tese comuna de paris c valle

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  • 7/24/2019 Tese Comuna de Paris C Valle

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    UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEINSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

    DEPARTAMENTO DE CINCIA POLTICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA

    CAMILA OLIVEIRA DO VALLE

    A COMUNA DE PARIS DE 1871: ORGANIZAO E AO

    NITERI2013

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    UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEINSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

    DEPARTAMENTO DE CINCIA POLTICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA

    CAMILA OLIVEIRA DO VALLE

    A COMUNA DE PARIS DE 1871: ORGANIZAO E AO

    Tese de doutorado apresentada ao Programa dePs-Graduao em Cincia Poltica (PPGCP) daUniversidade Federal Fluminense (UFF), comorequisito para a obteno do ttulo de Doutor emCincia Poltica. rea de Concentrao: TeoriaPoltica.

    Orientador: Prof. Dr. Claudio de Farias AugustoCoorientador estrangeiro: Prof. Dr. PasqualePasquino (Doutorado sanduche)

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    Agradecimentos

    Aos meus pais, Arquimedes e Fernanda, que sempre me apoiaram e possibilitaram que o

    Doutorado fosse realizado, pelo carinho e amor;Ao meu irmo Fabricio e amiga Suellen, que ouviram minhas lamentaes e me fizeram rir,

    pelos momentos de alegria, pela amizade e fora;

    s minhas avs, Carmosina e Nympha, que sempre vibraram com minhas conquistas, pelo

    exemplo;

    Aos meus padrinhos, Pricles e Margareth, e minha prima Marisa, que dividiram comigo

    alegrias e tristezas, pelo companheirismo;

    Aos familiares, que foram minha base de sustentao, pela cumplicidade;

    s amigas Denise e Ingrid, que participaram de minhas decises, pela parceria;s minhas amigas e amigos, de Florianpolis, do Rio de Janeiro e de Paris, que compartilham

    das alegrias e tristezas, pelas palavras de paz e coragem;

    Ao meu orientador, Claudio de Farias Augusto, e Ins Patrcio, que me concederam apoio e

    espao para que a tese fosse realizada, pelas conversas e ajudas;

    Ao meu coorientador estrangeiro, Pasquale Pasquino, que me permitiu ir a Paris pesquisar em

    arquivos e bibliotecas, pelo reconhecimento e debates;

    Aos professores, em especial, da Universidade Federal Fluminense, que contriburam para a

    minha formao, pelas aulas e discusses;Aos colegas de Doutorado, trabalho e estgios, que dividiram momentos de reflexo, pela

    aprendizagem;

    Universidade Federal Fluminense e seus trabalhadores, especialmente ao Coordenador do

    Programa de Ps-graduao em Cincia Poltica, Carlos Henrique Serra e aos Secretrios

    Graa e Manoel, que me deram condies para fazer a pesquisa, fazendo vencer a burocracia,

    pelo apoio, declaraes e documentos;

    cole des Hautes tudes en Sciences Sociales, que me aceitou, pela troca de expriencias;

    Aos trabalhadores e organizadores dos arquivos pesquisados na Frana, que me ajudaram ater acesso aos documentos, pela compreenso;

    A todos e todas que me ajudaram a fazer essa pesquisa, com debates, esclarecimentos e

    criao de novas dvidas, entre eles os marxistas da UFF, especialmente do NIEP-Marx, do

    Rio de Janeiro e de Florianpolis, pelo conhecimento compartilhado;

    Aos communardse communardes, que realizaram um governo de trabalhadores num contexto

    hostil, pelas lies que nos deixaram;

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    E a todos os crticos do capitalismo, espacialmente os marxistas, que me deram o

    embasamento terico para realizar essa pesquisa, por todos os estudos e lutas j realizados,

    por me dar argumentos para a crtica e por compartilharem comigo a inquietude de buscar

    superar o capitalismo.

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    RESUMO

    A Comuna de Paris feita contra o Estado Moderno, influenciando tanto o movimento dos

    trabalhadores como os tericos do socialismo cientfico. Encerra o perodo formado pelasorganizaes clandestinas para iniciar o perodo das organizaes de massa. Pe fim

    Primeira Internacional. A Comuna a anttese do Imprio, do executivo burocratizado, e

    exemplificaria o que seria a ditadura do proletariado. As condies pelas quais a Frana

    passava e o avano de conscincia dos trabalhadores permitiramque ela acontecesse. O

    governo de Defesa Nacional formado aps a queda de Napoleo, mas vai mostrando com

    as derrotas na guerra - que sua preocupao restabelecer a ordem interna, que significaria o

    retorno da monarquia. Por outro lado, os trabalhadores passam a se organizar para defender a

    repblica e a ptria, seja atravs de um comit central desvingt arrondissements(depoisdelegao) baseado em comits de vigilncia e clubes, seja atravs da guarda nacional e seu

    comit central. Diante de uma tentativa de desarmamento realizada pelo governo de Thiers, em

    18 de maro de 1871, os trabalhadores opem-se s suas ordens e instalam-se no Htel-de-

    ville, iniciando o perodo conhecido como Comuna de Paris. O governo revolucionrio da

    Comuna possua um nvel central, formado pela delegao e, depois, pelo comit central da

    guarda nacional e, em seguida, pelo Conselho, que ter funes de legislativo e executivo,

    atravs da elaborao de decretos, alm de realizar julgamentos. Organizava-se no nvel

    dosarrondissements, onde suas atividades eram realizadas pelos comits de vigilncia, pormembros do Conselho, da delegao ou indicados por eles, realizando atividades

    administrativas, civis e militares. E tinha como base os clubes e encontros pblicos. A Comuna

    foi uma nova prtica. Ela combateu o burocratismo e o parlamentarismo e deixou como lio

    que o estado burgus deve ser quebrado para que os trabalhadores possam tomar suas

    decises no sentido do fim do Estado. Mas ela mostra a possibilidade e necessidade de um

    governo transitrio dos trabalhadores e das classes subalternas aps a destruio do Estado

    burgus, que ocorre diante da reduo da complexidade na administrao. Em guerra contra o

    governo de Thiers durante praticamente toda sua existncia, a Comuna no foi um governo doterror, mas tambm exerceu a violncia, em decorrncia da prpria necessidade de us-la. Seu

    exrcito era formado pelo povo em armas, organizado na guarda nacional. Ela continha em si o

    socialismo, que percebido no apenas nas medidas da comisso do trabalho, mas na relao

    entre eleitores e delegados, na utilizao do mandato imperativo e no comprometimento que

    seus membros tinham para com seus princpios e valores.

    Comuna de ParisEstadoguerra civilrevoluopartido

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    RSUM

    La Commune de Paris est faite contre ltat moderne, influenant le mouvement des travailleurs

    et lesthoriciensdu socialisme scientifique. Elle va mettre fin la priode forme par lesorganisations clandestines et la Premire Internationale. Aprs la Commune commence la

    priode des organisations de masse. La Commune est l'antithse de l'Empire, de lexcutif

    bureaucratis et illustre ce que serait la dictature du proltariat. Les conditions dans lesquelles

    la France passait et l'avancement de la conscience ouvrire vont permettre lexistence de la

    Commune. Le Gouvernement de la Dfense Nationale est form aprs la chute de Napolon,

    mais il va montrer - avec des dfaites de la guerre - que son souci est de rtablir l'ordre

    intrieur, ce qui signifierait le retour de la monarchie. D'autre part, les travailleurs commencent

    s'organiser pour dfendre la rpublique et la patrie. Ils forment un comit central (aprs appeldlgation) qui tait fonde sur des comits de vigilance et des clubs et un comit central de la

    garde nationale. Quand le gouvernement de Thiers, le 18 mars 1871, essaye de dsarmer les

    travailleurs, ils s'opposent ses ordres et occupent l'Htel-de-ville. Lvnement est le dbut de

    la priode connue comme Commune de Paris. Le gouvernement rvolutionnaire de la

    Commune avait un centre, ce serait la dlgation et aprs le 18 mars le comit central de la

    garde nationale, puis le Conseil. Elle tait organise au niveau de larrondissement, dont

    l'organisation a t mene par des comits de vigilance, par des membres de la dlgation ou

    du Conseil ou indiqus par eux. Elle avait un niveau de base, forme par des clubs et desrunions publiques. La Commune tait une nouvelle pratique. La Commune a combattu la

    bureaucratie et la gauche parlementaire. Son exprience montre que l'tat bourgeois doit tre

    cass afin que les travailleurs peuvent exercer leur gouvernement pour mettre fin l'tat lui-

    mme. Elle montre la possibilit et la ncessit d'un gouvernement de transitiondes travailleurs

    et desclasses subalternesaprs la destruction de ltat bourgeois, qui se produit avec la

    rduction de la complexit de l'administration des choses. Dans la guerre contre le

    gouvernement de Thiers pendant presque toute son existence, la Commune n'tait pas un

    gouvernement de terreur, mais elle a exerc la violence en raison de la ncessit. Son armetait forme par des travailleurs organiss dans la garde nationale.Elle contenait en elle-mme

    le socialisme qui est peru dans les mesures de la commission du travail et dans la relation

    entre les lecteurs et les dlgus, l'utilisation du mandat impratif et dans l'engagement que

    ses membres avaient pour les principes et valeurs de la Commune.

    Commune de Paristatguerre civilervolution - partie

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    ABSTRACT

    The Paris Commune is made against the Modern State, influencing as the labor movement as

    the theorists of scientific socialism. It closes the period formed by clandestine organizations andstarts the period of the mass organizations. It ends the First International. The Commune is the

    antithesis of the Empire, the centralized executive, and exemplifies what would be the

    dictatorship of the proletariat. The conditions under which France passed and the advancement

    of workers' conscience will allow it to happen. The government of national defense is formed

    after the fall of Napoleon, but the defeats in the war will prove that his concern is to restore

    internal order, which would mean the return of the monarchy. On the other hand, workers start

    to organize themselves to defend the republic and the country, either through a central

    committee (after delegation) based on vigilance committees and clubs, either through theNational Guard and its central committee. Thiers government tries to disarm workers, on march

    18, 1871 and they oppose his orders and settle in the Htel-de-ville, starting the period known

    as the Paris Commune. The revolutionary government of the Commune had a central level.

    First, it was the delegation, second the central committee of the national guard and then the

    Council. It has the level of arrondissements, whose organization was conducted by vigilance

    committees, by members of the Council delegation or indicated by them. And a base

    organization, formed by clubs and public meetings. The Commune was a new practice. It fought

    the bureaucracy and the parliamentarism and left as a lesson that the bourgeois state must bebroken so that workers can exercise their government in order to end the state itself. It shows

    the possibility and the necessity of a transitional government of workers and subaltern classes

    after the destruction of the bourgeois state, which occurs with the reduction of complexity in the

    administration of things. The Commune was at war against the government of Thiers during

    almost its entire existence, but it was not a government of terror. They needed to use the

    violence. Its army continued to exist, now formed by organized armed people in the National

    Guard.The Commune contained the socialism that is perceived not only in the measurements of

    the commission's work, but the relationship between voters and delegates in the use of theimperative mandate and commitment that its members had for their principles and values.

    Paris CommuneStatecivil warrevolution - party

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    Sumrio

    Cronologia 10

    1. Introduo 17

    2. Dominao e emancipao 29

    a. Poltica e Estado 29

    b. Conscincia: da reproduo crtica 45

    c. Partido, governo e exrcito revolucionrios 65

    d. Revoluo: processo, ruptura e consolidao 98

    e. Comuna: uma palavra em debate 114

    3. Do Imprio Comuna 123

    a. O Imprio 123

    b. O comeo da guerra e o 31 de outubro 128

    c. Plebiscito e eleies 149

    d. Os clubes de Paris 169

    e. Do 18 de maro ao 4 de abril 180

    f. A luta na Frana e o internacionalismo 203

    4. A Comuna de 1871 209

    a. Partidos, associaes e organizaes 209

    b. O governo revolucionrio 233

    c. O exrcito revolucionrio 251

    d. Situao revolucionria e insurreio 268

    e. As decises e o programa mnimo 287

    5. Concluso 308

    6. Anexos 324

    7. Referncias Bibliogrficas 327

    a. Em portugus 327

    b. Em francs e ingls 332

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    Paix et travail, voil votre avenir.Voil la certitude de votre revanche

    et de votre rgnration sociale,ainsi comprise,la Rpublique peut encore faire de la France

    le soutien des faibles, la protectrice des travailleurs,lesprance des opprims dans le monde

    et le fondement de la Rpublique universelle le Pre Beslay,

    veterano de 1830 e 1848, discurso em 28 de maro de 1871

    Quand nous chanterons le temps des cerises,Et gai rossignol, et merle moqueur

    Seront tous en fte !Les belles auront la folie en tte

    Et les amoureux du soleil au cur!Quand nous chanterons le temps des cerises

    Sifflera bien mieux le merle moqueur !

    Jean-Baptiste Clment

    Dis-lui que par le temps rapideTout appartient lavenir;

    Que le vainqueur au front lividePlus que le vaincu peut mourir

    Louise Michel

    Vive la Commune!!

    http://fr.wikipedia.org/wiki/Jean-Baptiste_Cl%C3%A9menthttp://fr.wikipedia.org/wiki/Jean-Baptiste_Cl%C3%A9ment
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    Cronologia

    - 11 de janeiro de 1844

    Expulso de Karl Marx da Frana por deciso do Ministro des Affaires trangres- 22, 23 e 24 de fevereiro de 1848

    Manifestaes em Paris

    - 23 a 26 de junho de 1848

    Jornadas inssurrecionais em Paris. Represso violenta

    - 10 de dezembro de 1848

    Louis Bonaparte eleito presidente da Repblica

    - 2 de dezembro de 1851

    Golpe de Estado de Louis Bonaparte- 11 de janeiro de 1852

    Dissoluo da guarda nacional

    - 2 de dezembro de 1852

    Louis Bonaparte torna-se Imperador da Frana

    - janeiro de 1866

    Organizao da primeira seo da Associao Internacional de Trabalhadores (AIT) em Paris

    - 10 de janeiro de 1870

    Homicdio de Victor Noir cometido pelo princpe Bonaparte- 12 de janeiro de 1870

    Manifestaes durante o enterro de Victor Noir

    - janeiro de 1870

    Greves em Creusot

    - 8 de maio de 1870

    Plebiscito sobre a aprovao das medidas liberais tomadas por Napoleo III

    - 10 de julho de 1870

    Inicia a Guerra entre a Frana e a Prssia- 4 a 6 de agosto de 1870

    Derrotas francesas em Wissembourg, Froeschwiller e Forbach

    - 9 de agosto de 1870

    Manifestaes em Paris contra a guerra

    - 14 de agosto de 1870

    Tentativa blanquista contra o quartel dos bombeiros de la Villette

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    - 1 e 2 de setembro de 1870

    Capitulao de Napoleo III Sedan, priso do exrcito francs.

    - 4 de setembro de 1870

    Jornadas revolucionrias em Paris. Proclamao da Repblica. O general Trochu torna-sepresidente do governo da Dfense Nationale1

    - 7 de setembro de 1870

    O governo da Defesa Nacional nomeia os maires2de arrondissements3

    -18 e 19 de setembro de 1870

    Incio do sige4de Paris

    - 8 de outubro de 1870

    Manifestao no Htel-de-ville5

    - 29 de outubro de 1870Metz capitula

    - 31 de outubro de 1870

    Jornadas revolucionrias em Paris. Nova manifestao no Htel-de-Ville. Marcha e ocupao

    - 1 de novembro de 1870

    Proclamao da Primeira Comuna deMarseille

    - 3 de novembro de 1870

    Plebiscito sobre o governo de defesa nacional

    - 5 e 7 de novembro de 1870Eleies municipais de Paris

    - 26 de dezembro de 1870

    A partir dessa data, Paris constantemente bombardeada

    - 6 de janeiro de 1871

    Laffiche rougeo cartaz vermelho do Comit Republicano des XXarrondissemants6denuncia

    a traio do governo de defesa nacional

    - 18 de janeiro de 1871

    O imprio alemo proclamado noChteau

    de Versalhes

    1Defesa Nacional.2So as autoridades administrativas de cada arrondissements.3Arrondissements so as divises administrativas de Paris, a maneira como a capital dividida eorganizada geograficamente. Paris formada por XX arrondissements.4Invaso de Paris pelos prussianos.5Um dos palcios governamentais.6Comit Rpublicain des vingt arrondissemants. A explicao sobre o que esse Comit ser feita aolongo da tese.

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    - 22 de janeiro de 1871

    Trochu destitudo do governo. Jornadas revolucionrias em Paris. Fuzilamento contra a

    manifestao dos guardas nacionais7

    - 28 de janeiro de 1871O governo de Thiers assina um armistcio com a Prssia. Capitulao de Paris

    - 8 de fevereiro de 1871

    Eleies para a Assembleia Nacional

    - 13 de fevereiro de 1871

    Primeira reunio da Assembleia Nacional, em Bordeaux

    - 17 de fevereiro de 1871

    Thiers passa a ser o chefe do poder executivo

    - 22 de fevereiro de 1871Jules Valls funda o Cri du Peuple8

    - 26 de fevereiro de 1871

    Assinatura das preliminares de paz entre Thiers e Bismarck

    - 1 de maro de 1871

    Versalhes escolhida para ser o local onde ficar a Assembleia Nacional

    A paz assinada. Os prussianos entram em Paris

    - 3 de maro de 1871

    Constituio da Federao republicana da guarda nacional- 11 de maro de 1871

    Blanqui condenado morte pelos atos de 31 de outubro

    - 14 de maro de 1871

    Thiers vem a Paris e se instala na Prfecture de Police9

    - 15 de maro de 1871

    Eleio do comit central da guarda nacional10

    - 17 de maro de 1871

    Priso de Blanqui- 18 de maro de 1871

    7 A Guarda Nacional uma guarda civil existiu na Frana e em alguns outros Estados da Europaocidental. Foi criada pela primeira vez na Frana em 1789, no inicio da revoluo, e existiu comintervalos at 1871.8Jornal.9 a administrao responsvel pelas questes de polcia.10 Com a federao da guarda nacional, um comit central nomeado e passa a ser a autoridademxima da guarda nacional.

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    Canonadeem Montmartre. Aes contra a retirada dos canhes da guarda nacional. Execuo

    dos generais Lecomte e Thomas. O comit central ocupa o Htel-de-Ville

    O governo de Thiers refugfia-se em Versalhes

    - 19 de maro de 1871Reunio do comit central da guarda nacional que decide organizar as eleies. Posio de

    marchar em direo a Versalhes derrotada

    - 21 de maro de 1871

    Em Versalhes, a primeira reunio da Assembleia Nacional

    - 22 de maro de 1871

    Eudes, Duval e Brunel so nomeados delegados da guerra

    A Guarda National dispersa a manifestao dos Amigos da Ordem na Praa Vendme

    O Comit Central acolhe, no Htel-de-Ville, delegaes de Lyon, Bordeaux, Marseille, Rouenetc

    proclamada a Comuna de Lyon

    - 23 de maro de 1871

    Proclamada a Segunda Comuna de Marseillee a Comuna de Toulouse

    - 24 de maro de 1871

    Proclamao da Comuna em Narbonnee Saint Etienne

    O Comit Central remete o poder militar a trs delegados: Brunel, Eudes e Duval

    - 26 de maro de 1871Eleies da Comuna de Paris

    Proclamada a Comuna de Creusot

    - 27 de maro de 1871

    Preparaes para a proclamao da Comuna de Paris

    - 28 de maro de 1871

    O Conselho da Comuna11instala-se no Htel-de-ville

    - 31 de maro de 1871

    Hasteamento da bandeira vermelha no Panthen- 2 de abril de 1871

    Ataque de Versalhes contra Courbevoiee Puteaux

    Publicao do Decreto que separa a igreja do Estado

    11O Conselho a assembleia da Comuna, com poderes legislativos e executivos. At a sua eleio eformao, o Htel-de-ville ocupado pelo Comit Central da Guarda Nacional, que fica responsvel pelaadministrao e organizao das eleies. Depois de formado, o Conselho da Comuna ir criar 9comisses, ligadas pela comisso executiva.

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    - 3 de abril de 1871

    Resposta communardaos ataques de Versalhes. Incio da marcha em trs colunas

    Uma das colunas bate em retirada. Flourens, que a comanda, executado

    - 4 de abril de 1871A segunda coluna no consegue mais avanar. A terceira coluna, comandada por Duval,

    derrotada. Duval executado

    Derrota do ataque dos communardscontra Versalhes

    Cluseret nomeado delegado de guerra

    Fim da Comuna de Marseille

    Breve Comuna de Limoges

    - 5 de abril de 1871

    Os communardsreforam as barricadas sobre Paris- 6 de abril de 1871

    Destruio de duas guilhotinas em frente esttua de Versalhes

    - 8 de abril de 1871

    Jules Favre consegue o repatriamento de em torno de 100 mil prisioneiros do Exrcito francs

    - 11 de abril de 1871

    Criada a Union des femmes pour la dfense de Paris et les soins aux blesss12

    - 13 de abril de 1871

    Publicao do Decreto sobre a destruio da Coluna Vendme- 16 de abril de 1871

    Eleies complementares ao Conselho da Comuna

    Encontro de apoio Comuna no Hyde Park, Londres

    Trs mil trabalhadores encontram-se em Hanover, e enviam um apoio Comuna

    - 17 de abril de 1871

    Ataque anticommunardssobre o fronte nordeste

    - 25 de abril de 1871

    Bombardeamentos versalheses contraNeuilly

    - 26 de abril de 1871

    Versalheses avanam pelo setor sul, ocupam Les Moulineauxe aproximam-se dos fortes de

    Issy e de Vanves.

    - 29 de abril de 1871

    Manifestao de franco-maons. Thiers recusa qualquer conciliao

    12Unio de Mulheres para a Defesa de Paris e ajuda aos feridos.

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    Evacuao do forte dIssy pelas tropas communards, durante a madrugada de 29 para 30 de

    abril

    - 30 de abril de 1871

    Reocupao do forte dIssy- 1 de maio de 1871

    Destituio de Cluseret, que foi substitudo por Rossel como delegado da Guerra

    Criao do Comit de Salut Public13

    - 9 de maio de 1871

    Perda do forte dIssy, ocupao pelos Versalheses. Rossel anuncia e renuncia

    A Comisso de barricadas refora as defesas de Paris

    - 10 de maio de 1871

    O Conselho da Comuna decide submeter Rossel Cours Martiale14

    . Nomeao de DelescluzeA vila de Vanves tomada pelos anticommunards

    - 13 de maio de 1871

    Ocupao do forte de Vanves pelos anticommunards

    Carta de Marx a Frankel e Varlin

    - 15 de maio de 1871

    Declarao da minoria da comuna, em desacordo com a criao do ComitdeSalut Public

    Em Bruxelas, manifestao em apoio Comuna

    - 16 de maio de 1871Demolio da Coluna Vendme

    - 17 de maio de 1871

    Exploso da cartoucherie da avenida Rapp, smbolo de resistncia armada da Comuna

    - 21 de maio de 1871

    Entrada dos anticommunardsem Paris pela Porta do Pont-du-Jour

    Dissoluo da Assembleia da Comuna

    - 22 de maio de 1871

    Chamada s armas doComit de Salut Public

    Os anticommunardsocupam o sudoeste de Paris

    - 24 de maio de 1871

    Perda de Montmartre e da Place Blanche, onde lutou um batalho de mulheres comandado por

    Nathalie Lemel

    13Comit de Sade Pblica.14Corte Marcial, responsvel pelos julgamentos.

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    Dombrowsky mortalmente ferido na barricada da rua Myrrha e morre no hospital de

    Lariboisire

    O Htel-de-Ville evacuado, Delescluze e os servios da Comuna so instalados na rive

    droite15

    As tropas communards, aps resistncia no Quartier Latin e Luxemburgo, vo se retraindo

    prximo Austerlitz e no XI arrondissement

    - 25 de maio de 1871

    ntima reunio da Comuna na Mairie16do XI arrondissement

    As tropas de Mac Mahon vo em ofensiva em direo Butte-aux-Cailles, Bastilha e Chteau

    dEau

    Delescluze morto naplace du Chteau dEau

    - 26 de maio de 1871Execuo dos refns pelos communards, em resposta ao massacre realizado pelos

    anticommunards

    - 27 de maio de 1871

    Resistncia da barricada na boulevard Voltaire e no Butte-chaumont. Continuao de

    fuzilamentos cometidos pelos anticommunards

    Um dos ltimos pontos de resistncia o cemitrio Pre-Lachaise, onde muitos sero fuzilados

    no mur des Fdrs17

    - 28 de maio de 1871Alguns homens ainda lutavam na rua Fontaine-au-roi

    s 16 horas, tomada da ltima barricada communardentre as ruas Ramponneaue Tourtille

    Muitos communardsforam presos na priso de la Roquette

    Linchamento e morte de Varlin

    - 29 de maio de 1871

    Capitulao do forte de Vincennes

    - 10 de julho de 1880

    Todos os condenados que lutaram na Comuna so agraciados- 14 de julho de 1880

    Anistia.

    15Lado direito do rio Sena.16Mairie a organizao administrativa de cada arrondissementde Paris.17Muro dos Federados.

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    1. Introduo

    O Estado modernocapitalista ou burgusconsolida-se com o desenvolvimento das

    relaes sociais de produo capitalista e vai possuir diferentes formas, relacionadas tambm

    com a maneira como se manifestam essas relaes sociais. Centralizado e burocrtico, o

    Estado francs que se constitui aps a revoluo de 1789 sofrer transformaes, mas

    manter no poder as classes possuidoras e terminar por consolidar a dominao da

    burguesia.

    Contra esse Estado e governo, a Comuna de Paris feita. Ela ter reflexos tanto no

    movimento dos trabalhadores como na obra dos tericos do socialismo cientfico, em um

    momento em que Marx ainda est em plena capacidade intelectual. Seus ltimos anos de

    estudo e pesquisa so influenciados por ela. vivenciando a guerra civil na Frana que Marx

    aprofunda politicamente sua teoria. Tomando a experincia da Comuna de Paris, o pensador

    analisa a atuao dos trabalhadores enquanto governo. Mais do que isso, Lnin afirma que a

    nica correo que Marx e Engels fizeram ao Manifesto do Partido Comunista, de 1848, foi

    realizada com base na experincia da Comuna de Paris, qual seja, a de que a classe operria

    deve quebrar a mquina de Estado burgus e no apenas tomar posse dela.

    Marx viu elementos constitutivos de uma forma de poder. Ele vai usar a expresso

    ditadura do proletariado pela primeira vez no incio da dcada de 50 e , inclusive, uma

    expresso que vem de Auguste Blanqui, um dos socialistas franceses que ter destaque nas

    lutas do sculo XIX e que tem grande influncia entre os communards. uma nomenclatura,

    portanto, que vem do jacobinismo tardio francs, de tradio conspiratria. Mas Marx abandona

    a nomenclatura e vai retom-la aps a Comuna.

    A experincia da Comuna tambm teria mostrado para Engels que os mtodos de luta

    dos trabalhadores consagrados ao longo do sculo XIX estariam superados: revolues da

    minoria. Agora, as revolues ou seriam feitas pela maioria, ou no o seriam feitas.

    A Comuna de Paris um marco para o movimento dos trabalhadores. um dos

    momentos da histria em que a causa da humanidade se identificava com a causa da ptria

    sem xenofobia e isso coincidia com a causa operria estrito senso. Ela e suas consequncias

    vo influenciar diretamente as lutas operrias. As derrotas de 1848, na Frana, apresentam um

    resultado negativo para as demandas do movimento socialista, todavia, a derrota da

    Comuna,apesar de toda a dureza contra os trabalhadores, tem outro significado. J desde

    1864 Marx est prevendo e apostando no momento da recuperao do movimento socialista e

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    isso vai resultar na fundao e preparao da Associao Internacional dos Trabalhadores

    (AIT). E quando Marx tem conhecimento dos acontecimentos na Frana em 1870, posiciona-se

    contra a tentativa da tomada de poder, diante da inexistncia de condies capazes de

    conduzir vitria. Todavia, passa a apoiar a iniciativa dos trabalhadores quando ela realizadaem 1871 e como Secretrio do Conselho Geral da AIT redige as moes de solidariedade.

    Essas moes de solidariedade so ainda mais fundamentais diante tos ataques que a

    Comuna de Paris sofreu. Poderia se dizer que ela a primeira disputa ideolgica significativa

    da modernidade entre a burguesia e o proletariado, pois ainda que as calnias tenham ocorrido

    j em 1848 e durante todo o Imprio, com a Comuna que comeam esses ataques contra o

    movimento operrio da maneira feroz como ocorreu. Veja-se, inclusive, o surgimento do mito

    petroleuses18.

    A Comuna mostrou a ferocidade das classes dominantes frente aos dominados, comseus massacres e fuzilamentos. Ela evidenciou o dio de classe e desmistificoua noo de

    nao. Apontou para o internacionalismo: trabalhadores estiveram lado a lado, mas tambm os

    partidos da ordem se uniraminclusive no parlamento brasileiro ecoou um apoio represso.

    A Comuna foi o exerccio de uma democracia efetiva19, real e de classe. Ela no

    somente uma insurreio, ela um processo revolucionrio no marco da guerra entre a Frana

    e a Prssia. Os trabalhadores tinham que proteger Paris dos prussianos, mas tambm da

    burguesia, da oligarquia, dos que queriam o fim da guerra a qualquer preo.

    No apenas a discusso entre crepsculo ou aurora que envolve a Comuna, ou seja,a continuao das lutas de 1789, 1830 e 1848 ou o comeo das lutas seguintes, at culminar

    na revoluo russa e demais revolues proletrias. Ela e seus acontecimentos tm reflexos

    diretos na organizao dos trabalhadores: a superao das organizaes secretas e

    clandestinas, o fim da Primeira Internacional, o surgimento dos partidos de massas.

    Para Haupt (1972), a Comuna teria duas dimenses: como smbolo e como exemplo.

    Smbolo diante do impacto que exerceu sobre as mentalidades coletivas, sobre o movimento

    operrio. Exemplo do ponto de vista da teoria poltica revolucionria. A Comuna um elemento

    significativo no nascimento de uma conscincia operria moderna. E exemplo porque com aincorporao da Comuna ao marxismo, Marx cria as bases para a construo de uma teoria

    revolucionria.

    18Petroleiras. Refere-se aos incndios causados durante a Comuna.19No irei fazer uma anlise do termo democracia nem repblica, mas abordarei a noo de democraciatal qual Lnin aponta: a democracia de to ampliada, deixa de existir em uma sociedade comunista. J otermo repblica, no contexto da Frana e para os communards ainda no estava marcado pelasconcepes de repblica da atualidade e, muitas vezes, referia-sese pegamos os materiais produzidospelos communardsa um governo do povo, dos trabalhadores, por eles prprios.

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    A Comuna de Paris ainda est em debate. Ela intriga at mesmo porque, ainda hoje,

    muitos franceses no a conhecem e, aparentemente, o partido da atual ordem, os que

    participam do governo francs, mais ou menos direita, tambm no querem lembr-la.

    Comemora-se a revoluo de 1789, mas as lembranas da Comuna so espalhadas por umaParis que no se v: a praa da Comuna, no fim da rua da Esperancee ao final da Buttes-aux-

    cailles pequena e simples. Ali onde foi um dos focos de resistncia. O squareLouise Michel

    humilde perto da grandeza de uma Sacre Coer, construda onde ocorre o 18 de maro e para

    expurgar os pecados dos communardsque ali, naquele lugar, fuzilaram dois generais (que j

    tinham fuzilado tantos e tantos militantes, lutadores de 1848). E a boulevardAuguste Blanqui

    que, provavelmente, muitos franceses no sabem quem - ocupa um espao deslocado se

    comparada com as grandes avenidas com nomes de generais.

    O grande espao da Comuna o cemitrio. onde podemos encontrar algumareferncia um pouco mais concreta. Aux morts de la Commune 21 28 mai 1871 est

    marcado no Mur de Fdrs. Foi no Pre Lachaise e nas ruas prximas a ele que foram

    travados os ltimos embates da Comuna, e na rua Ramponneau que, segundo os

    historiadores, cai a ltima barricada. Os tmulos dos communards, elevados, muitos deles, por

    subscrio popular, como o de Auguste Blanqui e de Julles Valls, contrastam com o enorme

    monumento em homenagem a Thiers, chefe do poder executivo e responsvel pelos

    massacres.

    Mas os livros sobre a Comuna e seus arquivos no permitem que ela seja esquecida. AAssociao dos Amigos da Comuna de Paris continua em atividade, lembrando de suas

    reivindicaes, que ainda so pertinentes. Entretanto, pouco se produziu no Brasil sobre isso, o

    que me motivou ainda mais a estudar esse tema.

    O termo Comuna significa municipalidade, mas na Frana, em termos polticos, passa a

    ter outros sentidos. Essas acepes e sentidos sero analisados no primeiro captulo.

    Chamamos de Comuna de Paris quilo que ocorre entre os dias 18 de maro, quando ocorre

    o fuzilamento de dois generais em Montmartree quando ocupado o Htel-de-ville, ficando o

    poder ao comit central da guarda nacional, at 28 de maio de 1871, o final da semanasangrenta, quando as tropas do partido da ordem entram em Paris e realizam os massacres.

    uma experincia de 72 (quando teria cado a ltima barricada) / 73 dias (incluindo o dia 29,

    quando capitula o Forte se Vincennes), ainda que tenha seu preparo anterior e uma longa

    represso, inclusive judicial, aps seu encerramento.

    Com o incio da guerra entre a Frana e a Prssia, em 19 de julho de 1870 e as

    derrotas dos franceses, a situao interna do pas vai sofrendo graves complicaes. Louis

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    Bonaparte capitula em Sedan, feito prisioneiro e o imprio desmorona. Seus crticos, que

    durante todo o perodo eram perseguidos, conseguem retornar pouco a pouco Frana. Em 4

    de setembro, a repblica proclamada, sendo composta por polticos tradicionais que no

    mudam a estrutura do Imprio.O povo e, em especial, os trabalhadores de Paris comeam a fazer exigncias frente a

    esse governo, para que no ocorra uma derrota vergonhosa da Frana e, principalmente, para

    que a monarquia no seja restaurada. Durante todo esse perodo, as aes dos clubes so

    intensas. Em 18 e 19 de setembro inicia o sige (invaso, ocupao) de Paris. As

    manifestaes contra o governo so inmeras. Em 31 de outubro ocorre uma tentativa de

    ocupao do Htel-de-ville20. Essa ocupao termina ao fim desse mesmo dia, com um acordo

    no sentido da realizao de eleies municipais, que feito quando os revolucionrios

    percebem que a correlao de foras era desfavorvel a eles. Mas o acordo no cumpridopelo governo, que realiza uma manobra convocando um plebiscito.

    O plebiscito acontece em 3 de novembro e mostra que, nas principais cidades, o

    governo no possui apoio, ao contrrio do campo, onde se faz maioria. Quando ocorrem as

    eleies para as mairies21de Paris, alguns simpatizantes para a formao de uma Comuna j

    conseguem xito.

    A partir de 26 de dezembro, Paris passa a ser bombardeada sistematicamente. As

    aes polticas continuam. Em 6 de janeiro de 1871, laffiche rouge, o cartaz vermelho da

    delegao desXX arrondissemants,denuncia a traio do governo republicano.Em 18 de janeiro de 1871, o Imprio alemo proclamado no Chteaude Versalhes.

    As derrotas militares por falta de competncia ou traio geram repercusses e indignao em

    Paris. Em 22 de janeiro, muitos manifestantes vo ao Htel-de-villeexigir respostas, mas so

    surpreendidos por tiros. Trochu destitudo do governo.

    O governo demonstra sua posio de por fim guerra e o repdio em Paris aumenta, j

    que os parisienses percebem que as condies de paz sero humilhantes e que a paz significa

    o retorno da monarquia. Nos clubes e comits, os militantes de esquerda questionam a postura

    do governo, acusam-no de traio e repudiam a concluso de um armistcio.Em 28 de janeiro, o governo assina um armistcio com a Prssia e em 8 de fevereiro

    ocorrem eleies para a Assembleia Nacional, que elege uma assembleia monarquista e

    bonapartista. Em 17 de fevereiro, Thiers eleito chefe do poder executivo e em 26 de fevereiro

    20Nol (2000) aponta que ele o smbolo dos direitos e liberdades da cidade antiga (medieval) e a casado povo da cidade nova.21A mairie a organizao administrativa da cidade. Cada um dos XX arrondissementde Paris possui asua mairie.

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    ocorre a assinatura das preliminares de paz entre Thiers e Bismarck. A paz assinada em 1 de

    maro e os prussianos entram em Paris.

    Os trabalhadores, revoltados, chegaram a pensar a se opor entrada dos prussianos

    mas a ao de membros da Internacional e dos comits de la Corderie22

    fizeram com que elesevitassem um conflito desnecessrio. A indignao apenas aumenta. Em 3 de maro de 1871,

    a guarda nacional constitui sua federao republicana. o povo armado organizando-se. Em

    15 de maro, eles elegem o comit central.

    Em 17 de maro Blanqui preso e no dia 18 ocorre a canonadeem Montmartre. Em

    resposta a uma ao do governo de retirar os canhes e armas pertencentes guarda

    nacional, os guardas nacionais resistemefuzilam dois generais. A resistncia ocorre por toda a

    cidade.O governo se refugia e foge para Versalhes e os guardas nacionais ocupam o Htel-de-

    ville, onde se instalam. o incio da Comuna de Paris.O comit central passa a dar as ordens. Na reunio de 19 de maro, decide organizar

    as eleies, sendo derrotada a posio de marchar em direo a Versalhes. Em Versalhes, dia

    21 de maro, ocorre a primeira reunio da Assembleia Nacional, que repudia as aes de

    Paris.

    Enquanto em Paris os communardscomeam a organizar seu governo, em Versalhes

    continua um governo nacional, que no reconhece a Comuna. Em outras cidades da Frana

    so proclamadas Comunas, como em Lyon, Bordeaux, Marseille, Toulouse, Rouen, Narbonne

    e Saint-Etienne, mas logo so duramente reprimidas. Em outros pases da Europa, ostrabalhadores lanam manifestos em solidariedade Comuna.

    Em 24 de maro o Comit Central remete o poder militar a trs delegados: Brunel,

    Eudes e Duval. As eleies da Comuna so adiadas mais de uma vez, mas acabam se

    realizando no dia 26. No dia seguinte, iniciam os preparativos para sua proclamao, o Htel-

    de-ville tomado por bandeiras vermelhas. Em 28 de maro instalado o Conselho da

    Comuna. Organizam-se comisses e os trabalhos so constantes durante todo o perodo.

    Em 2 de abril, os anticommunards atacam, bombardeando Courbevoie e Puteaux.

    Cluseret nomeado delegado da guerra. Os ataques geram indignao em Paris, provocandouma sada desastrosa em direo a Versalhes em 3 de abril. Uma das colunas bate em

    retirada. Flourens executado. Em 4 de abril, a segunda coluna no consegue mais avanar e

    a terceira comandada por Duval, derrotada. Ele executado.

    22Os grupos de la Corderieso formados pela AIT, pelo comit des XX arrondissements de Parise pelaChambre Syndicale de socits ovrires.

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    Com as derrotas, os communardspassam a reforar as barricadas. Em 8 de abril, Jules

    Favre consegue o repatriamento de aproximadamente 100 mil prisioneiros do exrcito francs.

    No dia 16 so realizadas eleies complementares ao Conselho da Comuna.

    Os ataques versalheses no cessam. Os communardsvo apresentando complicaesmilitares, como a evacuao do forte dIssy, durante a madrugada de 29 para 30 de abril, que

    ir gerar a destituio de Cluseret, em 1 de maio, e sua substituio por Rossel, ainda que no

    dia 30 de abril o forte tivesse sido reocupado.

    Tambm diante dessas complicaes criado o Comit de Salut Public, que consolida

    a diviso no Conselho da Comuna entre a maioria e a minoria. A minoria lana um manifesto,

    em 15 de maio, criticando a deciso da maioria.

    Em 9 de maio os communards perdem o forte dIssy, Rossel anuncia a derrota e

    renuncia. A Comisso de barricadas refora as defesas de Paris. Em virtude de sua atitude, oConselho da Comuna decide submeter Rossel Cours Martiale23. Delescluze nomeado

    delegado da guerra.

    Em 13 de maio, o forte de Vanves ocupado pelos anticommunards. Em 17 de maio

    ocorre a exploso da cartoucherie da avenida Rapp, smbolo de resistncia armada da

    Comuna. Em 21 de maio ocorre a entrada dos anticommunardsem Paris pela Porta do Pont-

    du-Joure o Conselho da Comuna dissolvido. Inicia a Semana sangrenta. No dia 28 caem as

    ltimas barricadas.

    Alguns aspectos dessa experincia histrica so analisados. Mas, para alm disso,analisa-se a guerra civil na Frana e o contexto da guerra franco-prussiana, verificando-se

    como os communards se organizaram para realizar o seu governo e para lutar contra o

    governo de Versalhes.

    A partir disso, foram construdas as minhas questes e hipteses: a guerra franco-

    prussiana foi um fator determinante para o acontecimento da Comuna de Paris? Qual a sua

    relao com as aes dos trabalhadores? Pois se cada movimento, cada tentativa de ocupao

    do Htel-de-ville acontece aps vergonhosas derrotas na guerra e mesmo o 18 de maro

    desencadeado com a assinatura da paz, a guerra externa foi um acelerador histrico para quea guerra civil acontecesse?

    Inmeros partidos, organizaes, associaes e clubes existiam em Paris durante esse

    perodo e organizaram aes de crtica e questionamento ao governo. Ento, quais os partidos

    e organizaes estiveram presentes durante o perodo e como eles agiam? Eles conseguiram

    organizar o movimento e dar-lhe uma direo? O que permitiu s pessoas agirem em sentido

    23Corte Marcial, responsvel pelos julgamentos.

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    crtico? Em que medida poderia algum se opor ao que, constantemente, foi lhe passado como

    norma?

    Existiu um governo revolucionrio nesse perodo? Como ele era constitudo? Em quais

    nveis e como se dava a participao em cada um desses nveis? A falta de organizao, queligasse os diferentes lutadores da Frana, teria sido o elemento que faltou, ou seja: no havia o

    elemento subjetivo capaz de dirigir a insurreio e a guerra civil a uma revoluo? Alis, eles

    queriam a revoluo? O isolamento de Paris foi consequncia de circunstncias concretas,

    ligadas a todo o perodo da guerra franco-prussiana, ou foi decorrncia de posies polticas

    tomadas pela Comuna, onde muitos de seus membros defendiam a noo de federao?

    Ao longo do sige a guarda nacional vai sendo organizada, forma sua federao e

    elege um comit central, formando a base da organizao militar da Comuna. Como foi

    formado o exrcito revolucionrio? Como a Comuna vai se organizar militarmente? Qual aparticipao do comit central da guarda nacional e sua interferncia nas decises da

    Comuna? De que maneira as falhas militares interferiram no desempenho da Comuna? A

    deciso de realizar as eleies e no marchar em direo a Versalhes foi um apego

    legitimidade burguesa, via eleies, num momento to importanteo incio da insurreioou

    foi consequncia de uma teoria que defende a federao e critica o centralismo?

    O Conselho da Comuna decidia por decretos, resolvendo tanto questes concretas

    como debatendo princpios. Qual a contribuio poltica que a Comuna deixa? Como se

    configurou o mandato imperativo e a relao entre eleitores e eleitos?A revoluo francesa foi marcada por um Terror, por vezes necessrio, j a Comuna

    no apenas queima a guilhotina como se recusa a tomar medidas mais drsticas entre elas a

    marcha imediata contra seus opositores deixando os anticommunards se reorganizarem.

    Ento, quais as medidas violentas que a Comuna teve que tomar e por que motivo?

    As traies ao longo da histria de Frana (na verdade, ao longo da histria da

    humanidade, especialmente quando falamos de histria militar, da batalha das Termpilas

    morte de Marat), inclusive no sculo XIX, vistas e vividas por tantos communards, no teriam

    mostrado que traies tambm iriam existir e, portanto, que seria necessrio redobrar asegurana em alguns aspectos? A contrarrevoluo francesa, o massacre da insurreio de 30,

    de fevereiro e de junho de 1848, a rpida atuao em 31 de outubro e 22 de janeiro, no teriam

    mostrado aos communardsque haveria uma resposta poltica e militar?

    Se a Comuna seria o exemplo concreto da ditadura do proletariado e, portanto, esse

    momento de transio onde ainda necessrio o uso da fora, o que caracteriza esse perodo

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    e por que ele necessrio? Que governo provisrio esse que se estende aps a tomada do

    poder e d direo s transformaes?

    No abordada a discusso terminolgica ou mesmo terica sobre o conceito de

    trabalhadores, travada entre os marxistas, nem a possvel diferena entre os termos classetrabalhadora, classe proletria, proletariado, operrios etc eles so usados com um mesmo

    sentido. Logo, no explicarei porque entendo que um trabalhador de bancos um executivo

    que seria, em termos econmicos, um trabalhador (vende sua fora de trabalho e recebe um

    salrio) e um arteso que faz pares de sapatos para vender, e contrata dois trabalhadores

    assalariados a ele obedientes, seria um pequeno burgus. At porque a questo poltica, os

    valores e a posio na luta transcendem a insero econmica de classe. Ou seja, esse

    pequeno burgus pode vir a desenvolver uma conscincia de classe que um grande executivo

    trabalhador assalariado - no desenvolveria. utilizada a expresso communardse anticommunardspara diferenciar os dois lados

    que participaram da guerra civil. Mas preciso fazer a ressalva que Serman (1986) faz em seu

    livro: pelos nomes utilizados pelos seus adversrios que se definiram os partidrios da

    Comuna, chamados de communeux a partir de maro de 1871, e communards, depois de

    junho e, mais habitualmente, depois dos anos 1880. Par bravade, segundo Serman, os

    interessados e amigos aceitaram esse ltimo termo, que tambm gera polmica.

    Apesar da discusso terminolgica, essa terminologia adotada, por serem termos

    consagrados e comumente utilizados. Inclusive, pois em muitos momentos considero aquelesque lutaram na Comuna como um todo homogneo, ainda que eles no fossem um todo

    homogneo. Ou seja, as decises da Comuna so indicadas como decises de um todo nico,

    ainda que existam divergncias. Serman tambm sustenta que, apesar da diversidade de

    origens, tendncias e temperamentos, os communards formavam um todo indissocivel, onde

    a unidade era formada antes do 18 de maro e mantida at a semana sangrenta de maio.

    Para no incidir em repetio, considero que a expresso communardsabrange tanto

    homens quanto mulheres. Reconheo que no francs h a diferena entre communardsque

    se refere aos homens da Comuna - ecommunardes

    que se refere s mulheres. Entretanto,ao adotar a expresso communardsestou me referindo a ambos.

    Os autores chamam os communards de federados, insurgentes ou parisienses, uma

    vez que eles instalaram seu governo em Paris; da mesma forma que chamam de versalheses,

    partido da ordem e governo oficial, aqueles que se opuseram aos communards. Republicanos

    podem ser os membros de ambos os lados, normalmente a noo de moderado ou radical

    vem acompanhando o termo para fazer a diferenciao.

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    Por ser uma nomenclatura consagrada, irei utiliz-la, ressaltando que preciso ter

    cuidado com aquelas que possuem uma relao geogrfica, pois no foi uma guerra contra

    Paris, mas uma luta de classes: objetivo ressaltar o carter de classe dessa guerra e

    desmistificar o mito regionalista ou nacionalista. Ainda que se aponte para as Comunasidentificando as cidades em que ocorreram, da a Comuna de Marseille, de Lyon etc,

    importante ressaltar que s se compreende a guerra civil na Frana realizando-se uma anlise

    de classe. Foram os monarquistas, os burgueses, os proprietrios, contra os trabalhadores, as

    classes subalternas. O partido da ordem contra os insurgentes.

    Efetivamente, foi uma Comuna de Paris. Foi esse o poder tomado. Mas o que ela

    significa, o governo que ela desenvolve vai para alm de se pensar no governo de uma cidade.

    At porque a Comuna composta por pessoas de muitas outras cidades francesas e porque

    existiram Comunas em ouras cidades. Apesar de possuir como foco os acontecimentos quegiraram em torno de Paris, pretendo trazer tona o que significou a Comuna: uma guerra que

    no foi pontual, no foi apenas de Paris.

    Alis, o internacionalismo e a participao de estrangeiros tambm um trao marcante

    da Comuna, de modo que, s vezes, falar em guerra civil na Frana poderia representar um

    reducionismo. Esclareo, portanto, que estarei analisando um conflito, onde os acontecimentos

    de guerra se passaram na Frana, mas que teve a participao de estrangeiros,tanto em suas

    aes diretas como com moes de apoio e ajuda no exlio.

    Ainda, a Internacional e seus membros tiveram participao fundamental na guerra.Esse ser um ponto bastante tratado ao longo de minha tese, no apenas em funo do que

    eles fizeram, mas em funo do que foi a Internacional.

    Suponho que o ponto de viragem da histria a guerra franco-prussiana. Pretendo

    verificar essa hiptese. durante o perodo de guerra que as contradies do sistema ficam

    mais mostra. A guerra aflora o sentimento de defesa e, ao mesmo tempo, entrega armas aos,

    que comumente, so excludos do poder. preciso mencionar, desde j, que o

    amadurecimento da noo de Comuna e que o incio da guerra civil ocorrer tendo ampla

    relao com essa guerra entre Estados, pois s assim se entender porque tantos vierampara o lado dos revolucionrios e porque, em Paris, existiam comits de vigilncia. O chamado

    resistncia, defesa, mostrando as traies dos governos imperialistas e republicanos

    burgueses, ocorre em virtude da ocupao da Frana. E isso auxiliar a entender por que os

    acontecimentos se deram enquanto tal.

    Antes de escrever os captulos, apresento uma cronologia. Como um curto perodo

    histrico que estou analisando, esse instrumento contribui para sua compreenso. Veja-se,

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    entretanto, que no pretendo contar a histria da guerra civil ou da Comuna, que tantos autores

    j fizeram. No quero fazer uma narrativa do que aconteceu na Frana. Pretendo responder

    minhas perguntas e as hipteses que desenvolvi. Para isso, fao um estudo da histria e irei

    mencionar, inclusive cronologicamente, muitos dos eventos que ocorreram durante esseperodo. A minha proposta fazer uma anlise terica tendo por base esse evento histrico.

    Organizei a tese em trs captulos. O primeiro captulo destinado a uma anlise

    terica, sem iniciar uma verificao especfica sobre a Comuna. So abordadas questes

    fundamentais para entender o fenmeno. Posteriormente, verifica-se como esses termos,

    conceitos e noes se manifestaram durante a Comuna. Ou seja, as discusses tericas aqui

    abordadas so analisadas no caso concretono segundo e no terceiro captulos.

    Os pontos de anlise foram escolhidos em virtude da importncia que apresentam na

    compreenso do tema: a maneira como os trabalhadores se organizaram e sua ao nosentido da construo da Comuna. A Comuna apresenta discusses em diversas reas e a

    tese no tem por objetivo abordar todos esses aspectos, at pela sua impossibilidade.

    Assim, realizo um estudo terico sobre o Estado moderno, para verificar de que maneira

    a organizao comunal se ops a ele. Marx no teria uma obra especfica sobre o Estado, mas

    sua crtica ao estado e poltica permeiam suas obras. Suas anlises, seus textos de

    conjuntura mostram a importncia de se pensar em questes que se relacionam em nvel

    macro, ou seja, que transcendem e perpassam as questes concretas.

    Mas, se por um lado, o meio formaria a conscincia fazendo os sujeitos reproduzirem osvalores dominantes, por outro lado, o ser humano poderia agir no sentido da crtica.

    verificado como a conscincia pode conduzir reproduo das relaes sociais ou sua crtica

    e, portanto, a uma ao transformadora. observado, tambm, como os trabalhadores agem

    enquanto classe no sentido da mudana.

    feita uma diferenciao entre a noo de partido de Marx e Blanqui. Marx no teria

    desenvolvido uma teoria sistematizada do partido poltico, todavia, seus escritos trazem uma

    concepo de partido, que combina atividades clandestinas com aes pblicas e de massa.

    So analisados o papel que o exrcito revolucionrio ocuparia dentro da organizao poltica,por que ele seria necessrio, quais os elementos da situao revolucionria e quais as

    diferentes etapas de uma insurreio, alm da prpria noo de revoluo e guerra civil. A

    revoluo francesa estava num passado recente, a noo de revoluo e seus conceitos ainda

    permanecem no imaginrio do povo francs: a Comuna de 92, Robespierre e Marat no foram

    esquecidos.

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    O segundo captulo destinado anlise que vai do Imprio at os dias iniciais da

    Comuna, com foco central na questo histrica. Analisa-se a situao da Frana anterior

    Comuna e como a guerra entre a Frana e Prssia vai interferir na ao dos trabalhadores e na

    sua tomada de conscincia, j que eles passam por um processo de descrena e perda depacincia. So verificados: os fatores que contriburam para a tomada de conscincia dos

    communards e para que se desencadeasse um confronto; o que ocorre no 31 de outubro e

    qual sua diferena para o 18 de maro; e qual o contexto e os motivos histricos que

    permitiram que a guerra civil acontecesse.

    O terceiro captulo destinado anlise da Comuna propriamente, ou seja, verifica-se

    no caso concreto como se manifestaram os conceitos e fenmenos estudados no primeiro

    captulo: quais os partidos, organizaes e associaes participaram da Comuna; como o

    governo revolucionrio era estruturado; o que diferencia a Comuna do Estado; como serelacionaram os trabalhadores e seus delegados; como se manifestou a questo subjetiva em

    relao a essa experincia concreta; como estava estruturado o exrcito da Comuna, a guarda

    nacional; como e se ocorre uma situao revolucionria e se os decretos da Comuna

    apontavam para o socialismo.

    analisado como o poder cai nas mos do comit central da guarda nacional e qual

    sua relao com a Internacional e demais organizaes de trabalhadores. Quais as medidas

    tomadas pelo comit central da guarda nacional e pelo Conselho da Comuna. Considerando

    que muitos autores, entre eles Marx e Lnin, entendem que a derrota da Comuna se d,especialmente, em virtude da ausncia de elemento subjetivo verifica-se se h essa falha e se

    haveria, no contexto, alguma organizao que fosse capaz de ter realizado essa tarefa. Verifico

    o mecanismo do mandato imperativo e em que medida ele permite que a deciso seja tomada

    pelos trabalhadores. Analiso como estava organizada a parte militar da Comuna, os problemas

    relacionados direo e organizao, as falhas nas escolhas das delegaes e os equvocos

    militares. A utilizao das barricadas.

    A guerra civil francesa a primeira guerra onde as fotos foram utilizadas para a

    represso, para identificao de lutadores. Marx bem afirmou, quando prestes a se chegar aofim da guerra, a importncia de impedir que os papis comprometedores chegassem s mos

    do inimigo. Uma das lies da Comuna a sua derrota e como ela ocorreu.

    na concluso que vou responder minha questo central. Para Clausewitz, a guerra

    a continuao da poltica por outros meios. Outros pensadores divergem dele, mas no deixam

    de pensar essa relao entre a poltica e a guerra. Poltica poder e dominao. Como os

    trabalhadores se organizaram diante disso para tomar o poder?

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    No pretendo apontar certezas para hipteses que no teria como testar: no acredito

    que poderei afirmar que o futuro do movimento revolucionrio teria sido outro caso uma ou

    outra deciso tivesse sido tomada, ainda que possa ficar propensa a dizer. No julgarei como

    inocentes ou culpados, muito menos como responsveis pela derrota.Algumas perguntas podem no ter respostas, de toda a forma, buscar respond-las traz

    esclarecimentos sobre essas e muitas outras questes. E a prpria histria da Frana mostra

    que os problemas dos communards no eram novos, eram, talvez, apenas apresentados de

    outras formas. J Marx falava da tragdia e da farsa. No penso, portanto, que os problemas

    da atualidade sejam to novos assimainda que no sejam iguais.

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    2. Dominao e emancipao

    a. Poltica e Estado

    contra o governo e o Estado que se ergue a Comuna. Contra sua centralizao,

    burocratizao e especializao, voltadas para os interesses das classes dominantes e

    tradicionalmente governantes na Frana. A Comuna apresenta outra configurao da poltica e

    mesmo do Estado, por isso h quem afirme, como Balibar, que ela foi um no-Estado. As

    transformaes pelas quais a organizao poltica de Paris passar evidencia que a Comuna

    foi a anttese do Imprio, como mostra Marx. Ela vem do Imprio, nasce de seu ventre, mas se

    ope a ele.

    O Imprio Napolenico era centralizado, concentrado em si mesmo e burocratizado.

    Baseado numa organizao militar e suas honrarias, j no o mesmo Estado anterior

    revoluo francesa, todavia, contm muito de seus antigos privilgios sob outras formas.

    Opondo-se a ele, a Comuna trazia nela uma nova prtica e outra organizao. As medidas que

    tomou na esfera poltica so apontadas como o seu avano mais radical: democracia direta,

    corpos de trabalho concentrando os poderes executivo e legislativo, organizao em

    conselhos, ampla participao poltica, povo em armas. Por vezes, ela se apropria e resignifica

    termos que a monarquia e o imprio transformaram em palavras vazias, ou mecanismos de

    legitimao de um poder comprometido com as antigas estruturas, como o sufrgio universal24.

    Mas a que prtica poltica ela se ope? Se ela busca realizar e aprofundar a revoluo

    ao social, em uma luta contra a burguesia, qual Estado que ela estaria destruindo? No

    pretendo fazer uma abordagem aprofundada sobre o Estado e toda sua complexidade. O

    objetivo apenas apresentar, brevemente, a compreenso de poltica e a crtica ao Estado

    Moderno, burgus e capitalista, que se apresenta como uma organizao especializada capaz

    de ordenar a sociedade, mas que no pode solucionar seus conflitos sem eliminar a si mesmo.

    O que seria poltica para Marx? Em obras como o Manifesto do Partido Comunista,

    Marx afirma que poltica poder e, portanto, opresso o que daria poltica um sentido

    negativo. Em outros escritos, reconhece a importncia do movimento e da ao poltica que

    ele diferencia do que meramente econmico. Marx identifica a Comuna como uma forma

    24O sufrgio universal na Comuna refere-se participao masculina. A Comuna foi um movimento deseu tempo e ainda que as mulheres tivessem cada vez mais voz e influncia, elas no podiam sercandidatas ao Conselho da Comuna. O prprio proudhonismo refora essa postura de excluso dasmulheres.

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    poltica, um momento de transio, a ditadura do proletariado. Percebe a necessidade de um

    governo dos trabalhadoresou do Estado proletrio, como escreve Lnin - e, portanto, no

    contra toda e qualquer forma de governomesmo que esse governo seja provisrio. A poltica

    seria o elemento que oprime, mas apenas a luta polticaenquanto resistncia, organizao eaopoderia realizar a emancipao.

    Marx e Engels no dissociam a poltica das relaes sociais. Em seu conhecido

    Prefciopara a crtica da Economia Poltica, Marx afirma que asociedade formada por uma

    estrutura econmica, onde se encontram a produo social da existncia, as relaes sociais

    de produo (necessrias e independentes da vontade humana) e o grau de desenvolvimento

    das foras produtivas materiais; e a superestrutura poltica (deciso), jurdica (normatizao) e

    a conscincia social.

    As foras produtivas materiais so o conjunto das foras que somadas permitem aproduo da vida. H trs fatores que se combinam para dar um certo grau de

    desenvolvimento das foras produtivas: a natureza (da onde vm a matria), o ser humano e o

    saber fazer (conhecimento). Da a importncia que Marx d economia, termo que vem de

    oikos casa (esfera da produo da existncia). Apesar da metfora, Marx compreende o

    mundo como uma totalidade. O ser social determina a conscincia e as relaes sociais de

    produo no so determinadas pela vontade dos seres humanos, ainda que estes sejam

    sujeitos histricos.

    Nessa relao e organizao social, a poltica exerce um papel destacado de decisese reproduo das relaes sociais: da sua atuao repressora. um lugar de confronto,

    embate e luta. Para Serge, a represso uma das funes essenciais de todo o poder poltico

    e a polcia a organizao atravs da qual essa funo exercida: a tarefa da polcia seria

    vigiar, conhecer e prevenir.

    Chasin vai realizar a crtica ontolgica poltica, mostrando que a politicidade incapaz

    de promover o caminho que conduza emancipao humana. A poltica no seria um atributo

    necessrio do ser social, mas contingente no seu processo de auto-entificao.

    Chasin evidencia que Marx levado a compreender a forapoltica como fora social pervertida e usurpada, socialmenteativada como estranhamento por debilidades e carnciasintrnsecas s formaes sociais contraditrias, pois aindainsuficientemente desenvolvidas e, por consequncia, incapazesde autorregulao puramente social (J. Chasin, Marx estatutoontolgico e resoluo metodolgica, editora ensaio, So Paulo:368) (Silva, 2000, p. 3)

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    Chasin (2000: 103) afirma que a leitura dos Materiais Preparatrios de Marx para a

    elaborao de A guerra civil na Frana, mais especificamente do captulo O Carter da

    Comuna, oferece a explcita determinao do estado e da poltica em geral como meio

    orgnico de ao.Enquanto a poltica esse espao da discusso, deciso e represso, o Estado a

    organizao especializada para o exerccio dessa deciso e represso, para amortecer a luta

    de classes presente na sociedade. Para o marxismo, a poltica o lcus dos conflitos pela

    apropriao do poder poltico, o poder organizado sob sua forma estatal (Bianchi, 2007, p.41).

    Segundo Lnin, o Estado o produto e a manifestao do carter inconcilivel das

    contradies de classe. Em O Estado e a revoluo, onde analisa a obra de Marx e sua anlise

    da Comuna, aprofunda sua crtica ao estado burgus, que deveria ser destrudo. Diferencia

    este Estado do Estado proletrio, erguido sobre novas bases e que tenderia ao definhamento.Saes (1987) afirma que Marx teria apresentado diferentes tipos de Estado, que

    correspondem a tipos diversos de relaes de produo: o Estado capitalista ou burgus, o

    Estado antigo, o Estado feudal e o Estado asitico25. A base de sustentao dessa

    diferenciao realizada por Saes pode ser verificada no Prefcio: Nas suas grandes linhas, os

    modos de produo asitico, antigo, feudal e, modernamente, o burgus podem ser

    designados como pocas progressivas da formao econmica e social (Marx, 1859).

    O Estado e suas manifestaes, as formas de governo e regime, variam e podem

    apresentar-se de diferentes maneiras. a anlise de cada momento histrico com suasrelaes que permitir compreender como Estado e poltica configuram-se. Para Bianchi

    (2007: 61) a descrio feita por Marx do desenvolvimento histrico do Estado francs revelou

    que, sob um mesmo fundamento de classe, este pde assumir uma multiplicidade de formas

    determinadas pela relao de foras entre as classes.

    Segundo Saes (199, p. 16), o Estado, em todas as sociedades divididas em classes

    (escravista, feudal ou capitalista), a organizao especializada (= o poder especial de

    represso) na funo de moderar a luta entre as classes antagnicas, garantindo por esse

    modo a conservao da dominao de classe ou, por outra, o conjunto das instituies (maisou menos diferenciadas, mais ou menos especializadas) que conservam a dominao de uma

    classe por outra.

    25 Numa passagem do Terceiro Livro de O Capital, Marx define, de modo concentrado, a natureza dacorrespondncia entre forma poltica e relaes de produo (Saes, 1994, p. 17). Alm de O Capital, emoutros livros, comoA Ideologia Alem, Marx evidencia esta correspondncia.

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    Para alm de sua funo repressiva, ele possui uma organizao. Assim, o elemento

    funo no o nico para conceitu-lo, ele uma organizao especializada; um poder

    especial de represso, um grupo de homens especiais para os quais reservam a denominao

    funcionrios, o qual teria a funo oculta ou latente de amortecer o conflito de classes e frustrara revoluo social encoberta pela sua funo expressa e declarada de defender uma certa

    comunidade tnica contra os 'brbaros (Mundo Antigo), a de realizar na Terra, os desgnios de

    Deus (Mundo Medieval) ou a de satisfazer aos interesses do povo-nao (Mundo

    Contemporneo) (Saes, 1987, p. 14).

    Bianchi, analisando Marx, afirma que, como mquina de dominao, o Estado dotado

    de ferramentas institucionais exrcito permanente, polcia, burocracia, clero e magistratura

    criadas de acordo com um plano de diviso sistemtica e hierrquica de trabalho (Marx, 1968:

    60)" (2007, p. 59).Uma anlise histrica sobre a origem do Estado pode ser encontrada em A origem da

    famlia, da propriedade privada e do Estado, de Engels, onde ele analisa a organizao

    gentlica e como ela teria dado origem sociedade de classes. O autor afirma que o

    surgimento da propriedade privada teria possibilitado o surgimento de relaes sociais

    baseadas na explorao: a escravido seria a primeira delas. O Estado surgiria como rgo de

    dominao de classe, em virtude da necessidade de conter os antagonismos de uma

    sociedade dividida entre exploradores e explorados. O Estado caracterizar-se-ia pelo

    agrupamento dos seus sditos de acordo com uma diviso territorial e pela instituio de umafora pblica, que j no mais se identificaria com o povo em armas.

    Diversos autores lanaram-se na tarefa de compreender e aprofundar a teoria de Marx

    acerca do Estado e da poltica, entre eles Lnin, Gramsci, Lukcs, Althusser e Poulantzas.

    Veja-se que, por Marx no ter escrito uma obra especfica sobre o Estado, h inclusive

    discusses no sentido da existncia ou no de uma teoria marxista de Estado (Bobbio, por

    exemplo, afirma que no h uma teoria marxista de Estado) ou da existncia de uma teoria

    poltica em Marx. Colletti (1974) afirma que o marxismo carente de uma verdadeira teoria

    poltica.Todavia, Marx teria deixado tantos estudos polticos que apenas isso j contribuiria

    para compreender sua concepo de Estado. Alguns pensadores, como Althusser, acreditam

    haver uma ruptura entre o jovem Marx (obras de 1843-1844) e o velho Marx, chegando a

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    afirmar a existncia de textos pr-marxistas e propriamente marxistas26. Entretanto, parto da

    noo de que autor, no decorrer de sua vida, vai aprofundando seus estudos e elaborando sua

    teoria, o que tem reflexos em sua obra. Se o velho Marx evidencia o papel das classes na

    sociedade e sua relao com o Estado, onde a burocracia um instrumento poltico dasclasses exploradoras e os poderes Executivo e Legislativo so formas distintas de exerccio do

    poder poltico pela classe dominante; o jovem Marx evidencia a separao entre as esferas

    scio-econmica e poltica, ou seja, a existncia de um Estado que se apresenta separado da

    sociedade civil (influncia de Hegel), expresso da alienao poltica ao homem no

    possvel ver-se enquanto homem, perdendo sua essncia de ser social.

    Em obras da dita juventude, Marx sustenta que o Estado uma comunidade ilusria

    que deveria representar a vontade geral. Entretanto, em seus estudos vai afirmar que a

    vontade geral, no capitalismo, no existiria - j que a sociedade dividida em classes. Assim, aseparao entre a esfera econmica e a poltica no retira do Estado seu carter de classe,

    mas possibilita que ele se apresente, de forma ilusria, enquanto defensor da vontade geral.

    Marx sustenta que a revoluo francesa rompe com a antiga sociedade, caracterizada

    pelo feudalismo, onde os elementos da vida civil estavam elevados a elementos da vida estatal;

    ela quebra estes privilgios, tirando-os da vida estatal. EmA questo judaica, Marx diferencia a

    emancipao poltica - que seria incompleta, posto que s poltica - da emancipao humana.

    Com a emancipao poltica, o Estado passa a considerar a todos como iguais, independente

    da religio, do nascimento ou dos privilgios de classe, tal qual se dava com os senhoresfeudais. Este Estado emancipado no contm, nele mesmo, os privilgios: o Estado real.

    Entretanto, o Estado real, que j no possui uma religio, no a abole na realidade. O

    seu deslocamento em relao ao Estado, sua transferncia sociedade civil, constitui a

    consagrao da emancipao poltica. Da mesma forma, a quebra de privilgios, a abolio, no

    prprio Estado, das diferenas de nascimento, no extingue essas diferenas na prpria

    sociedade burguesa. A anulao poltica da propriedade privada e isto quer dizer que o

    Estado j no exige que se tenha a propriedade para fazer parte dele - no a destri, mas a

    pressupe. O Estado Moderno anula, a seu modo, as diferenas de nascimento, status social,propriedade, etc, mas deixa que elas atuem, a seu modo como propriedade privada, como

    status, etc. Longe de acabar com as diferenas de fato, ele existe sobre tais premissas,

    fazendo-se valer como generalidade em contraposio a estes elementos seus.

    26Saes (1994) chega a afirmar que em cada um dos blocos est presente uma concepo determinadade Estado. Sobre este debate, ver Do Marx de 1843-1844 ao Marx das Obras Histricas: duasconcepes distintas de Estado.

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    A revoluo poltica libertou o poltico; a atividade determinada de vida e a situao de

    vida determinada passaram a ter um significado puramente individual: deixaram de representar

    a relao geral entre indivduo e o conjunto do Estado as diferenas da sociedade civil j no

    mais se transferem para o Estado. Logo, a constituio do Estado poltico (e no mais religioso,j que, segundo Marx, o Estado cristo o Estado antes da revoluo poltica - reconhece

    somente privilgios) e a desagregao da sociedade civil em indivduos independentes, cuja

    relao se baseia no direito (e no nos privilgios) os direitos do homem aparecem como

    direitos naturais -, se processa num s e mesmo ato. A revoluo poltica, ento, deixa a

    sociedade civil nos seus elementos constitutivos, entretanto, sem revolucionar estas partes

    nem submet-las crtica.

    Se antes o Estado tratava com classes, corporaes os senhores feudais

    relacionavam-se com o Estado como senhores feudais -, agora o Estado passa a tratar comindivduos, que esto na condio de iguais, ainda que no estejam, de fato (ou nas prprias

    relaes sociais), na condio de iguais na sociedade burguesa. E o avano se d, justamente,

    porque tirar as classes, ou seja, fazer com que o Estado no se relacione mais com senhores

    feudais e servos, mas com cidados, um passo para se chegar ao fim das classes na

    realidade (ou seja, abolir as classes tambm nas relaes sociais). Ora, a emancipao poltica

    a reduo do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivduo egosta

    independente e, de outro, a cidado do Estado, pessoa moral.

    Primeiramente, evidencia-se o individualismo presente na sociedade burguesa, o qualse d na realidade, nas prprias relaes sociais. o indivduo que vende sua fora de

    trabalho em troca de um salrio. Mas um indivduo que pertence a uma classe, tal qual Marx

    mostrar em suas obras seguintes, a qual existe na realidade da sociedade civil, classe essa

    que produto das relaes sociais de produo, com interesses prprios. Quando considera a

    sociedade burguesa separada do Estado, Marx no quer dizer que o Estado paira no ar e que

    no tem sequer relao com ela. Marx evidencia este trao da sociedade burguesa que surge

    que, em termos polticos e jurdicos , considera a todos como iguais, um Estado que se

    apresenta como de todos e que permite a participao de todos. E essa uma presena eparticipao real. Mas, ainda que o Estado se relacione com cidados nestas condies, ele

    no deixa de ser de uma classe, da classe dominante. Como vai afirmar no Manifesto do

    Partido Comunista, o Estado um rgo de dominao de classe, e o Executivo no Estado

    Moderno um comit para gerir os negcios comuns de toda a classe burguesa.

    Neste sentido, indivduos de todas as classes podem estar em seus trs poderes, mas o

    Estado permanece tendo por funo moderar, amortecer a luta de classes, reprimindo a classe

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    dominada e garantindo a continuao da ordem. Da que, se perante o Estado, h cidados,

    estes esto inseridos em classes sociais, possuidoras de interesses antagnicos e em luta. E a

    luta de classes est, tambm, no Estado, ainda que ele seja formado por indivduos e,

    enquanto a classe burguesa permanece dominante, seja ideolgica, poltica oueconomicamente, impe sua hegemonia. Assim, a classe burguesa no est em condio de

    igualdade com o proletariado, nem em termos polticos, econmicos ou ideolgicos, mesmo

    que o Estado permita que qualquer cidado seja eleito, seja ele burgus ou trabalhador. E o

    Estado de todos, que j no trata mais com senhores e servos, mas com cidados livres e

    iguais, no est alheio s diferenas existentes na sociedade burguesa, nem s classes

    sociais. Da afirmar que a contradio existente entre o poder poltico prtico do judeu e seus

    direitos polticos a contradio entre a poltica que predomina idealmente - e o poder do

    dinheiro em geralque predomina na prtica.O Estado passa a ser o espao do universal, em contraposio sociedade burguesa

    que o espao do particular. A sociedade burguesa tem por base os indivduos, e estes

    enquanto cidados - iro se expressar perante o Estado. Pois perante o ele que atua o

    cidado - aquele que tem que pensar no universal, o qual , por fim, um homem abstrato;

    enquanto na sociedade burguesa que atua o homem real, um homem que egosta. De

    acordo com Marx, o homem da sociedade burguesa um homem no-poltico, pois atua

    segundo seus prprios interesses. O ser humano fragmentado em um homem que, perante a

    sociedade burguesa (nas suas relaes econmicas e sociais), egosta; e o homem que,perante o Estado (na comunidade), pensa ou deveria pensar - no universal. Deveria, pois

    ainda que Marx considere que o espao da poltica e do Estado o espao do pblico, do

    universal, do pensar em todos, ele afirma que o poder poltico o poder organizado de uma

    classe para a opresso da outra. Neste sentido, enquanto cidado, o homem precisaria se

    despir de seus interesses egostaso que ele no consegue fazer.

    Ora, Marx chama a ateno justamente para esse carter contraditrio do homem

    fragmentado: para o judeu ser reconhecido perante o Estado, ele tem que deixar de ser judeu

    ao menos perante o Estado, que separado da religio e se prope a tratar a todos comoiguais (faz-se referncia aqui aos estados laicos e, portanto, que j admitem e reconhecem a

    separao entre estado e religio). O judeu pode ser judeu em sua esfera privada, mas quando

    se relaciona com o Estado um cidado como qualquer outro, cristo ou ateu, e no um judeu.

    Da a ciso: o homem individual religioso, enquanto o homem genrico no . O Estado,

    ento, estranho ao ser humano. Neste sentido, se o Estado abole as diferenas, ele abole

    perante ele, pois elas permanecem; o que faz com que o Estado s possa se apresentar como

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    universal em oposio s diferenas da sociedade burguesa, ou seja, no reconhecendo as

    diferenas que existem na prpria realidade. Marx, ento, afirma que a diferena entre o

    homem religioso e o cidado a diferena entre o comerciante e o cidado, entre o trabalhador

    e o cidado, entre o indivduo vivendo e o cidado. A contradio entre o homem religioso e ohomem poltico a mesma contradio que existe entre o burgus e o cidado, entre o

    membro da sociedade burguesa e sua aparncia poltica. A consagrao do idealismo do

    estado era, simultaneamente, a consagrao do materialismo da sociedade burguesa.

    Chasin sustenta que a crtica ontolgica da poltica permite conhecer o significado maior

    do iderio marxiano: a distino necessria entre revoluo poltica e emancipao humana.

    Em Notas marginais crticas ao artigo O Rei da Prssia e a Reforma Social. Por um Prussiano,

    de 1844, Marx afirma que o Estado est baseado na contradio entre a vida pblica e a vida

    privada, na contradio entre interesses gerais e interesses particulares. O Estado no podeeliminar a contradio entra a finalidade e a boa vontade da administrao, de um lado, e os

    seus meios e capacidade, de outro, sem eliminar a si mesmo, j que se baseia nessa

    contradio. A administrao deve restringir-se, por isso, a uma atividade formal e negativa,

    pois onde a vida burguesa e o seu trabalho comeam, acaba o seu poder.

    Marx (1844) afirma que a lei natural que governa a administrao a impotncia, esta

    vileza, esta escravido da sociedade civil o fundamento do estado moderno. Se o estado

    moderno quisesse abolir a impotncia de sua administrao, teria de abolir a vida privada

    contempornea. E para abolir a vida privada, teria de abolir a si mesmo, pois ele existe apenasem oposio vida privada.

    O Estado Moderno diferencia-se das outras formas de Estado e sua caracterstica ,

    justamente, ser esse espao do universal, dos interesses gerais. Mas o Estado no tem como

    realizar os interesses de todos, no tem como ser essa universalidade. Opondo-se noo

    de interesse pblico, em A Ideologia Alem,Marx e Engels afirmam que o interesse pblico

    nada mais seria que os interesses de uma classe, que reafirma seu interesse como o de toda a

    sociedade. A classe dominante, para realizar seu propsito, obrigada a apresentar o seu

    interesse como o interesse de todos os membros da sociedade; ela tem que dar s suas ideiasa forma de universalidade e apresent-las como as nicas e universalmente vlidas. Nesse

    sentido, se o parlamento criado para agir em nome do povo, se a classe dominante

    apresenta o seu interesse como o de toda a sociedade, esse interesse de toda a sociedade

    esconde o seu prprio interesse que acaba sendo passado como interesse de todo o povo.

    No Grundrisse, Marx diferencia o capitalismo das formas pr-capitalistas por estas se

    caracterizarem por modos extraeconmicos de extrao de mais-valia. Resgatando a anlise

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    de Marx, Wood (2003) argumenta que, nas formas pr-capitalistas, a coao poltica, legal ou

    militar, obrigaes ou deveres tradicionais, determinam a transferncia de excedentes para um

    senhor ou para o Estado por meio de servios prestados, aluguis, impostos. No capitalismo,

    as funes sociais de produo e distribuio, extrao e apropriao de excedentes, e aaplicao do trabalho social so, de certa forma, privatizadas e obtidas por meios no

    autoritrios e no polticos.

    A organizao capitalista de produo pode ser considerada oresultado de um longo processo em que poderes polticos setransformaram gradualmente em poderes econmicos e foramtransferidos para uma esfera independente. A organizao daproduo sob a autoridade do capital pressupe a organizao daproduo e a reunio de uma fora de trabalho sob a autoridadede formas anteriores de propriedade privada. O processo pelo qualessa autoridade da propriedade privada se afirmou pela reunionas mos do proprietrio privado, e para seu prprio benefcio, dopoder de apropriao e da autoridade para organizar a produo,pode ser visto como a privatizao do poder poltico. A supremaciada propriedade privada absoluta parece ter se estabelecido emgrande parte por meio da devoluo poltica, a apropriao pelosproprietrios privados de funes originalmente investidas naautoridade pblica ou comunitria (grifos no original) (Wood, 2003,p. 40).

    O feudalismo ocidental resultou da fragmentao, parcelizao e privatizao do poder

    poltico. O poder de Estado cuja fragmentao produziu o feudalismo ocidental j havia sido

    substancialmente privatizado e investido na propriedade privada (Idem, p. 41). Na forma de

    administrao imperial que precedeu o feudalismo no ocidente, o poder imperial era exercido

    no tanto por meio da hierarquia de funcionrios burocrticos mas por meio de uma

    confederao de aristocracias locais, um sistema municipal dominado por proprietrios

    privados locais, cuja propriedade lhes oferecia a autoridade poltica assim como o poder de

    apropriao de excedentes. A relao entre apropriadores e produtores era uma relao entre

    indivduos, os donos da propriedade privada e os indivduos de cujo trabalho eles se

    apropriavam.

    Com a dissoluo do Imprio Romano e o fracasso dos Estados sucessores, o Estado

    imperial foi transformado em fragmentos nos quais os poderes poltico e econmico ficaram

    unidos nas mos dos senhores privados cujas funes polticas, jurdicas e militares eram ao

    mesmo tempo instrumentos de apropriao privada e de organizao da produo. A

    descentralizao do estado imperial foi seguida pelo declnio da escravido e de sua

    substituio por novas formas de trabalho dependente. A fragmentao do Estado, o fato de

    serem as relaes feudais a um s tempo um mtodo de governo e um modo de explorao,

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    significou tambm que muitos fazendeiros livres passavam a se tornar, junto com suas

    propriedades, sditos de senhores privados, abrindo mo de trabalho excedente em troca de

    proteo pessoal, numa relao de dependncia que era poltica e econmica. A natureza

    particular da relao da explorao no feudalismo e a fragmentao do Estado afetaram aconfigurao do poder de classe, tornando mais desejvel e possvel que os apropriadores

    privados expropriassem os produtores diretos.

    A caracterstica essencial do feudalismo foi, portanto, aprivatizao do poder poltico que significou uma integraocrescente da apropriao privada com a organizao autoritria daproduo. O desenvolvimento do capitalismo a partir do sistemafeudal aperfeioou essa privatizao e essa integrao pelaexpropriao completa do produtor direto e pelo estabelecimentoda propriedade privada absoluta. Ao mesmo tempo, essesdesenvolvimentos tiveram como condio necessria uma formanova e mais forte de poder pblico centralizado. O Estado tomoudas classes apropriadoras o poder poltico direto e os deveres noimediatamente associados produo e apropriao, deixando-as com poderes privados de explorao depurados de funespblicas e sociais (Idem, p. 43).

    Ainda que parea contrastante que o capitalismo represente a privatizao ltima do

    poder poltico e que ele um sistema caracterizado pela diferenciao entre o econmico e o

    poltico, ambas as afirmaes se complementam. H um contraste entre o capitalismo - o qual

    marcado por uma esfera econmica especializada e por modos econmicos de extrao de

    excedente, mas tambm por um Estado central com um carter pblico -, e a parcelizao do

    poder de Estado que une os poderes poltico e econmico privados nas mos do senhor feudal.

    Neste sentido, o capitalismo tem a capacidade nica de manter a propriedade privada e o

    poder de extrao de excedentes sem que o proprietrio seja obrigado a brandir o poder

    poltico direto no sentido convencional. A expropriao do produtor direto simplesmente torna

    menos necessrio o uso de certos poderes polticos diretos para a extrao de excedentes, e

    isso exatamente o que significa dizer que o capitalista tem poderes econmicos, e no extra-

    econmicos, de explorao (Idem, p.43).

    No capitalismo, o trabalhador livre, pois no est numa relao de dependncia ou

    servido; a transferncia da mais-valia e a apropriao dela por outra pessoa no so

    condicionadas por nenhuma relao extra-econmica. Ao mesmo tempo, o controle exercido

    pelo capital imposto pelas exigncias impessoais da produo mecanizada e da integrao

    tecnolgica do processo de trabalho. O capital tem sua disposio novas formas de coao

    puramente econmicas.

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    O controle capitalista exercido de diversas formas, desde a organizao mais

    desptica da produo at graus variveis de controle dos trabalhadores. A vida humana,

    ento, atrada para uma rbita do processo de produo. Isto evidencia a existncia de uma

    esfera econmica e de leis econmicas diferenciadas, mas tambm uma transformao dapoltica, j que a integrao da produo e da apropriao representa a 'privatizao' final da

    mesma, pois funes antes associadas a um poder poltico coercitivo esto alojadas na esfera

    privada como funes de uma classe apropriadora privada, isentas das obrigaes de atender

    a propsitos sociais. Em outro sentido, representa a expulso da poltica das esferas em que

    sempre esteve diretamente envolvida (grifo no original) (Idem, p. 46).

    A esfera poltica, portanto, apresenta-se como separada da esfera econmica. A esfera

    poltica no capitalismo tem um carter especial porque o poder de coao que apia a

    explorao capitalista no acionado diretamente pelo apropriador nem se baseia nasubordinao poltica ou jurdica do produtor a um senhor apropriador. Assim, somente

    quando sai para a rua, o conflito de classes se transforma em guerra aberta, principalmente

    porque o brao coercitivo do capital est instalado fora dos muros da unidade produtiva. O que

    significa que confrontaes violentas, quando acontecem, no se do geralmente entre capital

    e trabalho. No o capital, mas o Estado, que conduz o conflito de classes quando ele rompe

    as barreiras e assume uma forma mais violenta. O poder armado do capital geralmente

    permanece nos bastidores; e quando se faz sentir como fora coercitiva pessoal e direta, a

    dominao de classe aparece disfarada como um Estado 'autnomo' e 'neutro' (Idem, 2003,p. 47).

    A propriedade privada absoluta, a relao contratual que prende o produtor ao

    apropri