O Projeto de CPC limita-se a afirmar que conciliação e mediação podem ser utilizadas em qualquer processo em que se admita a autocomposição (art. 335, § 4º, II).

4. PL: centralização e monopólio da capacitação e dos critérios para cadastra-mento. O art. 10, caput, do PL centraliza e monopoliza a capacitação de me-diadores, afirmando que só pode se cadastrar como mediador judicial quem “tenha obtido capacitação em escola de formação de mediadores reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça ou pela Escola Nacional de Mediação e Con-ciliação do Ministério da Justiça”. Ao contrário, o Projeto de CPC só exige que os Tribunais, para o credenciamento dos cursos, sigam os parâmetros curricu-lares da capacitação mínima definidos pelo CNJ em conjunto com o Ministério da Justiça (art. 168, § 1º). Não nos alongaremos a respeito da posição do PL, cujos malefícios foram exaustivamente apontados nas notas críticas do IASP, do Cebepej e da Apamagis, mas afirmamos peremptoriamente que essa centrali-zação e esse monopólio ferem de morte o princípio federativo e a autonomia dos Estados. Impede-se, com isso, toda e qualquer participação dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais no reconhecimento de cursos locais de formação – oferecidos pela iniciativa privada, pelo próprio Estado e pelas Universidades –, bem como nos critérios para o cadastramento. O mal já feito pela alteração da Resolução CNJ nº 125/2010, por meio da Emenda nº 01/2013, não pode ser perpetuado em lei.

5. PL: desconsideração da Política Judiciária Nacional instituída pela Resolução nº 125/2010 do CNJ. As unidades judiciárias criadas pela Resolução nº 125 do CNJ, quais sejam, os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, são completamente ignoradas pelo PL, em mais uma demonstração de centrali-zação e monopólio. O Projeto de CPC prevê expressamente a existência desses órgãos (art. 166).

6. Dispensa da tentativa de conciliação ou mediação: O Projeto de CPC prevê uma audiência de conciliação e mediação, obrigatória, com a única exceção de ambas as partes a dispensarem (art. 355, caput, e § 4º, I). E, se houver litiscon-sórcio, o desinteresse deve ser manifestado por todos (§ 6º do art. 355). Segundo o art. 25 do PL, o encaminhamento ao mediador fica a critério do juiz, salvo quando o autor o recusar. Ora, conciliação e mediação não podem ser impos-tas, mas é salutar que as partes compareçam perante o terceiro facilitador, até para efeito de conhecimento sobre os meios consensuais de solução do conflito. Pesquisas comprovam que nos Juizados Especiais, onde a tentativa de concilia-ção é obrigatória, frequentemente a conciliação é aceita por quem – entrevista-do – se dizia contrário a ela. No PL, portanto, diversamente do que ocorre com o Projeto de CPC, não há estímulo para criar a cultura do consenso.

7. Incentivo aos meios consensuais. O Projeto de CPC prevê sanção pecuniária para a parte que não comparecer, injustificadamente, à audiência de concilia-ção e mediação (art. 342, § 8º). Nada disto existe no PL, em mais uma demons-tração da falta de incentivo para a consolidação da cultura dos meios consen-suais.

8. Obrigatoriedade da presença do advogado ou defensor. O Projeto de CPC contempla a obrigatoriedade da presença do advogado ou defensor público na

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������83

audiência de conciliação e mediação (art. 342, § 9º). No PL, essa presença é meramente facultativa (art. 16, caput), só havendo possibilidade de a outra par-te solicitar defensor ad hoc se a outra estiver assistida por advogado (parágrafo único do art. 16). Isto vulnera o Estatuto da OAB.

9. Autonomia da vontade na escolha do mediador ou conciliador. No Projeto de CPC, as partes poderão sempre escolher o conciliador ou mediador, de co-mum acordo (art. 169, caput), inclusive se não estiver cadastrado no tribunal (§ 1º do art. 169). O art. 24 do PL, na mediação judicial, só contempla a de-signação por distribuição (o que, por sinal, contraria o disposto no art. 4º do próprio PL). Seja como for, a postura do PL contraria o princípio da autonomia da vontade.

10. Formalização indesejada do procedimento de mediação. O PL formaliza de-masiadamente o procedimento de mediação, disciplinando minuciosamente o termo inicial da mediação (art. 17 e parágrafos) e seu termo final (art. 20, ca-put, e § 1º). O Projeto de CPC, ao contrário, privilegia a autonomia da vontade dos interessados, inclusive no que diz respeito às regras procedimentais (§ 4º do art. 157). A desformalização do procedimento de mediação é uma de suas mais importantes características e vantagens.

11. Mediação judicial nos cartórios extrajudiciais. O art. 41 do PL permite que a mediação judicial seja realizada junto aos cartórios extrajudiciais. Entendemos, porém, que a mediação judicial, como técnica inserida no campo da política judiciária, considerada hoje até como modalidade de jurisdição, não pode estar dissociada dos tribunais. O art. 166, caput, determina que as sessões de conci-liação e mediação judicial devem ocorrer junto aos centros judiciais de solução consensual de conflitos ou, excepcionalmente, nos próprios juízos (§ 4º). Presti-gia-se, assim, o Poder Judiciário, o que não ocorre com o PL.

Conclusão. Por todas essas razões – que envolvem apenas as críticas principais ao PL 7169/2014 –, posicionamo-nos contrariamente à sua aprovação, no que tange à mediação judicial, pois esta representaria um retrocesso em relação ao pensamento dos especialistas na matéria e uma contradição com o que a Câma-ra dos Deputados já aprovou sobre o assunto por intermédio do Projeto de Lei do Código de Processo Civil.

8 O SUBSTITUTIVO AO PLS 517/20111

Foi pela via da intermediação do Deputado Paulo Teixeira – relator do Substitutivo ao CPC aprovado na Câmara dos Deputados – que se obteve o com-promisso da Secretaria da Reforma do Judiciário (com a anuência do Presidente da Comissão do STJ) no sentido de que o PL 7.189/2014 teria que se adequar ao texto do CPC aprovado na Câmara e à filosofia da Resolução nº 125/2011 do CNJ. Dessas negociações resultou um Substitutivo compatível com as regras do novo CPC, no que diz respeito à conciliação/mediação judiciais, rotulado como texto final do Projeto de Lei do Senado nº 517/2011.

1 Do qual se originou o PL 7189/2014.

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Apresenta-se, a seguir, o texto do novo Projeto que deverá ser apreciado pela Câmara dos Deputados (em itálico, as modificações introduzidas):

Senado Federal

Secretaria-Geral da Mesa

Secretaria de Comissões

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Texto final do Projeto de Lei do Senado nº 517, de 2011

Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que:

“Dispõe sobre a mediação e outras práticas consensuais de resolução de dis-putas entre particulares e sobre a composição de conflitos no âmbito da Ad-ministração Pública.”

O Congresso Nacional decreta:

“Art. 1º Esta lei dispõe sobre procedimentos de resolução apropriada de conflitos por intermédio da mediação bem como de outras práticas consen-suais, como a conciliação, entre particulares, e sobre a composição de con-flitos no âmbito da Administração Pública.

§ 1º A mediação e a conciliação, dentre outros, são métodos consensuais de solução de conflitos, complementares à solução adjudicada através da sentença.

§ 2º Aplicam-se a conciliação e a mediação para a resolução consensual de conflitos envolvendo pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado, nos termos do que dispõe o Capítulo I desta lei.

§ 3º A composição de conflito em que ao menos uma parte é pessoa jurídica de direito público seguirá o regramento estabelecido no Capítulo II desta lei.

Parágrafo único. Os métodos consensuais de solução de conflitos, como princípios de pacificação social, visam a tornar efetivos os princípios da dig-nidade da pessoa humana, do acesso à justiça, da duração razoável do pro-cesso, e os direitos sociais, tais como previstos na Constituição Federal.”

Capítulo I Da Mediação

Seção I

Disposições Gerais

“Art. 2º A mediação e a conciliação serão orientadas pelos seguintes prin-cípios:

I – imparcialidade do conciliador/mediador;

II – independência;

III – autonomia da vontade das partes;

VI – competência;

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������85

V – validação de sentimentos;

VI – decisão informada das partes quanto aos seus direitos e os contextos fáticos nos quais estão inseridos;

VII – empoderamento das partes;

VIII – confidencialidade.

Parágrafo único. Ninguém será obrigado a submeter-se a procedimento de mediação.”

“Art. 3º Somente pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre matéria que admita transação.

§ 1º A mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele.

§ 2º Os acordos envolvendo direitos indisponíveis e transigíveis devem ser homologados em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público quando hou-ver interesse de incapazes.

§ 3º Não se submete à mediação o conflito em que se discute:

I – excluir;

II – excluir;

III – recuperação judicial ou falência.”

Seção II

Dos Mediadores

Subseção I

Disposições Comuns

“Art. 4º O mediador será escolhido pelas partes ou, se for indicado, deverá ser por elas aceito. O conciliador poderá ser escolhido pelas partes ou indi-cado pelo juiz.

§ 1º O mediador conduzirá o processo de comunicação entre as partes, in-centivando o diálogo, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito (excluir: por acordo).

§ 2º No desempenho de sua função, o mediador procederá com imparciali-dade, independência, diligência e discrição.

§ 3º O conciliador conduzirá o processo de comunicação entre as partes, sugerindo soluções para o conflito, se entender pertinentes, buscando o con-senso, através do acordo.

Art. 5º Aplicam-se ao mediador e ao conciliador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz.

Art. 6º O mediador e o conciliador ficarão impedidos de assessorar, repre-sentar ou patrocinar qualquer parte que tenha se submetido a sessão por ele conduzida nos dois anos anteriores.

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Art. 7º Salvo acordo em sentido contrário, o mediador ou o conciliador não poderá atuar como árbitro, nem funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha atuado como me-diador.

Art. 8º O mediador, o conciliador e todos aqueles que os assessoram no pro-cedimento (excluir: de mediação), quando no exercício de suas funções ou em razão delas, são equiparados a servidor público, para os efeitos da legis-lação penal.”

Subseção II

Dos Mediadores Extrajudiciais

“Art. 9º Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa ca-paz, que tenha a confiança das partes e que seja devidamente capacitada em mediação, com certificado emitido por entidade de ensino reconhecida, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho ou associação ou nele inscrever-se.”

“Subseção III

Dos Mediadores e Conciliadores Judiciais

Art. 10. Poderá atuar como mediador ou conciliador judicial a pessoa ca-paz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de ins-tituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capa-citação em escola ou entidade de formação de conciliadores e mediadores, habilitada pelo respectivo tribunal, observados os parâmetros estabelecidos (excluir: reconhecida) pelo Conselho Nacional de Justiça, ou através da Es-cola Nacional de Mediação e Conciliação do Ministério da Justiça.

§ 1º Os tribunais manterão cadastros atualizados dos conciliadores e media-dores habilitados e autorizados a atuar em conciliação e mediação judiciais, fixando critérios e requisitos para inclusão no cadastro.

§ 2º A inscrição no cadastro de conciliadores e mediadores judiciais será requerida pelo interessado ao tribunal com jurisdição na área em que pre-tenda exercer a função.

§ 3º Será compulsoriamente excluído do cadastro o conciliador ou o media-dor que:

I – violar os princípios previstos nesta lei;

II – sendo impedido ou suspeito, atuar em procedimento de conciliação ou mediação;

III – for condenado definitivamente em decorrência de ação penal ou de im-probidade administrativa.

§ 4º Nos casos dos incisos I e II do § 3º, o procedimento disciplinar para a exclusão do cadastro de conciliadores e mediadores será processado e jul-gado perante o tribunal sob cuja jurisdição houver ocorrido a infração, asse-gurado o direito ao contraditório.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������87

§ 5º O tribunal deverá informar o nome dos conciliadores e mediadores que forem excluídos de seu cadastro ao Conselho Nacional de Justiça, que enca-minhará tal informação aos demais tribunais, para que procedam à imediata exclusão, sem necessidade de procedimento disciplinar.

§ 6º O conciliador ou mediador que for excluído compulsoriamente do ca-dastro de conciliadores e mediadores de um tribunal não será mais admitido em nenhum outro.

§ 7º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados serão avaliados pe-riodicamente por grupo de supervisão, e deles deverá ser exigido certificado de conclusão de curso de reciclagem e aperfeiçoamento, pelo juiz coorde-nador da unidade judiciária na qual prestam serviço.”

“Art. 11. A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada em lei e será custeada pelas partes.

Parágrafo único. A gratuidade em relação à parte que alega ser juridicamen-te pobre dependerá da decisão do juiz.”

“Seção III

Do Procedimento de Mediação

Subseção I

Disposições Comuns

Art. 12. A pessoa designada para funcionar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstân-cia que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito, oportunidade em que poderá ser recusado por qual-quer delas.

Art. 13. No início da primeira reunião de mediação, e sempre que julgar ne-cessário, o mediador deverá alertar as partes acerca das regras de conduta e princípios éticos aplicáveis ao procedimento.

Art. 14. A requerimento das partes ou do mediador, com anuência daquelas, poderão ser admitidos outros mediadores para funcionarem no mesmo pro-cedimento, quando isso for recomendável em razão da natureza e da com-plexidade do conflito.

Art. 15. Ainda que haja processo arbitral ou judicial em curso, as partes po-derão submeter-se a mediação, hipótese em que requererão ao juiz ou árbi-tro a suspensão do processo por prazo suficiente para a conclusão do proce-dimento.

§ 1º É irrecorrível a decisão que suspende o processo nos termos requeridos de comum acordo pelas partes.

§ 2º A suspensão do processo não obsta a concessão de medidas de urgên-cia pelo juiz ou pelo árbitro.

Art. 16. As partes poderão ser assistidas por advogados.

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Parágrafo único. Se apenas uma das partes estiver assistida por profissional da advocacia, as outras poderão solicitar a nomeação de defensor ad hoc.

Art. 17. Considera-se instituída a mediação na data em que for firmado seu termo inicial.

§ 1º Constarão do termo inicial de mediação:

I – a qualificação das partes e dos seus procuradores, quando houver;

II – o nome, a profissão e o domicílio do mediador ou dos mediadores e, ainda, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de mediadores;

III – a descrição do conflito submetido à mediação;

IV – a discriminação da responsabilidade pelo pagamento das despesas com a mediação e dos honorários do mediador, independentemente de se chegar a consenso;

V – local, data e as assinaturas do mediador, das partes e dos seus procura-dores, quando houver.

§ 2º Poderão as partes incluir no termo inicial de mediação outras matérias que entendam relevantes, inclusive os limites do dever de confidencialidade aplicável a todos os envolvidos no procedimento, signatários do termo ini-cial de mediação.

§ 3º Enquanto transcorrer o procedimento de mediação, ficarão suspensos os prazos de prescrição e decadência, a partir da data da assinatura do ter-mo inicial.

§ 4º Na mediação judicial pré-processual, sempre deverá ser lavrado o ter-mo inicial. Na mediação judicial processual, havendo uma única reunião, fica dispensado o termo inicial.

Art. 18. Instituída a mediação, as reuniões posteriores com a presença das partes somente poderão ser marcadas com a sua anuência.

Art. 19. No desempenho da sua função, o mediador poderá reunir-se com as partes, em conjunto ou separadamente, ouvir terceiros e solicitar das par-tes informações que entender necessárias para o esclarecimento dos fatos e para facilitar o entendimento (excluir: entre as partes).

Art. 20. O procedimento de mediação será encerrado lavrando-se seu termo final, quando for celebrado acordo ou quando não se justificarem novos es-forços para a obtenção de consenso, seja por declaração do mediador nesse sentido ou por manifestação de qualquer das partes.

§ 1º O termo final de mediação conterá:

I – a qualificação das partes e dos seus procuradores e prepostos, quando houver;

II – o resumo do conflito;

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III – a descrição do acordo, com os direitos e obrigações de cada parte, ou a declaração ou manifestação de não ser mais possível a obtenção de solução consensual;

IV – local, data, a assinatura do mediador e, caso tenha sido celebrado acor-do, as assinaturas das partes e dos seus procuradores, quando houver.

§ 2º O termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, cons-titui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, títu-lo executivo judicial.

Subseção II

Da Mediação Extrajudicial

Art. 21. O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial poderá ser feito por qualquer meio de comunicação.

Parágrafo único. O convite formulado por uma parte a outra considerar-se-á rejeitado se não for respondido no prazo estipulado em contrato ou, na falta deste, em até trinta dias da data de seu recebimento.

Art. 22. Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao me-diador discipliná-lo tendo em conta as circunstâncias do caso, os interesses expressados pelas partes e a necessidade de uma solução expedita para o conflito.

Art. 23. No termo inicial de mediação, as partes podem se comprometer a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, mas se o procedimento arbi-tral ou processo judicial já tiver sido iniciado, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento da condição, estipulados pelas partes.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o pereci-mento de direito.”

Subseção III

Da Conciliação e da Mediação Judiciais

“Art. 24. A mediação judicial caracteriza-se pela sua utilização no âmbito do Poder Judiciário, podendo ser prévia ou incidental.

§ 1º A mediação prévia, em geral, facultativa, será realizada antes de instau-rada a demanda.

§ 2º A mediação incidental, que poderá advir de indicação do magistrado ou pedido das partes, se realizará no curso do processo, após instaurada a relação processual e versará sobre todo o conflito ou sobre parte dele.

§ 3º O comparecimento à sessão de mediação e a participação na mediação, que se caracteriza pelo engajamento no procedimento de media-ção, com comprometimento, são sempre facultativos, não acarretando a au-sência ou recusa da parte, sanção de qualquer natureza.

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§ 4º O mediador será designado pelo Magistrado, dentre os cadastrados no respectivo tribunal, podendo as partes recusá-lo, fundamentadamente, caso em que será substituído.

Art. 25. O Magistrado poderá suspender o processo pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias, para a realização da mediação, retornando o processo seu curso normal após esse prazo, obtido ou não o acordo. A mediação poderá prosseguir paralelamente ao processo, se as partes assim o desejarem.

Art. 26. Os tribunais criarão Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conci-liação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxi-liar, orientar e estimular a autocomposição, bem como por serviços de cida-dania e orientação jurídica.

§ 1º A instalação, composição e organização dos Centros Judiciários de So-lução de Conflitos e Cidadania serão definidas pelos tribunais, através do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, ob-servadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

§ 2º Em casos excepcionais, as audiências ou sessões de conciliação e me-diação poderão realizar-se nos próprios juízos, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores devidamente capacitados.

§ 3º O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania é unidade ju-diciária, que se subdivide em setor pré-processual de solução de conflitos, setor processual de solução de conflitos e setor de cidadania.

Art. 27. O setor pré processual de solução de conflitos recepcionará casos que versem sobre direitos disponíveis em matéria cível, de família, previden-ciária e da competência dos Juizados Especiais, que serão encaminhados, através de servidor devidamente treinado, para a conciliação, a mediação ou outro método de solução consensual de conflitos disponível.

§ 1º O interessado poderá comparecer pessoalmente, por meio de represen-tante legal ou remeter sua pretensão via e-mail com os dados essenciais, ca-bendo ao funcionário colher sua reclamação, sem reduzi-la a termo, e emi-tir, no ato, carta convite à parte contrária, informando a data, hora e local da sessão de conciliação ou mediação, que deverá se realizar no prazo máxi-mo de 30 (trinta) dias.

§ 2º A carta convite será encaminhada ao destinatário, pelo próprio recla-mante, pelo correio ou por qualquer meio idôneo de comunicação, como telefone, fax ou meio eletrônico. A única anotação que se fará sobre o caso no setor será a referente aos nomes dos interessados na pauta de sessões.

§ 3º Obtido o acordo na sessão, será homologado por sentença pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, após a manifestação do representante do Ministério Público, se for o caso, com registro em livro próprio, sem distribuição. O termo do acordo será arquiva-do em meio digital, com a restituição dos documentos aos interessados.

§ 4º Não obtido o acordo, os interessados serão orientados a buscar a so-lução do conflito nos Juizados Especiais ou na Justiça Comum. Nos casos

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de competência dos Juizados Especiais, desde logo será reduzida a termo a reclamação, com seu encaminhamento ao Juizado competente, preferen-cialmente por meio digital, dispensada a realização de nova sessão de con-ciliação.

§ 5º Obtido ou não o acordo, serão lavrados termos inicial e final de me-diação, e mesmo no caso de sessão prejudicada por ausência de uma ou de ambas as partes, será colhida a qualificação completa dos interessados com CPF ou CNPJ, para fins estatísticos.

§ 6º Descumprido o acordo, o interessado, munido do respectivo termo, po-derá ajuizar ação de execução de título judicial segundo as regras de com-petência.

Art. 28. O setor de solução de conflitos processual receberá processos já distribuídos e despachados pelos magistrados, que ao apreciarem a petição inicial ou em fase posterior, indicarão o método de solução de conflitos a ser seguido, encaminhando os autos para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania.

§ 1º Apreciada a petição inicial, será determinada a citação e intimação da parte, por carta ou mandado, para comparecimento à sessão no Centro Judi-ciário de Solução de Conflitos e Cidadania, constando da carta ou mandado que o prazo para apresentação de eventual resposta começará a fluir a partir da data da sessão.

§ 2º Os advogados das partes serão necessariamente intimados para a ses-são, pela imprensa ou por outro meio de comunicação certificado nos autos. Para aquele que comparecer sem advogado, deverá ser nomeado defensor público.

§ 3º O conciliador ou mediador poderá convocar para a sessão, com a concordância das partes, profissionais de outras áreas, como médicos, en-genheiros, contadores, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, que po-derão auxiliar a esclarecer a questão controvertida, contribuindo para a so-lução amigável do litígio, proibida a utilização desses esclarecimentos como prova no processo.

§ 4º A requerimento das partes e se entender conveniente, o conciliador ou mediador poderá redesignar a sessão, desde que o faça dentro do prazo de 30 (trinta) dias.

§ 5º Após a sessão, obtido ou não o acordo, os autos retornarão ao órgão de origem, para extinção do processo ou prosseguimento dos trâmites proces-suais normais.

Art. 29. Na conciliação e na mediação judiciais, obtido o acordo, finalizada a sessão sem acordo, ou prejudicada por ausência de uma ou de ambas as partes, lavrar-se-á termo, que deverá ser assinado pelas partes, seus advoga-dos e pelo mediador.

§ 1º O termo de acordo ou o termo de sessão sem acordo deverá conter:

I – identificação das partes presentes;

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II – domicílio das partes nas quais receberam notificação das sessões de mediação;

III – comparecimento ou não do requerido e de terceiros notificados na for-ma desta lei ou não localizados no endereço informado;

IV – objeto da controvérsia;

V – se houve acordo total ou parcial, ou não;

VI – assinaturas das partes, de seus advogados e do mediador;

VII – habilitação do mediador na forma da lei.

§ 2º O termo de acordo obtido em conciliação ou mediação judicial ou em conciliação ou mediação extrajudicial incidental deverá ser necessariamen-te homologado pelo Magistrado para que possa produzir seus efeitos proces-suais.

§ 3º O juiz ouvirá o Ministério Público sobre o termo de acordo, nas hipóteses de sua intervenção como fiscal da ordem jurídica.

§ 4º É lícito às partes renunciar ao prazo recursal no próprio termo de acor-do.

Art. 30. O setor de cidadania prestará serviços de informação, orientação ju-rídica, emissão de documentos, serviços psicológicos e de assistência social, entre outros.”

“Exclusão total da Seção IV”

Manutenção do Capítulo II, alterando-se tão somente a numeração dos artigos.

Manutenção do Capítulo III com alteração da numeração dos artigos.

Exclusão do art. 41.

CONCLUSÃO

O clima de incerteza ainda impera a respeito do desfecho da verdadeira “novela” sobre a institucionalização da Política Nacional Judiciária dos meios consensuais de solução de conflitos no Brasil – até porque ainda não se pode prever qual o diploma legal que vai ser sancionado antes: se o novo CPC ou a Lei sobre Mediação.

No entanto, parece que, superadas as vaidades pessoais e institucionais, estamos caminhando rumo ao consenso em relação ao tratamento adequado da mediação e conciliação judiciais. E, como os dois diplomas não são incompatí-veis, mas complementares, entendemos que as regras do último a ser aprovado não derrogarão as do primeiro, devendo ambos ser interpretados em harmonia, em consonância com a moderna teoria do diálogo das fontes.

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Parte Geral – Doutrina

O Sepultamento da “Penhora On-Line” – Constrição de Ativos Financeiros

ROGÉRIO MONTAI DE LIMAJuiz de Direito do TJRO, Doutorando em Direito Público pela UNESA/RJ e Professor de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

Discute-se no Congresso Nacional a criação de um novo Código de Pro-cesso Civil em substituição ao atual, de 1973. O Projeto de Lei nº 8.046/2010 encontra-se em fase final de aprovação dos destaques na Câmara dos Depu-tados.

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 11.02.2014, por 279 votos a 102 e 3 abstenções, emenda que impede o blo-queio de contas e investimentos bancários em “caráter provisório”. Pelo que foi aprovado pelos deputados, seria autorizado o bloqueio de contas do devedor depois da sentença. Um retrocesso.

Segundo as justificativas dos parlamentares:

A Justiça abusa desse instrumento e congela preliminarmente as contas das pes-soas antes de elas serem citadas; essa penhora hoje é motivo de falência ou de sufoco das empresas; a Justiça bloqueia contas de pessoas que foram sócias de uma empresa, mesmo que elas não tenham relação com a dívida; hoje, com uma simples petição, se bloqueia saldos que uma pessoa tenha em qualquer banco; o juiz tem acesso a um sistema do Banco Central, o Bacen-Jud, que per-mite o congelamento das contas com um clique; isso é uma prática predatória, disse; a penhora de contas é uma medida violenta, que só deve ser usada no final do processo.1

Para comentar o instrumento processual de bloqueio de ativos financei-ros é necessário um breve escorço histórico da legislação processual civil brasi-leira quanto à penhora e à efetividade do processo de execução.

Todo o processo de execução, na forma como regulada inicialmente pelo CPC de 1973, acabava por prestigiar o devedor inadimplente, criando uma sé-rie de oportunidades para procrastinação da realização dos direitos do credor. Como exemplos, a suspensividade dos embargos; a possibilidade de defesas procrastinatórias mesmo fora do âmbito dos embargos; a necessidade e a difi-culdade de intimação pessoal do devedor; a dificuldade de localização e cons-

1 Críticas disponíveis em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/direito-e-justica/461870-cama - ra-aprova-emenda-ao-novo-cpc-e-limita-bloqueio-de-contas-em-acoes-civeis.html>. Acesso em: 12 fev. 2014.

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trição de bens do executado; a irracionalidade da regulamentação da expropria-ção desses bens, etc. Estes problemas foram, em tese, corrigidos.

Destaca-se que, tendo o devedor a prerrogativa de indicar bens à penho-ra, no mais das vezes, indicava patrimônio de baixa liquidez ou de qualquer forma inadequado à realização de direitos do credor, e, comparada com outros bens que compunham o seu patrimônio, tal atitude acabava tendo reflexos ne-gativos para a execução, retardando a solução jurisdicional.

Todos estes fatos prejudicavam de maneira decisiva a realização rápida e eficaz dos direitos do credor. Daí porque a Lei nº 11.382/2006 buscou dar respostas a esses entraves à realização dos direitos do credor.

A Lei nº 11.382/2006 trouxe inúmeras e importantes mudanças na sis-temática processual, completando a reformulação do processo de execução e redefinindo, entre outras coisas, a fase de expropriação de bens no CPC atual.

Pelas normas processuais hoje em vigor, não há mais a obrigatoriedade de o devedor nomear bens à penhora. Atualmente, o credor pode, em regra, in-dicar bens do devedor à penhora na própria petição inicial, facilitando e orien-tando o trabalho do Oficial de Justiça na realização da constrição.

Todavia, deverá o credor obedecer à ordem do art. 655 do CPC, que é decrescente em termos de liquidez.

A lista vai de dinheiro (absolutamente líquido) até direitos e ações, pas-sando por imóveis, navios e aeronaves (com baixa liquidez).

Nos termos atuais, a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – veículos de via terrestre; III – bens móveis em geral; IV – bens imóveis; V – navios e aeronaves; VI – ações e quotas de sociedades empresárias; VII – percentual do faturamento de empresa devedora; VIII – pedras e metais preciosos; IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI – outros direitos.

Ressalvada penhora em dinheiro, que é sempre prioritária, a ordem re-ferida nos incisos do caput deste artigo não tem caráter absoluto, podendo ser alterada pelo juiz de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Também existe a possibilidade de substituição do bem penhorado. É di-reito do executado requerer a substituição do bem penhorado desde que cum-pridos alguns requisitos.

Assim, pode o executado requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a referida substituição não trará prejuízo algum ao exequente e será menos onerosa para o devedor.

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Na hipótese, ao executado incumbe, quanto aos bens imóveis, indicar as respectivas matrículas e registros, situá-los e mencionar as divisas e confron-tações; quanto aos móveis, particularizar o Estado e o lugar em que se encon-tram; quanto aos semoventes, especificá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se encontram; quanto aos créditos, identificar o devedor e qualificá-lo, descrevendo a origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento; atribuir valor aos bens indicados à penhora.

Ademais, como já citado, a substituição do bem penhorado somente será aceita se o bem apresentado melhor atender aos princípios da utilidade da exe-cução e da menor onerosidade para o executado.

A substituição do bem penhorado não poderá trazer prejuízo ao credor, sendo de maior liquidez e, portanto, de mais fácil e rápida expropriação, uma vez que a execução se faz no interesse do credor, mesmo que de modo menos oneroso ao devedor.

Percebe-se que a substituição do bem penhorado por dinheiro é sempre possível, diante da evidente utilidade que tal medida representa para a execu-ção, evitando-se a prática de atos de expropriação. Por outro lado, quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

O art. 656 do CPC também autoriza a substituição do bem penhorado por qualquer das partes, desde que presentes quaisquer das hipóteses previstas nos seus incisos. Nessas hipóteses, não há prazo preclusivo para que façam o requerimento, podendo ser realizada enquanto não ocorrer a expropriação do bem.

Nessa linha, a parte poderá requerer a substituição da penhora: I – se não obedecer à ordem legal; II – se não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento; III – se, havendo bens no foro da execução, outros houverem sido penhorados; IV – se, havendo bens livres, a penhora houver recaído sobre bens já penhorados ou objeto de gravame; V – se incidir sobre bens de baixa liquidez; VI – se fracassar a tentativa de alienação judicial do bem; VII – se o devedor não indicar o valor dos bens ou omitir qual-quer das indicações a que se referem os incisos I a IV do parágrafo único do art. 668 desta lei.

É a facilidade de alienação que determina a ordem legal. Por isso é que sempre se admite, em qualquer fase da execução, a substituição do bem penho-rado por dinheiro.

Não obstante seja prioridade do credor a indicação de bens à penhora, não se nega o dever do executado de colaborar com o juízo, indicando, caso necessário, onde está seu patrimônio. Pela regra atual, é dever do executado, sempre que intimado, indicar onde estão seus bens penhoráveis.

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Caso o devedor não seja encontrado para citação, mas seus bens sejam localizados, a execução deve prosseguir, procedendo-se ao arresto desses bens. Assim, o oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução. Esse arresto tem natureza de medida cautelar incidental, pois visa garantir a existência de bens vinculados à execução, evitando-se sua dilapidação pelo devedor.

Se não forem localizados bens do devedor, a execução fica suspensa, aguardando no arquivo o aparecimento de bens do devedor. No caso de insu-ficiência do bem penhorado, bem como no caso de não se encontrar quaisquer bens penhoráveis do devedor, o oficial descreverá na certidão os que guarne-cem a residência ou o estabelecimento do devedor.

Tal providência visa possibilitar o controle pelo juízo, aferindo-se, real-mente, se não é possível penhorar algum bem da residência do devedor que não se incluem na proteção legal da impenhorabilidade.

Os bens penhorados são apreendidos e deixados sob a guarda de deter-minada pessoa, aguardando-se a futura alienação judicial. O auto de penhora deve conter a data e o local no qual foi realizada, o nome das partes, a descri-ção precisa dos bens e a nomeação de um depositário.

A penhora, então, deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios e é o ato que tem a função de individualizar os bens que serão expropriados para o pagamento do credor.

Referidas considerações são importantes para se demonstrar quão impor-tante é a possibilidade da constrição de dinheiro/ativos financeiros.

PENHORA ON-LINE DE ATIVOS FINANCEIROS

Como novidade, e buscando máxima efetividade na constrição de di-nheiro – que possui maior liquidez, a Lei nº 11.382, de 06.12.2006, também regulamentou a penhora de ativos financeiros, popularmente conhecida como “Penhora on-line”2.

A penhora em depósito ou aplicação financeira poderá ser realizada por meio do Sistema Bacen-Jud, por meio eletrônico. O juiz, então, determina o bloqueio dos bens do devedor até o limite da dívida.

Para a efetividade da medida, é óbvio que não se avisa antes o devedor. Aqui, o contraditório é mitigado.

No caso, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplica-ção financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade

2 Nomenclatura equivocada, pois, como se verá na sequência, a constrição, embora realizada por meios eletrônicos, não ocorre on-line e pode levar dias para seu aperfeiçoamento.

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supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, infor-mações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo, no mes-mo ato, determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplica-ção até o valor indicado na execução. Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se a hipóteses revestidas de impenhorabilidade. Salário, por exemplo.

A rigor, o Banco Central informa o juízo no prazo de 24 horas os valores bloqueados e as respectivas contas atingidas. Por isso, recebendo a informação de bloqueio, o juiz deve liberar os numerários que superam o valor da dívida, transferindo para conta judicial apenas o valor necessário para o pagamento da obrigação.

É bem verdade que essa modalidade de penhora poderá atingir todo e qualquer ativo financeiro, não sendo possível excluir aprioristicamente aplica-ções ou verbas por sua natureza. Todavia, com simples requerimento ao Magis-trado, eventual impenhorabilidade poderá ser corrigida.

É ônus do executado provar que os valores bloqueados são impenhorá-veis (verbas de natureza alimentar).

Antes da reforma de 2006, a opção ou determinação dessa modalidade de penhora era questão jurisdicional que não vinculava o juiz. Assim, o juiz poderia decidir se realizava ou não penhora por meio de meios eletrônicos. Atualmente, a penhora de ativos financeiros é obrigação funcional do juiz.

A proposta inicial sobre a penhora de ativos financeiros constante no PL 8046/2010 era no sentido de que, para possibilitar a constrição de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequen-te, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinaria às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que tornasse indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

O juiz deveria determinar o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva. Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este seria intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente.

Incumbia ao executado comprovar que as quantias indisponibilizadas eram impenhoráveis ou que ainda remanescesse indisponibilidade excessiva de ativos financeiros. Acolhida qualquer das arguições dos incisos, o juiz determi-naria o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deveria ser cumprido pela instituição financeira.

Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter--se-ia a indisponibilidade em penhora, e lavrar-se-ia o respectivo termo, de-

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vendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que transferisse o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.

Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinaria imediatamente à autoridade supervisora a notificação da instituição financeira para que cancelasse a indisponibilidade.

Essas transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de determinação de penhora seriam feitas por meio de sistema eletrônico ge-rido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.

Destaca-se que a instituição financeira deverá ser responsável pelos pre-juízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo fixado.

Em linhas gerais, o que quis inicialmente o projeto do novo código foi re-gulamentar ainda mais e fixar regras claras para a penhora de ativos financeiros.

Conforme se viu, a Câmara dos Deputados aprovou emenda que impede a realização da penhora de ativos financeiros com o consequente bloqueio de contas e investimentos bancários em caráter provisório, ou seja, antes da sen-tença.

Frisa-se que medidas que antecipam tutela figuram em sistema processu-al há muito tempo. Como exemplo, a Lei nº 8.952, de 13.12.1994, introduziu no CPC atual o instituto da antecipação de tutela, possibilitando a satisfação do autor, por meio do atendimento de sua pretensão, desde que preenchidos certos requisitos, ainda no curso da cognição3.

Com o novo texto, o que já quase não funcionava, ficará ainda pior. É que, em regra, devedores já possuem amplo conhecimento da possibilidade de penhora de ativos financeiros e quando são acionados judicialmente (ou ainda em vias de ser), geralmente deslocam seu patrimônio para outro investimento, escapando desse mecanismo judicial de expropriação, tornando-o ineficaz.

Nos dias atuais, a penhora de ativos financeiros tem funcionado, na ma-ciça maioria dos casos, somente quando grandes empresas, sólidas e com am-plo patrimônio, figuram como devedoras. Há casos, inclusive, que as empresas já disponibilizam ao juízo uma conta só para a finalidade de, se o caso, blo-quear os valores nela constantes.

3 Nesse caso, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

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Em casos mais simples e/ou em processos nos quais figuram pessoas na-turais na condição de devedoras/executadas, raramente essa medida constritiva tem dado bons resultados.

Uma saída encontrada pelo legislador projetista do novo Código de Pro-cesso Civil, ao regulamentar e tentar “salvar” a penhora de ativos financeiros, visando evitar que o devedor se desfaça preliminarmente de seu patrimônio, foi autorizar, positivando na letra do código, que o juiz, na constrição de di-nheiro em depósito ou em aplicação financeira, a requerimento do exequente, pudesse deferi-la, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinando às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que tornasse indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado.

Referida regra encontra respaldo no princípio da Efetividade do Processo, já que o processo é instrumento (efetivo) de realização do direito material.

Ao vedar essa possibilidade, exigindo que o bloqueio de ativos financei-ros seja realizado somente após uma sentença ou quiçá depois do trânsito em julgado, os deputados federais sepultaram o referido instituto.

Espera-se que o Senado Federal reveja esse ponto e mantenha a possi-bilidade e a eficiência de bloqueio de ativos financeiros por meio de medidas liminares de urgência, antecipatórias, ou por qualquer nomenclatura que se prefira utilizar. Mantendo a regra aprovada pela Câmara dos Deputados, a úni-ca esperança será o veto presidencial.

Hoje, a família da “penhora on-line” convida a todos os seus familiares e amigos para seu sepultamento que ocorre neste momento na câmara dos de-putados em Brasília.

É incrível, mas pior do que está, pode ficar!

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Parte Geral – Doutrina

Notas sobre os Efeitos da Citação: o Problema da Litispendência

JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJOPós-Doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), Doutor e Mestre (Universidade Federal do Pará), Professor Titular da Universidade da Amazônia, do Centro Universitário do Estado do Pará e da Faculdade Metropolitana de Manaus, Procurador do Estado do Pará, Advogado (www.henriquemouta.com.br).

RESUMO: o texto procura enfrentar os vários conceitos de litispendência e suas consequências processuais em relação a temas como processos simultâneos, quando começa a ação, elementos da ação, efeitos da citação etc.

PALAVRAS-CHAVE: Elementos da ação; início da ação; litispendência para o autor; litispendência para o réu; extinção do processo; boa-fé; efeitos da citação.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Litispendência no quadro comparativo de ações; 2 Litispendência e o início da ação: Questionamentos a serem enfrentados; 3 Qual a primeira ação em caso de causas simul-tâneas? Análise sobre a existência de efeito retroativo em relação ao conceito de litispendência e o controle da boa-fé processual.

INTRODUÇÃO

Tema dos mais interessantes em teoria geral do processo e que se estende ao direito processual é o relativo ao conceito e aos aspectos práticos ligados à litispendência.

Vários assuntos estão interligados ao tema objeto deste ensaio, como os elementos da ação, os conceitos de litispendência, a data da sua ocorrência, a necessidade de extinção do processo idêntico em tramitação etc.

Assim, pretendo analisar os critérios de comparação entre várias ações (inclusive com procedimentos diferentes) que podem configurar litispendência e as soluções para os problemas ligados à verificação de qual é a repetida para fins de aplicação do disposto nos arts. 267, V, c/c 301, §§ 1º e 2º do CPC, o que passa, necessariamente, pela análise dos efeitos da citação previstos no art. 219 do CPC.

Vamos aos argumentos.

1 LITISPENDÊNCIA NO QUADRO COMPARATIVO DE AÇÕES

Antes de enfrentar o tema central ligado à litispendência como um dos efeitos da citação, é necessário definir qual é o conceito que está embutido no art. 219 do CPC.

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Na teoria geral do processo, a expressão litispendência pode ter mais de um significado, o que muitas vezes não é percebido pelo intérprete. O primeiro está ligado à própria existência da lide (lide pendente) e, o outro, ao quadro comparativo entre duas ou mais ações, gerando a extinção do processo repe-tido1.

Visando a atender ao método definido neste trabalho, é dever iniciar pelo segundo conceito (comparação entre duas ações). O CPC consagra a identidade entre duas ou mais ações quando possuem as mesmas partes, pedido e causa de pedir (art. 301, §§ 1º e 2º).

O legislador consagra, neste quadro comparativo entre as várias ações que tramitam no Judiciário nacional, a necessidade de máxima identidade entre os três elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir). Assim, a litispen-dência ocorre quando há a tramitação de duas ações idênticas, tanto no aspecto subjetivo, quanto no objetivo2.

Contudo, essa conceituação legislativa está incompleta. Não é necessá-rio o absoluto rigor no quadro comparativo entre duas ações para se perceber se há ou não litispendência, tendo em vista que, às vezes, a diversidade dos elementos é apenas aparente.

Portanto, o conceito de litispendência em relação a esse quadro compa-rativo deve levar em conta o mesmo elemento objetivo (mesmo objeto litigioso) e não necessariamente pela interpretação restrita da causa de pedir (remota e próxima) e do pedido (imediato e mediato). Se as demandas possuem a mesma questão, há de se decretar a litispendência, mesmo que possuam, v.g., procedi-mentos ou denominações diferentes.

A propósito, a palavra questão é extremamente importante em direito processual e pode ter diversos significados. Em alguns dispositivos do CPC de 1973, é utilizada como antecedente; em outros, como mérito (objeto de decisão judicial); e, por vezes, como fundamentos. Ainda há a necessidade de observar que questão pode ser de fato ou de direito, mas não se confunde com o próprio mérito (ou o thema decindendum)3.

1 Entende Fredie Didier Jr.: “Litispendência é palavra que assume dois significados: a) pendência da causa, o percorrer criativo desta existência; b) ‘pressuposto processual’ negativo, que obsta a repropositura de demanda ainda pendente de análise” (Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2006. p. 402).

2 De acordo com as lições de Guiseppe Chiovenda: “Dicesi identificazione delle azioni l’operazione com cui si confrontano fra loro più azioni al fine di stabilire se siano identiche o diverse” (Istituzioni di diritto processuale civile. 2. ed. Napoli: Jovene, v. I, 1935, § 14, n. 108, p. 32).

3 Cândido Rangel Dinamarco ensina que: “Ponto é, em prestigiosa doutrina, aquele fundamento da demanda ou da defesa, que haja permanecido incontroverso durante o processo, sem que as partes tenham levantado discussão a respeito (e sem que o juiz tenha, de ofício, posto em dúvida o fundamento); discordem as partes, porém, isto é, havendo contestação de algum ponto por uma delas (ou, ainda, havendo o juiz suscitado a dúvida), o ponto se erige em questão. Questão é, portanto, o ponto duvidoso. Há questões de fato, correspondentes à dúvida quanto a uma assertiva de fato contida nas razões de alguma das partes; e de direito, que correspondem à dúvida quanto à pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação

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Assim, apesar de a redação do art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC insinuar que apenas ocorre litispendência quando houver a identidade máxima entre par-tes, pedido e causa de pedir, é dever ressaltar que esse conceito deverá estar presente quando houver o mesmo elemento objetivo, a mesma questão (thema decidendum) de direito discutida nas demandas que tramitam simultaneamente.

Portanto, duas ou mais demandas, com procedimentos diversos e apa-rentemente diferentes, podem ser idênticas, mesmo se não estiverem presentes diretamente a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido. Indaga-se: seria pos-sível, por exemplo, a ocorrência de litispendência (ou mesmo de coisa julgada – art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC) entre o mandado de segurança (que possui pro-cedimento especial previsto na Lei nº 12.016/20094), uma ação cautelar e uma ação de conhecimento com procedimento comum?

Se for feita uma análise simples e restrita, a resposta poderia ser negativa, tendo em vista que possuem causa de pedir ou pedido diferenciados. Contudo, esse raciocínio deve ser feito com parcimônia, eis que será possível a existência dos três elementos da ação, mesmo quando se tratar de procedimentos dife-rentes.

Esse assunto não é novo em sede jurisprudencial, senão vejamos:

Processual civil. Litispendência. Mandado de segurança versando o mesmo pe-dido formulado em sede de antecipação dos efeitos da tutela em sede ação or-dinária. Trânsito em julgado do agravo de instrumento que manteve a decisão indeferitória. Coisa julgada. 1. A ratio essendi da litispendência interdita à parte que promova duas ações visando ao mesmo resultado, o que, em regra, ocorre quando o autor formula, em face da mesma parte, o mesmo pedido fundado na mesma causa petendi. 2. Consectariamente, por força dela, é possível afirmar-se que há litispendência quando duas ou mais ações conduzem ao “mesmo resul-tado”; por isso: electa una via altera non datur. 3. In casu, o pedido referente à não inscrição da empresa no Cadin veiculado no mandado de segurança impe-trado pela empresa ora recorrente consta, com a mesma extensão, como pedido de tutela antecipada, em ação ordinária. 4. Ademais, o pedido de tutela anteci-pada formulado na ação ordinária, referente à oposição quanto à inscrição no Cadin, foi indeferido em 25.10.2001, e foi objeto de agravo de instrumento cuja decisão indeferitória transitou em julgado em 20.02.2003. 5. Destarte, verifica--se que o mandado de segurança, de que trata os presentes autos, impetrado em 24.01.2002 com o objetivo de obstar a inscrição da empresa no Cadin pelo não pagamento dos boletos referentes ao ressarcimento ao SUS, conforme previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/2001, sendo certo que foi manejado em data pos-terior ao indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela na ação ordinária que tinha idêntico objetivo. 6. O pedido do mandamus não só restou prejudi-cado como também não pode ser atendido porquanto infirmará a decisão que

de textos, legitimidade perante norma hierarquicamente superior” (DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 34, p. 25, 1984).

4 Não é objetivo deste trabalho a análise do procedimento e nem das partes no mandado de segurança. Contudo, indico obra de minha autoria denominada Mandado de segurança. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2012.

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indeferiu a tutela antecipada cuja negativa foi confirmada com o trânsito em julgado da decisão do agravo de instrumento ocorrido em 20.02.2003. 7. De-veras, um dos meios de defesa da coisa julgada é a eficácia preclusiva prevista no art. 474 do CPC, de sorte que, ainda que outro o rótulo da ação, veda-se-lhe o prosseguimento em prestígio à res judicata impedindo infirmar-se o resultado a que se alcançou na ação anterior. 8. A ofensa ao art. 535 do CPC não resta configurada quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se, de forma clara e suficiente, sobre a questão posta nos autos. Ademais, o Magis-trado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 9. O requisito do prequestionamento, porquanto indispensável, torna inviável a apreciação, em sede de recurso especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem. É que, como de sabença, “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão fe-deral suscitada” (Súmula nº 282/STF) (ausência de prequestionamento do art. 2º, § 8º, da Lei nº 10.522/2002, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou acerca do mérito do mandado de segurança). 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 948.580/RJ, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 06.10.2009, DJe 16.10.2009)

Processual civil. Ação declaratória e mandado de segurança. Litispendência re-conhecida. Julgamento antecipado da lide. Matéria de direito. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Nulidade da CDA. Reexame de prova. Súmula nº 7/STJ. 1. Configura litispendência o ajuizamento de ação declaratória que contém as mesmas partes, pedido e causa de pedir constantes de mandado de seguran-ça anteriormente impetrado, sendo irrelevante a circunstância de as demandas possuírem ritos diversos. Precedentes do STJ. 2. Hipótese em que o Tribunal a quo assentou que a agravante renovou pedido de reconhecimento da decadên-cia e a inconstitucionalidade da Taxa Selic postulado em mandado de seguran-ça já impetrado. 3. O julgamento antecipado da lide não ocasiona cerceamento de defesa quando o Juízo entende que o processo versa exclusivamente sobre matéria de direito, cuja análise prescinde da produção de prova pericial, como ocorre no caso concreto. 4. É necessário o exame de matéria fática para aferir a presença dos requisitos essenciais à validade e à regularidade da CDA, o que encontra óbice no disposto na Súmula nº 7/STJ. 5. Agravo regimental não provi-do. (AgRg-REsp 761.671/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 16.04.2009, DJe 06.05.2009)

Processual civil. Litispendência. Mandado de segurança versando o mesmo pedido de ação ordinária. Trânsito em julgado da sentença. Coisa julgada. 1. Mandado de segurança que visa à compensação de tributos, cuja pretensão já fora deduzida em ação ordinária, versando os mesmos tributos. Manifesta litispendência. 2. A ratio essendi da litispendência é que a parte não promo-va duas ações visando ao mesmo resultado, o que, em regra, ocorre quando o autor formula, em face da mesma parte, o mesmo pedido fundado na mesma causa petendi. 3. Deveras, um dos meios de defesa da coisa julgada é a eficácia preclusiva prevista no art. 474 do CPC, de sorte que, ainda que outro o rótulo da ação, veda-se-lhe o prosseguimento ao pálio da coisa julgada, se ela visa infirmar o resultado a que se alcançou na ação anterior. 4. Consectariamente, por força desses princípios depreendidos das normas e da ratio essendi delas é

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possível afirmar-se que há litispendência quando duas ou mais ações conduzem ao “mesmo resultado”; por isso: electa una via altera non datur. 5. Recurso es-pecial improvido. (STJ, REsp 443614, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 08.04.2003, DJ 05.05.2003, p. 226 – REPDJ, 23.06.2003, p. 250)

Portanto, neste primeiro aspecto, a litispendência estará configurada in-dependentemente do procedimento de cada uma das ações em curso, desde esteja presente o mesmo thema decidendum5.

Neste sentido, poderá existir litispendência, por exemplo, entre uma cau-telar, uma ação de conhecimento com procedimento comum e um mandado de segurança, desde que esteja presente o mesmo elemento objetivo. O art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC é insuficiente para solucionar todos os problemas práticos que o conceito pode provocar ao intérprete.

Não se pode olvidar que, no quadro comparativo entre ações, a litispen-dência e a coisa julgada causam a extinção do processo repetido, ao passo que a conexão e a continência, a reunião (arts. 103, 104 e 106 do CPC). Outrossim, o intérprete deve ter cautela ao comparar duas ações que aparentemente pos-suem elementos em comum para, com isso, estabelecer a solução a ser dada (reunião ou extinção).

2 LITISPENDÊNCIA E O INÍCIO DA AÇÃO: QUESTIONAMENTOS A SEREM ENFRENTADOS

Como já mencionado, além do quadro comparativo entre ações em tra-mitação, a litispendência também deve ser interpretada como lide pendente, ou seja, lide em curso (causa em curso). Esse significado é extremamente impor-tante para considerarmos quando inicia a ação e os seus efeitos em relação às partes envolvidas.

É dever aduzir que a legislação processual em vigor estabelece, em seu art. 219, que a litispendência é um dos efeitos da citação. Contudo, há dois questionamentos a serem enfrentados: este efeito é para ambas as partes ou somente para o réu? Existe a lide pendente (causa pendente) para o autor, antes mesmo da citação do réu?

Essas indagações servem para o enfrentamento do problema relacionado a qual deve ser considerada a primeira demanda e qual há de ser extinta, quan-

5 Vale citar também outro precedente, desta feita do TRF da 5ª Região: “Tributário e processual civil. Litispendência. Ocorrência. Extinção da nova ação sem exame do mérito. 1. Nos termos do art. 267, V, do Código Processual Civil, extingue-se o feito sem resolução do mérito quando configurada litispendência. 2. Hipótese em que, nos termos do dispositivo supra e do art. 301, § 1º, do citado diploma legal, há litispendência, devendo ser mantida a sentença em que se extinguiu a ação original, vez que, apesar de a parte autora, em princípio, aduzir pleitos aparentemente diversos (percepção de certidão negativa de débitos e percepção de certidão de regularidade previdenciária), há, na verdade, identidade entre os objetos finais reclamados, já que compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil emitir documentos de tal espécie e que, atualmente, um único documento se presta a informação da situação do sujeito passivo junto ao Fisco Federal. 3. Apelação desprovida” (AC 565984, 3ª T., Relª Desª Fed. Joana Carolina Lins Pereira, DJE 16.01.2014, p. 166).

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do em análise o primeiro aspecto da litispendência (existência da lide): aquela que foi ajuizada em primeiro lugar ou aquela em que ocorreu a citação em data anterior.

As respostas devem ser formuladas com cautela. Antes da citação, já exis-tem efeitos decorrentes da lide pendente, tanto que há a possibilidade, inclu-sive, de resolução do mérito sem a citação do réu, nos casos do art. 285-A do CPC6, além das demais hipóteses de inadmissibilidade da inicial (art. 295 do CPC).

Ademais, mesmo sem a citação do réu, a desistência ou qualquer outra causa de extinção do processo sem resolução de mérito gerará a prevenção em caso de reajuizamento (art. 253, III, do CPC).

Pelo que se percebe, existem efeitos decorrentes da pendência da causa que são atribuídos ao autor, pelo simples fato de ter provocado a tutela jurisdi-cional: existe ação antes da citação do réu (art. 263 do CPC), permitindo inclu-sive decisão judicial de mérito sem a sua participação no feito.

Contudo, é dever enfrentar a aparente contradição entre os arts. 219 e 263 do CPC. Sobre o assunto, vale a pena citar as lições de Alexandre Câmara:

O art. 219 é expresso em afirmar que é a citação válida que induz litispendên-cia, mas, nos termos do art. 263, a contrario sensu, tal efeito se produz para o demandante desde o momento da propositura da demanda. Assim é que, ajui-zada a demanda, não poderá o autor a propor novamente, mesmo antes da ci-tação, pois todos os processos instaurados depois daquele primeiro deverão ser extintos sem resolução de mérito. Com isso, se poderá evitar os males da “distri-buição múltipla”, fenômeno infelizmente muito comum na prática, consistente no ajuizamento de diversas demandas idênticas, com o fim de se escolher o juízo onde tramitará o processo.7

A citação, a rigor, apenas será realizada em caso de aceitação da de-manda pelo Magistrado. Contudo, os efeitos decorrentes da causa pendente podem, inclusive, beneficiar o réu que, neste caso, não será mais citado para ter ciência da demanda, mas apenas para ter conhecimento da decisão judicial que foi prolatada e se beneficiar, por exemplo, da própria coisa julgada em caso de improcedência liminar ou mesmo decretação de prescrição ou decadência (arts. 285-A, 295, IV, e 219, § 6º, do CPC).

Esse raciocínio é tão verdadeiro que o próprio art. 285-A do diploma pro-cessual estabelece que, em caso de interposição de recurso por parte do autor visando a impugnar a sentença initio litis, o réu será citado para responder ao

6 Sobre o tema, ver meu artigo intitulado: Processos repetidos e os poderes do Magistrado diante da Lei nº 11.277/2006. Observações e críticas. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 37, p. 69-79, abr. 2006.

7 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 23. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2012. p. 335-336.

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recurso8. Logo, a citação não será para ter conhecimento da lide e apresentar resposta (arts. 297 e seguintes do CPC), mas para responder ao recurso, deixan-do claro que tanto existiu a causa antes de sua citação que já foi até proferida decisão de mérito que lhe foi favorável.

3 QUAL A PRIMEIRA AÇÃO EM CASO DE CAUSAS SIMULTÂNEAS? ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE EFEITO RETROATIVO EM RELAÇÃO AO CONCEITO DE LITISPENDÊNCIA E O CONTROLE DA BOA-FÉ PROCESSUAL

Após a apresentação dos dois significados de litispendência, cumpre en-frentar o problema central deste ensaio: tramitando duas ações idênticas, qual deverá ser extinta?

O art. 219 do CPC apenas indica que retroage à data da inicial os efeitos da citação ligados à interrupção da prescrição (§ 1º). Contudo, será que esse raciocínio também se aplicada à litispendência?

Vejamos um exemplo de ações idênticas tramitando em Juízos diferentes: a Ação 1 ajuizada em primeiro lugar e distribuída para o Juízo X, que citou vali-damente em segundo lugar. A Ação 2, ajuizada em segundo lugar e distribuída para o Juízo Y, que cumpriu a citação, de forma válida, em 1º lugar. Qual a que deve ser considerada repetida, com a consequente extinção sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, V, do CPC?9

O Superior Tribunal de Justiça decidiu:Embargos de terceiro. Fraude contra credores. Fraude à execução. Consoante a doutrina tradicional, fundada na letra do Código Civil, a hipótese é de anulabi-lidade, sendo inviável concluir pela invalidade em embargos de terceiro, de ob-jeto limitado, destinando-se apenas a afastar a constrição judicial sobre bem de terceiro. De qualquer sorte, admitindo-se a hipótese como de ineficácia, esta, ao contrário do que sucede com a fraude de execução, não é originária, deman-dando ação constitutiva que lhe retire a eficácia. A fraude à execução só se ca-racteriza quando existe uma lide pendente e, para que isso ocorra, mister a cita-ção. O simples ajuizamento da ação não induz a litispendência. (REsp 122523, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, J. 08.09.1998, DJ 08.03.1999, p. 00217, JSTJ, v. 00004, p. 00228 – grifos nossos)

8 Acerca da discussão de inconstitucionalidade deste dispositivo, ver meu: Processos repetidos e os poderes do Magistrado diante da Lei nº 11.277/2006. Observações e críticas. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 37, p. 69-79, abr. 2006.

9 Misael Montenegro defendeu que, “quando se fala em extinção de uma das ações, não nos referimos, necessariamente, ao segundo processo intentado. Referimo-nos à ação em que mais tardiamente ocorreu a citação válida, por correta exegese do art. 219 do CPC, se as ações têm curso por comarcas diferentes (uma na 1ª Vara Cível da Comarca de Salvador e a outra na 5ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, por exemplo), ou à ação em que mais tardiamente foi lançado o despacho positivo ordenando a citação do réu, como textualiza o art. 106 da Lei de Ritos, se as ações têm curso pela mesma comarca (uma na 1ª Vara Cível e a outra na 5ª Vara Cível da Comarca de Natal, por exemplo)” (MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2007. p. 348). Já Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart escreveram que, “nos termos do que prevê o CPC, há litispendência quando se repete ação que já se encontra em curso (art. 301, § 3º, do CPC). A litispendência é causa de extinção, sem exame do mérito, da segunda ação proposta (art. 267, V, do CPC). Assim, a verificação de qual ação deve ser extinta em função da duplicidade de ações idênticas dá-se com base na primeira citação válida obtida” (Manual do processo de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 128).

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Contudo, será que foi esta a intenção do legislador de 1973? Qual a melhor interpretação entre os arts. 263 (que considera proposta a ação quando a inicial é despachada ou simplesmente distribuída, deixando os efeitos para o réu quando este é citado) e 219 (que consagra, como efeitos da citação válida, a litispendência)?

É razoável afirmar que há apenas uma aparente contradição entre os dis-positivos em questão. Não atenderia à boa-fé processual e ao princípio do juiz natural a negação de efeitos retroativos ao conceito de litispendência. Ela deve ser considerada, para o autor, na data em que provocou a jurisdição, deixando para o réu os efeitos apenas com a sua efetiva citação.

Destarte, pensar de outra forma é permitir a escolha de Juízo, em que o autor poderia simplesmente abandonar alguns atos de sua competência relati-vos à 1ª demanda proposta para, ajuizando a 2ª ação e conseguindo a distribui-ção para outro juízo, estimular a realização da citação em primeiro lugar.

Neste sentido, entendo que o conceito de litispendência, quando está em discussão qual será a primeira ação, deverá levar em conta a data do ajui-zamento e não a data da citação, atendendo-se aos princípios da boa-fé, juiz natural, devido processo legal e lealdade processual. Logo, a segunda ação viola pressuposto processual negativo (litispendência), e deverá ser extinta, in-dependentemente se foi realizada a citação em primeiro lugar (art. 267, V c/c art. 301, §§ 1º e 2º do CPC).

Em suma: a ação existe, para o autor, independentemente da citação do réu, o que fundamenta os poderes do Magistrado ao recepcionar a petição inicial, inclusive com a possibilidade de resolver o mérito improcedente, ou de-cretar a prescrição/decadência sem a participação do demandado (arts. 285-A e 295, IV, do CPC)10-11. Contudo, para este, as consequências processuais apenas podem ser verificadas após a sua citação12-13.

10 No tema, ver OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Alienação da coisa litigiosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 102.

11 O projeto do novo Código de Processo Civil, na versão aprovada na Câmara Federal, consagra, na proposta de redação para o art. 240, que “a citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, torna eficaz a litispendência para o réu” (grifos nossos).

12 Os demais efeitos, exceto a interrupção da prescrição, também são decorrentes da própria citação válida (art. 219), como a prevenção (exceto na hipótese do art. 106 do CPC), a litigiosidade da coisa e a constituição em mora. Contudo, vale apenas anotar que, na execução fiscal, considera-se em mora o devedor, para fins de ocorrência de fraude à execução, na data em que o crédito fazendário foi inscrito em dívida ativa, especialmente após a vigência da Lei Complementar nº 118/2005. Sobre o assunto, vale citar: “Processual civil. Embargos de terceiro. Alienação do imóvel anterior à alteração do art. 185 do CTN. Fraude à execução. Não ocorrência. 1. Nas alienações efetivadas até 08.06.2005, a caracterização da fraude à execução exigia citação prévia no processo judicial; a partir da vigência da LC 118/2005, basta a inscrição em dívida ativa (REsp 1141990/PR, julgado na sistemática dos recursos repetitivos). 2. Pelo fato de a lei especial prevalecer sobre a lei geral, o Enunciado nº 375 da súmula do STJ não se aplica às execuções fiscais. 3. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial a que se nega provimento” (TRF 1ª R., AC 200738000235632, Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso, J. 13.09.2013, DJF1 14.11.2013, p. 1369).

13 De outra banda, nada impede que o autor de ação de execução requeira a averbação, no cartório de registro de imóveis, do ajuizamento da demanda, a fim de antecipar a data da configuração da fraude à execução e afastar a eventual alegação de boa-fé do 3º adquirente do bem, nos termos do art. 615-A do CPC. Sobre este

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E não é só. Tanto existe ação antes da citação que ocorre litispendência caso o autor requeira a desistência da demanda e, antes da homologação ju-dicial (art. 158, parágrafo único, do CPC), resolve reajuizá-la. Assim, mesmo o réu não tendo sido citado, os efeitos da litispendência se operam ao autor, que apenas poderá apresentar nova demanda judicial, após a homologação judicial de seu requerimento14.

Logo, pode-se perceber que há dois momentos para a fixação do concei-to de lide pendente: para o autor e para o réu. Em relação ao primeiro, os efeitos estão presentes a partir da data da provocação da tutela jurisdicional, inclusive permitindo ao Magistrado a prática de pronunciamentos judiciais definitivos sem a necessidade de citação do réu. Já para este, a citação válida torna eficaz a litispendência.

Conclui-se, portanto, que o conceito de litispendência deve ser feito com uma análise conjunta dos arts. 263 e 219 do CPC, controlando-se, com isso, a boa-fé processual e o juiz natural. No exemplo citado acima, a demanda que deve ser extinta, independente da data da citação, é a que foi proposta em se-gundo lugar.

assunto, ver meu: Novas perspectivas ligadas à fraude à execução – Comentários ao artigo 615-A do CPC. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 63, p. 59-64, jun. 2008.

14 Assim já entendeu a jurisprudência pátria: “Processual civil. Extinção sem julgamento de mérito. Art. 267, V, do CPC. Litispendência. Art. 302 do CPC. Pedido de desistência não homologado. 1. Apelação em face de r. sentença que, em razão de litispendência, extinguiu o feito sem resolução de mérito, na forma do art. 267, V, do Código de Processo Civil. 2. A figura da litispendência, no direito processual, tem como objetivo evitar o desperdício da atividade jurisdicional ao colocar-se mais de um juiz atuando numa mesma causa, como também evitar decisões diversas a respeito de uma mesma controvérsia jurídica. 3. As peças iniciais da demanda sub judice e do Processo nº 2004.5101.013742-0 possuem idêntico teor. 4. No feito em liça, a prolação da r. sentença deu-se anteriormente à homologação do pedido de desistência do feito nº 2004.5101.013742-0, não havendo como se afastar os efeitos da litispendência. 5. Precedentes do eg. TRF da 1ª Região (AMS 200038000129111/MG) e deste eg. TRF da 2ª Região (CC 2907/RJ). 6. Apelação a que se nega provimento” (TRF 2ª R., AC 375799, 8ª T. Especializada, Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifacio Costa, J. 16.09.2009, DJU 19.06.2009, p. 305). E também: “Processual civil. Litispendência. Processo pretérito. Desistência. Ausência de prova de sentença homologatória. Error in procedendo. Inocorrência. Sentença. Cassação. Distribuído o presente feito, restou determinada a vinda aos autos petição inicial do Processo nº 2008.51.60.001060-8, para verificação de ocorrência de eventual possibilidade de litispendência/coisa julgada, tendo sido juntado o petitório de fls. 142/153, destacando este último, protocolado em 04.06.2008, em data pretérita à distribuição do presente em 18.07.2008, de desistência do feito, sendo o pleito homologado em 26.06.2008, conforme fls. 169. Em um primeiro exame, mostra-se hígida a decisão terminativa de fls. 155/156, fulcrada na litispendência, na medida em que, como cediço, a desistência só produz efeito, após homologada por sentença, não tendo a parte, acostado aos autos, por ocasião dos esclarecimentos solicitados, em 08.09.2008, a cópia da sentença homologatória, pelo que o Juízo não poderia divisar a configuração dela, ausente, neste viés, qualquer error in procedendo, irrelevante, assim, a data da publicação em 29.09.2008, para efeito, eventual de recurso. Noutro eito, todavia, com o escopo de ultimar a tutela jurisdicional, neste panorama jurídico-processual, impõe-se a cassação do decisum de piso, para que se prossiga nos ulteriores termos; devendo, eventuais, pleitos serem apreciados originariamente pelo Juízo a quo, com observância do devido processo legal. Recurso provido” (TRF 2ª R., AC 435380, 8ª T. Especializada, Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, J. 10.02.2009, DJU 16.02.2009, p. 164).

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Parte Geral – Doutrina

Provas Ilícitas

RICARDO POLITANOAdvogado, Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro de Extensão Univer-sitária de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Dr. Ives Gandra da Silva Martins, Membro integrante do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados de Campinas, São Paulo – TED17, Pós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito, sob a coordenação dos Profs. Drs. Giselda Hinoraka, Flávio Tartuce e Fernanda Tartuce, Ex-Assessor Especial para Assuntos Jurídicos Municipal, Ex-Secretário Municipal de Habitação, Ex-Mem-bro da Região Metropolitana de Campinas, Ex-Membro da Comissão do Terceiro Setor da OAB Subsecção Campinas.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Monopólio da jurisdição; 2 Do princípio do contraditório e da ampla defesa; 3 Sistema probatório; 4 Da prova ilícita; 5 Devido processo legal; 6 Das várias teorias a respeito da admissibilidade das provas; 6.1 Admissibilidade das provas ilícitas; 6.2 Inadmissibilidade das provas ilícitas; 6.3 Princípio da proporcionalidade; 7 Doutrina e jurisprudência nacional; 8 Das provas ilícitas pro reo; 9 Provas ilícitas por derivação; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Antes mesmo de adentrarmos, especificamente, no tema das provas ilí-citas, impõem-se algumas considerações pertinentes ao monopólio da jurisdi-ção, aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como ao sistema probatório.

A partir do momento em que o Estado avocou para si a responsabilidade de aplicar o Direito, restou assegurada a todos, indistintamente, a possibilidade de acesso, amplo e irrestrito, à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).

Assegurou-se, ainda, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e re-cursos a ela inerentes, de forma que as partes podem se valer de todos os meios de prova à reconstrução dos fatos constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito alegado (art. 5º, LV, da CF).

Surge, portanto, a primeira questão:

Ainda que entendido como componente inafastável do princípio do contraditó-rio e da ampla defesa, “o direito à prova pode ser considerado como um valor absoluto?”

Convém, antes mesmo de responder a essa indagação, considerar que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, estabelece que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

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Em decorrência dessa regra de exclusão, surge uma outra indagação: o princípio da inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meio ilícito seria, igualmente, absoluto?

Mesmo que se admitisse, a título de argumentação, como verdadeira essa proposição, “seriam admissíveis, no processo, as provas ilicitamente obtidas desde que favoráveis ao réu?”

Por outro lado, por vezes, as informações obtidas por meio de provas ilícitas propiciam a produção de outras provas, cuja colheita se faz licitamente.

Nesse sentido, indaga-se, mais uma vez: “Seriam igualmente ilícitas, por contaminação, as provas produzidas com base em informações extraídas de provas obtidas ilicitamente?”

No presente estudo, buscaremos, com base na doutrina e jurisprudência, fornecer subsídios que nos permitam responder às indagações suscitadas.

1 MONOPÓLIO DA JURISDIÇÃO

A Constituição Federal, ao dispor, em seu art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, conferiu ao Estado, de forma plena e absoluta, o monopólio da jurisdição.

Infere-se, do citado dispositivo constitucional, que,

ao proibir os cidadãos de resolverem por si suas contendas, o Estado avocou o poder de resolver os conflitos de interesses inerentes à vida social e, correla-tamente, adquiriu o dever de prestar certo serviço público, que é a jurisdição. Aos interessados nessa atividade, o Estado reconhece o direito de provocá-la, preventiva ou repressivamente.1

Assim, conforme salienta Nelson Nery Júnior, “podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação”2.

Nesse sentido,

o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade de ameaça ao direito, é obri-gado a efetivar o pedido de prestação judicial requerida pela parte de forma re-gular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição (RT 99/790), uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.3

1 ASSIS DE, Araken. Garantia de acesso à justiça – Garantias constitucionais do processo civil. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (Coord.). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 9.

2 Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 91.3 MORAIS, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 198.

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Entre os antecedentes da previsão legislativa do direito à tutela jurisdicio-nal, podemos citar: a Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU, em 10.12.1948; a Convenção Europeia para salvaguarda dos Direitos dos Homens e das Liberdades Públicas – Roma, em 04.11.1950; o Pacto Internacional de Di-reitos Civis em 16.12.1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em São José da Costa Rica, em 22.11.1969.

Em suma, diante da impossibilidade de se negar o acesso ao Judiciário, confere-se a todos os jurisdicionados, indistintamente, a possibilidade de aces-so, amplo e irrestrito, à jurisdição.

Em suma, assegurar o direito de ação no plano constitucional é garantir o acesso ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV),

princípio fundamental do processo civil que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam... Assim é que a doutrina, diz, por exemplo, serem manifestações do “devido processo legal” o princípio da publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo de prova obtida por meio ilícito, assim como o postulado do juiz natural, contraditório e do procedi-mento regular.4

2 DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegura-dos o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O princípio do contraditório

tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação... É inerente às partes litigantes – autor, réu, litisdenunciado, opoente, chamado ao processo, assim como também ao assistente litisconsorcial e simples e ao Mi-nistério Público, ainda quando atue na função de fiscal da lei. Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da exis-tência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibi-lidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis. Os conten-dores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, realizarem as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de se-rem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos.5

Por ampla defesa, entende-se o

asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade... A ampla defe-sa só estará plenamente assegurada quando uma verdade tiver iguais possibili-

4 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 27.

5 NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 122-124.

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dades de convencimento do Magistrado, quer seja ela alegada pelo autor, quer pelo réu... Às alegações, argumentos e provas trazidos pelo autor é necessário que corresponda uma igual possibilidade de geração de tais elementos por parte do réu.6

Na verdade, contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), são ex-pressões diferentes utilizadas para assegurar, às partes, a possibilidade da mais ampla participação na formação do convencimento do juiz.

Defesa e contraditório

estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório (visto em seu pri-meiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e integração da defesa e do contraditório.7

3 SISTEMA PROBATÓRIO

O vocábulo “prova” deriva do latim, do verbo probare, significando pro-var, ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, persuadir alguém, demonstrar etc.

Na linguagem comum, a prova é utilizada para comprovação da verdade de uma proposição; somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se pretende comprovar.

No sentido jurídico, que é o que nos interessa realmente, significa a pro-dução dos atos ou dos meios com os quais as partes ou o juiz pretendem afirmar a verdade dos fatos alegados (atus probandi); significa ação de provar, de fazer a prova. Nessa acepção se diz: a quem alega cabe fazer a prova do alegado, isto é, cabe fornecer os meios afirmativos de sua alegação8.

O seu conceito não é unívoco, podendo significar não só a atividade de-senvolvida pelos sujeitos do processo visando a demonstrar a verdade dos fatos alegados, no intuito, único e exclusivo, de formar o convencimento do juiz, como, também, os próprios meios ou instrumentos considerados em si mesmos.

Contudo, se o que se pretende, através da prova, é a verdade dos fatos alegados, impõe-se, desde já, precisar o conceito de verdade.

A verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade. Con-ceito da verdade relativa, não da verdade absoluta, sempre procurada, nunca

6 RIBEIRO BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1989. p. 266.

7 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 77.

8 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no civil e comercial. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, v. I, p. 11.

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alcançada. Se a verdade somente pode ser procurada e se apresentar através dos sentidos e da inteligência, compreende-se logo, precários como são aqueles, insuficiente como é esta, a relatividade que deve presidir a conformidade da noção ideológica com a realidade9.

De fato, não se busca a verdade, enquanto certeza absoluta, pretensão essa inatingível por variar no tempo e no espaço, mas sim a verdade calcada na certeza relativa suficiente para que o magistrado forme a sua convicção.

Todas as ações têm, por fundamento, um ponto de direito e um ponto de fato. Inúteis seriam as leis se não tivessem relação com algum fato, e desneces-sárias seriam, também, as ações que constituem uma das teorias mais graves do direito, e mais indispensáveis para que ele se torne efetivo, se não houvesse os meios de investigar e determinar esses fatos que constituem o fim para o qual se dirigem as ações e o elemento objetivo do direito. Esses meios de investigar os fatos são o que chamamos de prova10.

Na ação há, assim, a afirmação da violação ou ameaça de lesão a direi-tos em decorrência dos fatos alegados. Daí por que se diz que a ação tem por fundamento um ponto de fato, que deve ser provado, porque é na verdade re-sultante dessa prova que a sentença, a ser proferida no processo, vai se assentar para restaurar, em sua inteireza e plenitude, o direito ameaçado ou violado.

A questão de fato se decide pelas provas, por meio das quais se chega à certeza relativa da verdade, reitere-se, de forma a incutir no espírito do julgador a convicção da existência do fato perturbador do direito a ser restaurado. “A finalidade da prova não é outra senão convencer o juiz, nesta qualidade, da verdade dos fatos sobre os quais ela versa”11.

Em tese, portanto, as partes podem se valer de todos os meios de prova, possível e adequada, à reconstrução dos fatos constitutivos, modificativos, im-peditivos ou extintivos do direito alegado.

Contudo, ainda que entendido como componente inafastável do princí-pio do contraditório e da ampla defesa, indaga-se: o direito à prova pode ser considerado como um valor absoluto?

4 DA PROVA ILÍCITA

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, estabelece que “são inadmis-síveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Segundo Ada Pellegrini Grinover,

9 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 12.10 NEVES E CASTRO, Francisco Augusto. Teoria das provas e suas aplicações aos atos civis. 3. ed. São Paulo:

Servanda, 2000. p. 30.11 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., v. I, p. 15.

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a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas le-gais ou princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada em lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, ao contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida.12

Impõe-se, por oportuno e desde já, esclarecer que, neste estudo, consi-deraremos a prova ilícita, assim como a prova ilegítima, espécies do gênero de provas vedadas.

Nesse sentido, quando a nossa Constituição, em seu art. 5º, LVI, estabe-lece que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícitos”, significa dizer que são vedadas não só as denominadas provas ilegítimas, como, igualmente, as ilícitas.

Prova ilegítima é aquela cuja colheita estaria ferindo normas de direito processual.

Assim, a própria lei processual (penal e civil) contém inúmeros dispositi-vos excludentes de determinadas provas, bastando, para tanto, trazer à colação os seguintes exemplos:

CPP: Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Po-derão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro meio, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

CPP: Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, mi-nistério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

CPC: Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as in-capazes, impedidas ou suspeitas [...].

Verifica-se, pois, que a própria lei processual determina as formas e mo-dalidades de produção da prova, indicando, inclusive, a sanção correspondente em caso de transgressão.

A prova ilícita, por seu turno, é aquela obtida com infração a normas ou princípios de direito material, por envolver questões relativas às liberdades pú-blicas, mais especificamente, aos direitos e garantias pertinentes à intimidade, à liberdade e à dignidade humana.

Além da natureza da norma violada – processual ou material –, pode-se, ainda, distinguir a prova ilegítima da prova ilícita, em relação ao momento da sua produção.

12 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarence; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 131.

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Na prova ilegítima, a ilegalidade ocorre no momento da sua produção no processo, ao passo que a prova ilícita pressupõe a violação no momento da produção da prova, sempre externamente ao processo.

É solar, portanto, a distinção da prova ilícita com a prova ilegítima, vez que a primeira, além de violar regra de direito material, antecedendo, portanto, à fase processual, não pode ser juntada aos autos e não pode ser renovada. Já a segunda é um fenômeno endoprocessual e é nula (assim é declarada pelo juiz e deve ser refeita, renovada, consoante o disposto no art. 573 do CPP).

Nesse sentido, Ana Pellegrini Grinover afirma que

a distinção é feita em dois planos: quanto à natureza da norma violada (sendo de caráter processual, a prova será ilegítima; sendo de caráter material, será ilí-cita); e quanto ao momento da transgressão, pois a prova ilícita indica violação no momento da colheita da prova, enquanto na ilegítima ocorre no momento de sua produção no processo.13

Feitas tais considerações que se faziam pertinentes, podemos conceituar provas ilícitas “como instrumentos inaptos à formação do convencimento do juiz por estarem inquinadas de vícios comprometedores da norma material, assim como dos princípios constitucionais”14.

As provas ilegítimas ou ilícitas hão de ser tidas, assim, como imprestáveis a sua função em virtude dos vícios que as contaminam.

Contudo, indaga-se, assim como o fizemos anteriormente: o princípio da inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meio ilícitos, seria absoluto?

5 DEVIDO PROCESSO LEGAL

A Carta Magna assegura, como direito e garantia fundamental, que “nin-guém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, ex vi do inciso LIV, art. 5º, ressurgindo, portanto, de forma cristalina, que em todos os momentos processuais deverão ser obedecidas regras e princípios que tragam a necessária efetividade.

Com efeito, entre os princípios, encontra-se solar a vedação constitu-cional inserta no inciso LVI do mesmo artigo, que diz serem “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

13 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 131.

14 ANDRADE MENDONÇA, Rachel Pinheiro. Provas ilícitas. Limites à licitude probatória. 1. ed. Porto Alegre: Lumen Juris, 2001. p. 31.

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Posto isto, “é de rigor reconhecer que qualquer violação ao devido pro-cesso legal, em síntese, conduz à invalidade da prova”15.

Ensina-nos o mestre que

a integral exigência de nossa Corte Suprema aos “padrões normativos” e “pa-râmetros ético-jurídicos” na colheita de “elementos probatórios” é igualmente observado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao se referir ao devi-do processo legal como fundamental para “evitar abusos estatais” e construir “a confiança do povo numa administração imparcial da Justiça” (Decisão – Beschluss – do Primeiro Senado de 8 de janeiro de 1959 – 1 BvR 396/53).

Não são por outros motivos que, como corolário ao devido processo legal, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, são inadmissíveis no processo as provas ilícitas, definidas como aquelas obtidas com infringência ao direito material, entendendo-as como sendo aquelas colhidas em desrespeito aos direitos fundamentais e inviolabilidades públicas (por exemplo, por meio de tortura psíquica, desrespeito a intimidade e vida privada, desrespeito à inviola-bilidade domiciliar, quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico sem ordem judicial devidamente fundamentada), configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.

A inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo, pois a previsão constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos (HC 69.912/RS, HC 74.152/SP, RHC 74.807-4/MT, HC 75.8926/RJ, HC 76.231/RJ). Entretanto, a consequência da ilicitude da prova é sua imediata nulidade e imprestabilidade como meio de prova, além da contaminação de todas as provas que dela deri-varem.16

A mais alta Corte do país vem adotando, de forma pacífica, a doutrina do fruits of the poisonous tree (fruto da árvore envenenada)17.

Outro ponto curioso e que deve ser considerado, para a consagração do devido processo legal, é a posição do eminente jurista Luiz Flávio Gomes, ao apregoar que “é ingenuidade tratar cartesianamente essa questão, como se a contaminação só atingisse a prova: o maior afetado por ela é o julgador, ainda que inconscientemente”18. E continua a argumentar que, “por tudo isso, mais do que desentranhar a prova ilicitamente obtida, há que se pensar na exclusão do ilustre julgador que teve contato com essa prova e, portanto, está contami-nado”.

Dentro dessa esteira, o ilustre professor defende a tese de que

com isso estamos negando validade para a clássica jurisprudência construída pelos tribunais brasileiros, no sentido de que a proclamação de nulidade do processo por prova ilícita se vincula à inexistência de outras provas capazes

15 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 604-605.16 MORAES, Alexandre. Revista Consultor Jurídico, 11 abr. 2014.17 REXT 251.445-4/GO.18 GOMES, Luiz Flávio. Artigo disponível em: jusbrasil.com.br.

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de confirmar a autoria e a materialidade; em caso contrário, deve ser mantido o decreto de mérito, uma vez que fundado em outras provas (cf. o já citado HC 40.637/SP, do STJ, Rel. Min. Hélio Quaglia, J. 06.09.2005). Quem garante que a prova ilícita não teve nenhuma influência na convicção do juiz senten-ciante? É por essa razão que aqui tem total aplicação o disposto no art. 573 do CPP: Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada [...] serão renovados ou reti-ficados.

6 DAS VÁRIAS TEORIAS A RESPEITO DA ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS

O aspecto tormentoso e preocupante, contudo, consiste em saber, por exemplo, se deveríamos admitir uma prova contundente da materialidade e au-toria do crime, ainda que violasse direitos individuais, ou, ao reverso, devería-mos desentranhá-la e desvincular seu conteúdo dos autos, ainda que se livrasse solto uma pessoa, comprovadamente, culpada.

Qual seria esse limite? Em que situações poderia ser admitida a prova obtida por meios ilícitos?

A questão das provas ilícitas, desde a tortura até a sofisticação tecnoló-gica das interceptações telefônicas e das comunicações de dados, via Internet, gera, ainda, nos dias atuais, dissenso doutrinário e jurisprudencial.

Há três vertentes, bem diferenciadas, no que tange à admissibilidade ou não das provas ilícitas.

6.1 ADMISSIbILIDADE DAS pROVAS ILíCITAS

Numa fase preambular e por séculos dominante, prevaleceu a corrente doutrinária que professava a admissibilidade da prova ilícita, em razão de um apego exacerbado ao princípio do livre convencimento do juiz e da busca da verdade real.

Em decorrência, caberia, ao juiz, tão somente, decidir pela existência, ou não, do crime, abstraindo-se, por completo, da forma como lhe chegaram – lícita ou ilicitamente – as provas do fato.

Sustentava-se que, no caso, o ato anterior de captação da prova, embora ilícito, não teria o condão de nulificar ou contaminar os atos posteriores, princi-palmente de produção da prova que seria lícito em si mesmo.

Nessas condições, deveria prevalecer, em qualquer hipótese, o interesse da Justiça, objetivando descobrir a verdade, reputando-se eficaz a prova ilicita-mente obtida, sem prejuízo da aplicação de sanções civis, penais ou disciplina-res aos responsáveis.

Portanto, a regra consistia na admissibilidade de toda e qualquer prova no processo, como meio hábil de se convencer o juízo do direito material ale-gado, tendo em vista que vigorava, no ordenamento jurídico, o sistema do livre

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convencimento fundamentado e da busca da verdade real, aplicando-se aos responsáveis, pela ilicitude praticada, as sanções civis, administrativas ou pe-nais cabíveis. Inutilizáveis seriam, tão somente, as provas produzidas em afron-ta à lei processual.

6.2 INADMISSIbILIDADE DAS pROVAS ILíCITAS

Outra corrente, contudo, entendia que há outros valores igualmente rele-vantes e que devem ser levados em consideração, prevendo-se exceções, tendo por fundamento as liberdades individuais.

Para essa corrente doutrinária, que tem por base a preservação dos direi-tos fundamentais garantidos constitucionalmente, o Direito não pode prestigiar comportamento antijurídico, e muito menos consentir que dele se aproveite quem haja desrespeitado preceito legal, com prejuízo alheio, de forma que o órgão judicial não poderá conceder eficácia à prova ilegalmente obtida.

Em decorrência, essas provas, obtidas ilegalmente, devem ser desentra-nhadas dos autos, não podendo influir sequer no critério subjetivo do órgão jul-gador, ou seja, o juiz não deverá nem tomar conhecimento da existência destas provas para evitar a influência no julgamento final.

No Brasil, com o advento da Constituição de 1988, o direito positivo adotou a linha que consagra a inadmissibilidade das provas ilícitas (art. 5º, LVI), apenas a excepcionando no que tange às comunicações telefônicas, previstas no art. 5º, XII, in fine, e regulamentada pela Lei nº 9.296/1996.

6.3 pRINCípIO DA pROpORCIONALIDADE Uma terceira corrente, contudo, busca atenuar a rigidez da exclusão da

prova ilícita em casos de excepcional gravidade, por meio do princípio da pro-porcionalidade, quando nos depararmos diante da presença de valores funda-mentais contrastantes.

Alexandre de Moraes, ensina que

os direitos humanos fundamentais, entre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser uti-lizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilida-de civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desres-peito a um verdadeiro Estado de Direito.

Em decorrência, complementa que,

quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmoni-zação de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução propor-cional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre

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em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitu-cional com sua finalidade precípua.19

Como se pode observar, os dispositivos constitucionais trazidos à cola-ção (inciso LV – ampla defesa e contraditório e inciso LVI – provas ilícitas) estão inseridos no mesmo art. 5º, desfrutando da mesma hierarquia, não se podendo falar em supremacia de um em relação ao outro.

Nesse sentido, caberia ao Poder Judiciário, diante do caso concreto, con-signar a predominância de determinado valor sobre o outro, uma vez que ao legislador constituinte seria impossível prever todas as hipóteses.

Ada Pellegrini Grinover, em relação ao princípio da proporcionalidade, sustenta que

o que releva dizer é que, embora reconhecendo que o subjetivismo ínsito no princípio da proporcionalidade pode acarretar sérios riscos, alguns autores têm admitido que sua utilização poderia transformar-se no instrumento necessário para a salvaguarda e manutenção de valores conflitantes, desde que aplicado única e exclusivamente em situações tão extraordinárias que levariam a resul-tados desproporcionais, inusitados e repugnantes se inadmitida a prova ilicita-mente acolhida.20

7 DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA NACIONAL

Anteriormente à promulgação da Constituição Federal,

o que de mais significativo havia na matéria eram, inquestionavelmente, três de-cisões do Supremo Tribunal Federal, banindo as interceptações telefônicas clan-destinas, quer em matéria civil, quer em matéria penal, a caracterizar posição sólida já tomada pelo tribunal de cúpula do pais.

A primeira decisão é de 11.11.1977, ocasião em foi determinado o desentra-nhamento de fitas gravadas, correspondentes à interceptação de conversa te-lefônica da mulher, feita pelo marido, para instruir processo de separação judicial (RTJ 84/609). Segue-se a essa, em outro processo cível, a decisão de 28.06.1984, também em caso de captação clandestina de conversa telefônica, igualmente determinando o desentranhamento dos autos da gravação respectiva (RTJ 110/798).

Finalmente, para o processo penal, o Supremo Tribunal Federal, em deci-são de 18.12.1986, determinou o trancamento de inquérito policial baseado em interceptações telefônicas feitas por particulares, confessadamente ilícitas (RTJ 122/47).21

19 Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 58.20 Op. cit., p. 136.21 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 139.

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Prevalece, nos dias atuais, de forma majoritária, a tese da inadmissibi-lidade das provas ilícitas, consagrando a ideia de que o direito à prova não é absoluto, considerando-as como inconstitucionais e violadoras das garantias básicas, como se pode observar dos v. acórdãos a seguir transcritos:

Habeas corpus. Formação de quadrilha. Condenação fundamentada em prova obtida por meio ilícito. Nulidade. Interceptação telefônica. Prova ilícita. Autori-zação judicial deferida anteriormente à Lei nº 9.296/1996, que regulamentou o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal. Nulidade da ação penal, por fun-dar-se exclusivamente em conversas obtidas mediante quebra dos sigilos telefô-nicos dos pacientes. Ordem deferida.22

Habeas corpus. 1. Noticia criminis originária de representação formulada por deputado federal com base em degravação de conversa telefônica. 2. Obtenção de provas por meio ilícito. Art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Inadmissibi-lidade. 3. O só fato de a única prova ou referência aos indícios apontados na representação do MPF resultarem de gravação clandestina de conversa telefô-nica que teria sido concretizada por terceira pessoa, sem qualquer autorização judicial, na linha da jurisprudência do STF, não é elemento invocável a servir de base à propulsão de procedimento criminal legítimo contra um cidadão, que passe a ter a situação de investigado. 4. À vista dos fatos noticiados na represen-tação, o Ministério Público Federal poderá proceder à apuração criminal, res-peitados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. 5. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da investigação penal contra o paciente, baseada em elemento de prova ilícita.23

Habeas corpus. Formação de quadrilha. Condenação fundamentada em prova obtida por meio ilícito. Nulidade. Interceptação telefônica. Prova ilícita. Autori-zação judicial deferida anteriormente à Lei nº 9.296/1996, que regulamentou o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal. Nulidade da ação penal, por fun-dar-se exclusivamente em conversas obtidas mediante quebra dos sigilos telefô-nicos dos pacientes. Ordem deferida.24

Anote-se, ainda, que, na Ação Penal nº 307/DF, proposta pelo Ministério Público Federal em face de Fernando Affonso Collor de Mello e outros, o Su-premo Tribunal Federal, através v. acórdão em que foi relator o Ministro Ilmar Galvão, publicado no Diário da Justiça em data de 13.12.1994, acolheu

a inadmissibilidade, como prova, de laudos de degravação de conversa telefô-nica e de registros contidos na memória de microcomputador, obtidos por meio ilícitos (art. 5º, LVI, da Constituição Federal); no primeiro caso, por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, ha-vendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação à privacidade alheia (art. 5º, X, da CF); e, no segundo caso, por estar-se diante de microcomputador que, além de ter sido apreendido

22 STF, HC 811154/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauricio Correia, DJ 19.12.2001.23 STF, HC 80948/ES, 2ª T., Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 19.12.2001.24 STF, HC 81154/SP, 2ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19.12.2001.

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com violação de domicílio, teve a memória nele contida sido degravada ao ar-repio da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5º, X e XI, da CF).

Contudo, em que pese esse entendimento seja francamente dominan-te, começa a surgir outra corrente fundada no princípio da proporcionalidade, admitindo tais provas, em circunstâncias especialíssimas, cabendo ao Poder Judiciário, com sabedoria e prudência, indicar qual dos princípios deva prevale-cer, esclarecendo-se, ainda mais, que a garantia do cidadão estaria resguardada diante da necessária motivação da decisão judicial.

8 DAS PROVAS ILÍCITAS PRO REO

A doutrina e a jurisprudência, de forma mansa e pacífica, têm albergado a tese da prova favorável ao acusado, ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seu ou de terceiros.

Trata-se, segundo Ada Pellegini Grinover,

da aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defe-sa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, tudo informado pelo princípio do favor rei. Além disso, quando a prova, aparentemente ilícita, for colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legitima defesa, que exclui a antijuridicidade.

Nesse sentido, tem se manifestado o eg. Supremo Tribunal Federal, como se pode observar do v. acórdão trazido à colação:

Habeas corpus. Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. Afastada a ilici-tude de tal conduta – a de, por legitima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está pratican-do o crime – é ela, por via de consequência, lícita e, também consequente-mente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimi-dade (art. 5º, X, da Carta Magna). Habeas corpus indeferido.25

9 PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO

Por vezes, as informações obtidas por meio de provas ilícitas propiciam a produção de outras provas, cuja colheita se faz licitamente, muito embora sua produção não tivesse sido possível sem aquelas informações obtidas, hipóteses que ocorrem, frequentemente, em casos de busca domiciliar ilegal, prisão ile-gal, confissão extorquida mediante tortura etc.

25 STF, HC, 1ª T., Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15.08.1997.

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É tradicional a doutrina cunhada pela Suprema Corte Americana dos “frutos da árvore envenenada”, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

A despeito de a prova derivada ser essencialmente lícita e admissível no ordenamento jurídico, com a aplicação dessa doutrina, a ilicitude daquela que lhe deu origem contaminaria o seu conteúdo, carreando, como consequência, a extensão da sua inadmissibilidade processual.

O eg. Supremo Tribunal Federal, de forma mansa e pacífica, vem aco-lhendo esse entendimento, senão vejamos:

Habeas corpus. Crime de tráfico de entorpecentes. Prova ilícita. Escuta telefôni-ca. 1. É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por Ma-gistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.1996, que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norte-americana dos “frutos da ár-vore venenosa”. 2. Inexistência de prova autônoma. 3. Precedente do Plenário: HC 72.588-1/PB. 4. Habeas corpus conhecido e deferido por empate na vota-ção (RISTF, art. 150, § 3º), para anular o processo ab initio, inclusive a denún-cia, e determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente.26

A teoria dos frutos da árvore envenenada só se aplica às provas decorren-tes, direta ou indiretamente, da prova ilegal, não se aplicando a provas que não tenham relação alguma com aquela.

Com efeito,

é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina internacional: excepcionam-se da ve-dação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito: ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independente source e, no segundo, na inevitable discovery. Isso significa que se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivaram de fonte própria, não ficam contaminadas e podem ser produzidas em juízo.27

Nesse sentido tem se manifestado nossos eg. Tribunais, como se pode depreender dos v. acórdãos a seguir transcritos:

Habeas corpus. Prova ilícita. Escuta telefônica. Fruits of the poisonous tree. Não acolhimento. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de cen-sura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica – prova

26 STF, HC 74116/SP, 2ª T., Rel. Min. Maurício Correia, DJ 14.03.1997.27 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 138.

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tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.1996, e que contaminava as demais prova que dela se originavam – não foi a prova exclusiva que desen-cadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licita-mente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido.28

Recurso de habeas corpus. Crimes societários. Sonegação fiscal. Prova ilícita: violação de sigilo bancário, coexistência de prova ilícita e autônoma. Inépcia da denúncia: ausência de caracterização. 1. A prova ilícita, caracterizada pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial, não sendo a única men-cionada na denúncia, não compromete a validade das demais provas que, por ela não contaminadas e delas não decorrentes, integram o conjunto probatório. 2. Cuidando-se de diligência acerca de emissão de notas frias, não se pode ve-dar à Receita Federal o exercício da fiscalização através do exame dos livros contábeis e fiscais da empresa que as emitiu, cabendo ao juiz natural do pro-cesso formar a sua convicção sobre se a hipótese comporta ou não conluio en-tre os titulares das empresas contratantes e contratada, em detrimento do Erário. 3. Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por meios ilícitos, que devem ser desentranhadas dos autos, não há porque decla-rar-se a sua inépcia porquanto remanesce prova lícita e autônoma, não conta-minada pelo vício de inconstitucionalidade.29

CONCLUSÃO

Em razão do exposto, permitimo-nos apresentar nossas conclusões, sujei-tando-as, evidentemente, ao crivo do contraditório:

1. Neste estudo, consideramos, como provas vedadas, não só as provas ilegítimas, cuja colheita infringe normas processuais, como, igualmente, as pro-vas ilícitas, cuja produção afronta normas ou princípios de direito material;

2. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, insculpidos na Cons-tituição Federal (art. 5º, LV), não podem ser tidos como absoluto, na medida em que o próprio diploma contempla regra de exclusão, ao considerar como inad-missíveis as provas obtidas por meios ilícitos, conforme, mansa e pacificamente, tem se manifestado o eg. Supremo Tribunal Federal;

3. Contudo, os direitos humanos fundamentais, entre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Fede-ral, não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco, como argumento para afastamento ou di-minuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito;

4. Em decorrência, da relatividade dos direitos assegurados no art. 5º, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais,

28 STF, HC 74599/SP, 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07.02.1997.29 STF, HC 74807/MT, 2ª T., Rel. Min. Maurício Correa, DJ 20.06.1997.

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o intérprete deve utilizar-se do princípio da proporcionalidade, de forma a co-ordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua;

5. Dentro desse contexto, começa a surgir, ainda que de forma tênue, uma corrente doutrinária que, nada obstante o subjetivismo ínsito no princípio da proporcionalidade, admite a sua utilização, única e exclusivamente, em si-tuações de extraordinária relevância, desde que a inadmissibilidade da prova ilicitamente obtida acarretasse resultados desproporcionais, inusitados e repug-nantes;

6. Adotando-se, ainda, o princípio da proporcionalidade, admite-se, de forma prioritária, no processo penal, a prova ilícita colhida pelo próprio réu, por entender-se que a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legítima defesa, que exclui a antijuridicidade;

7. Com base na doutrina dos frutos da árvore envenenada cunhada pela Suprema Corte norte-americana, são reputadas como ilícitas, ainda que obtidas sem infração a normas processuais ou materiais, por contaminação, as provas obtidas através de informações coletadas em decorrência de provas ilícitas;

8. Assinale-se, contudo, que a teoria dos frutos da árvore envenenada só se aplica às provas decorrentes, direta ou indiretamente, da prova ilegal, não se aplicando às provas que não tenham relação alguma com aquela.

REFERÊNCIAS

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MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva: 2007.

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MORAES, Alexandre. Revista Consultor Jurídico, 11 abr. 2014.

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NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

NEVES E CASTRO, Francisco Augusto. Teoria das provas e suas aplicações nos atos civis. 3. ed. São Paulo: Servanda, 2000.

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no civil e comercial. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1971.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.133.459 – RS (2009/0065322‑0)Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas CuevaRecorrente: Allianz Seguros S/AAdvogado: Nely Quint e outro(s)Recorrido: Zandoná Mineração e Terraplanagem Ltda.Advogado: Sylvio Jorge da Costa Waldman e outro(s)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – CIVIL – SEGURO DE AUTOMÓVEL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – RESPONSABILIDADE CIVIL – TRANSAÇÃO JUDICIAL ENTRE SEGURADO E VÍTIMA (TERCEIRO PREJUDICADO) – FALTA DE ANUÊNCIA DA SEGURADORA – INEFICÁCIA DO ATO – BOA-FÉ DOS TRANSIGENTES – DIREITO DE RESSARCIMENTO – ACORDO VANTAJOSO ÀS PARTES – INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO EFETIVO AO ENTE SEGURADOR

1. No seguro de responsabilidade civil, o segurado não pode, em prin-cípio, reconhecer sua responsabilidade, transigir ou confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa em favor do lesado a menos que haja prévio e expresso consentimento do ente segurador, pois, caso contrário, perderá o direito à garantia securitária, ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito de reembolso do que despender.

2. As normas jurídicas não são estanques, ao revés, sofrem influências mútuas, pelo que a melhor interpretação do § 2º do art. 787 do Código Civil é de que, embora sejam defesos, o reconhecimento da responsabi-lidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado, que estiver de boa-fé e tiver agido com probidade, o direito à indenização e ao reembolso, sendo os atos apenas ineficazes perante a seguradora (Enunciados nºs 373 e 546 das Jornadas de Direito Civil). Desse modo, a perda da garantia securitária apenas se dará em caso de prejuízo efe-tivo ao ente segurador, a exemplo de fraude (conluio entre segurado e terceiro) ou de ressarcimento de valor exagerado (superfaturamento) ou indevido, resultantes de má-fé do próprio segurado.

3. Se não há demonstração de que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao contrário, sendo evidente que o sinistro de fato aconteceu e o acordo realizado foi em termos favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora, não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do segurado.

4. Recurso especial não provido.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, de-cide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de agosto de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por Allianz Seguros S.A., nova de-nominação de AGF Brasil Seguros S.A., com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Noticiam os autos que Zandoná Mineração e Terraplanagem Ltda. con-tratou seguro de veículo com a recorrente e o veículo segurado, durante a vi-gência do contrato, envolveu-se em acidente com uma motocicleta, no qual o condutor, Vanderlei do Nascimento, sofreu graves sequelas físicas.

A vítima, após recusar proposta da seguradora no valor de R$ 13.000,00 (treze mil reais), ajuizou demanda indenizatória contra a empresa recorrida, pleiteando o pagamento de R$ 1.798.816,17 (um milhão setecentos e noventa e oito mil oitocentos e dezesseis reais e dezessete centavos) a título de danos patrimoniais, morais e estéticos, além de lucros cessantes.

No transcurso da mencionada lide, foi homologada transação em que Zandoná Mineração comprometeu-se a pagar o valor de R$ 62.385,61 (ses-senta e dois mil trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e um centavos) ao motociclista.

Feita solicitação de reembolso pela segurada, a seguradora negou-se a pagar, sob a alegação de não ter anuído à avença judicial, o que ocasionou a presente demanda.

Em primeiro grau de jurisdição, a pretensão foi julgada parcialmen-te procedente para condenar a seguradora ré a pagar à autora o montante de R$ 57.385,63 (cinquenta e sete mil trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e três centavos) (fls. 239/241).

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Irresignadas, ambas as partes apelaram: a ré postulou a improcedência do pedido ou a redução do valor indenizatório ao capital segurado; já a autora, a inclusão na condenação dos valores gastos com a contratação de advogado e a revisão da distribuição dos ônus sucumbenciais.

O Tribunal local deu parcial provimento ao recurso da seguradora para reduzir o montante indenizatório e negou provimento ao apelo da segurada em acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL – ACORDO EFETUADO PELO SEGURADO SEM PRÉVIA ANUÊNCIA DA SEGURADORA – POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ – ALCANCE DA COBERTURA SECURITÁRIA – QUANTUM

1. Ausência de anuência prévia a acordo realizado com terceiro prejudicado. A excludente de cobertura prevista no art. 787, § 2º, do CC/2002 tem por finalida-de resguardar o direito da seguradora de questionar os valores alcançados pelo segurado a terceiros por ele prejudicado, quando, por exemplo, na hipótese de ocorrência de fraude. Hipótese em que não se verifica a ocorrência de fraude na negociação entabulada com o terceiro prejudicado, ou qualquer excesso no valor indenizatório fixado.

2. Limitação da cobertura. Pelo seguro de responsabilidade civil, obriga-se o se-gurador ao pagamento das perdas e danos devidos pelo segurado ao terceiro prejudicado, em razão da ocorrência de sinistro. Com efeito, a finalidade básica desta espécie de seguro é garantir o ressarcimento ao segurado, dos valores por ele despendidos para recompor o patrimônio do terceiro. Em vista disso, como as verbas relativas a honorários advocatícios e custas processuais da anterior ação em que o segurado e o terceiro prejudicado firmaram acordo não objetiva-vam a recomposição do patrimônio do terceiro prejudicado, não deveriam essas ter sido computadas no quantum devido. Entretanto, como tal questão não foi objeto de insurgência da seguradora apelante, e com vista a evitar reformatio in pejus, mantenho o valor condenatório fixado com relação a tais rubricas.

3. De outra banda, contudo, deve ser excluído do valor indenizatório a parcela que se referiria à restituição do patrimônio moral e estético do terceiro preju-dicado, espécies indenizatórias essas que não possuem cobertura garantida no contrato.

4. Ônus sucumbenciais. Sucumbência redistribuída.

Deram parcial provimento ao apelo da ré e negaram provimento ao apelo da autora. unânime.” (fl. 281)

Os embargos de declaração opostos foram acolhidos para corrigir erro material, sem efeitos infringentes (fls. 305/310).

No especial, a seguradora aponta, além de divergência jurisprudencial, violação do art. 787, § 2º, do Código Civil (CC).

Aduz, em síntese, que embora no seguro de responsabilidade civil o se-gurador arque com o pagamento de perdas e danos ao terceiro prejudicado, é

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vedado ao segurado, sem a prévia e expressa anuência, reconhecer sua respon-sabilidade, transigir ou indenizar diretamente o lesado, sob pena de perda da garantia.

Acrescenta que “A Câmara julgadora, para justificar a não aplicação do art. 787, § 2º, do CC, refere que tal dispositivo apenas tem razão de existir para casos em que há fraude contra a seguradora, ou ainda, comprovada a má-fé no acordo entabulado entre as partes. Entretanto, ao julgador não é permitida tamanha elasticidade interpretativa, a ponto de deixar de lado o que determina expressamente o dispositivo legal mencionado” (fl. 332).

Após a apresentação de contrarrazões (fls. 344/351), o recurso foi admi-tido na origem (fls. 353/358).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

Prequestionado o dispositivo legal apontado pela recorrente como malfe-rido, satisfeita a divergência jurisprudencial e preenchidos os demais pressupos-tos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do especial.

Cinge-se a controvérsia em saber se o segurado, protegido por seguro de responsabilidade civil - veículos, que realiza, sem a anuência da seguradora, transação judicial com a vítima de acidente de trânsito (terceiro prejudicado) perde o direito de garantia e de reembolso em caso de pagamento.

Sobre o tema, o art. 787, § 2º, do Código Civil dispõe:

“Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamen-to de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

[...]

§ 2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.”

Assim, o segurado, no seguro de responsabilidade civil, não pode, em princípio, reconhecer sua responsabilidade, transigir ou confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa em favor do lesado a menos que haja prévio e ex-presso consentimento do ente segurador, pois, caso contrário, perderá o direito à garantia securitária, ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito do reembolso do que despender.

A finalidade dessa norma, com a transmissão do risco de perda finan-ceira por responsabilidade civil, é impedir que o segurado retire o direito da

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seguradora de analisar tecnicamente os fatos e de fazer a regulação do sinistro, haja vista que será dela o dispêndio econômico, que poderá, inclusive, obter condições mais vantajosas de pagamento.

Entretanto, como as normas jurídicas não são estanques, mas sofrem in-fluências mútuas, a melhor interpretação do § 2º do art. 787 do CC é de que, embora sejam defesos, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado, que estiver de boa-fé e tiver agido com probidade, o direito à indenização e ao reembolso, sendo os atos apenas ineficazes perante a seguradora (Enunciados nºs 373 e 546 das Jornadas de Direito Civil). Desse modo, a perda da garantia securitária apenas se dará em caso de prejuízo efetivo ao ente segurador, a exemplo de fraude (conluio entre segurado e terceiro) ou de ressarcimento de valor exagerado (superfaturamento) ou indevido.

Nesse passo, vale conferir, por esclarecedoras, as seguintes ponderações de Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel:

“[...]

A norma do § 2º oferece grande discussão. Veda ao segurado reconhecer sua responsabilidade, o que se daria extrajudicialmente, e confessar a ação, o que mais propriamente corresponderia a reconhecer o pedido em processo judi-cial, na hipótese de ter sido dirigida contra si a pretensão. Além disso, veda seja prestada indenização ao terceiro, sem prévia autorização da seguradora. O pa-rágrafo não prevê a consequência do descumprimento do segurado a essas ve-dações.

Na verdade, sob pena de se comprometerem valores superiores, o comando só pode ser compreendido como norma destinada a esclarecer que o segurado não vinculará a seguradora tão só porque declarou sua responsabilidade, reconhe-ceu o pedido contra si formulado, ou pagou a indenização. Todos têm o dever de atuar de boa-fé e com veracidade, constituindo ilícito o comportamento que contrarie essa regra de conduta. Nenhum contrato pode submeter qualquer das partes a agir contra o Direito. Nem seguro pode restringir o direito de extinguir uma obrigação.

Declarando-se responsável sem o ser, reconhecendo pedido total ou parcial-mente incongruente com os fatos ou com o direito aplicável, ou pagando in-denização indevida no todo ou em parte, a seguradora não estará obrigada a seguir seus atos, isto é, nada prestará caso inexistente a responsabilidade que veio a ser declarada, nem prestará, não obstante o reconhecimento do pedido, senão o devido em virtude dos fatos e do direito a eles aplicável, nem reembol-sará qualquer quantia indevida que tenha sido paga ao terceiro sem sua auto-rização.” (TZIRULNIK E., CAVALCANTI F. Q. B., PIMENTEL A. O Contrato de Seguro: de acordo com o Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 144 – grifou-se)

Logo, se o sinistro realmente ocorreu e o montante ajustado foi correto ou vantajoso para a seguradora, não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do segurado.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������131

Na lição de Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

“[...]

Tratando-se de limitação a direito do segurado, parece ser necessário interpretar restritivamente o preceito, por exemplo, excluindo-se de sua abrangência a con-fissão ficta ou provocada. Até pelo significado da norma, quer-se é evitar que o segurado, por ato e iniciativa próprios, de alguma maneira prejudique a posição jurídica do segurador, impondo-lhe um ressarcimento acaso exagerado ou mes-mo indevido. Daí exigir-se sua anuência. Mas justamente por isso é que, mais ainda, não parece razoável impor ao segurado a perda automática do direito à cobertura, como consequência da falta de obtenção de placet do segurador para a prática dos atos elencados na lei, desde que não lhe tenha sido imposto qualquer dano. Não se crê possa ser presumido, de forma absoluta, um con-luio entre segurado e terceiro para prejudicar o segurador, o que se daria com a perda automática do direito ao ressarcimento pelo simples fato da ausência de concordância.

Mesmo um involuntário prejuízo não se pode admitir havido, tão só, por essa omissão, devendo-se, conforme se entende, reservar sempre a possibilidade de, apesar de não ocorrida anuência, comprovar o segurado que o ato por ele pra-ticado em nada alterou ou afetou a cobertura que, destarte, certamente haveria de ser honrada, nos mesmos moldes. Lembre-se mesmo que ocasionalmente a transação pode até trazer benefícios ao segurador, obrigado então a ressarcir valor menor do que lhe seria afeto se não houvesse o acordo.”

(In Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, obra coletiva, Ministro Cézar Peluso (coord.). 3. ed. São Paulo: Manole, p. 781 – grifou-se)

Nesse contexto, a vedação do reconhecimento da responsabilidade pelo segurado perante terceiro deve ser interpretada segundo a cláusula geral da boa-fé objetiva prevista no art. 422 do CC, de modo que a proibição que lhe foi imposta seja para posturas de má-fé, ou seja, que lesionem interesse da segu-radora, tais como provocar a própria revelia e/ou da seguradora, assumir inde-vidamente a responsabilidade pela prática de atos que sabe não ter cometido, faltar com a verdade com o objetivo de prejudicar a seguradora, entre outras que venham a afetar os deveres de colaboração e lealdade recíprocos.

Na espécie, conforme se extrai do acórdão recorrido, não se vislumbra nenhuma fraude cometida pelo segurado ou pelo terceiro nem prejuízo a inte-resse da seguradora com a transação firmada judicialmente sem a sua anuência.

Ademais, impende ressaltar que não há controvérsia acerca do prévio conhecimento pela seguradora do sinistro ocorrido, já que tentou fazer acordo extrajudicial com a vítima, que foi recusado por ter sido o valor irrisório. De qualquer forma, a recorrente, em nenhum momento, tenta demonstrar que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi abusiva, infundada ou desnecessária.

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132 ���������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Ao contrário, verifica-se que o acordo foi realizado em termos favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora, pelo que não há falar em prejuízo efe-tivo.

Eis o trecho do acórdão impugnado, na parte que interessa:

“[...]

12. No caso, entretanto, verifico que de fato inexistiu má-fé por parte da se-gurada. Com efeito, conforme se infere inclusive do depoimento do então ad-ministrador da empresa demandante, Célio Ernesto Benvegnu, constante às fls. 169/172 dos autos, o interesse da empresa autora era, em verdade, uni-camente resolver de maneira célere a questão, inclusive em razão do ele-vado valor dado à ação nº 71.037, ajuizada por Vanderlei do Nascimento (R$ 1.798.816,17 – fl. 60). Assim, de outra banda, tem-se que o valor pago a título de indenização naqueles autos (R$ 50.000,00 – fl. 63) não poderia ser considerado excessivo.

Nesse aspecto, aliás, como bem observado pela magistrada a quo, também não nega a seguradora-ré que a vítima do sinistro tinha efetivo direito à indenização pelos prejuízos de toda ordem que sofreu, tanto assim que através da petição [...] às fls. 28 a 30, a seguradora ofereceu [...] o pagamento indenizatório de R$ 13.000,00, em 25 de janeiro de 2001 (fl. 237).

13. Portanto, tenho que é efetivamente devido o pagamento da verba securitária contratada, não havendo respaldo jurídico a justificar a negativa de cobertura.” (fl. 291)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2009/0065322-0

Processo Eletrônico REsp 1.133.459/RS

Números Origem: 10501737069 117516956 70018142554 70027973643

Pauta: 21.08.2014 Julgado: 21.08.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Maurício Vieira Bracks

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AUTUAÇÃO

Recorrente: Allianz Seguros S/A

Advogado: Nely Quint e outro(s)

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������133

Recorrido: Zandoná Mineração e Terraplanagem Ltda.

Advogado: Sylvio Jorge da Costa Waldman e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Seguro

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

8117

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 736.650 – MT (2005/0047874‑6)Relator: Ministro Antonio Carlos FerreiraRecorrente: Banco Bradesco S/AAdvogado: Jose Manoel de Arruda Alvim Netto e outro(s)Recorrido: Paulo Jacques Cotrim Dias e cônjugeAdvogados: Geraldo Carlos de Oliveira e outro(s)

Rafael de Oliveira Cotrim Dias e outro(s)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO DECADENCIAL – TERMO INICIAL – TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDA NOS AUTOS – ART. 495 DO CPC – SÚMULA Nº 401/STJ – COISA JULGADA “POR CAPÍTULOS” – INADMISSIBILIDADE – SFH – UTILIZAÇÃO DO IPC (84,32%) NO MÊS DE ABRIL DE 1990 – ADOÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA (LEI Nº 8.177/1991) – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – ART. 485, V, DO CPC – SÚMULA Nº 343/STF – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA

1. A violação do art. 535 do CPC não se configura na hipótese em que o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se sobre a ques-tão controvertida nos autos, não incorrendo em omissão, contradição ou obscuridade.

2. O prazo decadencial de 2 (dois) anos para a propositura da ação res-cisória inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, que se aperfeiçoa com o exaurimento dos recursos cabíveis ou com o transcurso do prazo recursal, a teor do que dispõe a Súmula nº 401/STJ: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.

3. É incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acór-dão em momentos distintos, a fim de evitar o tumulto processual decor-rente de inúmeras coisas julgadas em um mesmo feito.

4. A ação rescisória, fundada no art. 485, V, do CPC, pressupõe viola-ção frontal e direta de literal disposição de lei, sendo certo, ainda, que a adoção pela decisão rescindenda de uma dentre as interpretações cabí-veis não enseja a rescisão do decisum. Incidência da Súmula nº 343/STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������135

5. No caso concreto, diversamente da atual jurisprudência, o acórdão rescindendo (transitado em julgado em 19.12.2001), embasado em uma das interpretações possíveis à época do julgamento (15.08.2000), decidiu pela aplicação do BTNf para a correção monetária do saldo devedor dos contratos do SFH no mês de março de 1990, no percentual de 41,28% (quarenta e um inteiros e vinte e oito centésimos percentuais), bem como pela impossibilidade de aplicação da TR nos contratos de financiamento habitacional celebrados antes da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, sob pena de locupletamento.

6. A pacificação da jurisprudência desta Corte em sentido contrário e posteriormente ao acórdão rescindendo não afasta a aplicação do Enun-ciado nº 343 da Súmula do STF.

7. Firmado o posicionamento deste Tribunal Superior quanto à interpre-tação de determinada norma infraconstitucional, torna-se cabível a ação rescisória contra julgado proferido em data posterior à pacificação, desde que contrário ao entendimento que se consolidou no STJ, afastando-se, em tal hipótese, a incidência do referido enunciado sumular.

8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO

A Corte Especial, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otá-vio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Luis Felipe Salomão acompanharam o voto do Sr. Ministro Relator com ressalvas.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Sidnei Beneti.

Brasília-DF, 20 de agosto de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Felix Fischer Presidente

Ministro Antonio Carlos Ferreira Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Recurso especial interposto por Banco Bradesco S.A. com fundamento no art. 105, III, alínea a, da CF, con-tra acórdão proferido pelo TJMT, assim ementado:

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136 ���������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

“AÇÃO RESCISÓRIA – DECADÊNCIA – CAPÍTULO DO ACÓRDÃO NÃO IM-PUGNADO NO RECURSO ESPECIAL – MÉRITO – DIVERGÊNCIA JURISPRU-DENCIAL – ACOLHIDA DE CERTA CORRENTE PELO DECISÓRIO – INEXIS-TÊNCIA DE OFENSA À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE

Caso parte do acórdão não tenha sido impugnado pelo recurso especial, tal questão transita em julgado logo que escoado o prazo para tal recurso, inician-do-se daí o prazo decadencial da ação rescisória para a reversão do que foi de-cidido nesse ponto em específico.

Quando existe divergência jurisprudencial sobre determinado assunto, o aco-lhimento de posição, até mesmo minoritária, pela decisão não possibilita o ma-nejo da ação rescisória, sob o pálio do art. 285, inciso V, do CPC, pois, nesse caso, não há violação de dispositivo legal” (fl. 1.422).

Na origem, trata-se de ação rescisória ajuizada pelo ora recorrente contra acórdão que, em sede de apelação interposta pela instituição financeira nos autos de ação revisional, decidiu pela aplicação do BTNf para a correção mo-netária do saldo devedor de contrato vinculado ao SFH, para o mês de março de 1990, bem como pela impossibilidade de utilização da TR nos contratos de financiamento habitacional celebrados antes da Lei nº 8.177/1991.

O pedido foi julgado improcedente pelo TJMT, nos moldes delineados pela ementa acima transcrita (fls. 1.422/1.441).

Opostos embargos de declaração ao acórdão, foram eles rejeitados (fls. 1.454/1.457).

O Banco Bradesco S.A., no recurso especial, aduz violação dos seguintes dispositivos legais: (a) arts. 535, I e II, do CPC – diante da ausência de mani-festação sobre questões essenciais ao deslinde da controvérsia, (b) art. 495 do CPC – porque não configurada a decadência para o ajuizamento da rescisória quanto à TR, pois, no julgamento da apelação e do especial, foi analisada a correção do saldo devedor, o que engloba o índice e respectivo percentual, não havendo que se cogitar do início do prazo para a propositura da ação rescisória relativamente à TR em momento anterior àquele relativo ao IPC; e (c) art. 485, V, do CPC – argumentando que o acórdão rescindendo violou o disposto nos arts. 16 e 17 da Lei nº 7.730/1989, os quais determinam que a correção mo-netária dos contratos firmados pelo SFH deve ser realizada com base no índice de remuneração da caderneta de poupança, o IPC, no período de março/1990, bem como o art. 12 da Lei nº 8.177/1990, que prevê o reajuste dos saldos de-vedores de financiamentos habitacionais pelos mesmos índices utilizados pela caderneta de poupança.

Ao final, sustenta a inaplicabilidade da Súmula nº 343/STF para obstar sua pretensão, argumentando que a jurisprudência do STJ desde 1999 – portan-to antes do trânsito em julgado da decisão objeto da rescisória – estava pacifica-da quanto à aplicação do IPC para a correção do saldo devedor de março/1990

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������137

dos contratos de mútuo habitacional do SFH e quanto à possibilidade de uti-lização da TR a partir da Lei nº 8.177/1991, ainda que o contrato tenha sido celebrado antes da edição da mencionada legislação.

Os recorridos, em contrarrazões (fls. 1.496/1.551), pugnam pelo despro-vimento do presente recurso, ante a incidência da Súmula nº 343/STF.

O recurso especial foi inadmitido pelo Tribunal a quo (fls. 293/294), su-bindo a esta Corte por força de provimento ao Ag n. 644.175/RJ (fl. 340).

Os autos foram redistribuídos ao eminente Ministro Aldir Passarinho Junior (fl. 1.599) e atribuídos e este Relator em 21.06.2011 (fl. 1.612v).

O presente recurso especial foi afetado pela Quarta Turma a esta Corte Especial por conta da discussão sobre a aplicação do Enunciado nº 343 da Súmula do STF. É que, no presente caso, diversamente da atual jurisprudência, o acórdão rescindendo, fundamentado em uma das interpretações possíveis à época do julgamento, decidiu pela aplicação do BTNf, no período de março de 1990, para a correção monetária do saldo devedor do contrato habitacional, afastando a incidência da TR para períodos posteriores a 01.03.1991, tendo em vista que o contrato foi firmado em momento anterior ao início de vigência da Lei nº 8.177/1991.

O autor da rescisória requer a adoção do IPC em março de 1990 e a declaração da legalidade da incidência da TR, em consonância com a atual jurisprudência desta Corte.

É o relatório.

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO DECADENCIAL – TERMO INICIAL – TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDA NOS AUTOS – ART. 495 DO CPC – SÚMULA Nº 401/STJ – COISA JULGADA “POR CAPÍTULOS” – INADMISSIBILIDADE – SFH – UTILIZAÇÃO DO IPC (84,32%) NO MÊS DE ABRIL DE 1990 – ADOÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA (LEI Nº 8.177/1991) – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – ART. 485, V, DO CPC – SÚMULA Nº 343/STF – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA

1. A violação do art. 535 do CPC não se configura na hipótese em que o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se sobre a ques-tão controvertida nos autos, não incorrendo em omissão, contradição ou obscuridade.

2. O prazo decadencial de 2 (dois) anos para a propositura da ação res-cisória inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, que se aperfeiçoa com o exaurimento dos recursos cabíveis ou com o transcurso do prazo recursal, a teor do que dispõe a Súmula

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138 ���������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

nº 401/STJ: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.

3. É incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acór-dão em momentos distintos, a fim de evitar o tumulto processual decor-rente de inúmeras coisas julgadas em um mesmo feito.

4. A ação rescisória, fundada no art. 485, V, do CPC, pressupõe viola-ção frontal e direta de literal disposição de lei, sendo certo, ainda, que a adoção pela decisão rescindenda de uma dentre as interpretações cabí-veis não enseja a rescisão do decisum. Incidência da Súmula nº 343/STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

5. No caso concreto, diversamente da atual jurisprudência, o acórdão rescindendo (transitado em julgado em 19.12.2001), embasado em uma das interpretações possíveis à época do julgamento (15.08.2000), decidiu pela aplicação do BTNf para a correção monetária do saldo devedor dos contratos do SFH no mês de março de 1990, no percentual de 41,28% (quarenta e um inteiros e vinte e oito centésimos percentuais), bem como pela impossibilidade de aplicação da TR nos contratos de financiamento habitacional celebrados antes da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, sob pena de locupletamento.

6. A pacificação da jurisprudência desta Corte em sentido contrário e posteriormente ao acórdão rescindendo não afasta a aplicação do Enun-ciado nº 343 da Súmula do STF.

7. Firmado o posicionamento deste Tribunal Superior quanto à interpre-tação de determinada norma infraconstitucional, torna-se cabível a ação rescisória contra julgado proferido em data posterior à pacificação, desde que contrário ao entendimento que se consolidou no STJ, afastando-se, em tal hipótese, a incidência do referido enunciado sumular.

8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator):

Trata-se, na origem, de ação rescisória, proposta em 18.12.2002 por Banco Bradesco S.A., buscando rescindir acórdão do TJMT, proferido na Apelação Cível nº 23.073, em 15.08.2000, DJ de 09.11.2000 (fls. 420/429), assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REVISIONAL DOS VALORES DAS PRESTAÇÕES E PERDAS E DANOS – CONTRATO DE COMPRA E VEN-

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������139

DA, MÚTUO, PACTO ADJETO DE HIPOTECA E OUTRAS AVENÇAS – PRE-LIMINAR DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA – INCON-SISTENTE – APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE 84,32% – IPC DE MARÇO DE 1990 – IMPROCEDÊNCIA – CORREÇÃO MONETÁRIA – ÍNDICE ADOTADO – TR – INSUBSISTENTE – TAXA DE REMUNERAÇÃO NOMINAL E EFETIVA – CON-FORME CONVENÇÃO DAS PARTES – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO

Se os elementos constantes dos autos foram suficientes para formar a convicção do Juiz, a sentença não é nula por falta de fundamentação. Em se tratando de contrato com financiamento hipotecário, oriundo de recursos captados de ca-derneta de poupança e assinado antes do mês de março de 1999, o índice de atualização a ser aplicado é o da variação do BTNf, no percentual de 41,28%, consoante jurisprudência assente nos Tribunais Superiores e disposição contida na Lei nº 8.024/1990. Nos contratos celebrados antes da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, que institui a TR, aplicar-se-á como subsistente, o INPC, a fim de evitar-se o locupletamento ilícito” (fl. 426).

As Câmaras Cíveis Reunidas do TJMT acolheram a decadência em re-lação à TR e julgou improcedente a ação no tocante ao IPC de março/1990, aplicando o Enunciado nº 343 da Súmula do STF, possuindo o acórdão, ora recorrido, a seguinte ementa:

“AÇÃO RESCISÓRIA – DECADÊNCIA – CAPÍTULO DO ACÓRDÃO NÃO IM-PUGNADO NO RECURSO ESPECIAL – MÉRITO – DIVERGÊNCIA JURISPRU-DENCIAL – ACOLHIDA DE CERTA CORRENTE PELO DECISÓRIO – INEXIS-TÊNCIA DE OFENSA À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE

Caso parte do acórdão não tenha sido impugnado pelo recurso especial, tal questão transita em julgado logo que escoado o prazo para tal recurso, inician-do-se daí o prazo decadencial da ação rescisória para a reversão do que foi de-cidido nesse ponto em específico.

Quando existe divergência jurisprudencial sobre determinado assunto, o aco-lhimento de posição, até mesmo minoritária, pela decisão não possibilita o ma-nejo da ação rescisória, sob o pálio do art. 285, inciso V, do CPC, pois, nesse caso, não há violação de dispositivo legal” (fl. 1.422).

O presente recurso especial foi afetado pela Quarta Turma a esta Corte Especial, tendo em vista, precipuamente, a aplicação do Enunciado nº 343 da Súmula do STF, com destaque para o fato de que, hoje, diversamente do que se verificava na época do julgamento da apelação, a jurisprudência do STJ está pacificada em sentido contrário ao do acórdão rescindendo. Se aplicada a atual jurisprudência, seriam atendidas as pretensões deduzidas pelo autor desta res-cisória, Banco Bradesco S.A., o qual postula a declaração de legalidade da in-cidência da TR como indexador contratual (contrato de mútuo hipotecário vin-culado ao SFH) e da adoção do IPC de março/1990 em substituição do BTNf.

A afetação do presente recurso para este colegiado decorre de divergên-cia entre julgados deste Tribunal Superior, a partir do julgamento pela Segunda

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140 ���������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Seção da AR 3.682/RN, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, DJe de 19.10.2011, no qual a rescisória foi admitida também para a hipótese de a jurisprudência do STJ ter se pacificado após o julgamento do acórdão rescin-dendo. Eis a ementa do julgado:

“PROCESSO CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – PEDIDO – INTERPRETAÇÃO – VIO-LAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI – REQUISITOS – SÚMULA Nº 343/STF – INTERPRETAÇÃO – PREVIDÊNCIA PRIVADA – REAJUSTE – PLANO REAL – CRITÉRIOS

1. O pedido formulado em ações ou recursos deve ser interpretado de forma lógico-sistemática, com base em todo o conjunto da petição e não de seu capí-tulo final, apenas.

2. Se, da leitura de toda a petição inicial, fica clara a intenção da requerente de rescindir todos os acórdãos que compuseram o julgamento da causa, a menção exclusiva ao acórdão que decidiu os embargos no capítulo do pedido não im-pede o conhecimento da ação.

3. A violação de disposição de lei pode se dar quando o Tribunal aplica deter-minada norma a hipótese em que ela não incidiria, bem como quando se recu-sa a aplicá-la, quando cabível.

4. A apreciação do mérito do recurso especial, ainda que este não tenha sido conhecido pelo STJ, autoriza a propositura, perante este, de ação rescisória pe-rante. Enunciado nº 249 da Súmula do STF.

5. Nos termos do Enunciado nº 343 da Súmula do STF, não é cabível ação res-cisória por violação de literal dispositivo de lei quando a matéria era controver-tida nos Tribunais à época do julgamento. A jurisprudência, contudo, tanto do STF como do STJ evoluiu de modo a considerar que não se pode admitir que prevaleça um acórdão que adotou uma interpretação inconstitucional (STF) ou contrária à Lei, conforme interpretada por seu guardião constitucional (STJ). As-sim, nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vaci-lante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada.

6. Compete ao requerente, ao demonstrar a violação de literal dispositivo de lei, expor em que sentido se pacificou a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

7. Não é possível alegar, em ação rescisória, fato contrário ao que ficou incon-troverso na ação originária. Vedação do comportamento processual contradi-tório.

8. Os arts. 38 da Lei nº 8.884/1994 e 24 da MP 566/1994 não se aplicam à hipótese de reajuste de benefícios previdenciários, cuja data-base de reajuste é anterior à edição dessas normas. Aplicação dos arts. 14 e 16 da MP 542/1994.

9. A ação rescisória, por sua força e importância institucional, é medida de ex-trema gravidade que deve ser manejada apenas em hipóteses excepcionais, de-mandando seriedade e ponderação ao requerente.

10. O manejo de ação rescisória sem a demonstração da pacificação da juris-prudência do Tribunal Superior em sentido contrário ao do julgamento e, mais,

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������141

na hipótese em que a jurisprudência caminhou no mesmo sentido do acórdão recorrido, com distorção de situações de fato, é medida de má-fé.

11. A litigância de má-fé assume especial gravidade quando a intenção da parte é de postergar o recebimento, por pessoas de idade avançada, de benefícios re-lacionados à complementação de aposentadoria. A proteção ao idoso é garan-tida de maneira prioritária tanto pela Constituição Federal como pela legislação infraconstitucional.

12. Pedido julgado improcedente, com aplicação de multa.”

Ao julgado acima, da 2ª Seção, seguiram-se o REsp 1.324.072/DF, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., DJe de 14.09.2012, e o REsp 1.412.667/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 03.02.2014.

Por se cuidar de matéria relevante, que diz respeito a todas as Seções des-te Tribunal Superior, a 4ª T. entendeu oportuno submeter o assunto à criteriosa consideração da egrégia Corte Especial.

Preliminarmente, conheço do recurso especial pela alínea a do permissi-vo constitucional, em razão do prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados.

I – ART. 535, I E II, DO CPC

Os embargos de declaração somente são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição, omissão ou erro material, conforme dispõe o art. 535, I e II, do CPC.

O julgador não está compelido a ponderar sobre todos os argumentos invocados pela parte quando tenha, consoante o seu livre convencimento, en-contrado fundamentação satisfatória para dirimir integralmente a controvérsia.

Desse modo, quanto à alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC, não assiste razão ao recorrente, porquanto o Tribunal a quo decidiu a matéria controvertida nos autos, ainda que contrariamente aos seus interesses, não incorrendo, pois, em omissão, contradição ou obscuridade.

Ademais, não há nulidade no acórdão recorrido, o qual possui funda-mentação suficiente à exata compreensão das questões apreciadas.

II – DECADÊNCIA (ART. 495 DO CPC)

O art. 495 do CPC, ao tratar do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, dispõe:

“Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, con-tados do trânsito em julgado da decisão.”

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O prazo decadencial de 2 (dois) anos para o ajuizamento da ação resci-sória inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, que se aperfeiçoa com o exaurimento dos recursos cabíveis ou com o transcurso do prazo recursal, dos termos da Súmula nº 401/STJ, in verbis:

“O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”

Cândido Rangel Dinamarco, ao analisar o trânsito em julgado dos capítu-los de sentença e suas consequências para fins de fixação do termo inicial para a propositura da ação rescisória, afirma em sede doutrinária:

“O prazo para propor a ação rescisória começa a fluir sempre e unicamente do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, ainda quan-do algum dos capítulos sentenciais se haja tornado irrecorrível antes. Se uma sentença ou acórdão contiver dois ou mais capítulos, sendo objeto de recurso somente um deles, aquele prazo começará, em relação a todos os capítulos, quando passar em julgado o acórdão julgador desse recurso. Essa firme orienta-ção, que conta com o apoio do disposto nos arts. 467 e 485, caput, do Código de Processo Civil, desconsidera a teoria dos capítulos de sentença para impedir que no processo se implantem situações de incerteza que pudessem constituir fator de insegurança jurídica para as partes” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, Saraiva, 2013, p. 123, grifos no original).

A propósito, a jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de ser incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos distintos, para evitar o tumulto processual decorrente de inúmeras questões de mérito julgadas em um mesmo feito, consoante se colhe dos se-guintes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – AÇÃO E RECONVENÇÃO – IM-POSSIBILIDADE DE CINDIR A COISA JULGADA – TRÂNSITO EM JULGADO QUE ACONTECE APENAS DEPOIS DA ÚLTIMA DECISÃO ACERCA DO ÚL-TIMO RECURSO INTERPOSTO CONTRA O JULGADO RESCINDENDO – RE-QUISITO NÃO PREENCHIDO

[...]

3. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o termo inicial para ajuizamento de ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado material, o qual somente ocorre quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso, sendo incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos diversos (EREsp 404777/DF, Rel. Min. Fontes de Alencar, Rel. p/ Ac. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, Julgado em 03.12.2003, DJ 11.04.2005).

[...]

5. Embora sejam autônomas, a reconvenção e a ação principal são julgadas na mesma sentença, ou seja, as duas são resolvidas no mesmo ato judicial. Assim,

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������143

como o prazo decadencial da ação rescisória deve ter como termo inicial o dia seguinte da data em que transitou em julgado o último recurso interposto contra sentença ou acórdão, seja ela parcial ou integral, em razão da impossibilidade de cindir a coisa julgada, o início da contagem do prazo para a apresentação da rescisória, no presente caso, só se dará com o trânsito em julgado do processo em que foi apresentada a reconvenção.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido” (REsp 1.353/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 28.05.2013).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – PROVIMENTO DO RE-CURSO DO SERVIDOR – AÇÃO RESCISÓRIA – DECADÊNCIA DO DIREITO DE OBTER A RESCISÃO DO JULGADO INTERPOSTO PELA ORA AGRAVANTE

[...]

2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o termo inicial para ajuizamento de ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado material, o qual somente ocorre quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso, sendo incabível o trânsito em julgado de ca-pítulos da sentença ou do acórdão em momentos diversos (EREsp 404.777/DF, Rel. Min. Fontes de Alencar, Rel. p/ Ac. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 11.04.2005).

3. Da análise dos autos, depreende-se que o trânsito em julgado da última de-cisão ocorreu em 28.04.1999 e que a presente ação foi ajuizada somente em 11.05.2001, ou seja, após o prazo legal de dois anos. Assim, claro está que ocorreu a decadência do direito de obter a rescisão do julgado.

4. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg-REsp 1.056.694/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Desembargador convocado do TJRS, 6ª T., DJe 27.02.2012).

“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JU-RISDICIONAL – NÃO OCORRÊNCIA – HONORÁRIOS – DISTRIBUIÇÃO POR EQUIDADE – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 211/STJ – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO PARA PROPOSITURA – TERMO INICIAL - TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERI-DA NOS AUTOS – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 401/STJ – COISA JULGA-DA ‘POR CAPÍTULOS’ – INADMISSIBILIDADE – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA PROPORCIONALMENTE À PERDA SOFRIDA PELAS PARTES – ESCÓLIO JURISPRUDENCIAL – DIVERGÊN-CIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA – RECURSO ESPECIAL PAR-CIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO

[...]

III – Interpretando-se o disposto no art. 495 do Código de Processo Civil, o ter-mo inicial da contagem do prazo bienal para a propositura da ação rescisória, será o trânsito em julgado da última decisão posta no último recurso eventual-mente interposto, momento em que já não cabe qualquer insurgência quanto à

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decisão rescindenda. Incidência da recente Súmula nº 401/STJ. Observância, na espécie.

IV – Não se admite, por consequência, a chamada ‘coisa julgada por capítulos’, uma vez que tal entendimento resultaria em grave tumulto processual, tornan-do possíveis inúmeras e indetermináveis quantidade de coisas julgadas em um mesmo feito.

[...]

VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido” (REsp 1.004.472/PR, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., DJe 23.11.2010).

“AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO PRESCRICIONAL – IPI – CRÉDITO-PRÊMIO – REFORMATIO IN PEJUS – OCORRÊNCIA

1. A Corte Especial do STJ, no julgamento do EREsp 404.777/DF, Rel. p/ Ac. Min. Francisco Peçanha Martins (DJU de 11.04.2005), firmou o entendimento de que ‘o direito de propor a ação rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa’.

Ressaltou-se, na ocasião, inexistir, no ordenamento jurídico brasileiro, a ‘coisa julgada material de capítulos de sentença’, também conhecida como ‘coisa jul-gada fatiada’.

2. Proferida a última ‘decisão’ na causa originária em 21.09.1999, não há que se falar em decadência, já que a ação rescisória foi ajuizada em 09.06.2000.

[...]

8. Ação rescisória procedente” (AR 1.328/DF, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., DJe de 01.10.2010).

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPE-CIAL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO PARA PROPOSITURA – TERMO INICIAL – TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDA NOS AUTOS – CPC, ARTS. 162, 163, 267, 269 E 495

A coisa julgada material é a qualidade conferida por lei à sentença/acórdão que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo, pois, a lide.

Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sen-tença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial.

Consoante o disposto no art. 495 do CPC, o direito de propor a ação rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em julgado da úl-tima decisão proferida na causa.

Embargos de divergência improvidos” (EREsp 404.777/DF, Rel. originário Min. Fontes de Alencar, Rel. p/ Ac. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, DJ de 11.04.2005).

O entendimento adotado pelo STJ ao unificar o termo inicial para a pro-positura da ação rescisória, qual seja, o último pronunciamento judicial sobre

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������145

algum dos capítulos da sentença ou do acórdão rescindendo, independente-mente do suposto trânsito em julgado de outros pontos, leva em consideração que o trânsito em julgado, como requisito para a ação rescisória (art. 485, caput, do CPC), somente se opera no momento em que a decisão proferida no proces-so não seja suscetível de nenhum recurso (art. 467 do CPC), além da circuns-tância de o desmembramento da sentença ou do acórdão em capítulos para fins de ajuizamento da ação rescisória gerar indesejável insegurança jurídica para as partes.

Nesse ponto, no entanto, não se desconhece que o projeto do novo Có-digo de Processo Civil que tramita no Senado Federal propõe a coisa julgada progressiva. Também a Primeira Turma do egrégio Supremo Tribunal Federal vem de adotar, em recente julgado de relatoria do Ministro Marco Aurélio, en-tendimento segundo o qual o prazo decadencial de ação rescisória, nos casos de existência de capítulos autônomos, deve ser contado do trânsito em julga-do de cada decisão (RE 666.589/DF, DJe de 03.06.2014). Em tais condições, caso mantida a proposta do novo Código de Processo Civil e eventual alteração da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, no tempo oportuno, a Corte deverá promover novo exame do Enunciado nº 401 da Súmula deste Tribunal.

O acórdão recorrido, ao examinar a tempestividade da ação rescisória, esclarece:

“O acórdão rescindendo foi publicado no Diário de Justiça do dia 09.11.2000, que circulou em 10.11.2000, consoante certidão vista a fl. 429. De tal sorte, o prazo do recurso especial se esgotou justamente no dia em que foi protocolado, é dizer, dia 27.11.2000. Todavia, por ausência de pré-questionamento, o órgão judicante competente negou seguimento ao recurso especial (fls. 468/489), cuja decisão transitou em julgado em 19.12.2001. Tendo em vista essa data, o autor ajuizou ação rescisória em 18.12.2002, portanto, dentro do prazo decadencial que permitia discutir a matéria tratada naquele recurso” (fl. 1.425 grifei).

No presente caso, porém, o Tribunal local assentou que a ausência de impugnação a respeito da aplicação da TR no recurso especial ensejou o trânsi-to em julgado da referida questão logo que escoado o prazo para o mencionado recurso, iniciando-se daí o prazo decadencial da ação rescisória nesse ponto específico.

Nada obstante, a inadmissibilidade do trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos distintos impede a existência de vá-rios termos iniciais do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória no mesmo feito, conforme demonstrado anteriormente.

Nessas condições e na linha da jurisprudência desta Corte, o início do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, no caso concreto, deve ser contado do trânsito em julgado do acórdão do recurso especial, não se po-dendo cogitar da decadência do direito de o banco postular a rescisão quanto

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ao tópico relativo à possibilidade da aplicação da TR para correção do saldo devedor do contrato de financiamento habitacional em apreço.

Fica o recurso especial provido nessa parte, portanto, para afastar a deca-dência em relação à pretendida aplicação da TR.

III – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (ART. 485, V, DO CPC) – APLICABILIDADE DO ENUNCIADO Nº 343 DA SÚMULA DO STF

Conforme assinalado inicialmente, essa é a questão que ensejou a afeta-ção do presente recurso especial à Corte Especial, cabendo enfrentar a aplica-bilidade do Enunciado nº 343 da Súmula do STF.

O art. 485, inciso V, do CPC, ao dispor sobre o cabimento da ação res-cisória, preceitua:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

[...]

V – violar literal disposição de lei;”

A ação rescisória, fundada no art. 485, V, do CPC, pressupõe violação frontal e direta de literal disposição de lei, sendo certo, ainda, que a adoção pela decisão rescindenda de uma entre as interpretações cabíveis não enseja a rescisão do decisum.

Nesse contexto, o entendimento do STF cristalizado no Enunciado nº 343 da Súmula daquela egrégia Corte:

“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a deci-são rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

No presente caso, o acórdão rescindendo (transitado em julgado em 19.12.2001) está fundamentado em interpretação controvertida à época do julgamento (15.08.2000), decidindo pela aplicação do BTNf para a correção monetária do débito referente ao período de março de 1990, no percentual de 41,28% (quarenta e um inteiros e vinte e oito centésimos percentuais), bem como pela impossibilidade de aplicação da TR nos contratos de financiamento habitacional celebrados antes da Lei nº 8.177, de 01.03.1991, sob pena de locupletamento.

Com efeito, essas eram interpretações possíveis à época do julgamento.

A própria jurisprudência do STJ durante alguns anos oscilou entre a apli-cação do BTNf e do IPC para correção dos saldos devedores nos contratos vin-culados ao SFH.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������147

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, a egrégia Corte Especial, numa mesma sessão (em 1º de julho de 2002), pela circunstancial variação de sua composição, chegou a resultados distintos quanto à adoção de tais índices ao julgar os EREsp 123.660/PR, Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 30.06.2003 (aplicou o IPC) e 196.841/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 17.02.2003 (ado-tou o BTNf).

Tal divergência somente veio a ser pacificada em abril de 2003, por oca-sião do julgamento dos EREsp 218.426/SP pela Corte Especial, oportunidade em que se definiu que o índice a ser aplicado para correção do saldo devedor nos contratos de financiamento imobiliário, em abril de 1990, é o IPC de março do mesmo ano, no percentual de 84,32%, conforme se colhe da ementa do mencionado julgado:

“FINANCEIRO – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – CONTRATO DE FINANCIA-MENTO IMOBILIÁRIO – SALDO DEVEDOR – CORREÇÃO MONETÁRIA – ÍN-DICE

Em sede de correção monetária do saldo devedor dos contratos de financia-mento imobiliário deve ser aplicado o Índice de Preço ao Consumidor – IPC, na forma prevista no sistema da Lei nº 7.730/1989. É imprópria, no caso, à míngua de previsão legal, a adoção do BTNF, somente cabível para a atuali-zação dos cruzados novos bloqueados por força do disposto no art. 6º, § 2º, da Lei nº 8.024/1990. Embargos de divergência conhecidos e rejeitados” (EREsp 218.426/SP, Rel. Min. Vicente Leal, Corte Especial, Julgado em 10.04.2003, DJ 19.04.2004, p. 148).

No que se refere à aplicação da TR, observo que o acórdão rescinden-do foi proferido em 15.08.2000 (fls. 420/427), período em que a jurisprudên-cia desta Corte Superior ainda oscilava quanto ao tema, havendo julgados repelindo a adoção do referido índice (v.g. REsp 152.502/BA, Rel. Originário Min. Demócrito Reinaldo, Rel. p/ Ac. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª T., DJ de 31.05.1999; e REsp 218.253/BA, DJ de 21.02.2000, REsp 140.839/BA, DJ de 21.02.2000, REsp 149.861/SE, DJ de 03.04.2000, REsp 150.347/SE, DJ de 10.04.2000, e REsp 209,466/BA, DJ de 17.06.2002, todos da relatoria do em. Ministro Peçanha Martins, 2ª T.) e outros aplicando a TR quando pactua-da (REsp 172.165/BA, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª T., DJ de 21.06.1999; REsp 229.590/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª T., DJ de 21.08.2000; e REsp 164.910/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., DJ de 19.11.2001).

A jurisprudência do STJ veio a se pacificar a partir de 2006, admitindo a utilização da TR como indexador, mesmo em relação a contratos celebrados antes da Lei nº 8.177/1991, quando pactuado o mesmo índice da caderneta de poupança, podendo-se citar os seguintes precedentes: EDcl-EREsp 453.600/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Corte Especial, DJ de 24.04.2006; AgRg--Pet 4.282/DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Corte Especial, DJ de 01.08.2006; AgRg-EREsp 656.083/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S.,

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DJ de 30.10.2006; AgRg-Pet 4.831/DF, Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, DJ de 27.11.2006; e EREsp 752.879/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJ de 12.03.2007).

Hoje, a adoção da TR encontra-se sumulada nos seguintes termos:

“Pactuada a correção monetária nos contratos do SFH pelo mesmo índice apli-cável à caderneta de poupança, incide a taxa referencial (TR) a partir da vigên-cia da Lei nº 8.177/1991” (Enunciado nº 454 da Súmula do STJ, aprovada pela Corte Especial em 18.08.2010, DJe de 24.08.2010).

Em suma, as questões relativas ao IPC e à TR se pacificaram neste Tri-bunal Superior, de forma clara, no mesmo sentido da postulação contida na presente ação rescisória e em divergência com o julgado rescindendo apenas em 2003 e em 2006, respectivamente. Em tal circunstância, não se vislumbra, no presente caso, violação frontal e direta da literal disposição de lei nem inter-pretação aberrante, porquanto fundamentada em entendimento jurisprudencial admissível à época da prolação da decisão rescindenda, cuja publicação ocor-reu em 09.11.2000. Portanto, entendo aplicável ao caso o Enunciado nº 343 da Súmula do egrégio STF.

Nesse sentido, seguindo a jurisprudência tradicional, apresento os se-guintes precedentes da Primeira Seção:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AÇÃO RESCISÓRIA – ART. 485, V E IX, DO CPC – ERRO DE FATO – INEXISTÊNCIA – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPO-SIÇÃO DE LEI – INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA – SÚMULA Nº 343/STF – INCIDÊNCIA – IRPJ E CSLL – SERVIÇOS HOSPITALARES

[...]

3. Em relação à propositura com fulcro no art. 485, V, do CPC, a Ação Rescisó-ria por violação de literal disposição de lei só é cabível quando a interpretação conferida pelo acórdão rescindendo for teratológica, revelando total descom-passo com a jurisprudência amplamente predominante à época do julgado.

4. Somente em 22.04.2009, por ocasião do julgamento do REsp 951.251/PR, o tema relativo à exegese da expressão ‘serviços hospitalares’, prevista na Lei nº 9.429/1995 (para fins de obtenção da redução das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL), teve o entendimento uniformizado no STJ.

5. Dessa forma, embora a matéria esteja atualmente pacificada – inclusive sob o rito do art. 543-C do CPC –, comportava soluções divergentes no STJ à épo-ca do julgamento que se pretende rescindir (08.11.2006). Aplicação da Súmula nº 343/STF.

6. Ação Rescisória julgada improcedente” (AR 4.456/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 07.03.2014).

“AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI (ART. 485, V, DO CPC) – CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA – CONTROVÉRSIA À ÉPOCA – MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL – SÚMULA Nº 343 DO STF

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������149

Ação rescisória que visa a desconstituição de acórdão que decidiu ser indevida a contribuição para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, por empresas urbanas, após a vigência da Lei nº 8.212, de 1991.

Hipótese em que a questão era controvertida à época em que proferido o acór-dão rescindendo, sendo infraconstitucional a matéria decidida, conforme enten-dimento do Supremo Tribunal Federal.

Ação rescisória a que se nega provimento” (AR 4.884/SC, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe de 05.12.2013).

“PROCESSO CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSI-ÇÃO DE LEI – ACÓRDÃO DECIDIDO COM RESPALDO EM DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS SEGUNDO ENTENDIMENTO VIGENTE À ÉPOCA – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 343/STF

[...]

2. Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a de-cisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais. Súmula nº 343/STF.

3. O julgado cuja rescisão se pretende foi prolatado quando a questão referen-te à extinção da contribuição ao Incra ainda era controvertida nesta Primeira Seção.

4. Ação rescisória não admitida” (AR 4.895/PR, Relª Min. Eliana Calmon, DJe de 30.09.2013).

“PROCESSO CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSI-ÇÃO DE LEI – ACÓRDÃO DECIDIDO COM RESPALDO EM DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS SEGUNDO ENTENDIMENTO VIGENTE À ÉPOCA – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 343/STF

1. Como a ação de origem foi decidida com base em dispositivos infraconstitu-cionais, aplicando entendimento corrente à época do julgado, incide na espécie o teor da Súmula nº 343/STF.

2. Ação rescisória inadmitida com extinção do processo” (AR 4.671/PE, Relª Min. Eliana Calmon, DJe de 30.09.2013).

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSI-ÇÃO DE LEI – INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NOS TRIBUNAIS À ÉPO-CA DO JULGAMENTO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 343/STF

1. Em 06.05.2008, quando foi publicado o acórdão rescindendo, havia notó-ria oscilação na jurisprudência deste Superior Tribunal no que tange à matéria controvertida, ora admitindo que o conceito de serviços hospitalares estatuído no art. 15, § 1º, III, a, da Lei nº 9.240/1995 abrangeria as atividades de natureza hospitalar independentemente de estrutura para internação, ora conferindo exe-gese restrita ao tema.

2. Assim sendo, é impositiva a incidência do óbice inscrito na Súmula nº 343/STF: ‘Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei,

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quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais’.

3. Ação rescisória extinta sem resolução de mérito” (AR 4.473/SC, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 26.06.2012).

A Segunda Seção, em precedente antigo (AR 805/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 10.06.2003), também chegou a aplicar o Enunciado nº 343 da Súmula do STF, porque a tese do autor da respectiva ação rescisória, de li-mitar a taxa de juros de cédula de crédito rural a 12% ao ano, foi acolhida de forma pacífica nesta Corte, somente depois de proferido o acórdão rescindendo, o qual afastou a limitação requerida.

Igualmente faço remissão ao julgado proferido na AR 3.933/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Desembargador convocado do TJRS, Segunda Seção, DJe de 04.03.2011, assim ementado:

“AÇÃO RESCISÓRIA – PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – EFEITOS INFRINGENTES – NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA PARTE CON-TRÁRIA – MATÉRIA CONTROVERTIDA À ÉPOCA DA DECISÃO RESCINDEN-DA – SÚMULA Nº 343/STF – APLICABILIDADE – PRINCÍPIO DO CONTRADI-TÓRIO – ART. 5º, LV, DA CF – OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL – PRECEDENTES DO STF – CONSTRU-ÇÃO JURISPRUDENCIAL – VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – NÃO OCORRÊNCIA – DANO MORAL – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REDUÇÃO PELO STJ – POSSIBILIDADE – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – HIPÓ-TESES DE CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA – FALTA DE PREVISÃO

1. O pedido de rescisão fundado na necessidade de intimação da parte contrá-ria como condição para a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de de-claração encontra óbice na Súmula nº 343/STF (“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”), máxime porque a decisão rescindenda foi proferida em 13.03.2007, mais de um ano antes da afe-tação do tema à Corte Especial, em 14.05.2008, no EDcl-EDcl-AR 1228/RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, que ensejou o primeiro pronunciamento da Corte Especial sobre o tema, em 01.08.2008.

2. Incabível a relativização da Súmula nº 343/STF porquanto a alegação de ofensa ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, CF) representa, quando muito, ofensa meramente reflexa ao texto constitucional. Precedentes do STF.

[...]

7. Ação rescisória julgada improcedente.”

Em todos os precedentes acima indicados, não prosperou o ajuizamento da respectiva ação rescisória, tendo em vista que a pacificação da jurisprudên-cia desta Corte em sentido contrário ao do acórdão rescindendo se deu após sua prolação, atraindo a incidência da vedação contida no Enunciado nº 343 da Sú-mula do STF. No âmbito das Turmas deste Tribunal Superior, adotando essa mes-

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������151

ma orientação, cito, exemplificativamente: AgRg-REsp 1.301.531/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 27.08.2012; AgRg-REsp 1.224.131/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 18.06.2012; AgRg-Ag 1.374.434/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe de 24.03.2011; AgRg-REsp 843.536/CE, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe de 12.05.2008; AgRg-Ag 544.993/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª T., DJ de 15.12.2003.

Alinhando-me aos precedentes acima, entendo que a circunstância de o Superior Tribunal de Justiça haver pacificado, depois de proferido o acórdão rescindendo, orientação favorável à pretensão do autor da ação rescisória não é capaz de viabilizar tal demanda excepcional.

Não se desconhece que o egrégio Supremo Tribunal Federal vem afas-tando a incidência do Enunciado nº 343, mas em relação a questões de índole constitucional diante da força normativa da Constituição e do princípio da má-xima efetividade da norma constitucional, o que não se verifica neste processo, envolvendo interpretação de norma infraconstitucional.

Nesse contexto e diante da função uniformizadora do STJ no âmbito in-fraconstitucional (art. 105, inciso III, da CF/1988), tem-se que, firmada a juris-prudência nesta Corte Superior quanto à interpretação de determinada norma infraconstitucional, torna-se cabível a ação rescisória contra os julgados profe-ridos após tal pacificação, desde que contrários ao entendimento que se conso-lidou nesta instância especial.

Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados desta Corte:

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – AÇÃO RESCISÓRIA – IRRF – APOSENTADORIA COMPLEMENTAR – LEI Nº 7.713/1988 – SÚMULA Nº 343/STF – INAPLICABILIDADE – MATÉRIA DECIDIDA SEGUNDO O REGI-ME RESERVADO AOS RECURSOS REPETITIVOS

1. No julgamento do REsp 1.001.779/DF, submetido ao regime dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), relatoria do Min. Luiz Fux, a Primeira Seção firmou entendimento de que não se aplica a Súmula nº 343/STF às ações resci-sórias ajuizadas contra julgados proferidos em data posterior à pacificação da matéria no STJ – incidência de Imposto de Renda sobre a complementação de aposentadoria ocorrida na vigência da Lei nº 7.713/1988 – e que tenha adotado entendimento contrário ao firmado por esta Corte Superior.

2. Incidência da Sumular nº 168/STJ: ‘não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado’.

Agravo regimental improvido” (AgRg-EREsp 947.262/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., DJe de 02.12.2013).

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RES-CISÓRIA – IMPOSTO DE RENDA – CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS À ENTI-

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DADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA – SÚMULA Nº 343/STF – INAPLICABILI-DADE

1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na apreciação do Recur-so Especial nº 1.001.779/DF, submetido ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que não tem incidência o Enun-ciado nº 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, sendo cabível a ação res-cisória ajuizada contra decisão que, ao tempo, já era remansosa a jurisprudên-cia desta Corte no entendimento de que as contribuições recolhidas sob a égide da Lei nº 7.713/1988 para a formação do fundo de aposentadoria, cujo ônus fosse exclusivamente do participante, estariam isentas da incidência do imposto de renda, porquanto já teriam sido tributadas na fonte.

2. Embargos de divergência acolhidos” (EREsp 1.040.857/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª S., DJe de 12.05.2010).

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – SENTENÇA RESCINDENDA – JULGAMENTO CONTRÁRIO A ENTENDIMENTO SUMULADO NO STJ (SÚMULA Nº 289) – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL SUPERADO – SÚMULA Nº 343/STF – NÃO INCIDÊNCIA – SEGURANÇA JURÍDICA – UNIFORMIDADE E PREVISIBILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NECESSIDADE

1. A principiologia subjacente à Súmula nº 343/STF é consentânea com o pro-pósito de estabilização das relações sociais e, mediante a acomodação da juris-prudência, rende homenagens diretas à segurança jurídica, a qual é progressiva-mente corroída quando a coisa julgada é relativizada.

2. Porém, o desalinho da jurisprudência – sobretudo o deliberado, recalcitrante e, quando menos, vaidoso – também atenta, no mínimo, contra três valores fun-damentais do Estado Democrático de Direito: a) segurança jurídica, b) isonomia e c) efetividade da prestação jurisdicional.

3. A Súmula nº 343/STF teve como escopo a estabilização da jurisprudência daquela Corte contra oscilações em sua composição, para que entendimentos firmados de forma majoritária não sofressem investidas de teses contrárias em maiorias episódicas, antes vencidas. Com essa providência, protege-se, a todas as luzes, a segurança jurídica em sua vertente judiciária, conferindo-se previsi-bilidade e estabilidade aos pronunciamentos da Corte.

4. Todavia, definitivamente, não constitui propósito do mencionado verbete a chancela da rebeldia judiciária. A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças e, muito pelo contrário, depõe exatamente contra a segurança jurídica, por reverenciar uma prestação jurisdicional imprevisível, não isonômica e de baixa efetividade.

5. Assim, a Súmula nº 343/STF não obsta o ajuizamento de ação rescisória quando, muito embora tenha havido dissídio jurisprudencial no passado sobre o tema, a sentença rescindenda foi proferida já sob a égide de súmula do STJ que superou o mencionado dissenso e se firmou em sentido contrário ao que se decidiu na sentença primeva.

6. Recurso especial provido para, removendo-se o óbice da Súmula nº 343/STF, determinar o retorno dos autos à Corte Estadual para que se prossiga no julga-

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������153

mento da ação rescisória” (REsp 1.163.267/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 10.12.2013).

Nesse ponto, assim, o recurso especial não pode ser provido.

Em face do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe parcial pro-vimento, tão somente, para afastar a decadência em relação à pretendida apli-cação da TR, ficando mantido, entretanto, o descabimento integral da ação res-cisória diante da incidência do óbice contido no Enunciado nº 343 da Súmula do STF.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESpECIAL

Número Registro: 2005/0047874-6 REsp 736.650/MT

Número Origem: 444982002

Pauta: 06.08.2014 Julgado: 20.08.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho

Secretária: Belª Vania Maria Soares Rocha

AUTUAÇÃO

Recorrente: Banco Bradesco S/A

Advogado: Jose Manoel de Arruda Alvim Netto e outro(s)

Recorrido: Paulo Jacques Cotrim Dias e cônjuge

Advogados: Geraldo Carlos de Oliveira e outro(s) Rafael de Oliveira Cotrim Dias e outro(S)

Assunto: Direito Civil – Obrigações – Espécies de contratos – Sistema Finan-ceiro da Habitação – Revisão do saldo devedor

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Corte Especial, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

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Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Luis Felipe Salomão acompanharam o voto do Sr. Ministro Relator com ressalvas.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Sidnei Beneti.

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Parte Geral – Jurisprudência

8118

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoPoder JudiciárioAgravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 0039229‑11.2014.4.01.0000/DF (d) Processo Orig.: 0045478‑60.2014.4.01.3400Relator: Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.)Agravante: Good Day Comércio de Material Escolar Ltda. – MEAdvogado: Karolina dos Santos ManuelAgravado: Fazenda NacionalProcurador: Cristina Luisa Hedler

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA CANCELAR (MEDIANTE DEPÓSITO) LEILÃO DE LOTE DE MERCADORIAS A QUE APLICADA PENA DE PERDIMENTO POR INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA NA IMPORTAÇÃO – ART. 23 DO DL 1.455/1976 – APARENTE REGULARIDADE NA SANÇÃO APLICADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO

1. A pena de perdimento (a ser aplicada) encontra embasamento fático em exame detalhado dos documentos que acompanhavam as mercado-rias, sendo certo que a presunção de interposição fraudulenta é suficiente para a lavratura de auto de infração, com regular aplicação da pena de perdimento, ao final do regular processo administrativo, se tal presun-ção não é afastada pelo autuado, que possui o ônus de comprovar a regularidade das transações, por força do art. 23, §2º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976.

2. O contexto fático probando, dada a exaustão da ampla defesa no pro-cesso administrativo, derrui por completo a necessária prova inequívoca da alegação, exigida pelo art. 273 do CPC.

2. Agravo regimental não provido.

3. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 2 de setembro de 2014, para publicação do acórdão.

ACÓRDÃO

Decide a 7ª Turma Negar Provimento ao agravo regimental por unani-midade.

7ª Turma do TRF – 1ª Região, Brasília, 2 de setembro de 2014.

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Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto Relator convocado

RELATÓRIO

Exmo. Sr. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto relator convocado:

Good Day Comércio de Material Escolar Ltda. ME pede a reforma do indeferimento da antecipação de tutela pelo MM. Juiz Federal Pedro Felipe de Oliveira Santos, da 3ª Vara/DF, nos autos da AO 45478- 60.2014401.3400, que ajuizara contra a FN, objetivando cancelar o leilão [dia 22.07.2014] de mer-cadorias apreendidas (AI 0817800/55019/13 [PAF 11128-735/2013-14 – carga amparada pela CE Mercante 011305195086004, transportada na unidade de carga MAXU nº 626804-1), às quais aplicadas pena de perdimento em razão de constatação de interposição fraudulenta na importação pela empresa, efetuan-do o depósito no valor integral (atualizado) das mercadorias.

A agravante alegou que importara a carga com destino ao porto de Manaus/AM; a descarga da unidade foi feita no Porto de Santos/SP, ocasião em que a autoridade alfandegária procedeu à verificação física da carga; da verifi-cação sobreveio o AI 0817800/55019/13; apresentado recurso administrativo, a ré manteve a pena de perdimento; as mercadorias elencadas para o leilão do Edital nº 0817800, marcado para o dia 25.07.2014; o depósito da garantia integral do valor das mercadorias já exclui qualquer possibilidade de alegado dano aos cofres públicos para justificar a pena de perdimento; que todas as suspeitas a respeito da fatura comercial foram explicadas; há carimbo do tabe-lião atestando sua autenticidade; a interposição fraudulenta foi ilidida, tanto em sede de impugnação administrativa quanto na inicial, eis que os indícios que embasaram a presunção de existência de terceiro interposto não se revelam verdadeiros; há que se flexibilizar a aplicação da pena de perdimento de bens, quando ausente a comprovação de dano ao erário.

Por decisão datada de 17 JUL 2014, neguei seguimento ao agravo por manifesta improcedência.

Por petição protocolizada em 28.07.2014, a agravante toma agravo re-gimental, alegando que: a] inaplicável o art. 557 do CPC – “não há falar em re-curso manifestamente ‘inadmissível’ passível de propiciar a elaboração de uma decisão monocrática amparada no art. 557 do CPC; b] inexiste a comprovação de fraude nas informações que instruíram o procedimento de importação; a mera presunção de ilegalidade na interposição de terceiro no procedimento de importação, por si só, não constitui hipótese de aplicação de pena de perdimen-to; a presunção de interposição fraudulenta na operação de comércio exterior prevê apenas a aplicação de multa quando constatada.

Autos recebidos em gabinete em 13.08.2014.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������157

É o relatório.

VOTO

A decisão objeto do agravo regimental restou assim fundamentada:

1. A agravante não traz cópia do auto de infração, mas, ao que se vê, foi cons-tatado pela autoridade aduaneira indícios de contrafação, suposta falsidade ideológica do invoice, subfaturamento, além de dúvida acerca da capacidade econômica da empresa e de seus sócios para realizar a operação comercial, ha-vendo interposição fraudulenta.

5. Diz o DL 1.455, de 07.04.1976:

“Art. 23 Considera-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

[...]

V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de respon-sável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.

§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste arti-go será punido com a pena de perdimento das mercadorias.

§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.

[...]”

6. Milita contra as alegações da agravante o fato de que, segundo o Juiz a quo, o PAF nº 11128-735/2013-14 seguiu seus regulares trâmites, tendo sido a empresa regularmente intimada para apresentar impugnação, sem entretanto apresentar qualquer documento capaz de afastar as afirmações do AI. Ainda, segundo S. Exa., a pena de perdimento encontra embasamento fático em exame detalhado dos documentos que acompanhavam as mercadorias.

7. Ausentes, portanto, os requisitos do art. 273 do CPC.

De início, cabe ressaltar que, ao contrário do que quer fazer crer a agra-vante, não foi negado seguimento ao agravo por manifesta “inadmissibilidade”, mas sim por manifesta “improcedência”. São hipóteses distintas, consoante lei-tura do art. 557 do CPC.

De resto, no âmbito administrativo a agravante não conseguiu infirmar os argumentos da infração contra si aplicada. A pena de perdimento (a ser aplicada) encontra embasamento fático em exame detalhado dos documentos que acompanhavam as mercadorias, sendo certo que a presunção de interpo-sição fraudulenta é suficiente para a lavratura de auto de infração, com regular aplicação da pena de perdimento, ao final do regular processo administrativo,

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se tal presunção não é afastada pelo autuado, que possui o ônus de compro-var a regularidade das transações, por força do art. 23, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, tal como aconteceu, já que não apresentou nenhum documento em seu favor.

Portanto, o contexto fático probando, dada a exaustão da ampla defesa no processo administrativo, derrui por completo a necessária prova inequívoca da alegação, exigida pelo art. 273 do CPC, não merecendo reparos a decisão do juiz a quo.

Pelo exposto, Nego Provimento ao agravo regimental.

É como voto.

Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto Relator Convocado

DECISÃO

Agravo contra indeferimento de antecipação de tutela para cancelar (me-diante depósito) leilão de lote de mercadorias a que aplicada pena de perdi-mento por interposição fraudulenta na importação – Art. 23 do DL 1.455/1976 – Aparente regularidade na sanção aplicada em procedimento administrativo fiscal – Seguimento negado.

1. Good Day Comércio de Material Escolar Ltda. ME. pede a reforma do indeferimento da antecipação de tutela, datado de 11.07.2014 (fls. 74/5), pelo MM. Juiz Federal Pedro Felipe de Oliveira Santos, da 3ª Vara/DF, nos autos da AO 45478-60.2014401.3400, que ajuizou contra a FN, objetivando cancelar o leilão [dia 22.07.2014] de mercadorias apreendidas (AI 0817800/55019/13 [PAF 11128-735/2013-14 – carga amparada pela CE Mercante nº 011305195086004, transportada na unidade de carga MAXU nº 626804-1), às quais aplicadas pena de perdimento em razão de constatação de interposição fraudulenta na im-portação pela empresa, efetuando o depósito no valor integral (atualizado) das mercadorias.

2. S. Exa. entendeu ausentes o requisitos autorizadores da antecipação de tutela.

3. A agravante alega que importou a carga com destino ao porto de Manaus/AM; a descarga da unidade foi feita no Porto de Santos/SP, ocasião em que a autoridade alfandegária procedeu à verificação física da carga; da verifi-cação sobreveio o AI 0817800/55019/13; apresentado recurso administrativo, a ré manteve a pena de perdimento; as mercadorias elencadas para o leilão do Edital nº 0817800, marcado para o dia 25.07.2014; o depósito da garantia integral do valor das mercadorias já exclui qualquer possibilidade de alegado dano aos cofres públicos para justificar a pena de perdimento; que todas as

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������159

suspeitas a respeito da fatura comercial foram explicadas; há carimbo do tabe-lião atestando sua autenticidade; a interposição fraudulenta foi ilidida, tanto em sede de impugnação administrativa quanto na inicial, eis que os indícios que embasaram a presunção de existência de terceiro interposto não se revelam verdadeiros; há que se flexibilizar a aplicação da pena de perdimento de bens, quando ausente a comprovação de dano ao erário.

II

4. A agravante não traz cópia do auto de infração, mas, ao que se vê, foi constatado pela autoridade aduaneira indícios de contrafação, suposta falsidade ideológica do invoice, subfaturamento, além de dúvida acerca da capacidade econômica da empresa e de seus sócios para realizar a operação comercial, havendo interposição fraudulenta.

5. Diz o DL 1.455, de 07.04.1976:

“Art. 23 Considera-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

[...]

V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudu-lenta de terceiros.

§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.

§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos em-pregados.

[...]”

6. Milita contra as alegações da agravante o fato de que, segundo o Juiz a quo, o PAF nº 11128-735/2013-14 seguiu seus regulares trâmites, tendo sido a empresa regularmente intimada para apresentar impugnação, sem entretanto apresentar qualquer documento capaz de afastar as afirmações do AI. Ainda, segundo S. Exa., a pena de perdimento encontra embasamento fático em exame detalhado dos documentos que acompanhavam as mercadorias.

7. Ausentes, portanto, os requisitos do art. 273 do CPC.

II

8. Pelo exposto, manifestamente improcedente o agravo, nego-lhe segui-mento (art. 557 do CPC).

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9. Comunique-se.

10. Publique-se. I. Oportunamente, baixem e arquivem-se.

Brasília, 17 de julho de 2014.

Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto Relator Convocado

TRIbUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO SECRETARIA JUDICIÁRIA

30ª Sessão Ordinária do(a) Sétima Turma

Pauta de: Julgado em: 02.09.2014

AgRg em AI 0039229-11.2014.4.01.0000/DF

Relator: Exmo. Sr. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.)

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Jose Amilcar Machado

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Marcus da Penha Souza Lima

Secretário(a): Antônio Luiz Carvalho Neto

Agrte.: Good Day Comércio de Material Escolar Ltda. – ME

Adv.: Karolina dos Santos Manuel

Agrdo.: Fazenda Nacional

Procur.: Cristina Luisa Hedler

Nº de Origem: 454786020144013400 Vara: 3

Justiça de Origem: Tribunal Regional Federal Estado/Com.: DF

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Parte Geral – Jurisprudência

8119

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 573599 1998.51.01.019984‑7Nº CNJ: 0019984‑69.1998.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Guilherme DiefenthaelerJuíza Federal Convocada Maria Amélia Almeida Senos de CarvalhoApelante: União FederalApelado: Agenor Correia do NascimentoAdvogado: Carlos Neri Nogueira do NascimentoOrigem: Vigésima Nona Vara Federal do Rio de Janeiro (9800199845)Juíza Federal: Sandra Meirim Chalu Barbosa de Campos

EMENTA

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – REINTEGRAÇÃO – INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – DANOS NÃO COMPROVADOS – HONORÁRIOS MAJORADOS – RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO – APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA

1. Em sede de juízo de admissibilidade, deixo de conhecer o Recurso Adesivo interposto pela parte Ré, diante da sua manifesta intempestivi-dade: a União interpôs recurso de Apelação em face da sentença, sendo o Réu devidamente intimado pelo despacho publicado em 28.08.2012, somente apresentou Recurso Adesivo em 21.09.2012, ou seja, fora do prazo legal (art. 506 c/c art. 508 do CPC).

2. Trata-se de Ação de Reintegração de posse ajuizada pela União em relação ao imóvel localizado na Praia do Gaegos, 74, nº 520, acrescida de pedido de perdas e danos.

3. Conforme destacado na decisão guerreada, inexistindo nos autos qual-quer comprovação de suposto prejuízo patrimonial sofrido pela União, exigência trazida pelo art. 333, inciso I do CPC, não há como deferir o pleito indenizatório, sob pena de acarretar-se em enriquecimento ilícito expressamente vedado no art. 884 do Código Civil.

4. O art. 20, § 4º do Código de Processo Civil autoriza o juiz, nas causas em que não há condenação, a fixar a verba honorária consoante aprecia-ção equitativa, conferindo ao mesmo uma margem de liberdade. Contu-do, não obstante o juiz possa arbitrar livremente a verba honorária, deve fazê-lo com observância aos Princípios da Razoabilidade e Proporciona-lidade. Entendo que, no caso, os honorários devem ser fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, eis que esse percentual se mostra mais

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adequado para remunerar o trabalho exercido pelo profissional da advo-cacia, nos moldes previstos pelo art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

5. Recurso Adesivo não conhecido. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Oitava Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região, por unanimidade, em não conhecer do Recurso Adesivo e dar parcial provimento ao Apelo, nos termos do voto da Relatora, constante dos autos e que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2014.

Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, Juíza Federal Convocada.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pela União e Recurso Adesivo oposto por Agenor Correia do Nascimento contra sentença de fls. 183/185, que, nos autos da presente Ação de Reintegração ajuizada pela Apelante, julgou pro-cedente em parte o pedido autoral, apenas para declarar o direito à reintegração na posse, indeferindo o pleito indenizatório por perdas e danos.

Em suas razões recursais, às fls. 190/196, a União sustentou a necessi-dade de condenação do ocupante ao pagamento de perdas e danos, afirmando que a prova dos mesmos só seria possível realizar-se após a entrega do imóvel. Requereu a aplicação dos efeitos da revelia. Discorreu sobre a necessidade de majoração dos honorários advocatícios fixados.

Contrarrazões à Apelação às fls. 217/220.

Recurso Adesivo interposto por Agenor Correia do Nascimento, às fls. 222/229, no qual alegou a nulidade da decisão que deferiu a citação por Edital, por não terem sido esgotados os meios para sua localização.

Contrarrazões ao Recurso Adesivo às fls. 244/254.

Parecer do Parquet Federal opinando pelo não conhecimento do Recurso Adesivo e provimento da Apelação, conforme fls. 528/262.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Juíza Federal Convocada Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho:

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Inicialmente, deixo de conhecer o Recurso Adesivo interposto pela parte Ré, às fls. 222/229, diante da sua manifesta intempestividade.

Com efeito, observa-se que a União interpôs recurso de Apelação (fls. 189/196) em face da sentença de fls. 183/185, sendo o Réu devidamente intimado pelo despacho de fls. 211, publicado em 28.08.2012, conforme certi-ficado à fl. 212, todavia somente apresentou Recurso Adesivo (fls. 222/229) em 21.09.2012, ou seja, fora do prazo legal (art. 506 c/c art. 508 do CPC).

Quanto ao Apelo apresentado pela União, conheço-o, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de Ação de Reintegração de posse ajuizada pela União em rela-ção ao imóvel localizado na Praia do Gaegos, 74, nº 520, acrescida de pedido de perdas e danos.

No mérito, o juízo a quo julgou procedente o pleito reintegratório, contu-do indeferiu o pedido de condenação em perdas e dano, sob o fundamento de que não comprovados nos autos quaisquer perdas de ordem patrimonial.

Analisados o feito, não vislumbro razões para a reforma da sentença.

Conforme destacado na decisão guerreada, inexistindo nos autos qual-quer comprovação de suposto prejuízo patrimonial sofrido pela União, exigên-cia trazida pelo art. 333, inciso I do CPC, não há como deferir o pleito indeniza-tório, sob pena de acarretar-se em enriquecimento ilícito expressamente vedado no art. 884 do Código Civil.

Esse é o entendimento desta Corte, conforme se verifica nos seguintes julgados:

“ADMINISTRATIVO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – OCUPAÇÃO IRREGULAR – QUIOSQUE EM PRAIA – PERMISSÃO CONCEDIDA PELA ADMINISTRAÇÃO LOCAL – OCUPANTE DE BOA-FÉ – INDENIZAÇÃO PELO USO – ART. 10, PA-RÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.636/1998 – NÃO CABIMENTO – 1. Trata-se de remessa necessária, de apelação interposta pela União e de Recurso Adesivo em Ação Reivindicatória e Demolitória, com pedido de antecipação de tutela, intentada pela União em face de proprietário de quiosque, localizado na Praia da Tartaruga, no município de Armação de Búzios. 2. [...]. 4. Incabível a inde-nização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei nº 9.636/1998, ante a au-sência de comprovação de má fé e da precária condição financeira da parte ré. Com efeito, não se pode pretender que o jurisdicionado, pessoa simples e de poucas posses, que agiu com toda diligência ao alcance do seu conhecimen-to que, como expresso na sentença, conheça as atribuições e competências de cada uma das esferas da Administração e vislumbre em sua atividade respalda-da pelo Poder Público, qualquer tipo de ilicitude –, não havendo fundamento para que seja afastada a boa-fé do administrado que, com base em razões legíti-mas, acreditava estar agindo conforme as exigências legais. [...]. 7. Sem honorá-

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rios, tendo em vista a sucumbência recíproca e a gratuidade de justiça deferida à parte ré.” (Grifei)

(TRF 2ª R., 8ª T.Esp., Ap-Reex 2006.51.08.000776-4, Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, DJ 16.10.2012, p. 199/200, unânime)

“APELAÇÕES – CIVIL – ADMINISTRATIVO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PRÓPRIO NACIONAL – DEMONSTRAÇÃO DE POSSE ANTERIOR DO ENTE PÚBLICO – DESNECESSIDADE – DEMOLIÇÃO – OCUPAÇÃO CONSENTIDA – MULTA – ART. 15, I, ALÍNEA E DA LEI Nº 8.025/1990 – NÃO INCIDÊNCIA – HONORÁRIOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – REFORMA PARCIAL DA SEN-TENÇA – 1. O cerne da controvérsia gira em torno da reintegração de próprio nacional ocupado indevidamente pelos réus. Discute-se, ainda, a demolição dos acréscimos irregulares feitos ao imóvel, bem como o ressarcimento de perdas e danos. 2. Sendo a União Federal a proprietária do imóvel objeto da lide, o regi-me a que se submete o particular é de mera ocupação, eis que não há previsão legal a respeito da posse de bem público em favor de particular, conforme dis-ciplina do Decreto-Lei nº 9.760/1946. [...] 4. Não houve comprovação de qual-quer dano sofrido pela União em decorrência da ocupação de seu imóvel pelos réus, tendo a autora se limitado a formular pedido de perdas e danos de forma genérica, sem fazer qualquer menção aos supostos prejuízos por ela suportados em razão da ocupação da área, ou, ainda, à existência de danos no bem cedido, a serem ressarcidos. 5. Relativamente à pretensão de condenação de obrigação de demolição da construção, deve a União se responsabilizar, autonomamente a providenciar tal medida, levando em consideração a circunstância de ter per-manecido vários anos sem tomar qualquer medida em sentido contrário à ocu-pação dos apelados. 6. Afastada a incidência da multa prevista no art. 15, I, e, da Lei nº 8.025/1990 eis que a própria União Federal veio aos autos requerer o recolhimento do mandado de reintegração de posse até que seja construída nova moradia onde serão assentados os réus, o que equivale dizer que a própria autora concorda com a permanência dos réus no imóvel a despeito da notificação reali-zada para desocupação. 7. Tendo havido sucumbência recíproca, não há o que reformar na sentença de Primeiro Grau no tocante aos honorários sucumbenciais, que devem ser compensados. 8. Apelo dos réus parcialmente provido. Apelo da União Federal improvido. Sentença reformada.” (Grifei)(TRF 2ª R., 6ª T.Esp., AC 2002.51.01.005093-6, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJ 21.11.2012, unânime)

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE – JARDIM BOTÂNICO – INDENIZAÇÃO – [...] Não havendo posse, mas sim detenção, não cabe indenização por benfeitoria ou acessão. O servidor não reside no imóvel, o que agride o comando do art. 83 do Decreto-Lei nº 9.760/1946. Por outro lado, não se pode falar em proteção à boa fé objetiva, mormente quando a ré por lá persiste há mais de 20 anos, gracio-samente. Reconhecido o esbulho, procede a reintegração. Quanto ao pedido de indenização formulado pela União, pressupõe a existência de dano ou prejuízo, o que não restou comprovado nos autos, pelo que resta improcedente. Apelação parcialmente provida, para reformar a sentença e, prosseguindo no exame de mé-rito, julgar parcialmente procedente o pedido (art. 515, § 3º do CPC).” (Grifei)(TRF 2ª R., 6ª T.Esp., AC 1987.51.01.932841-5, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, DJ 03.09.2009, p. 126, unânime)

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Por fim, o valor arbitrado a título de honorários de sucumbência no pre-sente feito merece ser majorado.

Com efeito, o art. 20, § 4º do Código de Processo Civil autoriza o juiz, nas causas em que não há condenação, a fixar a verba honorária consoante apreciação equitativa, levando-se em consideração, dentre outros aspectos, o zelo profissional e o trabalho realizado pelo causídico, conferindo ao mesmo uma margem de liberdade, sem que esteja obrigado a obedecer ao limite míni-mo de 10% (dez por cento) ou máximo de 20% (vinte por cento).

Contudo, não obstante o juiz possa arbitrar livremente a verba honorária, deve fazê-lo com observância aos Princípios da Razoabilidade e Proporciona-lidade, levando-se em consideração o valor atribuído à causa, a complexidade da matéria, as dificuldades e o tempo despendido para a execução do trabalho.

A sentença condenou o Réu ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 05% (cinco por cento) sobre o valor atribuído a causa, sendo que este, na inicial, foi indicado no montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Entendo que, no caso, os honorários devem ser fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, eis que esse percentual se mostra mais adequado para remunerar o trabalho exercido pelo profissional da advo-cacia, nos moldes previstos pelo art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, para reformar a sentença de fls. 183/185 exclusivamente quanto à majoração dos honorários advocatícios para o percentual de 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa, nos termos do art. 20, § 4º do Código de Processo Civil.

É como voto.

Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, Juíza Federal Convocada.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 0002469‑09.2014.4.03.0000/MS2014.03.00.002469‑4/MSRelatora: Desembargadora Federal Mônica NobreAgravante: Ministério Público FederalProcurador: Alisson Nelicio Cirilo CamposAgravado(a): Paulo Ferreira de Souza e outros

Sergio Roberto Mendes Maria Fatima de Souza Monalisa Cruz Bonfim Alessi Eladyr Ferreira da Costa Silva Christyane Palácio dos Santos

Origem: Juízo Federal da 1ª Vara de Naviraí > 6ª SSJ> MSNº Orig.: 00000131320144036006 1ª Vr. Naviraí/MS

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – INDISPONIBILIDADE DE BENS – PEDIDO INDEFERIDO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PERICULUM IN MORA – POSSIBILIDADE – PODER GERAL DE CAUTELA – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO

Sabe-se que a indisponibilidade de bens é medida prevista no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e prescinde da comprovação do risco de dano (periculum in mora), que se presume, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.429/1992, desde que evidenciada a relevância da fundamentação (fumus boni iuris). Todavia, não há por ora, imputação de ato de impro-bidade, consoante se extrai da petição inicial.

Destarte, a pretensão do agravante não se coaduna com a reiterada juris-prudência, a qual se posiciona no sentido de que o periculum in mora é presumido nas demandas que versem sobre improbidade administrativa. Outrossim, os precedentes colacionados pelo agravante tratam de apura-ções da espécie, de modo que, ao menos em sede de cognição sumária, ínsita do agravo de instrumento, não se vislumbram elementos aptos a infirmar a motivação da decisão recorrida.

Agravo de instrumento desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por una-

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nimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 14 de agosto de 2014.

Mônica Nobre Desembargadora Federal

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Fe-deral, em face de decisão que indeferiu pedido liminar de indisponibilidade de bens das pessoas agravadas.

Sustenta o agravante, em síntese, a presença dos requisitos autorizadores da concessão da medida liminar pleiteada.

Requereu fosse atribuído efeito suspensivo ativo ao agravo com vistas à decretação da indisponibilidade dos bens dos agravados.

O pleito de efeito suspensivo foi negado a fls. 162/163.

Expedidos ofícios de intimação com AR, não houve manifestação dos requeridos.

O i. representante do Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 191/192, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

VOTO

Constatado que os agravados não possuem advogados constituídos nos autos, foram expedidos os competentes ofícios de intimação com A.R. para os agravados, que, todavia, não se manifestaram.

In casu, S.R.M. mudou de endereço, conforme atesta o documento de fl. 188. Em consulta processual eletrônica, ora juntada, observa-se a inexistên-cia de representação processual nos autos de origem, de modo que, em ob-servância ao princípio da celeridade e à efetividade, o feito segue indepen-dentemente de intimação, na linha de posicionamento adotado pelo E. STJ (REsp 199800385231, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Pois bem.

É cediço que o poder geral de cautela pressupõe fundado receio de lesão grave e de difícil reparação.

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No caso, a decisão recorrida indeferiu a medida pleiteada, em razão de o agravante não ter comprovado a concretude da dilapidação patrimonial dos requeridos, in verbis:

Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, ajuizada pelo Ministé-rio Público Federal em face de Paulo Ferreira de Souza, Sergio Roberto Men-des, Maria Fátima de Souza, Monalisa Cruz Bonfim Alessi, Eladyr Ferreira da Costa Silva e Christyane Palácio dos Santos. Alega, em síntese, que foi ins-taurado Inquérito Civil Público, originário do Procedimento Administrativo nº 1.21.001.000031/2006-79, para apuração de irregularidade do Município de Sete Quedas/MS perante o Ministério do Desenvolvimento Social e Comba-te a Fome, no qual se verificou, no período compreendido entre janeiro/2004 a dezembro/2012, a precariedade no processo de cadastramento das famílias insertas em programa de transferência direta de renda – Bolsa Família, e conse-quente malversação de dinheiro público, ocasionado em razão da destinação de renda a famílias que, em princípio, não seriam alvo da finalidade própria do Programa Bolsa Família, qual seja a erradicação ou minimização da situação de pobreza ou extrema pobreza de determinada parcela objetiva da população, porquanto teriam estas famílias renda per capita superior à estipulada pelo pro-grama. Requer, em sede de antecipação de tutela, a indisponibilidade de bens e/ou valores dos réus apontados na exordial e nela mensurados, aduzindo, para tanto, estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, diante da evidente participação dos réus nos atos irregulares relativos aos recursos do Mi-nistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, bem assim porquanto demonstrado o risco de perecimento de direito em razão da livre disposição do bens dos réus que pode ensejar a dilapidação patrimonial e prejudicar a exe-cução de possível condenação. Nestes termos vieram os autos à conclusão. É o relato do necessário. Decido. Da prova colacionada aos autos, extrai-se a ocor-rência de irregularidades no cadastramento e manutenção dos cadastros de fa-mílias, em tese, aptas ao recebimento de renda proveniente do Programa Bolsa Família, cujos recursos são provenientes da União e destinados àqueles núcle-os familiares inseridos nos critérios de pobreza e extrema pobreza, o que teria dado ensejo a irregular distribuição de renda, causando, por conseguinte, dano ao erário público. O relatório de fiscalização nº 560 (fls. 30/37), elaborado pela Controladoria Geral da União no Estado de Mato Grosso do Sul relatou que a partir de uma amostra de 24 (vinte e quatro) famílias, das quais 20 (vinte) te-riam sido entrevistadas, constatou-se que 30% (trinta por cento) destas estariam acima do padrão de renda estipulado pelo programa Bolsa Família, indicando os beneficiários que não se enquadrariam nos critérios de pobreza e extrema pobreza para percepção do benefício. Nesse ponto, os extratos de transferência de recurso por ação extraídos do Portal da Transparência do Governo Federal e colacionados às fls. 127/157, apontam a percepção de valores pelos beneficiá-rios irregulares do programa Bolsa Família no período compreendido entre os anos de 2004 a 2012, caracterizando, portanto, o fumus boni iuris, conforme aponta o ‘Parquet’ Federal.Nada obstante, não vislumbro a efetiva demonstra-ção do periculum in mora. Isto porque não logrou o órgão ministerial compro-var a concretude da possibilidade de dilapidação patrimonial pelos réus da pre-sente ação civil pública. Com efeito, trata-se de procedimento civil investigativo originário de procedimento administrativo que tramita no âmbito do Ministério

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Público Federal desde o ano de 2006, conforme despacho inaugural de fl. 21. Entretanto, não há nos autos qualquer demonstração de que neste interregno os réus tenham tomado medidas de disposição de seus patrimônios de maneira a fraudar eventual ressarcimento de dano ao erário ou obstar a execução em caso de condenação. A meu ver, nesse ponto, meras conjecturas em torno da possi-bilidade de que o patrimônio dos requeridos possa vir a ser por eles dissipado não é suficiente à decretação da medida cautelar pleiteada, mormente diante do fato de dispor o Ministério Público Federal de instrumentos hábeis a fiscalizar a situação patrimonial dos réus e identificar eventuais ações que possam caracte-rizar a dilapidação patrimonial e a fraude à execução eventualmente decorren-te de condenação proveniente da presente ação. Posto isso, ausente ao menos um dos requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC, indefiro o pedido de liminar. Citem-se os réus para resposta. Sem prejuízo, dê-se ciência a União, nos termos do item VI, letra c da exordial (fl. 16). (fls. 178/178 v – grifei)

Sabe-se que a indisponibilidade de bens é medida prevista no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e prescinde da comprovação do risco de dano (periculum in mora), que se presume, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.429/1992, desde que evidenciada a relevância da fundamentação (fumus boni iuris).

Todavia, não há, por ora, imputação de ato de improbidade, consoante se extrai da petição inicial, in verbis:

“Embora o pleito em questão não pretenda a condenação dos requeridos em improbidade administrativa, mas unicamente o ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, é perfeitamente possível, em sede de liminar e/ou antecipa-ção de tutela, que no caso teria natureza de medida cautelar, a determinação de indisponibilidade de bens, em prestígio ao poder geral de cautela conferido ao Judiciário, com base nos arts. 797 e 798 do Código de Processo Civil.

[...]” (fl. 20)

Destarte, a pretensão do agravante não se coaduna com a reiterada juris-prudência, a qual se posiciona no sentido de que o periculum in mora é presu-mido nas demandas que versem sobre improbidade administrativa. Outrossim, os precedentes colacionados pelo agravante tratam de apurações da espécie, de modo que, ao menos em sede de cognição sumária, ínsita do agravo de instru-mento, não se vislumbram elementos aptos a infirmar a motivação da decisão recorrida.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

Mônica Nobre Desembargadora Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

8121

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 5051413‑04.2013.404.7100/RSRelator: Maria de Fátima Freitas LabarrèreApelante: União – Fazenda NacionalApelado: KLV Indústria e Comércio de Plásticos Ltda. (massa falida)

EMENTA

EXECUÇÃO FISCAL – FALÊNCIA – REDIRECIONAMENTO CONTRA OS SÓCIOS – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA

1. A responsabilidade dos sócios, embasada no art. 135, III, do CTN, qualifica-se como solidária e subsidiária.

2. Em razão da subsidiariedade, somente após evidenciada a impossibi-lidade de cobrança da dívida contra a pessoa jurídica, é que o patrimô-nio pessoal do sócio pode ser atingido, sob pena de se reconhecer uma responsabilidade solidária integral afastada pela jurisprudência predomi-nante. A partir de então, se torna possível cogitar de prescrição intercor-rente frente aos sócios.

3. Não decorridos cinco anos entre o encerramento da falência da execu-tada e o pedido de redirecionamento contra os sócios, é de ser afastada a prescrição intercorrente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por una-nimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2014.

Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Relatora

RELATÓRIO

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ajuizou execução fis-cal contra a Massa Falida de KLV Indústria e Comércio de Plásticos Ltda., em

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������171

03.07.2002, para a cobrança de crédito tributário consubstanciado na CDA 35.427.138-5, no valor de R$ 53.920,96 (INIC2).

O síndico da massa falida foi citado em 16.10.2002 e a penhora no rosto dos autos foi efetivada em 29.10.2002 (MAND4).

Após isso, o processo executivo permaneceu suspenso, em virtude do trâmite do processo de falência da devedora.

Já em 07.01.2013, a Fazenda Nacional, informando o término da falên-cia, ocorrido em 16.12.2008, requereu o redirecionamento do feito contra os sócios-gerentes da empresa, alegando o cometimento de atos com infração à lei (PET14).

Em 10.05.2013, sobreveio sentença que extinguiu o processo, nos ter-mos do art. 267, VI, do CPC, aos seguintes fundamentos: (a) ausência de interes-se processual no que tange à pessoa jurídica, pois que encerrada a falência sem bens para quitação do ativo fiscal; e (b) a prescrição para o redirecionamento contra os sócios (SENT15).

Apela a União, alegando, em suma, que somente com o término do pro-cesso falimentar é que começa a correr o prazo prescricional, uma vez que, durante tal ação, não há possibilidade de atos executórios, estando os bens sujeitos a procedimento específico. Sustenta, também, que há nos autos indí-cios suficientes a justificar a inclusão dos sócios no polo passivo da execução. Requer, pois, o prosseguimento do feito contra os sócios-gerentes da empresa falida (APELAÇÃO16).

Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório. Inclua-se em pauta.

VOTO

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE EM RELAÇÃO AOS SÓCIOS

A responsabilidade dos sócios, embasada no art. 135, III, do CTN, quali-fica-se como solidária e subsidiária. Em razão da solidariedade, está pacificada no STJ, interrompida a prescrição com a citação da pessoa jurídica, dá-se por interrompida, também, frente aos sócios (arts. 204, § 1º, do Código Civil e 125, III, do CTN). Em razão da subsidiariedade, enquanto a execução estiver sendo processada regularmente em face da pessoa jurídica, não se pode cogitar de prescrição intercorrente, seja frente à empresa, seja frente aos sócios.

Cuidando-se, portanto, de responsabilidade solidária com subsidiarieda-de, vale dizer, somente após evidenciada a impossibilidade de cobrança da dívida contra a pessoa jurídica, é que o patrimônio pessoal do sócio pode ser

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atingido, sob pena de se reconhecer uma responsabilidade solidária integral afastada pela jurisprudência predominante. Com efeito, a prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser.

Nesse sentido, vale trazer à colação julgados do e. STJ e do e. TRF da 4ª Região, v.g.:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONA-MENTO – CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE – PRAZO SUPE-RIOR A CINCO ANOS – PRESCRIÇÃO – PRINCÍPIO DA ACTIO NATA

1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reini-ciando o prazo prescricional.

2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de preten-são não exercida, quando o poderia ser.

3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contu-do, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecio-namento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata.

4. Agravo Regimental provido.

(STJ, Ag-REsp 1062571, Proc. 200801178464/RS, 2ª T., Rel. Herman Benjamin, DJe 24.03.2009)

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – REDI-RECIONAMENTO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA DO SÓ-CIO – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – OUVIDA DA FAZENDA – NECESSI-DADE – INÉRCIA NÃO CONFIGURADA

1. Segundo a decisão recorrida, a prévia oitiva da Fazenda Pública, para fins de decretação de ofício da prescrição, tem razão de ser apenas quando se tra-ta de feito que foi arquivado administrativamente. No caso, verifica-se exata-mente isso, pois a execução havia sido arquivada com base no art. 40 da LEF, consoante se depreende dos autos. Logo, o pressuposto de que partiu o togado singular, para afastar a prévia oitiva da Fazenda, inexiste, de modo que a sua conclusão está errada.

2. Está pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a interrup-ção da prescrição pela citação da pessoa jurídica projeta seus efeitos em rela-ção aos corresponsáveis, nos termos do art. 125, III, c/c art. 135, III, ambos do CTN.

3. Por outro lado, a responsabilidade dos sócios, com fundamento no art. 135, III, do CTN, qualifica-se como solidária e subsidiária. Em razão da solidarieda-de, quando interrompida a prescrição com a citação da pessoa jurídica, dá-se

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por interrompida, também, frente aos sócios (art. 204, § 1º, do Código Civil e 125, III, do CTN). Em razão da subsidiariedade, enquanto a execução estiver sendo processada regularmente em face da pessoa jurídica, não se pode cogitar de prescrição intercorrente, seja frente à empresa, seja frente aos sócios.

4. Situação em que não restou caracterizada inércia por parte do exequente, desconfigurando-se a hipótese de prescrição intercorrente quer em relação à de-vedora principal, quer em relação ao sócio.

5. Agravo de instrumento provido.”

(TRF 4ª R., Ag 200704000015496/RS, 2ª T., Relª Maria Helena Rau de Souza, DE 20.02.2008)

No caso, insurge-se a Fazenda Nacional quanto à ocorrência da prescri-ção para o redirecionamento contra os sócios da falida.

Pelo que se vê dos autos, a execução fiscal foi ajuizada já contra a massa falida, tendo havido a citação do síndico e a penhora no rosto dos autos fali-mentares. Após isso, o feito executivo permaneceu suspenso até o término do processo de falência da devedora, o que ocorreu, conforme informações trazi-das pela Fazenda Nacional, em dezembro de 2008 (PET14).

Ora, somente a partir de então, quando evidenciada a impossibilidade de quitação da dívida pela pessoa jurídica, é que surgiu para o fisco a pretensão de cobrança sobre o patrimônio pessoal dos sócios, em razão da subsidiariedade. E, com a pretensão, via de consequência, a prescrição para o redirecionamento.

Destarte, não decorridos cinco anos entre o encerramento da falência (dezembro de 2008) e o pedido de redirecionamento (em janeiro de 2013), é de ser afastada a prescrição intercorrente em relação aos sócios-gerentes da falida.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.

Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Relatora

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10.09.2014

Apelação Cível nº 5051413-04.2013.404.7100/RS

Origem: RS 50514130420134047100

Relator: Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Presidente: Maria de Fátima Freitas Labarrère

Procurador: Dra Carmem Wessel

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Apelante: União – Fazenda Nacional

Apelado: KLV Indústria e Comércio de Plásticos Ltda. (massa falida)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10.09.2014, na sequência 149, disponibilizada no DE de 01.09.2014, da qual foi intimado(a) União – Fazenda Nacional, o Ministério Público Federal e as demais Procura-dorias Federais.

Certifico que o(a) 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação.

Relator Acórdão: Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Votante(s): Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Joel Ilan Paciornik Des. Federal Jorge Antonio Maurique

Leandro Bratkowski Alves Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

8122

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Marcelo NavarroAgravo de Instrumento (AGTR) nº 137813/PE (0004165‑26.2014.4.05.0000)Agrte.: UniãoAgrdo.: Carlos José de Almeida FreitasAdv/.Proc.: sem advogado/procuradorOrigem: 25ª Vara Federal de Pernambuco – PERelator: Desembargador Federal Élio Siqueira (convocado)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL CONTRA DEVEDOR JÁ FALECIDO – PRAZO PARA HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS

1. Agravo de instrumento manejado pela União contra decisão que, em razão do óbito do executado, determinou a suspensão do andamento do processo pelo prazo de 90 dias, para que a exequente providencie a habilitação do espólio ou do(s) herdeiro(s) do executado, na forma do art. 1.056, I, do CPC, sob pena de extinção do feito.

2. A sucessão processual somente é admitida nos casos previstos em lei, e dentre esses figura o do art. 43 do Código de Processo Civil, que permite que, em caso de morte de qualquer uma das partes, seja esta substituída pelo seu espólio ou por seus sucessores, segundo observação do disposto no art. 265 do mesmo diploma legal. Por sua vez, o art. 1.056 do Código de Processo Civil dispõe: “A habilitação pode ser requerida: I – pela par-te, em relação aos sucessores do falecido”.

3. Nesse esteio, é razoável a fixação de um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para fins de realização da habilitação do espólio ou de herdeiros.

4. Agravo de instrumento provido em parte.

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento em parte ao Agravo de Instrumento, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 04 de setembro de 2014.

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Desembargador Federal Élio Siqueira Relator Convocado

RELATÓRIO

O Senhor Desembargador Federal Élio Siqueira (Convocado): O caso é de agravo de instrumento aviado pela União em face da decisão da lavra do MM. Juiz Federal da 25ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco que, nos autos da execução de título extrajudicial, fixou prazo de 90 (noventa) dias para que a exequente providenciasse à habilitação dos sucessores do devedor sob o ônus de extinção do feito.

Busca a agravante dar prosseguimento ao processo executório conforme requerido pela União, afastando-se a fixação do prazo de 90 dias, ante a inexis-tência de previsão legal quanto ao prazo máximo para habilitação do espólio.

Colaciona precedentes favoráveis as suas alegações.

Liminar deferida em parte.

Contrarrazões não apresentadas.

É o relatório.

VOTO

O Senhor Desembargador Federal Élio Siqueira (Convocado): Trago à colação excerto da decisão na qual restou indeferida a liminar requerida:

“A morte de uma das partes resulta a suspensão do processo judicial até a ha-bilitação dos sucessores ou herdeiros. Esse prazo não está especificado na lei processual, o que não impediria o juiz de fixar prazo razoável para as providên-cias necessárias à habilitação e, com isso, não eternizar o feito. Portanto, não se poderia cogitar de extinção do feito.

Demais disso, as diligências necessárias a cargo da União revelam que o prazo assinalado é exíguo. Colhi, nesse sentido, o seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – HABILITAÇÃO

1. Agravo de instrumento manejado pela União contra decisão que, em ra-zão do óbito do executado, determinou a suspensão do andamento do pro-cesso pelo prazo de 180 dias, para que a exequente providencie a habilita-ção do espólio ou herdeiro do executado(a), na forma do art. 1.056, I, do CPC, sob pena de extinção do feito.

2. A sucessão processual somente é admitida nos casos previstos em lei, e dentre esses figura o do art. 43 do Código de Processo Civil, que a permi-te que em caso de morte de qualquer uma das partes, seja esta substituída

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������177

pelo seu espólio ou por seus sucessores, segundo observação do disposto no art. 265 do mesmo diploma legal. Por sua vez, o art. 1.056 do Código de Processo Civil dispõe: ‘A habilitação pode ser requerida: I – pela parte, em relação aos sucessores do falecido’.

3. No caso dos autos, com a morte do executado, não haverá interesse por parte dos herdeiros em providenciarem a devida habitação. Assim, para que se complete a relação processual, necessária a suspensão do processo, nos termos do art. 265, I, do CPC e a observância do procedimento descrito nos arts. 1.055 a 1.062, do mesmo diploma formal, referente à habilitação dos herdeiros.

4. Nesse esteio, é razoável a fixação de um prazo para fins de realização da habilitação do espólio ou de herdeiros, que no caso concreto ficou es-tabelecido em 180 dias. De resto, nada obstante se repute bastante o prazo fixado pelo juízo, tal não obsta a que a parte, oportunamente, em petição fundamentada demonstre sua exiguidade, mercê dos esforços efetivamente empreendidos e diligências realizadas.

5. Agravo de instrumento improvido.

(Ag 132864, DJe 24.10.2013)

Diante disso, defiro, em parte, o pedido de tutela liminar, para fixar o prazo de 180 dias para habilitação dos sucessores ou herdeiros do devedor a cargo da exequente, ficando, nesse interregno, o feito judicial suspenso.”

Com estas considerações, dou provimento parcial ao agravo de instru-mento.

É como voto.

Recife, 04 de setembro de 2014.

Desembargador Federal Élio Siqueira Relator Convocado

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8123 – Ação cautelar – cancelamento do protesto – tutela satisfativa – cabimento

“Direito processual civil. Apelação cível. Ação cautelar visando o cancelamento do protesto. Tu-tela satisfativa. Cabimento. Extinção do feito sem resolução do mérito. Impossibilidade. Princípio da fungibilidade do processo cautelar e o instituto da antecipação de tutela. Art. 273, § do CPC. 1. Cabe ao juiz, dentro da instrumentalidade dos ritos, que serve, não ao processo em si mesmo, mas à efetividade e à realização dos direitos e da justiça, reconhecer qual a natureza jurídica da pre-tensão deduzida e decidir segundo tal natureza: cautelar ou antecipação de tutela, ante a admissão da fungibilidade entre os institutos da medida cautelar e da tutela antecipada, desde que presentes os pressupostos da medida que vier a ser concedida. 2. Não que se falar em extinção do processo, por ter, a parte, equivocadamente postulado medida cautelar, incidente ou preparatória, quando deveria ter pedido antecipação de tutela ou, quando fez o contrário, ao invés de antecipação de tutela, postulou medida cautelar, como se pode verificar pela leitura do § 7º do art. 273 do CPC, que acabou por reconhecer e juridicizar essa fungibilidade. 3. Mesmo que a via processual eleita pelo apelante tenha sido inadequada (ação cautelar) não afasta o exame da pretensão (art. 273, § 7º, do CPC), caso sejam observados os pressupostos justificadores da providência de urgência, de sorte a atender aos princípios da efetividade e da instrumentalidade processual. 4. Recurso provido. Decisão Unânime.” (TJPE – Ap 0000766-66.2004.8.17.0001 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho – DJe 19.08.2014)

8124 – Ação cautelar de exibição de documentos – multa cominatória – revisão – possibilidade

“Agravo regimental em recurso especial. Ação cautelar de exibição de documentos. Multa comi-natória. Revisão. Possibilidade. Coisa julgada. Preclusão. Não ocorrência. Precedentes. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, o art. 461 do Código de Processo Civil permite que o Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, afaste ou altere o valor da multa quando este se tornar insuficien-te ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não havendo espaço para falar em preclusão ou em ofensa à coisa julgada. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.440.720 – (2011/0014223-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.08.2014)

8125 – Ação de cobrança – abandono do processo – intimação pessoal da parte autora para dar andamento ao feito – não atendimento

“Ação de cobrança. Abandono do processo. Intimação pessoal da parte autora para dar andamento ao feito. Não atendimento. Extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, III, c/c seu § 1º do CPC). Recurso desprovido. Deixando a parte autora de praticar, no processo, os atos que lhe competiam e, depois de intimada pessoalmente para dar-lhe andamento, permanece inerte, correta se afigura a sentença que declara a extinção do feito, sem resolução do mérito, conso-ante o disposto no inciso III do art. 267 c/c o seu § 1º do CPC. Apelação desprovida.” (TJMG – AC 1.0112.12.000757-3/001 – 17ª C.Cív. – Rel. Eduardo Mariné da Cunha – DJe 05.08.2014)

8126 – Ação de indenização – inscrição em cadastro de inadimplentes – notificação prévia

“Agravo regimental. Recurso especial. Ação de indenização. Inscrição em cadastro de inadimplen-tes. Notificação prévia. Prequestionamento. Inexistência. 1. Não tendo havido o prequestionamento dos temas ventilados nas razões do recurso especial, incide o Enunciado nº 211 da súmula do STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 976.220 – (2007/0188337-2) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 04.09.2014 – p. 483)

8127 – Ação de obrigação de fazer – indenização e pedido liminar – imóvel não entregue no prazo

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer cumulada com indeni-zação e pedido liminar. Apartamento não entregue no prazo contratualmente ajustado. Notificação diante da qual se quedou inerte a agravante que impõe o reconhecimento da quitação. Lucros cessantes devidos. Insurgência da ré. 1. Inexiste contrariedade ao art. 535 do diploma processual, visto que a Corte Estadual examinou e decidiu, de forma motivada e suficiente, as questões que

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������179

delimitam a controvérsia. 2. Para que se possa verificar a irrazoabilidade da condenação quanto ao período fixado para a entrega do imóvel, mostra-se evidente que é indispensável a incursão nas provas dos autos, providência inviável em face do óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AI 1.220.458 – (2009/0142727-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.09.2014 – p. 488)

8128 – Ação de obrigação de fazer – pedido de indenização – decisão monocrática

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação postulando obrigação de fazer c/c pedido de indenização. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo, mantida a inadmissão do recurso especial, ante a aplicação analógica da Súmula nº 281/STF. 1. Recurso especial interposto em face de decisão monocrática. Não é possível o conhecimento do apelo extremo na hipótese em que, na origem, foram julgados monocraticamente os embargos de declaração opostos contra de-cisão colegiada, porquanto não ocorrido o exaurimento das vias recursais ordinárias, incidindo, no caso, o óbice inserto na Súmula nº 281/STF, aplicada por analogia ao recurso especial. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 154.750 – (2012/0066197-3) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.09.2014 – p. 433)

8129 – Ação de obrigação de fazer – reparação de danos morais e materiais – retenção não autorizada de verba salarial

“Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos morais e materiais. Retenção não autorizada de verba salarial. Pretensão de compelir. Instituição financeira a restituir valores. Cabi-mento. Conduta do réu fundada em suposta ‘falha operacional no sistema’. Reconhecimento da irregularidade do procedimento. Falta de cautela configurada. Responsabilidade objetiva do pres-tador de serviços. Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Indenização devida. Manutenção do montante fixado. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0011619-20.2011.8.26.0008 – São Paulo – 19ª CDPriv. – Rel. Mario de Oliveira – DJe 29.07.2014 – p. 1230)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de obrigação de fazer com pedido de liminar que foi julgada procedente para o débito em questão, determinando, em sede de tutela antecipada, o imediato reembolso do valor sacado, corrigido monetariamente e com juros legais de 1% ao mês.

De resto, o réu foi condenando ao pagamento da indenização de R$ 5.000,00, corrigidos desde a sentença e com juros legais de 1% ao mês, contados da citação, bem como, em razão da sucumbência, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor total da condenação.

Após a prolação da sentença, foi noticiado o descumprimento da tutela antecipada contida em seu bojo, ensejando a ordem de bloqueio do valor que deveria ter sido restituído pelo réu, acrescido de multa.

Posteriormente, os efeitos da tutela foram estendidos, de forma a excluir a negativação oriunda dos fatos discutidos nesses autos.

Apelou, então, o banco réu, sustentando, em síntese, que, apesar do equívoco em debitar da conta do autor o valor em questão, o problema já se encontra resolvido. Entendeu que não prati-cou nenhum ato ilícito e tampouco agiu com culpa em quaisquer de suas modalidades. Afirmou que apenas exerceu uma faculdade que a lei lhe assegura, sendo que seu ato tem a finalidade específica de propiciar o recebimento de um crédito. Defendeu que, “para a caracterização da responsabilidade civil, imprescindível constatação de todos os elementos: fato, dano e nexo cau-sal. Subsidiariamente, requereu a redução da indenização a montante razoável, considerando que o importe arbitrado é deveras excessivo”.

O TJSP negou provimento ao recurso, mantendo a judiciosa sentença.

Cabe trazer trecho do voto do Relator:

“É certo que os fatos narrados na exordial e comprovados no decorrer do processo são suficientes para causar constrangimentos e aborrecimentos de ordem moral.

A compensação dos danos morais, como é sabido, deve ser arbitrada em valor que, norteada em critério de prudência e razoabilidade, tenha em linha de conta sua natureza penal e compensa-

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tória. Aquela, como uma sanção imposta ao ofensor, por meio da diminuição de seu patrimônio, esta, para que a reparação pecuniária traga uma satisfação mitigadora do dano havido.

A fixação do valor deve atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ressal-tando-se que tal quantia deverá servir de forma a impedir que o causador do dano promova atos da mesma natureza perante outros consumidores, além de promover a efetiva compensação do prejuízo suportado.

Dessa maneira, levando-se em consideração a hipótese dos autos, a quantia de R$ 5.000,00 deve ser mantida.

Enfim, ficou evidenciada a fragilidade da argumentação do recorrente ao expor as razões de seus pedidos, tudo conduzindo à manutenção do julgado.”

Irineu Strenger, em estudo elaborado sobre o dano moral, assim nos elucida:

“Quando se fala em dano moral, se tem em conta, especialmente, a caracterização do resultado lesivo, considerando-se, como primeiro aspecto, a verificação ou não de um dano, segundo sua concepção genericamente admitida, ou seja, a existência de um ato ilícito punível, vale dizer, identificado com a ofensa ou lesão de um direito ou de um bem jurídico qualquer.

A matéria relacionada com o dano indenizável é bastante ampla e exige, para sua exata com-preensão e aplicação, numerosas distinções, às vezes empanadas por variada terminologia que usam os escritores.

O dano moral, por não ter nenhuma vinculação com os valores econômicos ou patrimoniais, não é, por si mesmo, suscetível de apreciação pecuniária, e, por isso, deve ser uma indenização que se traduza numa soma de dinheiro, estabelecida livremente pelos juízes.

O dinheiro se dá não porque o bem lesionado seja suscetível de apreciação pecuniária, como os bens patrimoniais, mas como compensação.

Na verdade, somente a jurisprudência, a ductibilidade de contemplação dos casos concretos e específicos, pode dar um conceito de dano moral que contemple a verdadeira vocação do instituto de assegurar uma justa compensação a todos aqueles que sofreram lesão na situação favorável ou de vantagem que possuíam em relação a determinados bens.

Ressarcir os danos morais, ainda que seja de modo pecuniário, à falta de outro melhor, não é materializar os interesses morais, mas, ao contrário, espiritualizar o direito enquanto este não se limita à proteção dos bens econômicos, envolvendo também outros bens não econômicos que são inseparáveis da pessoa humana.

Tenha-se, porém, em conta que a impossibilidade de uma exata valoração do dano moral não deve conduzir à sustentação que sua apreciação pelo juiz será absolutamente arbitrária. Isso conduz à insegurança e à injustiça. Haverá decisões que ascendem a uma soma além do bom--senso e outros valores sem nenhuma transcendência, irrisórios ou puramente simbólicos.

Há quem sustente que no dano moral deve levar-se em conta a condição social e econômica do ofendido. Porém, isso nos leva, em princípio, a subestimar o dano moral dos pobres. Nesse sentido, estamos de acordo com a opinião de que não vale mais a dor dos ricos que a dos pobres, e resulta imoral medir a dor em função do dano patrimonial que se possa ter sofrido. Deve-se, contudo, considerar a personalidade do agente, as circunstâncias condicionantes do delito e a gravidade da falta cometida, atendendo a índole do fato, se culposo ou doloso, o tipo de antiju-ridicidade, etc. A gravidade da falta para os fins ressarcitórios se mede pelo resultado danoso.

Como contribuição para um entendimento abrangente do dano moral, oferecemos a seguinte definição:

‘Chama-se dano moral qualquer ato não patrimonial que faça repercutir na esfera da pessoa física ou jurídica consequências que afetem sua situação social, comunitária, econômica ou familiar, causando danos avaliáveis segundo o grau e extensão de seus efeitos.’” (Novo Código Civil – Dano moral. Juris Síntese, n. 52, mar./abr. 2005)

8130 – Ação monitória – cheque prescrito – inicial – causa de pedir

“Monitória. Cheque prescrito. Inicial. Causa de pedir. Na ação monitória, aparelhada com cheque prescrito, não há necessidade de se comprovar a origem da dívida, tampouco de se declinar, na inicial, a causa de pedir. Agravo provido.” (TJDFT – Proc. 20140020134189 – (805891) – Rel. Des. Jair Soares – DJe 29.07.2014 – p. 280)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo de decisão que, em ação monitória, determinou a emenda da inicial para que fosse declinada a relação jurídica material que ensejou a emissão dos cheques, pena de indeferimento.

Sustentou a agravante, em síntese, que na inicial da ação monitória não há necessidade de se demonstrar a causa debendi, bastando a apresentação das cártulas de cheque que são prova escrita da dívida sem eficácia de título executivo.

O TJDFT deu provimento e reformou a decisão agravada.

O Relator asseverou que, no caso, a obrigação e o débito são comprovados pelas cópias dos cheques prescritos juntados aos autos. Logo, a petição inicial da monitória dispensa emenda.

E ainda:

“O col. STJ tem decidido que, na monitória aparelhada com cheque prescrito, não há necessida-de de se comprovar a origem da dívida e tampouco que a inicial decline a causa debendi. Cabe ao réu, nos embargos, demonstrar a existência de causa extintiva, impeditiva ou modificativa do direito do autor.”

O ilustre Jurista Eulâmpio Rodrigues Filho assim disciplina:

“Se que a Lei do Cheque não só dispôs sobre o Direito adjetivo, fazendo-o também relativamente ao direito material, estabelecendo como efeito do não pagamento de cheque prescrito, com as consequências decorrentes da inércia do pretenso credor, não simples inadimplemento, mas enriquecimento sem causa, sujeito à prova em dilação apropositada, o que não se realiza pela monição, vez que o procedimento monitório em si alcança o seu desígnio logo que expedido mandado de pagamento, não havendo nele azo à instrução superveniente, pois que, suspen-so in initio litis, aguarda ocasião de expedição de título executivo ou decisão dos embargos desconstituindo-o (art. 1.102, c, § 3º, do CPC).” (cf. artigo de nossa lavra, Revista de Processo, RT, 84/18)

Parece exsurgir contradição a ressair do desprezo à Lei do Cheque para os efeitos aqui indica-dos, se os partidários dessa ideia sufragam a prescrição, que é determinada exclusivamente na própria Lei do Cheque.

Respeitantemente à vigência de lei geral em concomitância com a especial, o Professor Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos (São Paulo: Resenha Universitária, v. I, t. II, 1976. p. 297), lembra: “A disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial, senão quando a ela, ou ao seu assunto, se referir, alterando-a, explícita ou implicitamente. Em consequência, a lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes não revoga nem modifica a lei anterior”.

Em outro plano, constata-se equivocidade no que diz sobre possibilidade, amiúde reconhecida, de conversão, ex officio, pelo juiz, do cheque em instrumento de Confissão de Dívida, regulada esta por outra lei especial.

Nesse aspecto, resulta que decisão nesse sentido viria extra petita, visto que o réu da mo-nitória é conclamado a pagar por cheque, regulado pela Lei do Cheque, com esteio na qual busca defender-se, deixando de fazê-lo relativamente à confissão de dívida em que muitas vezes vem convertido supervenientemente (surpreendentemente) em seu prejuízo. De feito, conforme decidiu o TACSP: “E se o autor não pode modificar a causa de pedir depois da contestação (art. 303 do CPC), pois ao réu cabe manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial (art. 302 do CPC), com maior razão é vedado ao juiz considerar causa de pedir diversa daquela constante da petição inicial, para impor, como ocorreu no caso dos autos, de-creto condenatório do réu (cf. art. 128 do CPC). [...] Daí por que, reconhecendo a inépcia da inicial, extinto o processo sem julgamento de mérito (art. 267, I, do CPC), deram provimento ao recurso, como acima enunciado” (Ac. 1º TACSP, de 13.10.1982, Ap 297.269, Rel. Juiz Álvaro Lazzarini, JTACSP – Saraiva, 79/70).

Finalmente, o cheque, na maioria das vezes, não especifica a amplitude e o alcance do débito, sendo o seu texto genérico. Para o caso, assim se posiciona o TAPR: “Ação de cobrança ordiná-ria. Triplicatas e cheques. Prova dos negócios subjacentes. [...] Confissão de dívida formulada em texto genérico, sem especificar abrangência e alcance dos débitos, pede dilação probatória. Afigura-se cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide sem que os contornos da relação causal sejam perfeitamente delineados” (Ac. TAPR, de 20.12.1995, Ap 77315500, Rel. Juiz Clayton Camargo, Jurispr. Inform. Saraiva, 14, gr.).

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Em conclusão, tem-se que a cobrança de cheque prescrito sujeita-se ao procedimento antevisto na lei especial, não sendo lícito o uso da monitória para o desiderato. E, ainda, que o cheque não tem como ser convertido em confissão de dívida diretamente em embargos à monitória (Monitória e cheque prescrito. Disponível em: online.sintese.com).

8131 – Ação rescisória – ação coletiva e ação individual – coisa julgada – não ocorrência

“Processo civil. Ação rescisória. Art. 485, IV, do CPC. Ação coletiva e ação individual. Coisa julga-da. Não ocorrência. Art. 104, CDC. Ação improcedente. 1. Ação rescisória com pedido de tutela antecipada proposta pela União Federal objetivando desconstituir acórdão proferido pela 2ª Turma deste Tribunal Regional Federal que deu provimento ao agravo legal interposto também pelo ente público para limitar o reajuste de 28,68% à edição da MP 1.704/1998, reconhecer a prescrição do fundo de direito em relação às parcelas vencidas há mais de cinco anos antes da propositura da ação e para fixar a sucumbência recíproca, nos termos do art. 21, caput, do Código de Processo Civil. 2. O direito processual coletivo é regido por um microssistema de normas, que se encontram dis-postas na Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), na Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965) e no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). 3. Aplica-se in casu o art. 104 do Có-digo de Defesa do Consumidor, o qual dispõe que as ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do art. 81 não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação co-letiva. 4. Como bem ressaltou a própria União Federal em sua petição inicial, os autores da ação individual, réus nesta rescisória, não renunciaram à demanda que propuseram, motivo pelo qual a coisa julgada formada na ação coletiva não os beneficia, consoante orientação do já citado art. 104 do CDC. 5. O próprio réu Eduardo afirma em sua contestação que apenas tomou conhecimento da ação coletiva em maio de 2009, quando o Sindisprev/SP encaminhou-lhe um contrato de prestação de serviços advocatícios, porém, pelo que consta das informações no Sistema de Consulta Proces-sual a ação individual chegou ao seu fim, tendo transitado em julgado sem que houvesse qualquer pedido de suspensão nos termos do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor. 6. Assim, ainda que haja concordância das partes quanto à rescisão da decisão, não há como deferir o pedido feito pela União Federal, porque como não houve pedido de suspensão da ação individual, a coisa jul-gada em ação coletiva não se estende aos autores, ora réus, não havendo, portanto, que se falar em ofensa à coisa julgada. 7. Atendidos os critérios do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, fixo a verba honorária em R$ 2.000,000 (dois mil reais). 8. Ação rescisória improcedente.” (TRF 3ª R. – AR 0035894-32.2011.4.03.0000/SP – 1ª S. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 19.08.2014)

8132 – Ação rescisória – contrato de participação financeira – complementação de ações

“Ação rescisória. Brasil Telecom. Contrato de participação financeira. Complementação de ações. Critério do balancete mensal. Violação da coisa julgada. Não ocorrência. 1. Não viola a coisa julgada a decisão que, interpretando o comando condenatório, estabelece o ‘balancete mensal’ como critério de apuração do ‘valor patrimonial das ações na data da integralização’. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AR 5.391 – (2014/0119619-3) – 2ª S. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 02.09.2014 – p. 745)

8133 – Ação rescisória – desapropriação – interesse social – reforma agrária

“Direito processual civil. Ação rescisória. Desapropriação. Interesse social. Reforma agrária. Recur-so especial. Fixação. Valor indenizatório. Igualdade. Oferta inicial. Trânsito em julgado. Violação. Literal dispositivo de lei. Pretensão. Reexame da causa. Interpretação mais favorável. Improcedên-cia. 1. Presta-se a ação rescisória não à correção de injustiça, porque constitui isto matéria de recurso, mas sim à verificação de que a garantia constitucional da coisa julgada formara-se, ou não, adequadamente segundo os padrões legais cogentes. 2. Assim, não serve como uma nova oportunidade para que as partes discutam a mesma demanda, sobretudo porquanto a hipótese do art. 485, inciso V, do CPC exsurge, conforme a vetusta lição, somente quando patentes a interpre-tação e a aplicação teratológicas da disposição legal, ou seja, quando, com o perdão da tautologia,

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a sua literalidade for ofendida. 3. A demanda que, todavia, para configurar o aludido vício, não prescindir do exame probatório ou da revaloração dos fatos, ou, ainda, pretender a renovação da interpretação do normativo para que a mais favorável a si seja a prevalecente não se amolda à hi-pótese da violação literal a dispositivo de lei. 4. Ação rescisória julgada improcedente.” (STJ – AR 4.400 – (2010/0011487-1) – 1ª S. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 01.09.2014 – p. 547)

8134 – Alienação fiduciária – busca e apreensão – mora ex re – vencimento do prazo para pagamento – comprovação – notificação extrajudicial

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Mora ex re. Vencimento do prazo para pagamento. Comprovação. Notificação extrajudicial. Prova do re-cebimento. Necessidade. Agravo desprovido. 1. A mora do devedor, na ação de busca e apreensão de bem objeto de contrato de financiamento com garantia fiduciária, constitui-se ex re, de modo que decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento. 2. A mora do devedor deve ser comprovada por notificação extrajudicial realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos a ser entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notificação pessoal. 3. In casu, o eg. Tribunal de origem consigna que, embora não precise ser recebida pessoalmente, deve, ao menos, ter sido entregue no endereço do devedor e recebida por um terceiro, de modo que não foi atendido o requisito da comprovação da constituição do devedor em mora, indispensável para o prosseguimento da ação de busca e apreensão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 499.796 – (2014/0080561-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 02.09.2014 – p. 993)

8135 – Alienação fiduciária – negócios jurídicos bancários – notificação pessoal

“Agravo regimental. Recurso especial. Negócios jurídicos bancários. Alienação fiduciária. Notifica-ção pessoal. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 356/STF. Mora superveniente ao trânsito em julgado da revisional. Descaracterização da mora. Não ocorrência. Precedentes. Agravo regi-mental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.314.481 – (2012/0054523-1) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 04.09.2014 – p. 362)

8136 – Alimentos – binômio necessidade/possibilidade – alteração

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Revisional de alimentos. Alteração do binômio necessidade/possibilidade. Reexame de prova. 1. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 442.102 – (2013/0397092-2) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 04.09.2014 – p. 453)

8137 – Busca e apreensão – bem alienado fiduciariamente – purga da mora – depósito do valor integral da dívida – necessidade

“Apelação cível. Ação de busca e apreensão. Bem alienado fiduciariamente. Purga da mora. De-pósito do valor integral da dívida. Necessidade. Vencimento antecipado do contrato. Legalidade. Litigância de má-fé. Inocorrência. Recurso provido. Através do contrato de alienação fiduciária em garantia, o devedor transfere ao credor a propriedade sobre o bem oferecido em garantia, a qual se resolverá, quando integralmente quitada a dívida. Com a entrada em vigor da Lei nº 10.931/2004, que alterou a redação do Decreto-Lei nº 911/1969, a purgação da mora passou a ser admitida somente quando, no prazo de cinco dias, contados da execução da liminar de busca e apreensão, o devedor efetua o pagamento do valor integral da dívida, englobando as parcelas vencidas e vincendas, segundo a planilha apresentada pelo credor na inicial. Nos termos do § 3º do art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969, não há qualquer abusividade na cláusula que prevê o vencimento antecipado da dívida, em caso de inadimplência do devedor fiduciante. Demonstrando os autos que a parte autora não praticou nenhum dos atos elencados no art. 17 do CPC, não há que se falar em litigância de má-fé, não se justificando a incidência da sanção prevista no art. 18 do mesmo diploma legal. Recurso provido.” (TJMG – AC 1.0342.12.006956-8/001 – 17ª C.Cív. – Rel. Eduardo Mariné da Cunha – DJe 05.08.2014)

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8138 – Contrato – ação revisional – análise das cláusulas – ausência

“Civil. Processo civil. Apelação cível em ação revisional de contrato. 1. Extinção da ação com fulcro no art. 285-A do CPC. Ausência da análise das cláusulas contratuais. 2. Nos termos delineados no art. 285-A do CPC, tem-se que para o decreto de rejeição do pedido do autor antes da citação do réu, resolvendo a demanda antecipadamente, a causa precisa ser unicamente de direito e deve a demanda versar sobre questão jurídica objeto de processos semelhantes. 3. Insubsistente a apli-cação do art. 285-A do CPC no julgamento das ações revisionais, pois cada ação possui as suas peculiaridades, a depender do valor e objeto da transação, dos números de parcelas nas quais serão dissolvidas o montante pactuado e até mesmo da instituição financeira perante a qual a avença é firmada. 4. Recurso conhecido e provido.” (TJPI – AC 2012.0001.001467-0 – 2ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. José Ribamar Oliveira – DJe 19.08.2014)

8139 – Contrato de transporte marítimo de cargas – natureza da relação jurídica – Código de Defesa do Consumidor – incidência – discussão

“Civil e processo civil. Recurso especial. Contrato de transporte marítimo de cargas. Natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes. CDC. Afastamento. Artigo analisado 2º, CDC. 1. Ação coletiva, com pedido de liminar, distribuída em 12.08.2010, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.07.2013. 2. Discute-se a incidência, à espécie, do Código de Defesa do Consumidor, bem como a legitimidade da cobrança de sobretaxas, feita em contrato de transporte marítimo de cargas. 3. Embora seja vedada, nesta via estreita, a apreciação dos requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada, é possível a análise de violação de lei federal quando constatado evidente error in judicando, por equivocada qualificação jurídica dada aos fatos pelo Tribunal de origem, à luz da jurisprudência consolidada no STJ, como, na hipótese, se alega quanto à aplicação do CDC. 4. A natureza da relação estabelecida entre as pessoas jurídicas – se de consumo ou puramente empresarial – não pode ser qualificada a partir de uma análise feita exclusivamente pelo prisma dos contratantes, à margem de qualquer reflexão sobre o contexto no qual se insere o contrato celebrado. 5. Quando o vínculo contratual entre as partes é necessário para a consecução da atividade empresarial (operação de meio), movido pelo intuito de obter lu-cro, não há falar em relação de consumo, ainda que, no plano restrito aos contratantes, um deles seja destinatário fático do bem ou serviço fornecido, retirando-o da cadeia de produção. 6. Excep-cionalmente, o STJ admite a incidência do CDC nos contratos celebrados entre pessoas jurídicas, quando evidente que uma delas, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade em relação à outra. 7. Em regra, o contrato de transporte de cargas é serviço agregado à atividade empresarial dos importadores e exportadores de bens, que dele se valem para levar os seus produtos aos respectivos consumidores, transferindo-lhes o custo no preço final (consumo intermediário). 8. Na espécie, as recorridas não são destinatárias fi-nais – no sentido fático e econômico – dos serviços de transporte marítimo de cargas prestado pelos recorrentes, nem foi reconhecida pelo Tribunal de origem a condição de vulnerabilidade daquelas em face destes, a atrair a incidência do CDC. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ – REsp 1.403.287 – (2013/0154022-8) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 04.09.2014 – p. 383)

8140 – Dano moral – transporte aéreo internacional – cancelamento de voo – valor indeniza-tório – razoabilidade

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Transporte aéreo internacional. Cancelamento de voo. Dano moral. Valor indenizatório. Razoabilidade. 1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condi-zente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 471.704 – (2014/0024047-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 04.09.2014 – p. 458)

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Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental contra decisão mediante a qual negou provimento ao agravo em recurso especial por aplicar ao caso as Súmulas nºs 282 e 356 do STF e 83 do STJ, bem com por considerar razoável o valor fixado a título de danos morais.Insistiu a agravante na necessidade de redução do valor indenizatório, ao argumento de que, no caso dos autos, foi fixado em valor exagerado, qual seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autor, hoje atualizados em mais de R$ 11.000,00 (onze mil reais).Postulou, por fim, a reconsideração da decisão agravada, ou, alternativamente, apreciação co-legiada do presente recurso.O STJ negou provimento ao agravo regimental.Segundo a doutrina:“O fato do serviço é a causa objetiva do dano ocasionado ao consumidor em função de defeito na prestação de serviço, isto é, a repercussão do defeito do serviço, causadora de danos na esfera de interesse juridicamente protegido do consumidor.Responsabilizam-se independentemente da apuração de culpa todos os fornecedores de serviço, quer imediatos como mediatos, solidariamente, pelos danos ocasionados aos consumidores em função de defeito na prestação do serviço ou por incompletude nas informações acerca da se-gurança na sua execução ou fruição.” (ALVIM, Arruda. Código do consumidor comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 47)Irineu Strenger, em estudo elaborado sobre o dano moral, assim nos elucida:“Quando se fala em dano moral se tem em conta, especialmente, a caracterização do resultado lesivo, considerando-se, como primeiro aspecto, a verificação ou não de um dano, segundo sua concepção genericamente admitida, ou seja, a existência de um ato ilícito punível, vale dizer, identificado com a ofensa ou lesão de um direito ou de um bem jurídico qualquer.A matéria relacionada com o dano indenizável é bastante ampla e exige, para sua exata com-preensão e aplicação, numerosas distinções, às vezes empanadas por variada terminologia que usam os escritores.O dano moral, por não ter nenhuma vinculação com os valores econômicos ou patrimoniais, não é, por si mesmo, suscetível de apreciação pecuniária, e, por isso, deve ser uma indenização que se traduza numa soma de dinheiro, estabelecida livremente pelos juízes.O dinheiro se dá não porque o bem lesionado seja suscetível de apreciação pecuniária, como os bens patrimoniais, mas como compensação.Na verdade, somente a jurisprudência, a ductibilidade de contemplação dos casos concretos e específicos, pode dar um conceito de dano moral que contemple a verdadeira vocação do instituto de assegurar uma justa compensação a todos aqueles que sofreram lesão na situação favorável ou de vantagem que possuíam em relação a determinados bens.Ressarcir os danos morais, ainda que seja de modo pecuniário, à falta de outro melhor não é materializar os interesses morais, mas, ao contrário, espiritualizar o direito enquanto este não se limita à proteção dos bens econômicos, envolvendo também outros bens não econômicos que são inseparáveis da pessoa humana.Tenha-se, porém, em conta que a impossibilidade de uma exata valoração do dano moral não deve conduzir à sustentação que sua apreciação pelo juiz será absolutamente arbitrária. Isso conduz à insegurança e à injustiça. Haverá decisões que ascendem a uma soma além do bom--senso e outros valores sem nenhuma transcendência, irrisórios ou puramente simbólicos.Há quem sustente que no dano moral deve levar-se em conta a condição social e econômica do ofendido. Porém, isso nos leva, em princípio, a subestimar o dano moral dos pobres. Nesse sentido, estamos de acordo com a opinião de que não vale mais a dor dos ricos que a dos pobres, e resulta imoral medir a dor em função do dano patrimonial que se possa ter sofrido. Deve-se, contudo, considerar a personalidade do agente, as circunstâncias condicionantes do delito e a gravidade da falta cometida, atendendo a índole do fato, se culposo ou doloso, o tipo de antiju-ridicidade, etc. A gravidade da falta para os fins ressarcitórios se mede pelo resultado danoso.Como contribuição para um entendimento abrangente do dano moral, oferecemos a seguinte definição:‘Chama-se dano moral qualquer ato não patrimonial que faça repercutir na esfera da pessoa física ou jurídica conseqüências que afetem sua situação social, comunitária, econômica ou familiar, causando danos avaliáveis segundo o grau e extensão de seus efeitos.’” (Novo Código Civil – Dano moral. Juris SÍNTESE, n. 52, mar./abr. 2005)

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8141 – Defesa do consumidor – compra – empresa importadora – negativa de fornecimento da nota fiscal

“Apelação. Processo civil e direito do consumidor. Ação de indenização por danos morais e mate-riais. Compra de um aparelho celular junto à recorrida Happy Imports. Negativa de fornecimento da nota fiscal e da segunda via. Prova da aquisição por meio da fatura de cartão de crédito. Ausência de vinculação da fatura com o bem adquirido. Inversão do ônus da prova e ausência de requisitos ensejadores da medida. Verossimilhança, hipossuficiência do autor e regras de experiência. Inexis-tência de prova do vínculo jurídico entre o autor e as recorridas. Dever jurídico originário passível de responsabilização não demonstrado. A responsabilidade civil por ato ilícito depende da prova do dano causado ao autor, da culpa (decorrente do dolo ou da culpa em sentido estrito), que corres-ponde à violação de um dever preexistente, e do nexo de causalidade, assim entendido como a vin-culação entre determinada ação ou omissão e o dano experimentado. Na hipótese, o autor postula indenização por danos morais e materiais porque adquiriu um aparelho celular junto à sociedade empresarial Happy Imports Ltda. e esta negou-se a emitir o cupom fiscal e, posteriormente, a impri-mir a segunda via. Este fato impossibilitou o recorrente de exercitar o seu direito à garantia sobre o bem junto à rede autorizada de assistência técnica. A ausência da prova da vinculação contratual da compra de aparelho celular com as recorridas impede a inversão do ônus da prova, tanto que a verossimilhança das alegações, aliada à hipossuficiência do consumidor, não pode ser presumida no caso concreto mediante a utilização das regras ordinárias de experiência do autor, requisitos previstos no art. 6º, VIII, do Código do Consumidor. A prova trazida aos autos é representada por uma fatura de cartão de crédito onde consta uma compra feita à Happy Imports Ltda., inexistindo elementos que demonstrem que dito lançamento se refere à aquisição do aparelho celular. O ônus da prova incumbia ao apelante na forma preconizada no art. 331, I, do CPC, mas foi inviabilizada porque o autor faltou injustificadamente à audiência preliminar e, desta feita, a prova foi encerrada. Sem a demonstração da violação ao princípio da boa-fé objetiva e da vinculação jurídica entre as partes, não se pode assentir com a responsabilidade civil das promovidas (arts. 186 e 927 do Código Civil). Apelação conhecida, porém desprovida.” (TJCE – Ap 0060271-86.2007.8.06.0001 – Rel. Paulo Airton Albuquerque Filho – DJe 29.07.2014 – p. 28)

8142 – Defesa do consumidor – compra e venda de imóvel – desfazimento – cláusula de devo-lução – abusividade

“Direito civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito do consumidor. Contrato de compra de imóvel. Desfazimento. Cláusula contratual de devolução de parte do valor pago de forma parcelada. Abusividade. Súmula nº 83/STJ. 1. É abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer con-tratantes (2ª Seção, REsp 1300418/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 10.12.2013), Julgado sob o rito do art. 543-C do CPC. 2. Incidência da Súmula nº 83/STJ. 3. Agravo regimental impro-vido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 525.955 – (2014/0134221-3) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 04.09.2014 – p. 327)

8143 – Defesa do consumidor – inscrição indevida – dano moral – ausência

“Agravo regimental no recurso especial. Consumidor. Inscrição indevida. Dano moral. Ausência. Súmula nº 385/STJ. 1. Em se tratando de inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente inscrição legítima (Súmula nº 385/STJ). 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.426.777 – (2013/0416786-3) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.08.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão desta relatoria que deu provimento ao recurso especial para afastar o valor fixado a título de indenização por danos morais.

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������187

A agravante alegou que, “[...] em que pese à existência de outro registro na certidão juntada aos autos [...], o mesmo não se mostra com registro válido a caracterizar inscrição preexistente”, pois “o referido registro foi considerado irregular”.

O STJ negou provimento ao agravo regimental aduzindo que não prosperaram as alegações pos-tas no regimental, incapazes de alterarem os fundamentos da decisão impugnada.

Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva, comentando o disposto no art. 43, § 2º, da Lei nº 8.078/1990, assim dispõe:

“Também é dever da empresa que abrir cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo comunicar o fato por escrito ao consumidor, não só de modo a possibilitar-lhe a exigência da imediata correção das inexatidões, mas também de molde a proporcionar-lhe a oportunidade de evitar o abalo de seu crédito, no mercado de consumo, purgando a mora o mais cedo possível.

A inobservância do dever de comunicação enseja reparação por danos patrimonial e moral, por parte do fornecedor e do arquivista, que deve responder solidariamente, conforme o pará-grafo único do art. 7º do CDC, salvaguardada a ação de regresso de um em relação ao outro (art. 13, parágrafo único, do CDC).” (Código de defesa do consumidor anotado. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 152/3)

Sobre o conceito de dano moral e sua valoração, oportuno trazer as lições de Isabela Ribeiro Figueiredo:

“A moral, para o direito, consiste na valoração do sentimento de cada ser humano, abrangen-do critérios pessoais que fogem ao domínio exclusivo da razão. Tais critérios criam princípios: direito à vida, liberdade, nome, intimidade, privacidade, honra, imagem. Referidos princípios são amparados pelo direito.

Ainda para alguns, a dor moral não tem preço, não podendo ser colocada como uma mercadoria à venda. Todavia, a questão não pode ser vista por esse foco. Com a reparação do dano moral não se está pretendendo vender um bem moral, mas, simplesmente, sustentando que esse bem, como todos os outros, deve ser respeitado. Quando a vítima pleiteia a reparação pecuniária da sua dor moral, não pede um preço para sua dor, mas pretende atenuar, em parte, as conseqüên-cias da lesão sofrida.

O dano moral já vinha sendo contemplado em nosso ordenamento jurídico, inclusive no CC de 1916 em seu art. 159.

A reparação do dano moral no Direito brasileiro está prevista na CF de 1988 em seu art. 5º, V e X, cessando, pois, a discussão sobre a reparabilidade ou não do dano moral.

[...]

A lei se eximiu de conceituar o dano moral, por isso devemos buscar sua definição na doutrina, que já se definiu quanto a esse importante tema da atualidade de nosso direito.

O dano moral pode ser definido como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apre-ciável de uma pessoa. É a violação do sentimento que rege os princípios morais tutelados pelo direito, que podem ser decorrentes de ofensa à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida e à integrida-de corporal.” (A valoração do dano moral. Revista SÍNTESE de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, a. II, n. 10, p. 51-52, mar./abr. 2001)

8144 – Divórcio – alimentos provisórios – irresignação da autora

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação de divórcio. Alimentos provisórios. Decisão monocrática negando provimento ao recurso. Irresignação da autora. 1. Violação do art. 535 do Código de Processo Civil, não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos es-senciais à resolução da controvérsia de forma clara e fundamentada, analisando as provas dos autos e exteriorizando os motivos de seu convencimento. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 308.408 – (2013/0062259-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.09.2014 – p. 440)

8145 – Exceção de suspeição de perito – assistência simples admitida na exceção – prazo em dobro do art. 191 do CPC – inaplicabilidade

“Recurso especial. Processual civil. Exceção de suspeição de perito. Assistência simples admitida na exceção. Prazo em dobro do art. 191 do CPC. Inaplicabilidade. Violação ao art. 538 do CPC. Ino-corrência. Contrariedade ao art. 463 do CPC. Deficiência na fundamentação (Súmula nº 284/STF).

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Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Recurso desprovido. 1. De acordo com os arts. 135, 138, III, e § 1º, 297, 304, 305 e 306 do CPC, a exceção de suspeição do juiz ou do perito é um incidente processual que objetiva sanar possível vício existente no processo, não em relação às partes litigan-tes, mas sim ao próprio órgão encarregado de exercer a jurisdição judicial ou a auxiliar deste, como é o caso do perito (CPC, art. 139). É incidente processual de ordem pública, suscitado por uma das partes do processo, com o objetivo de corrigir algum vício que lhe possa trazer prejuízo no resulta-do final da lide. 2. A exceção de suspeição do perito, auxiliar da Justiça nos termos do art. 139 do CPC, é incidente processual em que o expert figura como ‘réu’, promovido, o que, evidentemente, não enseja a participação da parte contrária à excipiente. Tratando-se de arguição de suspeição, por sua própria natureza, somente o próprio excepto poderá refutar a acusação que lhe é atribuída, seu papel, no incidente, será justamente afastar essa incômoda imputação de estar atrelado a uma das partes. 3. Disso resulta que a parte que integra um dos pólos da lide em que suscitada a exceção de suspeição do perito não pode pretender valer-se das regras dos arts. 46, 50 e 54 do CPC, para atuar, no incidente, como litisconsorte, assistente litisconsorcial ou assistente simples do excepto. Por consectário lógico, somente aquele de quem se poderia exigir isenção e imparcialidade pode ser apontado como suspeito e, assim, ter legitimidade para reconhecer ou refutar as alegações, considerando-se as hipóteses de suspeição previstas 135 do CPC. 4. Não se ignora que o processo em exame possui julgamento, já em sede de apelação, com decisão favorável à recorrente, mas, tal interesse no resultado final da exceção, por ter repercussão na manutenção da decisão proferida no processo principal, é inerente à dialética processual, sendo insuficiente para legitimar ou possibili-tar a intervenção da parte, contra toda a lógica aplicável ao incidente, dada a natureza mesma da exceção de suspeição. 5. No caso em liça, o entendimento acima não pode ser aplicado, em sua plenitude, porque a recorrente foi admitida como assistente simples na exceção, e, nessa condição, interpôs o presente recurso especial. Assim sendo, entender que não poderia sequer ser assistente simples implicaria em reformatio in pejus. 6. Quanto ao art. 191 do CPC, a regra é clara no sentido de que o prazo em dobro é concedido aos litisconsortes com diferentes procuradores, o que não ocorre no caso em liça. A ora recorrente é, como já dito, por razões formais, mantida como mera assistente simples do ora excepto, não podendo ser considerada parte na exceção de suspeição, assim como o excepto não pode ser considerado parte no processo principal, com diferente procu-rador, sendo, ainda, de discutível aplicação ao assistente simples a dobra de prazo do art. 191 do CPC. Inaplicável, pois, a regra invocada. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 909.940 – (2006/0255221-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 04.08.2014 – p. 3006)

8146 – Execução de título extrajudicial – inércia da autora – abandono de causa – intimação pessoal

“Processo civil. Execução de título extrajudicial. Inércia da autora. Abandono de causa. Intimação pessoal. Não localização do réu. Extinção sem resolução de mérito. Apelação desprovida. 1. A inércia da parte autora em dar cumprimento à determinação judicial de promover as diligências necessárias ao andamento regular do processo é hipótese configuradora de abandono da causa, a ensejar a extinção do processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, III, do CPC. 2. Considerando que a extinção do processo foi precedida da intimação pessoal da exequente, sobre a qual a mesma não se manifestou, consoante preceitua o art. 267, § 1º, do CPC, impõe-se a manutenção da sentença. 3. Cabe ao autor de qualquer demanda apontar o endereço correto do réu, sendo tal tarefa da parte, e não do juiz. 4. O fato de a autora não ter fornecido o endereço à correta citação do devedor não pode ser pretexto para se eternizar a prestação jurisdicional de modo que, até o presente momento, não foi possível instaurar, de forma completa, a relação jurídica processual. 5. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 2010.51.05.000904-0 – 8ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho – DJe 07.08.2014 – p. 663)

8147 – Execução – imóvel – bem de família – impenhorabilidade

“Agravo regimental nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo em recurso especial. Processual civil. Civil. Execução. Imóvel. Bem de família. Impenhorabilidade. Exceção do

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art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990. Inaplicabilidade. Dívida de terceiro. Pessoa jurídica. Impossibilida-de de presunção de que a dívida fora contraída em favor da entidade familiar. 1. A possibilidade de penhora do bem de família hipotecado só é admissível quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro. Precedentes. 2. Mesmo quando a garantia real foi prestada utilizando-se firma individual de pessoa jurídica, não se pode presumir que a hipoteca foi dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenho-rabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-EDcl-Ag-REsp 429.435 – (2013/0375569-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.09.2014 – p. 1190)

8148 – Honorários de advogado – exorbitância – redução – cabimento

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Honorários advocatícios. Exor-bitância. Redução. Cabimento. 1. A jurisprudência desta Corte Superior admite a modificação dos valores fixados a título de honorários advocatícios se estes se mostrarem irrisórios ou exorbitantes, mormente quando indicados na origem os critérios fáticos utilizados para a sua fixação. 2. Hipótese em que se determinou a redução da verba honorária no patamar de 1% sobre o valor da condena-ção, tendo em vista o caráter repetitivo da demanda, como afirmado pelo Tribunal a quo. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 521.951 – (2014/0125545-8) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 04.09.2014 – p. 249)

8149 – Juizado especial cível – passagem aérea – atraso na viagem superior a cinco horas – contrato de transporte – descumprimento

“Juizado especial cível. Passagem aérea. Atraso na viagem superior a cinco horas. Descumprimen-to do contrato de transporte. Alteração da malha aérea. Fortuito interno. Falha na prestação de serviços. Responsabilidade do fornecedor. Configuração. Danos morais. Cabimento. Valor. Redu-ção. Impossibilidade. 1. Acórdão elaborado em conformidade com o disposto nos arts. 46 da Lei nº 9.099/1995, 12, inciso IX, 98 e 99 do Regimento Interno das Turmas Recursais. 2. Consta dos autos que no dia 29.11.2013 a recorrida alegou que adquiriu três passagens aéreas junto à recor-rente, saindo da Cidade de Porto Seguro/BA, com destino a Brasília, com conexão em confins/belo horizonte e previsão de chegada às 17h26. Salienta que a recorrente realizou voo de conexão com cinco horas de atraso e que durante todo o período de espera permaneceu com uma criança de colo e bagagens de mão no aeroporto de Confins/BH, sem receber nenhum auxílio da recorrente. Pugnou pela condenação da recorrente pelos danos morais suportados. A recorrente alega a altera-ção na malha aérea. 3. Constitui falha na prestação de serviço o atraso de voo por mais de 5 (cinco) horas de atraso do horário estabelecido para o embarque, circunstância esta que viola o direito de personalidade, ensejando à reparação por danos morais. 4. Falha na prestação do serviço. ‘2. Teoria do risco do negócio ou atividade constitui base da responsabilidade objetiva do código de defesa do consumidor, harmonizando-se com o sistema de produção e consumo em massa, de modo a proteger a parte mais frágil da relação jurídica. Portanto, o risco não pode ser transferido ao con-sumidor. 3. Na relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor é objetiva e integral pelos danos causados ao consumidor. As hipóteses do art. 14, § 3º, da Lei nº 8.078/1990, tal como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, afastam a responsabilidade civil do fornecedor [...] (Acór-dão nº 715107, 20110112254356ACJ, Rel. Fábio Eduardo Marques, 3ª Turma Recursal dos Juiza-dos Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 17.09.2013, Publicado no DJe 26.09.2013, p. 228) e, no presente caso, a recorrente não foi capaz de demonstrar a culpa do recorrido ou de terceiro. 5. A alegação de alteração na malha aérea constitui fortuito interno, haja vista o seguinte entendimento jurisprudencial, verbis: ‘O fortuito interno, assim considerado a alteração na malha aérea, não tem a aptidão de romper o nexo de causalidade, capaz de afastar o dever de indenizar pelos serviços precários prestados ao consumidor’ (Acórdão nº 695122, 20130110214635ACJ, Rel. Aiston Henrique de Sousa, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 09.07.2013, Publicado no DJe 23.07.2013, p. 195). 6. A situação apresentada nos autos caracteriza desrespeito à dignidade da pessoa humana, pois a submete a transtornos e os abor-

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recimentos exagerados, tendo permanecido por mais de 5 (cinco) horas do que foi originalmente previsto para embarque, com criança de colo e bagagens de mão, tratando-se de dissabores que extrapolam o mero inadimplemento contratual. 7. ‘O dano moral, para que se faça indenizável, deve infundir à pessoa lesão à sua imagem, hábil a deixar sequelas que se reflitam de forma nociva em seu dia-a-dia’ (Acórdão nº 701674, 20120111726669ACJ, Rel. João Fischer, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 06.08.2013, Publicado no DJe 16.08.2013, p. 252). Diante deste julgado, entendo haver nos autos comprovação de grave lesão à pessoa, à sua imagem e à sua personalidade, capaz de ensejar a condenação por danos morais, pois a recorrida tinha adquirido bilhete de passagem para viagem agendada para 21h03m, mas permaneceu no aeroporto até as 2h42m19s, conforme registro no cupom fiscal de pagamento do estacionamento de fl. 8, sem receber sequer a assistência adequada (garantida por normas da agência reguladora da aviação civil) da companhia aérea responsável. 8. Quanto ao valor do dano moral arbitrado na sentença, não deve ser acolhido o pedido de redução. A fixação do valor a título de dano moral deve levar em conta critérios doutrinários e jurisprudenciais, tais como o efeito pe-dagógico e inibitório para o ofensor e a vedação ao enriquecimento sem causa do ofendido ou em-pobrecimento do ofensor. Ainda, a indenização deve ser proporcional à lesão à honra, à moral ou à dignidade do ofendido, às circunstâncias que envolvem o fato, às condições pessoais e econômicas dos envolvidos, e à gravidade objetiva do dano moral. Tais critérios norteadores foram corretamente analisados na sentença, razão pela qual esta não merece reforma quanto ao valor da indenização a título de dano moral. 9. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos. 10. Condeno a recorrente ao pagamento das custas processuais. Sem honorários, em face da ausência de contrarrazões (fl. 103).” (TJDFT – Proc. 20141310014830 – (809522) – Rel. Juiz Antônio Fernandes da Luz – DJe 07.08.2014 – p. 238)

8150 – Justiça gratuita – presunção de necessidade – prova

“Gratuidade judicial. Presunção de necessidade que decorre de simples declaração da parte, mas deixa de existir diante de efetiva demonstração em contrário. Elementos de prova suficientes para o convencimento de que a parte desfruta de condições financeiras para arcar com as despesas do processo. Indeferimento que prevalece. Agravo improvido. A declaração de miserabilidade gera presunção relativa, deixando de prevalecer apenas diante de elementos de prova em contrário. No caso, a prova existente evidencia que a parte desfruta de condições financeiras que lhe permitem arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento, não fazendo jus ao benefí-cio.” (TJSP – AI 2108298-67.2014.8.26.0000 – Cubatão – 31ª CDPriv. – Rel. Antonio Rigolin – DJe 29.07.2014 – p. 1346)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo, sob a forma de instrumento, interposto com o objetivo de alcançar a reforma de decisão proferida em ação de indenização.

Aduziu o agravante que não aufere renda suficiente para atender às despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento, de modo que configurada se encontra a situação justificadora da concessão.

O TJSP negou provimento ao recurso.

O Relator assim aduziu:

“No caso em exame, analisando os documentos apresentados pelo agravante, bem é de ver que a sua remuneração mensal é superior a quatro salários-mínimos (fl. 73), o que permite concluir que desfruta de condições financeiras perfeitamente razoáveis, bem superiores ao padrão médio da população brasileira, afastando a possibilidade de se admitir uma verdadeira situação de miserabilidade para justificar o desfrute do benefício. A base probatória existente, enfim, autoriza reconhecer o esmorecimento da presunção.

Assim, diante dos elementos apresentados, não há como deixar de prevalecer a solução adotada, que corretamente indeferiu o benefício.”

A justiça gratuita é instituto do direito processual civil e desobriga a quem é concedido o paga-mento de todas as despesas inerentes ao processo.

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O Jurista Adenor José da Cruz, ao comentar a Lei nº 1.060/1950, que dispõe sobre o instituto da justiça gratuita, assim disciplina:

“Da análise do texto, depreende-se que, à luz da legislação processual civil, o preceito do pará-grafo único do art. 1º da mencionada lei, por si só, define o que é necessitado, ao estabelecer que considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Infere-se, ainda, que, à luz da legislação processual penal, pobre é a pessoa que não puder pro-ver as despesas do processo sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família. E na acepção jurídica do termo, pobre é todo indivíduo cujos recursos pecuniários não lhe permitem suportar as despesas de um pleito judicial, para fazer valer um direito seu ou de pessoa sob a sua responsabilidade, sem que se prive de algum dos elementos indispensáveis de que ordinariamente dispõe para a subsistência própria, ou da família. Portanto, tais definições, em sede de assistência judiciária gratuita, afastam, definitivamente, o sentido denotado, dado pelo Aurélio aos termos: necessitado, isto é, o de miserável ou de pobre, que quer dizer ‘quem não tem o necessário à vida’. In casu, a necessidade ou a pobreza é a jurídica. Isto porque, como dito anteriormente, sob o ponto de vista do Direito, o conceito de necessitado não está vinculado a determinado limite de valor de renda mensal percebida pelo beneficiário da assistência judiciá-ria gratuita e, sim, à impossibilidade de pagamento das despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou da família.

Destarte, para que a parte goze dos benefícios da assistência judiciária gratuita, bastará uma simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de arcar com as cus-tas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família. Tal afirmação deverá ser formulada por meio de procurador, visto que a procuração geral para o foro e mais os poderes especiais constantes da parte final do art. 38 do CPC, conferida por instrumento público ou particular, devidamente assinada pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, não sendo, portanto, necessário que o assistido apresente declaração que ateste a con-dição de necessitado, conforme se depreende dos preceitos relacionados no diploma legal, sob comentário, e da jurisprudência remansosa dos nossos tribunais, que perfilha esta interpretação.

Esta, a meu juízo, é a mais adequada exegese, para a concessão da assistência judiciária gratuita aos necessitados.” (Justiça gratuita aos necessitados à luz da Lei nº 1.060/1950 e suas alterações. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 18, p. 473, doutrina n. 3/20661, 2ª quinz. set. 2003)

8151 – Liquidação extrajudicial de instituição financeira – ação declaratória de nulidade de atos – comissão de inquérito

“Conflito de competência. Liquidação extrajudicial de instituição financeira. Ação declaratória de nulidade de atos. Comissão de inquérito. Competência da Justiça Federal. 1. O que se extrai da situação posta nos autos é que a ação declaratória tem por objeto a nulidade dos atos administra-tivos praticados pela Comissão de Inquérito do Banco Central do Brasil, circunstância que atrai a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição. 2. Referida ação declaratória não discute a intervenção, a liquidação extrajudicial ou a falência propriamente dita das empresas do mencionado grupo econômico, o que poderia atrair a competência do juízo fali-mentar, porquanto é sabido que ‘o fato de se tratar de pedido de falência de empresa em liquidação extrajudicial, ou seja, sob intervenção do Banco Central, não tem o condão de deslocar a compe-tência do feito para a Justiça Federal’ (REsp 1.162.469/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., J. 12.04.2012, DJe 09.05.2012 e REsp 459.352/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 23.10.2012, DJe 31.10.2012). 3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência da Justiça Federal.” (STJ – CC 128.090 – (2013/0136653-3) – 2ª S. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 20.08.2014)

8152 – Litisconsórcio passivo – prazo em dobro – não ocorrência – revelia de um dos corréus – ausência de procuradores

“Agravo regimental. Recurso especial. Processual civil. Litisconsórcio passivo. Prazo em dobro. Não ocorrência. Revelia de um dos corréus. Ausência de procuradores constituídos nos autos.

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1. Necessidade de que ambos os réus sejam representados por advogados distintos para que incida a regra do art. 191 do CPC. 2. Havendo, como no presente caso, um réu revel, sem procurador nos autos, não há incidência do favor legal do prazo em dobro. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.357.302 – (2012/0257962-9) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 04.09.2014 – p. 371)

8153 – Locação – peça obrigatória – cópia incompleta

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil. Locação. Peça obrigatória. Cópia incompleta. 1. A cópia incompleta de peça obrigatória no agravo de instrumento leva ao não co-nhecimento do recurso. 2. O agravante é o responsável pela formação do instrumento e tem o dever de fiscalizar o traslado das peças. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-AI 1.230.825 – (2009/0213587-5) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 03.09.2014 – p. 310)

8154 – Marca – ação de abstenção de uso indevido – perdas e danos – reprodução ou imitação de marca alheia – confusão ou associação – possibilidade

“Civil e processual civil. Recurso especial. Ação de abstenção de uso indevido de marca cumulada com perdas e danos. Reprodução ou imitação de marca alheia. Confusão ou associação. Possibi-lidade. 1. Ação de abstenção de uso indevido de marca cumulada com perdas e danos distribu-ída em 11.06.2007, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 29.04.2014. 2. Cinge-se a controvérsia em definir se houve violação do direito industrial relativo ao registro da marca da Harley-Davidson, em virtude de sua reprodução ou imitação na logomarca do recorrido, e se eventual ilicitude enseja indenização por danos materiais. 3. O art. 124, XIX, da Lei nº 9.279/1996 veda o registro de ‘reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, se-melhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia’. 4. Para a tutela da marca basta a possibilidade de confusão, não se exigindo prova de efetivo engano por parte de clientes ou consumidores específicos. 5. Na espécie, é de se reconhecer a aproximação entre os ramos de atuação das partes, pois comercializam e oferecem serviços semelhantes, igualmente voltados ao público apreciador de motocicletas. 6. Diante da reprodução, em parte, da marca Harley-Davidson, resguarda-se à recorrente o direito de fazer cessar o uso indevido da marca con-trafeita pelo recorrido. 7. A reprodução ou imitação, não autorizada, no todo ou em parte, de marca alheia atribui ao titular o direito de receber uma remuneração referente ao período em que a marca contrafeita foi utilizada, proporcionalmente ao grau de semelhança entre as marcas. 8. Recurso es-pecial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.450.143 – (2013/0362530-9) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 02.09.2014 – p. 970)

8155 – Medida cautelar – extinção – correlatos requisitos – insurgência dos requerentes

“Agravo regimental em medida cautelar. Extinção da medida cautelar por não se verificar a presen-ça concomitante dos correlatos requisitos. Insurgência dos requerentes. 1. A despeito da possibili-dade de concessão de efeito suspensivo a recurso especial por meio de medida cautelar originária, tal pretensão apenas tem lugar quando presentes os seguintes requisitos: (a) plausibilidade dos fundamentos da insurgência, correspondente à demonstração de sua admissibilidade e a probabi-lidade de êxito, segundo a jurisprudência desta Corte; e (b) prova do perigo concreto a justificar seu deferimento. 2. Examinando-se as razões da medida cautelar, não merecem prosperar seus fundamentos porquanto ausente o periculum in mora, requisito imprescindível ao acolhimento da pretensão ora apresentada. 2.1 O r. Juízo a quo, no bojo da medida cautelar de arresto, deferiu pedido de levantamento de valores arrestados, condicionando-se, todavia, a expedição de alvará, ao trânsito em julgado da decisão (fls. 104/105, e-STJ), logo, eventual levantamento de valores, por meio de expedição de alvará, está condicionado – de forma prudente – ao trânsito em julgado, o que afasta a necessidade de intervenção do STJ nesse momento processual. 3. Agravo regimen-tal desprovido.” (STJ – AgRg-MC 22.832 – (2014/0144157-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.09.2014 – p. 428)

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8156 – Medida cautelar – homologação de sentença arbitral estrangeira – arresto de bens – desconsideração da personalidade jurídica

“Medida cautelar. Homologação de sentença arbitral estrangeira. Arresto de bens. Desconsideração da personalidade jurídica. Admite-se a concessão de tutela de urgência nos procedimentos de ho-mologação de sentença estrangeira (art. 4º, § 3º, da Resolução nº 9 de 2005 do Superior Tribunal de Justiça). A alienação de bens que põe em risco a solvência do devedor configura o fundado receio de dano que, demais disso, se confirma pela notícia, nos autos da ação principal de homologação de sentença estrangeira, de qual a empresa do devedor encontra-se em processo de liquidação judi-cial instaurado perante a Suprema Corte do Caribe Oriental (SEC 5.692, US). A sentença estrangeira, ainda que pendente de homologação, constitui prova literal de dívida líquida e certa (CPC, art. 814). Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-MC 17.411 – (2010/0183587-4) – C.Esp. – Rel. Min. Ari Pargendler – DJe 01.09.2014 – p. 534)

8157 – Menor – busca e apreensão – disputa de guarda – pais e avó materna – situação excep-cional – não demonstração

“Apelação. Direito civil. Família. Busca e apreensão de menor. Disputa pela guarda entre os pais e a avó materna. Não demonstrada situação excepcional que justifique a busca e apreensão. A busca e apreensão de menores é medida excepcional que somente se justifica mediante a comprovação de risco à segurança e ao bem-estar do infante, o que não se verifica no caso. Recurso desprovido.” (TJRS – AC 70059840124 – 7ª C.Cív. – Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro – J. 11.06.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente a ação cautelar de busca e apreensão de menor ajuizada pelos genitores contra a avó materna.

Os apelantes afirmam que é irregular a manutenção da sua filha com a avó, pois caso esta quisesse a guarda da neta, deveria manusear ação pertinente para obtê-la. Alegam que a mãe, muito embora tenha sido usuária de drogas no passado, está buscando reabilitação, merecendo uma segunda chance.

Já com relação ao pai, sustentam que se houve problema de agressão contra a própria prole, isto se deu no passado, e não contra a criança em questão. Relatam que o laudo social é uma prova unilateral, elaborada por quem tem interesse na causa.

Relatam que a criança está sob a guarda fática da avó materna, desde meados de outubro de 2012, por ocasião da saída dos pais da residência da demandada, onde moravam.

Ao analisar a apelação, a 7ª Câmara Cível do TJRS, com base em provas documentais, prin-cipalmente boletim de atendimento ambulatorial que comprova que a apelante é dependente química e também informação do Conselho Tutelar de que o autor tem comportamento agressivo em relação aos filhos, entendeu que a menor deve ser mantida com a avó.

O Relator justificou tal decisão afirmando que os avós possuem melhores condições de atender as necessidades da neta, como, de fato, vêm fazendo.

Enfatizou que a menor está protegida e com seu desenvolvimento assegurado na convivência dos seus avós maternos.

Diante disso, negou provimento ao recurso.

Em seu voto, o Relator mencionou os precedentes que segue:

“[...] Nesse sentido:

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO – BUSCA E APREENSÃO DE MENOR – DISPUTA PELA GUARDA ENTRE OS PAIS – AUSÊNCIA DE PROVAS, NA FASE, RECOMENDANDO A PRONTA TRANS-FERÊNCIA DA GUARDA – INTERESSES DA MENOR – NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVAS NA DILAÇÃO PROCESSUAL – A busca e apreensão de menores é medida extrema e excepcional que somente se justifica mediante a comprovação de risco à segurança e ao bem-estar do infante. Diante da insuficiência de provas, na fase, indicando a necessidade de transferência da guarda da menor em preservação de seus interesses, enquanto não realizados os estudos e avaliações definitivas, impõe-se mantê-la sob a guarda do pai, que a detém de fato, submetendo a questão à dilação probatória para ulterior decisão definitiva no processo. Agravo

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de instrumento desprovido.’ (Agravo de Instrumento nº 70031777105, 7ª Câmara Cível, TJRS, Rel. André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 16.09.2009)

‘BUSCA E APREENSÃO – FILHO MENOR – GUARDA PATERNA – ALTERAÇÃO – DESCABIMEN-TO – 1. Descabe proceder a oitiva direta da criança quando esta já foi ouvida pelos técnicos e sua vontade veio para os autos, de forma clara e transparente. 2. As modificações de guarda constituem medidas de caráter excepcional, pois implicam substancial alteração na rotina de vida do menor, sendo fato potencialmente traumático, motivo pelo qual devem ser evitadas tanto quanto possível, já que retira os referenciais da criança. 3. Descabe alterar a guarda quando vem sendo exercida pelo genitor e se mostram adequados os cuidados dele em relação ao filho. 4. Os estudos periciais realizados demonstram inequivocamente que, neste momento, é o ge-nitor quem apresenta melhores condições para fornecer ao infante os cuidados necessários ao seu desenvolvimento saudável. Recursos de agravo retido e apelação desprovidos.’ (Apelação Cível nº 70035546217, 7ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 25.08.2010). [...]”

8158 – Multa – astreintes – insurgência quanto ao valor

“Processual civil. Agravo regimental. Astreintes. Insurgência quanto ao valor da multa. Fundamen-to do acórdão recorrido não impugnado. Súmula nº 284/STF. 1. Revela a deficiência das razões do recurso especial, fazendo incidir o óbice da Súmula nº 284/STF, o fato de o recorrente deixar de impugnar o fundamento balizador do acórdão recorrido. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 464.907 – (2014/0012353-5) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 19.08.2014)

8159 – Paternidade – reconhecimento de filho – desconstituição do vínculo – impossibilidade

“Apelação. Direito civil. Família. Relações de parentesco. Negatória de paternidade. O ato de re-conhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/1992 e art. 1.609 do CCB). Se o autor registrou a ré como filha não pode pretender a desconstituição do vínculo, uma vez que presente a voluntariedade do ato. Recurso desprovido.” (TJRS – AC 70060120730 – 7ª C.Cív. – Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro – J. 02.07.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação em tela foi interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido autoral nos autos de ação negatória de paternidade ajuizada contra o menor representado pela sua genitora.

O Juízo a quo entendeu que houve comprovação da relação socioafetiva entre as partes, ine-xistindo qualquer prova do vício do consentimento, por parte do autor, ao reconhecer o menor como seu filho.

Nas razões recursais, o apelante sustentou que a sentença deve ser desconstituída, já que o exame de DNA comprovou que o menor não é seu filho biológico, e que registrou o menino por acreditar que ele era seu filho.

A 7ª Câmara Cível do TJRS afirmou que o reconhecimento de filho é um ato jurídico irrevogável e irretratável, logo, a anulação do registro, para ser admitida, deve ser demonstrada a ocorrência de um dos vícios do ato jurídico, tais como coação, erro, dolo, simulação ou fraude. Tais situa-ções não foram apontadas na inicial.

O Relator enfatizou que as dúvidas quanto à paternidade biológica, confirmada pela negativa do exame de DNA, não exclui a paternidade socioafetiva já consolidada entre as partes e que se sobrepõe à paternidade registral.

Do bojo do voto do Relator, transcrevemos os precedentes citados:

“[...] Portanto, não tem razão o apelante, pois é pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte no sentido de ser irrevogável o reconhecimento da paternidade nestas situações:

‘APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – RECONHECIMENTO VOLUNTÁ-RIO DA PATERNIDADE – ARREPENDIMENTO POSTERIOR – INDEFERIMENTO DA INICIAL – Há quase dez anos atrás, o apelante, por livre e espontânea vontade, reconheceu em juízo a apelada como filha, nos autos da ação de investigação de paternidade, decisão com trânsito em julgado. Agora, com a presente ação pretende rediscutir a matéria e verificar por meio do exame DNA se a apelada efetivamente é sua filha. Ampara tal pretensão na alegação de haver

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dúvida quanto à paternidade da menor. Ocorre, porém, que o simples arrependimento posterior do reconhecimento da paternidade não enseja a reabertura da discussão e a realização de exame de DNA. Recurso desprovido.’ (Apelação Cível nº 70021619309, 7ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 03.12.2007)

‘APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PROCEDIDO O REGISTRO VO-LUNTÁRIO DO FILHO DE SUA COMPANHEIRA NO OFÍCIO COMPETENTE, O MERO ‘ARRE-PENDIMENTO’, PORQUE DESFEITA A UNIÃO, NÃO EXTINGUE A CONDIÇÃO DE FILHO, PRE-VALECENDO A FILIAÇÃO AFETIVA SOBRE A BIOLÓGICA – RECURSO DESPROVIDO.’ (Apelação Cível nº 70016287252, 7ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 28.02.2007)

‘NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL – DESCABI-MENTO – 1. Se o autor era casado com a mãe do menor e o acolheu como filho, quando poderia presumir a inexistência do liame biológico, em virtude de separações e reconciliações, e sempre manteve com ele estreito relacionamento, ao longo de nove anos, ficou evidenciada a situação de paternidade socioafetiva, não podendo pretender a desconstituição do vínculo parental. 2. A alteração do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude), o que não restou comprovado nos autos. Recurso desprovido. (Segredo de Justiça).’ (Apelação Cível nº 70020316832, 7ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26.09.2007). [...]”

Selecionamos os julgados a seguir ainda no mesmo sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – EXAME DE DNA NEGATIVO – ACEITAÇÃO ESPONTÂNEA MESMO PAIRANDO DÚVIDA SOBRE O VÍNCULO BIOLÓGICO – AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – RECONHECI-MENTO DA RELAÇÃO SOCIOAFETIVA – RECURSO NÃO PROVIDO – O reconhecimento espon-tâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento. A anulação do registro de nascimento nesses casos exige prova de que o ‘pai registral’ foi de fato induzido a erro ou coagido a tomar essa atitude.” (TJMT, Ap 43452/2013, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, DJe 08.11.2013, p. 87) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 148000102841. Acesso em: 4 ago. 2014)

“APELAÇÃO CÍVEL – Ação negatória de paternidade cumulada com anulação de registro civil. Reconhecimento de paternidade espontâneo mesmo sabendo que a criança não era filho bioló-gico. Adoção à brasileira. Impossibilidade de alteração do registro reconhecimento espontânea e irrevogável. Inteligência art. 1.609 do Código Civil e art. 227 da Constituição Federal. Vínculo afetivo demonstrado. Princípio do melhor interesse da criança. Decisão mantida. Recurso des-provido.” (TJPR, AC 0901444-4, Rel. Juiz Conv. Subst. Benjamim Acacio de Moura e Costa, DJe 18.04.2013, p. 229) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 153000453401. Aces-so em: 4 ago. 2014)

8160 – Penhora on-line – ativos financeiros em nome do devedor – possibilidade

“Agravo de instrumento. Processual civil. Convênio BacenJud. Consulta e penhora on-line de ativos financeiros em nome do devedor. Possibilidade. 1. Com relação à utilização de sistemas informati-zados colocados à disposição do Judiciário, como forma de melhor instrumentalizar a efetivação de penhora ou busca de bens dos devedores em processos de execução, a nova redação do art. 655 do CPC retira da utilização de sistemas tais como Infojud, Renajud, DOI ou BacenJud seu caráter excep-cional, na medida em que se constituem o meio por excelência para localização de bens, depósitos ou aplicações em instituições financeiras, sendo que estes, por sua vez, se encontram em primeiro lugar na ordem de preferência dos bens penhoráveis. 2. A pesquisa de bens ou ativos financeiros não constitui quebra de sigilo bancário, porquanto o interesse é apenas em saber se existe patrimônio apto a garantir o débito, nada importando a origem desses bens. 3. Dispensável o prévio esgotamento de diligências no sentido de localizar bens passíveis de penhora para fins de utilização dos referidos instrumentos. 4. Agravo de instrumento provido.” (TRF 4ª R. – AI 0001670-36.2014.404.0000/RS – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 07.08.2014 – p. 103)

8161 – Petição transmitida via fac-símile – peça incompleta – divergência com os originais

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Petição transmitida via fac-símile. Peça incom-pleta. Divergência com os originais. 1. A divergência entre a petição enviada via fac-símile e os

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originais apresentados posteriormente inviabiliza o conhecimento do recurso, conforme previsto no art. 4º da Lei nº 9.800/1999. 2. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 492.477 – (2014/0065919-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.08.2014)

8162 – Prazo – contestação – retirada dos autos de cartório por advogado sem procuração – ciência inequívoca – não ocorrência

“Recurso especial. Processual civil. Prazo da contestação. Retirada dos autos de cartório por advoga-do sem procuração. Ciência inequívoca. Não ocorrência. 1. A teoria da ciência inequívoca resulta de presunção que se extrai das circunstâncias fáticas do caso. Para que se alcance tal presunção, apta a considerar suprido o ato citatório, é necessário apontar dados objetivos e verossímeis. 2. A retirada dos autos de cartório por advogado sem procuração não autoriza presumir que houve ciência ine-quívoca da demanda pelo réu, devendo o prazo da contestação ser contado da juntada do mandado de citação devidamente cumprido. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1.449.889 – (2011/0103658-4) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 04.09.2014 – p. 411)

8163 – Propriedade industrial – conflito entre marcas – marcas fracas – possibilidade de con-vivência

“Direito de propriedade industrial. Agravo regimental no recurso especial. Conflito entre marcas. Doritos e Douraditos. Marcas fracas. Possibilidade de convivência. Reexame do conjunto fático--probatório. Inadmissibilidade. Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 1. ‘O art. 535 do CPC encontra-se incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o Magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte se os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão’ (REsp 1.197.028/AL, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgado em 16.02.2012, DJe 28.02.2012). 2. ‘Para modificar o que foi decidido pela Corte de origem, no âmbito da ação de abstenção de uso de nome empresarial, marca e nome de domínio, seria necessário o re-volvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via estreita do recurso especial, ante o óbice previsto na Súmula nº 7 desta Corte’ (AgRg-Ag 1.049.819/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, Julgado em 22.03.2011, DJe 30.03.2011). 3. Marcas fracas, meramente su-gestivas e/ou evocativas, podem conviver com marcas semelhantes. Precedente: REsp 1.166.498/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgado em 15.03.2011, DJe 30.03.2011. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.046.529 – (2008/0075960-1) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 04.08.2014 – p. 3010)

8164 – Recurso – agravo regimental – previdência complementar – participante desligado – correção monetária

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação ajuizada por participante desligado do pla-no de previdência complementar, postulando diferenças de correção monetária incidente sobre resgate de reserva de poupança. Decisão negando provimento ao reclamo, mantida a inadmissão do recurso especial. Insurgência da entidade de previdência privada. 1. Violação do art. 535 do CPC não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos essenciais à resolução da controvérsia. 2. Alegada violação do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasilei-ro. Consoante cediço no STJ, os princípios contidos no art. 6º da LINDB, concernentes ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, não podem ser analisados em sede de recurso especial, pois, apesar de serem previstos em norma infraconstitucional, são institutos de natureza eminentemen-te constitucional. 3. Correção monetária incidente sobre o resgate de parcelas pagas a plano de previdência complementar. A jurisprudência da Segunda Seção, firmada no âmbito de recursos especiais representativos da controvérsia, é no sentido de que ‘devida a restituição da denominada reserva de poupança a ex-participantes de plano de benefícios de previdência privada, devendo ser corrigida monetariamente conforme os índices que reflitam a real inflação ocorrida no período, mesmo que o estatuto da entidade preveja critério de correção diverso, devendo ser incluídos os expurgos inflacionários (Súmula nº 289/STJ)’ (Recursos Especiais nºs 1.183.474/DF e 1.177.973/DF,

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Rel. Min. Raul Araújo, 2ª Seção, Julgados em 14.11.2012, DJe 28.11.2012). Aplicação da Súmula nº 83/STJ. 4. Desnecessidade de sobrestamento do recurso. A matéria em debate no reclamo origi-nário (correção monetária de reserva de poupança de plano de previdência privada) não foi objeto das repercussões gerais inauguradas nos Recursos Extraordinários nºs 591.797/SP e 626.307/SP. 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 485.037 – (2014/0052741-9) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.09.2014 – p. 464)

8165 – Recurso – interposição por meio de fac simile – ausência de apresentação da petição original

“Processual civil. Agravo regimental em agravo em recurso especial. Interposição de recurso por meio de fac simile. Ausência de apresentação da petição original. Art. 2º da Lei nº 9.800/1999. Não conhecimento do apelo. Precedentes do STJ. Agravo regimental não conhecido. I – O art. 2º da Lei nº 9.800/1999 permite, às partes, a interposição de recurso por meio de fac simile, desde que a petição original seja entregue no prazo de cinco dias, após o término do prazo recursal. II – In casu, o agravo regimental foi interposto via fac simile, não tendo sido o original do recurso entregue, em juízo, no prazo do art. 2º da Lei nº 9.800/1999, o que acarreta o não conhecimento do apelo. III – Na forma da jurisprudência, ‘não se conhece do recurso apresentado inicialmente por fac--símile se os originais não são entregues em juízo no prazo previsto em lei (arts. 2º e 4º da Lei nº 9.800/1999)’ (STJ, AgRg-AREsp 191.007/PA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 25.09.2012). IV – Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-EDcl-Ag-RE 329.947 – (2013/0114019-4) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 03.09.2014 – p. 92)

8166 – Regime de visitas – períodos de férias – divisão – possibilidade

“Apelação cível. Ação de guarda. Interesse do menor. Visitas. Períodos de férias. Divisão. Despro-vimento do recurso. 1. O direito de família deve ser sempre direcionado em face dos interesses do menor, vulnerável na relação familiar, com a finalidade de garantir seu bem-estar e amparo psico-lógico, físico e moral. 2. A guarda deve atender, primordialmente, ao interesse do menor. Ausente situação que justifique a alteração da guarda fática. 3. É possível a divisão do período de férias do filho entre os pais, para que a criança tenha a oportunidade de usufruir da companhia tanto da família paterna quanto da família materna.” (TJRR – AC 0010.05.121412-9 – C.Única – Rel. Des. Ricardo Oliveira – J. 17.06.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação em tela foi interposta pelo genitor contra sentença que concedeu a guarda definitiva à genitora da menor por tempo indeterminado, assegurando ao apelante o direito de visitas no período de férias escolares de julho e metade das férias escolares de final de ano.

Em suas razões, o apelante enfatiza que a sentença deve ser reformada já que as provas dos autos demonstram que pelos critérios espacial, social e da afetividade, a guarda deve ser atri-buída a ele, o pai.

O Relator afirmou que, conforme os elementos de prova colhidos, a guarda materna é a que melhor atende o interesse da menor, diante do laudo oficial juntado aos autos e a permanência ininterrupta desde a separação a mais de oito anos.Além disso, ressaltou que não há qualquer indício de prova de que a menor esteja em situação de risco ou sem receber cuidados necessários para o seu sadio desenvolvimento.Diante desses argumentos, e da inexistência de prova em sentido contrário, afirmou que a guar-da deve ser mantida com a apelada, porque resguardou o melhor interesse da menor.Ressaltou, ainda, que, para cultivar o afeto e firmar os vínculos familiares o período de férias da menor deve ser dividido entre os pais, assim, a menor terá a oportunidade de usufruir da companhia tanto da família paterna quanto da família materna.Sendo assim, a Câmara Única do TJRR negou provimento ao recurso, mantendo a sentença na íntegra.A seguir, selecionamos julgados no mesmo sentido:“CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE VISITAS – DIVISÃO DO PERÍODO DE FÉRIAS DO MENOR COM OS PAIS – POSSIBILIDADE – PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DO MENOR –

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1. O direito de família deve ser sempre direcionado em face dos interesses do menor, vulnerável na relação familiar, com a finalidade de garantir seu bem – Estar e amparo psicológico, físico e moral. 2. É possível a divisão do período de férias do filho entre os pais, para que a criança tenha a oportunidade de usufruir da companhia tanto da família paterna quanto da família materna. 3. Recurso desprovido.” (TJDFT, Proc. 20130110537312, (765770), Rel. Des. Sebastião Co-elho, DJe 07.03.2014, p. 92) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 142000294146. Acesso em: 24 jul. 2014)“DIVÓRCIO LITIGIOSO – PARTILHA – REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS – ‘Apelação cível em ação de divórcio litigioso. Alimentos a filha menor. Montante arbitrado em consonância com o binômio necessidade/capacidade. Partilha de bens veiculo adquirido na constância do casamento. Regime de comunhão parcial de bens. Direito de visita do genitor. Ônus sucumbên-cia. 1. Desmerece reforma sentença que arbitra o valor dos alimentos segundo a justeza do caso concreto, tendo como parâmetro a necessidade dos alimentos e a capacidade do alimentante. Hipótese em que, antes da separação de fato, o alimentante enviava, do exterior a sua cônjuge, importância até mesmo acima daquela estipulada na sentença (um salário mínimo). 2. No regime de comunhão parcial de bens, demonstrado que o bem móvel foi adquirido na constân-cia do casamento impõe-se a sua divisão igualitária na partilha. 3. Estando o pai, brasileiro, residindo no País, a boa prudência determina que as visitas sejam fixas em finais de semana, feriados e dias santos alternados, bem como, férias escolares divididas ao meio, ficando cada genitor como o direito de ter a menor nesses períodos. 4. Uma vez que cada um dos litigan-tes foi em parte vencido e vencedor, havendo a sucumbência recíproca, aplica-se a regra do art. 21, caput, do CPC, distribuindo-se e compensando-se recíproca e proporcionalmente as despesas e os honorários advocatícios entre os contendores. Primeiro apelo conhecido e despro-vido. Segundo apelo conhecido e parcialmente provido’.” (TJGO, AC 152979-6/188, 3ª C.Cív., Relª Desª Sandra Regina Teodoro Reis, DJe 15.03.2010) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 250300005321. Acesso em: 24 jul. 2014)

8167 – Representação processual – ausência de instrumento de procuração ou substabelecimen-to da advogada – petição enviada eletronicamente – irregularidade de representação

“Processual civil. Agravo regimental. Ausência de instrumento de procuração ou substabelecimento da advogada titular do certificado digital. Petição enviada eletronicamente. Irregularidade de repre-sentação – incidência da Súmula nº 115/STJ. Não conhecimento do recurso. ‘A prática eletrônica de ato judicial, na forma da Lei nº 11.419/2006, reclama que o titular do certificado digital utilizado possua procuração nos autos, sendo irrelevante que na petição esteja ou não grafado o seu nome’ (AgRg-REsp 1347278/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, Julgado em 19.06.2013, DJe 01.08.2013). Incidência da Súmula nº 115/STJ. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 485.762 – (2014/0050901-7) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 19.08.2014)

8168 – Responsabilidade civil – estacionamento de supermercado – arrombamento de auto-móvel – serviço defeituoso – dever de reparação

“Direito do consumidor. Responsabilidade civil. Estacionamento de supermercado. Arrombamento de automóvel. Serviço defeituoso. Dever de reparação reconhecido. Dano material. Prova insu-ficiente. Dano moral não configurado. I – Deve ser solucionado à luz do Código de Defesa do Consumidor o conflito de interesses representado pela pretensão indenizatória do consumidor que tem o seu veículo avariado no interior de estacionamento de supermercado e pela resistência do fornecedor em atendê-la. Inteligência dos arts. 2º e 17 da Lei nº 8.078/1990. II – De acordo com a teoria do risco empresarial consagrada na legislação consumerista, responde objetivamente pelos danos ocorridos em seu estacionamento o supermercado que disponibiliza esse tipo de serviço e que, por conseguinte, assume o dever de guarda e custódia pela integridade patrimonial dos bens de seus clientes. III – Os automóveis que ingressam no estacionamento passam à custódia jurídi-ca do supermercado, ao qual incumbe prover sua guarda e preservar sua incolumidade material. IV – Somente são indenizáveis os bens comprovadamente subtraídos do interior do veículo que é arrombado dentro do estacionamento do supermercado. V – No contexto da responsabilidade contratual, a infidelidade ou o desleixo obrigacional em princípio não desencadeiam consectá-rios graves a ponto de ferir algum direito da personalidade e, com isso, configurar dano moral. VI – Apenas quando o inadimplemento contratual invade e golpeia diretamente algum atributo da

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personalidade do contratante lesado é possível cogitar de lesão moral passível de compensação pe-cuniária. VII – É preciso estabelecer um marco, minimamente tangível pelo consenso jurídico, que possa estabelecer a transição entre os infortúnios próprios da vida em sociedade dos fatos lesivos que insultam os predicados da personalidade e, por isso, caracterizam dano moral. VIII – Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20110111720197 – (806197) – Rel. Des. James Eduardo Oliveira – DJe 14.08.2014 – p. 84)

8169 – Responsabilidade civil – instituição financeira – endosso-mandato – protesto indevido – conduta negligente – dano moral configurado

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Instituição financeira. Endosso-mandato. Protesto indevido. Conduta negligente. Dano moral configurado. Quantum in-denizatório. Redução. Inovação recursal. Agravo regimental desprovido. 1. A instituição financeira que recebe título de crédito por endosso-mandato não é responsável pelos efeitos de eventual pro-testo indevido, salvo se exceder os poderes do mandato, agir de modo negligente ou, caso alertada sobre falha do título, levá-lo a protesto. 2. No caso, o acórdão recorrido concluiu que, ‘se as insti-tuições que promoveram a cobrança dos títulos não cuidaram em se certificar da regularidade das cártulas, especialmente da realização ou não do pagamento, da existência de aceite na duplicata ou prova da prestação dos serviços, devem responder efetivamente por sua atuação negligente’. 3. Acrescente-se que a revisão do julgado, no sentido de que o protesto era devido, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7 do STJ, que dispõe: ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’. 4. Não há como se conhe-cer do alegado exagero no montante fixado a título de indenização por danos morais, por se tratar de inovação recursal trazida apenas em sede de agravo regimental. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 304.046 – (2013/0052855-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 02.09.2014 – p. 983)

8170 – Seguro de vida em grupo – renovação por vários anos – rescisão unilateral – descabi-mento

“Agravo regimental no recurso especial. Contrato de seguro de vida em grupo renovado ininter-ruptamente por vários anos. Rescisão unilateral. Descabimento. Ressalva da possibilidade de sua modificação pela seguradora, mediante a apresentação prévia de extenso cronograma, no qual os aumentos sejam apresentados de maneira suave e escalonada. Danos morais. Cabimento. 1. Con-soante a jurisprudência da Segunda Seção, em contratos de seguro de vida, cujo vínculo vem se renovando ao longo de anos, não pode a seguradora modificar subitamente as condições da avença nem deixar de renová-la em razão do fator de idade, sem ofender os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que devem orientar a interpretação dos contratos que regulam as relações de consumo. 2. Admitem-se aumentos suaves e graduais necessários para ree-quilíbrio da carteira, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente (REsp 1.073.595/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 29.04.2011). 3. No caso, em que a relação contratual foi mantida por mais de 30 anos, a não renovação do contrato de seguro de vida enseja reparação a título de danos morais, tendo em vista o entendimento desta Corte de que ‘a rescisão imotivada do contrato, em especial quando efetivada por meio de conduta desleal e abusi-va – violadora dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da responsabilidade pós-contratual –, confere à parte prejudicada o direito à indenização por danos materiais e morais’ (REsp 1.255.315/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 27.09.2011). 4. Agravo regimental im-provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.444.292 – (2014/0065786-0) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 04.09.2014 – p. 401)

8171 – Seguro obrigatório – indenização – despesas médicas – possibilidade

“Recurso especial. Seguro obrigatório (DPVAT). Indenização. Expressão despesas médicas. Interpre-tação do art. 3º da Lei nº 6.194/1974. Inclusão de despesas com honorários médicos. Possibilidade. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.320.851 – (2012/0086506-9) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 04.09.2014 – p. 364)

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8172 – Sentença estrangeira contestada – descumprimento de contrato – condenação pelo juízo arbitral – nulidade – inexistência

“Sentença estrangeira contestada. Descumprimento de contrato. Condenação pelo juízo arbitral. Nulidade do contrato. Inexistência. Discussão sobre o mérito do decisum. Impossibilidade. Falta de notificação no procedimento arbitral. Não comprovação. Requisitos preenchidos. Pedido deferido. 1. Os vícios no contrato apontados pela parte requerida não foram demonstrados, ao contrário, ficou evidente que ela teve plena ciência da realização do negócio. Ademais, decidir sobre a nu-lidade do contrato neste juízo de delibação corresponderia a invadir o mérito da decisão homo-loganda, situação defesa pelo procedimento homologatório. 2. De igual modo, não comprovou a parte requerida a falta da devida notificação do procedimento arbitral, tal como exigido pelo art. 38, inciso III, da Lei nº 9.307/1996. 3. Preenchidos os requisitos exigidos pela Resolução nº 9/STJ, assim como os previstos nos arts. 38 e 39 da Lei nº 9.307/1996, impõe-se a homologação da sentença estrangeira. 4. Pedido deferido.” (STJ – SEC 9.502 – (2013/0138103-2) – C.Esp. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 05.08.2014 – p. 2173)

8173 – Tutela antecipada – bloqueio de valores em conta-corrente – determinação judicial – autotutela

“Processual civil. Agravo de instrumento. Antecipação da tutela. Bloqueio de valores em conta--corrente. Determinação judicial. Autotutela. 1. Para a concessão da antecipação da tutela, de acordo com a lição de Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, v. I, 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997), são necessários os seguintes requisitos: ‘a) requerimento da parte; b) produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial; c) convencimento do juiz em tor-no da verossimilhança da alegação da parte; d) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou e) caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu; e f) possibilidade de reverter a medida antecipada, caso o resultado da ação venha a ser contrário à pretensão da parte que requereu a antecipação satisfativa’. 2. Na hipótese, com relação ao bloqueio judicial, ausente a prova inequívoca de que a ordem teria sido direcionada a ‘uma outra pessoa jurídica’, pois, conforme esclareceu a CEF, trazendo aos autos, inclusive, o extrato da pesquisa de processos, pelo critério CNPJ, no site de Internet do Tribunal de Justiça de São Paulo (fl. 153), que o Processo ‘de nº 0011495-19.2012.8.26.0229, que tramita perante o Foro Distrital de Hortolândia, é justamente aquele que deu origem à decisão que ordenou o bloqueio judicial na conta da agravante’, e que, apesar de constar o ‘nome da pessoa jurídica Associação Comercial e Empresarial do Estado de São Paulo, esta pessoa jurídica está vinculada ao CNPJ da Agravante’. 3. Quanto ao bloqueio dos valores remanescentes, que a própria agravada esclarece, à fl. 155, que foi realizado ‘em razão de suspeita de mau uso/fraude na utilização do contrato de cobrança bancária’, o ato se reveste de ilegalidade, por configurar autotutela de direito privado, permitido, tão somente, em casos excepcionais, como na hipótese do § 1º do art. 1.210 do Código de Processo Civil. Há, neste contexto, nos dizeres Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini (Teoria geral do processo de conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002. p. 328), ‘uma forte impressão de que o autor tem razão’. 4. Agravo de instrumento parcialmente pro-vido, para determinar o desbloqueio da conta-corrente da agravante, exceto em relação às penhoras, via Bacen-Jud, determinadas por decisões judiciais.” (TRF 3ª R. – AI 0028017-70.2013.4.03.0000/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini – DJe 11.07.2014 – p. 1066)

8174 – Tutela antecipada – contrato de conta-corrente – débitos indevidos – ausência de com-provação

“Civil e processual civil. Agravo retido. Tutela antecipada. Contrato de conta-corrente. Débitos in-devidos. Ausência de comprovação. Danos morais. Inocorrência. 1. Resta inviável a interposição do agravo retido contra decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da de tutela, vez que tal medida se trata de um provimento de urgência e só poderia ser impugnada através de agravo de instru-mento. Precedentes. 2. Hipótese em que os demandantes pleiteiam declaração de inexistência de débito em conta corrente bancária utilizada para pagamento de parcelas decorrentes de contrato de

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mútuo habitacional, além de indenização por danos morais supostamente sofridos, havendo ainda pedido de obrigação de fazer no sentido da imediata retirada do nome dos autores de cadastros de inadimplentes. 3. A inexistência de elementos nos autos que possam conduzir à conclusão de não restaram comprovados os alegados vícios de consentimento no ato da assinatura do contrato de conta corrente, nem mesmo qualquer outro fator que pudesse conduzir à nulidade dos débitos em relação à mesma ou à ocorrência de danos morais supostamente sofridos tornam inacolhível o pleito, sob este aspecto, ante a vigência, no ordenamento jurídico brasileiro, do princípio do livre convencimento do juiz, do qual decorrem, não só a essencialidade, mas também a vinculação do Magistrado ao elemento probatório (quod non est in actis non est in mundo), o que impõe o ônus de comprovar o fato alegado a quem aproveita o seu reconhecimento, consoante disposto no art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil. 4. Agravo retido da CEF improvido. 5. Apelação dos autores improvida.” (TRF 2ª R. – AC 2011.51.01.005727-0 – 5ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho – DJe 07.08.2014 – p. 658)

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Seção Especial – Com a Palavra, o Procurador

Redirecionamento da Execução na Cobrança de Créditos de Natureza Não Tributária e Aplicação da Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça

RODRIGO GERENT MATTOSProcurador Federal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Execuções fiscais para cobrança de créditos oriundos de relação jurídica de direito público devem ser integradas preferencialmente com normas jurídicas de direito público; 1.1 Legislação de diversas autarquias permitem a desconsideração da personalidade jurídica com base na teoria menor; 2 Normas de direito privado também propugnam pela responsabilidade sub-sidiária; Conclusão. Aplicação da Súmula nº 435 do STJ aos créditos não tributários; Referências.

INTRODUÇÃO

A supremacia do interesse público sobre o privado confere aos entes públicos personalizados, pelo exercício do poder de polícia, a possibilidade de restringir o uso e o gozo da liberdade individual e da propriedade privada em benefício dos interesses de toda a coletividade.

O poder de polícia não está assentado apenas em um poder repressivo, mas também em um poder preventivo, visando que determinadas normas de conduta previamente estabelecidas não sejam violadas pelo particular.

Assim, quando a Administração Pública, por seus agentes, aplica uma sanção pecuniária está não só reprimindo determinada conduta em razão de uma violação normativa, mas também, pela sensação de reprimenda, coibindo que novas condutas lesivas ao interesse coletivo venham a ser praticadas.

Há um inegável princípio pedagógico nas sanções impostas pela admi-nistração no exercício do seu poder de polícia que somente será assimilado pelo indivíduo na exata medida em que se consiga executar a sanção imposta no caso concreto.

No caso das sanções em pecúnia, como as multas, sabe-se que somente se atingirá a finalidade de conscientização do indivíduo a não mais violar a lei se o Poder Público conseguir atingir a esfera patrimonial daquele que praticou a infração administrativa.

A realidade forense demonstra o quão é dificultosa a recuperação dos créditos públicos, pois o devedor, ciente da obrigação que lhe foi imposta,

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR ���������������������������������������������������������������������������203

apressa-se em dissolver o seu patrimônio ou em encontrar formas para que as sanções administrativas não repercutam em sua esfera patrimonial.

No caso das sociedades empresárias, a possibilidade de haver a recupe-ração do crédito público é ainda menor, porquanto é comum que esta deixe de existir de modo irregular, sem baixa nos órgãos competentes nem pagamento dos débitos contraídos.

Nessa situação, a possibilidade de se conseguir a recuperação do crédito público se efetiva mediante o redirecionamento da execução em face do res-ponsável subsidiário ou mediante a desconsideração da personalidade jurídica da devedora, formas encontradas pela lei e pela jurisprudência para que se possa atingir o patrimônio dos sócios e administradores da sociedade, pois não se pode olvidar que é por meio da vontade destes que a sociedade empresarial atua no mundo jurídico.

Se a pessoa jurídica contraiu débitos e não os saldou; se era obrigada pelo recolhimento de tributos e não os pagou; se infringiu normas administrati-vas, foi multada e não solveu a obrigação; e se deixou de existir sem comunicar tal fato aos órgãos competentes, é porque houve uma ação deliberada, por par-te dos que têm poder de gestão, em dissolver irregularmente a sociedade sem adimplir com suas obrigações.

A fim de resguardar o direito do credor é que se vem admitindo o redi-recionamento da execução em face dos gestores, com o objetivo de viabilizar a recuperação do crédito mediante constrição do patrimônio pessoal daqueles que integram a sociedade com poderes de administração ou gerência.

Existem diversos diplomas legais, afetos tanto à seara do direito público, quanto à seara do direito privado, que possibilitam expressamente essa inter-venção patrimonial nos bens dos sócios-gerentes.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça atenta a essa plêiade normativa, editou a Súmula nº 435, amplamente aplicável a todos os créditos: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Note-se que essa súmula possui uma redação bastante ampla, possibili-tando sua aplicação tanto em relação aos créditos públicos quanto em relação aos créditos privados; tanto em relação aos créditos de origem tributária, quanto em relação aos créditos de origem não tributária.

Ocorre que surge na jurisprudência, infelizmente, uma corrente que al-meja dar uma interpretação restritiva à Súmula nº 435 para aplicá-la somente em relação aos créditos tributários:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMEN-TO – EXECUÇÃO FISCAL – MULTA ADMINISTRATIVA – INMETRO – DES-

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CONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – REDIRECIONAMENTO AOS SÓCIOS – IMPOSSIBILIDADE – 1. A decisão agravada indeferiu a inclusão de sócia da empresa executada no polo passivo, fundada na impossibilidade do redirecionamento da execução de dívida não-tributária aos sócios, afastando a Súmula nº 435 do STJ. 2. Às multas administrativas, sem natureza tributária, não se aplica o CTN, por ser crédito oriundo do exercício do Poder de Polícia, em relação jurídica de direito público. Todavia, o redirecionamento aos sócios é possível, em hipóteses excepcionais, no caso dissolução irregular da sociedade, desde que presentes os elementos aptos a ensejá-la, na vigência da lei civil. O que não é o caso. Inteligência dos arts. 50, 1.016, 1.023, 1.036, 1.038 e 1.053 do Código Civil. Precedentes do STJ e desta Corte. 3. Agravo de instrumento desprovido. (Ag 201202010185456, TRF2, 6ª Turma Especializada, Desª Fed. Nizete Lobato Carmo, Data: 03.04.2013)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECU-ÇÃO FISCAL – INMETRO – DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA – RESPONSABILIDA-DE DO SÓCIO – ART. 135 DO CTN – SÚMULA Nº 435 DO STJ – INAPLI-CABILIDADE – ART. 50 DO CC – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – HIPÓTESES DE APLICAÇÃO NÃO COMPROVADAS – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – I – O art. 135 do CTN tem aplicação exclusiva às obrigações de natureza tributária. Precedentes do STJ. II – Em se tratando de multa administrativa, dívida não tributária, a excepcional desconsideração da personalidade jurídica a ensejar o redirecionamento aos sócios da empre-sa deve atender à observância das hipóteses de desvio de finalidade e confu-são patrimonial (art. 4º da Lei nº 6.830/1980 c/c art. 50 do Código Civil), não demonstradas in casu. III – Inaplicabilidade da Súmula nº 435 do STJ para o escopo de redirecionamento de execução fiscal aos sócios e administradores de empresa presumida irregularmente dissolvida, para cobrança de dívida não tributária, pois editada à luz de preceitos do Código Tributário Nacional. Pre-cedentes do STJ. IV – Agravo desprovido. (AI 00269336820124030000, TRF3, 4ª Turma, Desª Fed. Alda Basto, Data: 14.08.2013)

PROCESSUAL CIVIL – AGTR – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA NÃO TRIBUTÁ-RIA – TAXA DE OCUPAÇÃO – REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO – PRE-SUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – NÃO APLICAÇÃO DO ART. 135 DO CTN E DA SÚMULA Nº 435 DO STJ – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL – DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – AUSÊN-CIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES – AGTR IMPROVIDO – 1. Conso-ante entendimento do STJ, as regras previstas no CTN aplicam-se tão-somente aos créditos decorrentes de obrigações tributárias, por isso que multas ad-ministrativas não ensejam o pedido de redirecionamento fulcrado no art. 135 do CTN (Precedentes: AgRg-REsp 735.745/MG, Relª Min. Denise Arruda, DJU de 22.11.2007; AgRg-REsp 800.192/PR, Relª Min. Eliana Calmon, DJU de 30.10.2007; REsp 408.618/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 16.08.2004; e REsp 638.580/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU 01.02.2005). 2. Ainda que não se possa redirecionar a execução com fundamento no Código Tributário Nacional, certo é que pode haver a despersonalização da pessoa jurídica e a responsabilização dos seus sócios (art. 50 do CC), na hipótese de haver abuso da personalidade jurídica. 3. No presente caso, a agravante embasa seu pleito

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de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica na presunção de dis-solução irregular da empresa devedora. 4. A Súmula nº 435 do STJ estatui que “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. 5. Analisando-se os precedentes que geraram a edição do referido enunciado sumulado, observa--se que todos tratavam de dívida de natureza tributária, não sendo aplicável tal presunção de dissolução irregular nos casos de dívida não-tributária. 6. A não localização da pessoa jurídica em seu endereço cadastral não caracteriza qualquer das hipóteses que ensejam o reconhecimento do abuso da personali-dade jurídica. Precedentes desta Corte Regional: Ag 117.448/PB, Des. Fed. Ma-noel Erhardt, 1ª Turma, Julgamento: 29.09.2011, Publicação: DJe 06.10.2011, p. 191; Ag 00073658020104050000, Des. Fed. Francisco Wildo, TRF5, 2ª Tur-ma, 07.04.2011; e Ag 00070562520114050000, Des. Fed. Rubens de Men-donça Canuto, TRF5, 2ª Turma, 07.07.2011. 7. Sobre a matéria, o Enunciado nº 282 da IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo CJF, dispõe que o encer-ramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica. 8. Agravo de instrumento impro-vido. (Ag 00153234920124050000, TRF5, 1ª Turma, Des. Fed. Manoel Erhardt, DJe Data: 09.05.2013)

Os precedentes anteriores são bastante preocupantes e foram colhidos de acórdãos recentes exarados em três dos cinco Tribunais Regionais Federais em atividade no País. Na prática, o entendimento neles exarado dificulta em muito o redirecionamento da execução fiscal nos créditos de origem não tributária, como a imposição de multas pelo exercício do poder de polícia, potencializan-do a sensação de impunidade reinante na sociedade.

Caso venha a prevalecer a interpretação anteriormente conferida, será necessário que o credor passe a comprovar alguma das situações constantes do art. 50 do Código Civil, como o abuso da personalidade jurídica, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, para que possa ser deferida a desconside-ração da personalidade jurídica.

Na prática, é muito difícil comprovar tais situações, caso o dispositivo venha a ser interpretado restritivamente.

O art. 50 do Código Civil valeu-se de conceitos indeterminados típicos da teoria maior da proteção da pessoa jurídica, que, em sua concepção subjeti-vista, tenta impor um freio à teoria da menor proteção, de concepção objetiva, adotada pelo direito nacional.

Em outras palavras, objetiva-se criar embaraço para a desconsideração da personalidade jurídica por parte do Poder Judiciário.

Ocorre que a necessidade de todos em obter o efetivo acesso à ordem jurídica justa torna inadmissível que se continue permitindo que se mantenha reinante a sensação de impunidade àqueles que infringiram graves normas de convívio social, nem se pode mais admitir a chancela à burla, à fraude, ao ci-

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nismo, à ideia da vantagem a todo custo, em detrimento da confiança que deve nortear as relações interpessoais, da obediência às leis, do respeito para com o próximo e do zelo para com a coletividade.

André Luiz Santa Cruz Ramos explica a diferença entre a teoria maior e a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica:

A doutrina tem usado a expressão teoria maior da desconsideração, ao que nos parece seguindo a terminologia proposta por Fábio Ulhoa Coelho, para se refe-rir a essa concepção clássica que só admite a superação do ente legal quando constatado o uso abusivo da pessoa jurídica. [...]

Tradicionalmente, esse abuso de personalidade jurídica que admite a sua des-consideração só se caracterizava quando houvesse a prova efetiva da fraude, ou seja, da atuação dolosa, maliciosa, desonesta dos sócios em detrimento dos credores da sociedade.

[...]

Essa prova da fraude, todavia, é no mais das vezes extremamente difícil, o que acabava por dificultar a aplicação da teoria da desconsideração em inúmeras situações, nas quais os credores interessados não se desincumbiam do seu ônus de demonstração do uso fraudulento da pessoa jurídica.

[...]

A teoria menor da desconsideração, por sua vez, é uma clara decorrência da crise pela qual passam hodiernamente o princípio da autonomia patrimonial e as regras de limitação de responsabilidade. A sociedade como um todo – e mes-mo uma parcela da comunidade jurídica – não os vê com bons olhos. Afirmar a irresponsabilidade de sócios por dívidas sociais, em alguns casos, soa para mui-tos como um verdadeiro disparate. Parece, para eles, que se está instituciona-lizando a falcatrua, que se está acobertando a fraude em detrimento do credor honesto.

Portanto, tem-se relativizado progressivamente a autoridade do princípio da autonomia patrimonial, através de inúmeras concepções doutrinárias recentes, que venham conferir à disregard doctrine novos parâmetros.

Para a teoria menor, pois, admite-se a desconsideração quando há, tão-somen-te, a ocorrência de prejuízo ao credor. Melhor dizendo: quando a pessoa jurí-dica restar insolvente, não conseguindo honrar, com seu patrimônio, as dívidas sociais, já estará aberto o caminho para a desconsideração da personalidade jurídica e o consequente ataque ao patrimônio pessoa dos sócios. Em suma: o mero prejuízo do credor, configurado com a simples insolvência da pessoa jurí-dica, autoriza a desconsideração.1

O desenvolvimento da atividade empresarial não pode mais ser visto como um fim em si mesmo, em que tudo é possível, até mesmo violar a lei. Não

1 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime jurídico-empresarial brasileiro. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 322-324.

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mais se admite que possa haver uma dissolução irregular da pessoa jurídica sem satisfação dos débitos contraídos para com seus credores e sem que nada aconteça àqueles que levaram a sociedade empresarial à derrocada.

Há a necessidade de que os indivíduos que formam a sociedade empre-sária venham a responder por seus excessos sempre que houver, no mínimo, violação à lei, ao contrato ou ao estatuto social.

Por isso, o art. 50 do novo Código Civil não tem a condição de revogar as hipóteses de responsabilidade subsidiária e ilimitada já consagradas em diver-sos dispositivos legais, que devem e necessitam ser aplicados.

A Súmula nº 435 do STJ representa, sem dúvida, um grande avanço na jurisprudência, já que autorizou, sem qualquer restrição, o redirecionamento da execução sempre que ficar demonstrado que a pessoa jurídica deixou de funcionar em seu domicílio fiscal sem comunicação desse fato aos órgãos com-petentes.

Não se pode conferir um tratamento restritivo à referida súmula para que ela somente seja aplicada nas hipóteses de execução de um crédito de natureza tributária, por força do art. 135 do CTN.

Essa interpretação restritiva, como se passará a demonstrar, não resiste a uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico nacional.

1 EXECUÇÕES FISCAIS PARA COBRANÇA DE CRÉDITOS ORIUNDOS DE RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO DEVEM SER INTEGRADAS PREFERENCIALMENTE COM NORMAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

As sanções administrativas são cobradas judicialmente com base na Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980), após a inscrição do crédito em dívida ativa, que certifica a existência de prévio e regular processo administrativo, cujo trâmite deve ter obedecido aos princípios do contraditório e da ampla defesa, no qual se constatou a ausência de decadência do direito ao ressarcimento pela administração, bem como a ausência da prescrição da pretensão ressarcitória, fatos que atestam a existência de liquidez e certeza do crédito, tornando-o exi-gível por meio do ajuizamento da execução fiscal.

Conforme dispõe o art. 4º, inciso V e § 2º, da Lei nº 6.830/1980, a exe-cução fiscal pode ser promovida contra o “responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado”, sendo que, em relação à dívida ativa de qualquer natureza – o que abrange créditos tributários e não tributários –, “aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial”.

O dispositivo está vazado nos seguintes termos:

Art. 4º A execução fiscal poderá ser promovida contra:

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[...]

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e

[...]

§ 2º À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e co-mercial.

Como se percebe, a Lei de Execução Fiscal estabelece que serão apli-cadas nas execuções fiscais de dívida ativa de qualquer natureza as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.

Questiona-se, contudo, se cabe ao operador do direito escolher ao seu próprio alvedrio a legislação que seria aplicada referente à responsabilidade pelo adimplemento da obrigação, ou se existe algum critério para aferir quando será aplicada a legislação tributária, civil ou comercial.

Melhor especificando: nos casos de execução fiscal de crédito não tribu-tário, com origem em um auto de infração decorrente do exercício do poder de polícia, por exemplo, muitos julgados têm condicionado o redirecionamento da execução ao deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurí-dica, mediante comprovação, pela Fazenda Pública, da existência dos requisi-tos constantes no art. 50 do Código Civil. Ou seja, com base nesse entendimen-to, exige-se a comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pela existência de desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Ocorre que o Código Civil regula matéria de ordem privada, enquanto a dívida que subjaz à execução fiscal que visa à cobrança de uma multa adminis-trativa está embasada em uma relação jurídica de direito público.

Em tema de responsabilidade, quando a Lei de Execução Fiscal determi-na que se realize a integração analógica das normas de direito tributário, civil e comercial, não implica dizer que essa integração normativa se operaria sem nenhum critério.

Para se proceder a integração normativa, deve-se verificar a natureza do crédito em execução. Se o crédito for de direito público, integra-se com o Códi-go Tributário Nacional, pelo fato de o Direito Tributário ser um direito público.

Se o crédito em execução for de natureza privada, a integração normati-va se faria com o Código Civil e Comercial, por disciplinarem o direito privado.

Impõe-se esclarecer que o crédito decorrente de infração administrativa cometida pelo administrado é um crédito público, originado de uma relação ju-rídica de direito público, razão pela qual deve ser aplicado proeminentemente as normas de direito público compatíveis com a dissolução irregular da pessoa jurídica.

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Deve-se estar atento para o fato de ser a própria Lei de Execuções Fiscais, em seu art. 4º, § 2º, que remete à aplicação das normas relativas à responsa-bilidade previstas na legislação tributária, em ordem preferencial, de sorte que por esse dispositivo está autorizada a aplicação do disposto no art. 135 do CTN também aos créditos decorrentes de multas administrativas aplicadas no exercí-cio do poder de polícia.

O art. 135 do Código Tributário Nacional possui a seguinte redação:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obri-gações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou in-fração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito pri-vado.

Esse dispositivo previu a responsabilidade subsidiária dos diretores, ge-rentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado, sempre que agirem com excesso de poderes ou infração de lei. Haverá infração à lei quando a pessoa jurídica praticar infração administrativa, bem como quando deixar de existir sem promover a sua liquidação na forma preconizada em lei.

É jurisprudência assente no Superior Tribunal de Justiça que as pessoas enumeradas no art. 135, III, do CTN, são sujeitos passivos da obrigação (por substituição), razão pela qual, quando não mais localizados os bens da deve-dora principal podem ser citados, com penhora de seus bens particulares, ainda que os seus nomes não constem no respectivo título extrajudicial2.

Portanto, o redirecionamento da execução está autorizado em virtude da responsabilidade subsidiária dos administradores da sociedade, mesmo nas ações de cobrança de créditos de origem não tributária, por força do disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 6.830/1980, combinado com o art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

Não há uma razão lógica para se pretender a aplicação de uma norma de direito privado (art. 50 do CC), muito mais distante da natureza jurídica do crédito público em execução, quando já existe uma norma de direito público (art. 135 do CTN) permitindo a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para atingir os bens do responsável subsidiário, que é citado nos pró-prios autos de execução fiscal, tão logo se verifique a dissolução irregular do devedor principal.

2 REsp 95.0068408/RS, STJ, 1ª T., Min. Demócrito Reinaldo, DJ 24.06.1996.

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Logo, antes de se aventar se seria hipótese de aplicar o art. 50 do CC, deve-se verificar se haveria algum óbice ao redirecionamento da execução fis-cal com base no art. 135 do CTN.

E óbice não existe, pois é a própria Lei de Execuções Fiscais, em seu art. 4º, § 2º, que estipula que sejam aplicadas as normas relativas à responsa-bilidade previstas no CTN para a execução das dívidas de qualquer natureza.

Note-se que tanto o crédito tributário quanto o crédito administrati-vo não tributário são em tudo semelhantes: ambos são (1) créditos públicos, (2) cobrados por pessoa jurídica de direito público, por meio de (3) execução que tramita na mesma (4) Vara da Fazenda Pública competente para o julga-mento dos executivos fiscais.

Logo, se o crédito tem origem em relação de direito público, se a Lei nº 6.830/1980 estipula, em seu art. 4º, § 2º, que deva ser observado, nos ca-sos de responsabilidade, o disposto no direito tributário, direito eminentemente público, deve ser primeiramente aplicado o disposto no art. 135 do CTN, na cobrança de créditos administrativos decorrentes do exercício do poder de po-lícia.

Mutatis mutandis, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Pú-blico, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil. (STJ, AgRg-Ag 1109511/SP, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, 04.02.2010)

O Decreto nº 20.910/32 regula relações jurídicas tipicamente de direito público e, portanto, não deve reger as relações jurídicas de direito privado, nas quais a administração atua sem as prerrogativas que lhe são inerentes. (STJ, REsp 685717/RO, 5ª Turma, Min. Laurita Vaz, 04.02.2010)

Ressoa inequívoco que a inflição de sanção às ações contra as posturas mu-nicipais é matéria de cunho administrativo versando direito público indisponí-vel, afastando por completo a aplicação do Código Civil a essas relações não encartadas no ius gestionis. (STJ, AgRg-AgRg-REsp 1042030/RS, Min. Luiz Fux, 27.10.2009)

Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Pú-blico, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil. (STJ, 1ª Turma, AgRg-REsp 1138675/SP, 02.02.2010)

Deve ser aplicada a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto nº 20.910/32, a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou munici-pal, seja qual for a natureza, não sendo correta a analogia com o Código Civil, por se tratar de relação de direito público. (REsp 1151873/MS, 5ª Turma, Min. Laurita Vaz, 13.03.2012)

1. Na hipótese em que se discute o direito de servidor à verba alimentar decor-rente da relação de direito público, a prescrição é a quinquenal estabelecida no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. A prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002 não se aplica ao caso, uma vez que o conceito jurídico de prestação

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alimentar nele disposto não se confunde com o de verbas remuneratórias de na-tureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimenta-res de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em vínculo de direito público. Precedentes. (STJ, AgRg-AREsp 231633/AP, Min. Castro Meira, 2ª Turma, Min. Castro Meira, 23.10.2012)

1. A 1ª Seção, no julgamento do EREsp 1.081.885/RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Julgado em 13.12.2010, DJe 01.02.2011, consolidou o entendi-mento segundo o qual nas ações contra a Fazenda Pública aplica-se o prazo prescricional quinquenal nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, pois o Código Civil é um “diploma legislativo destinado a regular as relações entre particulares, não tendo invocação nas relações do Estado com o particular”.

2. Ressalta que tais precedentes referem-se aos casos de responsabilidade ci-vil do Estado, porém tal entendimento aplica-se ao caso dos autos, porquanto o cerne da questão refere-se ao prazo prescricional nas ações contra a Fazen-da Pública e aplicabilidade dos prazos prescricionais estabelecidos no Códi-go Civil, não influenciando a natureza da causa. (STJ, 2ª Turma, AgRg-AREsp 23638/SC, Min. Humberto Martins, J. 17.11.2011)

A prevalência do prazo quinquenal decorre da interpretação sistemática das normas que disciplinam especificamente a prescrição das pretensões contra o Estado, por se tratar de uma tônica no regime de direito público. Assim, inapli-cável a regra do Código Civil que está a disciplinar as relações de direito priva-do. (STJ, AgRg-REsp 1262568/RS, 2ª Turma, 03.11.2011)

Diferentemente seria se se tratasse de uma execução fiscal embasada em um crédito de direito privado, como, por exemplo, um preço público, uma Cédula de Crédito Rural, Industrial ou Comercial, ou decorrente de uma relação bancária, de contratos de financiamento, empréstimos, etc. Nesse caso, sim, poder-se-ia aventar em aplicar primeiramente, por analogia, as regras previstas no direito privado, mas não necessariamente o art. 50 do Código Civil.

É por isso que, nas execuções fiscais em que se cobram créditos de direi-to privado, o Superior Tribunal de Justiça tem aceitado a aplicação do Código de Defesa do Consumidor:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A INAD-MISSÃO DE RECURSO ESPECIAL – CRÉDITO CEDIDO À UNIÃO – EXECU-ÇÃO FISCAL – CÉDULA DE CRÉDITO RURAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INCIDÊNCIA – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – JUROS DE MORA – MULTA MORATÓRIA – PRECEDENTES DO STJ – TAXA SELIC – SUBS-TITUIÇÃO DA CDA – PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO – FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADOS – VERBETE Nº 283 DA SÚMULA DO STF – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (STJ, AgRg-Ag 1379282/PR, 2ª Turma, Min. Cesar Asfor Rocha, J. 26.06.2012)

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CRÉDITO RURAL CEDIDO PELO BANCO DO BRASIL À UNIÃO – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 297/STJ

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– COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – DESCABIMENTO – ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA DE MULTA MORATÓRIA DE 10% – INCIDÊNCIA DA LEI Nº 9.298/1996 – REDUÇÃO PARA 2%.

1. No presente caso, temos uma operação inicialmente realizada sob a forma de contrato bancário, ou seja, créditos rurais originários de operações financeiras, que, posteriormente, foram cedidos à União, tornando legítima a incidência da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) aos contratos de cédu-la de crédito rural. Súmula nº 297/STJ. (STJ, 2ª Turma, REsp 1277626/PR, Min. Mauro Campbell Marques, J. 07.02.2012)

Por isso se faz necessária a revisão do entendimento que proclama a apli-cação de dispositivos do direito privado nas cobranças de crédito originados de uma relação jurídica de direito público.

É o próprio STJ quem diz que nas relações de direito público a integra-ção legislativa deve ocorrer preferencialmente com a utilização de normas de direito público; e nas relações de direito privado a integração legislativa deve se operar com normas de direito privado.

Daí porque nas execuções fiscais para cobrança de multas decorrentes do exercício do poder de polícia deve ser aplicado, preferencialmente, o art. 4º, § 2º, da Lei nº 6.830/1980, combinado com o art. 135 do CTN, juntamente com a Súmula nº 435 do STJ. Jamais os dispositivos do Código Civil.

1.1 LEGISLAÇÃO DE DIVERSAS AUTARqUIAS pERMITEM A DESCONSIDERAÇÃO DA pERSONALIDADE JURíDICA COM bASE NA TEORIA MENOR

Tem-se também que além da possibilidade de redirecionamento da exe-cução por responsabilidade subsidiária do gestor que violou a lei, calcada no art. 135 do CTN, por expressa autorização do art. 4º, § 2º, da Lei de Execuções Fiscais, existem outras normas de direito público contidas em legislações es-parsas, que admitem a desconsideração da personalidade jurídica pelo Poder Judiciário, de forma muito mais favorável aos interesses da entidade credora.

Em razão da relevância do bem jurídico tutelado surgiram no ordena-mento jurídico diversos dispositivos legais que aderiram à teoria menor, que minimiza a proteção à pessoa jurídica, facilitando a sua desconsideração nos casos de violação à lei, contrato ou estatuto social, entre outras situações.

O legislador passa a realizar uma ponderação sobre a relevância do bem jurídico tutelado, e em salvaguarda ao bem maior, que é o interesse coletivo, permite a desconsideração da personalidade jurídica com base na teoria menor, que facilita a pacificação do conflito e o restabelecimento do império da ordem nas relações sociais.

Como se viu, o poder de polícia administrativa é exercido por diversos entes públicos personalizados com o objetivo de manutenção da ordem social.

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Assim é que por meio dos mais diversos órgãos públicos são repelidas condutas que violam o direito do consumidor, ao meio ambiente saudável, às regras de produção, à livre iniciativa e à livre concorrência, ao abastecimento do merca-do de combustíveis, etc.

Em todas essas esferas de atuação o legislador previu expressamente a possibilidade de haver a desconsideração da personalidade jurídica da socie-dade infratora sempre que a pessoa jurídica servir de obstáculo à recuperação e ao ressarcimento do dano causado à coletividade, já que em última instância o interesse desta é que foi violado.

Na seara do direito público não se pode olvidar que o art. 4º da Lei nº 9.605/1998, que trata das sanções penais e administrativas derivadas de con-dutas e atividades lesivas ao meio ambiente, expressamente estipula que “pode-rá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obs-táculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.

Note-se que a redação do art. 4º da Lei nº 9.605/1998 é suficientemente ampla, tendo aderido à teoria menor, que minora a proteção à personalidade jurídica. O aplicador do direito deve, portanto, verificar se a norma de conduta violada causou prejuízos ao meio ambiente para permitir que seja desconside-rada a personalidade jurídica da sociedade infratora.

Sabe-se que o Ibama é a autarquia que tem por escopo fundamental a defesa do meio ambiente. Contudo, a preocupação com o dano ambiental tam-bém pode estar presente na tipificação de condutas relacionadas à atividade--fim de outras autarquias, de modo que até mesmo o DNPM, por exemplo, que tutela a produção minerária no País, possui normas que visam à proteção ambiental, mediante cominação de sanções àqueles que poluírem ou fizerem mau uso da água ou não protegerem nem conservarem as fontes3.

O conceito de desenvolvimento sustentável exige da Administração Pú-blica, nas diversas esferas de atuação, uma preocupação não somente com o resultado finalístico de sua atividade, mas a correlação desta com a preservação do meio ambiente sadio4. Nessas situações também há de se admitir a descon-

3 “Art. 47. Ficará obrigado o titular da concessão, além das condições gerais que constam deste Código, ainda, às seguintes, sob pena de sanções previstas no Capítulo V:

[...]

IX – Promover a segurança e a salubridade das habitações existentes no local;

X – Evitar o extravio das águas e drenar as que possam ocasionar danos e prejuízos aos vizinhos;

XI – Evitar poluição do Art., ou da água, que possa resultar dos trabalhos de mineração;

XII – Proteger e conservar as Fontes, bem como utilizar as águas segundo os preceitos técnicos quando se tratar de lavra de jazida da Classe VIII;

[...]”4 Missão do DNPM: “Gerir o patrimônio mineral brasileiro de forma sustentável, utilizando instrumentos de

regulação em benefício da sociedade” (Disponível em: <www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=919>. Acesso em: 2 nov. 2013).

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sideração da personalidade jurídica com fundamento no art. 4º anteriormente referido.

Na mesma diretriz, o § 3º do art. 18 da Lei nº 9.847/1999, que dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de com-bustíveis, expressamente consigna que poderá ser desconsiderada a persona-lidade jurídica da sociedade sempre que esta constituir obstáculo ao ressarci-mento de prejuízos causados ao abastecimento nacional de combustíveis ou ao Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis.

É a ANP o órgão que tem por atividade-fim a regulação do abastecimen-to nacional de combustíveis, mas autarquias como o Inmetro e o Ibama, por exemplo, também são chamadas a regular matéria específica relacionada ao abastecimento de combustíveis, mormente em relação à qualidade do produto e cuidados com a sua produção e armazenagem, o que também autorizaria a desconsideração da personalidade jurídica com base na norma em epígrafe.

A Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência prevê expressamente, em seu art. 34 e parágrafo único, que a personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou vio-lação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encer-ramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Em todas essas situações é possível, com base nesta lei, a desconsideração da personalidade jurídica nos processos promovidos pelo Cade, a autarquia que tem por finalidade zelar pela livre concorrência no País.

Também não se pode olvidar a existência de diversas normas nas mais variadas autarquias que visam, em essência, tutelar e proteger interesses difusos ou coletivos dos usuários ou consumidores de produtos ou serviços por elas normalizados, regulados, controlados ou supervisionados.

Assim, quando as sanções estipuladas transcendem os interesses da pró-pria entidade para tutelar o interesse do consumidor, deve-se aplicar as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, que possibilitam que seja al-cançada a efetividade do processo e a concretização do caráter pedagógico da sanção administrativa.

Importa registrar que as normas que tutelam os interesses transindivi duais ou coletivos, pertencem à esfera do direito público, e, por isso, podem ser apli-cadas sempre que a norma violada objetivar a proteção de interesses sociais relevantes.

Por esse raciocínio, sempre que o interesse público tutelado pela norma administrativa infringida visar à proteção do consumidor não se pode deixar de aplicar o art. 28 do CDC, segundo o qual:

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O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso do direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A descon-sideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvên-cia, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados pela adminis-tração.

Estão nessa situação boa parte das sanções aplicadas pelo Inmetro e agências reguladoras, podendo estar presentes também em sanções previstas na legislação de outras entidades públicas, desde que o conteúdo da norma violada vise à proteção do consumidor.

Como se vê, todos esses dispositivos legais aderiram à teoria da menor proteção da personalidade jurídica para permitir a sua desconsideração sempre que esta se tornar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à coletividade, bastando demonstrar a violação à lei, estatutos ou contrato social para autorizar a desconsideração da personalidade da sociedade empresarial.

2 NORMAS DE DIREITO PRIVADO TAMBÉM PROPUGNAM PELA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Mesmo nas hipóteses de cobrança de créditos de natureza privada, como ocorre na cobrança de um preço público, por exemplo, em que, por força do disposto no art. 4º, § 2º, da Lei de Execuções Fiscais, se deva aplicar preferen-cialmente as normas contidas na legislação civil ou comercial, há de se convir que nesse meandro normativo existem dispositivos legais que autorizam a res-ponsabilidade subsidiária ou até mesmo solidária dos sócios e administradores e que melhor atendem o interesse do credor.

Nesse diapasão, o art. 1.080 do Código Civil estabelece a responsabili-dade ilimitada da pessoa jurídica sempre que as deliberações tomadas por seus sócios infringirem o contrato ou a lei: “Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamen-te as aprovaram”.

Obviamente que para aplicação desse dispositivo torna-se prescindível uma expressa autorização dos sócios de forma escrita, pois seria pouco crível imaginar que os componentes da sociedade autorizariam que deliberações in-fringentes do contrato ou da lei fossem registradas em ata ou na junta comercial.

Cabe, por isso, ao operador do direito analisar o que se pode considerar como sendo expressa deliberação dos sócios.

A resposta a essa indagação somente pode ser perceptível no mundo dos fatos. Desde que a sociedade empresária resolva não pagar uma obrigação prevista em lei, como o preço público, e haja a dissolução irregular da pessoa jurídica, haverá deliberação expressa infringente à lei.

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Ademais, sabe-se que a dissolução da sociedade implica estrita obser-vância ao procedimento de liquidação detalhado no art. 1.102 e ss. do Código Civil.

Estará configurada a dissolução irregular da pessoa jurídica sempre que esta deixar de existir sem observar o disposto no art. 1.103, I, II, III e IV, do Có-digo Civil, ou seja, sem averbar e publicar a ata ou instrumento de dissolução da sociedade, arrecadar os bens sociais, realizar o inventário e ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios acionistas. Trata-se, como se vê, de uma situação de fato.

A expressa aprovação dos sócios é demonstrada mediante constatação do encerramento das atividades empresariais sem solver todos os seus débitos e sem comunicar a seus credores nem aos órgãos públicos competentes.

Com isso, está demonstrada uma deliberação infringente do contrato ou de lei expressamente aprovada pelos sócios. Essa ilegalidade autoriza a res-ponsabilidade ilimitada da pessoa jurídica, conforme preconiza o art. 1.080 do Código Civil, autorizando a penhora dos bens pessoais de todos os integrantes da sociedade.

Como se observa, o art. 1.080 do Código Civil possui uma redação muito mais elástica que o art. 50 e mais extensa até mesmo do que aquela previs-ta no Código Tributário Nacional, já que não restringe a responsabilidade aos administradores da sociedade, estendendo a responsabilidade a todos aqueles que deliberaram pela dissolução irregular da pessoa jurídica, ou seja, a todos os sócios, tenham eles poder de gerência ou não. E mais: pela redação do dis-positivo, sequer seria necessário promover a desconsideração da personalidade jurídica, já que os sócios respondem ilimitadamente por seus atos.

Nesse sentido, é a orientação contida na Súmula nº 229 da III Jornada de Direito Civil promovida pela Superior Tribunal de Justiça: “A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta”.

Nesse contexto, é justamente a Lei Civil que autoriza a responsabiliza-ção de todos os sócios pelo descumprimento das obrigações advindas de atos que violem a lei ou o contrato social, quando praticados por influência de suas vontades.

A deliberação expressa a que faz menção o art. 1.080 da Lei Civil, deve ser entendida como uma deliberação constatável no mundo dos fatos ou como uma postura que não encontra oposição dos sócios, já que ninguém expressará publicamente a assunção deliberada da prática de atos ilícitos.

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Basta a constatação da dissolução irregular da pessoa jurídica para se saber que houve uma deliberação dos sócios para que tal fato ocorresse, pois jamais haverá registro em ata de que os sócios deliberaram encerrar a sociedade irregularmente.

Deve-se levar em consideração que as deliberações sociais ocorrem sem-pre por vontade dos sócios. Esses é que expressam a vontade da pessoa jurídica. E se os sócios decidiram encerrar as atividades societárias sem promover a liqui-dação da pessoa jurídica, conforme preconizado pela lei civil, e sem saldar os débitos contraídos na forma da lei, está-se diante de uma expressa deliberação dos sócios com o intuito de infringir a lei, chamando a incidência do art. 1.080 do Código Civil.

Importa ainda registrar que outro dispositivo, o art. 1.016 do Código Civil, também estabelece que “os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

Como a sociedade é dirigida por pessoas físicas, que são seus administra-dores, a existência de obrigação contraída pela sociedade, decorrente de viola-ção à lei implica responsabilidade solidária dos administradores, por culpa no desempenho de suas funções.

Nesse sentido é a orientação contida na Súmula nº 59 da 1ª Jornada de Direito Civil promovida pelo Superior Tribunal de Justiça: “Os sócios-gerentes e os administradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091, todos do Código Civil”.

Na 3ª Jornada de Direito Civil do STJ, a Súmula nº 220 ratificou e com-plementou a orientação anterior: “É obrigatória a aplicação do art. 1.016 do CC, que regula a responsabilidade dos administradores, a todas as sociedades limitadas, mesmo àquelas cujo contrato social preveja a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas”.

Ainda na seara do direito privado, cumpre também acentuar que o De-creto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, também autoriza a responsabilidade ilimitada sempre que houver violação ao contrato ou à lei:

Art. 10. Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pes-soalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.

Igualmente, a Lei de Sociedade por Ações estabelece em seu art. 158 a responsabilidade pessoal dos administradores sempre que estes agirem por culpa ou dolo e com violação à lei ou ao estatuto:

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Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

Analisando os artigos anteriores, percebe-se que o art. 50 do Código Civil deve ser integrado com os diversos dispositivos legais que regulam a responsa-bilidade dos sócios no direito civil de forma muito mais eficaz ao interesse dos credores, pois sempre será preferível priorizar-se a aplicação dos arts. 1.016 e 1.080 do Código Civil, ou até mesmo dos arts. 10 do Decreto nº 3.708/19 ou 158 da Lei de Sociedade por Ações, para excutir os bens particulares dos sócios e administradores que deliberaram pelo não pagamento de obrigação prevista em lei e pela dissolução irregular da pessoa jurídica.

Consoante o art. 50 do Código Civil, somente se justificaria a desconsi-deração da personalidade jurídica em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou por confusão patrimonial.

Abuso da personalidade jurídica e desvio de finalidade são conceitos ju-rídicos indeterminados que objetivam dar vazão à implantação da teoria maior no direito pátrio, mas quando se analisa o código civil e o ordenamento jurídico como um todo, verifica-se facilmente que a maioria dos seus artigos aderiram à teoria da menor proteção à pessoa jurídica.

Portanto, ainda que se queira justificar a desconsideração da personali-dade jurídica apenas com base no art. 50 do Código Civil, deve ser realizada uma interpretação extensiva desse dispositivo legal, a fim de harmonizá-lo não só com o Código Civil, mas com todo o ordenamento jurídico.

Em uma análise sistêmica, percebe-se que restaria então configurado o abuso da personalidade jurídica, com desvio da finalidade precípua para a qual a sociedade empresária foi concebida, sempre que esta viesse agir em contra-riedade à lei, pois de todos é esperada uma atuação ética, com respeito à lega-lidade e à boa-fé nas relações sociais.

Pelo fato de todos os sujeitos de direito estarem obrigados à observância da lei, quando esta não é observada ou é violada, tem-se, sem dúvida, a prática de uma conduta desviante que visa atingir uma finalidade não querida pelo ordenamento jurídico, o que caracteriza o abuso da personalidade jurídica, me-diante desvio de finalidade, o que autorizaria a desconsideração da personali-dade jurídica da sociedade que se desviou do seu fim.

Nessa linha de raciocínio, não é o art. 50 que, por si só, delimita como se operará a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil, mas os demais dispositivos civilistas que delinearão qual a interpretação a ser conferida aos conceitos jurídicos indeterminados contidos no art. 50.

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Analisando as regras de direito privado como um todo, é impossível não concluir que, na realidade, houve uma adesão à teoria da menor proteção à pessoa jurídica (v. arts. 1.016 e 1.080, CC; art. 10 do Decreto nº 3.708/19 e art. 158 da LSA), de sorte que são as diretrizes da teoria menor que influenciarão a interpretação de como se operará a desconsideração da personalidade jurídi-ca no direito nacional.

CONCLUSÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 435 DO STJ AOS CRÉDITOS NÃO TRIBUTÁRIOS

Nesse farto contexto normativo e da aliança da Lei de Execuções Fiscais com o CTN, Código Civil, Código do Consumidor e demais legislações espar-sas, se vê que mesmo quando se trata de cobrança de créditos não tributários é possível alcançar o patrimônio dos sócios e administradores, pois é somente por meio da vontade da pessoa física que o ato ilícito é cometido.

Verifica-se que há uma perfeita identidade de conceitos entre a redação do art. 135 do CTN e dos demais dispositivos que regulam a responsabilidade dos sócios e administradores das sociedades nos mais diversos diplomas legais, tanto quando regulam relações de natureza pública quanto quando regulam relações de natureza privada, de sorte que não há razão para restringir-se a aplicação da Súmula nº 435 à execução dos créditos tributários.

Não resta dúvida sobre a existência de uma gritante violação à lei quan-do a pessoa jurídica deixa de existir irregularmente, sem realizar a liquidação de seu ativo e passivo, sem saldar os débitos para com os seus credores e sem comunicar a dissolução aos órgãos públicos competentes.

A dissolução regular da sociedade empresária deve obedecer ao disposto no art. 1.102 e ss. do Código Civil, que trata da liquidação da sociedade.

Dispõe o art. 1.103, I, II, III e IV, que é dever do liquidante averbar e publicar a ata ou instrumento de dissolução da sociedade, arrecadar os bens so-ciais, realizar o inventário e ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas.

Ao deixar de existir sem praticar tais atos há a dissolução irregular da pessoa jurídica, com violação à lei, situação que autoriza e legitima a responsa-bilização dos sócios e gestores.

Da mesma forma, tem-se que o art. 135 do CTN; o art. 4º da Lei nº 9.605/1998; o art. 18 da Lei nº 9.847/1999; o art. 34 da Lei nº 12.529/2011; o art. 28 do CDC; os arts. 1.016 e 1.080 do Código Civil; o art. 10 do Decreto nº 3.708/19; o art. 158 da LSA, entre outros, aderiram à teoria da menor prote-ção da pessoa jurídica.

O único dispositivo no direito pátrio que tentou aderir à teoria maior foi o art. 50 do Código Civil. Mas quando é realizada uma análise sistêmica e

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contextualizada do ordenamento jurídico nacional, há de se admitir o império da teoria menor.

Nesse contexto, é a teoria menor que deve influenciar a interpretação do art. 50 do Código Civil, atentando para o fato de que a prática de infração administrativa, a negativa de satisfação do crédito público e o encerramento irregular da pessoa jurídica já evidenciam o desvio de finalidade para a qual o ente moral foi concebido, pois todas as sociedades são constituídas para agir em conformidade com a lei, o contrato ou o estatuto social. Encerrar as atividades sem realizar a regular liquidação societária nem saldar os débitos para com seus credores é, sem dúvida, uma atitude abusiva, que evidencia um gritante desvio de finalidade com violação à lei e à ordem jurídica.

Diante desse arcabouço normativo que determina, primordialmente, que se realize o redirecionamento da execução, seja em relação aos créditos tribu-tários, seja em relação aos créditos não tributários; seja em relação aos créditos públicos, seja em relação aos créditos privados, é que o STJ, por meio da edição da Súmula nº 435, não fez distinção quanto à natureza do débito em execução quando determinou que se deveria presumir a dissolução irregular da sociedade que deixasse de funcionar no seu domicílio fiscal sem comunicação dessa situa-ção aos órgãos competentes, estado que legitima o redirecionamento da execu-ção: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Assim, a desconsideração da personalidade jurídica é medida que se im-põe sempre que restar comprovado de modo cabal o encerramento irregular das atividades da sociedade empresarial sem solver os débitos junto aos seus credores nem comunicar o fato aos órgãos competentes.

A redação da súmula foi eloquentemente ampla para que não se viesse realizar qualquer distinção em relação à natureza do crédito em execução.

Pela Súmula nº 435, basta a constatação de uma situação fática – a pes-soa jurídica deixar de funcionar em seu domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes – para legitimar uma consequência jurídica – redireciona-mento da execução fiscal em face dos sócios-administradores.

Percebe-se que alguns precedentes começam a se atentar para essa si-tuação e vêm esboçando uma mudança de entendimento, para permitir o redi-recionamento das execuções mesmo em relação aos créditos de natureza não tributária, conforme se verifica por recente decisão emanada do Tribunal Regio-nal Federal da 3ª Região:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL – ART. 557, § 1º, DO CPC – AGRA-VO DE INSTRUMENTO JULGADO MONOCRATICAMENTE – REDIRECIO-NAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL EM FACE DOS SÓCIOS – DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 135 DO CTN

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– DISSOLUÇÃO IRREGULAR NÃO COMPROVADA – AGRAVO LEGAL DES-PROVIDO – 1. Cuida-se de multa lavrada em auto de infração por violação às normas relativas ao abastecimento de combustíveis; portanto, legalmente é dí-vida ativa não-tributária (art. 39, § 2º, da Lei nº 4.320/1964). 2. Para cobrança executiva desses créditos incide a Lei nº 6.830/1980 (art. 1º), cujo art. 2º torna imune de dúvidas que constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela consi-derada tributária ou não-tributária pela Lei nº 4.320/1964. 3. No ambiente se-vero da Lei nº 6.830/1980 tem-se que “à dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial” (destaque – § 2º do art. 4º). Assim, não é correto dizer-se que o art. 135 do CTN não se aplica na execução de dívida ativa não-tributária, já que existe norma legal (§ 2º, art. 4º, da LEF) di-zendo que se aplica. 4. No caso, a execução fiscal foi ajuizada apenas em face da empresa devedora, a qual não foi localizada quando da tentativa de citação por via postal com AR que retornou “negativo” (fl. 28). 5. Atualmente se consi-dera presumida a dissolução irregular da empresa pela sua não localização no endereço dos cadastros oficiais, consoante se extrai da Súmula nº 435 do STJ, circunstância apta a ensejar o redirecionamento da dívida em face do sócio-ge-rente com fundamento no art. 135, III, do CTN. 6. Sucede que esta presunção de infração à lei somente é admitida quando certificada pelo oficial de justiça, não bastando a devolução da carta citatória pelos Correios como indício sufi-ciente para se presumir o encerramento irregular da sociedade. 7. Agravo legal desprovido. (AI 00127968120124030000, TRF3, 6ª T., Des. Fed. Johonsom Di Salvo, J. 20.09.2013)

Vide também: AI 00111723120114030000, TRF3, 6ª T., Des. Fed. Johonsom Di Salvo, J. 20.09.2013

No mesmo sentido, colhem-se os precedentes do Tribunal Regional Fe-deral da 1ª e 4ª Regiões:

ADMINISTRATIVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – SÓCIOS – DISSOLUÇÃO IRREGULAR – SÚMULA Nº 435 DO STJ.

Na linha do que vem sendo adotado por este Colegiado, mesmo que a Súmula nº 435 do STJ tenha origem em precedentes envolvendo débitos tributários, não existe óbice ao redirecionamento da execução fiscal para o representante legal da empresa, mesmo para execução fiscal de multa administrativa, na hipótese de presunção de dissolução irregular. (Ag 0006526-14.2012.404.0000, TRF4, 4ª T., Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, J. 14.08.2012)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EXECUÇÃO FISCAL EM VARA ES-TADUAL – INDEFERIMENTO DE CITAÇÃO DE SÓCIO ADMINISTRADOR – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE (SÚMULA Nº 435/STJ) – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. A citação do corresponsável, ainda que o seu nome não conste da CDA, é possível, consoante jurisprudência vetusta e remansosa de todos os Tribunais.

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2. Havendo dissolução irregular da empresa, haja vista declaração dos agrava-dos que encerraram as atividades da empresa sem quitar a multa aplicada pelo Inmetro, autoriza-se a citação dos sócios administradores como corresponsáveis pela multa (Súmula nº 435/STJ).

3. Agravo de instrumento provido para que citados Elter Lopes da Fonseca e Vivian Maria da Silva Dias.

4. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 20 de setembro de 2011, para pu-blicação do acórdão. (Ag 0025850-08.2011.4.01.0000/MG, TRF1, 7ª T., Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, DJ 30.09.2011)

Desse modo é que, na cobrança de quaisquer créditos, de qualquer ori-gem ou natureza, torna-se possível aplicar a Súmula nº 435 do STJ sempre que a pessoa jurídica deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes.

REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

NERY JÚNIOR, Nelson e outro. Código civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2006.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime jurídico--empresarial brasileiro. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2009.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 1998.

______. Curso de direito comercial. 20. ed. São Paulo: Saraiva, v. II, 1995.

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Clipping Jurídico

Plano de saúde é condenado a indenizar consumidores por próteses cardíacas

O STJ manteve decisão que obrigou a uma empresa de plano de saúde a indenizar consumidores que tiveram de pagar por próteses indispensáveis à realização de cirurgia de angioplastia. O Ministério Público de Minas Gerais considerou abusiva a cláusula contratual que excluía da cobertura o implante das próteses cardíacas, que à época cus-tavam em torno de R$ 2.500 cada. Na ação civil pública, o Ministério Público pediu que a seguradora fosse condenada a ressarcir os consumidores lesados, a reformar a cláusula excludente e, ainda, a pagar indenização no valor de R$ 100 mil para o Fundo Municipal de Direitos do Consumidor em razão de dano moral coletivo. O juízo de primeiro grau reconheceu a nulidade da cláusula excludente, mas julgou improcedentes os pedidos indenizatórios. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou parte da sentença apenas para atender ao pedido de indenização pelos danos individuais, mas negou a indenização que seria revertida ao fundo municipal. • Relação comum: O acórdão con-siderou que a ação civil coletiva manejada pelo Ministério Público, prevista no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), oferece uma proteção específica de direitos individuais homogêneos. Daí a negativa ao pagamento de danos morais coletivos. No recurso especial para o STJ, o Ministério Público insistiu na tese de que também caberia reparação pelos danos morais coletivos. Com base em precedentes do STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, afirmou que o CDC e a Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, “aplicam-se reciprocamente naquilo que lhes é compatível, para as ações que digam respeito à violação de interesses individuais homogêneos, coletivos ou difusos, sempre que a situação subjacente disser respeito a direitos do consumidor”. Ele analisou as diferenças entre essas categorias de direitos e concluiu que a legislação prevê consequências bem distintas a cada espécie de interesses levados a juízo. Em relação ao caso analisado, Salomão defendeu que, “embora a eventual negativa indevida do plano de saúde possa gerar danos individuais, antecede a essa recusa uma relação jurídica co-mum a todos os contratantes, que podem ou não vir a sofrer danos pela prática abusiva identificada na ação”. Esses prejuízos, explicou, dizem respeito a direitos individuais homogêneos. O ministro considerou que não houve dano indenizável de ordem coletiva – cujas vítimas seriam todos os atuais contratantes do plano – nem de ordem difusa – em relação aos indetermináveis futuros contratantes do plano de saúde. A Turma manteve o acórdão do TJMG, mas com base em fundamentação diversa. Os ministros afastaram o entendimento de que, por se tratar de ação direcionada à tutela de direitos individuais homogêneos, jamais caberia a condenação por danos morais coletivos. REsp 1293606. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Cláusula de débito automático não afasta ilegalidade de descontos superiores a 30% do salário

O banco não pode se apropriar do salário de seu cliente para cobrar débito decorren-te de contrato bancário, mesmo havendo cláusula permissiva em contrato de adesão. Esse foi o entendimento que prevaleceu na decisão do STJ em julgamento de recurso especial interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O MPMG ajuizou ação contra o Itaú Unibanco S/A alegando que a instituição financeira estaria debitando integralmente o salário dos consumidores para pagamento de dívidas bancárias decor-rentes de empréstimos, juros de cartão de crédito, tarifas e outros. O juiz de primeiro grau entendeu que a cláusula de débito automático de empréstimo em conta corrente é legal, pois “uma vez depositado em conta, o valor é crédito, não é salário nem moeda,

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não havendo que se falar em violação da norma do art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil”. A apelação foi negada. O Ministro Sidnei Beneti, relator, afirmou que o entendimento firmado no STJ é o de que, mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco é ilícita e dá margem a reparação por dano moral. Acrescentou que o banco não pode se apropriar do total do salário de seu cliente para cobrar débito decorrente de contrato bancário, mesmo havendo cláusula permissiva no contrato de adesão. Ele observou que a produção da prova é necessária para julgar a causa de débito ilícito e determinou o retorno do processo à origem para nova análise. REsp 1405110. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Reconhecida aplicabilidade do CDC em contrato de seguro empresarial

Em decisão unânime, o STJ reconheceu a aplicabilidade do Código de Defesa do Con-sumidor (CDC) nos contratos de seguro empresarial, na hipótese em que a empresa con-trata seguro para a proteção de seus próprios bens sem o integrar nos produtos e serviços que oferece. A decisão foi tomada em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Uma empresa do ramo de comércio de automóveis novos e usados contratou seguro para proteger os veículos mantidos em seu estabelecimento. A seguradora, entretanto, negou a cobertura do prejuízo decorrente do furto de uma caminhonete nas dependências da empresa. Segundo a seguradora, a recusa foi em virtude da falta de comprovação de ter havido furto qualificado, já que não havia na apólice a garantia para o sinistro furto simples. A empresa segurada ajuizou ação por quebra de contrato. A sentença, aplicando a legislação consumerista, julgou o pedido procedente, mas o TJSP entendeu pela inaplicabilidade do CDC e reformou a decisão. • Consumo x insumo: Segundo a Corte local, a empresa não poderia alegar que não sabia das condições de cobertura da apólice. Ao segurador caberia apenas cobrir os riscos predeterminados no contrato, não se admitindo interpretação extensiva ou analógica das cláusulas de cobertura. No recurso ao STJ, a empresa insistiu na apli-cação do CDC e no reconhecimento de que as cláusulas ambíguas ou contraditórias do contrato de adesão devem ser interpretadas favoravelmente ao aderente. Afirmou que, ao estipular no contrato que o seguro cobria furto qualificado, a seguradora fez presumir no negócio que cobria também furto simples, pois quem cobre o mais, cobre o menos. Segundo o ministro, cláusulas com termos técnicos e de difícil compreensão são consideradas abusivas, e no caso apreciado ficou evidente a falta de fornecimento de informação clara da seguradora sobre os reais riscos incluídos na apólice. “Não pode ser exigido do consumidor – no caso, do preposto da empresa – o conhecimento de termos técnico-jurídicos específicos, ainda mais a diferença entre tipos penais de mesmo gênero (furto simples e furto qualificado), ambos crimes contra o patrimônio”, disse o relator. Com esse entendimento, foi restabelecida a sentença que determinou o pagamento da indenização securitária. REsp 1352419. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Segurado de boa-fé que fez acordo com terceiro sem anuência da seguradora tem direito a reembolso

No seguro de responsabilidade civil de veículos, se não há demonstração de má-fé, o segurado mantém o direito de ser reembolsado pela seguradora com o valor que des-

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pender para indenizar terceiro, caso não haja prejuízo para a seguradora com a transa-ção firmada sem a sua anuência. O entendimento foi do STJ no julgamento de recurso especial da Allianz Seguros contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). No caso, o veículo de uma empresa de mineração e terraplanagem envolveu-se em acidente com uma motocicleta, causando graves sequelas físicas ao motociclista. A empresa de mineração havia firmado contrato de seguro para o veículo, vigente à época dos fatos. Após recusar R$ 13 mil oferecidos pela seguradora, o motociclista ajuizou ação de indenização contra a empresa de mineração, pedindo mais de R$ 1,5 milhão por danos morais, patrimoniais e estéticos. • Acordo: No curso da ação, foi homologada transação em que a mineradora se comprometeu a pagar pouco mais de R$ 62 mil ao motociclista. Ao pedir o reembolso do valor à seguradora, esta se negou a pagar, alegan-do não ter aprovado o acordo judicial. A empresa de mineração entrou com ação para receber da seguradora o valor pago ao motociclista a título de indenização. A sentença condenou a seguradora a pagar R$ 57 mil. Seguradora e empresa apelaram ao TJRS, que reduziu o montante indenizatório. No STJ, a seguradora alegou que, embora no seguro de responsabilidade civil o segurador arque com o pagamento de perdas e danos ao ter-ceiro prejudicado, é vedado ao segurado, sem prévia e expressa anuência, reconhecer sua responsabilidade, transigir ou indenizar diretamente o lesado, sob pena de perda da garantia. O Relator do recurso, Ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que o segurado, nes-se tipo de seguro, não pode, em princípio, “reconhecer sua responsabilidade, transigir ou confessar judicial ou extrajudicialmente sua culpa em favor do lesado, a menos que haja prévio e expresso consentimento do ente segurador, pois caso contrário perderá o direito à garantia securitária, ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito de reembolso do que despender”. Com essa argumentação, a Turma definiu que quando “não há demonstração de que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao contrário, sendo evidente que o sinistro de fato aconteceu e o acordo realizado foi em termos favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora, não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do segurado”. REsp 1133459. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Projeto permite diferença de preço para pagamento em dinheiro e no cartão

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 1.506/2014, do Senador Roberto Requião (PMDB-PR), que autoriza o comerciante a cobrar preços distintos para o pagamento realizado com dinheiro ou com cartão de crédito. A proposta susta efeitos da Resolução nº 34/1989, do extinto Conselho Nacional de Defesa do Con-sumidor, que proibia ao comerciante estabelecer diferença de preço de venda quando o pagamento ocorresse por meio de cartão de crédito. Com a medida, o comerciante poderá voltar a estabelecer preços diferentes para o mesmo produto, no caso de o paga-mento ser feito à vista ou no cartão. De acordo com Requião, o projeto vai permitir que o comércio dê desconto nas compras à vista, pagas em dinheiro ou outros meios, como cheque ou boleto bancário. “A resolução afronta o direito do comerciante de oferecer o preço sem o custo das operadoras de cartão e o direito do cidadão de pagar menos”, argumenta. O senador explica que a medida foi adotada há 15 anos a pedido de comer-ciantes pela demora em receber o dinheiro de administradoras de cartão, em época de hiperinflação. A unificação dos preços, porém, gerou um aumento no valor de venda,

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segundo Requião. “A justificativa do momento histórico não condiz com as circunstân-cias atuais, na medida em que a inflação não constitui uma variável a ser observada nas decisões sobre essa matéria”, disse. A Câmara já analisa outro PDC (1476/14), de mesmo teor, apresentado pelo Deputado Guilherme Campos (PSD-SP). (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Projeto reduz multa por rescisão antecipada de contrato de locação de imóvel

O Projeto de Lei nº 7.074/2014, em análise na Câmara dos Deputados, reduz o valor da multa a ser paga por locatário de imóvel urbano em caso de rescisão antecipada do contrato. O texto, de autoria do Deputado Márcio França (PSB-SP), determina que a multa não poderá ultrapassar o valor correspondente a um mês de aluguel. Atualmente, pela Lei nº 8.245/1991, no caso de rescisão unilateral antecipada, pedida pelo inquilino, ele é obrigado a pagar multa proporcional ao período restante do contrato. Para França, trata-se de “um ônus demasiado grave para o locatário e que tem possibilitado enrique-cimento sem causa ou injusto dos locadores dos bens”. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Fechamento da Edição: 15�09�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Prescrição e Decadência na Análise de Atos de Concentração Daniel Christianini Nery Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• Penhora On-Line Paulo Mazzante de Paula Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

LIVRO• Novo Código Civil: Parte Geral, Obrigações e Contratos Obra de Carlos Alberto Bittar Filho e Marcia Sguizzardi Bittar, pu-

blicada pela IOB, 1. ed., 2005, na qual os autores comentam os 853 primeiros artigos do novo Código Civil visando a esclarecer a mens legislatoris.

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Prescrição e DecaDência

• Da Inteligência do Artigo 200 do Código Civil – Causa Impeditiva da Prescrição (Edésio do Nascimento Pitombeira Filho) ..............................31

• Da Necessidade de Revisitação da Prescri-ção Intercorrente no Processo Civil (Diogo Henrique Dias da Silva) .......................................35

• O Mito da Necessidade da Existência dos Ins-titutos da Prescrição e da Decadência (MarcoAntonio Piazza Pfitscher) .......................................9

• Prescrição e Decadência no Direito Civil (WilsonRoberto Barbosa Garcia) ......................................49

Autor

Diogo Henrique Dias Da silva

• Da Necessidade de Revisitação da Prescrição Intercorrente no Processo Civil ............................35

eDésio Do nascimento Pitombeira FilHo

• Da Inteligência do Artigo 200 do Código Civil – Causa Impeditiva da Prescrição ...........................31

marco antonio Piazza PFitscHer

• O Mito da Necessidade da Existência dos Insti-tutos da Prescrição e da Decadência .....................9

Wilson roberto barbosa garcia

• Prescrição e Decadência no Direito Civil ............49

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ação rescisória

• Ação rescisória – Processual civil – Decadência – Termo inicial – Trânsito em julgado da últi-ma decisão proferida no processo de conheci-mento – Súmula nº 401/STJ – Decisão rescin- denda pautada pela jurisprudência do STF – Julgamento monocrático – Possibilidade – Vio-lação literal de dispositivo de lei – Não ocor-rência (STJ) ................................................8107, 54

EMENTÁRIO

Prescrição e DecaDência

• Citação válida – prescrição – interrupção ..8108, 66

• Prazo – ação de indenização – prescrição – ino-corrência – termo inicial ............................8109, 67

• Prescrição – ação de restituição – parcelas de financiamento de imóvel – desconto do sinal deentrada – reconvenção – inocorrência .......8110, 68

• Prescrição – alegação de nulidade submetida ao regime jurídico do Código Civil/1916 – re-conhecimento ............................................8111, 69

• Prescrição – decadência – repetição ou compen-sação de indébitos – aplicação do prazo ...8112, 69

• Prescrição – direito real – julgamento liminar de mérito ...................................................8113, 69

• Prescrição – prazo quinquenal – incorporação – possibilidade .............................................8114, 70

• Prescrição – termo inicial – reconhecimento do direito à subscrição – não provimento – impo-sição de multa ...........................................8115, 70

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

conciliação

• Conciliação e Mediação Endoprocessuais na Le-gislação Projetada (Ada Pellegrini Grinover) ........71

litisPenDência

• Notas sobre os Efeitos da Citação: o Problema da Litispendência (José Henrique Mouta Araújo) ..........................................................................100

PenHora

• O Sepultamento da “Penhora On-Line” – Cons-trição de Ativos Financeiros (Rogério Montai de Lima) ..............................................................93

Prova

• Provas Ilícitas (Ricardo Politano) ........................109

Autor

aDa Pellegrini grinover

• Conciliação e Mediação Endoprocessuais na Le-gislação Projetada ................................................71

José Henrique mouta araúJo

• Notas sobre os Efeitos da Citação: o Problema da Litispendência ...................................................100

ricarDo Politano

• Provas Ilícitas .....................................................109

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RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������229

rogério montai De lima

• O Sepultamento da “Penhora On-Line” – Cons-trição de Ativos Financeiros .................................93

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

execução

• Redirecionamento da Execução na Cobrança de Créditos de Natureza Não Tributária e Aplica-ção da Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça (Rodrigo Gerent Mattos) ..........................202

Autor

roDrigo gerent mattos

• Redirecionamento da Execução na Cobrança de Créditos de Natureza Não Tributária e Apli-cação da Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça ...........................................................202

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

ação De reintegração

• Administrativo – Processual civil – Reintegração – Indenização por perdas e danos – Danos não comprovados – Honorários majorados – Recur-so adesivo não conhecido – Apelação parcial-mente provida (TRF 2ª R.) ........................8119, 161

coisa JulgaDa

• Processual civil – Ação rescisória – Prazo deca-dencial – Termo inicial – Trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos – Art. 495 do CPC – Súmula nº 401/STJ – Coisa julgada “por capítulos” – Inadmissibilidade – SFH – Utiliza-ção do IPC (84,32%) no mês de abril de 1990 – Adoção da taxa referencial (TR) como índice de atualização monetária (Lei nº 8.177/1991) – Violação de literal disposição de lei – Art. 485, V, do CPC – Súmula nº 343/STF – Violação doart. 535 do CPC não configurada (STJ) .....8117, 134

Falência

• Execução fiscal – Falência – Redirecionamen-to contra os sócios – Prescrição – Inocorrên-cia – Responsabilidade solidária e subsidiária (TRF 4ª R.) ...............................................8121, 170

Periculum in mora

• Processual civil – Indisponibilidade de bens – Pedido indeferido – Ausência de demonstração do periculum in mora – Possibilidade – Poder geral de cautela – Agravo de instrumento des-provido (TRF 3ª R.) ..................................8120, 166

seguro

• Recurso especial – Civil – Seguro de automó-vel – Acidente de trânsito – Responsabilidade civil – Transação judicial entre segurado e ví-tima (terceiro prejudicado) – Falta de anuência da seguradora – ineficácia do ato – boa-fé dos transigentes – Direito de ressarcimento – Acordo vantajoso às partes – Inexistência de prejuízoefetivo ao ente segurador (STJ) .................8116, 126

título extraJuDicial

• Processual civil – Agravo de instrumento – Exe-cução de título extrajudicial contra devedor já falecido – prazo para habilitação dos her-deiros (TRF 5ª R.) .....................................8122, 175

tutela anteciPaDa

• Processual civil – Antecipação de tutela para cancelar (mediante depósito) leilão de lote de mercadorias a que aplicada pena de per-dimento por interposição fraudulenta na im-portação – Art. 23 do DL 1.455/1976 – Apa-rente regularidade na sanção aplicada em procedimento administrativo fiscal – Agravo re-gimental não provido (TRF 1ª R.) .............8118, 155

EMENTÁRIO

ação cautelar

• Ação cautelar – cancelamento do protesto – tu-tela satisfativa – cabimento ......................8123, 178

• Ação cautelar de exibição de documentos – mul-ta cominatória – revisão – possibilidade .... 8124, 178

ação De cobrança

• Ação de cobrança – abandono do processo – intimação pessoal da parte autora para dar an-damento ao feito – não atendimento........8125, 178

ação De inDenização

• Ação de indenização – inscrição em cadastrode inadimplentes – notificação prévia ......8126, 178

ação De obrigação De Fazer

• Ação de obrigação de fazer – indenização e pedido liminar – imóvel não entregue no prazo ................................................................8127, 178

• Ação de obrigação de fazer – pedido de indeni-zação – decisão monocrática ...................8128, 179

• Ação de obrigação de fazer – reparação de da-nos morais e materiais – retenção não autori-zada de verba salarial .............................8129, 179

ação monitória

• Ação monitória – cheque prescrito – inicial –causa de pedir .........................................8130, 180

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230 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

ação rescisória

• Ação rescisória – ação coletiva e ação individual – coisa julgada – não ocorrência .............8131, 182

• Ação rescisória – contrato de participação finan-ceira – complementação de ações ...........8132, 182

• Ação rescisória – desapropriação – interesse so-cial – reforma agrária ...............................8133, 182

alienação FiDuciária

• Alienação fiduciária – busca e apreensão – mora ex re – vencimento do prazo para pagamen-to – comprovação – notificação extrajudicial ................................................................8134, 183

• Alienação fiduciária – negócios jurídicos bancá-rios – notificação pessoal .........................8135, 183

alimentos

• Alimentos – binômio necessidade/possibilidade– alteração ...............................................8136, 183

busca e aPreensão

• Busca e apreensão – bem alienado fiduciaria-mente – purga da mora – depósito do valor inte-gral da dívida – necessidade ....................8137, 183

contrato

• Contrato – ação revisional – análise das cláusu-las – ausência ..........................................8138, 184

• Contrato de transporte marítimo de cargas – natureza da relação jurídica – Código de De-fesa do Consumidor – incidência – discussão ................................................................8139, 184

Dano moral

• Dano moral – transporte aéreo internacional – cancelamento de voo – valor indenizatório –razoabilidade ..........................................8140, 184

DeFesa Do consumiDor

• Defesa do consumidor – compra – empresa im-portadora – negativa de fornecimento da nota fiscal ........................................................8141, 186

• Defesa do consumidor – compra e venda de imóvel – desfazimento – cláusula de devolução– abusividade ..........................................8142, 186

• Defesa do consumidor – inscrição indevida –dano moral – ausência .............................8143, 186

Divórcio

• Divórcio – alimentos provisórios – irresignaçãoda autora .................................................8144, 187

exceção De susPeição

• Exceção de suspeição de perito – assistência simples admitida na exceção – prazo em dobrodo art. 191 do CPC – inaplicabilidade .....8145, 187

execução

• Execução de título extrajudicial – inércia da au-tora – abandono de causa – intimação pessoal ................................................................8146, 188

• Execução – imóvel – bem de família – impenho-rabilidade ................................................8147, 188

Honorários De aDvogaDo

• Honorários de advogado – exorbitância – redu-ção – cabimento ......................................8148, 189

• Juizado especial cível – Juizado especial cível – passagem aérea – atraso na viagem superior a cinco horas – contrato de transporte – descum-primento ..................................................8149, 189

Justiça gratuita

• Justiça gratuita – presunção de necessidade –prova .......................................................8150, 190

liquiDação extraJuDicial

• Liquidação extrajudicial de instituição finan-ceira – ação declaratória de nulidade de atos – comissão de inquérito ..............................8151, 191

litisconsórcio

• Litisconsórcio passivo – prazo em dobro – não ocorrência – revelia de um dos corréus – au-sência de procuradores ............................8152, 191

locação

• Locação – peça obrigatória – cópia incompleta ................................................................8153, 192

marca

• Marca – ação de abstenção de uso indevido – perdas e danos – reprodução ou imitação de marca alheia – confusão ou associação – possi-bilidade ...................................................8154, 192

meDiDa cautelar

• Medida cautelar – extinção – correlatos requisi-tos – insurgência dos requerentes ............8155, 192

• Medida cautelar – homologação de sentença arbitral estrangeira – arresto de bens – desconsi-deração da personalidade jurídica ...........8156, 193

menor

• Menor – busca e apreensão – disputa de guar-da – pais e avó materna – situação excepcional– não demonstração ...............................8157, 193

multa

• Multa – astreintes – insurgência quanto ao valor ................................................................8158, 194

PaterniDaDe

• Paternidade – reconhecimento de filho – des-constituição do vínculo – impossibilidade . 8159, 194

Page 231: Revista SÍNTESE · 2016. 12. 2. · Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil ano Xiii – nº 91 – set-out 2014 rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia Superior Tribunal

RDC Nº 91 – Set-Out/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������231

PenHora

• Penhora on-line – ativos financeiros em nome do devedor – possibilidade ......................8160, 195

Petição

• Petição transmitida via fac-símile – peça incom-pleta – divergência com os originais ........8161, 195

Prazo

• Prazo – contestação – retirada dos autos de car-tório por advogado sem procuração – ciênciainequívoca – não ocorrência ...................8162, 196

ProPrieDaDe inDustrial

• Propriedade industrial – conflito entre marcas – marcas fracas – possibilidade de convivência ................................................................8163, 196

recurso

• Recurso – agravo regimental – previdência com-plementar – participante desligado – correção monetária ................................................8164, 196

• Recurso – interposição por meio de fac simile – ausência de apresentação da petição original ................................................................8165, 197

regime De visitas

• Regime de visitas – períodos de férias – divisão – possibilidade ..........................................8166, 197

rePresentação Processual

• Representação processual – ausência de instru-mento de procuração ou substabelecimento da advogada – petição enviada eletronicamente – irregularidade de representação ...............8167, 198

resPonsabiliDaDe civil

• Responsabilidade civil – estacionamento de supermercado – arrombamento de automóvel –serviço defeituoso – dever de reparação ..8168, 198

• Responsabilidade civil – instituição financeira – endosso-mandato – protesto indevido – condu-ta negligente – dano moral configurado ...8169, 199

seguro

• Seguro de vida em grupo – renovação por vá-rios anos – rescisão unilateral – descabimento ................................................................8170, 199

• Seguro obrigatório – indenização – despesas médicas – possibilidade ...........................8171, 199

sentença

• Sentença estrangeira contestada – descumpri-mento de contrato – condenação pelo juízo ar-bitral – nulidade – inexistência ...............8172, 200

tutela anteciPaDa

• Tutela antecipada – bloqueio de valores em conta-corrente – determinação judicial – autotu-tela ..........................................................8173, 200

• Tutela antecipada – contrato de conta-corrente – débitos indevidos – ausência de comprovação ................................................................8174, 200

CLIPPING JURÍDICO

• Plano de saúde é condenado a indenizar consu-midores por próteses cardíacas ..........................223

• Cláusula de débito automático não afasta ile-galidade de descontos superiores a 30% do sa-lário ...................................................................223

• Reconhecida aplicabilidade do CDC em con-trato de seguro empresarial ................................224

• Segurado de boa-fé que fez acordo com ter-ceiro sem anuência da seguradora tem direito a reembolso ..........................................................224

• Projeto permite diferença de preço para paga-mento em dinheiro e no cartão ..........................225

• Projeto reduz multa por rescisão antecipada de contrato de locação de imóvel ...........................226