teoria do estado do dallari

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8/2/2019 Teoria Do Estado Do Dallari http://slidepdf.com/reader/full/teoria-do-estado-do-dallari 1/37 (\ ..... ;to.a ~ Saralva R u o H e n r ~ u e 5 .: h ou m o n n , 270, (erqu eiro ~r - 5 fio P ou lo - SP (E P 05413-909 P A B X: (1 1 ) 3 6 13 3 0 00 SAOUR: OBOO055 768B De 2' 0 6' , do s B:30 as 19:30 soroivojm@;Jditorosmoivo.mm.br Acesse: www.smoil.lljur.com.br FILIAIS OOZOIlAS/RONOONIIi/ltORAIMA/ACRE R" (0<10 Azevedo, 56 - C.nlm Foo.: (n) 3633-4227- FlOC (n) 3633~781- Monull> IlAHIIi/SERGIPE R1J, Ilgripioo DOmo, 13- B r oi lI > Fone: (ll) 3 3 8 1 ·5 8 5 4 /33BI·5895 R oc ( 71 ) 3 3 8H ) 95 9 - S o I\ 1l d" B A U RU I SA O P A UL O ) R un MonsenhorO,"" 2 · 55 / 2J , 7 - ("ITo F,no:(H) l 23 4J ,M 3 - Ioi: (14) 3234-7401 -B,," (EARI./PIAUVMARAN HAD A ,. F i lu m . ,o 6 u m e s, 670- J,,,r''''111 fono: (85) m B ·2 31 3 / 3 2 38 -1 3B 4 fox: ( 85 ) 3 2 3B ·l m - f~IflI", D l Sl R IT O f E D ER A l. S I6 aD 3 81 . D· Lol ' 97 - S,lor Indll StOO c.mIico fone: (61) 3344·2920/3344-2951 fOK: (61) 3 3 4 4 ·1 7 09 - Dr([5l1o 601AS/TOCANTINS iii. l,d'll' oOO nci', 5 3 30 - S al ol Aeroporto f oo " 1 61 ) 3 1 l5 -2 8 D 1 / 3 ,m O O ! fOK: (62) 3114·3016-6' iiin~ M A lO G R OS SO D O S U l! M A TO G R OS SO RIJo 14d. Julho, 3 14 0 - (000 I<m,: 1671 3381·3681- Fox: ( 6 7) 3 3 81 - 1) 1 1, - (IIljO Gmnd. MIIlASGERAIS R " o M i m I \J r ~ "b " m- "'goirlm F o oo 1 31 1 3 4 19 -8 3 00 - f o x: ( 31 ) 3 4 19 -1 1 31 0 - B,lo H,rizom. PAR.l/MlAP). T,,,,,,,, Apiilg.. , 186- B n li st , C n m p " f on ': 1 91 J 3222-9034/3124·9038 Fo~ 1 9 1 1 3 2 4 1 . ( ) m - U '~ m PARAHJ./SANTA CATARINA Roo(,,,,,lOOi[1) ,"",do, 1 89 5 - Pmdo V,lh, fon'/Fox: ( 4 1) 3 33 1 ~8 !4 - (",ilioo PERNAMDU(O/PARAIBI/It. G.00 NORTE/AIAGOAS Roo(onOOOld, Bop', 1 B 5- U oo Vi,", fone: IBI) 341H1~6- f<oc (81)3411-4510- Re,l. R IB E IR A O P H E TO {sAo PAULO) A v . F r o! K i s c, J l Il q u .i , u, 1 1 5 5 - C.,1m F u n. : ( 16 ) 3 6 H } 58 ~ 3- f< o c ( 16 ) J 6 H H l 2B 4 - ~boiruu P,,~ R IO O f J A N D R O /l Sp lR IT O S A tl TO R" V i , o on d . " S o n ! . 1 " 0 0 1, 1 1 3 0 1 19 - Vii. Isob.1 f o ne : ( 21 ) 2 5 1 7 ·9 4 9~ - fo x : ( 21 ) 1577-B867/25m565 R io d,Joneko R IO 6 RA 1l DE DO SUl Av.A.J.R"ner,231-f."op" foo.jTOK: ( 51 ) 3 37 1- 40 01 / 3 37 H 46 7 / 3 37 H 56 7 p,rtoAl'!JI' sA o PAULO Av./,Im."., d , S O . V i", IB , 1 69 7 - Bono Fundo F'IIe·rAUX (111 3 6 13 · 30 0 0 - SUo I'ruJlo ISBN 978-85-ll2-llBI45-1 D o d o s I n te l no c io n o is d e [ oI ll lo g o \o o n o P u b lkl l\ fi o ( C IP ) (Cornaro Brasil.iro do lmn, Sp, Brosil) Dollon,animo deAbreu, 1931- E l em o n lo s de Ioorio g o ra l d o E s lo d o ! o lm o d e A b r e u Ilolon. - 29 . ed.- S fi o P o u lo : S o ro iv o , 2010. Bibliogrofio. 1. 0 Esrodo I. Titulo. 09-02132 (00-320.101 indice porn colologo ~ s t em a t l c o : I. Teono geml do Eslodo :Geneio politlrn 320.101 Dire/or e a i /o r i a l An/QniQ ! w z d e T v le d o P in ID Dire/or de praau[iio eaitoriol l u iz R o b e rl o [ufio Edilor J i in o I n s J u n q M i m d e M e l lo Asgslenle eailori.1 Thil!!JOMarcoo de Souzo ProdufOo f tl i lo ri o l ligiu AlvllS Clarissa Brmmbi Maria [01110 f s/ og i ri ri o V i ni [i us A s ev e rlo V i ei m P r e po r a ri io de originais Mario lJldo de O l iv e im Godoy ~aphoelValsa,NunesRodrigues Arlo e aiogfOmllfiio Cr~Hno Aparlldda AguJo de Freitos Claudirelle de Mauro Santos S i lv a R e v i; ii o de provos R im de (jjSSIlI Querroz Gorgon l v en i A . M. Cazarim 5ervims ediloriois K a rl a M a r ia d e A l m e id a C l JS to , eoi/o C rishoo Mnlques An a Paula MOIZllfO C a po A le x an d re A lv e s F o r o d o a l li o r: N e / so n T o l eo o D at a d e f ec ha me nt o d a e d; ~a o: 1 1- 9- 20 09 Duvidas? Acesse www.saraivajur.com.br Nenhum, p,rte des~ pu~icu\iil pod'ili ser,,~,duzk!o pu r quolq"orm'io 00 rormo sem , (lIOV~oulOlizo~iio IJ EdilomS,miYo. hillo"'dos dimilo,ouromi,; (lim, " rO O e ~,; l o '" (, ; n. 9.610/90, I'\fId, p.lo..t;go 1 04 d o [,dig' r.,,1. (Da 20a edicao) Este livro foi escrito em 1971 para servir de texto diddtico de apoi o as aulas, aos seminaries, aos e st udos e as pesquisas n o amb ito da Teoria Geral do Estado e nas areas afins. A gene rosa e continua- da acolhida d os cole gas, possi bili tando agora a 2(y ! e dici io, pe nnit e acreditar que e sse obje tiv o vem sen do c umpri do. Ne sse s an os todos 0 mundo tem passado por profundas trans- formacoes, 0 papel d o Estado f oi e continua se ndo questi on ado, alte - raram-se com maior ou menor amplitude suas formas de organiza- p io e a tu ac ii o. M as p en na ne ce 0 r ec on he ci me nt o da enorme i nf lu en - cia do Estado na vida da humanidade e, cada vez mais, i obje to de preo cupaci io a co ncil iacdo da ef ici tnci a do E st ado c om a p re se rv a- t ;il o d os direi tos fundamentais da pessoa humana. A busca de preser- vaciio da liberdade, que foi um dos fatores de criaciio do chamado Estado Moderno, sucessor do absolutismo, con tinua pre se nte , agora com a consciencia, resultante da experiencia historica, de que niio basta a garantia formal da liberdade onde pessoas, grupos huma- nos, pop ulacoe s nume rosas, sofrem profundas discriminacoes e niio tem possibilidade de acesso ao s beneficios p ro po rc io na do s p el as c ri - aciies da inteligencia humana e pela dindmica da vida social. Por tudo isso, e mais do que antes, 0 conhecimento do Estado e de seu significado, positivo ou negativo, para a preservaciio e pro- mocdo dos direitos fundamentais da pessoa humana, iindispensa- vel. Na busca d es se c on he ci me nt o Ii necessdrio re conhe cer que ne- nhuma teoria tem valor algum se ndo servir para a pratica. A par disso Ii preciso ter em conta que 0 E stado, cri acii o h umana e instru- mento de seres humanos, niio i bom ou mau em si mesmo, mas sera aquilo que forem as pessoas que 0controlarem. Este livro foi inspirado na crenca de que 0 conhecimento i0 caminho para a sabedoria, fonte de justica. Os dados teoricos cons- v

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  • 8/2/2019 Teoria Do Estado Do Dallari

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    (\ ..... ;to.a~ SaralvaR u o H e n r ~ u e 5 .: h ou m o n n , 2 7 0 , ( e r q u ei r o ~ r - 5 fi o P ou lo - S P(E P 0 5 4 1 3 - 9 0 9P A B X: (1 1 ) 3 6 13 3 0 00S A O U R : O B O O 0 55 7 6 8BD e 2' 0 6' , do s B : 3 0 as 1 9 : 3 0s o r o i v o j m @ ; J d i t o r o s m o i v o . m m . b rA c e s s e : w w w . s m o i l . l l j u r . c o m . b rF I L I A I SO O Z O I l A S / R O N O O N I I i / l t O R A I M A / A C R ER " ( 0 < 1 0 A z e v e d o , 56 - C . n l mF o o . : (n) 3 6 3 3 - 4 2 2 7 - F l O C (n) 3 6 3 3 ~ 7 8 1 - M o n u l l >I l A H I I i / S E R G I P ER 1 J , I l g r i p i o o D O m o , 1 3 - B r o i lI >F o n e : (ll) 3 3 8 1 5 8 5 4 / 3 3 B I 5 8 9 5R oc ( 71 ) 3 3 8H ) 95 9 - S o I\ 1l d"B A U RU I SA O P A UL O )R un M o n s e n h o r O , " " 2 55 / 2J , 7 - (" IToF , no : (H ) l 23 4 J ,M 3 - I o i : (14) 3 2 3 4 - 7 4 0 1 - B , ,, "( E A R I . / P I A U V M A R A N H A DA ,. F i lu m . ,o 6 u m e s, 6 7 0 - J , , , r ' ' ' ' 111f o n o : ( 8 5 ) m B 2 31 3 / 3 2 38 -1 3B 4f o x : ( 85 ) 3 2 3B l m - f ~ I f l I " ,D l Sl R IT O f E D ER A l.S I6 aD 3 81 . D L o l' 97 - S , l o r I n d l lS t O O c . m I i c of o n e : (61 ) 3 3 4 4 2 9 2 0 / 3 3 4 4 - 2 9 5 1f O K : (61 ) 3 3 4 4 1 7 09 - D r ( [ 5 l 1 o6 0 1 A S / T O C A N T I N Siii. l , d ' l l 'o O O n c i ' , 5 3 30 - S a l ol A e r o p o r t of oo " 1 61 ) 3 1 l5 -2 8 D 1 / 3 ,m O O !f O K : ( 6 2 ) 3 1 1 4 3 01 6 - 6 'i i i n ~M A lO G R OS SO D O S U l! M A TO G R OS SOR I J o 1 4 d . J u l h o , 3 14 0 - (000I < m , : 1 6 7 1 3 3 8 1 3 6 8 1 - F o x : ( 6 7) 3 3 81 - 1) 1 1, - (II l jO G m n d .M I I l A S G E R A I SR " o M i m I \J r ~ "b "m- " ' g o i r l mF o oo 1 31 1 3 4 19 -8 3 00 - f o x: ( 31 ) 3 4 19 -1 1 31 0 - B , lo H , r iz o m .P A R . l / M l A P ) .T , , , , , , , , A p i i ll g . . , 1 8 6 - B n li st , C n m p "f on ': 1 91 J 3 2 2 2 - 9 0 3 4 / 3 1 2 4 9 0 3 8F o ~ 1 9 1 1 3 2 4 1 . ( ) m - U '~ mP A R A H J . / S A N T A C A T A R I N AR o o ( , , , , ,, l O O i [ 1 ) , " " , d o , 1 89 5 - P m d o V , l h ,f o n ' / F o x : ( 4 1) 3 33 1 ~8 !4 - (",iliooP E R N A M D U ( O / P A R A I B II /I t. G . 0 0 N O R T E / A I A G O A SR o o ( o n O O O l d , B o p ' , 1 B 5 - U oo V i , " ,f o n e : I B I ) 3 4 1 H 1 ~ 6 - f < o c ( 8 1 ) 3 4 1 1 - 4 5 1 0 - R e , l .R IB E IR A O P H E TO { s A o P A U L O )A v . F r o! K i s c, J l Il q u .i , u, 1 1 5 5 - C . , 1 mF u n. : ( 16 ) 3 6 H } 58 ~ 3- f< o c ( 16 ) J 6 H H l 2B 4 - ~ b o i r u u P , , ~R I O O f J A N D R O /l Sp lR IT O S A tl TOR " V i , o on d . " S o n ! . 1 " 0 0 1, 1 1 3 0 1 19 - V i i . I s o b . 1f o ne : ( 21 ) 2 5 1 7 9 4 9~ - fo x : ( 21 ) 1577 - B867 / 2 5m 565R io d , J o n e k oR IO 6 R A 1 l D E D O S U lA v . A . J . R " n e r , 2 3 1 - f . " o p "f o o . j T O K : ( 51 ) 3 37 1- 40 01 / 3 37 H 46 7 / 3 37 H 56 7p , r t o A l ' ! J I 'sA o P A U L OA v . / , I m . " . , d , S O . V i ", IB , 1 69 7 - B o n o F u n d oF ' I I e r A U X ( 1 1 1 3 6 13 30 0 0 - S U o I 'r u J l o

    I S B N 9 7 8 - 8 5 - l l 2 - l l B I 4 5 - 1D o d o s I n te l no c io n o is d e [ oI ll lo g o \o o n o P u b lk l l\ fi o ( C IP )

    ( C o r n a r o B r a s i l .i r o d o l m n , S p , B r o s il )D o l lo n , a n i m o d e A b r eu , 1 9 3 1 -

    E l em o n lo s d e I o o r i o g o ra l d o E s lo d o!o lm o d e A b r e uI l o ll o n . - 29 . e d . - S fi o P o u lo : S o ro iv o , 2 0 1 0 .

    B i b l i o g r o f i o .1. 0 E s r o d o I. T i t u l o .

    0 9 - 0 2 1 3 2 ( 0 0 - 3 2 0 . 1 0 1i n d ic e p o r n c o l o lo g o ~ s t em a t l c o :

    I. T e o no g e m l d o E s lo d o : G e n e i o p o li tl rn 3 2 0 . 1 0 1

    D i r e /o r e a i /o r i a l A n / Q n i Q ! w z d e T v le d o P i n IDD i r e / o r d e p r a a u [ i io e a i t o r i o l l u iz R o b e rl o [ u f i oE d i l o r J i in o I n s J u n q M i m d e M e l loA s g s l e n l e e a i l o r i. 1 T h i l ! ! J O M a r c o o d e S o u zoP r o d u fO o f tl i lo r i o l l i g i u A l v l l S

    C l a r i s s a B r m m b i M a r i a [ 0 1 1 1 0f s/ og i ri ri o V i ni [i us A s ev e r lo V i ei mP r e po r a ri io d e o r i g i n a i s M a r i o l J l d o de O l iv e im G o d o y

    ~ a p h o el V a l s a, N u n e s R o d r ig u e sA r l o e a i o g f O m l l f i i o C r ~ H n o A p a r l ld d a A g u J o de F r e i t o s

    C l a u d i r e l l e de M a u r o S a n to s S i lv aR e v i; ii o d e p r o vo s R im de ( j j S S I l I Q u e r r o z G o r g o n

    l v en i A . M . C a z a r i m5 e r v i m s e d i l o r i o i s K a r l a M a r ia d e A l m e id a C l JS to, e o i / o C r i s h o o M n l q u e s

    An a P a u l a MOIZll fOC a po A le x an d re A lv e sF o r o d o a l li o r: N e / so n T o l eo o

    Data de fechamento da ed;~ao: 11-9-2009D u v i d a s ?

    A c e s s e w w w . s a r a i v a j u r . c o m . b r

    N e n h u m , p , rt e d e s ~ p u ~ i c u \ i i l p o d ' i l i s e r , , ~ , d u z k ! o pu r q u o l q " o r m ' i o 00 r o r m os e m , ( l I O V ~ o u lO l i z o ~ i i o IJ E d i l o m S , m i Y o .h i l l o " ' d o s d i m i lo , o u r o m i , ; ( l im , " rO O e ~, ; l o ' " ( ,; n. 9 . 6 1 0 / 9 0 , I ' \ f I d ,p . l o . . t ; g o 1 04 d o [ , d i g ' r . , , 1 .

    (Da 20a edicao)Este livro foi escrito em 1971 para servir de texto diddtico de

    apoio as aulas, aos seminaries, aos estudos e as pesquisas no ambitoda Teoria Geral do Estado e nas areas afins. A gene rosa e continua-da acolhida dos colegas, possibili tando agora a 2(y ! edici io, pennit eacreditar que esse obje tivo vem sendo cumprido.

    Nesses an os todos 0mundo tem passado por profundas trans-formacoes, 0papel do Estado foi e cont inua sendo question ado, alte -raram-se com maior ou menor amplitude suas formas de organiza-pio e atuaciio. Mas pennanece 0reconhecimento da enorme influen-cia do Estado na vida da humanidade e, cada vez mais, iobje to depreocupaci io a concil iacdo da ef ici tncia do Estado com a preserva-t ;ilodos direi tos fundamentais da pessoa humana. A busca de preser-vaciio da liberdade, que foi um dos fatores de criaciio do chamadoEstado Moderno, sucessor do absolutismo, con tinua presente , agoracom a consciencia, resultante da experiencia historica, de que niiobasta a garantia formal da liberdade onde pessoas, grupos huma-nos, populacoes numerosas, sofrem profundas discriminacoes e niiotem possibil idade de acesso aos beneficios proporcionados pelas cri-aciies da inteligencia humana e pela dindmica da vida social.

    Por tudo isso, e mais do que antes, 0conhecimento do Estado ede seu significado, positivo ou negativo, para a preservaciio e pro-mocdo dos direitos fundamentais da pessoa humana, iindispensa-vel . Na busca desse conhecimento Ii necessdrio reconhecer que ne-nhuma teoria tem valor algum se ndo servir para a pratica. A pardisso Ii preciso ter em conta que 0Estado, criaciio humana e instru-mento de seres humanos, niio ibom ou mau em si mesmo, mas seraaquilo que forem as pessoas que 0controlarem.

    Este livro foi inspirado na crenca de que 0 conhecimento i0caminho para a sabedoria, fonte de justica. Os dados teoricos cons-

    v

    mailto:soroivojm@;Jditorosmoivo.mm.brhttp://www.smoil.lljur.com.br/http://www.saraivajur.com.br/http://www.saraivajur.com.br/http://www.smoil.lljur.com.br/mailto:soroivojm@;Jditorosmoivo.mm.br
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    ORIGEM E FORMA(:AO DO ESTADO23. 0 estudo da origem do Estado implica duas especies de in-dagacao: uma a respeito da epoca do aparecimento do Estado; outrarelativa aos motivos que detenninaram e determinam 0 surgimentodos Estados. Antes de abordarmos esses dois aspectos, porem, e in-dispensavel urn esclarecimento preliminar sobre a nocao de Estadoque tern sido adotada pelas iniimeras correntes teoricas, pois em con-sequencia de diferentes concepcoes, como se vera, resultam conclu-s6es absolutamente diversas.A denominacao Estado (do latim status = estar fume), signifi-cando situacao permanente de convivencia e ligada a sociedade polf-tica, aparece pela primeira vez em "0Principe" de MAQUIAVEL, escri-to em 1513, passando a ser usada pelos italianos sempre ligada aonome de uma cidade independente, como, por exernplo, stato diFirenze. Durante os seculos XVI e XVII a expressao foi sendo admi-tida em escritos franceses, ingleses e alemaes, Na Espanha, ate 0seculo XVIII, aplicava-se tambem a denominacao de estados a gran-des propriedades rurais de domfnio particular, cujos proprietaries ti-nham poder jurisdicional. De qualquer forma, e certo que 0 nome

    Estado, indicando uma sociedade polftica, s6aparece no seculo XVI,e este e urn dos argumentos para alguns autores que n ao admitem aexistencia do Estado antes do seculo XVII. Para e1es, entretanto, suatese nao se reduz a uma questao de nome, sendo mais importante 0argumento de que 0nome Estado so pode ser aplicado com proprie-dade a sociedade politica dotada de certas caracteristicas bern defi-nidas. A maioria dos autores, no entanto, admitindo que a sociedade51

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    ora denominada Estado e , na sua essencia, igual a que existiu ante-riormente, embora com nomes diversos, da essa designacao a todasas sociedades politicas que, com autoridade superior, fixaram as re-gras de convivencia de seus membros.Esclarecido esse aspecto preliminar, podemos agora, com rnaisseguranca, verificar as teorias relacionadas com a origem do Estado.24. Sob 0 ponto de vista da epoca do aparecimento do Estado,as imimeras teorias existentes podem ser reduzidas a tres posicoesfundamentais:a) Para rnuitos autores, 0 Estado, assim como a propria socie-dade, existiu sempre, pois desde que 0 homem vive sobre a Terraacha-se integrado numa organizacao social , dotada de poder e com

    autoridade para detenninar 0 comportamento de todo 0 grupo. Entreos que adotam essa posicao destacam-se EDUARDMEYER,historiadordas sociedades antigas, e WILHELMKOPPERS,tnologo, ambos afir-mando que 0Estado e urn elemento universal na organizacao socialhumana. MEYER define mesmo 0Estado como 0 princfpio organizadore unificador em toda organizacao social da Humanidade, consideran-do-o, por isso, onipresente na sociedade humana'",

    b) Uma segunda ordem de autores admite que a sociedade hu-mana existiu sem 0 Estado durante urn certo periodo. Depois, pormotivos diversos, que serao indicados quando tratarmos das causasque levaram a formacao do Estado, este foi constitufdo para atenderasnecessidades ou as conveniencias dos grupos sociais. Segundo es-ses autores, que, no seu conjunto, representam ampla maioria, naohouve concomitancia na formacao do Estado em diferentes lugares,uma vez que este f01aparecendo de acordo com as condicoes concre-tas de cada Iugar.

    50. EDUARDMEYERexpoe seu pensamento a rcspeito deste assunto em suaHistoria daAntiguidade, publicada entre 1921 e 1925. A sustentacao dessa tese porWILHELM KOPPERS mais recente, constando de seu trabalho L'Origine de ['Eta!,apresentado aoVI Congresso Internacional de Ciencias Antropol6gicas e Etnologicas,rea li zado em Par is , no ana de 1960. Veja-se, a respeito do pensamento desses auto-res, A Formaciio do Estado, de LAWRENCE KRADER, pags, 26 e 167. HERMANN HELLERcondena a amplitude dada por MEYERao conce ito deEs tado, d izendo que , com taoilimitada extensao, 0 conce ito his t6ri co de Estado se desna tura par completo e setoma de impossfvel utilizacao (Teoria del Estado, pag. 145).52

    TII

    c) A terceira posicao e a que ja foi referida: ados autores queso admitem como Estado a sociedade polftica dotada de certas ca-racteristicas muito bern definidas. Just if icando seu ponto de vista ,urn dos adeptos dessa tese, KARLSCHMIDT,diz que 0 conceito deEstado nao e urn conceito geral valido para todos os tempos, mas eurn conceito historico concreto, que surge quando nascem a ideia ea pratica da soberania, 0 que so ocorreu no seculo XVII. Outro de-fensor desse ponto de vista, BALLADOREALLIERI,ndica mesmo,com absoluta precisao, 0 ano do nascimento do Estado, escrevendoque "a data oficial em que 0mundo ocidental se apresenta organi-zado em Estados e a de 1648, ana em que foi assinada a paz deWestfalia">'. Entre os autores brasileiros adeptos dessa teoria saIi-enta-se ATALffiANOGUEIRA,ue, mencionando a pluralidade de au-tonomias existentes no mundo medieval, sobretudo 0 feudalismo,as autonomias comunais e as corporacoes, ressal ta que a luta entreelas foi urn dos principais fatores determinantes da constituicao doEstado, 0 qual, "com todas as suas caracterfst icas, ja se apresentapor ocasiao da paz de Westfalia?".

    25. Ao se estudarem as causas do aparecimento dos Estados epreciso, antes de tudo, lembrar que ha duas questoes diferentes a se-rem tratadas: de urn lado, existe 0 problema da formacao origindriados Estados, partindo de agrupamentos humanos ainda nao integra-dos em qualquer Estado; diferente dessa e a questao da formacao denovos Estados a partir de outros preexistentes, podendo-se designaresta forma como derivada. Como e evidente, nos dias atuais e muito

    5l. GIORGIO BALLADORE PALLIERI, A Doutrina do Estado, voL I, pag, 16. Apaz de Wesrfal ia , que esses autores indicam como 0momento culminante na cria-\!aOdo Estado, e que muitos outros consideram 0ponto de separacao entre 0Esta-do Medieva l e 0Estado Modemo, foi consubstanciada em dois tratados, ass inadosnas c idades west fa li anas de Munster e Onsbruck. Pelos trat ados deWest fa li a, a s-s inados no ana de 1648, foram f ixados os l imit es t er ri tori ai s resul tantes das guer-ras rel ig iosas, princ ipalmente da Guerra dos Trint a Anos, movida pela Franca eseus aliado s con tra a Alemanha. A Franca, governada en tao pelo Rei Luiz XIV,consolidou por aqueles tratados imimeras aquisicoes territoriais, inclusive aAlsacia.A Alemanha, terri torialrnente prejudicada, beneficiou-se, entretanto, como todosos demai s Estados, pelo reconhecimento de I imit es dentro dos qua is t er ia podersoberano,

    52. Joss CARLOS ATALIBA NOGUEIRA, Li

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    pouco provavel que se possa assistir a formacao originaria de urnEstado. Entretanto, com base nos estudos que vern sendo feitos pelaantropologia cultural ha varies seculos, somados aos elementos co-lhidos nos textos literarios mais antigos, e possfvel a formulacao dehipoteses, sendo importante a abordagem desse aspecto, sobretudocomo apoio para as tomadas de posicao relativas a organizacao atualda sociedade, bern como para a orientacao de conjeturas quanta aofuturo do Estado. Como bern adverte DELVECCHIO,observacao atu-al de urn grupo social ern estagio primitivo, sem diivida muito ii ti l,deve ser efetuada corn uma prudente reserva, pois 6bern possfvel queo grupo observado seja decadente, nao revelando 0 verdadeiro esta-gio priniit ivo. Mas, de qualquer forma, sempre sera urn elemento amais para a obtencao de conclusoes, sendo, por isso, muito impor-tante a contribuicao dos etnologos e antropologos.

    Examinando-se as principais teorias que procuram explicar aformacao origindria do Estado, chega-se a uma primeira classifica-C;ao,corn dois grandes grupos, a saber:a) Teorias que afumam a formacao natural ou espontanea doEstado, nao havendo entre elas uma coincidencia quanta a causa,mas tendo todas ern comum a afirmacao de que 0Estado se formounaturalmente, nao por urn ato puramente voluntario,b) Teorias que sustentam a formacao contratual dos Estados,apresentando em comum, apesar de tambem divergirem entre si quantaascausas, a crenca em que foi a vontade de alguns homens, ou entaode todos os homens, que levou a criacao do Estado. De maneira ge-ral, os adeptos da formacao contratual da sociedade 6 que defendema tese da criacao contratualista do Estado.No tocante as causas determinantes do aparecimento doEstado,as teorias nao-contratualistas mais expressivas podem ser agrupadasda seguinte maneira:Origem familial ou patriarcal. Estas teorias situam 0 micleosocial fundamental na familia. Segundo essa explicacao, defendidaprincipalmente por ROBERTILMER,ada familia prirnitiva se ampliou

    e deu origem a urn Estado.Origem em atos de forca, de violencia ou de conquista. Compequenas variantes, essas teorias sustentam, ern sfntese, que a superi-oridade de forca de urn grupo social permitiu-lhe submeter urn grupomais fraco, nascendo 0Estado dessa conjuncao de dominantes e do-rninados. Entre os adeptos dessa teoria situa-se OPPENHEIMER,ue,afirmando ter sido criado 0Estado para regular asrelacoes entre ven-

    T

    54

    cedores e vencidos, acrescenta que essa dominacao teve por finalida-de a exploracao economica do grupo vencido pelo vencedor".Origem em causas economicas ou patrimoniais, Hi quem pre-tenda que essa tenha sido a origem indicada por PLATAo,uando nos"Dialogos", no LiVToII de "A Republica", assim se expressa: "UrnEstado nasce das necessidades dos homens; ninguern basta a si mes-mo, mas todos n6s precis amos de muitas coisas". E logo depois:" . .. como temos muitas necessidades e fazem-se mister numerosas

    pessoas para supri-las, cada urn vai recorrendo a ajuda deste para talf im e daquele para tal outro; e, quando esses associados e auxil iaresse rerinem todos numa s6habitacao, 0conjunto dos habitantes recebeo nome de cidade ou Estado". Dessa forma, 0Estado teria sido formadopara se aproveitarem os beneficios da divisao do trabalho, integran-do-se as diferentes atividades profissionais, caracterizando-se, assirn,o motivo economico. Nessa mesma ordem de ideias coloca-se HELLER,dizendo que a posse da terra gerou 0 poder e a propriedade gerou 0Estado, e PREUSS,sustentando que a caracterfstica fundamental doEstado 6 a soberania territorial.Mas, entre as teorias que sustentam a origem do Estado parmotivos econornicos, a de maior repercussao pratica foi e continuasendo a de MARXe ENGELS.Essa opiniao de ambos vern muito clara-mente exposta por ENGELSnuma de suas principais obras, "A Ori-gem da Familia, da Propriedade Privada e do Estado". Alem de ne-gar que 0Estado tenha nascido com a sociedade, ENGELSfirma queele "6 antes urn produto da sociedade, quando ela chega a determi-nado grau de desenvolvimento". Num capitulo em que trata da gensgrega, depois de se referir a deterioracao da convivencia harmonica,tendo como causas a acumulacao e a diferenciacao das riquezas, eoutros males conseqtientes, chega a seguinte conclusao: "Faltavaapenas uma coisa: uma inst ituicao que nao so assegurasse as novasriquezas individuais contra as tradicoes comunistas da constituicaogentf lica; que nao so consagrasse a propriedade privada, antes taopouco estimada, e fizesse dessa consagracao santificadora 0objeti-

    vo mais elevado da comunidade humana, mas tambem imprimisse 0selo geral do reconhecimento da sociedade as novas formas de aqui-sicao da propriedade, que se desenvolviam umas sobre as outras -a acumulacao, portanto, cada vez mais acelerada das riquezas: uma

    53. FRANZ OPPENHEIMER, The State, pag, 6. Posi..ao muito semelhante e susten-tada por LUDWIG GUMPLQW1CZ, nos Precis de Sociologie.

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    instituicao que, em uma palavra, nao so perpetuasse a nascente divi-sao da sociedade em classes, mas tambem 0 direito de a classe pos-suidora explorar a nao-possuidora e 0 dominio da primeira sobre asegunda. E essa instituicao nasceu. Inventou-se 0Estado'?'.A crenca nessa origem ternreflexo imediato em dois pontos funda-mentais dateoriamarxista do Estado: a qualificacaodestecomo urninstru-mento da burguesia para exploracao do proletariado e a afirmacao de que,nao tendo existido nos primeiros tempos da sociedade hurnana, 0Estado

    podera ser extinto no futuro, uma vez que foi uma criacao puramente arti-ficialpara satisfacao dos interesses de uma pequena minoria.Origem no desenvolvimento interno da sociedade. De acordocom estas teorias, cujo principal representante e ROBERT LOWIE, 0 Es-tado e urn germe, uma potencialidade, em todas as sociedades huma-nas, as quais, todavia, prescindem dele enquanto se mantem simplese pouco desenvolvidas. Mas aquelas sociedades que atingem maiorgrau de desenvolvimento e alcancam uma forma complexa tern abso-luta necessidade do Estado, e entao ele seconstitui. Nao M, portanto,a influencia de fatores externos a sociedade, inclusive de interessesde individuos ou de grupos, mas e 0proprio desenvolvimento espon-taneo da sociedade que da origem ao Estado.Ai estao, em resumo, as principais teorias que procuram expli-car a formacao originaria dos Estados.26. A criacao de Estados por formacao derivada, isto e , a partirde Estados preexistentes, e 0processo mais comum atualmente, ha-venda par tal motivo urn interesse pratico bern maior nesse estudo,bern como a possibilidade de presenciarmos a ocorrencia de muitosfen6menos ilustrativos da teoria.Ha dois processos tipicos opostos, ambos igualmente usados naatualidade, que dao origem a novos Estados: 0Jracionamento e auniiio de Estados. Tem-se 0fracionamento quando uma parte do ter-ritorio de um Estado se desmembra e passa a constituir um novoEstado. Poi este 0processo seguido para que os territorio~ coloniais,ainda existentes no seculo XX, na maioria localizados naAfrica, pas-sassem a condicao de unidades independentes e adquirissem 0 esta-tuto de Estados. Ate 0 f inal da II Guerra Mundial ainda havia 0 re-

    54 . FRIEDRICH ENGELS, A Origem da Fami lia, da Propr iedade Pr ivoda e doEstado, pigs. 102 e 160.56

    T conhecimento oficial da existencia de colonias e os Estados que aspossuiam discriminavam entre territ6rio metropolitano e colonial.Estes eram considerados uma especie de reserva patr imonial, mas,de qualquer forma, estavam incorporados ao Estado, a cuja soberaniase sujeitavam. Assim, pois, pode-se dizer que, com a conquista daindependencia, por via pacifica ou violenta, ocorreu 0desmembramento e a conseqiiente criacao de novos Estados por for-macao derivada.

    Outro fen6meno, este menos comum, e a separacao de uma par-te do territ6rio de urn Estado, embora integrado sem nenhuma discri-minacao legal, para constituir urn novo Estado, 0 que ocorre quasesempre por meios violentos, quando urn movimento armado separa-tista e bern sucedido, podendo ocorrer tambem, embora seja rara ahip6tese, por via pacifica".Em todos esses casos, 0Estado que teve seu territorio diminuidopelo fracionamento continua a existir, s6 se alterando a extensaoterritorial e 0mimero de componentes do povo, uma vez que uma par-

    cela deste sempre se integra no Estado recem-constitufdo, E a partedesmembrada, que passou a constituir urn novo Estado, adquire umaordenacao jurfdica pr6pria, passando a agir com independencia, inclu-sive no seu relacionamento com 0Estado do qual se desligou.o outro processo tipico de constituicao de novos Estados porformacao derivada e a unido de Estados, quando esta implica a ado-c;ao de uma Constituicao comum, desaparecendo os Estadospreexistentes que aderiram a Uniao, Neste caso, dois ou mais Esta-dos resolvem unir-se, para compor urn novo Estado, perdendo suacondicao de Estados a partir do momenta em que se completar auniao e integrando-se, a partir dai, no Estado resuItante. Todos oscomponentes desaparecem como Estados, surgindo em seu Iugar umanova entidade, que absorve todas as caracterist icas de Estado quepertenciam aqueles que seuniram para forma-lo. A formacao de Esta-

    55. Exemplo tfpico de fracionamento pacffico foi 0que ocorreu com Cingapura,no ano de 1965. Estando integrada a Federacao da Malasia, esta consentiu na inde-pendencia de Cingapura, que passou a const ituir urn novo Estado.

    Os casos da antiga Uniao Sovietica e da ex-Iugoslavia sao diferentes. Em am-bos nao ocorreu 0 fracionamento, com a permanencia do Estado federal preexistente.Nesses dois casos houve a dissolucao da uniao federat iva, deixando de exist ir 0 an-t igo Estado federal , ou seja, nao existem mais a Uniao Sovietica nem a Jugoslavia.

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    ..,

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    dos, tendo como origem uma uniao de outros preexistentes, tern sidomais comum atraves da constituicao defederacoes, preferindo-se estaforma porque, nao obstante submeter todos os componentes a urnpoder central tinico, bern como a uma Constituicao comum, permitea preservacao de autonomias locais e das caracteristicas s6cio-cultu-rais de cada componente da federacao. Nada impede, porem, quealguns Estados resolvam unir-se para compor urn novo Estado, pre-ferindo dar a este uma organizacao unitaria, nao-federal. 0 que ecaracterfstico no processo de constituicao de urn Estado pela uniaode Estados preexistentes e que estes ultimos perdem a condicao deEstados no momento em que se concret iza a uniao,Por ultimo, alem dos processos tipicos aqui referidos, e precisolembrar que, vez ou outra, por rnotivos excepcionais, pode-se dar a

    criacao de novos Estados porformas atipicas, nao-usuais e absoluta-mente imprevisiveis. Assim, por exemplo, depois de grandes guerrasas potencias vencedoras, visando a assegurar 0enfraquecimento per-manente dos pafses vencidos, ou procurando ampliar 0 seu proprioterritorio, procedem a uma alteracao dos quadros politicos, nao raropromovendo a criacao de novos Estados, em partes de terr itorio deurn ou mais dos vencidos. Urn fen6rneno atfpico ocorrido no seculoXX foi a criacao de dois Estados alemaes - a Republica Democrati-caAlema e a Republica Federal Alema -, em lugar do iinico Estadoalemao existente antes da II Guerra Mundial. Terminada a guerra, em1945, a Alemanha vencida tinha seu territorio ocupado pelos vence-dores, a Uniao Sovietica, no lado oriental, e os Estados capitalistas,no lado ocidentaL No ano de 1949 a situacao de ocupacao foi substi-tuida pela criacao de dois novos Estados, a Republica DemocraticaAlerna e a Republica Federal daAlemanha", 0que perdurou ate 1989,

    56. F en om en o dife re nte fo i 0 que o co rre u com a C hin a. T an to a Re publicaPo pular da C hin a ( Chin a C on tin en tal) quan ta a C hin a N acio nalista (F orm osa) pre -tendiam 0 re co nh ec im en to d e qu e r ep re se ntav arn le gitim am en te 0 E st ad o c hi ne s,membro perrn an e n te do Con se lho de Seguran ca da ONU. E esta, por de cisao daA sse mble ia Ge ral, em 26 de o utubro de 1 971 , de cidiu recon hece r 0 go ve rn o daC hin a C on tin en tal c om o 0legftimo re pre se ntan te do E sta do . E a e xp ulsa o do s re pre -s en tan te s d e F o rm osa sig nific ou a pe na s q ue e le s fo ram c on sid era do s ile gitim os pa rafalar em n ome da C hin a, jam ais se ten do m en cio nado , e ntre tan to , a existen cia ded ai s E st ad o s c hi n es es . Isto po de ra vir a o co rre r se o s chin ese s de F orm osa quise re madotar 0 estatuto de Estado in de pe nden te , pode ndo me sm o pe dir seu in gre sso n aONU . Ne ste caso te remos uma hip6 te se de criacao de urn n ovo Estado parfracionamento.

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    T quando ocorreu a reunificacao daAlemanha, desaparecendo a Repu-blica Democratica e ressurgindo urn unico Estado. Como exemplosde ocorrencias atfpicas poderiam ser lembrados tambem 0Estado daCidade do Vaticano e 0Estado de Israel.27. Af estao os processos que dao origem a criacao de novosEstados. Quanto ao momento em que se considera criado urn novoEstado, nao hoiuma regra uniforme. Evidentemente, a maneira mais

    definida de se afirmar a criacao e 0 reconhecimento pelos demaisEstados. Todavia, 0 reconhecimento nao e indispensavel, sendo maisimportante que 0 novo Estado, apresentando todas as caracteristicasque sao comuns aos Estados, tenha viabilidade, conseguindo agir comindependencia e manter, internamente, uma ordem juridica eficaz.

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    EVOLUC;AO mSTORICA DO ESTADO28. A verificacao da evolucao bist6rica do Estado significa afixacao das form as fundamentais que 0Estado tern adotado atravesdos seculos. Esse estudo nao visa a satisfacao de mera curiosidadeem relacao a evolucao, mas contribuira para a busca de uma tipificacaodo Estado, bern como para a descoberta de movimentos constantes,dando urn apoio valioso, em ultima analise, a formulacao das proba-bilidades quanta a evolucao futura do Estado. Como foi muito bernressaltado por ADERSONDEMENEZES,os tipos estatais nao tern urncurso uniforme, muitas vezes exercendo influencia em perfodos des-continuos. Nao se pode, assim, dispor cronologicamente, em ordem

    sucessiva apoiada na Hist6ria, os exemplares de Estado que tenhamrealmente existido uns ap6s os outros", Habitualmente, para efeitosdidaticos, faz-se a diferenciacao entre diversas epocas da historia daHumanidade, em sucessao cronol6gica, evidenciando as caracterfs-t icas do Estado em cada epoca, Isso, entretanto, deve ser feito paramelhor compreensao do Estado contemporaneo, servindo ainda comourn processo auxiliar para uma futura fixacao de tipos de Estados.Sera realmente possfvel, com objetividade, 0estabelecimento detipos de Estados? Essa possibilidade foi demonstrada por JELLINEK,ons-tituindo, alias, uma de suas principais contribuicoes para a Teoria Ge-ral do Estado. Seu ponto de partida e que todo fato hist6rico, todofen6meno social oferecern, alem de sua semelhanca com outros, urn

    elemento individual que os diferencia dos demais, por mais analogosque sejam. Dentro da variedade das coisas human asha algo de perma-nente e independente das particularidades individuais, Por metodoscientificos e possfvel isolar, sem perder a nocao de unidade e continui-

    57. ADERSON DE MENEzEs, Teoria Geral do Estado, pags, 105 e 106.60

    r dade, certos ~en6meno~ sociais ou ainda alguns de seus aspectos parti-~ul~s. Mediante ~sseisolamento consegue-se excluir grande parte domdivldl.tale, relacionando-se 0particular com 0 geral, faz-se ressaltareste ult imo. Por esse mesmo cri terio, pode-se procurar , de inicio, 0conhecimento dos Estados particulares, descrevendo suas singularida-des, tanto por seus aspectos historico-politicos, quanta pelos juridicos.Mas urn Estado particular nao e, em qualquer sentido, um fen6menoisolado, mas, de maneira mais ou menos consciente, influfram sobreele asrelacoes atuais e preteritas dos demais Estados, ou seja, a evolucaototal das instituicoes dos Estados. E 0problema de uma teoria geral doEstado consiste, justamente, em buscar os elementos tfpicos nos feno-menos do Estado e asrelacoes em que seencontram.

    A respeito da nocao de tipos, JELLINEKbastante explicito, di-zendo que 0 conceito de tipo sepode compreender com 0 sentido deser a expressiio da mais perfeita essencia do genero. Pode-se procu-rar urn tipo ideal, com valor essencialmente teleologico, significan-do a busca do melhor dos tipos, bern como 0estabelecimento de urnpadrao, para medir 0 valor das instituicoes existentes num determi-nado momento. Ostipos ideais podem ser 0produto da livre especu-lacao, como as utopias, ou podem consistir numa sintese de aspec-tos colhidos no plano da realidade, pelo exame dos Estados que ternou tiveram existencia real. Bern diferentes sao os tipos empiricos, aque se pode chegar tomando urn certo mimero de casos individuais,comparando-os sob certo ponto de vista, em algo que e comum atodos eles, obtendo-se urna imagem tipica, 0 tipo empfrico signifi-ca, tao-so, a unificacao de notas entre os fenomenos, unificacao quedepende do ponto de vista em que se coloque 0 investigador. A basede toda a tipologia e que situacoes sociais analogas, analogo desen-volvimento hist6rico e condicoes exteriores analogas produzem ana-logas formacoes polfticas". Nao nos parece adequado, neste momen-

    58. GEORG JELLlNEK, Teoria General del Estado, pags. 22 a 30. Em 0 Direitocomo Experiencia, MIGUEL REALE propoe a aplicacao da teoria dos modelos ao cam-po do Direi to, esclarecendo que "a compreensao da experiencia jurfdica em termosde modelos e de uma estrutura normativa que ordena Jatos segundo va/ores, numaqualificaciio tipol6gica de comportamentos futuros, a que se ligam determinadasconseqiiencias" (Ensaio VII, pag, 162). Essa qualificacao tipologica, se puder serconseguida, interessara fundamentalmente it Teoria Gerat do Estado. Nao sera facilchegar a eta, mas a simples tentativa ja t rara benefieios, sendo provavel que dentrode alguns anos ja existam conclusoes nesse sentido.

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    to, procurar-se a fixacao de tipos de Estado, mas vamos colher oselementos necessaries para que mais tarde isso seja feito.Procuremos, pois, fixar as caracterfsticas fundamentais do Es-tado, em suas formas mais diferencadas, como uma preparacao paraconhecermos melhor 0presente e conjeturarmos com mais seguran-ca sobre 0 futuro do Estado.29. Com pequenas variacoes, os autores que trataram deste as-

    su~to adotaram uma sequencia cronol6gica, compreendendo as se-gumtes fases: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, EstadoMedieval e Estado Modemo. Facamos, primeiramente, 0 estudo se-gundo essa diretriz, tratando, em seguida, de outras orientacoes queapontam novas perspectivas para exame do tema.

    ESTADO ANTIGOCom a designacao deEstado Antigo, Oriental ou Teocrdtico, osautores se referem as form.as de Estado mais recuadas no tempo, queapenas comecavarn a definir-se entre as antigas civilizacoes do Orien-

    te propriamente ~i.to ou d? ~editerraneo. Conforme a observacaode GETTEL,a familia, a religiao, 0Estado, a organizacao economicafo~~v~ ~ conju~to.confuso, sem diferenciacao aparente. Em con-sequencia, nao ~e distingue 0 pensamento poli tico da religiao, damoral, da filosofia ou das doutrinas cconomicas",

    H a, entretanto, duas marcas fundamentais, caracterfsticas doE~tad~ desseperiodo: a natureza unitdria e a religiosidade. Quanto apn.meua, venfica-se que 0Estado Antigo sempre aparece como umaurudade geral, nao admitindo qualquer divisao interior, nem territorialnem de funcoes, A ideia da natureza unitaria e permanente, persistin-do durante tod~ ~evolu5a_?politica daAntiguidade. Quanto a presen-ca do fator religiose, e tao marcante que muitos autores entendemque 0 Estado desse perfodo pode ser qualificado como EstadoTeoc~dtico. A influencia predominante foi religiosa, afirmando-se aautondade ? O S governantes e as normas de comportarnento indivi-dual e coletivo como expressoes da vontade de urn poder divino. Essa

    59. RAYMONDG. GElTEL,Historia de las Ideas Politicas, vol. I, pags, 61 esegs,

    62

    r teocracid" significa, de maneira geral, que ha uma estreita relacaoentre 0Estado e a divindade, podendo-se, entretanto, apontar a exis-tencia de duas formas diferentes, conforme a dist incao muito bernlembrada por JELLINEK:) em certos casos, 0 governo e unipessoal eo govemante e considerado urn representante do poder divino, con-fundindo-se, as vezes, com a propria divindade. A vontade dogovemante e sempre seme1hante ada divindade, dando-se ao Estadourn carater de objeto, submetido a urn poder estranho e superior a ele;b) em outros casos, 0poder do governante e limitado pela vontade dadivindade, cujo vefculo, porern, e urn orgao especial: a classe sacer-dotal. Ha uma convivencia de dois poderes, urn humano e urn divino,variando a influencia deste, segundo circunstancias de tempo e Iu-gar",ESTADO GREGO

    Ernbora seja comum a referencia ao Estado Grego, na verdadenao se tern noticia da existencia de urn Estado unico, englobandotoda a civilizacao h e le n i ca , N a o obstante, pode-se falar genericamenteno Estado Grego pela verificacao de certas caracteristicas fundamen-tais, comuns a todos os Estados que floresceram entre os povoshelenicos, Realmente, embora houvesse diferencas profundas entreos costumes adotados emAtenas e Esparta, dois dos principais Esta-dos gregos, a concepcao de ambos como sociedade polit ic a era bernsemelhante, 0 que permite a generalizacao, A caracterfstica funda-mental e a cidade-Estado, ou seja, a polis, como a sociedade politieade maior expressao, 0 ideal visado era a auto-suficiencia, a autarquia,dizendo ARISTOTELESue "a sociedade constituida por diversos pe-

    60. A palavra teocracia foi criada pelo historiador Josephus, segundo JELLlNEK(Teoria General del Estado, pag, 217). Trata-se de Flavius Josephus, his toriadorjudeu que viveu ent re osanos 37e 100 daera c ris ta , t endo chegado a as sumi r a pos tade general e obtendo grande influencia na Judeia. Josephus teve atuacao muito im-por tante como intermediar io ent re romanos e judeus, t endo, no f inal de sua vida,ap6s a queda de Jerusalem no ana 70, adotado a c idadania romana, v ivendo emRoma e recebendo uma pen sao do Estado. Sua princ ipal obra, Antiguidade dos Ju-deus, de carat er h ist6r ico, e urn repos it6rio de informacoea sobre a vida do povojudeu desde a criacao do mundo, encontrando-se ai as referencias it organizacao e itvida de outros povos antigos .

    61. GEORG JELLlNEK,eoria General del Estado, pags, 216 a 219.

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    quenos burgos forma uma cidade completa, com todos os meios dese abastecer por si, tendo atingido, por assim dizer, 0 fim a que sepropos'?". Essa nocao de auto-suficiencia teve muita importancia napreservacao do carater de cidade-Estado, fazendo com que, mesmoquando esses Estados efetuaram conquistas e dominaram outros po-vos, nao se efetivasse expansao territorial e nao se procurasse aintegracao de vencedores e vencidos numa ordem comum.

    No Estado Grego 0 indivfduo tern uma posicao peculiar. Hi umaelite, que compoe a classe politic a, com intensa participacao nas de-cisoes do Estado, a respeito dos assuntos de carater publico. Entre-tanto, nas relacoes de carater privado a autonomia da vontade indivi-dual e bastante restr ita. Assim, pois, mesmo quando 0 governo eratido como democratico, isto significava que uma faixa restrita da po-pulacao - os cidadaos - e que part icipava das decisoes polit icas, 0que tambem influiu para a manutencao das caracteristicas de cidade-Estado, pois a ampliacao excessiva tomaria inviavel a manutencaodo controle por urn pequeno mimero,

    ESTADO ROMANOPode parecer pOI demais artificial falar-se num Estado Romanocomo coisa bern caracterizada e uniforme, sabendo-se que e1e teve

    infcio com urn pequeno agrupamento humano, experimentou variasformas de govemo, expandiu seu domfnio por uma grande extensaodomundo, atingindo povos de costumes e organizacoes absolutamentedfspares, chegando a aspiracao de constituir urn imperio mundial.

    Apesar do longo tempo decorrido e do extraordinario vulto dasconquistas, Roma sempre manteve as caracterfsticas basicas de cida-de-Estado, desde sua fundacao, em 754 a.c., ate a motte deJustiniano,em 565 da era crista. 0 dominio sobre uma grande extensao territoriale sobretudo 0 cristianismo iriam determinar a superacao da cidade-Estado, promovendo 0 advento de novas formas de sociedade politi-ca, englobadas no conceito de Estado Medieval.

    Urna das peculiaridades mais import antes do Estado Romanoe a base familiar da organizacao, havendo mesmo quem sustente

    62. ARISTOrELES, A Politica, I , 8.64

    r que 0primitivo Estado, a civitas, resultou da uniao de grupos fami-liares (as gens), razao pela qual sempre se concederam privilegiosespeciais aos membros das famflias patrfcias, compostas pelos des-cendentes dos fundadores do Estado. Assim como no Estado Gre-go, tambem no Estado Romano, durante muitos seculos, 0 povopart icipava diretamente do governo, mas a nocao depovo era muitorestr ita, compreendendo apenas uma faixa estrei ta da populacao,Como govemantes supremos havia os magistrados, sendo certo quedurante muito tempo as principais magistraturas foram reservadasas fanulias patncias,Gradativamente, em Ionga e lenta evolucao, outras camadassociais foram adquir indo e ampliando direi tos, sem que, ate 0 final,desaparecessem a base familiar e a ascendencia de uma nobrezatradicional. A par disso, verifica-se que so nos iiltimos tempos, quan-do ja despontava a ideia de Imperio, que seria uma das marc as doEstado Medieval , foi que Roma pretendeu realizar a integracao ju-ridica dos povos conquistados, mas, mesmo assim, procurandomanter urn solido micleo de poder polit ico, que assegurasse a uni-

    dade e a ascendencia da Cidade de Roma. Note-se que, ainda que setratasse de urn plebeu romano, quando este ja conquistara amplosdireitos, teria situacao superior a de qualquer membro dos povosconquistados. Isto durou ate 0 ana de 212, quando 0 ImperadorCaracala concedeu a naturalizacao a todos os povos do Imperio.Nurna sfntese muito feliz, GERALDODEULHOA CINTRAaz a seguinteobservacao: "0 objetivo do edito de Caracala foi politico, a unifica-

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    ESTADO MEDIEVAL

    ,

    Muita coisa ja foi escri ta sobre a Idade Media, classificada poralguns como a noite negra da hist6ria da Humanidade e glorificadapor outros como urn extraordinario periodo de criacao, que preparouos instrumentos e abriu os caminhos para que 0mundo atingisse averdadeira nocao do universal. No plano do Estado nao ha diivida deque se (rata de urn dos periodos mais diffceis, tremendamente insta-vel e heterogeneo, nao sendo tarefa das mais simples a busca dascaracteristicas de urn Estado Medieval. Nao obstante, e possivel es-tabelecer a configuracao e os principios informativos das sociedadespoli ticas que, integrando novos fatores, quebraram a rigida e berndefinida organizacao romana, revelando novas possibilidades e no-vas aspiracoes, culminando no Estado Moderno.

    Para efeitos puramente didaticos, sem perda da consciencia deque os fatores de influencia atuaram concomitantemente, numainteracao continua, podem-se indicar e analisar separadamente osprincipais elementos que se fizeram presentes na sociedade polfticamedieval, conjugando-se para a caracterizacao do Estado Medieval,que foram 0 cristianismo, as invasiies dos barbaros e 0feudalismo.Desde logo, entretanto, e preciso ressaltar que, mesmo onde e quan-do as formacoes politicas revel am urn intenso fracionamento do po-der e uma nebulosa nocao de autoridade, esta presente uma aspiracaoa unidade. Pode-se mesmo dizer que, quanta maior era a fraquezarevelada, mais acentuado se tornava 0 desejo de unidade e de forca,pretendendo-se caminhar para uma grande unidade polit ic a, que ti-vesse urn poder eficaz como 0 de Roma e que, ao mesmo tempo,fosse livre da influencia de fatores tradicionais, aceitando 0 indivf-duo como urn valor em si mesmo.o cristianismo vai ser a base da aspiracao a universalidade. Su-perando a ideia de que os homens valiam diferentemente, de acordocorn a origem de cada urn, faz-se uma afirmacao de igualdade, consi-derando-se como ternporariamente desgarrados os que ainda nao fos-sem cristaos, Afirma-se desde logo a unidade daIgreja, num momen-to em que nao se via claramente uma unidade poli tica. Motivos rel i-giosos e pragmaticos levaram a conclusao de que todos os cristaosdeveriam ser integrados numa s6 sociedade polftica. E, como havia aaspiracao a que toda a Humanidade se tomasse crista, era inevitavelque se chegasse a ideia do Estado universal , que inclufsse todos ashomens, guiados pelos mesmos principios e adotando as mesmasnormas de comportamento publico e particular.66

    r--IA pr6pria Igreja vai estimular a afirrnacao do Imperio comounidade politica, pensando, obviamente, no Imperio da Cristandade.Com esse intuito e que 0 Papa Leao III confere a Carlos Magno, noano de 800,0 titulo de Imperador. Entretanto, dois fatores de pertur-bacao ir iarn influir nesses planos: em primeiro lugar, uma infinitamultiplicidade de centros de poder, como os reinos, os senhorios, ascomunas, as organizacoes religiosas, as corporacoes de oficios, to-dos ciosos de sua autoridade e sua independencia, jamais se subme-tendo, de fato, a autoridade do Imperador; em segundo lugar, 0pro-prio Imperador recusando submeter -se a autoridade da Igreja, haven-do imperadores que pretenderam influir em assuntos eclesiasticos,bern como iruimeros papas que pretenderam 0 eomando, nao s6 dosassuntos de ordem espir itual , mas tambem de todos os assuntos deordem temporal. Assim, pois, formalmente, a unidade polftica supe-rior e 0 Imperio, sem que haja, na pratica, uma autoridade e umaordem correspondentes. A Iuta entre 0Papa e 0 Imperador, que mar-caria os iiltimos seculos da Idade Media, s6vai terminar com 0 nasci-mento do Estado Modemo, quando se afirma a supremacia absolutados monareas na ordem temporals'.

    64. Ha doi s fatos histor icos que sao bem i lust ra tivos des sa polernica , e querevelam 0 sentido em que ela evoluiu. 0 primeiro fato se passa no seculo XI.Henrique IV, Imperadar da Alemanha, nomeou feudalistas ecles iast icos para bis-pados a lemaes , sendo tais nomeacoes dec la radas nulas pelo Papa Gregor io VII . 0lmperador , inconformado e ofendido, convocou uma reuniao de todos os bisposalernaes, visando it deposi' tao do Sumo Pontffice, Este, inteirado daquela iniciat i-v a, publicou urn ato de excomunhao e determinou que nenhum Estado cristaereconhecesse mais Henrique IV como Irnperador, no que foi obedecido. Impoten-te para reagir ou resis ti r, 0Imperador nao teve out ra safda , e , no dia 27 de janei rodo ana de 1077, fez a famosa peregrinacao a Canossa, nos Alpes i talianos , vestidode bur il e com os pes nus, e sperando a joelhado na neve que 0Papa !he concedesseo perdao,o s egundo fato se pas sa no seculo XlV. Reinando na Franca F il ipe, 0Belo,teve diversus desavencas com 0Papa Bonifacio VITI.De urn lado, 0Rei era acusadode cobrar impostos excessivos sobre os bens da Igreja na Franca, Acerbamente cri ti -cado pelo Papa, Fil ipe, par sua vez, proibiu que safsse dinheiro daFranca para Romae sofreu ameaca de excornunhao, As relacoes eram extrernamente tensas quando,em 1301, urn bispo f rances Ioi acusado de conspirar a favor da Ingla te rra, s endopreso . 0 Papa Bonifac io VII I, nao ac redi tando na acusacao, pre tendeu que 0bispofosse enviado a Roma para julgamento, condenando publicamente 0ato do rnonarcafrances . Mas a situacao ja era, entao, bern diversa daquela do seculo Xl. Fil ipe retru-cou violentamente, acusando 0Papa de interferencia em assuntos de ordem tempo-ral e chegando mesmo a pre tender que se rea li zasse urn concf lio para depo- lo . De-

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    As invasiies dos bdrbaros, inic iadas ja no seculo ille reiteradasate 0 seculo VI, representadas por incurs6es de hordas armadas pelote rritorio do Imperio Romano, consti tufram urn fa tor de grave pertu r-bacao e de profundas transformacoes na ordem estabelecida. Oriundosde varias partes da Europa, sobretudo do norte, os povos que os roma-nos denominavam barbaros e que inclufam gennanos, eslavos, godosetc ., introduz iram novos costumes e est imularam as pr6prias regioesinvadidas a se afinnarem como unidades pol fti cas independentes, dafresultando 0 aparec imento de numerosos Estados. Ao mesmo tempo ,nao obstante a a

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    Conjugados os tres fatores que acabamos de analisar, 0 cristia-nismo, a invasao dos barbaros e 0 feudalismo, resulta a caracteriza-gao do Estado Medieval, mais como aspiracao do que como realida-de: urn poder superior, exercido pelo Imperador, com uma infini tapluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; umaincontavel multiplicidade de ordens juridicas, compreendendo a or-dem imperial, a ordem eclesiastica, 0direito das monarquias inferio-res, urn direito comunal que se desenvolveu extraordinariamente, asordenacoes dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Mediapelas corporacoes de offcios, Esse quadro, como e facil de compreen-der, era causa e consequencia de uma permanente instabilidadepolft ica, economica e social , gerando uma intensa necessidade deordem e de autoridade, que seria 0 germe de criacao do EstadoModerno.

    ESTADO MODERNOAs deficiencias da sociedade politic a medieval determinaram ascaracteristicas fundamentais do Estado Moderno. A aspiracao a anti-ga unidade do Estado Romano, jamais conseguida pelo Estado Me-

    dieval, iria crescer de intensidade em consequencia da nova distribui-~ao da terra. Com efeito, 0 sistema feudal, compreendendo uma es-trutura economics e social de pequenos produtores individuais, cons-titufda de unidades familiares voltadas para a producao de subsisten-cia, ampliou 0mimero de proprietaries, tanto dos latifundiarios quantados que adquiriram 0 dominio de areas menores. Os senhores feu-dais, por seu lado, ja nao toleravam as exigencias de monarcas aven-tureiros e de circunstancia, que impunham uma tributacaoindiscriminada e mantinham urn estado de guerra constante, que s6causavam prejuizo a vida econ6mica e social.Isso tudo foi despertando a consciencia para a busca da unida-de, que aflnal se concretizaria com a afirmacao de urn poder sobera-

    no, no sentido de supremo, reconhecido como 0mais alto de todosdentro de uma precisa delimitacao territorial . Os tratados de paz deWestfalia tiveram 0 carater de documentacao da existencia de urnnovo tipo de Estado, com a caracterfstica basica de unidade territorialdotada de urn poder soberano. Era ja 0Estado Moderno, cujas mar-cas fundamentais, desenvolvidas espontaneamente, foram-se toman-do mais nit idas com 0 passar do tempo e a medida que, claramente70

    apo~tadas pel~s ~e6ricos, tiveram sua definicao e preservacao con-vertidas em objetivos do pr6prio Estado'".. 30. Quanto as notas cara~ter{sticas do Estado Modemo, quemurtos autores preferem denorrnnar elementos essenciais pOI serem

    t~dos ~ndispensav~i~_para a existencia do Estado, existe uma grandediversidade de opmroes, tanto a respeito da identificacao quanta domimero. Assim e que SANTI ROMANO,ntendendo que apenas a sobe-rania e a territorialidade e que sao peculiar idades do Estado indicaesses dois elementos. A maioria dos autores indica tres elementosembora divirjam quanta a eles. De maneira geral, costuma-se men-cionar a existencia de dois elementos materiais, 0 territ6rio e 0povo,hav.endo grande variedade de opinioes sobre 0 terceiro elemento, queI_?~ltOSdenominam formal. 0 mais comum e a identificacao desseul11m?elemento com 0 poder au alguma de suas expressoes, comoauton~a?~, governo ?u soberania. Para DELVECCHIO,lem do povo edo temtono que existe e 0vinculo juridico, que seria, na realidadeurn ~ist~ma ~e vfnculos, pelo qual uma multidao de pessoas encontr~a propr:a unidade na !orma do direito. Ja DONATODONATIustenta queo terc~l.ro elemento e a pessoa estatal, dotada de capacidade para aexercicio .de .duas soberanias: uma pessoal, exercida sabre povo,outra territorial, sobre 0 territ6rio. Com GROPPALIurge a afirmacaode urn quarto elemento, que e efinalidade, parecendo-lhe 6bvio, em

    ,67, ParaAROD07 FO DE STEFANO, os tipos fundamentai s de Estado podern serreduz idos a t re s: ~ C_l~ade-~sta~o, ~ Imperio Medieval e 0Estado Moderno, pare-cendo-Ihe ~ue a divisao mars mmucrosa, embora uti l para 0 estudo do problema, e-menos precisa, havendo apenas esses tres modelos institucionais irredutiveis (ll Pro-bler:ra del Potere, pag s. 8 a 12) ; GROPPALI prop6e outra t ipologia, baseada no limitemaror ou m~nor ~ue encontra 0poder do Estado, chegando aos seguin tes t ipos: a )Estado p~tTlmumal, quando 0Estado e considerado patrimonio pessoal do prfncipee 0 exerc ic io da soberania decor re da propr iedade da ter ra ; b) Estado de policia,quando 0 soberano, embora nao govemando em nome propr io, mas em nome doEstado, exer~e discri,cionariamente 0 poder publico, de conforrnidade com aquiloque ele cons~der.ade interesse d? ~st~do e dos siidi tos; c) Estado de direito, quandoos poderes sao f1gorosame~t~ discipl inados por regras juridicus . Este ult imo tipo deEstado, ,do qual procura aVlzm~ar-se 0Estado Moderno, ainda nao foi conseguidoem rea lidade , uma vez que mui ta s rel acoes entre 0Estado e os c idadaos carecemainda de regulamento ~uridi:o e de tutela jurisdicional tDoutrina do Estado, pags,1O! . e 104). Est~ c.lassl~car,:ao, apenas esbocada por GROPPALI, podera ter utilidadepratica, mas est~A~da a espera de urn amplo desenvolvimento para que severifiquesua real converuencia.

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    primeiro lugar, que as pessoas so se integram numa ordem e vivemsob urn poder, em funcao de urn fun a atingir ; em segundo lugar, aEstado, sendo dotado de ordem propria e poder tambem proprio, eevidente que devera ter uma finalidade peculiar , que just ifique suaexistencia. Par Ultimo, ATALIBA NOGUEIRA procede a urn desdobra-mento da nota caracteristica relativa ao poder, apontando a existenciade cinco notas: 0 territ6rio e 0 povo, coincidindo com as elementosrnateriais; a soberania e 0 poder de imperio, que representam doisaspectos do poder, constituindo, portanto, urn desdobramento do cha-mado elemento formal, e, alem desses, a finalidade, que indica rnaisespecificamente, como a regulacao global da vida social.

    Em face dessa variedade de posicoes, sem descer aos pormeno-res de cada teoria, vamos proceder a analise de quatro notas caracte-risticas - a soberania, 0 territorio, 0 povo e a finalidade -, cujasintese nos conduzira a urn conceito de Estado que nos parece realis-ta, porque considera todas as peculiaridades verificaveis no plano darealidade social. Evidenternente, a n093.0de ordemjundicaja se achaimplfcita, uma vez que se vai analisar determinada sociedade e todasas sociedades sao ordens jurfdicas, Quanto a finalidade, que tambempoderia parecer implicita na qualificacao prelirninar de sociedadepolitica, 0 problema e diferente, uma vez que, como procuraremosdemonstrar , M uma finalidade propria do Estado, que nao deixa deser politic a mas que apresenta certas peculiaridades.

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    SOBERANIA31.0 conceito de soberania, claramente afinnado e teoricamente

    definido desde 0 seculo XVI, e urn dos que mais tern atraido a ~ten-c,;aodos te6ricos do Estado, filosofos do di.reito, ci~~tistas politicos,intemacionalistas, historiadores das doutnnas politicas, e ~e,t~dosquantos se dedicam ao estudo das teorias e dos fen6~enos jurfdicose poli ticos. Par isso mesmo, deu margem ao apareclIr~en~o.de umatao farta bibliografia e a formulacao de uma tal multipl icidade deteorias que acabou sendo prejudicado, tomando.-se cada vez men~spreciso e dando margem a to~as as distorcoes .~!ta~as pela convem-encia. Essas distorcoes tern sido uma consequencla, sobretudo, dasignificacao politica do conceito, que se encontra na base de seu ~as-cimento e que e inseparavel dele, apesar de todo 0 esforco, relativa-mente bem-sucedido, para disciplina-lo juridicarnente. Atualmente,porem, nao obstante a imprecisao e as controversia.s, a expre~s.aos~-berania vern sendo largamente empregada na teona e na prat ica, asvezes ate mesmo para just if icar as posicoes de duas p~rtes o?ostasnum conflito, cada uma aJegando defender sua sob~ral11~.Dm ~ ~b-servacao feita por KAPLAN e KATZENBACH, de que nao. ha no DireitoIntemacional urn termo mais embaracoso que soberania, parecendo-lhes que 0 seu uso impreciso e indisciplinado tal~ez s~,deva ao fatode haver-se tornado urn "sfrnbolo altarnente emocional ,amplamen-te utilizado para conquistar simpatias em face das tendencias nacio-nalistas que vern marcando nossa epoca'",o que se verifica, apesar disso tudo, e que 0conceito ?e sobera-nia e uma das bases da ideia de Estado Modemo, tendo sido de ex-

    68. MORTON A. KAPLAN e NICHOLAS DEB. KATZENBACH, Fundamentos Politicosdo Direito Internacional, pag, 149.74

    cepcional importancia para que este se definisse, exercendo grandeinfluencia pratica nos iiltimos seculos, sendo ainda uma caracterfsti-ca fundamental do Estado. , pois, de grande interesse 0 seu estudo,que devera ser iniciado atraves da verificacao dos precedentes hist6-ricos que explicam 0 seu aparecimento.32. No Estado da Antigilidade, desde a epoca mais remota ate 0fim do Imperio Romano, nao seencontra qualquer nocao que se asse-

    melhe a soberania. Ern ARJSTOTELES, no Livro I de "A Politic a", apon-tam-se as peculiaridades da Cidade, sobretudo aquelas que a diferen-ciam da sociedade familiar, afirmando-se entao a ideia de superiori-dade da cidade-Estado, por ser dotada de autarquia. Esta expressao,entretanto, nao indica supremacia de poder, significando apenas queela era auto-suficiente, capaz de suprir as pr6prias necessidades. Doconceito de autarquia nada se pode deduzir quanta a intensidade e aamplitude interna ou externa do poder do Estado. Ern Roma tambemnao se chega a qualquer nocao que se possa considerar semelhanteou analoga a de soberania. Com efeito, os terrnos majestas, imperiume potestas, usados em diferentes circunstancias como expressoes depoder, ou indicam poderio civil ou militar, ou revelam 0 grau de au-toridade de urn magistrado, ou ainda podem externar a potencia e aforca do povo romano. Nenhuma delas, porem, indica poder supre-mo do Estado em relacao a outros poderes ou para decidir sobre de-terrninadas materias.

    Qual a razao de nao se ter chegado, ate entao, ao conceito desoberania ou a outro equivalente? A resposta a essa pergunta ja foidada com bastante precisao por JELLINEK, quando este observou que 0fato de a Antiguidade nao ter chegado a conhecer 0conceito de sobe-rania tern urn fundamento hist6rico de importancia, a saber, faltavaao mundo antigo 0 tinico dado capaz de trazer a consciencia 0 con-ceito de soberania: a oposicao entre 0poder do Estado e outros pode-res'", De fato, as atribui

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    dos poderes sociais. Durante a Idade Media, sobretudo depois doestabelecimento de imimeras ordenacoes independentes, e que 0pro-blema iria ganhar importancia, pois, entre outras inovacoes, as pro-prias atividades de seguran~a e tributacao iriam dar causa a frequen-tes conflitos, desaparecendo a distincao entre as atribuicoes do Esta-do e as de outras entidades, tais como os feudos e as comunas.Ate 0 seculo XII a situacao continua mal definida, aparecendoreferencias a duas soberanias concomitantes, uma senhorial e outrareal. Ja no seculo XIII 0rnonarca vai ampliando a esfera de sua com-petencia exclusiva, afinnando-se soberano de todo 0 reino, acima detodos os baroes, adquirindo 0poder supremo dejustica e de policia,acabando por conquistar 0poder legislativo. Assim e que 0 conceitode soberano, inicialmente relat ivo, pois se afirmava que os baroeseram soberanos em seu senhorio e 0rei era soberano em todo 0 reino,vai adquirindo 0 carater absoluto, ate atingir 0 carater superlativo,como poder supremo": No desenvolvirnento desse processo de afir-mac;aoda soberania dos reis ha urn aspecto verdadeiramente curioso:tal afirmacao se faz, de urn Iado, para tomar clara sua superioridadeem relacao aos senhores feudais e a outros poderes menores; de ou-tro, para afirmar a independencia dos reis relativamente ao Impera-dor e ao Papa. E e por causa deste ult imo aspecto que se chega a urn

    momenta intermediario, em que varias cidades italianas, como Veneza,Florenca, e outras, se afirmam como civi tates superiorem nonrecognoscentes.No final da Idade Media os monarcas ja tern supremacia, nin-guem Ihes disputa 0poder, sua vontade nao sofre qualquer limitacao,tomando-se patente 0 atributo que os teoricos logo iriam perceber, asoberania, que no seculo XVI aparece como urn conceito plenamen-te amadurecido, recebendo urn tratamento te6rico sistematico e pra-ticamente cornpleto.33. A primeira obra te6rica a desenvolver 0conceito de sobera-nia foi "Les Six Livres de la Republique", de JEAN BODIN, havendo

    70. A respei to da dupla soberania feuda l ha referencias em var ie s autores,sendo suficiente, entre tanto, a verificacao das Iontes indicadas por JELLlNEK, tendoeste transcrito aspalavras de BEAUMANOIRS, que sao altamente esclarecedoras: Cascunsbarons est sovrains en sa baronnie. Voirs est que li rois est sovrains par desor tous(GEORG JELLINEK, Teoria General del Estado, pag, 337, devendo-se verificar, especi-almente, a nota 4, constante dessa mesrna pagina),

    76

    imimeras fontes que apontam 0ano de 1576 como 0do aparecimentodessa 0bra 71.A leitura dos seis Iivros, que contern apreciacoes e con-clus6es de carater te6rico, ao lado de fartas referencias a ocorrenciashist6ricas citadas em apoio da teoria, deixa entrever que BODIN to-mou como padrao, sobretudo, a situacao da Franca, fazendo aconstatacao e ajustificacao dos costumes e completando-as com apre-ciacoes que n ao sao mais do que a revelacao de sua propria concep-qao do que haveria de ser a autoridade real. Inicia-se 0Livro I com aconceituacao da Republica, como urn direito de govemo de muitasfamflias e do que lhes e comum, com umpoder soberano. E 0Capi-tulo VIII do Livre I e totalmente dedicado ao esclarecimento do con-ceito de soberania. Diz BODIN: " . 6 necessario fonnular a definicao desoberania, porque n ao h a qualquer jurisconsuIto, nem fil6sofo politi-co, que a tenha definido e, no entanto, e 0 ponto principal e 0maisnecessario de ser entendido no trabalho da Republica". Esclarece entaoque a soberania e 0poder absoluto e perpetuo de uma Republica,palavra que se usa tanto em relaciio aos particulares quantoem re-lacdo aos que manipulam todos os negocios de estado de uma Repu-blica. Como se ve, a expressao Republica equivale ao modemo sig-nificado de Estado.Tendo afirmado que a soberania e urn poder absoluto e perpe-tuo, cuida BODIN de tomar mais claro 0 sentido dessas duas caracte-r ist icas, estendendo-se mais na explicacao da primeira. Sendo urn

    poder absoluto, a soberania nao e l imitada nem em poder, nem pelocargo, nem por tempo certo. Nenhurna lei humana, nem asdo pr6prioprincipe, nem as de seus predecessores, podem Iimitar 0poder sobe-rano. Quanto as leis divinas e naturais, todos os pnncipes da Terralhes estao sujei tos e na~ esta em seu poder contraria-las, senao qui-serem ser culpados de lesar a majestade divina, fazendo guerra aDeus,sob a grandeza de quem todos osmonarcas domundo devem dobrar-se e baixar a cabeca com temor e reverencia. Sao essas, portanto, asunicas limitacoes ao poder do soberano. Como urn poder perpetuo, asoberania nao pode ser exercida com urn tempo certo de duracao,Esclarece BODIN que, se alguem receber 0 poder absoluto por urntempo determinado, nao se pode chamar soberano, pois sera apenasdepositario e guarda do poder. Acrescenta ainda que a soberania, via

    71. Nosso estudo foi baseado numa edicao frances a de 1583, com introducaoern lat irn e os seis l ivros ern frances .

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    de regra, s6 pode existir nos Estados aristocraticos e populares, poisnestes casos, como 0 titular do poder e uma classe ou todo 0povo, hipossibilidade de perpetuacao. Nas monarquias s6 havera soberaniase forem hereditarias,Embora nao tenha mencionado a inalienabilidade como carac-teristica da soberania, 0 que outros autores fariam depois, escreve

    BODIN que, seja qual for 0 poder e a autoridade que 0 soberano conce-de a outrem, ele ruio concede tanto que niio retenha sempre mais.Dessa forma, a soberania coloca 0 seu titular, permanentemente, aci-rna do direito interno e 0 deixa livre para acolher ou nao 0 direitointemacional, s6 desaparecendo 0 poder soberano quando se extin-guir 0proprio Estado.

    Quase dois seculos mais tarde, no ano de 1762, ROUSSEAU publi-caria "0 Contrato Social", dando grande enfase ao conceito de sobera-nia e ja transferindo sua titularidade da pessoa do governante para 0povo. No Livro I, Capitulo VI, diz que 0 contrato social gera 0 corpopolitico, chamado Estado quando passivo, Soberano quando ativo ePoder quando comparado com os semelhantes. No LiVTO ITdedica 0Capitulo I dernonstracao de que a soberania e inaliendvel eo Capitu-loII a sua caracterizacao como indivistvel, sendo essas, confonne sus-tenta, as caracteristicas fundamentais da soberania. Ela e inalienavelpor ser 0exercicio da vontade geral, nao podendo esta se alienar e nemmesmo ser representada por quem quer que seja. E e indivisivel porquea vontade s6 e geral sehouver aparticipacao do todo. Ainda no mesmolivro, no Capitulo N, ROUSSEAU traca OS limites do poder soberano.Diz, entao, que 0pacto social da ao corpo politico urn poder absolutosobre todos os seus membros, e este poder e aquele que, dirigido pelavontade geral, leva 0nome de soberania. 0 poder soberano, cornpleta-mente absoluto, sagrado e inviolavel, nao ultrapassa nem pode trans-gredir os limites das convencoes gerais. A regra basica da Iirnitacao eque 0 soberano nao pode sobrecarregar os cidadaos de coisas imiteis acomunidade e tampouco pode exigi-las, devendo, finalmente, fazerexigencies iguais a todos os siiditos.

    No combate da burguesia contra a rnonarquia absoluta, que teveseu ponto alto na Revolucao Francesa, a ideia da soberania populariria exercer grande influencia, caminhando no sentido de soberanianacional, concebendo-se a nacao como 0 proprio povo numa ordem.No corneco do seculo XIX ganha corpo a nocao de soberania comoexpressao de poder politico, sobretudo porque interessava as grandespotencias, empenhadas em conquistas terr itoriais , sustentar sua78

    imunidade a qualquer limitacao juridica. Entretanto, a partir da metadedo seculo, vai surgir naAlemanha a teoria da personalidade jurfdica doEstado, que acabara sendo apontado como 0 verdadeiro titular da so-berania. E ja no seculo XX, aperfeicoada a doutrina juridica do Estado,a soberania passa a ser indicada como urna de suas notas caracteristi-cas, colocando-se entre os temas fundamentais do direito publico, de-senvolvendo-se uma completa teoriajuridica da soberania. Essa cons-trucao teorica teve urn desenvolvimento gradativo, sendo necessaria afixacao de varias posicoes, correspondentes a diversasepocas ou a di-ferentes pontos de vista, para se apreender 0 seu conjunto.34. 0 primeiro aspecto importante a considerar e 0que se refereao conceito de soberania. Entre os autores ha quem se refira a elacomo urn poder do Estado, enquanto outros preferem concebe-Ia comoqualidade do poder do Estado, sendo diferente a posicao de KELSEN,que, segundo sua concepcao normativista, entende a soberania comoexpressao da unidade de uma ordem. Para HELLER e REALE ela e umaqualidade essencial do Estado, enquanto JELLINEK prefere qualifica-la como nota essencial do poder do Estado. RANELLETTI faz uma dis-tincao entre a soberania, com 0 significado de poder de imperio, hi-potese em que e elemento essencial do Estado, e soberania com 0

    sentido de qualidade do Estado, admitindo que esta ultima possa fal-tar sem que se desnature 0Estado, 0que, alias, coincide com a obser-vacao de JELLINEK de que 0 Estado Medieval nao apresentava essaqualidade 72.Procedendo a urna sintese de todas as teorias formuladas, 0quese verifica e que a nocao de soberania esta sempre ligada a uma con-cepcao de poder, pois mesmo quando concebida como 0 centro uni-ficador de uma ordem esta implicita a ideia de poder de unificacao, 0que nos parece que realmente diferencia as concepcoes e urna evolu-9ao do sentido erninentemente polit ico para uma nocao jurfdica desoberania. Concebida em termos puramente poli ticos, a soberaniaexpressava a plena eficacia do poder, sendo conceituada como apo-

    72. Vejam-se, a esse respeito, MIGUEL REALE, Teoria do Direlto e do Estado,pag, 177; ORESTE RANELLEITI, Istiturioni di Diritto Pubblico, Parte Geral , pag. 78;GEORG JBLLINEK, Teoria General del Estado, pag, 365; COSTANTINO MORTATI, Istituzionidi Diritto Pubblico, pag, 58; HERMANN HELLER, La Soberania, pag, 214; HANS KEr.SEN,Teoria General del Estado, pag, 133; MARCO TULLIO ZANZUCCHI, lstituzioni di DirittoPubblico, pag, 20.

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    der incontrastdvel de quere r coercitivamente e defixar as competen-cias. Por esse conceito, largamente difundido, verifica-se que 0 po-der soberano nao se preocupa em ser legitime oujurfdico, import an-do apenas que seja absoluto, nao adrnitindo confrontacoes, e que te-nha meios para impor suas determinacoes, Em tal sentido, a sobera-nia, baseada na supremacia do poder do mais forte, estimulou urnverdadeiro egofsmo entre grandes Estados, pois todos se afirmavamsoberanos e s6 agiam como tais aqueles que tivessem forca para tanto.Vma concepcao puramente juridica leva ao conceito de sobera-nia como 0poder de decidir em ultima instdncia sobre a atributividade

    das nonnas, vale dizer, sobre a eficacia do direito. Como fica eviden-te, embora continuando a ser uma expressao de poder, a soberania epoder juridico utilizado para fins juridicos. Partindo do pressupostode que todos os atos dos Estados sao passfveis de enquadramentojuridico, tem-se como soberano 0poder que decide qual a regrajuri-dica aplicavel em cada caso, podendo, inclusive, negar ajuridicidadeda norma, Segundo essa concepcao nao ha Estados mais fortes oumais fracos, uma vez que para todos a nocao de direi to e a mesma. Agrande vantagem dessa conceituacao jurfdica e que mesmo os atosprat icados pelos Estados mais fortes podem ser qualif icados comoantijuridicos, permitindo e favorecendo a reacao de todos os demaisEstados.

    Vma terceira posicao, de fundamento culturalista, nem admite anocao exclusivamente polf tica, em termos de mera forca, nem con-corda em que se possa reduzir a soberania a condicao de fen6menototalmente submetido ao direito, urna vez que osfen6menos do Esta-do sao, indissoluve1mente, sociais, jurfdicos e politicos.

    Externando com muita precisao essa concepcao, MIGUEL REALEprefere denomina-la de politica, embora acentuando que sua supe-rioridade sobre as demais consiste justamente na circunstancia deque s6 ela compreende e integra os conceitos sociais, juridico e poli-tico do poder. Formula entao 0 conceito de soberania como 0poderde organizar-se juridicamente e defazer valer dentro de seu territo-rio a universalidade de suas decisi ies nos limites dos fins eticos deconvivencia'r. Assim, pois, a soberaniajamais e a simples expressaode urn poder de fato, embora nao seja integralmente submetida ao

    73. MIGUEL REALE, Teoria do Direi to e do Estado, pig. 127.

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    direito, encontrando seus lirnites na exigencia dejamais contrariar osfins et icos de convivencia, compreendidos dentro da nocao de berncomum. Dentro desses limites 0 poder soberano tern a faculdade deutilizar a coacao para impor suas decisoes,35. Quanto as caracteristicas da soberania, praticamente a tota-lidade dos estudiosos a reconhece como una, indivisivel, inalieruivele imprescritivel. Ela e una porque nao se admite num mesmo Estadoa convivencia de duas soberanias. Seja ela poder incontrastavel, ou

    poder de decisao em ultima instancia sobre a atributividade das nor-mas, e sempre poder superior a todos os demais que existam no Esta-do, nao sendo concebfvel a convivencia de mais de urn poder supe-rior no mesmo ambito. E indivisivel porque, alem das razoes queimpoem sua unidade, ela se aplica a universalidade dos fatos ocor-r idos no Estado, sendo inadmissfvel , por isso mesmo, a existenciade varias partes separadas da mesma soberania. Nao se deve con-fundir a teoria da divisao do poder, de que mais adiante se tratarapormenorizadamente, com uma forma de divisao da soberania, poisa chamada divisao do poder e , na verdade, uma distribuicao de fun-

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    essencia, superior a todas as demais vontades que se encontrem noterri t6rio submetido a ela. As relacoes entre a vontade soberana e asdemais, nao-soberanas, sao relacoes entre vontades desiguais, entresuperior e subordinadas; b) e urn poder de vontade independente, 0que se aproxima bastante da caracteristica de poder incondicionado,referida por ZANZUCCHI. preocupacao de DUGUlT,ao mencionar 0poder de vontade independente, dirige-se mais ao ambito extemo doEstado, pois, segundo ele, 0poder soberano nao admite que qualquerconvencao intemacional seja obrigat6ria para 0Estado, 0 que tomainviavel a existencia de urn direito internacional". A resposta a essacritica de DUGUIT dada pelo que se convencionou chamar de teoriada autolimitaciio do Estado, pela qual este, desde que 0entenda con-veniente, pode assurnir obrigacoes extemas, como pode fixar regrasjurldicas para aplicacao interna, sujeitando-se voluntariarnente as li-mitacoes impostas por essas norrnas. 0 prirneiro grande defensor dessateoria foi lHERING,que a justificava argumentando que, na verdade,essas limitacoes nao impIicam diminuicao, uma vez que 0Estado sesujeita a elas no seu proprio interesse.

    36. Outro aspecto importante a ser considerado e 0 que se rela-ciona com a justificaciio e a titularidade da soberania. De maneirageral as teorias justificadoras do poder soberano podem ser divididasem dois grandes grupos, com varias subdivisoes, a saber:

    Teorias teocraticas, que tiveram predominancia no fim da Ida-de Media, quando ja se prenunciava a clara conceituacao de sobera-nia, bern como no periodo absolutista doEstado Modemo. Seu pontode partida e 0 princfpio cristae, extemado por SAo PAULO,omnispotestas a Deo, ou seja, todo poder vern de Deus. Essas teorias apre-sentavam-se como de direito divino sobrenatural quando afirmavamque 0proprio Deus concedera 0poder ao prfncipe, e de direito divinoprovidencial, quando sustentavam que a soberania vern de Deus, comotodas as coisas terrenas, mas que, diretamente, ela vern do povo, ra-zao pela qual apresenta imperfeicoes, Mas, em ambos os casos, 0titular da soberania acaba sendo a pessoa do monarca.

    Teorias democraticas, sustentando que a soberania se originado proprio povo. As teorias democraticas, ou da soberania popular,apresentam tres fases sucessivas, nitidamente distintas. Na primeira,

    75. LEON DUGUIT, Lecons de Droit Public General, pag, 116.82

    II aparece como titular da soberania 0 pr6prio povo, como massaamorfa, situado fora do Estado. Numa segunda fase, que adquire seuponto de consolidacao na Revolucao Francesa, influindo sobre asconcepcoes politicas do seculo XIX e inicio do seculo XX, atituIaridade e atribufda a nacao, que e 0povo concebido numa ordemintegrante. Por ultimo, chega-se a afirrnacao de que 0 titular da sobe-rania eo Estado, 0que comecaria a ser aceito na segunda metade doseculo XIX e ganharia grande prestigio no seculo XX. Se a soberaniae urn direito, seu titular sopode ser uma pessoa juridica. Ora, 0povo,mesmo concebido como nacao, nao tern personalidade jurfdica, Mas,como ele participa do Estado e e 0 elemento formador da vontadedeste, a atribuicao da titularidade da soberania ao Estado atende asexigencies jurfdicas, ao mesrno tempo ern que preserva 0 fundamen-to dernocratico. Essa ultima concepcao e designada por MORTATIomolegitimista, pois a legit imacao do soberano, que equivale ao nasci-mento do Estado, se da com a consolidacao da ordenacao atraves dodecurso do tempo. Quando deterrninada ordenacao conseguepositividade, impondo-se ao respeito dos destinatarios, e se torna es-tavel, adquirindo carater permanente, afentao se pode dizer que exis-te poder soberano".

    37. Finalmente, quanta ao objeto e a significaciio da soberania,verifica-se que 0poder soberano se exerce sobre os indivfduos, quesao a unidade elementar do Estado, nao importando que atuem isola-damente ou em conjunto. Uma diferenca importante a ressaltar e queos cidadaos do Estado estao sempre sujeitos ao seu poder soberano,havendo mesmo imimeras hipoteses ern que esse poder e exercidoalem dos Iimites terri toriais do Estado. Relat ivamente aos que naosao cidadaos do Estado, este exerce poder soberano quando se en-contram dentro de seu terri torio, embora haja tambem alguns casosexcepcionais, que serao vistos mais adiante, em que urn estrangeironao e atingido pela soberania de urn Estado, mesrno que se ache emseu territorio, Afinnado 0 poder soberano, isto significa que, dentrodos limites territoriais do Estado, tal poder e superior a todos os de-mais, tanto dos individuos quanto dos grupos socia is existentes noambito do Estado. E com relacao aos demais Estados a afirrnacao desoberania tern a significacao de independencia, admitindo que hajaoutros poderes iguais, nenhum, porem, que the seja superior.

    76. COSTANTINO MORTATl, Istiturioni di Diritto Pubblico, pag, 64.

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    38. Por tudo quanta foi visto, pode-se concluir que 0 conceitode soberania, tendo sido de indole exclusivamente polit ica na suaorigem historica, ja se acha disciplinado juridicamente, quanta a suaaquisicao, seu exercicio e sua perda. Essa afirmacao do poder sobe-rano como poder juridico e de evidente utilidade pratica, constituin-do mais urn importante obstaculo ao uso arbitrario da forca, Como enatural, e os fatos 0comprovam constanternente, e absurdo pretenderque a soberania tenha perdido seu carater polit ico, como expressaode forca, subordinando-se totalmente a regras jundicas. Entretanto,sua caracterizacao como urn direito ja tern sido titil, quando menospara ressaltar 0 carater antijurfdico e injusto da util izacao da forcaincondicionada, para a solucao de confli tos de interesses dentro deuma ordern estatal ou entre Estados, contribuindo para a formacao deurna nova consciencia, que repudia 0usa arbitrario da forca,De fato, porem, apesar do progresso verificado, a soberania con-t inua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinonimo deindependencia, e assim tern sido invocada pelos dirigentes dos Estadosque desejam afirrnar, sobretudo ao seu pr6prio povo, nao serem maissubrnissos a qualquer potencia estrangeira; ou como expressao de po -der juridico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdi-gao do Estado, este e que tern 0poder de decisao em ultima instancia,sobre a eficacia de qualquer norma juridica, E obvio que a afirmacao

    de soberania, no sentido de independencia, se ap6ia no poder de fatoque tenha 0 Estado, de fazer prevalecer sua vontade dentro de seuslimites jurisdicionais. A conceituacao juridica de soberania, no entan-to, considera irrelevante, em principia, 0 potencial de forca material,uma vez que sebaseia na igualdade jurfdica dos Estados e pressup6e 0respeito recfproco, como regra de convivencia, Neste caso, a prevalenciada vontade de urn Estado mais forte, nos l imites dajurisdicao de urnmais fraco, e sempre urn ato irregular, antijuridico, configurando urnaviolacao de soberania, passfvel de sancoes jurfdicas, E mesmo que taissancoes nao possam ser aplicadas imediatamente, par deficiencia demeios materiais, 0 carater antijurfdico da violacao permanece, poden-do servir de base a futuras reivindicacoes bern como a obtencao desolidarledade de outros Estados.

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    TERRITORIO39. A nocao de territorio, como componente necessario do Es-tado, s6 apareceu com 0Estado Modemo, embora, it semelhanca doque ocorreu com a soberania, isso nao queira dizer que os Estadosanteriores na~ tivessem territ6rio. Na cidade-Estado, limitada a urncentro urbano e a uma zona rural circunvizinha, nao havendo ensejopara conflitos de fronteiras, nao chegou a surgir a necessidade deuma clara delimitacao territorial. Alem disso, 0 tipo de relaciona-mento entre a autoridade publica e osparticulares nao tomava impe-rat iva a definicao da ordem mais eficaz num determinado local. Du-rante a Idade Media, com a multiplicacao dos conflitos entre ordense autoridades, tornou-se indispensavel essa definicao, e ela foi

    conseguida atraves de duas nocoes: a de soberania, que indicava 0poder mais al to, e a de terri torio, que indicava onde esse poder seriaefetivamente 0 rnais alto. De fato, 0 Imperador tambem tivera a pre-tensao da supremacia. Entretanto, a indefinicao territorial, decorren-te da vocacao permanentemente expansionista do Imperio, foi umadas causas de se ter mantido sua autoridade apenas nominal, semjarnais conseguir concretizar-se.A afirmacao da soberania sobre detenninado territorio parece,em principio, uma diminuicao, pois implica 0reconhecimento de queo poder sera exercido apenas dentro daqueles limites de espaco, En-tretanto, foi com essa delimitacao que sepode assegurar a eficacia dopoder e a estabilidade da ordem. Assim, pois, a afirmacao da nocao

    de territorio foi uma decorrencia historica, ocorrendo quando osproprios fatos 0 exigiram.40. Com rarissimas excecoes, os autores concordam em reco-nhecer 0 territ6rio como indispensavel para a existencia do Estado,embora 0considerem de maneiras diferentes. Enquanto para muitosele e elemento consti tut ivo essencial do Estado, sendo urn dos ele-

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    rmentos materiais indispensaveis, outros 0 aceitam como condicaonecessaria exterior ao Estado, chegando, como BURDEAU, a conclu-sao de que ele, conquanto necessario, e apenas 0quadro natural, den-tro do qual os govemantes exercem suas funcoes?", Bern diversa e acon~ep.

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    chega a conclusao de que se trata de urn direito real institucional.Esse direito, conforrne esciarece, e exercido diretamente sobre 0 solo,e seu conteiido e determinado pelo que exige 0service da instituicaoestatal . Na verdade, a explicacao de BURDEAu nao muda a essenciado problema e a conciliacao possfvel e, segundo a maioria dos adep-tos da teoria do direito real, a diferenciacao entre urn dominio emi-nente, exercido pelo Estado sobre 0 territ6rio em geral, e urn dominiotail, exercido pelos proprietaries de cada porcao do terri torio, emparticular".

    Opondo-se a essas teorias, outros autores, entre os quais se des-taca JELLlNEK, negam a existencia de uma relacao de domfnio, susten-tando que, do ponto de vista do Direito Publico, 0domfnio exercidopelo Estado e expressao do poder de imperio. 0 imperium, que da aqualificacao das relacoes do Estado com seu terri t6rio, e urn poderexercido sobre pessoas, e e atraves destas que 0 Estado tern podersobre 0 territorio. Assim, 0 direito do Estado ao terr it6rio e apenasurn reflexo da dominacao sobre as pessoas, vale dizer , e urn dire itorejlexo, nao urn direito em sentido subjetivo. E par isso que as inva-soes de territorio sao consideradas ofensas a personalidade juridicadoEstado e nao violacao de direito real. Quanto aspartes desabitadasdo territorio, nao apresentariam dificuldades, pois sempre que alguemestivesse nessas partes, mesmo transitoriamente, 0 Estado poderiaagir, alem do que 0 territorio desabitado deve ser considerado urnespaco em que 0poder do Estado pode manifestar-se de urn momen-to para outro".Procurando superar as deficiencias e contradicoes dessas teo-rias, RANELLETII propoe uma terceira posicao, cuja base e a afirma-~ao de que 0 territorio e 0espa~o dentro do qual 0Estado exerce seupoder de imperio. Este poder se exerce sobre tudo, pessoas e coisas,que se encontre no terr itorio, Dessa maneira, afastada a ideia de queo poder de imperio so seexerce sobre pessoas, como queria JELLINEK,nao hi problema quanta as partes momentaneamente ou pennanen-

    temente desabitadas. Ao mesmo tempo, desaparece a dif iculdade

    79. Sobre essas teorias vejarn-se COSTANTINO MORTATI, Istituzioni di DirittoPubblico, pags, 66 e 67; GEORGES BURDEAU, Droit Constitutionnel et institutionsPolitiques, pags, 16 a 18; PAULO BONAVIDES, Ciencia Politica, pag, 53.

    80. Quanto a teoria do imperium veja-se GEORG JELLINEK, Teorfa General delEstado, pags, 295 a 301.88

    quanta a coincidencia de domfnios, inevitavel quando se pretenderque 0Estado tenha urn direito real sobre 0 territorio'".Dando urn tratamento original a materia, PAULOONAVIDES pro-cede ao agrupamento das teorias fonnuladas sobre 0 assunto indi-cando a existencia de quatro concepcoes fundamentais, que ~ao asseguintes:Territorio-patrimonio, caracterfstica do Estado Medieval e comalguns reflexos em teorias modernas. Essa teoria nao faz diferencia-c.;aoentre imperium e dominium, concebendo 0 poder do Estado so-

    bre 0 territorio exatamente como 0 direito de qualquer proprietariosobre urn imovel,Territ6rio-objeto, que e a que concebe 0 territ6rio como objetode urn direito real de carater publico. Embora com certas peculiarida-des, a relacao do Estado